Revista Cebes 2005

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PUBLICAÇÃO EDITADA PELO Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Diretoria Nacional / National Board of Directors Rua Herpéria, 16 – Manguinhos – Rio de Janeiro/RJ Endereço para correspondência: Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 E-mail: [email protected] / [email protected] DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2006-2009) Diretoria Executiva Presidente 1O Vice-Presidente 2O Vice-Presidente 3O Vice-Presidente 4O Vice-Presidente 1O Suplente 2O Suplente

Sonia Fleury (RJ) Ligia Bahia (RJ) Ana Maria Costa (DF) Luiz Neves (RJ) Mario Scheffer (SP) Francisco Braga (RJ) Lenaura Lobato (RJ)

PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Diretoria Nacional / National Board of Directors Rua Herpéria, 16 – Manguinhos – Rio de Janeiro/RJ Endereço para correspondência: Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 E-mail: [email protected] / [email protected] NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2006-2009) Executive Direction President Sonia Fleury (RJ) 1st Vice-President Ligia Bahia (RJ) Ana Maria Costa (DF) 2rd Vice-President 3th Vice-President Luiz Neves (RJ) 4th Vice-President

Mario Scheffer (SP)

1nd Substitute 2nd Substitute

Francisco Braga (RJ) Lenaura Lobato (RJ)

CONSELHO FISCAL Áquilas Mendes (SP), José da Rocha Carvalheiro (RJ), Assis Mafort (RJ), Sonia Ferraz (DF), Maura Pacheco (RJ), Gilson Cantarino (RJ) & Cornelis Van Stralen (MG).

FISCAL COUNCIL Áquilas Mendes (SP), José da Rocha Carvalheiro (RJ), Assis Mafort (RJ), Sonia Ferraz (DF), Maura Pacheco (RJ), Gilson Cantarino (RJ) & Cornelis Van Stralen (MG).

CONSELHO CONSULTIVO

ADVISORY COUNCIL

Sarah Escorel (RJ), Odorico M. Andrade (CE), Nelson Rodrigues dos Santos (SP), Lucio Botelho (SC), Antonio Ivo de Carvalho (RJ), Roberto Medronho (RJ), José Francisco da Silva (MG), Luiz Galvão (WDC), André Médici (DF), Jandira Feghali (RJ), José Moroni (DF), Ary Carvalho de Miranda (RJ), Julio Muller (MT), Silvio Fernandes da Silva (PR) & Sebastião Loureiro (BA).

Sarah Escorel (RJ), Odorico M. Andrade (CE), Nelson Rodrigues dos Santos (SP), Lucio Botelho (SC), Antonio Ivo de Carvalho (RJ), Roberto Medronho (RJ), José Francisco da Silva (MG), Luiz Galvão (WDC), André Médici (DF), Jandira Feghali (RJ), José Moroni (DF), Ary Carvalho de Miranda (RJ), Julio Muller (MT), Silvio Fernandes da Silva (PR) & Sebastião Loureiro (BA).

PUBLISHER

EDITOR Paulo Amarante (RJ)

Paulo Amarante (RJ)

CONSELHO EDITORIAL Jairnilson Paim (BA), Gastão Wagner Campos (SP), Ligia Giovanella (RJ), Edmundo Gallo (DF), José Gomes Temporão (RJ), Francisco Campos (MG), Paulo Buss (RJ), Eleonor Conill (SC), Emerson Merhy (SP), Naomar de Almeida Filho (BA) & José Carlos Braga (SP)

PUBLISHING COUNCIL Jairnilson Paim (BA), Gastão Wagner Campos (SP), Ligia Giovanella (RJ), Edmundo Gallo (DF), José Gomes Temporão (RJ), Francisco Campos (MG), Paulo Buss (RJ), Eleonor Conill (SC), Emerson Merhy (SP), Naomar de Almeida Filho (BA) & José Carlos Braga (SP)

SECRETARIA EXECUTIVA Marília Correia

EXECUTIVE SECRETARIES Marília Correia

INDEXAÇÃO

INDEXATION Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)

Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)The articles about Health

Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe

History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin America and the Caribbean)

Apoio A Revista Saúde em Debate é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos

REVISÃO DE TEXTO Sonia Regina P. Cardoso & Therezinha Bomfim – português, Benjamin Adam Kohn – inglês, Arlete Santos de Oliveira – normatização bibligráfica CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Felipe Braga, Paulo Vermelho, Priscila Costa & Sandra Pereira

PROOFREADING Sonia Regina P. Cardoso & Therezinha Bomfim – portuguese, Benjamin Adam Kohn – english, Arlete Santos de Oliveira – bibliographic standardization COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING Felipe Braga, Paulo Vermelho, Priscila Costa & Sandra Pereira PHOTO

FOTO Virginia Damas IMPRESSÃO E ACABAMENTO Corbã Editora Artes Gráficas

Virginia Damas PRINT AND FINISH Corbã Editora Artes Gráficas NUMBER OF COPIES

TIRAGEM 2.000 exemplares

2,000 copies

Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em julho de 2007.

