CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE LETRAS
ESMERALDA: UM CASO QUE AGITA OS MEDIA, INUNDA A ESFERA PÚBLICA DE COMENTÁRIOS E EMOCIONA O PAÍS ANÁLISE SOCIAL DA COMUNICAÇÃO
Joana Pais (27639) e Susana Rodrigues (28885)
Vila Real, Novembro de 2008
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ÍNDICE
Introdução…………………………………………………………….………………………..3 Caso Esmeralda: os factos……………………………………….………….………………….6 O caso esmeralda na Comunicação Social……………………………………….…….………9 Reacções dos portugueses ao Caso Esmeralda……………………………………………….17 Análise social do Caso Esmeralda: parcialidade dos media………………………………….21 Conclusão…………………………………………………………..………………………....25 Referências Bibliográficas………………………………………………………………...….26 Anexos…………………….…………………………………………………………….……28
Caso Esmeralda: Texto Integral do Acórdão
Exemplos do que foi saindo na imprensa…
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INTRODUÇÃO
“A comunicação constitui, na sociedade informacional em que nos encontramos, uma das «chaves da vida em sociedade e da vivência humana»” (MARÍN, Antonio Lucas; 1999:16). Hoje vivemos obcecados com o que «se diz» ou o «se mostra». Os media trazem, nas suas variadas estruturas técnicas (a impressão, a imagem, o som, a grafia, etc.), a força de marcar a expropriação do que acontece no público e transforma-lo em uma banalidade quotidiana sem sentido, ou vice-versa. “Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente valorização dos processos comunicativos enquanto elementos essenciais da vida em sociedade. Há autores que chegam mesmo a considerar que «a sociedade é comunicação!»” (PEREIRA, Sandra;2005: 1). Antes pensava-se que os media tinham a responsabilidade moral de irradiar o mal e mostrar as enfermidades sociais. Este era o axioma central que fundamentava a transformação do jornalismo em profissão no século XIX. Então a função dos media não era apenas a de fazer com as informações passassem de um ponto para o outro no espaço e no tempo, mas também a de um agente “social” que destacasse casos na multidão de acontecimentos que servissem como exemplo para manter a constante manutenção da disciplina e do controlo de ordem normativa. Mas hoje, a noção de media passou então a ser entendida como uma espécie de vitrina que coloca à mostra a realidade para todos. Os meios de comunicação falam do mundo das pessoas, que transformam em até super pessoas. No jornal, na rádio, na televisão, nas revistas, o indivíduo só aparece ou no registo policial, ou quando se personaliza através da violência. Ou então no Carnaval, quando se torna personagem de um facto da história nacional. Ou ainda no futebol, quando se destaca pelos seus dons. Ou seja, os media, só mostram o sujeito como indivíduo em momentos específicos. Podemos concluir que, “os profissionais dos media são actores de primeiro plano cuja influência real ultrapassa muitas vezes a simples função de intermediário entre os media e o púbico (os jornalistas) ou de produtor de mensagens difundidas (os produtores, os realizadores). Os jornalistas em particular são actualmente considerados como profissionais capazes de orientar o debate público e de influenciar a vida política. Para além disso, a mediatização de algumas grandes figuras da profissão faz com que sejam considerados vedetas ao mesmo nível das estrelas de cinema” (RIEFFEL, Rémy; 2003: 123/124). “O jornalismo ajuda ainda a identificar os objectivos, os heróis e os vilões de uma comunidade” (KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom; 2004: 16). Percebemos então que existem vários efeitos sociais dos meios de Comunicação Social sobre a opinião pública. Pois, os próprios meios de Comunicação Social acabam por alimentar certas situações, quando lhes -3-
fornecem uma grande visibilidade e audiência. E, “os jornalistas, fazendo eco destas formas de mobilização, podem transformar um problema local ou secundário num problema nacional e prioritário. Esta é a prova de que eles participam na construção do acontecimento” (RIEFFEL, Rémy; 2003:40). De facto, existe uma relação directa entra a exposição de um determinado tema na televisão e o «sentimento» das populações face a esse acontecimento. De facto, nos dias que correm, há muita opinião transmitida pelos meios de Comunicação Social. Hoje, as notícias reproduzem muito mais o subjectivismo ideológico do jornalista do que a objectividade dos factos. “Os media tanto podem impor os temas na ordem do dia e fomentar o conformismo, como podem alargar o debate e favorecer a multiplicidade de opiniões. No estado actual dos nossos conhecimentos, qualquer posição demasiado categórica em relação a esta matéria colide com a diversidade de casos observáveis e esquematiza exageradamente a realidade. (…) Os media se tornaram, pela forma como impõem uma certa visão dos acontecimentos, no tribunal da opinião” (RIEFFEL, Rémy; 2003: 41).
Podemos aplicar dois modelos de explicação dos efeitos da comunicação jornalística sobre o público: 1. Teoria do agenda-setting (McCombs e Shaw, 1972): os media têm a capacidade de agendar temas que são objecto de debate público. Os media dão-lhes uma importância de tal forma relevante que as pessoas interiorizam esses acontecimentos como temas sobre os quais devem debater. Consequentemente, este acontecimento acaba por atrair elevados níveis de audiência. 2. Teoria da dependência (Sandra Ball-Rokeach e Melvin De Fleur, 1976): as pessoas dependem da comunicação social para obterem informações se explicações sobre o que está acontecer na sua sociedade. E esta dependência será ainda mais intensa se os meios de comunicação forem a única fonte de informação disponível. Esta teoria aplica-se, efectivamente, na nossa sociedade.
Há casos em que a Comunicação Social fabrica para se entreter, nada se importando se ou quem atropela pelo caminho. O Caso Esmeralda parece ser mais um exemplo. Vimo-lo em múltiplas páginas de jornal e em sites e blogues, bem como em inúmeros debates em rádio e televisão. Assistimos à apresentação de opiniões, baseadas geralmente nas notícias publicadas. Notícias essas que são, como habitualmente em Portugal, fragmentadas, parciais, incompletas, incoerentes e no final de contas, desinformadoras. Lippmann já defendia, no seu best-seller Public Opinion, que a maioria das pessoas apenas conhecia o mundo de forma indirecta, através de “imagens criadas nas suas cabeças”, imagens essas que provinham, em grande parte, dos media. Lippmann argumentava que o problema era que “as imagens mentais destas pessoas estavam severamente distorcidas e incompletas, deterioradas pelas irremediáveis fraquezas da imprensa”. O Caso Esmeralda, que tem ocupado os media, tem -4-
provocado um levantamento popular de solidariedade para com o casal que a tem criado desde os 3 meses. Parece que estamos perante mais um caso em que os jornalistas têm prestado um péssimo serviço informativo. No mínimo, a opinião que se forma sobre o caso após a leitura do acórdão é muito menos exacerbada do que aquela que as notícias publicadas nos têm sugerido. Porque é que a Comunicação Social faz isto? Pode ser por os jornalistas terem humanamente tomado partido emocional por uma das partes. Pode ser por razões comerciais – pois a coisa assim vende mais. Ou pode ser por outra razão qualquer. Todos os jornalistas – da redacção à direcção – devem ter um sentido pessoal de ética e de responsabilidade, uma orientação moral. “Em termos simples, as pessoas integradas nas organizações jornalísticas têm, de reconhecer a sua obrigação pessoal de discordar ou de desafiar os directores, proprietários, anunciantes e mesmo os cidadãos e a autoridade estabelecida, se os princípios da imparcialidade e do rigor o exigirem” (KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom; 2004: 189). Tomando como pressuposto de que a informação é um bem social, um serviço público, empresas jornalísticas e jornalistas devem prestar contas à sociedade do que fazem, como fazem e porque fazem. Essa relação estabelece um elo forte entre a ética e os meios de Comunicação Social que passamos a tratar agora. A verdade é que, após termos lido o Acórdão ficámos convencidas de que o pai biológico não é como tem sido retratado pelos media. O que vai na Comunicação Social é uma versão muito particular dos acontecimentos. Sendo assim, o nosso objectivo com este trabalho não é o de mostrar de que lado estamos, mas sim o de mostrar a forma como este caso foi tratado pelos meios de Comunicação Social.
