Caio Carmacho - Livre-me.pdf

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  • Pages: 96
Copyright © Editora Patuá, 2013. Livre-me © Caio Carmacho, 2013. Editor Eduardo Lacerda Projeto Gráfico, Ilustração e Capa Leonardo Mathias | flickr.com/leonardomathias

C283l

Carmacho, Caio.

Livre-me. / Caio Carmacho. – São Paulo: Patuá, 2013.

(Coleção Patuscada; v.V) ISBN 978-85-8297-017-1 1.Poesia brasileira I.Título.

CDD – 869.91

Índice para catálogo sistemático: 1.Poesia brasileira : Literatura brasileira

869.91

Todos os direitos desta edição reservados à:

Editora Patuá Rua Lobato, 86 CEP 03288-010 São Paulo - SP • Brasil Tel.: 11 2911-8156 www.editorapatua.com.br

LIBERDADE

Livre-me, poeta, da poesia chata. Demorada. Da poesia que quer ser poesia. O tempo inteiro. De nariz empinado. Livre-me, poeta, da poesia verborrágica. Eu gosto é da poesia feita nas ruas. Sem frescura. A poesia que dá nome aos bois. Aos boys. Aos bêbados. E aos travecos. A poesia que deseja a mudança de sexo. Em nome da beleza. Do amor. A saber: “um dia trocaremos enfim o sexo / e os papéis / e leremos juntos a gê magazine / do vampeta”. A poesia cheia de humor. E de leveza. Feito a poesia feita por Caio Carmacho. Neste seu esperado livro Livre-me. Conheço Caio faz tempo. Das ruelas de Paraty. Em que ele soltava a voz e as palavras. Desde sempre. Alguém que entende que a poesia é feita assim. Na raça. No pulso. Na raiva. No lirismo que é libertação. Coisas que apreendemos. Quando lemos, por exemplo, as lições “100% algodão” que esse poeta vem nos dizer: “a mãe adoeceu, / não teve jeito / aprendeu sozinho / a lavar / as próprias roupas / desde então / nunca mais tirou da / cabeça / as pequenas coisas / importantes / a mãe, o alvejante”. Livre-me, poeta, assim, da poesia limpinha. E continue nos dando (e doando) versos mínimos. Sem pompas. Versos como esses aí de cima. E outros reunidos neste bem-vindo livro. Tão leve. Tão livre. MARCELINO FREIRE

para minha mãe e todos que fazem parte da minha vida dedico este livro imperfeito que para o bem ou para o mal, é o melhor que nós temos

Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres. Se elas voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as possuí.

- John Lennon, o poeta caminhoneiro

livre-me

ESTE LADO PARA CIMA

não se deixe enganar caro leitor, para ler este poema é necessário CUIDADO muito cuidado sua arquitetura branca e FRÁGIL pode não impressionar no princípio afinal, para compreendê-lo a fundo é preciso familiaridade e um manual prático para interpretação de tipos porque nem toda surpresa vem embrulhada em papel de presente nem toda surpresa inclui pilhas

11

caio carmacho

nem toda surpresa chega lacrada com um cartão: de: para: que nem todo entregador não consiga violá-la porque o poema, caro leitor, é um eterno convite conteúdo que cabe numa embalagem que se abre

12

livre-me

meia furada

são trinta, trinta e cinco centavos trinta e cinco segundos trinta, trinta e tantos avos desesperados essa meia furada sou eu por isso amor, não me ligue a cobrar

13

caio carmacho

porção para dois para neném

amar é substância estranha insuficiente quando não boba desnorteada porque antes de tudo é palavra avulsa solta no boçal da boca louca vai se metendo em tudo quanto é brecha – clara e escura por presságio, quando damos conta do estrago, já era virou coração viajado e uma romântica porçãozinha de frango a passarinho 14

livre-me

a brisa como ela é

viaja meses sem passaporte os agentes do governo nem desconfiam a ousadia enquanto barram imigrantes de diversas etnias vai passando incógnita pelo detector de metais com seu hálito de halls preto vitimiza rostos narizes olhos nucas orelhas e sai pela porta da frente à francesa sem autógrafos flashes adeuses atravessa ruas descabela as horas arranha gargantas escapa às definições e aos dedos não contente , antes de voltar ao trabalho, tira para dançar 15

caio carmacho

todos os sacos plásticos abandonados pelas feirinhas dos bairros e os passantes pensam: ‘ai ai, que ventinho bom...’ e os velejadores pensam: ‘hoje é dia!’ e a mocinha do tempo: ‘uma nova frente fria se aproxima...’ e os parapentistas: ‘voar-voar subir-subir’ e a nasa: ‘houston, we have a poem’ e os andinos da praça da sé bem... os andinos da praça da sé só pensam em tocar céline dion para suas lhamas apaixonadas

