Volume 02 - 17

  • December 2019
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17 INJÚRIA

_____________________________ 17.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME A injúria está definida no art. 140: “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. A pena cominada é detenção, de um a seis meses, ou multa. O bem jurídico protegido é a honra subjetiva da pessoa, seu sentimento próprio acerca de suas qualidades. A dignidade e o decoro. Dignidade é o conjunto dos atributos morais, e decoro das qualidades físicas, intelectuais e sociais. Sujeito ativo é qualquer pessoa, assim como o sujeito passivo pode ser qualquer ser humano. Claro que não se irá falar em injúria contra um recém-nascido ou uma criança que ainda não tem consciência acerca de sua honra subjetiva. Tanto quanto na calúnia e na difamação, aqui com mais razão ainda, é impossível existir injúria contra pessoa jurídica.

17.2 TIPICIDADE O caput descreve a conduta típica básica. Os §§ 2º e 3º, as formas qualificadas. Os aumentos de pena descritos no art. 141 são aplicáveis.

17.2.1 Forma típica simples O art. 140 contém o tipo de injúria simples: “ injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”, com pena de detenção de um a seis meses, ou multa.

2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

17.2.1.1

Conduta

A conduta típica consiste na atribuição a alguém de uma qualidade negativa que ofenda sua dignidade ou seu decoro. Normalmente se realiza através de palavras, orais ou escritas, gestos ou outros meios simbólicos, como o desenho ou a pintura. Também é possível a injúria por omissão. É o caso do agente que, num ambiente social onde estão várias pessoas, recusa o cumprimento da vítima, deixando-a com a mão estendida à sua frente, ignorando sua presença.

17.2.1.2

Elementos objetivos

Diferentemente da calúnia e da difamação, na injúria não é atribuída a prática de um determinado fato. O agente simplesmente exterioriza um conceito acerca dos atributos pessoais da vítima, atribuindo-lhe uma qualidade negativa, depreciativa, pejorativa. Assim, quando lança expressões como ladrão, vagabundo, moleque, prostituta, veado, fresco, covarde, mentiroso, caolho, bichinha, safado, corno, incompetente, desonesto, analfabeto, burro etc. Com a conduta, o agente menospreza a vítima, reduzindo-lhe a auto-estima. Cuida-se, portanto, da emissão de um epíteto desqualificante da honorabilidade pessoal da pessoa. Através de símbolos, gestos, desenhos, pinturas, fotografias deixadas à mostra, pode ser realizada a injúria, quando reveladores do desprezo para com o sujeito passivo. Na injúria por omissão, o agente deixa de realizar um comportamento positivo, o que, por si só, atinge a dignidade ou o decoro da vítima. A recusa ao cumprimento ou o olhar desviado da pessoa à sua frente à espera de atenção pode, em determinadas circunstâncias, revelar desprezo e desconsideração injuriosa.

17.2.1.3

Elementos subjetivos

Só há injúria quando o agente age dolosamente, com consciência da ofensividade de sua conduta e a vontade de realizá-la. Além do dolo, deve estar o agente imbuído do fim de injuriar, a vontade de causar dano à honra subjetiva da vítima. Aplicam-se aqui, no que couber, as observações feitas no item 15.2.1.3.

Injúria - 3

17.2.1.4

Consumação e tentativa

A injúria somente se consuma quando a vítima toma conhecimento da conduta, quando ela ouve, vê ou percebe a ofensa à sua dignidade ou a seu decoro. Não é, todavia, necessário que a injúria seja proferida ou realizada em sua presença. Quanto à tentativa, é possível ocorrer quando a injúria se faz por meio de carta escrita interceptada, ou na forma de colocação de símbolos ou desenhos à frente da casa do ofendido, para que ele, ao sair, perceba a ofensa, sendo, entretanto, retirada por terceira pessoa.

17.2.2

Formas qualificadas

Os §§ 2º e 3º do art. 140 prevêem duas formas de injúria qualificada: a injúria real e a injúria mediante a utilização de referências a raça, cor, etnia, religião, origem, à condição de idoso ou de deficiente da vítima.

17.2.2.1

Injúria real

Injúria real é aquela cometida com o emprego de violência ou mediante vias de fato. Está assim definida no § 2º do art. 140: “se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes”. A injúria real é punida com detenção de três meses a um ano e multa, além da pena cominada à violência. Violência implica lesão corporal, e vias de fato é a contravenção penal do art. 21 da Lei das Contravenções Penais: praticar vias de fato com alguém. Vias de fato é a ofensa física da qual não resulta nenhuma lesão corporal, nem provoca danos à saúde, não deixando, por isso, nenhum vestígio. Para se configurar o tipo é indispensável que a violência empregada ou as vias de fato sejam, por si sós, aviltantes, desmoralizantes, humilhantes, daí por que é óbvio que o agente, ao utilizá-las, deve ter inequívoca intenção de ultrajar a vítima, ofendendo sua dignidade ou seu decoro. É o caso daquele que desfere um tapa no rosto, uma cusparada na cara, o que empurra a vítima para que ela caia numa poça de lama ou num monte de excrementos humanos.