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CASO ESMERALDA: OS FACTOS
12 de Fevereiro de 2002: A criança (Esmeralda) nasce em Coimbra e é registada como filha de pai incógnito e de Aidida Porto Rui, à data imigrante ilegal em Portugal. No entanto, a mãe informa o Ministério Público da Sertã que o pai é Baltazar Nunes e não quer assumir a paternidade. 28 de Maio de 2002: Através de uma amiga, a mãe, Aidida Porto, entrega Esmeralda ao casal Luís Manuel Gomes e Maria Adelina Lagarto, para que a adopte pois não podia ter filhos. Na ocasião, a imigrante assina um papel, registado no notário, onde se lê: «Entrego-a ao Sr. Luís Manuel e Sra. D. Maria Adelina Cantador Lagarto, casados um com o outro, para que seja adoptada plenamente pelos mesmos, integrando-se na sua família, extinguindo-se desta forma as relações familiares existentes entre mim Aidida Porto Rui e Esmeralda». 11 de Julho de 2002: O pai biológico de Esmeralda é ouvido pela primeira vez no Tribunal da Sertã no âmbito do processo de averiguação oficiosa da paternidade, disponibilizando-se para fazer os testes necessários. Setembro de 2002: Primeiros contactos entre o casal que acolheu a menina e a Segurança Social para iniciar o processo de adopção. Outubro de 2002: A menor e o pai são sujeitos a exames hematológicos que confirmam a 8 de Janeiro que Baltazar Nunes é o progenitor. Janeiro de 2003: É remetido ao tribunal judicial da Sertã o resultado do exame: Baltazar Nunes é o pai de Esmeralda. 20 de Janeiro de 2003: O casal Luís Manuel Gomes e Maria Adelina informa o tribunal da Sertã que tem a criança, alega que foi juridicamente mal patrocinado e intenta nessa instituição o processo de adopção. 24 de Fevereiro de 2003 - Baltazar Nunes é notificado oficialmente dos resultados dos testes e perfilha de imediato a menor. 27 de Fevereiro de 2003: Baltazar Nunes vai aos Serviços do Ministério público da Sertã e diz que quer regular o poder paternal da filha. Afirma desconhecer o paradeiro de Esmeralda, mas tencionar descobri-la. É instaurado o processo administrativo para regulação do exercício do poder paternal. 9 de Maio de 2003: Averbamento da paternidade na respectiva certidão. -6-
Junho de 2003: Pai biológico insiste de novo junto do Ministério Público (MP) para saber o paradeiro da menor. A 26 de Junho é ouvida a mãe biológica e a 8 de Julho de 2003 é a vez de Baltazar Nunes. Setembro de 2003: Luís Manuel Gomes e Maria Adelina apresentam-se no Centro Regional de Segurança Social de Santarém como candidatos à adopção. 16 de Outubro de 2003: Processo de regulação do poder paternal dá entrada no Tribunal de Torres Novas. 17 de Novembro de 2003: Conferência de pais para tentar acordar a regulação do poder paternal termina sem acordo. É indicada a morada do casal com quem Esmeralda reside.17 de Novembro de 2003 – Conferência de pais 15 de Dezembro de 2003: Ouvido o casal que acolheu a menor. Nessa ocasião, o MP e o juiz pronunciam-se a favor de que a menor se mantenha à guarda do casal até que o processo esteja concluído. 25 de Novembro de 2003: A mãe de Esmeralda requer o exercício do poder paternal e diz que tem procurado a filha, mas o casal recusa-se a recebê-la. 15 de Dezembro de 2003: O casal, Luís Gomes e Adelina Lagarto, é ouvido. Finais de 2003: Aidida Porto obtém visto de residência em Portugal depois de apresentar uma certidão de nascimento da filha onde consta o nome de Baltazar Nunes como pai. Ao abrigo da legislação, visto que o progenitor é um cidadão português, é conferido o visto de residência à mãe. 11 de Janeiro de 2004: O Centro Regional de Segurança Social de Santarém intenta um processo judicial de confiança da menor a favor do casal, alegando que o pai a abandonou. 13 de Julho de 2004: Sentença de regulação do exercício do poder paternal após investigação do Instituto de Reinserção Social, que conclui ser o pai biológico de Esmeralda homem trabalhador e com condições morais e económicas para ter consigo a filha. O casal interpõe recurso, não admitido “por falta de legitimidade” do mesmo para impugnar a decisão sobre regulação do poder paternal. Julho de 2004: Baltazar Nunes tenta receber a menor e dirige-se às instalações militares onde trabalha Luís Matos Gomes mas este recusa a entrega.
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19 de Janeiro de 2005: Casal interpõe recurso para o Tribunal Constitucional que ainda não deu resposta sobre a legitimidade do casal para discutir o futuro da menor. Desde a sentença do poder paternal que as autoridades têm mandados de entrega da menor, mas até ao momento ainda nada foi feito. Julho de 2005: Luís e Adelina são acusados pelo Ministério Público de sequestro e subtracção de menor. Outubro de 2006: Adelina e a criança desaparecem. Encontro da Polícia Judiciária de Leiria com o militar na Escola Prática do Exército. Na ocasião, apesar de estarem munidos de mandados, os inspectores regressam sem a menina porque o militar alegou ter entregue um recurso no Tribunal Constitucional sobre esta questão. 12 de Dezembro de 2006: Tem início o julgamento de Luís Gomes acusado de sequestro e subtracção de menor. A sua mulher, que não foi notificada, será julgada num processo à parte. Na primeira sessão, o colectivo de juízes ordena a prisão preventiva do militar, devido ao risco de continuação de actividade criminosa. 5 de Janeiro de 2007: Segunda sessão do julgamento em que o Tribunal confirma a prisão preventiva, desta vez a pedido do Ministério Público. 16 de Janeiro de 2007: Militar Luís Gomes condenado a seis anos de prisão por sequestro agravado de menor. De imediato, vários juristas e sectores da opinião pública insurgem-se contra a decisão e promovem um pedido de libertação imediata de Luís Gomes (habeas corpus). 22 de Janeiro de 2007: Recurso da decisão por parte do MP que pede somente quatro anos de prisão. 23 de Janeiro de 2007: Entrega de pedido de libertação de Luís Gomes (habeas corpus), subscrita por dez mil assinaturas. Audição do colectivo de juízes de Torres Novas no Conselho Superior de Magistratura que publica os factos que suportaram a decisão judicial. 25 de Janeiro de 2007: Reunião do Procurador-geral da República com o procurador do MP que acompanha o caso. Desse encontro sai a proposta de entregar a guarda provisória ao casal desde que este indique onde está a menina e aceite o contacto com o pai. 30 de Janeiro de 2007: Conferência de partes interessadas pedida pelo MP no âmbito do processo de regulação do poder paternal para tentar negociar a entrega da menor ao pai biológico. […] -8-
O CASO ESMERALDA NA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Quem tem estado minimamente atento ao que foi sendo publicado sobre o Caso Esmeralda e saiba alguma coisa de direito, logo vê o pântano para onde a imprensa arrastou o caso. Este caso tornou-se uma verdadeira telenovela. Parece que a Comunicação Social quer, a toda a força, que se faça justiça no meio da rua ou directamente nos seus programas. Segundo Pierre Bourdieu (1997: 15), a televisão torna-se num “instrumento de criação de realidade», onde o mundo social é descrito-prescrito por ela, transformando-se no «árbitro de acesso à existência social e política”.
Televisão Quando se começou a falar no Caso Esmeralda na imprensa, não faltaram «pseudoentendidos», que não entendem nada de nada, advogando a superioridade dos pais do coração à do pai biológico. Basta vermos o número de programas que já foram feitos sobre este caso. Vimo-lo no programa “Quadratura do Círculo” da SIC Notícias, em que o político Jorge Coelho encarnou a pele de jurista, psicólogo e assistente social, a dizer que para ele as leis pouco interessavam, o que interessa é que a criança devia ficar com os pais do coração. Outros como Pacheco Pereira, alertaram que “o critério do coração, levado ao limite, poderia permitir que um(a) raptor(a), por ter criado com carinho, afecto e todos os cuidados, uma criança que previamente haviam raptado, pudesse ficar com ela, por ser traumatizante a retirada dela ao(a) raptor(a) de forma rápida”. Outro exemplo é um dos programas “Prós e Contras” da RTP1 que foi feito sobre o tema. Foi uma autêntica vergonha de manipulação e facciosismo. Os dois juízes, que foram literalmente arrastados para aquele programa para serem linchados em público por uma turba irracional, tresloucada e em fúria, incapaz de ouvir quer as razões apresentadas pelos magistrados, quer as duas únicas vozes ponderadas e sensatas que se ouviram na plateia: o professor Lobo Antunes e a doutora Ana Vasconcelos. O facciosismo na concepção do programa foi tal que colocaram os dois juízes na bancada em frente dos dois defensores acérrimos do sargento e da sua esposa, como se os juízes fossem parte na disputa e não representassem, apenas, o poder independente e equidistante entre as partes. É que se repararmos no programa, não foi convidado ninguém que defendesse e explicasse a posição do pai biológico, sendo certo que basta ler os acórdãos para se perceber não só que a razão lhe assiste como também que o sargento e a sua esposa nunca tiveram em conta os superiores interesses da menor (porque, como poucos dizem, se tivessem tido não andavam a fugir com ela de terra em terra, impedindo-a de criar uma relação afectiva saudável com o pai e de conviver com outras crianças da sua idade). Todos ali defendiam, em nome dos superiores -9-
interesses da criança, que Esmeralda não devia ser retirada ao casal, por ser a única família que conhece. Imagine-se, agora, um casal que rapta um recém-nascido, porque gostava de ter filhos e não tem. Passados 5 anos tudo se descobre. Ora, seguindo a mesma teoria, a criança também não deveria ser retirada aos pais afectivos (os raptores), uma vez que era a única família que conhecia. Também no passado dia 1 de Outubro, assistimos ao programa “Pós e Contras” da RTP1, onde foi debatido mais uma vez este caso. Independentemente dos pontos de vista que os cidadãos possam ter sobre o assunto em questão, é inadmissível que profissionais de psicologia tenham o desplante de assumir na televisão a postura de comentadores públicos sem aparentemente terem lido sequer o Acórdão do Tribunal da Relação. Mais: um dos psicólogos ali presentes, a coberto de uma suposta autoridade moral e técnica, não teve o comportamento ético exigível de explicitar aos telespectadores a existência de eventuais conflitos de interesses, na medida em que tinha emitido um parecer e que até foi ouvido como testemunha, arrolado pelo casal que tem tido a guarda de facto da criança. Dentro desta linha, também a SIC levou ao telejornal um psicólogo na qualidade de especialista a opinar sobre o caso, mas nem a estação nem o psicólogo disseram que ele teve intervenção no processo como perito contratado pelo casal que tem a menina. Das muitas peças jornalísticas que foram passando no jornal da noite da SIC, destacamos uma intitulada “Criança continua com pais afectivos até decisão de alteração do poder paternal” (in http://br.youtube.com). Nela, podemos ouvir o sargento Luís Gomes afirmar, em relação à decisão da juíza de suspender a entrega da menor, que: “A menina ficou muito feliz e disse claramente «Afinal a senhora Juíza é minha amiga!»”. Sendo que, o risco emocional a que a criança poderia estar sujeita com a entrega a Baltazar Nunes é uma das justificações apresentadas para que Esmeralda fique a viver com os pais afectivos, podendo continuar manter contacto com os pais biológicos. Numa entrevista no telejornal da SIC, da jornalista Clara de Sousa à pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, podemos ouvir (e ver) a pedopsiquiatra dizer que, “os miúdos nesta idade sabem muito bem o que querem”. Até que a certa altura da entrevista, Clara de Sousa pergunta: “Poderá ser uma reacção condicionada pelos pais afectivos?”. Ao que Ana Vasconcelos responde: “Pode ser…” (in http://br.youtube.com). Numa das (muitas) entrevistas que foram feitas sobre este tema, no programa “Fátima” da SIC, podemos retirar a seguinte declaração do Dr. Luís Villas-Boas:“ Tenho fé que a instância superior ajude a pôr a criança, de vez, numa situação de segurança que é ao colo de Adelina e de Luís Gomes, com acesso aos pais biológicos”. Ao que Fátima Lopes – a apresentadora – responde: “Uma coisa que o Dr. Villas Boas também defende é que o pai biológico da Ana Filipa precisa de alguma ajuda psicológica para perceber que não há despacho no mundo que lhe garanta os afectos da filha” (in http://br.youtube.com). - 10 -
