Washington Consensus

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CONSENSO DE WASHINGTON : PERSPECTIVA HISTÓRICA E ANÁLISE DE RESULTADOS

Marcelo de Andrade Maciel

1 Introdução

Segundo a Grande Enciclopédia Delta Larrousse (ENCICLOPEDIA,1971) , “

plano

é

o

conjunto

de

medidas

governamentais

ou

intergovernamentais que tem por objetivo a solução de um problema econômico ou financeiro, ou a expansão econômica de uma região”. Por sua vez, segundo a mesma obra, “ programa tem um sentido mais geral do que plano. É um plano de ação, com linhas mestras ou diretrizes que devem orientar a atuação do governo na Política Econômica e a que se devem subordinar os planos ou projetos da iniciativa privada”. Tanto programas quanto planos econômicos, são gestados, normalmente, durante ou após situações de crise como o “New Deal”, depositário das idéias de Sir John Maynard Keynes e conduzido pelo governo democrata de Franklin D. Roosevelt com o objetivo de combater a grande depressão ocorrida nos anos 30 do século passado. Ainda poderiam ser citados como exemplos de planos econômicos de repercussão global o “Plano Marshall”, de 1947, elaborado pelo Secretário de Estado norte-americano George C. Marshall, voltado para o reerguimento econômico europeu e o chamado “Plano Brady”, estratégia oficial proposta pelo Secretário do Tesouro norte-americano Nicholas Brady, com o apoio de outras instituições credoras como o Banco Mundial, o FMI e o Clube de Paris para a renegociação da dívida externa de um grupo de 39 países credores, entre eles, o Brasil. É equivocado determinar o assim denominado Consenso de Washington, que é tema do presente artigo, de plano ou programa econômico. As recomendações ou diretrizes de cunho neoliberal, privatista e pró-mercado do dito “Consenso” são recomendações, de origem externa, que tinham como alvo países em desenvolvimento dispostos a reformar suas economias, algumas vezes, profundamente.

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Seria mais exato, para o autor deste artigo, classificar o “Consenso” como um modelo econômico, cujas recomendações foram aplicadas, ou não, de maneira diversa por cada país onde suas medidas macroeconômicas de cunho neoliberal foram executadas no fim dos anos 80 e na década seguinte. Outra conceituação possível para o “Consenso”, seria que, esta série de diretrizes é uma espécie de “núcleo básico”, um esqueleto doutrinário, uma singularidade, onde outras medidas macroeconômicas específicas se acoplam, sendo que, o mesmo núcleo, formado por diretrizes do “Consenso” se mantém, apesar das diferenças entre as economias dos países reformistas. Para exemplificar, pode-se colocar que, tanto no argentino “Plano Cavallo” de abril de 1991, quanto no brasileiro “Plano Collor” de março de 1990, constavam entre as medidas a serem aplicadas, privatizações de estatais e corte nos gastos públicos, cortes estes que tinham como escopo uma severa disciplina fiscal. Ou seja, sobre um núcleo contendo recomendações de privatizar e exercer severa disciplina fiscal, foram acrescidas, pela equipe econômica de cada país, políticas específicas, que também, obviamente, eram orientadas por predisposições ideológicas favoráveis em relação à abertura de mercado, capital privado, livre comércio e livre investimento. Se o “New Deal” foi a encarnação no mundo real das orientações contidas na obra “Teoria Geral do Emprego, Juro e Dinheiro” de Sir John Maynard Keynes, o chamado Consenso de Washington trouxe para a esfera da aplicabilidade prática e executabilidade estatal as teses de autores como Milton Friedman, Joseph Stiglitz (ex-economista chefe do Banco Mundial) e James Wolfensoh (ex-presidente do Banco Mundial), autores estes que possuam como “origem teórica” a obra “O Caminho da Servidão”, publicada em 1944 por Friedrich A. von Hayek. Obra esta que faz fortes críticas ao “welfare state” e à intervenção do Estado na economia e hoje, segundo o economista José Luís Fiori (FIORI,1996,p.9), “considerada uma referência quase bíblica do movimento neoliberal”.