4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles A injúria real absorve as vias de fato, mas, no caso de violência, o agente responderá pela injúria real em concurso formal imperfeito com as lesões corporais, aplicando-se, portanto, as penas cumulativamente. Assim, aquele que, para humilhar a vítima, cavalga-a batendo-lhe com um rebenque, responderá pela injúria real em concurso com lesões corporais, leves, graves ou gravíssimas, conforme tenha sido o resultado.

17.2.2.2

Injúria discriminatória

O § 3º do art. 140, introduzido pela Lei nº 9.459/97, com a redação dada pela Lei nº 10.741/2003, contém o tipo: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.” A pena é extremamente severa, reclusão de um a três anos e multa. Mais severa que a cominada ao homicídio culposo, que é punido com detenção. Um absurdo, com violação inominável ao princípio da proporcionalidade e quebra da harmonia do sistema cominatório do Código Penal. Configura-se quando o agente, com a intenção de ofender a honra subjetiva, utiliza, em sua manifestação, expressões que revelam sua desconsideração para com características relativas à raça, à cor, à etnia, à religião, à origem, à condição de idosa ou de deficiência da vítima. Assim quando diz nordestino preguiçoso, crente mentiroso, judeu desonesto, negro vadio, velho rabugento etc. Indispensável que o agente tenha-se comportado com o ânimo de ofender discriminando. Em outras palavras, não basta a intenção de ofender, mas que a expressão discriminatória tenha sido utilizada com o sentido de ferir a honra da vítima exatamente pelo elemento referido. A cada expressão relativa ao elemento discriminatório deve corresponder uma qualidade depreciativa que tenha uma relação compatível com a injúria proferida. Nem toda expressão relativa àqueles elementos pode constituir essa injúria. Não há discriminação, na sociedade brasileira, em relação ao europeu, ao branco, ao paulista, nem ao católico, daí que não é qualificada a injúria com a utilização de um desses elementos. A discriminação é elemento normativo, cabendo ao juiz, ao apreciar o fato concreto, reconhecê-la levando em conta os valores culturais da região onde se deu o fato.

Injúria - 5

17.2.3 Aumento de pena As causas de aumento de pena já comentadas quando da análise da calúnia e da difamação aplicam-se também no caso de injúria (item 15.2.2), exceto a condição de idoso ou deficiente, que integram o tipo de injúria discriminatória.

17.3 IMUNIDADE PARLAMENTAR Parlamentares federais, estaduais, distritais e municipais gozam da imunidade material em relação também à injúria, desde que no exercício do mandato e em razão dele (item 15.2.4).

17.4 ILICITUDE A injúria inclui-se dentre os delitos de opinião alcançados pela imunidade do advogado, e pelas excludentes de ilicitude do art. 142: ofensa irrogada em juízo, opinião desfavorável de crítica e conceito desfavorável, objeto dos comentários feitos no item 16.5. Também será crime autônomo a publicidade de injúria irrogada em juízo na discussão da causa ou da constante de conceito desfavorável emitido por funcionário público (item 16.5.4).

17.5 PERDÃO JUDICIAL O § 1º do art. 140 prevê duas hipóteses em que é possível a aplicação do perdão judicial: “quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria” e “no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria”. Na primeira hipótese há provocação reprovável por parte do ofendido, ensejando a reação do agente que, então, profere as expressões injuriosas. A provocação não precisa, necessariamente, ser ilícita, podendo ser um simples gracejo ou uma brincadeira de mau gosto, que desperta no agente a reação. Também se concederá o perdão judicial nos casos de retorsão imediata, isto é, de injúria como resposta à injúria. A reação deve ser imediata, devendo ser perdoado apenas

6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles aquele que reagiu, mantida a apenação ao primeiro injuriador.

17.6 AÇÃO PENAL A ação penal é, em regra, de iniciativa privada. Será pública incondicionada nos casos de injúria real cometida com emprego de violência, em relação às lesões corporais. Em relação à injúria, é necessário que o ofendido promova a queixa. Na injúria real com vias de fato, a ação penal é de iniciativa privada. Na injúria contra a honra do Presidente da República ou de chefe de governo estrangeiro, e contra a honra de funcionário público em razão de suas funções, será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça ou representação do funcionário. Valem, aqui, as mesmas observações feitas nos itens 15.4 e 15.5, inclusive quanto ao pedido de explicações e à suspensão condicional do processo penal nos casos de ação penal de iniciativa pública condicionada.

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