Esta é uma foto do separador que surgia em todos os intervalos do programa “Fátima” (programa das manhãs da SIC). Além de contarem os dias de prisão do sargento, neste mesmo programa, quase todos os dias havia uma rubrica dedicada a este caso. E, “depois há episódios rocambolescos, como aquele em que Luís Gomes, acompanhado do ventríloquo José Freixo e do Pato Donaltim, animadores do programa “Fátima”, exibido na SIC, entraram porta adentro da sala do infantário frequentado por Esmeralda e arruinaram o momento de convívio que Baltasar desfrutava na companhia da sua filha. As piadolas e palhaçadas daquele trio fizeram com que a visita, que devia ter durado três horas, terminasse ao fim da primeira” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 138-139). Isto dá a entender que a SIC se associou ao sargento Luís Gomes, enquanto que a TVI se posicionou do lado de Baltasar Nunes. Isto porque, como já vimos no caso da SIC, também a TVI aparece muitas vezes referenciada, no livro “Esmeralda – uma criança, dois pais” (CARVALHO, Hernâni; MAIA, Luís), como espaço onde Baltasar Nunes «fala». “No entanto, em 2007, depois de ter sido ludibriado vezes sem conta pelo seu contendor, afirmou à TVI, no programa “Você na TV”, bem como à revista TV Mais, que não se importaria de ver a sua filha esmeralda crescer com outrem, se isso significasse o seu bem, a sua prosperidade, o seu superior interesse. Só não queira ser posto de lado nem alheado e marginalizado das decisões que vão sustentar o crescimento e educação da menina” (CARVALHO, Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 56). E mais: “Na cara de Baltasar foi colocado um gigante carimbo de vilão, um rótulo de malfeitor, apenas interessado no dinheiro da indemnização. Mais tarde, o pai de esmeralda havia de dizer à TVI não querer “dinheiro nenhum” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 80). Mais uma vez, quando o Supremo Tribunal voltou a dar razão ao carpinteiro de Cernache, em Maio de 2008, o militar afirmou na SIC que essa decisão “não altera nada”. “O que é então necessário para que alguma coisa se altere? Trocado por miúdos, Luís Gomes afirmou a milhões de telespectadores [através da SIC] que persistirá em não cumprir a lei da pátria que serve e em não respeitar as suas instituições. O importante é conservar a Esmeralda. Parece ter razão. Pouco tempo depois de sair da prisão e fazer aquelas afirmações foi promovido e o seu salário aumentado” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 100). E também não faltaram os joguinhos pelas audiências. No dia 9 de Julho deste ano, enquanto Cândido Ferreira esteve na TVI a apresentar o livro “Esmeralda-Sim”, Fátima Lopes levou à mesma hora, Aidida Porto ao “canal do sargento” (designação para SIC que encontramos em diversos textos na Internet) para uma entrevista onde prometia contar «toda a verdade».
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No entanto, este espectáculo que a Comunicação Social criou em torno deste caso já provocou algumas reacções. No dia 10 de Julho deste ano, os advogados de Baltazar Nunes afirmaram que estavam a ponderar uma reacção muito forte contra todo o procedimento, ao longo destes dois anos, da apresentadora da SIC, Fátima Lopes, os responsáveis pelo programa e a própria estação de televisão. Os advogados de Baltazar Nunes reclamam o “dever da ética e da isenção” por parte do programa e da apresentadora e reforça que esta “tem violado as normas éticas e deontológicos de forma reiterada”. Mais: acusam Fátima Lopes de tratar Baltazar de forma “indigna, agindo deliberada, metódica e assumidamente”. Embora admitam que se trata de um programa de entretenimento, afirmam que o modelo “mistura informação”. Sendo um programa híbrido, no entender dos causídicos “terá de obedecer à deontologia e à ética” próprias dos programas de informação. Já Fátima Lopes disse, sobre esta questão, que não tem carteira de jornalista e é livre de exprimir a sua opinião. Mas esquece-se que, como está patente na página 126 da obra “Sociologia dos Media”, a definição de jornalista “não faz referência a nenhum saber ou know-how específico, sancionado por uma formação académica ou por um diploma”; ou seja, muitos jornalistas não têm carteira profissional e isso não significa que possam deixar de respeitar uma certa isenção. Os profissionais dos media (seja lá qual for a sua missão) deviam ser responsáveis por consciencializar o público e servir de exemplo. No entanto, Fátima responde que “estamos num país livre” e que aquilo que tem feito “é expressar a [sua] opinião”. “Se o advogado de Baltazar me quiser processar está no seu direito, tal como eu tenho o direito de me defender”. De resto, afirma, apresenta um programa onde os convidados são livres de expressar a sua opinião. Estes casos são assim paradigmáticos na definição do que pode ou não ser um estão de direito, não podendo este ser criado através de regras, análises ou convicções subjectivas e sim através de leis gerais e abstractas, mesmo que elas, subjectivamente possam parecer injustas. Apesar de os acórdãos1 do colectivo de Torres Novas e do Tribunal da Relação de Coimbra estarem disponíveis na Internet (in www.verbojuridico.net), a nossa imprensa, pelos vistos, recusa-se a lê-los, preferindo continuar a insistir na versão fantasiada e mentirosa que, inventaram e com que atiçaram a opinião pública contra o pai biológico, amplificando a indignação de um grupo de notáveis que tem defendido o sargento Luís Gomes. Este caso da vida real até chegou à ficção nacional. O “Caso Mariana”, o segundo telefilme da TVI, integrado na série “Casos da Vida”, foi inspirado no Caso Esmeralda. Neste telefilme está em jogo a disputa de uma criança, entregue pela mãe a uma família de acolhimento, pois o pai não a perfilhou. Mas, passados cerca de 5 anos, o pai biológico, volta atrás na decisão, sobretudo porque a actual mulher não pode engravidar e deseja um bebé. Mas vai ter a oposição frontal da mãe adoptiva. Outro exemplo é o da novela, também da TVI, “A Outra”, que mostra a luta de Joana pela reconquista da sua filha Clara que está entregue a 1
ver Caso Esmeralda: Texto Integral do Acórdão em anexo
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Rosa e Zé Bento. Joana, a mãe biológica, está disposta a lutar com todas as sua armas para ter a sua filha de volta, mas Rosa não vai facilitar o processo, já que se considera a sua mãe de coração porque a criou desde nascença. Tozé Martinho inspira-se, muito certamente, no Caso Esmeralda que mexe com o país há mais de uma ano. Podemos então concluir que, “a televisão tende a impor o seu ritmo ao conjunto da vida social, tornando-se hoje a par dos outros media e de outras instituições mediadoras, tais como a família e a escola – como uma das principais geradoras de representações colectivas da envolvente social da sociedade. A televisão determina, em grande medida, os valores e os quadros de referência dos cidadãos. Através dela, o mundo entra-nos em casa e oferece-nos poderosas interpretações acerca da forma de compreendermos os acontecimentos que são seleccionados para serem notícias” (BRANDÃO, Nuno Goulart; 2006: 1).
Imprensa escrita “Contemporaneamente, o espaço público contemporâneo pode ser designado por “espaço público mediatizado”, no sentido em que é funcional e normativamente indissociável do papel dos media” (WOLTON, 1995: 167). “De entre a actividade mediática em geral, o jornalismo escrito desempenhou um papel decisivo de estruturação do próprio espaço público e do consenso social: sem o jornalismo não se formaria opinião pública ou pelo menos esta teria uma configuração decerto diversa daquela que conhecemos” (CORREIA, João Carlos; 1995: 3). Este Caso Esmeralda muita tinta fez correr nos jornais e nas revistas. Títulos como: “Mãe afirma que se dependesse do pai a filha teria morrido”, “Esmeralda contínua na família”, “Não houve acordo no Caso Esmeralda”, “Caso Esmeralda: pedopsiquiatras alertam para risco de "doença mental" com separação de "pais afectivos"”, encheram as páginas das revistas e dos jornais. Uns mais tendenciosos, outros a caminharem para lá. O que é certo é que todos falaram2. No jornal 24 Horas do dia 02.09.2008, a jornalista Rute Coelho, no seu artigo “Menina vai para a escola sem B.I.”, escreveu: “Na matrícula, consta o nome da certidão de nascimento com que foi registada pela mãe brasileira: Esmeralda Porto. Mas no dia-a-dia vai ser tratada por Ana Filipa por professores e colegas de turma.”. Outro exemplo é o do Jornal de Notícias, de 11 de Abril de 2007: “Para já, Esmeralda manter-se-á na companhia de Maria Adelina Lagarto, uma vez que o sargento Luís Gomes está detido no presídio de Tomar, condenado a seis anos de prisão, pelo sequestro da menor. A mulher, que está acusada do mesmo crime e que, durante meses, foi procurada pela Justiça, será, entretanto, julgada.”. 2
ver as notícias na integra em anexo
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Noutro artigo do mesmo jornal, deparámos com o seguinte: “Com a mesma determinação com que aplaudiram o sargento Luís Gomes e a mulher, as dezenas de pessoas que ontem se juntaram no Tribunal de Torres Novas, vaiava e insultavam o pai de Esmeralda, Baltazar Nunes. Acusado pelos populares de “apenas querer dinheiro”, o homem entrou no Tribunal, envolvido pelos gritos de protesto e, no cimo da escadaria de acesso à sala de audiências, houve mesmo um homem que avançou ameaçadoramente na sua direcção, injuriando-o.”. A jornalista Helena Silva procurou ouvir alguns dos populares presentes. Retirámos as seguintes declarações: “ «Estou aqui para dar força ao sargento. Acho que ele tem muita coragem para estar a defender a menina como tem feito», explicou Luciano Pereira, morador de Torres Novas, admitindo que «queria conhecê-lo porque só o tinha visto na televisão»”; “Mas nem todos partilhavam a mesma opinião sobre o caso. Guilhermina Grácio foi ao Tribunal para ver Baltazar. «Quando ele soube que era o pai, quis ficar com a filha. Mas nunca lha deram e agora ela não o conhece» afirmou, sustentando sentir «muita pena do rapaz»”. Se ainda tínhamos dúvidas quanto ao rumo que este caso mediático estava a tomar na Comunicação Social, um artigo do jornal Público, de 11 de Abril de 2008, foi muito esclarecedor: “No último relatório, os pedopsiquiatras mostram-se «convencidos que Baltazar não revelou ter um interesse genuíno pelo filha» e que é «frágil, manipulável e influenciável, com algumas limitações a nível da compreensão e dificuldades intelectivas».”.