2 Neoliberalismo

Para Paulo Sandroni (SANDRONI,2005,p.590), autor do Dicionário de Economia do Século XXI, o Neoliberalismo é definido como uma

3

“...doutrina político-econômica que representa uma tentativa de adaptar os princípios do liberalismo econômico às condições do capitalismo moderno. Estruturou-se no final da década de 30 do século XX por meio das obras do norte-americano Walter Lippmann, dos franceses Jacques Ruff, Maurice Allais e L. Boudin e dos alemães Walter Eucken, W. Röpke, A. Rüstow e Muller-Armack. Como a escola liberal clássica, os neoliberais acreditam que a vida econômica é regida por uma ordem natural formada a partir das livres decisões individuais e cuja mola-mestra é o mecanismo de preços. Entretanto, defendem o disciplinamento da economia de mercado, não para asfixiá-la, mas para garantir-lhe sobrevivência, pois, ao contrário dos antigos liberais, não acreditam na auto-disciplina espontânea do sistema. Assim, por exemplo, para que o mecanismo de preços exista ou se torne possível, é imprescindível assegurar a estabilidade financeira e monetária : sem isto, o movimento dos preços torna-se viciado. O disciplinamento da ordem econômica seria feito pelo Estado, para combater os excessos da livre-concorrência, e pela criação dos chamados mercados concorrenciais, do tipo Mercado Comum Europeu. Alguns adeptos do neoliberalismo pregam a defesa da pequena empresa e o combate aos grandes monopólios, na linha das leis antitruste dos Estados Unidos. No plano social, o neoliberalismo defende a limitação do Direito de herança, das grandes fortunas e o estabelecimento de condições de igualdade que possibilitem a concorrência. Atualmente, o termo vem sendo aplicado àqueles que defendem a livre atuação das forças de mercado, o término do intervencionismo do Estado, a privatização das empresas estatais e até mesmo de alguns serviços públicos essenciais, a abertura da economia e sua integração mais intensa no mercado global.”. Como qualquer escola doutrinária, economica ou não, o neoliberalismo apresenta matizes e graduações, que variam da defesa de um Estado realmente mínimo à tolerância de que o Estado deva manter políticas de proteção contra especuladores, como defende John

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Williamson, que, por sinal, não se considera um neoliberal, de acordo com sua entrevista à Revista Veja em 6/11/2002 (REVISTA VEJA,2002).

3 Breve Biografia de John Williamson

John Williamson nasceu na Inglaterra em 1937. E é conhecido internacionalmente como o homem que cunhou o termo “Consenso de Washington”. Entre 1968 e 1970, durante o governo trabalhista (centro-esquerda) de Harold Wilson foi consultor econômico do tesouro britânico. Foi conselheiro do Fundo Monetário Internacional no período entre 1972 e 1974. É membro do “Institute for International Economics” desde 1981. Também atuou como economista-chefe do Banco Mundial para o sul da Ásia entre 1996 e 1999. Colaborou também como Diretor de Projeto de Alto Nível no Painel das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que gerou o Relatório “Zedillo” (Zedillo Report) em 2001. Paralelamente, Williamson desenvolveu uma carreira acadêmica, como professor das Universidades de Princeton (1962-63), York (1963-68) e Warwick (1970-77), além de lecionar no Massachussets Institute of Technology (1967,1980) e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1978-81), onde foi colega do ex-ministro da fazenda Pedro Malan e professor do ex-presidente do Banco Central do Brasil Armírio Fraga. Segundo a revista Veja em sua edição de 6/11/2002 (REVISTA VEJA,2002), Williamson é casado com uma brasileira desde 1974, tem dois filhos e uma filha, além de falar fluentemente o Português. Williamson é autor ou editor de numerosos estudos sobre Política Monetária Internacional e aspectos do Endividamento do Mundo em Desenvolvimento. Entre estes trabalhos, podem ser citados :

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Targets and Indicators: A Blueprint for the International Coordination of Economic Policy with Marcus Miller (1987);



Latin American Adjustment: How Much Has Happened? (1990);



Currency Convertibility in Eastern Europe (1991);



From Soviet Disunion to Eastern Economic Community? with Oleh Havrylyshyn (1991);