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livre-me

workaholics

às vezes um dos móveis simplesmente estala a pia pinga a geladeira comunica seus parcelados serviços e no entanto os carros lá fora se silenciam dando caráter de grandeza à vida inanimada que se gera aqui dentro dos pequenos informes enquanto o resto do mundo dorme

17

caio carmacho

urbano rapaz

ele me aparece nublado como um sentimento clínico agendado bate duas vezes na porta sem resposta, vai-se embora com aquele espectro de lixeiro levando meu coração aos cacos

18

livre-me

horóscopo do dia

é de se pensar o que foi veio e virá entre acertos e erros sem o conforto da previsão em seus direitos enterraremos o mês de janeiro junto aos nossos submarinos imaginários planos de fuga irrealizáveis receitas de bolo e dicionários reticentes vendados seguiremos em frente com a nossa estranha e natural admiração por diminutas coincidências e pessoas sorridentes

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caio carmacho

iniciais bb para bruna beber

a musa de sanja usou as palavras como rampa e deslizou com sua prancha através de risos e sentidos distintos a repetição de bês abreviava um estilo uma marca d’água sua bunda estatelada na calçada da fama

20

livre-me

latin lovers

um dia você vai entender que eu não sou nada daquilo que você esperava príncipe de bengala escondendo a espada um dia você vai esperar que eu nade a favor da corrente rente à raia da ponta esquerda da piscina onde você me aguarda com raiva e uma toalha meu piscalerta aceso minha saída da sauna ou da praia um dia você vai nadar e nadar e nadar não dar em nada e até lá talvez você me interne e eu te entenda e passemos a nos frequentar religiosamente às terças 21

caio carmacho

um dia trocaremos enfim o sexo e os papéis e leremos juntos a gê magazine do vampeta e desse dia em diante todo canto de sereia será regido por escopetas

22

livre-me

cordão das borboletas

salvem os radicais livres do extermínio cotidiano máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças instrumentos necessários à sobrevida do pensamento

23

caio carmacho

objeto voador

não identificado balão de hélio furado estrela vulgar a vagar no céu de gêmeos só por hoje não seremos mais os mesmos

24

livre-me

livre-me

cada qual me soa inteiro quanta letra me falta um tanto de ser leve o que solto é canto

25

caio carmacho

fuga de alcatraz

e de repente a gente arrisca risca o fósforo sobre a monotonia tchau colchão zona de conforto falsa alegria

26

livre-me

latido

eu vi os artistas da minha geração comendo costelinha c/ molho barbecue no outback vagando feito espectros em blogues e redes sociais da internet fumando cigarros mentolados ilegais falando sobre pós-modernidade da moda da música do cinema da literatura da filosofia do comportamento das novelas da publicidade invejando brandamente o sucesso alheio e pleiteando novos esquemas espaços e vantagens eu vi os artistas da minha geração gritarem em vão por reconhecimento até serem descobertos e descartados pelo mercado percurso efêmero até o abismo o ostracismo o instagramismo e o esquecimento 27

caio carmacho

haraquiri

uma gueixa nua chorando sobre o tatame após uma longa luta marcial as lágrimas empapando o arroz afogando os pedaços de cebola da cumbuca de sopa não tem outro jeito, eu digo com impostação teatral e coloco minha armadura como um samurai anacrônico que esconde seus sentimentos e que morre por dentro só de pensar naquela racha sendo aberta por outra catana afiada

28

livre-me

bas-fonds

entre os dias e horas marítimas descortinadas carcomidas a cidade se desliga feito vitrolinha e existe algo suspeito uma fugaz vulgaridade teatral perdida algo pralém do que é corpo trabalho arte vida 29

caio carmacho

existe o silêncio das coisas que não precisam ser ditas a mulher que gratuitamente me mostra as tetas só quer (naturalmente) ser reconhecida e vai saber umas duzentas e quarenta e três noites varadas a assaduras & biritas