Rádio A par da televisão, também a rádio cedeu muito do seu tempo de antena a este caso. Além, do aspecto meramente informativo, aqui também se fizeram programas por onde passaram muitos comentadores. Enfim, mais do mesmo. A rádio merece aqui um lugar de destaque. Constituindo um instrumento muito acessível e facilmente transportável, foi e ainda é, certamente, um grande fornecedor de informação, uma vez que, é o único media que se escuta de modo contínuo, mais ou menos distraidamente enquanto se executam outras ocupações. Não podemos esquecer que uma das grandes vantagens deste meio é o facto de possibilitar a elevados índices de repetição, característica que marcou este Caso Esmeralda. Isto é visível numa declaração de Pinto Monteiro sobre este caso, na Rádio Renascença, a 8 de Outubro de 2008: “ (…) como juiz julguei centenas de casos destes… este caso ganhou uma importância muito grande com a mediatização (…)”.
Internet “Classicamente lento, o tempo da justiça tem óbvias dificuldades no acompanhamento do ritmo imediatista dos media. (…) O tempo dos media nunca se compadeceu com a lentidão própria da justiça, e isso é ainda mais patente hoje em dia, com os desenvolvimentos - 14 -
tecnológicos (facilidade dos “directos” televisivos, actualização permanente da informação on-line, rapidez de transmissão de palavras e imagens) a que temos assistidos, e que uma concorrência crescente no campo mediático torna ainda mais pressionantes. Isso mesmo, o provam [também] os títulos que nos jornais antecipam decisões judiciais ou os “directos” à porta dos tribunais, procurando avançar matéria que permanece, por natureza, inconclusiva” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005: 5). Ora é incontornável que a cidadania ganhou novas dimensões, sendo a Internet, muito provavelmente, a forma mais recente e eminente de todas. E, para o bem ou para o mal, os blogues são, inquestionavelmente, uma dessas dimensões. Também neste Caso Esmeralda, foram criados blogues para se discutir este tema. Destacamos os mais conhecidos: “Esmeralda-Sim” e “Ana Filipa-Sim”. Logo pela própria designação podemos perceber que, o primeiro defende o pai biológico, já o segundo assume a posição do casal que tem a guarda da criança. Cada um à sua maneira, diariamente, publicava artigos de opinião e iam fazendo cobertura de tudo o que ia acontecendo. “E é com a desculpa da excessiva lentidão (ou lassidão) da justiça que se vê aflorar, por vezes, uma espécie “jornalismo justiceiro” que procura sobrepor-se, ou pelo menos antecipar-se, aos veredictos judiciais. A própria auscultação da voz popular sobre processos de grande impacto público e com forte carga emocional (sobretudo quando as vítimas são crianças) acaba por fomentar movimentações colectivas na praça pública, como que convertendo os espectadores, ouvintes ou leitores em tribunal de opinião, com reflexos nas expectativas da justiça” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005: 9).
Livros É claro que nem os livros escaparam a este caso mediático. As jornalistas Margarida Neves de Sousa e Rita Marrafa de Carvalho escreveram “Esmeralda ou Ana Filipa, dois nomes, dois pais”. Este livro revela, pela primeira vez, o que está por detrás de um caso que se transformou numa novela processual: pela primeira vez pais biológicos e pais afectivos contam a sua versão a duas jornalistas que, com o auxílio de magistrados, médicos, juristas e psicólogos recuperam o percurso de uma história singular. Num trabalho sem partidos ou facções, “Esmeralda ou Ana Filipa” conta o que os jornais não contaram, diz o que os noticiários não disseram, revela as confissões que nunca ouviu, levando até ao leitor os detalhes de uma história que continua a apaixonar Portugal. O prefácio é assinado por Maria Barroso e Nuno Lobo Antunes.
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“Amo-te Filha – sargento Luís Gomes, a verdadeira história”, livro de Patrícia Silva, é a história do Caso Esmeralda contada pelo sargento Luís Gomes. O sargento disse que o objectivo desta obra é contar a sua vivência pessoal dos factos e mostrar o imenso amor e afecto que tem pela filha. O sargento até participou numa sessão de autógrafos deste livro na Feira de Enchidos, Queijos e Mel de Vila de Rei. “Esmeralda-Sim”, um livro de Cândido Ferreira (médico, empresário ligado à saúde e escritor), apesar de ter 330 páginas, custa menos de 10 euros. Afirma-se ser um livro sem fins lucrativos, antes visando informar, de maneira simples e apelativa, formar a opinião do leitor sobre uma série de questões que ferem a actualidade nacional. Cerca de 1€ do produto da venda destina-se às despesas com a integração da menina na sua família natural ou à criação duma Associação Contra-Abusos do Poder, caso esta saga continue. O sargento termina de forma comovente o livro “Amo-te Filha”, escrito pela jornalista Patrícia Silva. O carpinteiro diz tudo o que lhe vai na alma numa carta escrita com a ajuda de Cândido Ferreira, impulsionador do blogue “Esmeralda-Sim”; as suas palavras podem ser encontradas no blogue e no livro “Esmeralda-Sim”. Por último, o livro “Esmeralda – uma criança, dois pais”, da Colecção Na cena do crime, escrito por Hernâni Carvalho e Luís Maia. Hernâni Carvalho começou a carreira na RTP nos anos oitenta. Estudou Psicologia, Religiões e é doutorado em Psicologia do Terrorismo. Na sequência do sucesso da rubrica “Casos de Polícia”, na revista TV Mais, aceitou o desafio de transpor em livro alguns dos seus trabalhos jornalísticos. Luís Maia trabalha em televisão desde 1999. Licenciou-se em Comunicação Social e ingressou na profissão como repórter. Na TVI fez equipa de sucesso com Hernâni Carvalho em “Crime, Diz Ele”. Desse trabalho nasceu o livro “Maddie 129” e agora esta colecção.
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REACÇÕES DOS PORTUGUESES AO CASO ESMERALDA
“Questão extremamente delicada: como podem os media influenciar a opinião pública? Ou conseguem eles criar, com todas as peças, um consenso em torno de um problema e, consequentemente, manipular de uma certa forma os indivíduos e instaurar um conformismo de pensamento?” (RIEFFEL, Rémy; 2003: 37). Como diz Alfredo Vizeu no seu trabalho Telejornalismo, audiência e ética (pág. 1), “a notícia é um “produto” à venda, mas não um produto como outro qualquer. É através do que está sendo noticiado que as pessoas tomam contacto com o mundo que as cerca. A informação ganha uma dimensão central na vida contemporânea. É um bem público. Ciente disso, o jornalista deve tomar todo o cuidado – e essa não é uma tarefa fácil – em não transformar a notícia num espectáculo”. O jornalista transforma-se assim em “líder de um fórum” ou em mediador, deixando de ser simplesmente um professor ou conferencista. Os leitores transformam-se não em consumidores mas em “prossumidores”, uma forma híbrida de produtor e consumidor. Começaram a esboçar-se na Comunicação Social posições pró e contra as várias decisões judiciais deste caso. Pessoas habitualmente sensatas manifestam-se publicamente a favor de uma parte num processo, por razoes afectivas. Essas posições têm todas um denominador comum: nenhum dos comentadores leu o acórdão e as sentenças em causa. Temos como exemplo os comentários de alguns portugueses à notícia “Caso Esmeralda: menor recebida por multidão à porta do Tribunal da Sertã recusa-se a visitar pai biológico”, publicada a 04.04.2008 no site do jornal PÚBLICO: “Vocês falam e falam e não sabem do que falam.... Vocês olham para a fotografia do pai biológico com aquela gravata bonita e dizem:"coitadinho do homem, o casal Gomes está a meter ideias na criança e ela não quer ver o verdadeiro pai".. Mas dizem isso porque é muito fácil manipular as vossas cabeças. Saibam que se o pai biológico tomasse banho de vez em quando, já não seria tão difícil a filha ficar junto dele.... Ah não sabiam? Então tentem ficar junto dele e já que manifestamente não sabeis pensar, tentem pelo menos cheirar.. A justiça está do lado dele? A justiça também ilibou uma mãe que matou o filho a fome e depois fugiu para Andorra.” 10.04.2008 - 17h54 – Anónimo, Porto