Trade and Payments after Soviet Disintegration (1992);



Economic Consequences of Soviet Disintegration (1993);



The Political Economy of Policy Reform (1993);



Estimating Equilibrium Exchange Rates (1994);



The Crawling Band as an Exchange Rate Regime (1996), What Role for Currency Boards? (1995);



Exchange Rate Regimes for Emerging Markets: Reviving the Intermediate Option (2000);



Delivering on Debt Relief: From IMF Gold to a New Aid Architecture (2002);



After the Washington Consensus: Restarting Growth and Reform in Latin America (2003);



Dollar Adjustment: How Far? Against What? (2004);



Reference Rates and the International Monetary System, Curbing the Boom-Bust Cycle: Stabilizing Capital Flows to Emerging Markets (2005).

4 Origens Históricas do Consenso de Washington

4.1 Definição de Ciclo Econômico

Nicolai Dmitrievitch Kondratieff, economista e estatístico russo, demonstrou, após o estudo exaustivo de estatísticas econômicas que remontam à 1790, que o desempenho econômico é cíclico. Em suma, que a conjuntura econômica histórica se repete, formando ciclos que (se

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forem típicos), consistem em um período de expansão econômica, seguido de uma recessão, de um período de depressão e de um novo movimento de recuperação econômica.

4.2 A Expansão Econômica Global (1945-1973)

Com o fim da segunda grande guerra iniciou-se um novo ciclo, ciclo este que se estende até 1973 e que, segundo José Luís Fiori (FIORI,1996.p.5) “poderia ser chamado de era de ouro do capitalismo e da democracia, onde as democracias ocidentais alcançaram seu apogeu, do ponto de vista dos patamares possíveis de igualdade social e também do ponto de vista do crescimento econômico contínuo, a taxas extremamente altas.” Crescimento este, universal ou quase universal, abrangendo também os países em desenvolvimento do hemisfério sul e o bloco soviético, que desenvolveu-se mais do que todos neste período. Construiu-se, nas democracias ocidentais, um sofisticado sistema de proteção social. Ainda de acordo com o economista José Luís Fiori (FIORI,1996,p.6) , o êxito deste ciclo virtuoso do capitalismo estava sustentado em quatro pilares : “A. Existência de um grande consenso ideológico – A destruição gerada pela guerra, a social-democracia e a influência marcante do pensamento Keynesiano produziram o consenso de que os objetivos estatais a serem perseguidos seriam o crescimento, a eqüidade e o pleno emprego. O que contrasta diretamente com os objetivos do neoliberalismo

:

equilíbrio

macroeconômico,

eficiência

e

competitividade; B.

Esvaziamento

momentâneo

das

bandeiras

conservadoras

tradicionais – Em um mundo devastado com a guerra, mesmo os liberais da época, reconheceram a necessidade e a indispensabilidade de um papel ativo do Estado no controle das crises econômicas; C. O neocorporativismo – Foi um fenômeno momentâneo que consistia em um pacto implícito, explícito e, rigorosamente antiliberal

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entre o Estado, setores do capital e o trabalho, representado pelos grandes sindicatos europeus e as “Unions” norte-americanas; D. A existência de uma ordem mundial – A queda do eixo resultou em uma nova ordem mundial, política, ideológica, bipolar e belicosa, porém, do lado capitalista, perfeitamente regulada pelos acordos de Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional (1944) e perfeitamente conduzida pelo comportamento hegemônico dos EUA.” Inevitavelmente, (até que provem o contrário) o conhecimento da dinâmica do capitalismo nos dá a informação de que nenhum período de expansão econômica se perpetua “ad infinitum”. Resumidamente, pode-se afirmar que, nas barricadas dos protestos de estudantes e sindicatos na Paris de 1968 já surgia o primeiro sintoma da futura crise : as rebeliões sindicais européias dos anos 70, jogando por terra o “acordo” do Neocorporativismo. Soma-se à isto a derrota dos EUA no Vietnam, a criação da OPEP, as duas crises do petróleo (1973 e 1979) e, por fim, o fim da conversabilidade direta do dólar em ouro, quando, diante das pressões crescentes na demanda global por ouro, Richard Nixon, então presidente norteamericano, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods (1973). Um período breve e um conjunto de fatos econômicos, militares e (porquê não dizer ?) ideológicos provocou mais uma ruptura histórica no século XX, que põe em dúvida a hegemonia militar e econômica dos EUA e desvaloriza o dólar fortemente. Além da perda de valor da moeda norte-americana, o mundo ocidental passa a experimentar, pela primeira vez, desde o fim da guerra, um período de recessão prolongada com desaceleração do crescimento, aumento da inflação, do desemprego e dos gastos públicos de natureza social, além da alta da taxa de juros pelo Federal Reserve, o banco central do norteamericano.

