A Profecia, Conto II Podia realmente ser dia agora, mas Cormac, o Fiel, não sentia quaisquer diferenças. Ele estava na floresta, que por alguma maldita razão se encontrava no mais perdido breu. Ele foi adiante, seguindo á passos largos a longa trilha entre rochas negras e longos carvalhos, que se erguiam como obstáculos dos dois lados. Um pouco á frente, uma milha ou mais havia um grande desnível que levava o Druida cada vez mais para as entranhas da terra. Uma sombra profunda jazia sobre os pés do homem, que caminhava rápida e silenciosamente pela mata. De repente estava sob uma sombra, e ali no meio dela, podia ser vista a abertura de uma caverna. Dela, exalava um odor horrível, cheiro repugnante de podridão. Cormac respirou fundo e entrou. Alguns passos e já estava na escuridão total e impenetrável. Somente no Inferno, o Druida vira uma escuridão semelhante, e se possível essa era ainda mais profunda e densa. Acostumado com ar puro, liberdade e felicidade, aquele local era justamente o oposto para Cormac: o ar era parado, estagnado, pesado e principalmente envenenado, e o silêncio era total. Caminhava por assim dizer num vapor negro, composto da própria escuridão em si mesma que, quando era respirada trazia cegueira não apenas para os olhos, como também para a mente e para a coragem, de modo que até a lembrança de cores e luzes se apagavam de seu pensamento. E foi assim, que algemado pelo terror o Druida seguiu o caminho. Mas por um momento ele ainda conservara o tato, e na verdade a sensibilidade de seus pés descalços e mãos calejadas pareceu a princípio se aguçar quase dolorosamente. As paredes, chão e teto eram para a surpresa dele, lisas, como que construídas por alguém ou por algo que tem uma paciência de séculos. A caverna era reta e regular, permitindo que o Druida caminhasse sem tropeçar. O lugar era tão alto e amplo, que até o presente momento Cormac ainda não tocara as paredes laterais . O avanço ainda não havia sido muito, mas a noção de tempo e dis tância logo desapareceram da mente do Druida para dar lugar á um desespero mórbido, que era ampliado pelo cheiro nauseabundo vindo do interior do túnel, que lhe dava uma idéia do que esperar. Suado e cansado, Cormac resolveu sentar-se para descansar, apoiando -se em uma parede, apesar de que não gostava da idéia de ter que ficar mais muito tempo naquele local profano. Foi naquela barreira de escuridão e silêncio perturbador que ele começou á refletir sobre sua verdadeira tarefa. Ele sempre fora o guardião daquela grande floresta do Norte das Ilhas, juntamente com Os cinco outros Anciões. Preocupado com o novo horror que se instalara na Ilha, ele resolvera enfrentá-lo. Porém, apesar de sábio, Cormac não era o dono da verdade, e se enganara quando pensou que o Grande Mal que agora afligia a Ilha era novo. Ele sempre estivera ali, á espreita, crescendo e se tornando mais forte. Envolto nestes pensamentos assustadores, o Ancião se levantou e resolveu, mais confiante do que nunca, que tinha que deter o Grande Mal, o mais rápido possível. Partiu á passos decididos na direção que o túnel lhe conduzia. Os seus olhos enrugados já estavam acostuma dos àquela escuridão impenetrável, quando tateando a parede à direita, percebeu a presença de uma abertura lateral: por um momento detectou um sopro de um ar menos pesado. Porém, o olfato logo foi invadido por um cheiro nauseabundo, desta vez mais forte do que nunca, como se uma imundície inominável estivesse empilhada e guardada na escuridão lá dentro. Ele seguiu o caminho do túnel mais rápido e aterrorizado do que nunca, pois temeu o horror que estava camuflado naquela passagem lateral. Seguindo aquela trilha tortuosa por mais algum tempo, passando por aberturas mais largas, outras menos, ele sentia o mesmo odor horrível que estava impregnada em todos os lugares. O Druida ainda não estava totalmente cansado, mas questionava o real tamanho do túnel e quanto daquela tortura ainda poderia suportar. O ar ficava cada vez mais irrespirável á medida que subia, e agora ele tinha a sensação de estar naquela escuridão cega, sendo observado por um horror inominado. Mas ele continuou, e á medida que continuava, o odor nauseante aumentava, dando-lhe a impressão de que o olfato era o único sentido que lhe restara e isso apenas para o seu tormento. Uma hora, um dia ou uma semana: quanto tempo tinha se passado naquele buraco sem luz? Horas – dias, talvez semanas. Finalmente Cormac, tateando na escuridão ao longo da parede á esquerda, descobriu de repente uma lacuna. Quase caiu de lado, dentro do vazio. Ali havia na rocha, uma abertura muito maior do que qualquer outra pela qual tenha passado; e dela vinha um cheiro tão nauseabundo, e uma sensação tão intensa de maldade á espreita, que o Druida cambaleou. Lutando ao mesmo tempo contra o medo e a ânsia de vômito, Cormac reuniu forças e levantando-se correu para longe daquele buraco fétido. Ele sabia que todo o fedor e perigo vinha dali.