“Não era para colocar qualquer comentário, mas, depois de ler o que o anónimo do porto (não tem cara para dar - prefere o anonimato), aqui estou a responder-lhe. Sabe por acaso o que é trabalhar no duro? Não deve saber, pois deve ter nascido em berço d'ouro. Que comentário mais preconceituoso, um trabalhador, que efectue trabalhos pesados transpira, mas, não faz dele uma pessoa sem higiene. O Sr. é que deve tomar banho em perfume e não fazer nada na vida, se pegasse no pesado sabia o - 17 -
que era trabalho. Não diga disparates e para a próxima assine o que escreve e deixe de ser tendencioso e preconceituoso. O Baltazar é e sempre foi um homem como qualquer pessoa normal que diariamente toma o seu duche e que trabalha no duro, para sustentar a família e pagar os honorários do seu advogado para conseguir o que até hoje não conseguiu que se fizesse justiça. Só quem não é pai ou mãe, não entende. Por isso deixem-se de hipocrisias. Os trabalhadores também têm direito à justiça e a serem respeitados e não enxovalhados pela opinião pública.” 23.04.2008 - 14h00 – Rosário Marujo, Lisboa
Veja-se, ainda, que encontrámos no site http://adufe.net, 62 comentários à notícia “Caso Esmeralda: Texto Integral do Acórdão” (actualizado) de 20.01.2007. É uma troca de palavras que vale a pena ver. É a prova de como a Comunicação Social consegue mobilizar as massas. Rute Martins Says: Justiça é deixar uma criança que foi raptada com a raptora e aquela que ela considera sua família e que a tratou bem para evitar problemas psicológicos? Como o caso da bebé raptada a nascença e que agora foi encontrada? A esmeralda poderia estar com o pai desde um ano de idade, a mesma idade da outra menina, se não fosse a teimosia de um casal estéril que quis ter um filho à força e à margem da Lei. Esperar para quê? Se basta um mês de “negociações” para sermos pais? Nem è preciso esperar nove meses como a maioria dos pais “biológicos” têm de esperar. É simples, quem quiser ser pai ou mãe basta encontrar uma mulherzinha disposta a entrar em “negociações” e ao fim de um mês já se tem um herdeiro. Março 13th, 2007 at 9:0 Santos Says: Srª Rute Martins: Qual “criança raptada com a raptora”? Está a referir-se ao caso de Penafiel, em que a raptora roubou a criança à mãe? É que no caso da Esmeralda, que se saiba, a mãe, não tendo meios para alimentar a menina, em vez de a deixar morrer à fome, entregou-a ao casal que podia e queria tratar dela. Receber uma criança cuja mãe não podia e cujo pai não queria criá-la, é bem diferente de raptar uma criança. Março 14th, 2007 at 16:0
E esta «acesa discussão» entre a Sr.ª Rute Martins (a favor do pai biológico) e o Sr. Santos (a favor dos pais afectivos) continua. No site do PÚBLICO encontrámos mais comentários deste género, desta feita à notícia “Caso Esmeralda: pedopsiquiatras alertam para risco de "doença mental" com separação de "pais afectivos"”, publicada a 21.11.2007: - 18 -
“Estou plenamente de acordo que neste momento apenas devemos olhar para o futuro desta criança. Mas devemos pedir responsabilidades a quem protegeu o tal de sargento que deveria conhecer a lei melhor de qualquer comum dos cidadãos e saber que não se pode pegar numa criança com um simples papel de advogado. Mais ainda... quem protegeu o tal de sargento por ter desobedecido a várias ordens do tribunal para entregar a criança a quem luta por ela desde os 8 meses de vida. Com oito meses uma criança ainda não se apercebe do que a rodeia, mas aos seis anos sim. Quero com isto dizer que o tal de sargento é o único culpado de toda a situação futura desta criança. Quantas vezes já vimos figuras públicas de renome a dar a cara por situações semelhantes a esta?... Nenhuma, só agora porque é o Sr. Sargento. Como o pai biológico é como o Zé da esquina, ninguém o conhece, logo ninguém o apoio. Força Sr. Baltazar, já mostrou que vai saber tratar bem da sua menina, assim o faça, para calar a boca de um bando de imbecis que consideram que fugir à justiça compensa, contribuindo para que Portugal seja a república das bananas.” 04.12.2007 - 15h13 – Anónimo, Guimarães “Apelo aqui, ao Sr. Baltazar, que tenha a dignidade de permitir que a Ana Filipa (e não Esmeralda, como teima em chamá-la) seja feliz junto daqueles que sempre dela cuidaram e a amam, ao ponto de se sujeitarem a todo o tipo de situações menos agradáveis, tais como prisão e alteração total da sua vida privada. O que o Sr. Baltazar pretende, quanto a mim, é exclusivamente benefícios materiais, pois se amasse e se preocupasse com o futuro da pequenita, como um verdadeiro pai, jamais aceitaria qualquer valor monetário sob a designação de indemnização, da parte daqueles que sempre têm demonstrado serem pessoas de bem e de grande altruísmo e, permitir que esta criança que não pediu para vir ao mundo, continue a ser feliz junto daqueles que sempre conheceu como seus verdadeiros pais; um pai ou uma mãe, não são aqueles que geram ou procriam um ser, mas sim os que cuidam, amam, protegem, acompanham em todos os momentos da vida a criança, desde a sua concepção. Deixe, Sr. Baltazar, que a Ana Filipa continue a ser feliz, tornando-se numa adulta equilibrada e responsável e, que seja ela, quando já senhora da razão, decida com quem quer viver. Quando muito, unam-se em seu redor.” 23.07.2008 - 14h10 – Maria da Graça Martins, Azambuja
Estes são apenas alguns exemplos do que fomos encontrando ao longo da nossa pesquisa. É este o rebuliço que os media provocaram no público. Os comentários, as opiniões, aumentavam a cada dia. No entanto há que admitir que, o receptor “não é um ser totalmente passivo: dispõe de uma capacidade de análise das situações e sabe, em determinadas situações, manter uma - 19 -
postura crítica” (RIEFFEL, Rémy; 2003: 85). De facto, “os indivíduos são capazes, por vezes, de resistir à ameaça do isolamento; que demonstram uma capacidade para o distanciamento e a autonomia; que as opiniões minoritárias conseguem por vezes fazer-se ouvir” (RIEFFEL, Rémy; 2003: 43). Ora é incontornável que a cidadania ganhou novas dimensões, sendo a Internet, muito provavelmente, a forma mais recente e eminente de todas. E, para o bem ou para o mal, os blogues são, inquestionavelmente, uma dessas dimensões. Hoje, “se os cidadãos não estiverem satisfeitos com as notícias, sabem a quem enviar um e-mail para rectificar a situação. A interacção com os leitores torna-se parte integrante da notícia, à medida que esta evolui” (KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom; 2004: 23/24). Mas o que nos interessa aqui destacar é que, não se consegue ter uma opinião definitiva sem se conhecer o processo, porque apenas se conhece as versões da Comunicação Social. Neste sentido, “as possibilidades de erro e de ilusão são múltiplas e permanentes: as que surgem do exterior cultural e social inibem a autonomia da mente e proíbem a busca da verdade” (MORIN, Edgar; 2001: 37). Ainda na mesma obra se diz que “nenhuma técnica de comunicação, do telefone à internet, traz por si mesma a compreensão” (MORIN, Edgar; 2001: 99). “A comunicação não traz a compreensão. A informação, se é bem transmitida e compreendida, traz a inteligibilidade, primeira condição necessária, mas não suficiente, para a compreensão” (MORIN, Edgar; 2001: 100). Neste sentido, “a ética da compreensão solicitanos a compreender a incompreensão. […] A compreensão não desculpa nem acusa: pede-nos para evitar a condenação peremptória, irremediável, como se nós próprios jamais tivéssemos conhecido a fraqueza, nem cometido erros. Se sabemos compreender antes de condenar, estaremos na via da humanização das relações humanas” (MORIN, Edgar; 2001: 106). Além de que, esta influência dos media não se ficou só pelos comentários. Os meios de Comunicação Social conseguiram levantar uma «onda de solidariedade» para com o sargento Luís Gomes, pois se não fosse assim, o sargento não conseguiria fazer face às despesas: recursos, honorários de advogados, custas judiciais e a indemnização a Baltazar Nunes. “A 1 de Fevereiro de 2007, José Cid e Pedro barroso lideraram uma iniciativa de músicos, acabando por organizar um concerto de solidariedade em favor do sargento. Conseguiram 15 mil euros. Outras solidariedades monetárias para com o sargento Gomes são também comentadas à boca pequena, mas quanto a isso, cada um faz do seu dinheiro o que entende. Resta saber por que é que Luís Gomes ainda hoje não pagou a indemnização a que foi condenado” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 80-81). Ou seja, muitos portugueses contribuíram com o seu dinheiro.