4.3. O Governo Conservador de Margareth Thatcher (1973-1990)

O movimento do pêndulo do Poder desloca-se em direção à uma nova proposta : o Neoliberalismo. Isto ocorre quando o eleitor anglo-saxão (primeiro o britânico, depois o norte-americano) percebe que o receituário de medidas de estabilização econômica de centro e centro-esquerda, dos partidos democrata e trabalhista inglês, respectivamente, simplesmente não funciovam.

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E, democraticamente, as urnas entregaram o governo inglês para Margareth Thatcher, representante inequívoca das idéias liberais de matriz conservadora. Para José Luís Fiori (1996), as conseqüências principais do governo Thatcher foram a desmontagem institucional do “welfare-state” e a devolução do trabalho à condição de mera mercadoria, cujo preço a nível de ocupação deve ser determinado unicamente pelo mercado. Visando alcançar estes objetivos, o partido conservador implementou profundas mudanças políticas e macroeconômicas, que, uma década mais tarde, serão reprisadas no Consenso de Washington. De acordo com José Luís Fiori (FIORI,1996,p.12), entre estas medidas estão : “A. Restrições legais aos Direitos e atividades do movimento sindical – Buscando a destruição dos sindicatos foram limitados os direitos de greve, de organização e outras garantias legais desta ordem; B. Privatizações – Que ocorreram em um segundo momento do governo conservador; C. No plano político : redução radical da presença estatal na economia e na sociedade através da desregulação, abertura comercial e das já citadas, privatizações; D. No plano econômico, o que é chamado de “supply side economy”, um “pacote” contendo política monetária restrita, política fiscal severa, diminuição da carga fiscal sobre o capital para que este fique mais competitivo internacionalmente e a flexibilização do mercado de trabalho, para que o capital possa contratar trabalhadores de maneira mais próxima das exigências da competitividade global.” Se o Consenso de Washington é o núcleo dos Planos Econômicos de influência neoliberal latino-americanos da década de 90, a política macroeconômica de Margareth Thatcher é o núcleo do Consenso de Washington.

4.4 A Crise da Dívida no Mundo Subdesenvolvido

Pode-se afirmar que o período entre 1945 e 1973 foi o ápice do “walfare-state” nas democracias ocidentais. Mas, na América Latina, este período correspondeu à era do desenvolvimentismo, do modelo de substituições de importações, segundo José Luís Fiori (1996).

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Porém, nem todos seguiram a trajetória desenvolvimentista. O Chile de Pinochet se torna um laboratório experimental do Neoliberalismo muito antes do Consenso de Washington, uma série de experiências macroeconômicas são “testadas” no país. A Argentina, em 77/78, sob ditadura militar, também parte para um projeto de liberalização dos mercados financeiros e cambiais. Brasil e México resistiram ao programa neoliberal, persistindo no modelo desenvolvimentista, de substituições de importações até o início dos anos 80. Entretanto, já com suas finanças internacionalizadas e alto grau de endividamento externo, recebem os quatro choques externos ocorridos entre 79/82. Para José Luís Fiori (FIORI,1996,p.14) , estes quatro choques foram : “A. O choque do petróleo de 1979. Que arrasou economias ainda não recuperadas do choque anterior de 1973; B. A alta taxa de juros norte-americana que multiplicou o valor das dívidas externas; C. A queda do preço das commodities no mercado internacional, causada pela recessão mundial gerada pela política americana. Isto fez com que o preço internacional dos produtos exportados pelos países latino-americanos caíssem, exatamente no momento em que suas dívidas externas se elevavam; D. Corte dos financiamentos internacionais e fechamento do sistema financeiro internacional durante uma década, em decorrência da moratória do México em 1982.” A exclusão dos países latino-americanos do Sistema Financeiro Internacional foi sendo levantada gradualmente, durando, no caso brasileiro, até o início dos anos 90, quando o ministro Pedro Malan fecha o acordo da dívida externa. Contudo, nas negociações para retorno ao Sistema Financeiro