This publication was printed in Rio de Janeiro on July, 2007.

Capa em papel couche 180 gr

Cover in couche paper 180 gr

Miolo em papel off set 75 gr

Core in off set paper 75 gr

Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2005. v. 29; n. 71; 27,5 cm Quadrimestral ISSN 0103-1104 1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES CDD 362.1

Rio de Janeiro

v.29

n.71

set./dez. 2005

ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ISSN 0103-1104

SUMÁRIO / SUMMARY

EDITORIAL / EDITORIAL ...................................................... 226 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados The exclusion of medical assistance coverage from HMOs Mário Scheffer ............................................................... 230 Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde Brazilian border towns and the Mercosur: characteristics and initiatives of cooperation in health Luisa Guimarães & Ligia Giovanella ......................................... 247 O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS The impact of the Lula government economic policy on Social Security and the Unified Health System Ãquilas Nogueira Mendes & Rosa Maria Marques ........................... 257 A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior Health Policy in the Lula government and the least worse dialectic Carmen Fontes Teixeira & Jairnilson Silva Paim .............................. 267

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia Development and Health: in search of a new Utopia Carlos Augusto Grabois Gadelha ............................................. 326 Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação To regulate the EC nº 29, to improve the management model and realize the universality with integrality, equity and participation Nelson Rodrigues dos Santos ................................................. 338 Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde Notes on the decentralization process of health care Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato ........................................ 352 A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde The current situation and prospects of universal health systems Hans-Ulrich Deppe ........................................................... 364 Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações From State Reform to the Reform of Federal Hospital Administration: Some Considerations Lenir Santos ................................................................. 370

O direito à participação no Governo Lula The right to participation in the Lula Government José Antonio Moroni ......................................................... 283

DOCUMENTOS/DOCUMENTS

ARTIGOS DE OPINIÃO/ OPINION ARTICLES

O lugar estratégico da gestão na conquista do SUS pra valer The strategic place of management in the attainment of a genuine Unified Health System ............................................................................. 381

Poteção Social em um Mundo Globalizado Social Protection in a Globalized World Sonia Fleury ................................................................ 304 Saúde, Desenvolvimento e Globalização Health, Development and Globalization Edmundo Gallo, Janice Dornelles de Castro, Joseane Carvalho Costa, Vivian Studart & Sandra Willecke .................................................. 314

O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade An Effective Unified Health System: universal, humanized and of high quality ........................................... 384 A Identidade do CEBES The identity of CEBES ...................................................................... 396 CEBES entrevista José Gomes Temporão, ministro da Saúde CEBES interviews José Gomes Temporão, the Health Minister ...................... 400

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225

EDITORIAL REFUNDAÇÃO DO CEBES

C

om este número da revista Saúde em Debate a dire toria nacional, eleita para o período 2006-2009, divulga sua plataforma política (veja a seguir). O texto, juntamente com o documento “A identidade política do CEBES”, publicado no corpo da revista, constituem as orientações políticas desta diretoria, as quais deverão ser seguidas de outros esforços de reflexão sobre nossa estratégia. Outros documentos publicados neste número são: “O SUS pra valer” e “O lugar estratégico da gestão na conquista do SUS pra valer”. O primeiro é produto de um esforço conjunto das entidades que compõem o Fórum da Reforma Sanitária Brasileira e representa nossa posição comum em relação aos desafios atuais do processo da reforma; o segundo demonstra a posição que o CEBES levou para o debate sobre o modelo de gestão hospitalar, na última reunião do Conselho Nacional de Saúde, em junho 2007. Com a publicação destes documentos, pretendemos manter nosso compromisso de ampliar o debate político sobre nossa estratégia e análise de conjuntura. Como o CEBES sempre aliou a análise política à difusão do conhecimento científico, os artigos que compõem este número representam algumas das contribuições mais importantes de especialistas, fruto de investigação original e/ou de reflexão crítica, para a compreensão das políticas sociais e de saúde. A qualidade destas contribuições atesta os compromissos firmados por esta diretoria em relação à Refundação do CEBES e à revitalização de seus instrumentos tradicionais de comunicação, o mais importante deles sendo a revista Saúde em Debate.

telista, patrimonial e processos que perpetuam o exercício elitista do poder, em um campo permanente de luta por espaços de participação e garantia dos direitos das populações marginalizadas. Portanto, o repensar sobre o processo de saúde-doença e suas repercussões sobre a organização das práticas, a renovação institucional e a inovação gerencial para democratização da saúde integram um projeto que merece mobilização constante, e o CEBES será um ator autônomo, capaz de articular redes políticas que exerçam a crítica como instrumento de reflexão e ação.