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ANÁLISE SOCIAL DO CASO ESMERALDA: PARCIALIDADE DOS MEDIA
“Atravessados pela problemática da dualidade de relação entre a justiça e os media, os diversos casos judiciais mediatizados […] tornaram explícito o confronto entre dois campos simultaneamente autónomos e confluentes, quer no que respeita, a nível global, à lógica de funcionamento, quer no que concerne, a nível específico, à acção dos seus protagonistas” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005:1). Pois é… Quando ainda tentávamos perceber o que se passava, já havia dezenas de pessoas com uma opinião seguríssima, classificando de ignorantes todos os que têm entendimento oposto. O que o telespectador recebe da televisão são imposições; não há preocupação alguma em que o telespectador concorde ou não com os conteúdos emitidos, mas apenas em recebe-los como ordens. A imprensa tratou, e está a tratar, o Caso Esmeralda de forma extremamente parcial. Disseram-nos que, de um lado estão os pais adoptivos e do outro o pai biológico que nunca quis saber da filha. No entanto, não houve nenhuma adopção (há apenas uma guarda de facto), e o pai biológico luta pela sua filha desde que sabe que é pai. “As personagens ganharam estereótipos graças à comunicação social. O sargento é um pai herói que faz tudo por amor à pequena. Adelina é a mulher do herói, o que faz dela uma heroína. Aidida, a mãe brasileira que pariu a criança, mesmo que tenha qualidades, nunca terá hipóteses de as revelar, porque ninguém lhe perdoa o facto de ter dado a filha a dois desconhecidos. E a Baltasar, colocaram-lhe os rótulos de teso, analfabeto e ambicioso. Acusam-no de ter abandonado a menina que ajudou a conceber e de estar apenas interessado em ganhar umas massas com o caso. Todos estes julgamentos pecam por parcialidade, e por uma rotunda e chapada ignorância. […] Nem o sargento nem a mulher são heróis altruístas. Nem Aidida é uma personagem amorfa, ou Baltasar um miserável, imbecil e oportunista. Isto também não quer dizer que os primeiros sejam uns mafarricos incarnados em forma de gente, ou que os segundos sejam brevemente propostos para beatificação. Quer apenas dizer que esta é uma trama muito mais complexa do que aquela percebida pelo implacável e imediato julgamento popular” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 11-12). Mas, “quando se trata uma pessoa como se fosse idiota [neste caso o público] é muito provável que, se ela não o for já, depressa acabe por sê-lo” (SAVATER, Fernando; 2001: 1). Foi uma iniciativa nunca antes vista: juízes e procuradores quiseram assinar um pedido de habeas corpus relativo a um cidadão condenado a uma pena de prisão efectiva por um tribunal. Mas, “foi por causa de Luís Gomes que os portugueses colocaram o latim do termo habeas corpus nos seus dicionários quotidianos. Senão vejamos ainda corria a noite de 12 de Dezembro, altura que o sargento passava as suas primeiras horas como prisioneiro preventivo, e já o jurista Fernando Silva chegava à conclusão que ele estava preso ilegalmente. […] Propôs-se juntar o máximo de assinaturas para dar legitimidade à providência do habeas corpus” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 82-83). Já parece aquela situação em que por
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influência do, na altura, seleccionador nacional Luís Filipe Scolari, os portugueses «aprenderam» o hino nacional por causa do Euro 2004. E para mais, “ainda antes de redigir uma palavra que fosse da petição, o jurista já dava entrevistas para televisões e lia notícias de jornal acerca da sua própria iniciativa, que ainda nem estava no papel. Depois da primeira intervenção na caixinha mágica, na qual Fernando Silva falara à RTPN, já havia telefonemas de telespectadores, ávidos de se tornarem subscritores do habeas corpus. Mas o primeiro apoio expresso foi escrito no papel pela mão de uma senhora com aspecto franzino, mas que assina com um nome de peso. Nada mais, nada menos, do que Maria barroso” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 82). Maria Barroso (mulher do ex-presidente da República Mário Soares) também assinou e disse aos meios de Comunicação Social: “Custa-me a acreditar que há uma sentença de 6 anos de prisão para uma pessoa cujo único crime foi amar uma criança e recebê-la quando ninguém a queira”. Também a Provedora da Casa Pia, Catalina Pestana, assinou este pedido de habeas corpus. “Até Fátima Campos Ferreira, jornalista da RTP e apresentadora do programa “Prós e Contras”, assinou a petição de Fernando Silva antes de iniciar em directo a moderação de um debate acerca deste controverso caso. Também ela tinha escolhido o lado que julgava ser o certo. Coincidência ou não, aquele evento televisivo foi um linchamento publico para Baltasar Nunes. José luís Martins, seu advogado e representante no programa, foi assobiado e apupado de cada vez que usou da palavra. A avassaladora influencia da televisão fazia com que o drama fosse vivido também pelas comunidades portuguesas além-fronteiras. A prova está que chegavam assinaturas de emigrantes nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, África do sul ou Macau. […] Até Aidida porto assinou com a RTP a gravar… Tocante este gesto, vindo de uma mulher que em 2005 tinha dito ao Tribunal Constitucional, por intermédio da sua advogada, não vislumbrar qualquer possibilidade do casal Gomes ficar com a criança” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 83-84). Neste sentido, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) emitiu um comunicado a dizer que o caso está a ser alvo de manipulação pelos media. Para a ASJP, este caso está a ser tratado pelos media de forma “não inteiramente verdadeira”, frisando que a opinião pública tem direito a “bases factuais verdadeiras para poder formular um juízo esclarecido e livre de manipulações”. A ASJP apelou para que “a Comunicação Social e as autoridades públicas saibam distinguir de forma responsável, os aspectos jurídicos do caso a as suas envolventes humanas”. Porque “as posições apaixonadas podem ofuscar a verdade”. Afinal, o sargento Luís Gomes – um cidadão como outro qualquer – foi condenado por sequestro, por se recusar a cumprir uma decisão judicial. Quando Fernando Silva (um professor de direito penal) decidiu entregar um pedido de habeas corpus, para pedir a libertação de Luís Gomes, nunca imaginou que estava a criar um “movimento nacional”. Os subscritores não querem só assinar a petição, escrevem testemunhos, textos de protesto, declarações de apoio ao sargento. A lista de notáveis que decidiram subscrever a petição também é longa. “A verdade é que eram precisas dez mil assinaturas para que o habeas corpus pudesse ser apresentado como legítimo e proposto para - 22 -
apreciação. A partir das vinte mil, o mentor da ideia, transformada em movimento, desistiu de contar…” (Hernâni; MAIA, Luís; 2008: 85). A Comunicação Social (a quem a decisão do tribunal foi entregue no próprio dia) omitiu, e continua a omitir, mesmo depois do comunicado da Associação dos Juízes e de os acórdãos estarem disponíveis na Internet, factos ali relatados que são obviamente essenciais para o conhecimento integral do caso e para a formação livre e esclarecida da opinião pública. Omite que o pai biológico logo que soube dos resultados dos testes de paternidade foi ao registo perfilhá-la e manifestou vontade de assumir os seus deveres de pai; omite que a segurança social atribuiu ao casal a confiança provisória com o argumento de que o pai biológico a tinha abandonado, sem sequer ter procurado ouvir o pai, e quando já havia paternidade averbada; omite que o pai biológico está há quase 4 anos a tentar assumir a paternidade e ainda nem sequer a terá conseguido ver porque o casal não o permite. Isto, constitui “exemplos de algumas inaceitáveis sobreposições e/ou confusões de papéis, competências e modos de funcionamento entre os aparelhos mediático e judicial (o que se traduziu em riscos acrescidos para os direitos fundamentais de cidadãos livres e presumivelmente inocentes – mesmo se implicados, a diversos níveis, em processos judiciais)” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005:1). Tudo com evidente propósito de alimentar um clima de opinião e emoção favorável à situação dos pais afectivos e em desfavor do pai biológico. Será esta a responsabilidade cívica do jornalismo? Temos de ter em conta que, “na emissão e recepção da comunicação é preciso competência. Ou seja, todos os profissionais devem esforçar-se para serem capazes e competentes para melhor exercer sua profissão” (VIZEU, Alfredo; 2002: 5). A lei é regulação social, nem mais nem menos. Não podemos permitir que um conjunto de sujeitos ande por aí a regular a sociedade em nome de quaisquer valores superiores que não resultam da vontade manifesta da comunidade regulada. Com este caso vimos que, os media se arriscam “a trair a sua vocação mais nobre e a sua indeclinável responsabilidade social se confundirem investigação jornalística com investigação policial, se tentarem substituir o julgamento num tribunal pelo julgamento na praça pública, ou se submeterem as exigências do processo informativo apenas às formalidades processuais e administrativas do burocrático funcionamento judicial”. E, “uma comunicação social com veleidades justiceiras seria, na realidade, tão inadequada e perigosa como polícias e tribunais preocupados, antes de tudo o resto, com a sua imagem e impacto mediáticos” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005: 2). “Neste contexto, não devemos então, considerar os media em geral e a televisão em particular, como simples papel de «mediadores» entre a opinião pública e o sistema político e social. Mas, principalmente como «co-produtores» no sentido que contribuem para a própria definição de «opinião pública», sua estrutura de comunicação pública assente no número - 23 -
ilimitado de temas que podem ser veiculados. […] A televisão tornou-se para muitos como a única ou a mais importante fonte de informação. Isto vem confirmar, a sua representação na sociedade que participa directamente na construção social da realidade, calendarizando a nossa vida quotidiana e respondendo ao desafio da nossa modernidade representativa. […] O ecrã televisivo torna-se o lugar onde tudo pode ser mostrado sob um aspecto «dramático», onde a própria «persuasão política» depende menos da sua «argumentação» do que daquilo que se possa manifestar «espectacular». Estamos perante uma valorização da «politização das catástrofes» em que são tornadas presentes pela «civilização das imagens televisivas»” (BRANDÃO, Nuno Goulart; 2006: 2). Parece que a justiça popular voltou em força. A forma como este caso está a ser tratado mostra que a Comunicação Social passa a assumir o papel de juiz, ditando sentenças. O tribunal popular dos tempos modernos é tecnologicamente mais sofisticado. Tudo sem a maçada de papeladas, testemunhos, ADN ou de fundamentar a culpa. Isto quer dizer que, a partir de agora, qualquer um de nós ao abrir um jornal pode descobrir que foi condenado por uma sondagem. Pois, “não tendo acesso a toda a informação policial, o trabalho paralelo dos jornalistas revela-se muitas vezes puramente especulativo, ora afirmando, ora corrigindo informações pouco sustentadas” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005:7). Além de que, os jornalistas recorrem ao “uso de métodos eticamente reprováveis, como a compra de informações, a ocultação de identidade, a publicitação de conversas privadas, a gravação de diálogos sem o consentimento dos interlocutores, ou até acções combinadas / articuladas com a própria polícia em procedimentos de investigação” (FIDALGO, Joaquim; OLIVEIRA, Madalena; 2005:8). Estas práticas, visíveis também no caso esmeralda, parecem comprovar que, ao tentar ultrapassar o silêncio ou a inoperância das forças judiciais, os jornalistas correm o risco de prestar acções ilícitas ou, no mínimo, ilegítimas. No Código Deontológico do Jornalista, aprovado em 4 de Maio de 1993, podemos ler: 1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público. 2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais. Neste sentido, podemos então perguntar: Que papel exerce o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas? Pois, os seus meios parecem não conseguir impor uma regulação concreta dos procedimentos jornalísticos. E, provavelmente, mais uma vez neste país, uma ordem de um tribunal vai ser ultrapassada pela vontade de algures manipuladores de opinião pública.
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CONCLUSÃO
Com este trabalho percebemos, então, que existem vários efeitos sociais dos meios de Comunicação Social sobre a opinião pública. Os próprios media acabam por alimentar certas situações, quando lhes fornecem uma grande visibilidade e audiência. Além de que, como vimos pelo caso que aqui foi abordado, nos dias que correm, há muita opinião transmitida pelos meios de Comunicação Social. Hoje, as notícias reproduzem muito mais o subjectivismo ideológico do jornalista do que a objectividade dos factos. Sendo assim, o papel dos profissionais dos media está muito longe de ser um serviço público, fazendo com que as informações passem de um ponto para o outro no espaço e no tempo. Hoje, a responsabilidade moral e social parece esquecida neste meio. De facto, “a informação e o conhecimento são concebidos como variáveis-chave nos processos sociais e, consoante a forma como forem manipuladas, determinados efeitos sociais ocorrerão”. Neste sentido, “um dos desafios morais é então para que as sociedades adoptem uma aproximação realista àquilo que a informação pode fazer, contanto que reconheçam completamente a importância do fornecimento e produção de informação” (HAMELINK, Cees J.; 2002: 263). Cabe então ao cidadão, por norma um ser inculto e influenciável, saber distinguir o que é informação e o que é desinformação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Sites consultados:
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http://www.inverbis.net (consultado em 6 de Outubro de 2008)
http://sol.sapo.pt (consultado em 6 de Outubro de 2008)
http://ultimahora.publico.clix.pt (consultado em 6 de Outubro de 2008)
http://ww1.rtp.pt/noticias (consultado em 6 de Outubro de 2008)
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ANEXOS
Caso Esmeralda: Texto Integral do Acórdão 19-Jan-2007
Disponibilizamos no Portal Verbo Jurídico, o texto integral do acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Tomar (Tribunal de Torres Novas), a propósito do processo de crime de sequestro agravado e de subtracção de menor, assim como uma resenha cronológica dos factos. Descritores: Crime de sequestro agravado – Crime de subtracção de menor. Nota: Este acórdão foi lido publicamente, encontrando-se depositado, não estando sujeito a qualquer segredo de justiça e sendo passível de consulta por qualquer cidadão junto do Tribunal Judicial de Tomar.