Internacional dos latino-

americanos, sobretudo a partir de 1985/1989, foram inseridas novas condicionalidades, bem mais amplas que as anteriores, que exigiam equilíbrio nas contas externas ou reservas cambiais razoáveis, de acordo com Fiori (1996). As novas condicionalidades incluíam equilíbrio fiscal, austeridade monetária, estabilização monetária, diminuição do papel do Estado na economia com desregulação do mercado de trabalho e dos mercados financeiros, abertura comercial, privatizações e vários outros itens viriam a compor, pouco à frente, o Consenso de Washington, receita esta, que, aplicada à risca desmontaria o Estado desenvolvimentista latino-americano.

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Encerrando o presente tópico, o autor do artigo crê ser relevante ressaltar que, se na Europa e nos EUA, a meta neoliberal era desmontar o Estado de bem estar social que, segundo esta escola, gastava demais em programas sociais, nos países latino-americanos o objetivo era desmontar o Estado desenvolvimentista, que também era perdulário ao manter atividades produtivas ao sustentar estatais como Companhia Vale do Rio Doce (atual “Vale”), Petrobrás e Correios. Curiosamente, o ataque da mídia e do próprio governo à presença estatal em um certo setor da economia era seguido da colocação da empresa estatal em questão em algum leilão de privatização, para que esta pudesse “ser repassada à iniciativa privada e desonerar o Estado para gastar em saúde e educação”, conforme o discurso “oficial” da época, que perdurou até o início do governo Lula (2002).

5 Explanação das Diretrizes do Consenso de Washington

Apesar do Consenso de Washington ser apresentado, academicamente, ao lado do nome do economista inglês John Williamson, suas diretrizes não foram criadas por ele. As diretrizes do Consenso de Washington são uma compilação, um denominador comum de recomendações de políticas econômicas que estavam sendo cogitadas para aplicação na América Latina, por

parte de instituições financeiras sediadas em Washington

(FNI,BID,BIRD,etc).Williamson coletou os dados, selecionou as similaridades, publicou isto em um “paper” e ficou conhecido mundialmente. Há um “Consenso de Washington” original de 1989 escrito por Williamson e versões posteriores ampliadas, publicadas por diversos outros autores. Segue abaixo a versão original de 1989, segundo Williamson (WILLIAMSON,1990) em seu artigo “What Washington Means by Policy Reform ?” : “ Disciplina fiscal - Altos e contínuos déficits fiscais contribuem para a inflação e fugas de capital; Reforma tributária - A base de arrecadação tributária deve ser ampla e as “marginal tax rates” moderadas; Taxas de juros - Os mercados financeiros domésticos devem determinar as taxas de juros de um país. Taxas de juros reais e

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positivas desfavorecem fugas de capitais e aumentam a poupança local; Taxas de câmbio - Países em desenvolvimento devem adotar uma taxa de câmbio competitiva que favoreça as exportações tornando-as mais baratas no exterior; Abertura comercial - As tarifas devem ser minimizadas e não devem incidir sobre bens intermediários utilizados como insumos para as exportações; Investimento direto estrangeiro - Investimentos estrangeiros podem introduzir o capital e as tecnologias que faltam no país, devendo, portanto ser incentivados; Privatização - As indústrias privadas operam com mais eficiência porque os executivos possuem um “interesse pessoal direto nos ganhos de uma empresa ou respondem àqueles que tem.” As estatais devem ser privatizadas; Desregulação - A regulação excessiva pode promover a corrupção e a discriminação contra empresas menores com pouco acesso aos maiores escalões da burocracia. Os governos precisam desregular a economia; Direito de propriedade - Os direitos de propriedade devem ser aplicados. Sistemas judiciários pobres e leis fracas reduzem os incentivos para poupar e acumular riqueza. “ Ressalta-se que os comentários acima são de autoria do próprio Williamson.