30

livre-me

mulher de meia idade para flávio de araújo

te procuro embaixo das mesas (qualquer mesa) ali opaco, fazendo sombra como uma promessa que não se cumpre sem prazo de validade percorrendo enganada a madrugada ausente toda tola, tolinha buscando membros dormentes tiro a calcinha para melhor sentir o mundo fora de mim 31

caio carmacho

mas o mundo é acanhado e não se aventura em patrimônios tombados esvazio copos de cachaça e café temperando ao meu modo a vaca atolada, prato do dia pro primeiro maluco que vier

32

livre-me

rins

o que me entristece não são os 5 reais gastos, mas a alegria transbordando a latrina

33

caio carmacho

matrioshka

você é como uma boneca russa dentro de outra boneca russa dentro de outra boneca menor e russa quantas personalidades uma mulher pode ter? só os futuros cientistas poderão saber em uma autópsia exata de sua psique mas não saberão de ti o que sei o estrondoso momento que precede os dias sangrentos

34

livre-me

casamento/conversão

este sou eu fumante traveco boêmio poeta palhaço (mãozinha pro alto, aleluia sr!) um dia antes de você me transformar em: santo barroco, marido de louça, codorna assexuada, manequim de loja de 1 e 99 dessa triste cidade nosso amor é limpo e asséptico não aceita devoluções cheques nominais ou revoluções todos esperam dele a nova safra filial crianças destruindo o playground fugindo pelo ladrão às pencas nosso lindo legado é um enorme cacho de bananas verdolengas a música-tema da última novela das oito pairando sobre todas as cabeças toalhas de banho bordadas com as nossas iniciais e nada maaaaaaais 35

caio carmacho

laerte

como defini-la quando está vestida com seu batom encarnado e sua fisionomia de tia? como negar sua genialidade diante de uma descoberta eminente uma transcendência tardia? como recriar a personagem independente das convenções sociais e toaletes da cidade?

36

livre-me

augusta

tão diferente quanto galápagos em sua biodiversidade & fauna sui generis vidas paralelas, caminhantes sem destino câmeras no lugar de olhos ipods ao invés de ouvidos darwin chora nos ombros de uma puta enquanto piazzolla toca um tango argentino

37

caio carmacho

cachaça coqueiro para dudu e toda a família mello

te devo meu lirismo minha cirrose e uma série de coisas que não recordo agora

38

livre-me

o enredo efêmero da passista

chove e você sai

descalça

na rua

e você sai

nua

na rua

e você sai

pintada

na rua

e você é

sufocada

na rua

e você bebe a água

da chuva

e você

sorri

chora

grita

agoniza

reza

para que

o fim

do mundo



seja agora

colorido

nítido

lírico

como um

último

suspiro de

vida



numa

quarta

feira

de cinzas

39

caio carmacho

turismo sexual

na geografia do corpo sou mais a pornografia dos sentidos

40

livre-me

rio

o sol se estende da orla das têmporas aos mananciais dos pés litros de espíritos superpostos acumulados em bancos de ônibus e táxis clandestinos monólito vivo da sagacidade estandarte do descompromisso a cidade suspira golpes a cidade aspira mofo a cidade urina amores enquanto 8 mil alto-falantes da furacão 2000 estouram os tímpanos do infinito 41

caio carmacho

no dia que eu parar de fumar

não haverá fogos nem rojões de torcidas organizadas e desorganizadas não me ofertarão virgens para serem sacrificadas não me convidarão para surubas ou festinhas vegetarianas regadas a suco de laranja no dia que eu parar de fumar nenhuma estrela brilhará inédita no céu nenhum feriado será decretado nenhuma moção de aplausos acontecerá ninguém reprovará minha loucura ninguém recomendará terapia ninguém dirá o que todo mundo diz no dia que eu parar de fumar me tornarei careta oficialmente e dispensarei todo o álcool do planeta e todos os poemas serão saudáveis com o hálito fresco brotando da boca, corpo e cabelos no dia que eu parar de fumar por maior que seja a minha vontade o mundo não se acabará 42

livre-me

saravá onan!

um lance de dedos jamais abolirá o desejo

43

caio carmacho

um oceano de candura & fetiche

que me perdoem as castas mas nada me deixa mais tarado que você, dentro de um box, cheirando à água sanitária