Resenha cronológica
Esmeralda Porto nasceu no dia 12 de Fevereiro de 2002 tendo sido registada como filha de pai incógnito. Em Maio de 2002 a mãe Aidida Porto, através de terceira pessoa (não conhecia o casal) entregou a menor ao casal acompanhada de um declaração "Entrego-a ao Sr. Luís Manuel e Sra. D. Maria Adelina...., casados um com o outro, para que seja adoptada plenamente pelos mesmos, integrando-se na sua família, extinguindo-se desta forma as relações familiares existentes entre mim Aidida Porto.... e Esmeralda Porto. Desde já dou autorização aos referidos Sr. Luís Manuel Matos Gomes e Sra. D. Maria Adelina... para a abertura do respectivo processo de adopção e para todos os actos que levem ao bom termo do mesmo" (foi considerado provado nos autos de regulação do poder paternal). Em 11 de Julho de 2002 o pai biológico é ouvido pela 1º vez no âmbito do processo de averiguação oficiosa da paternidade (nº209/02) no T.J. da Sertã disponibilizando-se a fazer exames (a mãe teria tido várias relações sexuais com outros indivíduos). A criança é levada pela mãe a fim de fazer os exames hematológicos em Outubro de 2002 (estando nessa altura com o casal há cerca de cinco meses). Em Janeiro de 2003 é remetido ao tribunal judicial da Sertã (processo de averiguação oficiosa da paternidade (nº209/02)) o resultado do exame concluindo-se pela paternidade do assistente Baltazar. Em 20 de Janeiro de 2003 e à margem da do C.R.SS, invocando terem sido juridicamente mal patrocinados o casal intenta no Tribunal judicial da Sertã processo de adopção. (tinham consigo a criança desde Maio, não se inscreveram, nem estavam inscritos anteriormente, no CRSS como casal candidato a adopção.) Baltazar é notificado, nos autos de averiguação da paternidade comparecendo no tribunal (Sertã) perfilhando de imediato a menor no dia 24 de Fevereiro de 2003. (fols 15 e 16 do processo crime). No dia 27 de Fevereiro de 2003 o pai biológico vai aos serviços do MºPº da Sertã dizendo que quer regular o poder paternal da filha, esclarecendo que desconhece o seu
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paradeiro mas que a irá procurar. (ficha de atendimento de fols 21 do processo crime). "Nesta altura" – não tenho presente a data – é instaurado processo administrativo para regulação do exercício do poder paternal. (fols 28 do processo crime) É feito o averbamento da paternidade na respectiva certidão com data de 09 de Maio de 2003. Dia 12 de Junho de 2003 volta a insistir junto do MºPº dando indicações do eventual paradeiro da filha (ficha de atendimento de fols 21 do processo crime). No âmbito do processo administrativo é ouvida a mãe a 26 de Junho e o pai a 8 de Julho de 2003. (fols 29 e 32 do processo crime). Tendo sido remetido (processo administrativo) para o MºPº de Torres Novas. Em Setembro de 2003 (pela 1º vez) o casal apresenta-se no CRSS de Santarém como candidato à adopção. O processo de regulação do poder paternal dá entrada no Tribunal judicial de Torres Novas no dia 16 de Outubro de 2003. A fosl. 17 da RPP na data de 17 de Novembro de 2003 foi feita a conferência de pais , não havendo acordo e tendo sido indicada a morada do casal que estava com a menor, foi designada para o dia 27 de Novembro de 2003 a audição do casal. (não comparecerem dado a notificação ter ocorrido próximo da data designada - fols 47 e 48). Com data de 25 de Novembro de 2003 a mãe da menor apresenta as suas alegações, requerendo a atribuição do exercício do poder paternal, e referido nos art.ºs 26º e SS. que tem procurado a menor, que o casal se recusa a recebê-la e até a atender os seus telefonemas, tendo recebido ameaças de que seria denunciada aos serviços de Estrangeiros e Fronteiras, que ficasse de bico calado , temendo assim pela sua situação, mas que queria a menor consigo, tendo até já recorrido a serviços de detective particular (fols.20). No dia 15 de Dezembro de 2003 é ouvido o casal, que nesse acto, juntou procuração a favor do Dr. José Vasconcelos Abreu (acta de fols 86.). No dia 11 de Janeiro de 2004 o CRSS de Santarém intenta processo de confiança judicial da menor, a favor do casal alegando que o pai a abandonou. Na sequência foi solicitado ao IRS de Tomar que elaborasse inquérito para averiguar tais factos. (concluindo ser o pai uma pessoa capaz trabalhador e com condições morais e económicas para ter consigo a filha). A sentença de regulação do exercício do poder paternal é datada de 13 de Julho de 2004. O casal apesar de não serem parte é notificado de tal decisão. Interpõem recurso que não é admitido por se entender não terem legitimidade mas, no despacho, é referido que mesmo a admitir-se tal recurso sempre teria efeito devolutivo. Deste despacho foi interposto recurso paro o Tribunal da Relação de Coimbra que manteve a decisão de não admissibilidade; Na sequência é interposto recurso para o Tribunal Constitucional (da decisão de não admissibilidade, por ilegitimidade dos recorrentes para impugnarem a decisão sobre a regulação do poder paternal). Este recurso estará pendente no Tribunal Constitucional. Há cerca de dois anos.
Quanto ao restante – tentativas de entrega da menor, com equipa de pedopsiquiatras e IRS de prevenção para se proceder à entrega da menor. - com algum período de transição; que até á data de hoje não se concretizarem apesar das inúmeras diligências junto da PSP do Entroncamento, de Torres Novas, da PJ – constam do acórdão aqui disponibilizado em texto integral.
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"3- Nos autos do Processo de Regulação do Poder Paternal nº 1.1A9/03.3TBTNV, do 2° Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, foi proferida sentença, datada de 13 de Julho de 2004, que determinou, a atribuição ao assistente Baltazar..., pai da menor Esmeralda Porto, o desempenho do poder paternal. Doc. de fols. 46, cuja certidão se encontra junta a fols. 507 a 529. 4- Desde essa data, é o assistente Baltazar.... que detém o exercício da autoridade paternal sobre a menor Esmeralda, a qual ficou confiada à sua guarda e cuidados. (Matéria de direito). 5- Tendo sido devidamente notificados da sentença que regulou o poder paternal da menor Esmeralda, referida em 3), o arguido e sua esposa Maria Adelina interpuseram recurso de tal, decisão. (doc. fols. 531). 6- No entanto, foi proferido despacho no processo referido em 3) que decidiu não admitir tal recurso, porquanto se considerou que o arguido e Maria Adelina e Luís Gomes não tinham legitimidade para impugnarem a decisão, que regulou o exercício do poder paternal. (doc. de fols. 532). 7 - Actualmente e contra a vontade do pai da menor Esmeralda, o assistente Baltazar Nunes, aquela vive com a arguida Maria Adelina, em parte incerta. (despacho de fols. 1124 e Doc. 384, 409, 420, 1315, 1320 e 1321, despacho de fols. 1386). 8- Sendo certo que o arguido Luís conhece o lugar onde a menor, Esmeralda se encontra. (informação da PJ de fols. 1533). 9- Desconhecendo-se se o arguido e Maria Adelina continuam a morar juntos com carácter de habitualidade, bem como se o arguido Luís vive diariamente com a menor Esmeralda. (confrontar os doc. de fols. 352 a 359, 364 a 372, 384 e 632, 633 (diligências efectuadas nos autos de regulação do poder paternal) -fols. 487--fols.494 - fols.409, despacho de fols. 420. 10- Por outro lado, o arguido e esposa alteraram, em termos práticos de tratamento, o nome de Esmeralda para Ana Filipa, como lhe chamam e intitulam-se de seus pais. (certidão da sentença de regulação do Poder paternal; consta ainda da ficha clínica da menor de fols. 1520, 1522 e 1523). 11- O arguido Luís Gomes e Maria Adelina, recusam-se a entregar a menor Esmeralda ao assistente Baltazar Nunes. 12- Tal sucedeu, nomeadamente, em de Julho de 2004, junto às instalações militares onde o arguido Luís Gomes trabalha, no Entroncamento, altura em que o assistente Baltazar.... solicitou arguido Luís que lhe entregasse a menor Esmeralda. 13- Tendo-lhe este dito que a menor estava de férias com a arguida Maria Adelina não revelando o local. 14-E não obstante as diversas tentativas encetadas pelo assistente Baltazar....., este, mercê da actuação conjugada do arguido Luís Gomes e Maria Adelina, nunca logrou que lhe fosse entregue a menor Esmeralda. 15- Ora porque o arguido mudava regularmente de residência, entre o Entroncamento, Torres Novas, quer porque quando o assistente Baltazar.... tocava à campainha da porta onde estavam a residir o arguido Luís e a esposa não obstante existir ruído e luz no interior da residência, ninguém abria a porta. 16- O arguido também não permitiu que a mãe da menor Esmeralda, Aidida Porto, a visitasse. ( Doc. de fols. 30 e decisão da regulação do poder paternal de fols. 51). 17-Foi expedida carta precatória para o Tribunal do Entroncamento, para se proceder à entrega da menor Esmeralda, porquanto o arguido Luís Gomes e Maria Adelina estariam a viver naquela localidade. (doc. de fols. 563 a 470). 18- Após terem sido contactados pelo Instituto de Reinserção Social, a fim de serem esclarecidos da entrega da menor Esmeralda ao assistente Baltazar...., o arguido Luís Gomes e Maria Adelina, em circunstâncias não concretamente apuradas, mudaram a sua residência para Torres Novas. (doc. de fols. 572 a 577).
