Broadcast Flag

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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO

SAÚDE, CIÊNCIA & VIDA 28

Vida “ Saúde&Ciência A28

A Constituição usa “livre” e “gratuita” para qualificar a transmissão de TV, concedendo até isenção fiscal às comunicações. Se o sistema anticópia for instalado, a televisão pode continuar a ser gratuita, mas deixa de ser “livre”

DOMINGO 24 DE JUNHO DE 2007

JORNAL DO BRASIL

[email protected]

Ronaldo Lemos, advogado



Como gestada nos EUA, a flag causaria problemas. Um set-top box anterior ao sistema poderia não ser compatível, causando grande confusão e obrigando uma nova compra Art Brodsky, da Public Knowledge

TV DIGITAL I Brasil discute adoção de tecnologia que controla a cópia da programação em alta qualida

Bloqueio de gravação trata teles



Os sistemas anticópia são ineficazes. O desenvolvido para o DVD, que levou anos e vultosos investimentos, foi quebrado por um garoto de 16 anos Ronaldo Lemos, advogado

Juliana Anselmo da Rocha

Ao marcar as férias merecidas, o sujeito decide programar a gravação dos jogos do time do coração no campeonato. Ao tentar a operação no decodificador da TV digital, descobre que a tarefa é proibida. O cenário fictício caminha para se afirmar no Brasil. O sistema broadcast flag regula a gravação na TV digital e transforma o telespectador num bandido em potencial. Abandonada nos Estados Unidos depois de protesto intenso da sociedade civil organizada, a tecnologia está na pauta da próxima reunião do Comitê de Desenvolvimento da TV Digital brasileira, prevista para acontecer até julho. Na última semana, a discussão ganhou polêmica. Depois de almoçar com representantes das emissoras e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ministro das Comunicações Hélio Costa admitiu ao jornal O Estado de São Paulo haver chances da adoção do controle no país: – Nós éramos contra porque achávamos que era inconstitucional. Mas se tiver uma cláusula que supere isso, tudo bem. Procurado pelo JB, o Ministério das Comunicações garantiu não haver problemas nas negociações e ressaltou que o interesse de todos os debates no Comitê de Desenvolvimento da TV Digital é melhorar o

sistema e beneficiar o consumidor. Costa também revelou à imprensa que grandes produtores de conteúdo têm subvencionado a produção de aparelhos para recepção do sinal digital, os chamados set-top boxes, com a tecnologia integrada. A associação levaria a uma queda de até 30% no preço do conversor. Para Ronaldo Lemos, advogado e diretor do Centro de Tencologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o sistema anticópia “viola diretamente o interesse dos consumidores e elimina sua liberdade de escolher o que quer fazer com a programação da televisão”. Também não acredita que sua adoção barateie o set-top box. – Será o consumidor ou o contribuinte que pagará a conta na forma de isenções fiscais concedidas aos fabricantes. Em ambos os casos, acontece o mesmo: o cidadão paga mais para levar menos – observa.



Não seria justo que as produções, reproduzidas com qualidade digital, pudessem ser pirateadas junto à sua exibição TV Globo , emissora

Para ele, “mesmo que as emissoras de TV pagassem pela implementação do sistema, estariam comprando uma liberdade do consumidor que não está à venda e da qual o principal interessado não participou da negociação”. Com a broadcast flag é possível impedir a gravação ou controlar o número de vezes que um programa pode ser copiado ou assistido depois de armazenado. Também impõe limites de tempo, autorizando a gravação, por exemplo, de apenas 10 ou 15 minutos iniciais do conteúdo. – O nível de controle é absoluto e não respeita as autorizações expressas que a lei de direitos autorais concede quanto ao uso da programação de TV. O efeito prático seria o mesmo de revogação da legislação – alerta Lemos. A broadcast flag ainda coloca em risco o desenvolvimento da grande contribuição brasileira para o sistema de transmissão japonês eleito para a TV digital no país: o middleware Ginga. – Se um pesquisador quiser desenvolver novas aplicações para a televisão digital, será impedido pelo sistema anticópia, já que trata-se de um sistema de código fechado, que apenas as emissoras controlam – explica Lemos. Seth Schoen, da Electronic Frontier Foundation (EFF), associação de defesa da liberdade de ex-



A ‘broadcast flag’ é um grande erro do qual, felizmente, escapamos nos EUA e que não tem sido justificado em nenhum lugar Seth Schoen, da EFF

pressão em meios digitais e voz contra a tecnologia anticópia nos EUA, se diz “triste” ao saber da possível adoção do sistema no Brasil. – Não se pode acreditar que o bloqueio de cópias é capaz de prevenir a pirataria – critica. – Há alguns anos, em uma conferência em Las Vegas sobre gerenciamento de direitos autorais em meios digitais, um jovem me confidenciou não estar preocupado com o broadcast flag, pois tinha amigos que conheciam os meios de evitar e quebrar qualquer código de proteção. O ativista lembra ser “muito importante manter a possibilidade de distinguir atos de ferramentas”. Um ato pode ser proibido por lei, como a distribuição de músicas de terceiros pela internet sem a autorização do autor e o recolhimento de tributos, mas a ferramenta – no caso o computador e a internet – que o possibilita pode ser perfeita-