Plataforma da Refundação do CEBES

2. Mais do que atuar na trincheira do aparato estatal, o CEBES tem como missão a luta pela hegemonia, participando na construção e ampliação da consciência sanitária e na constituição de sujeitos políticos emancipados. A disputa por projetos de sociedade – da liberal à socialista – se dá com cada vez maior intensidade, incidindo no campo social por meio da difusão de valores individualistas, consumistas e submissos a uma inexorabilidade que prescinde da história e da política. Ao lutar pela compreensão da saúde coletiva, como um bem público e socialmente determinado, propugnando sistemas de atenção baseados nos valores da solidariedade e na garantia de direitos; nas práticas integrais da promoção à reabilitação; na exigência da participação ativa dos cidadãos nas decisões sobre sua saúde e sobre a política de saúde, estamos permanentemente lutando por uma sociedade mais justa. O CEBES precisa ampliar sua capacidade de se tornar um interlocutor dos meios de comunicação massivos, difundindo conhecimentos e valores que nos conduzam à busca de respostas que permitam aglutinar as forças sociais que se orientam pela busca da paz e redução da violência.

1. O CEBES é um espaço plural e não partidário, comprometido com a construção da Democracia e Saúde, entendendo que a democracia vai além da institucionalidade e da representação, passando pela construção de uma esfera pública plural e inclusiva, na qual os cidadãos se reconheçam como iguais e sujeitos de direitos. Isto implica, necessariamente, na transformação do aparato institucional, forjado na tradição clien-

3. A trajetória da Reforma Sanitária é um enredo complexo entre a força de um forte movimento de transformação social, ou seja, instituinte, e a bem-sucedida estratégia de ocupação de espaços instituídos. Contraditoriamente, a cada vez que se avança nos espaços instituídos, o que representa nossa pujança e presença na correlação de forças, novas contradições se colocam, a principal delas sendo a redução do poder de

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transformação do movimento sanitário. Se o poder é mais bem percebido pelo que ele é capaz de concretizar institucionalmente, ele só tem sentido e direção se mantiver unido às bases sociais que radicalizam a demanda democrática. O CEBES não pode perder esta característica de movimento social, capaz de empolgar pelo vigor de sua proposta e, ao mesmo tempo, as características de uma organização social, capaz de incidir na realidade com a clareza de suas propostas e sua capacidade de articulação política. 4. A institucionalização da Reforma Sanitária correspondeu a um enorme avanço democrático e ao estabelecimento de um novo marco civilizatório, no qual o direito à saúde se encontra legalmente entronizado. No entanto, a não-realização deste direito no cotidiano da população, em sua interação com uma realidade institucional precária, é um permanente solapamento da cultura e dos valores da democracia, levando cada dia mais a seu descrédito. Esta tarefa de fazer com que os direitos enunciados se transformem em direitos em exercício pleno da cidadania continua pendente e requer nossa ação política contundente e não conivente com a ineficiência e ineficácia, com o clientelismo e a corrupção, com qualquer forma de discriminação. Nossa tarefa no CEBES é demonstrar que um sistema público universal, de qualidade e humanizado é viável, hoje. 5. O crescimento de um mercado de planos e seguros de saúde subsidiado, em parte por recursos públicos. Assim a regulação requer um esforço de nossa parte para pensar formas de intervenção pública que garantam simultaneamente a equidade da atenção à saúde, os direitos dos consumidores e a ética profissional. A produção de insumos e tecnologias, subordinada a uma lógica de acumulação capitalista precisa ser revertida para a produção de bens e serviços em função das necessidades. O CEBES deve se articular com os movimentos nacionais e internacionais que se mobilizam em torno da produção de medicamentos e garantia de atenção à saúde para os países e populações do denominado ‘terceiro mundo’.

