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TAB SAÚDE, CIÊNCIA & VIDA 32
A32 Saúde, Ciência & Vida
JORNAL DO BRASIL
DOMINGO, 20 DE AGOSTO DE 2006
MEDICINA I Coppe-UFRJ amplia laboratório e país entra no grupo de produtores de biofármacos SERGIO JR.
Remédios imitam o corpo humano Juliana Anselmo da Rocha
Colocar um remédio no mercado custa caro. Para reduzir os gastos e facilitar o acesso da população aos medicamentos, a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) ampliou as instalações do Laboratório de Engenharia de Cultivo Celulares (Lecc). – Queremos desenvolver tecnologia, testá-la e assegurar que os produtos são bons e seguros – diz Leda Castilho, engenheira química da Coppe-UFRJ. Quando uma substância é descoberta, sua eficiência e segurança precisam ser testadas antes de chegar às farmácias. A fase experimental com humanos tem custo alto, revertido para o preço dos remédios e pode atrasar a venda das drogas. Leda conta que o diferencial
“
Os gastos com a compra desses medicamentos cairão Leda Castilho, engenheira química da Coppe-UFRJ
das novas instalações é a certificação Good Manufacturing Practices (Boas Práticas de Produção, em tradução livre), usada na classificação das unidades da indústria farmacêutica. – Com ela podemos fazer teste clínico em humanos, crucial para a chegada ao mercado. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) investiu R$ 1,5 milhão nas instalações, com 150 m 2. O Lecc é o primeiro laboratório capacitado para pesquisa e testagem clínica de biofármacos em humanos em uma universi-
Leda comemora a chegada dos biofármacos à universidade dade brasileira. Os biofármacos são substâncias similares às do corpo humano sintetizadas em laboratório com células animais. A produção
das moléculas é dominada pelos países ricos, e só agora chega às nações em desenvolvimento. – No país, os biofármacos usados são importados ou ava-
liados pelo Instituto Butantan, em São Paulo. Por não estar em uma instituição de ensino, ele limita seus testes – explica Leda. O foco das pesquisas será a produção de biofármacos e da vacina contra a febre amarela. – Ao desenvolver os produtos nacionais, colocaremos o país no grupo dos que dominam essa tecnologia. Os gastos com a compra desses medicamentos cairão – avalia Leda. Com a produção nacional do fator de coagulação sangüínea, biofármaco requisitado e usado no tratamento de hemofílicos, a economia chegaria a R$ 120 milhões por ano, de acordo com estimativas da Coppe-UFRJ. – É motivo para comemoração – diz Manuel Carrondo, pesquisador português e referência na área de biofármacos. Carrondo visitou as instalações do Lecc em julho. O cientista explica que a tecnologia reduz o uso de cobaias em laboratórios, pois permite o teste in vitro e não in vivo. – O uso de células é mais fácil que o de cobaias, temos uma orientação mais clara e rápida – diz o pesquisador. Mas Carrondo alerta que a proibição do uso de animais em testes de laboratório atrasaria a evolução da medicina. Para o pesquisador português, ambas as tecnologias são necessárias e não concorrentes.
ESTUDO I Neurônios podem ajudar a entender por que somos tão diferentes de outros animais
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DIVULGAÇÃO/ NATURE NEUROSCIENCE
Imagem mostra as primeiras células nervosas em um embrião de 35 dias. A descoberta pode contribuir para a compreensão de disfunções como a epilepsia
Descobertos os formadores do córtex cerebral humano Cristine Gerk
Novas descobertas sobre as primeiras células nervosas formadoras do córtex cerebral podem ajudar a entender a estrutura do cérebro humano e porque somos tão diferentes de outros animais. O estudo, de pesquisadores da escola de Medicina da Universidade de Yale (EUA) e da Universidade de Oxford (Reino Unido), foi publicado na revista americana Nature Neuroscience. – A pesquisa muda a compre-
ensão da formação do córtex cerebral e ajuda a entender disfunções como o autismo, esquizofrenia, epilepsia e retardo mental – diz Irina Bystron, do departamento de Psicologia, Anatomia e Genética de Oxford. O córtex cerebral humano é composto de 20 bilhões de neurônios e corresponde a 40% do peso do cérebro adulto. É responsável pelas ações voluntárias e pela cognição, tendo papel principal na memória, linguagem, intelecto e consciência. As descobertas mostram que
esses primeiros neurônios são formados muito antes do que se pensava – 31 dias depois da fertilização, quando o embrião tem apenas 4 mm, sem membros ou olhos. Essas células estão presentes no cérebro antes do fechamento do tubo neural, estrutura embrionária que dá origem ao cérebro e à medula espinhal. A equipe usou técnicas inovadoras que permitiram estudar que genes se transformam em células individuais para mais tarde identificarem os primeiros neurônios. Os embriões, prove-
nientes de abortos realizados na Rússia, foram submetidos a uma espécie de “autópsia” que identificou proteínas sinalizadoras da presença de neurônios. – Esses “precursores” têm longos processos, ou redes, que podem ser usados para controlar a produção dos próximos neurônios, guiar a migração e o desenvolvimento de futuras células e determinar a localização do córtex – explica Irina. Depois de entender o desenvolvimento do córtex, os pesquisadores dizem que será possível compreender a evolução ocorrida para chegar a um cérebro mais inteligente do que os dos outros animais. O córtex cerebral humano é quatro vezes maior do que o dos gorilas, por exemplo. Fatores genéticos ainda não conseguem esclarecer
por completo essas distinções. Fernando Kok, do Departamento de Neurologia Infantil da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), acredita que a importância da pesquisa é a ampliação da nossa compreensão da formação do cérebro. Mas ele não acredita ser possível saber mais sobre disfunções cerebrais só com essas informações. – Também não conseguimos demarcar nossas diferenças em relação a outros animais porque esses neurônios não foram estudados em outras espécies – considera o especialista. Kok diz que não foi provado que os neurônios precursores são exclusivos dos humanos. – O relevante da pesquisa é descobrir que cedo já existem neurônios que formarão nossa “massa cinzenta”.