44

livre-me

espírito natalino

que seus parentes bêbados não destruam a mesa vomitem nas samambaias briguem no meio da ceia no meio da rua à porta do banheiro por causa de herança da opção sexual do time de futebol de um dos sobrinhos afastados que até pouco tempo atrás dividia o quarto com mais dois universitários de curitiba imagine só a cena sua vó chorando a morte do poodle da família dizendo que preferia morrer a ter que continuar os dias sem ele seu pai introspectivo registrando tudo ao mesmo tempo com a tekpix última geração profetizando que se o mundo não acabou no dia 21 foi por um erro de projeção mas que deste natal ninguém passará incólume enquanto os menores rasgam suas caixas e agradecem a graça recebida as bermudas e camisetas importadas da feirinha você suando feito um cavalo enchendo o cu de peru flertando com o decote daquela priminha adolescente de seios desenvolvidos e procurando as palavras certas para se desculpar com a noiva namorada a vida é assim mesmo meu amor todas as passas são uvas de águas passadas. boas festas! 45

caio carmacho

interlúdio sem pau nem cabeça

estávamos todos sentados e todos sincronicamente acenderam cigarros. ninguém aqui é bom no carteado. damos o papo, não as cartas. e daí, quem começa? depois de um trago, o ansioso: não vejo razão nenhuma pra essa reunião. um mundo inteiro lá fora e nós aqui. que esperança há nessa porra? o sensato intervém: temos que chegar ao fundo disso. esse é o verdadeiro sentido de nos reunirmos. o deprimido: não sei… não sei… fico quieto, quieto por completo. toda a cagada começou com um interesse comum e foi envolvendo todos os participantes. agora perdeu o motivo de ser. o desligado permanecia desenhando qualquer coisa no papel. ao seu lado estava o escrachado que achava graça na cena toda e o emotivo que se segurava pra não chorar na frente de todos. e eu, quieto. apesar do silêncio naquele espaço, diversas vozes interferiam numa possível comunicação interna. uma confusão que vinha de fora. de repente, mas não 46

livre-me

inesperadamente, a campainha tocou. levantei-me para atender enquanto os demais continuavam se encarando. abri a porta e escutei um comentário em tom menor vazar da mesa: ‘ele sacou que a gente sabe’. devolvi uma ruga de interrogação. todos os olhares se desconversaram. passei pela mesa direto pra cozinha. um copo d’água e um curto namoro com o escorredor. regresso à sala e uma das vozes se exalta alterada: e você, não diz nada porra?! por mim, vocês todos que se fodam! – e cortei meu pinto fora com uma faca de pão e taquei no tampo da mesa. todos se entreolharam assustados. o emotivo não se conteve e desabou em lágrimas. pegou o pinto nas mãos e começou a beijá-lo como se fosse um reencontro ao mais primitivo dos seus instintos. nesse momento, todos os olhares se encontraram e se entenderam e começaram a acariciar o caralho e a fazer danças ritualísticas. e todos começaram a se fuder com o meu pau e eu sem pau agonizava agora aos pés do sofá. uma poça de sangue foi se formando e crescendo progressivamente ao meu redor. eu não gritava. na verdade, eu até gostava daquela sensação de esvaimento. todas as entidades da minha personalidade se consumiam num só motivo, um só objetivo. a partir de hoje, meu nome é roberta close. 47

caio carmacho

livre-me II (um conceito)

como bíblias perdidas num baú de família como pecados como pedidos como livros trocados e nunca lidos como a lida diária como a bandeira da frança como um bezerro de ouro como memórias difusas

48

livre-me

como araras criadas em cativeiro como um sms psicografado como as canções de gil tom zé caetano mautner jorge ben e macalé como explosivos caseiros como poemas impublicáveis fotografias desbotadas máscaras de papel machê te dedico a maior fatia do meu cinismo & minhas sinceras desculpas

49

caio carmacho

overture XXX

augusto de campos recita poemas visuais numa praia de nudismo manoel de barros compra um grill no magazine luiza adélia prado vai com preta gil passar o carnaval na bahia poetas marginais dão aulas de etiqueta na ABL e você aí esperando godot comendo trakinas perdendo noites de sono com o monstro do ralo

