TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO 8ª VARA CÍVEL Av. Engenheiro Caetano Álvares, 594, 2º andar, sala 242, Casa Verde CEP 02546-000, Fone: 11- 3951-2525, São Paulo-SP - E-mail:
[email protected] SENTENÇA Reclamação: 001.08.616758-9 - Possessórias Em Geral(reintegração, Manutenção, Interdito) Requerente: Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo – Banccop Requerido: Claudio Biagi Gregorio e outro
MM. Juiz de Direito: Dr. Ademir Modesto de Souza Vistos. I.- Trata-se de AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE aforada por COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO – BANCOOP em face de CLÁUDIO BIAGI GREGÓRIO e MARIA DA GLÓRIA ALMEIDA GREGÓRIO, em que a autora, alegando que os réus, por meio de termo de adesão e compromisso de participação, adquiriram um imóvel em um de seus empreendimentos, aduz que eles deixaram de pagar as prestações concernentes ao preço a partir de agosto de 2007 e que, apesar de notificados, não efetuaram o pagamento da quantia até então devida, razão pela qual foram excluídos do quadro de cooperados, tornando-se, ademais, esbulhadores do imóvel que adquiriram. Em razão disso, pretende sua reintegração na posse do citado imóvel, sem prejuízo da condenação dos réus ao pagamento de indenização por sua utilização indevida, protestando pela concessão de medida liminar. II.- Conquanto o negócio jurídico que vincula as partes tenha sido denominado pela autora de termo de adesão e compromisso de participação, sua natureza jurídica é de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel. De fato, apesar de ter sido constituída como cooperativa, a autora atua como verdadeira empresa de construção e venda de imóveis, tanto que possui vários empreendimentos nesta Capital e os recursos pagos por seus cooperados não se destinam exclusivamente ao custeio do empreendimento onde localizado o imóvel que adquirem. Além disso, os cooperados, conquanto rotineiramente convocados para participar de assembléias, não participam da administração da autora e tampouco têm voz ativa nos empreendimentos por ela planejados e realizados, revelando seus estatutos que seus diretores são sempre os mesmos, embora se revezem periodicamente nos cargos de direção, da mesma forma como ocorre o revezamento dos diretores das grandes corporações empresariais.
Portanto, se a autora,(bancoop) conquanto constituída sob a forma de cooperativa, pratica atos de empresa e é fornecedora de produtos a destinatário final, o contrato por ela celebrado com os adquirentes dos imóveis por ela fornecidos no mercado, afora se qualificar como contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, está submetido ao Código de Defesa do Consumidor. Aliás, o Colendo Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido ser irrelevante a forma de constituição do fornecedor, sendo suficiente que desempenhem determinada atividade no mercado de consumo, mediante remuneração, vale dizer, forneçam produtos ou serviços a consumidor final. Confira-se, a propósito, o seguinte julgado proferido em situação análoga: Processual civil. Recurso especial. Sociedade civil sem fins lucrativos de caráter beneficente e filantrópico. Prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e jurídicos a seus associados. Relação de consumo caracterizada. Possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Para o fim de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa física ou jurídica ou de um ente despersonalizado como fornecedor de serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que desempenhem determinada atividade no mercado de consumo mediante remuneração. Recurso especial conhecido e provido" (REsp nº. 519.310/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 24.05.2004).
III.- Tratando-se de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, notadamente quando submetido ao Código de Defesa do Consumidor, sua resolução não prescinde de prévio pronunciamento judicial, ainda que presente no contrato cláusula resolutória expressa e tenha sido o adquirido notificado de seu inadimplemento. De fato, três razões são enumeradas por JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR para justificar a necessidade de pronunciamento judicial para a resolução do contrato de compromisso de compra e venda: 1) o sistema vigente exige para a caracterização da mora do devedor, tanto o elemento objetivo, no caso o simples retardamento, como o subjetivo, vale dizer, a culpa do devedor; 2) há expressa previsão legal de necessidade de interpelação judicial para a constituição em mora do adquirente imóvel não-loteado (art. 1º., Decreto-Lei nº. 745/69); e 3) se a resolução opera efeitos “ex tunc”, cada parte deve restituir o que recebeu por força do contrato, daí ser impossível, na esfera administrativa e limitada do Registro de Imóveis, apurar-se o quantum da devolução (Compromisso De Compra e Venda, 3ª. edição, São Paulo: Malheiros Editores, 1992, págs. 112/114).
