11 EXPOSIÇÃO
OU
ABANDONO
DE
RECÉM-NASCIDO
_____________________________ 11.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O tipo do art. 134: “expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria”. A pena: detenção, de seis meses a dois anos. Este crime é uma derivação específica do crime do art. 133. É crime especial em relação ao crime de abandono de incapaz, que é o tipo genérico. O tipo descreve uma conduta privilegiada do abandono de incapaz. Aqui não é qualquer incapaz, mas o recémnascido. O bem jurídico é o mesmo. A vida e a saúde da pessoa, mas não de qualquer pessoa, apenas a vida e a saúde do recém-nascido, e este é o primeiro elemento especializante. Conquanto o tipo contenha o elemento subjetivo para ocultar desonra própria, o sujeito ativo só pode ser, portanto, a mãe que acabou de dar à luz e que tenha um motivo de honra para ocultar o nascimento de um filho advindo de uma relação sexual desonrosa. Há quem diga que o pai incestuoso também pode ser sujeito ativo desse crime, com o que não concordo, pois a vontade da norma é a de considerar privilegiado apenas esse abandono por parte da mãe. Sujeito passivo é o recém-nascido, ou seja, o ser humano nascido, valendo observar que o melhor critério é considerá-lo assim até o momento da queda do cordão umbilical.
11.2 TIPICIDADE No caput está a forma típica fundamental. Nos §§ 1º e 2º, as formas qualificadas
2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles pelo resultado.
11.2.1
Forma típica simples
11.2.1.1 Conduta Nesse tipo há dois verbos: expor ou abandonar, diferentemente do tipo do art. 133. Sobre este último núcleo, valem as observações feitas na abordagem do crime de abandono de incapaz. Sobre o verbo expor, valem as observações feitas na análise dos tipos dos arts. 130 e 132. Tendo como objeto direto uma pessoa, quis a lei dizer, naquelas definições típicas, colocá-la numa situação de perigo. Aqui, a lei usou o mesmo verbo em sua forma transitiva direta, dispensando, pois, o objeto indireto. Mas, como o empregou como ação alternativa ao verbo abandonar, quis que se o compreendesse à semelhança do sentido da mesma ação de abandono. Equivale, portanto, a abandonar. Expor o recém-nascido é, assim, deixá-lo à própria sorte. A conduta pode ser comissiva ou omissiva.
11.2.1.2
Elementos objetivos
O recém-nascido é exposto ao perigo, deixado no próprio local onde se encontrava, ou levado para outro ambiente, onde é abandonado pela mãe. Se a mãe abandona ou expõe o filho, depois da queda do cordão umbilical, o fato se ajustará ao tipo do art. 133.
11.2.1.3
Elementos subjetivos
Crime doloso, o agente deve ter consciência da sua conduta e vontade de realizá-la. Sabe dos perigos que advirão da exposição ou do abandono do recém-nascido e, mesmo assim, realiza a conduta, com vontade livre de deixá-lo à própria sorte. Além do dolo, a mãe deve agir com o fim de ocultar desonra própria. Tal se dará quando a gravidez e o nascimento sejam desonrosos para a mãe. No passado a concepção de filho sem casamento constituía grave sentimento de repulsa social, o que não ocorre tanto assim nos dias de hoje. Filhos incestuosos ou adulterinos, igualmente e ainda hoje, causam profundo desconforto para a mãe. Daí que a lei entendeu de considerar menos
Exposição ou Abandono de Recém-Nascido - 3 grave o abandono por esse motivo. Abandonado o recém-nascido, preservada restaria a honra, a reputação da mãe. Daí que só pode invocar o privilégio a mulher honrada, aquela que tem boa fama, não a que, por seus costumes, como a prostituta, não receberia a reprovação social pelo fato da gravidez e nascimento. Importantes doutrinadores defendem a possibilidade de o pai ser contemplado com o privilégio quando estiver movido pela intenção de ocultar nascimento incestuoso ou adulterino. Se é certo que o tipo não se refere exclusivamente à mãe, como o faz o tipo do infanticídio, nem por isso se pode afirmar que seja a vontade da lei alcançar também o pai. Na sociedade brasileira a reputação da mulher é mais suscetível de sofrer danos que a do homem. Sobre ela, e não sobre ele, é que recai o desagrado social. É a mulher que sofre, ao longo da gravidez, a influência psicológica da concepção imoral ou ilícita. O pai do filho adulterino não merecerá igual censura social, já o incestuoso, pela ousadia e torpeza da sua prática, não pode merecer qualquer benefício da lei.
11.2.1.4
Consumação e tentativa
A consumação ocorre no momento em que o filho é exposto ou abandonado, sujeito, a partir daí, aos perigos resultantes do abandono. Tratando-se de crime de perigo concreto, a vítima deve ficar exposta ao perigo para sua vida ou saúde, por um tempo razoável. Haverá tentativa não só quando a mãe começa a realizar o comportamento positivo, levando a criança para outro lugar, mas também quando, realizada a conduta – comissiva ou omissiva – é, logo em seguida, encontrada e amparada por outra pessoa, que a devolve a seu lugar. Passando algum tempo, entretanto, com o recém-nascido exposto ao perigo, o crime se terá consumado.
11.2.2
Formas qualificadas pelo resultado
Se do abandono ou exposição resultar lesão corporal de natureza grave, a pena será de detenção de um a três anos (§ 1º do art. 134). Se resultar morte, a pena será de detenção de dois a seis anos (§ 2º, art. 134). As duas modalidades são preterdolosas. A mãe age dolosamente com relação ao
4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles abandono e à exposição do menor ao perigo e com culpa na produção do resultado. Se a intenção da mãe for lesão corporal, responderá por esse crime. Quando matar o recém-nascido, será infanticídio se estiver sob a influência do estado puerperal, e homicídio privilegiado se atuou apenas para ocultar a desonra própria.
11.3 ILICITUDE E CULPABILIDADE A exclusão da ilicitude é incompatível com o fim de ocultar desonra própria, porque, no estado de necessidade, que objetivamente poderia, em tese, ocorrer, é indispensável que o agente atue para salvar de perigo atual um bem jurídico exposto a um perigo atual. Já a culpabilidade, a meu ver, pode, em situações extremas, ser excluída por inexigibilidade de conduta diversa. A reprovabilidade menor, com a sanção penal mais branda cominada, em certas situações, será afastada para dar lugar à própria exclusão da culpa, quando se verificar que a reprimenda, longe de constituir qualquer sentido ético, importaria em mera vingança social. O motivo da honra, aliado à extrema miserabilidade da mãe do recém-nascido, a quantidade de filhos que já tenha, o abandono a que ela mesma possa estar reduzida, morando num dos viadutos das grandes cidades, devem conduzir o juiz humano ao entendimento de que, num quadro desses, dela não se poderia exigir outra conduta.
11.4 AÇÃO PENAL A ação penal é pública incondicionada. A competência, na forma simples, é do juizado especial criminal, e na forma qualificada pelo resultado lesão corporal grave (§ 1º), admite-se a suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95).