50

livre-me

eu acústico para pedrote

MÚSICA que sou som SOM que dimensão traz traz de DIMENSÃO em ver o que sequer sou música de DIMENSÃO é dimensão de SOM foi é de MÚSICA se fim da lembrança de quer quem seja fui

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caio carmacho

1º semestre de semiótica

na faculdade descobri essa máxima de marx via haroldo de campos: ‘ser radical é tomar as coisas pela raiz/ e a raiz para o homem, é o próprio homem’ na época tudo o que eu via era a sua bunda e como niemeyer sonhava linhas curvas auscultava os tremores produzidos nesta fábrica de signos escatológicos e maravilhosos

52

livre-me

toda montanha serra arco ficava no chinelo comparada a esta imagem primordial que ao truque de um salto agulha revelava a beleza exata da morte duas luas eclipsando o sol

53

caio carmacho

fortuna crítica

não critique a obra critique o autor não critique o autor critique a obra o autor a obra o autor a obra oh! sejamos críticos, meus irmãos (amargamente críticos)

54

livre-me

a poesia contemporânea é...

a) - marulho - bramir de vozes geracionais - freestyle - estampido de biribinha - calotas polares derretidas - incompatibilidade de gênese - hienas no cio - monturo estético - jesus desolado (je suis désolé) - a arte bela-bélica por ela mesma - um elefante branco atravessando a folha em branco - tiê-sangue - biro-biro - o ego do poeta q está cansado de sobras - ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ fez redução de estômago - ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ saqueou um orquidário - ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ saiu em turnê pela europa - ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ ‘’ mandou lembranças b) - comprimidos antidepressivos - rodinho de pia - roda-gigante 55

caio carmacho

-

toadas tráfico de influência torradas charutos cubanos tomadas extrema-unção boneca vudu talk show greve de metalúrgicos ausência de sentido hecatombe lado b do lp do agepê artigos de segunda mão sacolé de morango obturação golpe de karatê sex shop 24h armação ilimitada pompoarismo lasanha congelada desperdício de tempo dispersão fonte de proteínas velhas em chamas diversão para toda a família

c) defina-me ou te deformo 56

livre-me

homenagem a ws

a palavra circunscrevendo a palavra circuncisão do prepúcio do sentido do duplo sentir do siso da bílis sibilante sublunar a palavra enquanto motor radiador graxa gasolina choque de ordem o poeta atravessa o século na faixa de pedestres (jogo de amarelinha) a lamborghini preta da contemporaneidade se choca com seu corpo o poeta é feito de ar mas ainda assim acaba na UTI pessoas gritam mandingam entoam versos mantras – fernando, pessoas o poeta: - meu reino não é deste mundo o poeta queria fazer uma tatuagem de henna: ‘não contém glúteos’ queria esgotar a caixa de gordura do planeta queria fazer lavagem cerebral e luzes no cabelo o poeta-sol se põe para nascer novamente o poeta VIVE – O POETA MENTE TRANSCENDE, o poeta É

57

caio carmacho

dois graus de miopia

escrever na 3ª pessoa reconhecer que existe vida inteligente lá fora que a terra gira além das órbitas dos olhos e do umbigo que nave e tripulante edson e pelé ferro e ímã são as mesmas outras coisas ressignificadas pelos pontos de vista

58

livre-me

afinidade

tenho carinho especial por canetas isqueiros e bujões de gás sem desmerecer chapéus & óculos que também entram na lista dos favoritos nossa relação sempre foi harmoniosa só fico deprimido com despedidas repentinas muito difícil tapar o buraco que fica transferir os sentimentos o dom de amar deve ser mais ou menos isso como escreveu certa vez paulo henriques britto

59

caio carmacho

caixa alta

não tenho feitio para explosões prefiro polinizar palavras a polemizar situações

60

livre-me

baratas aladas

vêm

e vão e vêm no vaivém do

vão

verão

61

caio carmacho

em algum lugar, gullar

do asteroide B612 da galáxia de saint-exupéry o pequeno príncipe dá uma geralzinha nos vulcões ameaçado pelo humor instável de uma rosa carente e bipolar arranca melancólico os últimos vestígios dos baobás e aguarda a revoada dos pássaros para emigrar em bando para outro lugar enquanto no planeta terra na cidade outrora conhecida como são sebastião do rio de janeiro à rua duvivier 49 um poeta de oitenta e poucos anos ajeita os óculos e medita sobre morte gatos galos frutas estrelas flores vivências pessoas pinturas ao mesmo tempo que mira o horizonte e limpa as unhas 62

livre-me

aberto-fechado

desde que o mundo é mundo tudo se move nessas paralelas não adianta mudar o eixo usar de capoeiras do sentido para formular um desfecho imprevisto a beleza convulsiva deve vir naturalmente caso contrário o poema se metaforiza no cárcere da sua própria semente

