45 INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA
_____________________________ 45.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O art. 268 do Código Penal contém o tipo penal: “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena é detenção de um mês a um ano, e multa. O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, mais precisamente a saúde da coletividade, contra a ocorrência de doenças contagiosas. Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa que realizar a conduta. Sujeito passivo é o Estado, a comunidade.
45.2 TIPICIDADE No caput está o tipo penal. As formas qualificadas pelo resultado constantes do art. 258 incidem, por determinação do art. 285. O parágrafo único contém causa de aumento de pena.
45.2.1 Conduta e elementos do tipo A conduta incriminada é infringir – que significa transgredir, desobedecer, ignorar, violar, enfim, não cumprir – determinação do poder público. Assim, pode ser comissiva ou omissiva, quando o agente deixa de atender a ordem de fazer alguma coisa. Refere-se a uma ordem da autoridade pública. Essa ordem pode ter emanado de
2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles autoridade de quaisquer dos níveis de poder, federal, estadual, distrital ou municipal. Pode constar de qualquer espécie de ato administrativo, decreto, portaria, resolução etc., ou também de uma lei. Evidente que a norma somente se refere a determinação válida, cabendo lembrar que o ato administrativo depende do atendimento de seus requisitos, dentre eles a competência. Assim, a norma só alcança determinações emanadas da autoridade competente. A determinação busca impedir a introdução ou a propagação de doença contagiosa. Impedir é obstar. Introdução de doença contagiosa é seu ingresso em determinado lugar, Estado, município, região e, é óbvio, no próprio país. Propagação é sua disseminação pela população, é a difusão, de um lugar para outro. Doença é a alteração ou o desvio do estado de equilíbrio que caracteriza a condição de saúde de um indivíduo, decorrente da intervenção de vários fatores. Está associada a manifestações características, denominadas sinais ou sintomas. Doença contagiosa é o agravo à saúde, determinado por um agente infeccioso específico ou por seus produtos tóxicos e que pode ser transmitida a outro indivíduo ou suscetível de transmissão por diversos mecanismos. É também chamada de doença infecto-contagiosa ou doença transmissível. A norma só se refere às doenças que acometem os humanos, não os animais ou vegetais, mas pode a determinação do poder público recair sobre o cuidado com animais e vegetais, quando estes possam integrar-se na série causal de propagação da doença. O tipo comentado está em branco. Seu complemento é, portanto, a norma contida em outra lei ou em regulamento. Só incidirá a norma incriminadora quando o agente descumprir a determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou a propagação da doença. Assim, no mesmo ato administrativo podem existir diversas normas, mas só a desobediência àquela que tiver como finalidade impedir a introdução ou propagação da doença é que será incriminada. Se a norma complementar vier a ser revogada por ter sido considerada desnecessária ou fruto de apreciação equivocada da autoridade pública quando de sua edição, o agente será beneficiado pela retroatividade benéfica. Entretanto, quando se tratar de norma complementar temporária ou excepcional, mesmo decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, será típica a conduta
Infração de Medida Sanitária Preventiva - 3 praticada durante sua vigência (art. 3º do Código Penal). O tipo é doloso. O agente, para ser punido, deve estar consciente da existência da determinação que deve cumprir, deve conhecê-la. Se não sabe dela, não age dolosamente. Além disso, deve agir ou omitir-se com vontade livre de desrespeitar a ordem, sem qualquer outra finalidade. Ausente o dolo, excluída estará a tipicidade do fato.
45.2.2 Consumação e tentativa O crime estará consumado no exato momento em que o agente descumpre a determinação da autoridade pública. É crime de perigo abstrato, que nem precisa ser provado, presumido que está na própria norma. Não é necessário que ocorra qualquer resultado decorrente da conduta. É crime de mera atividade. Na forma omissiva, a tentativa é impossível. Na modalidade comissiva, é possível a tentativa quando o agente, iniciando a prática do ato proibido, não o conclui por circunstâncias alheias a sua vontade.
45.2.3 Formas qualificadas pelo resultado Se da conduta do agente decorrer lesão corporal de natureza grave, a pena será aumentada de metade. Se resultar morte, será aplicada em dobro. É o que determina o art. 285 do Código Penal. Essas formas qualificadas pelo resultado são preterdolosas. O agente quis infringir a determinação da autoridade pública, mas não pretendia causar outro resultado mais gravoso, deixando, todavia, de observar o dever de cuidado objetivo, e causando a lesão corporal grave ou a morte de alguém. A qualificadora incidirá, é óbvio, quando o agente tiver atuado com negligência, imprudência ou imperícia em relação ao resultado mais grave e desde que presente a previsibilidade objetiva. Se, porém, ao descumprir a determinação o agente quis ou consentiu no resultado mais grave haverá concurso formal imperfeito entre o crime contra a saúde pública e o crime contra a pessoa.
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45.2.4 Aumento de pena A pena será aumentada de um terço se o agente é funcionário da saúde pública, ou age no exercício da profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro (art. 268, parágrafo único). Funcionários públicos que atuam nos órgãos e nas unidades administrativas destinadas a proteger a saúde pública devem ser punidos com mais rigor, porque sua conduta é mais reprovável. O mesmo se diga dos profissionais que têm conhecimento mais acurado sobre a propagação de doenças contagiosas e das determinações impostas pela autoridade pública. Descumprindo a determinação, violam a norma penal e o dever inerente ao cargo ou profissão.
45.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. A competência, para o fato que se ajustar ao tipo sem aumento de pena, é do juizado especial criminal. Em qualquer hipótese, é permitida a suspensão condicional do processo penal.