mente legal, e se prestar a outras funcionalidades lícitas. – A melhor forma de proteger um conteúdo não é pela implementação de medidas tecnológicas, pelo simples fato de que são tecnicamente ineficazes. A melhor forma é desenvolver modelos de negócio que se beneficiem da disseminação daquele conteúdo – completa Lemos. O exemplo clássico é o videocassete. No começo dos anos 80, a indústria americana de cinema combateu o aparelho e abriu um processo judicial para proibir seu comércio, por considerá-lo ilegal. Perdida a ação e legalizado o dispositivo, em 1988 o videocassete respondia por 80% da receita da indústria cinematográfica, graças aos novos modelos de venda e locação de filmes. Nenhum sistema anticópia jamais deu certo nas fitas VHS. – A TV digital livre e aberta não deve ser vista como uma ameça. É preciso percebê-la como uma oportunidade para desenvolver novos negócios, por exemplo, maximizando o alcance da publicidade na programação, que, no final das contas, pode atingir muito mais gente pela internet – aconselha Lemos. I Leia e opine no JB Online. www.jb.com.br/24 horas

CYAN MAGENTA AMARELO PRETO

SAÚDE, CIÊNCIA & VIDA 29

Opinião do editor I CONTROLE DA TV DIGITAL té que ponto a TV digital é “aberta” com a broadcast flag? É mais simples restringir o consumidor do que combater as redes globais de pirataria, que hoje já invadem o Centro do Rio com software, filmes e música. O exemplo americano prova que a participação da sociedade é essencial para determinar a implementação de uma tecnologia. O

A

mundo caminha para o abandono do controle de cópias – a Apple iniciou a venda de músicas em sua loja virtual iTunes sem coleiras como a broadcast flag e já registra aumento de até 250% no comércio. É hora de avançar, com imagem, som e cópias perfeitas.

A29 JORNAL DO BRASIL

DOMINGO

Marcelo Nóbrega

24 DE JUNHO DE 2007 [email protected]

ade e definição. Japão já usa o sistema, que foi rejeitado nos Estados Unidos e em países da Europa

spectador como pirata potencial EFE

Recusa do sistema não prejudica a exibição de TV

I

Outro argumento para a defesa do sistema anticópia é de que contratos firmados com produtores e conglomerados internacionais de mídia – para exibição dos Jogos Olímpicos, Copa do Mundo e filmes de Hollywood – já vetam a cópia. Na ausência de garantias contra a gravação, seria difícil para as emissoras locais adquirir o conteúdo. Em 2002, no auge da polêmica sobre a broadcast flag nos EUA, a Viacom, dona da rede de TV CBS, disse à Comissão Federal de Comunicações (FCC, do inglês – equivalente ao ministério das Comunicações no Brasil) que, se o bloqueio não fosse adotado, deixaria de transmitir programação digital em alta qualidade e definição. – Nos EUA, os Jogos Olímpicos continuam a ser transmitidos pelo ar, por TV digital de alta definição, mesmo sem qualquer regulamentação de broadcast flag – provoca Seth Schoen.

Art Brodsky, diretor de comunicação da ONG Public Knowledge, que se associou à EFF, à União dos Consumidores e a outras entidades no processo que culminou com a derrubada do sistema anticópia nos EUA, explica que “a tecnologia daria à FCC o poder de aprovar ou proibir toda a programação televisiva”. A Justiça americana entendeu que a flag “ultrapassava a autoridade da comissão”. – Há o conceito de uso justo da propriedade intelectual. Não é considerado roubo, por exemplo, se um telespectador deseja trocar o sinal de um cômodo para outro da casa – revela Brodsky. – Mas a flag poderia impedir que isso fosse feito. Procuradas pelo JB para comentar a possível adoção do sistema pelo Brasil, as emissoras TVE e Bandeirantes preferiram não divulgar posição oficial. A justificativa é de que “ainda é cedo” e “nada está decidido”. Na Record, não foram encontrados os responsá-

veis pelo assunto. A Central Globo de Comunicação declara, em nota, que “caso a TV aberta não possa demonstrar aos provedores de conteúdo um mínimo de proteção, dificilmente conseguirá comprar direitos para exibir conteúdo premium em alta definição, já que seus detentores saberão que, no mesmo horário da exibição, seus filmes e eventos estarão na internet e, logo em seguida, nas bancas de DVDs piratas”. Para a TV Globo, “é necessário que os receptores atendam a uma normatização brasileira, que inclui os sinais de controle, para que a população possa usufruir de todos os recursos e benefícios da TV digital, e continuar tendo acesso ao melhor produto de forma gratuita”. O Japão conta com uma tecnologia similar à broadcast flag. Lá, os programas são criptografados, o que não acontece no resto do mundo. – A escolha do padrão japonês como base para o sistema brasileiro já havia me deixado com medo. Nem é preciso ter a regulamentação do broadcast flag para impor umas restrições técnicas aos telespectadores pelo ISDB-T – diz Schoen. (J.A.R)

Exibição de filmes e esportes se manteve igual nos EUA sem a ‘flag’

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