63

caio carmacho

o poema pergunta ao poeta como veio ao mundo

papai fez você de pau duro

64

livre-me

genética

do pai herdei o sobrenome a falta de senso prático e as mãos sem calos a possível careca alguns livros do italo calvino hemorroida e dívidas hereditárias de empreendimentos extintos quero acreditar que não sou a continuação de meu pai ainda que o nariz e o sorriso possam me denunciar

65

caio carmacho

férias frustradas

as trombetas da liberdade soarão tão altas quanto as buzinas dos automóveis de passeio o sol irradiará sobre os calangos e animais rasteiros de beira de estrada a expectativa se perderá com as frequentes ultrapassagens e calotas abandonadas e mesmo assim, sensações de paz e esperança tomarão os incautos espíritos que seguirão obstinados e em marcha lenta na pista única que leva até a praia rá, a praia... parece que é logo ali bem longe de hoje

66

livre-me

mashup

eu de cueca abrindo uma brahma gelada a queda do muro de berlim o espelho do banheiro, o embaço, o suor das coisas suas gotas crianças atirando pedras nos jambeiros um lençol branco um corpo estendido pessoas ao redor de pessoas : “não há nada para se ver aqui” é proibido proibir a vida com suas lentes polarizadas convida para uma dança espontânea uma foto espontânea um beijo espontâneo um macarrão instantâneo uma barra forte rasgando ruas sem freio abrir os olhos dentro da piscina abrir os olhos dentro do mar abrir os olhos dentro da vagina: respirar 67

caio carmacho

uma coleção de clichês pode me servir perfeitamente neste momento plataformas de petróleo extraindo lágrimas dos olhos um pavão que abre seu leque prismático não sabe os abalos sísmicos que provoca a beleza é uma península situada entre o coração o pulmão e o cérebro de nada adianta fotos e postais quem nunca esteve lá, além de não saber o que estou sentindo não faz ideia do que estou falando

68

livre-me

maturidade

nasci aberto para o mundo e exatamente por isso demorei muito para aprender a dizer não o alvo preferido das atendentes de telemarketing dos ambulantes dos crentes dos bêbados dos mendigos e instituições de caridade o incrível engolidor de batráquios que tomava no rabo pelo chefe que nunca negou a vontade da mãe da namorada dos amigos filhos irmãos e afins 69

caio carmacho

e isso tudo pra quê? não adianta ser gente fina e esperar em troca uma estátua de bronze a medalha da são silvestre uma recompensa divina divino mesmo é ter um não sob medida se aquecendo no ringue ansiando a sineta para desferir o maior golpe da língua

70

livre-me

western spaghetti

a trégua cessou com a chegada do carteiro não se aproxime, eu disse ele ignorou adverti-o novamente me olhou de esguelha um feno cruzava as duas extremidades da garagem um carro de som anunciava as pamonhas de piracicaba as contas do mês me acertaram mais rápido que qualquer bala

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caio carmacho

tragédia doméstica – 1º ato

- tô ficando maluco! digo com ar grave de quem enxerga luz no escuro ela me encara e bebe suco

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livre-me

cronos mandou um beijo

após a queda de energia todos os relógios tornaram-se autônomos & cada dormitório da casa adotou um horário específico de gestação daí em diante minha passada do banheiro para a cozinha às 9h30 virou uma marcha-ré em delay descompassada espremer as espinhas vespertinas = um ato longuíssimo de horror e higiene o dia por sua vez ficou curto para tanto sono acelerado RETROCEDER: o pé de feijão virou broto num king size de algodão ex-namoradas voltaram mortas-vivas de suas tumbas para cobrar eterna fidelidade 73

caio carmacho

regina casé se transmutou em chacrinha a boneca nº2 da xuxa veio buscar minha alma na calada da noite após arranhar as coxas e costelas de toda a família AVANÇAR: vejo os filhos dos meus filhos tendo filhos e mais filhos brigando pela herança e me mandando prum asilo vejo também mulheres com guelras e crianças com nadadeiras comprando oxigênio genérico no atacadão PROSSEGUIR: o tempo é o não-tempo e o não-tempo é o não-espaço toda lembrança é contraditória já que a vida é invenção o futuro uma astronave sem gps e direção freak show ficção somos todos ilhas oníricas de sentimentos em edição