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19- Frustrada aquela entrega, foi designado o dia 10 de Fevereiro de 2005, pelas 14 horas, no Tribunal de Torres Novas para o arguido e Maria Adelina comparecerem acompanhados da menor Esmeralda, a fim de se proceder à entregada mesma.(doc. de fols. 582 ). 20- O arguido e Maria Adelina não compareceram porquanto não foi possível notificá-los porque os mesmos tinham mudado novamente de residência, para o Entroncamento, e estariam no Alentejo, naquele dia. (doc. de fols. 587, 592 e 593). 21- Foi designado o dia 25 de Fevereiro de 2005, pelas 11 horas, no Tribunal de Torres Novas, para o arguido e Maria Adelina Gomes comparecerem acompanhados da menor Esmeralda a fim de se proceder à entrega da mesma. (doc. de fols. 110 a111.). 22- Da marcação desta data para a entrega da menor foi o arguido Luís Gomes notificado pessoalmente, não tendo sido possível notificar pessoalmente a Maria Adelina. (doc. de fols.609 e 610 e 617). 23- O arguido e a esposa Maria Adelina não compareceram nesse dia. (doc. de fols. 618 e 619). 24- Foi designado o dia 09 de Março de 2005, pelas 14 horas, no Tribunal de Torres Novas, para o arguido e Maria Adelina comparecerem acompanhados de Esmeralda, a fim de se proceder à entrega da mesma. (doc. de fols. 618). 25-No dia 9 de Marco de 2005 apenas compareceu o arguido Luís Gomes, não trazendo consigo a menor nem prestando informações sobre o paradeiro da mesma ou da esposa Maria Adelina. (doc. de fols. 628). 26-Quanto à arguida Maria Adelina, desconhece-se o paradeiro da mesma, sendo certo que o arguido vem mudando de residência para, sucessivos locais, entre Torres Novas e o Entroncamento. 27 - Nomeadamente já foi indicada como residência do arguido a Rua da Barbias, Rua da Várzea e a Urbanização Cancelado Leão, todas em Torres Novas, e a Rua......, no Entroncamento. (doc. de fols. 681 a 690 meramente exemplificativos de todo o processado.). 28- Pelo que o assistente Baltazar Nunes desconhece o paradeiro da menor Esmeralda, não sabendo onde a mesma mora, não podendo educá-la, proteger a mesma e tê-la consigo, na sua casa. 29-Os esforços já desenvolvidos para que a menor Esmeralda seja entre à guarda e aos cuidados do assistente Baltazar, Nunes foram sempre obviados pela actuação do arguido e Maria Adelina, quer com a denegação expressa da tradição da menor para o assistente, quer com o ocultamento do local onde a mesma se encontra, mudando por diversas vezes de residência. ".
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Exemplos do que foi saindo na imprensa…
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Rui Gaudêncio/PÚBLICO (arquivo)
Criança poderá sofrer “perturbação de stress pós-traumático”
Caso Esmeralda: pedopsiquiatras alertam para risco de "doença mental" com separação de "pais afectivos" 21.11.2007 - 20h15 Lusa, PÚBLICO
O Departamento de Pedopsiquiatria do Centro O Tribunal da Relação de Coimbra ordenou a entrega de Hospitalar de Coimbra afastou-se hoje do Esmeralda ao pai biológico até final do ano acompanhamento da menor Esmeralda Porto, alegando que a ordem de entrega da criança ao pai biológico potencia riscos de "doença mental". "A ruptura dos laços com os pais afectivos, de forma permanente, mesmo que não abrupta, é um factor causal de doença mental e a entrega ao pai biológico potenciará a patologia da relação pais/criança, criando as condições essenciais a curto prazo para a instalação duma perturbação de stress póstraumático", pode ler-se no relatório da equipa que tem acompanhado a menor e que data de terça-feira. Numa reacção à decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que ordena a entrega da menor ao pai até final do ano, os médicos que têm acompanhado a menina criticam o acórdão judicial, que vem contrariar aquilo que entendem ser o melhor para a criança. "Esta é a principal razão pela qual não nos poderemos co-responsabilizar antecipadamente por aquilo que entendemos ser completamente errado", refere o relatório, que aponta também riscos de "desenvolvimento de uma perturbação da personalidade". "Os adolescentes submetidos a anteriores separações graves apresentam um padrão de relacionamento instável com actos impulsivos tais como a auto-mutilação e tentativas de suicídio", recordam os médicos, considerando que Esmeralda Porto "não deve ser orientada nem coagida a fazer novas escolhas afectivas que a irão desorganizar e desestabilizar emocionalmente". No passado, o departamento já havia pedido um maior espaçamento dos contactos com os progenitores, visando regular a "perturbação da ansiedade" que a menor sofria, evitar o "desenvolvimento de qualquer trauma psicológico inerente à aceitação de Baltazar Nunes e Aidida Porto (figuras que praticamente desconhecia)" e "prepará-la para o estabelecimento de elos afectivos e relacionais com os pais biológicos". No entanto, essa aproximação não implicaria a "perda das vinculações ao casal que a criou", já que Luís Gomes e Adelina Lagarto "fazem e farão, inevitavelmente, parte da sua vida, do seu imaginário e da sua identidade como pessoa, independentemente de qualquer decisão jurídica". Elogiando o comportamento do casal, que preparou "diariamente a menina para um convívio saudável com os pais biológicos", os médicos salientam que criança se encontra "clinicamente bem", mas a decisão judicial vem prejudicar o trabalho realizado ao longo de nove meses. Perante estes novos dados, a equipa considera "não ser possível assegurar quaisquer tratamentos psicoterapêuticos futuros ou mesmo orientações do caso" devido ao risco no prognóstico. Para os médicos, as indicações terapêuticas "vão forçosamente ao invés do ordenado pelo referido tribunal", pelo que as "limitações ao desempenho desta equipa (...) são por demais incapacitantes, impedindo-a totalmente de prestar a sua colaboração". "Nenhuma equipa, por mais competente que seja, consegue tratar definitivamente um doente, quando sabe que o caminho para o sucesso terapêutico é exactamente oposto àquele por onde se entendeu que deveria passar a aplicação do Direito", consideram. Esta decisão "irá inevitavelmente levar a uma solução irreversível em termos da saúde mental de Esmeralda, quer enquanto criança, adolescente e mulher". No documento, assinado por todos os elementos da equipa, os clínicos recordam a posição assumida desde sempre, quer nos primeiros relatórios dos encontros, quer nas declarações da própria coordenadora, Beatriz Pena, em sede de audiência. Em Julho de 2007, a médica pedopsiquiatra assumiu o compromisso de defender os "superiores interesses da criança" que passam "sempre pela não separação permanente dos pais afectivos".
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Ao longo deste processo, os pareceres dos técnicos não têm sido coincidentes e o Instituto de Reinserção Social de Tomar tem emitido posições que contrariam algumas das questões levantadas pelo Centro Hospitalar de Coimbra. Num dos seis últimos relatórios, a técnica do instituto Florbela Paulo acusa o casal de não colaborar com os serviços e de promover uma "clara instrumentalização desta criança", o que não salvaguarda a sua "integridade psíquica". Na visita do pai biológico, a menor mostrou-se inicialmente um pouco mais introvertida, mas acabou por ter uma "interacção muito positiva", tendo brincado "em conjunto e registou-se contacto físico entre ambos", refere a técnica. Nas conclusões deste relatório, Florbela Paulo considera que a postura do casal poderá "condicionar de forma constrangedora o processo de acompanhamento das visitas a desenvolver e eventualmente repercutir-se na estabilidade da criança".
Juíza autorizou criança a regressar a casa
Caso Esmeralda: menor recebida por multidão à porta do Tribunal da Sertã recusa-se a visitar pai biológico 04.04.2008 - 17h44 Lusa, PÚBLICO
Esmeralda Porto não se encontrou esta tarde com o pai biológico, Baltazar Nunes, como estava previsto, apesar da ordem judicial para o encontro. À porta do Tribunal da Sertã, onde se juntaram jornalistas e várias pessoas, a menor recusou-se a sair da viatura dos pais adoptantes, que a entregavam hoje, pela primeira vez, ao progenitor. Apesar da intervenção da técnica do Instituto de Reinserção Social, que propôs a Esmeralda para se encontrar com o pai no interior do tribunal, a criança recusou-se a fazê-lo. Perante a insistência da menor, Luís Gomes e Adelina Lagarto, casal que acolhe a criança desde os três meses, pediram à juíza responsável pelo processo para que fosse autorizado o regresso de Esmeralda a casa, em Torres Novas. A magistrada acedeu e a menor abandonou o local, sem que tenha ocorrido aquela que seria a primeira visita de Esmeralda ao pai biológico, na residência deste. Baltazar Nunes, recebido por insultos de pessoas que cercaram o tribunal, apesar do pedido de protecção policial que interpôs, acabou por sair da Sertã, cerca das 16h00, sem a filha. Luís Gomes e Adelina Lagarto, casal a quem a mãe biológica de Esmeralda entregou a criança aos três meses, estão envolvidos numa batalha judicial com Baltazar Nunes pela guarda da menor, afora com seis anos. Após um processo oficial de averiguação de paternidade, o pai biológico perfilhou a filha quando ela tinha um ano e desde então tem disputado a sua guarda com o casal de Torres Novas. Luís Gomes e Adelina Lagarto encontram-se, neste momento, sem defesa, depois da sua advogada Sara Cabeleira ter informado o tribunal que vai deixar de os representar. As razões que levaram a causídica a abandonar este processo e a defesa de Adelina Lagarto no processo-crime de sequestro e subtracção de menor não são conhecidas. Fonte ligada ao casal indicou à Lusa que Luís Gomes e Adelina Lagarto tentam agora obter o patrocínio de algum advogado ligado ao movimento de juristas que promoveu o “habeas corpus” para tentar libertar o pai adoptante da prisão, mas até ao momento os contactos foram infrutíferos. Até quinta-feira, o casal terá de constituir um advogado, já que nesse dia terá lugar uma nova conferência de partes, exactamente um ano depois de uma primeira tentativa para regular a entrega da menor, sem sucesso.
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