6. Balanço dos Resultados do Consenso de Washington

Há um único sucesso macroeconômico e um único país que prosperou com o Consenso de Washington. A inflação foi controlada entre todos que seguiram as diretrizes do Consenso, porém, ninguém atingiu o nível de estabilidade e crescimento do Chile. Além do controle da inflação, outros resultados da aplicação do Consenso foram : A. Baixo crescimento do PIB – Mansueto Almeida (ALMEIDA,2002,p.1) explica :

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“Quanto ao crescimento, uma rápida comparação entre as taxas de crescimento do PIB per capita dos países latino-americanos mostra que esta taxa passou de 2,65% ao ano no período de 1950-80 (período de substituição de importações) para 0,87% ao ano nos anos 90 (dados 1950-80 do FMI e 1990-99 da Cepal). No caso do Brasil, o crescimento anual do PIB per capita para este período passou de 4,01% ao ano para 1%” ; B. Desindustrialização – O dólar artificialmente barato e “políticas cambiais e de comércio exterior que orientavam o câmbio para a valorização, proporcionando um aumento brutal das importações e o afrouxamento das restrições sobre as barreiras alfandegárias

tarifárias

e

não

tarifárias

da

região”

(GOMES,2005,p.66). Perante a concorrência com os importados e o baixo crescimento econômico, Argentina e Chile viveram acelerado processo de desindustrialização, porém, no caso brasileiro, a estrutura industrial resistiu mais tempo; C. Déficit na balança comercial – “O Brasil, por exemplo, conseguiu no ano passado (2002), seu primeiro superávit comercial desde 1994. De 1995 a 2000, acumulou um déficit comercial de US$ 18 bilhões” (STEINBRUCH, 2002); D. Desemprego – Conseqüência da política de juros altos que inibe investimentos produtivos por parte da iniciativa privada, da desindustrialização provocada pelas importações baratas e de outras variáveis econômicas; E. Aumento da Concentração da Renda – Usando o exemplo brasileiro : a opção por uma política de juros reais acima da inflação para reajustar o valor dos títulos do governo (LFT’s,NTN’s) torna estes papéis extremamente lucrativos para os bancos que os adquiriram. Por sua vez, os bancos lastreiam seus fundos de Renda Fixa, DI e Multimercados com os títulos públicos, oferecendo à seus correntistas cotas destes fundos mediante o pagamento de taxas de administração e performance. Isto resulta no aumento do patrimômio do setor bancário e da parcela da população brasileira que tem excedentes financeiros para adquirir as cotas dos fundos ou os título públicos diretamente através do “tesouro direto”. Resumindo : todos os contribuintes pagam impostos, porém, o governo tem déficit nas contas públicas (gasta mais do que arrecada), para cobrir a diferença emite títulos que serão adquiridos pelos bancos e repassados (mediante o ágio das taxas de administração e de performance) para uma parcela da população. Esta elite recebe parte de seus impostos de volta nos juros que seus

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títulos públicos rendem, ao contrário do resto da população que não recebe nada. É um processo de transferência de renda que possibilita que os ricos fiquem cada vez mais ricos com baixíssimos riscos, apenas o risco da falência do banco e o de que o governo federal institua um calote (“reestruturação”) da dívida interna; F. Elevação ou estabilidade das taxas de pobreza/miséria – “As taxas de pobreza continuam, portanto; inevitavelmente elevadas e a insegurança e volatilidade da renda nas classes baixa e média aumentaram” (BURKI,1998). “Na Argentina, a taxa de pobreza em relação à população total quase duplicou entre 1999 e 2002, passando de 23,7% para 45,4%, enquanto a indigência se multiplicou por três, subindo de 6,7% para 20,9%.(CEPAL, 2003;TAUBAL,2000-2001)” (GOMES,2005).

