SEMINÁRIO PROVINCIAL SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS Faculdade de Teologia Situação da Igreja Contemporânea – 2011 – II Professor: Pe. Frederico Aluno: Adão Carlos Pereira da Fonseca Data: 09/09/2011
Fé e Conhecimento Na conferência Fé e Conhecimento, Joseph Ratzinger (atualmente Papa Bento XVI) apresenta a problemática da relação entre fé e conhecimento na modernidade. A época moderna é marcadamente uma fase onde a ciência chegou a grandes avanços no campo das pesquisas e experimentações. A mentalidade moderna não é mais a da crença em um Deus inacessível à razão, mas é a da fé na ciência positiva. Esta é vista como a única que pode levar o homem ao conhecimento e à sua autorealização integral. A ciência positiva crê que somente aquilo que pode ser verificado através do método experimental é verdadeiro. Tudo aquilo que foge à explicação científica é denominado assim, como falso, primitivo e ilusório. O sociólogo francês Augusto Comte, crente na ciência positiva, descreveu a evolução humana como a passagem por três estágios: o teológico, o metafísico e o positivo. O estágio teológico é o momento em que a humanidade explica todas as coisas com seus deuses mitológicos; o estágio metafísico é o momento em que o homem passa a tentar dar uma roupagem racional para seus mitos; e o positivo é o momento em que a ciência positiva leva o homem à sua máxima realização. Comte denomina, respectivamente, estes três estágios como infância, juventude e idade adulta da humanidade. Segundo ele, o homem moderno é o homem adulto, que não pode deixar-se levar pelas infantilidades e imaturidades dos estágios anteriores. A época moderna, principalmente no final do século XIX e início do século XX, foi fortemente influenciada pelo pensamento positivista de Comte, a tal ponto que havia uma grande esperança na ciência como a salvadora do homem. Os positivistas acreditavam que a ciência experimental poderia resolver todos os problemas do homem, mas a realidade não tardou em mostrar que estavam errados. Após as duas grandes guerras mundiais, a esperança na ciência como a salvadora da humanidade entra em crise e o homem se depara com o absurdo de uma realidade que não o
satisfaz. Todas as promessas feitas pela ciência positiva revelam-se como instasifatórias e o homem se sente cada vez mais vazio. Esse sentimento do homem é bem descrito pelo filósofo Albert Camus em sua célebre obra O Mito de Sísifo: [...]Toda a cência da terra não me dará nada que me possa certificar-me de que este mundo é meu. As pessoas descrevem-mo e ensinam-me a classificá-lo. Enumeram as suas leis e eu, na minha sede de saber, consinto em que elas sejam autênticas.[...] Terei sequer tempo de me indignar? Já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia ensinar-me tudo, acaba na hipótese, essa lucidez cai na metáfora, essa certeza resolve-se em obra de arte.[...] Compreendo que, se posso apreender os fenômenos pela ciência e enumerá-los, não posso apreender da mesma maneira o mundo.1
Segundo o Cardeal Ratzinger, quando a busca da verdade é sacrificada pela confiança exagerada no método científico positivo, o próprio conceito de realidade entra em crise, de modo que apenas aquilo que é verificável experimentalmente passa a ser visto como real. Quando a realidade passa a ser vista como simplesmente o campo dos fenômenos verificáveis a fé cristã passa a ser vista como uma mera ilusão de uma época infantil da humanidade. A esta acusação feita à fé cristã, Ratzinger responde que a fé não é incompatível com o conhecimento, pois, ela não é um tipo de conhecimento que se coloque ao lado do conhecimento científico: “a fé não é uma forma diminuída de ciência natural, como que um grau elementar antigo ou medieval destinado a desaparecer, logo que venha o que é próprio, mas algo essencialmente diverso. Ela não é conhecimento provisório”2. A fé é uma certeza que se baseia na confiança em uma pessoa: Deus. É ele que vem ao encontro do homem e se revela. Não é o homem que encontra a Deus depois de uma longa busca, mas é o próprio Deus que busca o homem e o encontra. A fé do cristão mostra-o a existência de um Deus, e que por essa razão a realidade não se restringe ao campo do observável e do mensurável. A realidade para ele ultrapassa a simples realidade dos fenômenos científicos. À questão da realidade, Ratzinger, já enquanto Papa Bento XVI, diz: [...] O que é real? São “realidade” só os bens materiais, os problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século [...] Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de “realidade” e, em consequência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas.3 1
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo: Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, p. 30. 2 RATZINGER, Joseph. Fé e Futuro. Tradução de Frei Honório Rito. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 19. 3 PAPA BENTO XVI. Discurso Inaugural da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe. In: PALAVRAS DO PAPA BENTO XVI NO BRASIL. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 109-110.
A fé e o conhecimento não se contradizem, mas são as dois caminhos que o homem tem para chegar ao conhecimento da verdade. Esta não é conhecida somente através da razão, mas também por meio da fé. Para o cristão a verdade não é uma coisa, uma ideia, mas uma pessoa na qual ele confia e sabe que o ama. A verdade suprema para o cristão é o próprio Deus que veio ao mundo como homem sem deixar de ser Deus. Diante das críticas feitas à fé ele sempre vai ter a certeza fundamental de que mesmo que ele não possa verificar empiricamente Deus existe, é real. Como disse Ratzinger, há momentos em que o crente apenas pode dizer: “sim: eu creio em ti, Jesus de Nazaré; eu confio que em ti se mostrou aquêle sentido divino em razão do qual eu posso, confiada e serenamente, enfrentar a minha vida com paciência e coragem”4.
4
RATZINGER, Fé e Futuro, p. 22.