Além disso, a autoridade da lição de ORLANDO GOMES, citada por JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR, não deixa dúvidas quanto à necessidade de prévia resolução judicial do contrato de compromisso de compra e venda para a retomada da posse do imóvel pelo alienante. Assim preleciona o saudoso mestre baiano: "Nessa linha pensamento, a dissolução do contrato de compromisso de compra e venda obedece às mesmas regras. Não se rompe unilateralmente sem intervenção judicial. Nenhuma das partes pode considerálo rescindido, havendo inexecução da outra. Há de pedir a resolução. Sem sentença resolutória, o contrato, por outras palavras, não se dissolve, tenha como objeto imóvel loteado ou não, sem embargo das disposições do Decreto-lei 58” (Direitos Reais, Forense, 1969, pág. 364, apud JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR, Compromisso De Compra e Venda, 3ª. edição, São Paulo: Malheiros Editores, 1992, págs. 112/114). A jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo perfilha o mesmo entendimento, sendo oportuno destacar, dentre outros, estes recentes julgados: Agravo de Instrumento nº. 576.113.4/7-00, rel. FRANCISCO LOUREIRO, julgado em 07.08.2008; Agravo de Instrumento nº. 567.885-4/8- 00, rel. OCTÁVIO HELENE, julgado em 15.07.2008; e Apelação Cível nº. 594.065-4/900, rel. BERETTA DA SILVEIRA, julgado em 30.09.2008. Aliás, deste último julgado, convém transcrever a interpretação dada aos arts. 127 e 135 do Código Civil, verbis:’ “É certo que o parágrafo único do artigo 119 do Código Civil/1916, correlação com os artigos 127 e 135 do Código Civil atual, proclama que a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, e a tácita, por interpelação judicial. A diferença é que, na primeira, o pronunciamento judicial tem efeito meramente declaratório e “ex tunc”, pois a resolução dá-se automaticamente, no momento do inadimplemento. interpelação judicial. Em qualquer caso, a resolução precisa ser judicialmente pronunciada. Caso contrário, poderia haver abuso e dano às partes”. Por sua vez, o Colendo Superior Tribunal de Justiça vem decidindo em igual sentido, convindo destacar o seguinte aresto: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE 'RESCISÃO' CONTRATUAL CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. DESCABIMENTO. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA EXPRESSA. IRRELEVÂNCIA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE DE DECLARAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTE. RECURSO DESACOLHIDO. I A cláusula de resolução expressa, por inadimplemento, não afasta a necessidade de manifestação judicial para verificação dos pressupostos que justificam a resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel. II A ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a 'rescisão' (rectius, resolução) do contrato.
Destarte, inadmissível a concessão de liminar reintegratória em ação de 'rescisão' de contrato de compra e venda de imóvel” (STJ, REsp. nº. 204.246/MG, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, julgado em 10.12.2002). No mesmo sentido: REsp.nº. 237.539-SP, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIR; REsp. 45.845-0-SP, rel. Min. ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO.
Portanto, se a resolução do contrato de compromisso de compra e venda não prescinde de prévio pronunciamento judicial, a ação de reintegração de posse ajuizada pela autora,(bancoop) constitui via processual inadequada ao fim almejado,visto essa pretensão, na espécie, não pode ser deduzida autonomamente, devendo ser pleiteada, apenas, como pedido sucessivo e cumulativo à rescisão do contrato. A inadequação da via processual eleita pela autora implica sua falta de interesse de agir, a impor o indeferimento liminar da petição inicial, à vista do que dispõe o artigo 295, inciso III, do Código de Processo Civil. A propósito, convém destacar não ser o caso de simples emenda, pois, afora a necessidade de se alterar completamente a petição inicial, com a conseqüente modificação dos fatos, fundamentos jurídicos e pedido, a previsão de emenda prevista no artigo 284, parágrafo único, do Código de Processo Civil, só alcança as irregularidades indicadas no precedente artigo 282, não se aplicando, por conseguinte, àquelas descritas no artigo 295 do referido Diploma Processual. IV.- Ante o exposto, INDEFIRO a petição inicial a presente AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ajuizada por COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO BANCOOP em face de CLÁUDIO BIAGI GREGÓRIO e MARIA DA GLÓRIA ALMEIDA GREGÓRIO, com fundamento no artigo 295, inciso III, do Código de Processo Civil, declarando extinto o respectivo processo, nos termos do artigo 267, inciso I, do referido Diploma Processual. Custas pela autora. P. R. Intimem-se São Paulo,24 de novembro de 2008.