74

livre-me

informe publicitário

é necessário dizer em caráter de urgência que a vida não é só alarde que a coisa mais sensacional do universo está em falta no mercado que o horário de funcionamento varia de acordo com o feriado que o preço da prateleira não corresponde com o do caixa que ser eleito o bebê hipoglós amêndoas é uma vergonha desnecessária que a promoção relâmpago do amor-próprio encerrou semana passada

75

caio carmacho

metralhadora giratória de currículos

tomar de assalto o mercado como um pirata invadir todas as costas com textos de apresentação prontos no claro pretexto dos sem-terra de assumir os latifúndios improdutivos à revelia da bandeira estatística cravada numa caverna escura de ilusão e desencanto a quimera do salário a cercear nossos dias e alegrias prazer, minha experiência de vida não faz jus a nenhum portfólio

76

livre-me

oração para ades, o deus suco

ergo o cálice de requeijão e faço um brinde ao deus dos deuses invocando das profundezas de minha gaveta de verduras decaídas e frutas imemoriais a fé inquebrantável em sua força oculta vaca profana de tetra pak sob a luz frígida de minha geladeira seu sangue de maçã de soja tem poder seu sangue de uva de soja tem poder seu sangue de manga de soja tem poder abençoado vou à academia onde te abro e te sorvo como um fiel absorto na sua própria adoração 77

caio carmacho

sejam louvados em todo o universo todas as casas todas as camas todas as gôndolas de todos os supermercados paratodoosempre

ó magnificente deus sucão e seu insólito rebanho amém!

78

livre-me

o sonho antes do sonho

isto não é uma notícia ou sequer um cachimbo não é música poema abismo não são anjos caídos tocando violinos no meio-fio da vida não são números primos não é concerto a céu aberto reunião de família fonte alternativa de energia mas pode ser silêncio seca escassez 79

caio carmacho

pode ser o lado escuro da lua um enroladinho de salsicha a vizinha gostosa o universo numa casca de noz ou tudo ao contrário cinemas assistindo pessoas cidades gozando pontes automóveis sonhando avenidas rotinas ofuscadas pelas supernovas destes dias

80

livre-me

lição 100% algodão

a mãe adoeceu, não teve jeito aprendeu sozinho a lavar as próprias roupas desde então nunca mais tirou da cabeça as pequenas coisas

importantes

a mãe, o alvejante

81

caio carmacho

público-alvo

não quero poesia florida sem sal cheia de eufemismos e nunca mais patéticas imagens, pornografia grátis, previsibilidade ou ensejos verbais quero que minha via tenha razão de ser bala perdida na cabeça de quem me ler

82

livre-me

uma balada hardcore para silvia saint

você que de santa nunca teve nada que povoou meu imaginário e minhas estantes pornográficas com audaciosas posições ornamentais na década de 90 onde está você silvia saint q não te escuto/ toco/ vejo[???] em que site te downloadear? já pedi pro odair josé compor uma balada na linha de ‘cadê você’ para lhe oferecer nu em pelo quando aterrissar na república tcheca levarei todo o meu dinheiro e uma réplica sua de silicone e finalmente você será minha 83

caio carmacho

só minha sem cu doce (ou com, como preferir) quando o inverno chegar eu quero tchu eu quero tchá te ofertar meu leite ainda quente me batizar na fonte do deleite e renascer feito um lázaro ou um alien do seu ventre

84

livre-me

mosh

para o bem e para o mal, a vida acontece. não adianta divisá-la, evitá-la ou isolá-la com arame farpado. não adianta, a vida atravessa. esse é o mistério, esse é o fascínio: certeza que o tombo equivale ao salto