Rafael Menestrel
A Profecia, Conto II Porém, enquanto corria para se afastar daquele lugar doentio, em sua pressa atrapalhada, e com sua saúde debilitada, o Ancião caiu causando grande estrondo e alarde. Mais assustado ainda, ele levantou-se cauteloso para evitar causar mais estardalhaço ainda naquele buraco. Infelizmente para o Druida, aquele erro de caminhada fora mortal. Alertado pelo barulho em sua toca, um horror antigo e mortal acordou definitivamente, disposto à espalhar medo e dor por onde quer que passasse. Mas antes, ele tinha que caçar aquele que ousara invadir a sua morada sagrada. Cormac seguiu cambaleando, quando um chiado borbulhante vindo de trás dele, se aproximou. Ouviu-se um rangido, como se uma criatura com muitas juntas estivesse se movendo vagarosamente no escuro. Aquele velho Ancião sentiu um tremor súbito percorrer todo o corpo, e um frio na espinha e apertando mais forte o seu cajado, ele virou-se para ver. Atrás dele, se encontrava a mesma escuridão que à frente, e por isso ele pensou não ser nada, apenas fruto da sua imaginação perturbada pela medo. Porém, a sensação de que estava sendo observado perdurava, e estava parecendo ainda mais forte, neste momento. Lentamente Cormac levantou o seu cajado e fitando a escuridão, ele falou num idioma há muito esquecido pelos mortais. Por um momento, o Cajado tremeluziu, fraco como uma estrela que sobe, lutando contra as pesadas névoas que caíam sobre a terra, e então à medida que seu poder crescia, e a esperança aumentava no coração do Druida, começou a queimar e finalmente se acendeu numa chama prata. A escuridão se afastou do artefato sagrado até que a luz pareceu brilhar no centro de um globo de cristal tênue, e a mão que o segurava queimava como um fogo branco. Mas há outros poderes ocultos sobre os pilares da Terra. No momento em que a luz se fez, Cormac sentiu uma grande força maligna pesar sobre si, e um olhar mortal à examinar a sua pessoa. Não muito distante de onde estava, entre ele e o túnel aonde cambaleara, ele percebeu olhos perigosos ficando cada vez mais e mais visíveis – a besta que ameaçava as Ilhas finalmente fora desmascarada. Por causa da forte luz que surgira do cajado, o Grande Mal se afastou por um tempo, tempo este, suficiente para que o Druida se distanciasse. Tomado por terror, Cormac inicialmente recuou devagar, mas logo fugiu rapidamente dando as costas para a besta. Porém, conforme ele se distanciava, os olhos maléficos se aproximavam cada vez mais, alimentados pelo terror que pairava sobre o coração daquele pobre Druida. Então, Cormac parou e mirou a luz do cajado na direção dos olhos maléficos, que ardendo recuaram e deram mais uma trégua. A mão do Ancião, calejada, vacilou e o cajado caiu no chão, deixando apagar a sua luz divina. Então, de repente, libertado do fascínio que o prendia, a fim de que pudesse correr um pouco em pânico inútil, Cormac correu no escuro, para o divertimento dos olhos malignos. Virando-se, o Druida percebeu com desespero que imediatamente os olhos começaram a persegui-lo aos saltos. O odor de morte era como uma nuvem ao seu redor. “Sagrado seja o Carvalho do qual é feito o meu coração – e dizendo is so, Cormac encheu-se de coragem. Erguendo sua mão, e falando em um dialeto somente conhecido pelos Anciões, o Druida evocou a proteção da natureza, criando uma barreira de raízes que o protegiam do Grande Mal.” Ganhando tempo novamente, Cormac correu de encontro com o seu cajado e um pouco menos pesaroso correu dando as costas para a besta, que já começava a destruir a barreira natural. Virando á