7. Explicações Apontadas para os Resultados do Consenso de Washington

Diversos autores pesquisados apontam possíveis causas para os desastrosos resultados da aplicação das diretivas do Consenso de Washington na política econômica das nações latinoamericanas. Por uma questão de lógica, seguem, inicialmente, as quatro razões citadas por John Williamson : A. Falta de proteção contra choques externos – É preciso maior solidez da posição fiscal, visando proteção contra a sucessão de choques externos (especulativos ou não). Diz o próprio John Williamson em entrevista à revista Veja (6/11/2002) (REVISTA VEJA,2002). “ Quando alguns países eliminaram suas barreiras para o fluxo de capitais de forma rápida foi um desastre. Com isto, os investimentos especulativos passaram a entrar e a sair sem restrições. Este foi o caso de alguns países asiáticos e, de certa forma, também do Brasil na década de 90.”; B. Implementação parcial das diretivas do Consenso de Washington – A realização de algumas

reformas

foi

debatida,

mas

não

implementada.

Explica

Oliveira

(OLIVEIRA,2003,p.1): “O paciente reclama que o remédio não curou a doença, mas a receita não foi seguida à risca, quando não foi olimpicamente ignorada. Em alguns casos, o vidro continua cheio de comprimidos intocados. O

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mercado de trabalho, por exemplo, continuou com todos os vícios do corporativismo e do intervencionismo, em prejuízo do trabalhador e da produtividade do país. Em outros casos, como o do atual projeto de reforma tributária, a suposta mudança é um retrocesso.” ; C. O modelo do Consenso de Washington não estava completo, para seu sucesso seriam necessárias as chamadas “reformas de segunda geração” – Estas envolvem o Judiciário, o Sistema Político e o financiamento de longo prazo. Completa Oliveira (OLIVEIRA,2003,p.1): “A

literatura

recente

sobre

o

papel

das

instituições

no

desenvolvimento é convincente. Não são possíveis melhores políticas públicas sem melhores instituições. É precisamente este o foro das reformas de segunda geração, e daí sua virtude. Nem mesmo coisas óbvias foram concretizadas na última década. Por exemplo, a regulação dos setores de infra-estrutura ainda patina na maioria dos países latino-americanos. Pois, sem um bom marco regulatório, a privatização não resulta em tarifas públicas razoáveis, melhores serviços nem em mais investimentos.”; D. Falta de ênfase na agenda social – O modelo não incluiu entre suas diretivas medidas que objetivassem atacar de forma séria as questões da pobreza e da distribuição de renda.; E. Falta de consistência entre as próprias diretivas – José Luís Fiori (2006) ressalta que o modelo é inconsistente, não há uma interdependência, uma organicidade entre as várias recomendações. As diretivas interferem e “sabotam” os resultados umas das outras, se o modelo for aplicado em sua totalidade. Por exemplo, é prescrito ao país reformista que, simultaneamente, mantenha taxas de juros reais e positivas e exerça uma disciplina fiscal rígida sobre os gastos públicos. Porém, ao se elevar a taxa de juros também se eleva o déficit público, pois os fundos para o pagamento de juros aos bancos (dívida interna) são debitados das contas públicas da mesma forma que os gastos com o funcionalismo federal ou com políticas sociais, por exemplo.; F. Protecionismo Comercial – Benjamin Steinbruch (STEINBRUCH,2002,p.1) recorda que “...os países emergentes,entre eles, o Brasil e a Argentina, foram vítimas no processo de liberalização comercial, um dos mandamentos do Consenso. Eles atenderam cegamente às determinações de eliminar barreiras comerciais e reduzir alíquotas, enquanto as nações ricas mantiveram seu arsenal de medidas protecionistas.”; G. O Fator Psicológico – Á título de ironia, Gesner Oliveira (OLIVEIRA,2003,p.1) afirma :

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“ Um outro mal é o problema da marca. Qualquer expressão com Washington no meio tem todas as chances de ser execrada. Quam sabe depois que a ditadura de Fidel Castro cair não será possível uma nova Carta de Havana ?”.