85

caio carmacho

da urgência das coisas

a ambição possui 7 cabeças que pensam sozinhas individualmente seu delírio não pode ser medido por uma trena invisível hoje acordei e ao meu lado dormia profundo o sonho da casa própria o carro do ano que nunca terei as deusas gregas do photoshop os lençóis de 600 fios as viagens imaginárias ao velho continente a tv de led 3D a ilha de caras e o número certeiro da mega-sena aos poucos a utopia vira ruína artigo de galeria e eu te pergunto, meu chapa sua vida sem um iPhode foi só alegria? 86

livre-me

o amor, este náufrago

ilhado entre o horizonte e o mar sonhando acordado na fenda secular de cada dia desastrado que é no seu labor de vida engendra gestos artificiais & flores do mais no jardim onde dois pares de remelas são milagres matinais 87

caio carmacho

a importância do convívio

dia de velório reúne a família ninguém sabe ao certo o motivo é um aniversário ao contrário a morte serve para lembrar o que se deve guardar plantar os vivos cuidar dos vivos aguentar os vivos viver com os vivos enquanto há tempo 88

livre-me

ilha grande

mergulho de risco ao íntimo nove a dez estragos irreparáveis corais ouriços e outras armas naturais perfurantes o oxigênio é pouco e caro como as visões acima da raridade afundar como pregos e barcos no fundo profundo mais halo menos fôlego mais útero

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caio carmacho

para um coração colado com durepoxi

há vida ainda ávida por uma birita por uma virilha por uma mobília por uma cabrita ainda vida há no mar na rua na banana na enciclopédia no farfalhar vida que começa vida que segue vida inquieta pós-vida háinda? pois sim, um soco um tombo um brinde um toco vida de cão de vaias e vísceras 90

livre-me

renovando conceitos aparelhos convênios alegrias tomando banho de lua de sal de rosa de sol de chuva rindo alto nas avenidas obliterando tristezas sublimando desejos cicatrizando feridas de água-viva desvios - atalhos - vias vidavidavida seja sempre bem-vinda!

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caio carmacho

metafísica para nádia

e antes mesmo da grande estreia você já é uma entidade um nome uma data uma hora um signo uma cidade um país um sexo uma ideia uma ciência uma esperança uma possibilidade você é choro e riso matéria de que é feito o pão ponto de partida/ linha de chegada você é um improviso de jazz as manhãs chuvosas uma pia cheia de louça e o sal marinho você é as suas roupas você não é as suas roupas às vezes você é os seus livros a sua cama o seu quarto 92

livre-me

sua existência impregna os dias de sentido em cada coisa restar-se o império do avesso sobre o direito em cada pessoa estar coabitar o império dos vivos sobre os mais vivos ainda porque todo mundo nasce sozinho porque a vida é puro ruído porque todo mundo morre sozinho mas sempre em boa companhia

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caio carmacho

composição

e agora que faremos ? faremos nus

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livre-me

livre-me III (ensaio & conclusão)

livre-me como um pedido do livro-objeto um mendigo que dá moedas no semáforo um slogan de modess livre-me como passe de mágica oferenda de réveillon abolição da autorreferência livre-me: um mantra uma proposta um estratagema livre-me dos rótulos dos complexos olheiras correntes literárias ou não livre-me dessa cruz pesada leve-me para casa lave-me com buchinha and love me como se não houvesse amanhã 95

Coleção Patuscada Outros títulos Pequenos delitos - Anderson Petroni Poemas em Autoplágio - Wilson Caritta Tempestardes - Leo Chioda Corpos em cena - Susanna Busato Domingo no matadouro - Marcelo Pierotti Caravana - Carina Castro Frágil Testemunho - Luiz Brener Segredaria - Cel Bentin

Esta obra foi composta em Adobe Garamond Pro em outubro de 2013 para a Editora Patuá.

‘livre-me’ é o livro de estreia de caio carmacho e traz uma seleção de textos escritos nestes últimos 10 anos de produção poética - entre poemas já publicados na internet (em blogs, sites, redes sociais e revistas literárias virtuais) e inéditos. o título é uma brincadeira com o verbo livrar (se libertar, ler, livrar-se de, ser livre, jogar fora etc.), e também um convite aos leitores ou um pedido do próprio livro: LIVRE-ME = LEIA-ME. uma curiosidade: o título do livro nasceu antes da concepção do mesmo, provavelmente no balcão do extinto toronto, bar que funcionou muitos anos no centro histórico de paraty.

Tiragem de 1.500 exemplares

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