direita, o Druida esperou temeroso, enquanto ouvia os chiados horripilantes cada vez mais próximos. Erguendo o seu cajado, ele recitou algumas palavras e novamente, da ponta da arma, surgiu uma luz prateada, ardendo em um fogo azul, desta vez muito mais clara. Os olhos que estavam agora há poucos metros vacilaram. Iam-se enchendo de dúvidas conforme a luz se aproximava. Um a um, todos os olhos que possuía a criatura, foram escurecendo, e devagar recuaram. Nenhum clarão tão mortal jamais os afligira antes. Do Sol, da Lua ou das Estrelas eles estavam á salvo no subterrâneo, mas agora, uma estrela penetrara o próprio coração da terra. A luz ainda se aproximava, enquanto o portador dos olhos maléficos recuava. Cormac estava decidido á avançar sobre a criatura, que dando as costas ao inimigo, fugiu aos saltos. E assim, virou-se mais uma vez, primeiro andando, depois correndo; pois conforme avançava o chão de pedra da caverna começava a subir lentamente, enquanto o fedor cedia um pouco de espaço ao ar respirável, apesar de que o medo ainda pairava. A cada passo, ele deixava mais para trás aquele covil, o qual se arrependera de ter visitado. Mas ainda o ódio do Grande Mal espreitava atrás dele, cego por um período talvez, mas jamais vencido, ainda determinado a matar. E agora, um sopro de ar, frio e leve, foi de encontro ao seu peito. O Druida sabia, que a saída daquele pesadelo lúgubre estava há apenas algumas centenas de metros. Ofegante, ansiando por um local descoberto, o velho se precipitou correndo para o local que indicava a presença de algum ar.
Rafael Menestrel
A Profecia, Conto II Embora o ar passasse pela passagem, a luz de alguma forma, estava impedida de penetrar no covil, talvez pela maldade ali existente. Enquanto o coração de Cormac se enchia de esperança, o astuto ser maléfico espreitava há apenas alguns metros a sua presa. Ele estava ali desde o início dos tempos, e por isso, conhecia cada canto do seu covil, sabendo também, a localização de várias saídas. O Druida, ainda ostentava o seu cajado iluminado quando enganado pela própria sorte, ele tropeçou num pedaço de raiz. O cajado para longe de sua mão voou e levantando-se rapidamente, ele viu: saindo do negrume, a forma mais odiosa que ele jamais vira, horrível além do horror de um pesadelo. Era muito semelhante á uma aranha, mas maior que as grandes feras caçadoras, e mais terrível que elas por causa do propósito maligno em seus olhos sem remorso. Além disso, ela tinha a pelugem negra avermelhada. Os olhos que ele agora via de tão perto, eram os mesmos que pensava ter vencido há momentos atrás, mas agora eles estavam acesos com uma crueldade indescritível. Tinha grandes chifres, e atrás de seu curto pescoço, ele ostentava o seu enorme corpo inchado, trazendo um vasto saco intumescido, caído por entre o tronco e as patas peludas. As suas pernas eram curvas, com grandes juntas nodosas bem acima das costas, e tinha pêlos espetados como espinhos de aço, e na extremidade de cada perna havia uma garra. Apesar de parecer bestial e ignorante, a fera tinha uma astúcia e inteligência malignas, criadas para atormentarem os homens. Assim que, apertando o corpo mole e pesado e dobrando as pernas, ela pulou da escuridão e moveu-se a uma terrível velocidade, ora correndo sobre suas pernas arqueadas, ora dando saltos esporádicos ela chegou até Cormac, que sequer tivera tempo para recuperar o cajado. A besta, que mais tarde receberia o nome de Rainha-Negra, ou apenas Viúva, saltou sobre o pobre homem, que numa fração de segundo recitou encantamentos dos tempos imemoriais, afim