8. Conclusão

Após um período de duas décadas de governo militar, censura aos meios de comunicação e supressão dos Direitos Humanos, o povo brasileiro, sob a euforia do Plano Cruzado, elege seus representantes para a missão que sepultaria juridicamente os restos da ditadura : a manufatura de uma nova Constituição Federal. Entre os dispositivos do novo texto, está o parágrafo único do artigo primeiro, que, ufanisticamente e ardendo de ardor patriótico afirma : “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Pergunta-se : - Se todo o poder emana do povo, este não deveria ter sido, pelo menos, consultado antes da incorporação das diretrizes do Consenso de Washington à execução dos planos de governo dos senhores Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso ? Os termos e as condicionalidades da renegociação da dívida externa executada pelo senhor ministro da fazenda Pedro Malan não deveriam ter sido referendados, após exaustiva discussão, por toda a sociedade ? O povo, quando elege seus representantes suspeita de que está lhes fornecendo uma procuração para suprimir ou extinguir seus direitos trabalhistas, por exemplo ? Se compilarmos, na verdade, as respostas às três questões acima, o que segue é o trágico fato de que, o que ocorre na realidade, é uma transferência silenciosa de Soberania : do povo para seus representantes políticos e destes para organizações financeiras internacionais como o FMI, BIRD, BID, Clube de Paris, etc. Todo poder emana do povo; sim, é fato. Porém, este não atenta que pode o estar transferindo para credores internacionais no momento do sufrágio. Poder-se-ia especular que a adesão do Brasil às diretrizes do Consenso de Washington fere sua soberania ? Sim e não. Não, se verificarmos que o povo elegeu legalmente os senhores Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, e estes, em seus respectivos mandatos

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possuíam a faculdade de aceitar orientações vindas do exterior na governança do país e gerência do patrimônio público. Sim, porquê as diretrizes do Consenso de Washington não foram discutidas no âmbito da sociedade civil e, muito menos, nos programas políticos gratuitos da televisão dos partidos que implantaram no Brasil o receituário neoliberal do Consenso de Washington. Pondera Gomes (GOMES,2005,p.73) : “Pelo lado da exclusão social, a América Latina tem sido a mola propulsora da violência, do tráfico, da prostituição e da corrupção, que se fazem presente em todo espaço, tanto urbano como parte do rural. (...) Dizia-nos o mestre Darcy Ribeiro: “ é certo que nossa latinoamericanidade, tão evidente para os que nos olham de fora e vêem nossa identidade macroética essencial, ainda não fez de nós um ente político autônomo, uma nação ou uma federação de Estados Nacionais latino-americanos. Mas não é impossível que a história venha a fazê-lo ” ( apud BENJAMIN, 1998,p.141). A idéia subjacente às palavras de Darcy Ribeiro, certamente levava em conta a liberdade política dos países latinos. Algo que parece está ficando cada vez mais distante. A soberania do Estado-Nação desses países e sua correspondente

autonomia

econômica

têm-se

deteriorado

intensamente. Conforme as palavras de Ianni em seu derradeiro livro, está ocorrendo “ um divórcio crescente entre o Estado e a sociedade civil, o aparelho estatal e os governantes transformam-se em tecno-estruturas auxiliares, subalternas, das tecno-estruturas mundiais de poder, conformando-se como aparelhos das classes dominantes em escala mundial, dos blocos mundiais de poder. Na verdade este autor que dizer com isso que “ os governantes têm levado o Estado a voltar as costas à sociedade civil; estão muito determinados pelas decisões e injunções do exterior, corporações e organizações. Ianni chega a afirmar, com isso, que não há mais estadistas na verdadeira concepção do termo, semelhantes àqueles que fizeram história na cena política internacional do século XX. Ao contrário, “

simplesmente

funcionários, burocratas, representantes assumidos ou dissimulados das estruturas mundiais de poder; dos blocos que administram

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sistematicamente a organização e o funcionamento da economia política mundial ”.(IANNI, 2004,p.210-211) . Na prática, Argentina, Brasil e México mantêm formalmente o autogoverno interno, mas compartilham de forma crescente sua gestão com os Estados Unidos, através de seus organismos multilaterais e da sua classe rentista financeira.”

9. Referências Bibliográficas

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Em



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