de tentar se salvar. Então, quando a última palavra foi dita, e quando a Viúva no meio de seu salto mortal estava, surgiu uma espada na mão do Druida. Não uma espada comum, uma espada verde, que luzindo na mão do Druida, queimava em um fogo natural. Com as esperanças renovadas, ele deu um salto à frente e gritou, agarrando a espada sagrada com a mão esquerda. Então avançou. Nunca se vira um ataque tão violento no mundo selvagem dos animais , no qual um pequeno ser, armado com apenas uma lâmina, é capaz de saltar sobre uma torre de chifres e carapaça que ameaça os seus territórios e todo o mundo. Apesar de atenta, ela foi incapaz de perceber que avançava sobre uma fúria maior do que qualquer outra provada desde os tempos do nascimento da própria Terra, e foi por isso que a espada brilhante, num golpe certeiro golpeou uma das oito patas, decepando a garra. Cormac saltou para dentro do arco que havia entre suas pernas, e com outro rápido impulso golpeou o aglomerado de olhos da cabeça abaixada. Um grande olho escureceu. Agora o pobre homem estava bem debaixo da Vi úva, por enquanto, longe do alcance de seu ferrão ou suas garras. Sua vasta barriga, estava sobre Cormac com sua luz negra pútrida, e o mau cheiro que vinha dela quase o derrubou. Mas ainda restava fúria no corpo do Ancião para mais um golpe, e antes que ela pudesse cair com o corpo sobre ele, sufocando-o com toda a sua grande coragem atrevida, num esforço desesperado, rasgou-lhe um talho no corpo com a reluzente espada sagrada. Mas a Viúva era resistente, e não tinha nenhum outro ponto fraco a não ser os olhos. Calombosa, esburacada e corrompida era a sua carapaça antiga como a eternidade, mas sua espessura era cada vez maior, formando camada sobre camada de essência maligna. A lâmina sagrada fez um talho horroroso, mas aquelas dobras não podiam ser perfuradas profundamente por quaisquer força humana ou monstruosa. Apesar disso, ela recuou quando golpeada, e então ergueu a enorme bolsa de sua barriga, bem acima da cabeça de Cormac. O veneno espumava e borbulhava do ferimento. Abrindo agora as pernas, ela fez o seu enorme peso cair sobre ele. Cedo demais. Pois Cormac ainda se encontrava de pé e, segurando com as duas mãos a espada sagrada com a ponta para cima, afastando aquele teto horrível; e assim a Viúva, com o impulso de sua própria maldade, num esforço maior do que o de qualquer guerreiro da Idade Média, jogou-se sobre o a Espada Sagrada. E por isso, a espada penetrou cada vez mais fundo, enquanto o Druida era lentamente prensado contra o chão. A Viúva jamais conhecera tal dor, nem pensara conhecer, em toda sua longa vida de crueldades. Nem o mais valente soldado da Inglaterra, nem o Escocês mais selvagem preso em uma armadilha, jamais haviam lhe resistido daquela maneira, ou enfiado uma lâmina em sua pútrida carne. Um tremor percorreu-lhe o corpo. O ódio tomou-lhe a alma, e dividida entre o desejo de matar o invasor, e a aflição da dor, ele gastou toda a sua energia. Explodiu.
Rafael Menestrel
A Profecia, Conto II O barulho ensurdecedor da explosão do corpo negro da Viúva; a revoada de uma cortina de fumaça negra e fétida, que veio como que para trazer uma nova vida; a morte do Druida mais corajoso que jamais existira. Ali, no local da batalha, como uma fênix, duas novas criaturas surgiram. Uma delas era negra, fétida e perigosa: encontrada pelos Drow, seria batizada de Lolth, ou “Rainha dos Condenados”; a outra, uma criatura pura e frágil, na verdade um humano: mais tarde, encontrada por Druidas, seria chamada de Arthur, ou “O Herdeiro ”.
Rafael Menestrel