6. A institucionalização das políticas sociais no novo padrão constitucional baseado na descentralização e participação gerou uma arquitetura institucional inovadora, porém de eficácia limitada, pois a participação social ficou determinada pelo desenho institucional do aparato estatal. A superação desta fragmentação nos permitirá levar à prática a integralidade das políticas cuja centralidade deverá ser sempre o cidadão usuário. Somente se articulando com os demais atores políticos da sociedade civil organizada poderemos transcender a fragmentação que nos retira potencialidade. O CEBES poderá jogar um papel crucial na articulação política da Seguridade Social, viabilizando o fortalecimento dos atores sociais no âmbito da Seguridade com a efetivação de Conselhos, Conferências e ações intersetoriais de forma a dar realidade ao Orçamento da Seguridade Social. 7. A sociedade civil organizada tem se articulado em redes que buscam pensar formas mais eficazes de atuação política, permitindo superar os limites impostos pela setorialização, fragmentação e tentativas de cooptação. O CEBES necessita assumir um papel neste movimento social, articulando-se com a sociedade civil organizada para pensar os limites da democracia brasileira. Somente com uma organização forte da sociedade civil podemos fazer a democracia avançar no sentido de redução do uso das políticas públicas como moeda de troca para apoio dos governantes, exigindo o aumento da participação social nas áreas econômicas que decidem o uso dos recursos públicos, o aumento da transparência nas contas públicas e nos processos decisórios, o fortalecimento das carreiras públicas, a regulamentação dos mecanismos legislativos de iniciativa popular, o caráter impositivo do orçamento aprovado pelo Congresso com a eliminação das emendas individuais, a reforma eleitoral.

A DIRETORIA NACIONAL

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227

EDITORIAL

T

hrough this edition of the magazine Saúde em Debate the national directorate, elected for the 20062009 term, discloses its political platform (see below). The text, together with the document “The political identity of CEBES", published in the body of the magazine, constitute the political orientations of this directorate, which shall be followed up by other efforts to reflect on our strategy. The other documents printed in this edition are: “A genuine Unified Health System” and “The strategic position of management in achieving a genuine Unified Health System”. The former is the result of a joint effort by the organizations that form the Brazilian Health Reform Forum and represents our common position in relation to the current challenges faced by the reform process; the latter demonstrates the stance adopted by CEBES in the hospital management model debate at the last National Health Council meeting held in June 2007. With the publication of these documents, we intend to maintain our commitment to extending the political debate about our strategy and analysis regarding the prevailing outlook. As CEBES has always united political analysis with the diffusion of scientific knowledge, the articles that compose this edition represent some of the most important contributions made by specialists; the result of original investigation and/or critical reflection for our understanding of social health policies. The quality of these contributions serves as testimony to the commitments made by this directorate in relation to the Refoundation of CEBES and the revitalization of its traditional instruments of communication, the most important of which is the magazine Saúde em Debate.

ate the elitist hold on power, set in a context of permanent struggle for spaces for participation and the assurance of rights of marginalized populations. Therefore, the reappraisal of the health-disease process and its repercussions on the practicing organizations, and the institutional renovation and managerial innovation in order to democratize health form a project that deserves constant activation, and CEBES shall represent an autonomous author, capable of articulating political networks that use criticism as an instrument of reflection and action. 2. More than working in the trenches of the state apparatus, CEBES has the mission of fighting for hegemony, participating in the construction and amplification of health awareness and in the constitution of emancipated political subjects. The dispute for societal projects from the liberal to the socialist - becomes ever more intense, incurring into the social field by means of the inexorable diffusion of individualist, consumerist and submissive values that dispenses with history and politics. By fighting for the understanding of collective health as a publicly and socially determined asset, defending the systems of health care based on the values of solidarity and on the guarantee of rights; by the integral practices to promote rehabilitation; by demanding active participation by citizens in the decision-making about their health and the health policies; by such actions we are constantly fighting for a fairer society. CEBES needs to extend its capacity to become an interlocutor of the mass media, spreading knowledge and values that lead us to the search for answers which may allow us to unite the social forces guided by the quest for peace and diminishing violence.

Platform for the Refoundation of CEBES 1. CEBES is a plural and non-partisan space, committed to building Democracy and Health, with the understanding that democracy goes beyond institutionalism and representation, covering the construction of a diverse and inclusive public sphere, in which citizens recognize one another as equals and subjects with rights. This necessarily implies the transformation of institutional apparatus, currently cast in the tradition of clientelism, patrimonial values and processes that perpetu-

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3. The course of the Brazilian Health Reform is a complex plot involving the force of a strong campaign for social transformation, that is, the institutor, and the successful strategy of occupying the instituted spaces. Perversely, each time progress is made in the instituted spaces, representing our strength and presence in correlation to the forces, new contradictions arise, the main one being reduction to the transformative power of the health reform movement. If the power is best construed by that which it is capable of institutionally establishing,

then it only has sense and direction if it remains united at the social bases that radicalize the democratic demand. CEBES cannot lose this characteristic of a social movement, capable of enthusing by the vigor of its proposal and, at the same time, the characteristics of a social organization, capable of affecting the state of affairs with the clarity of its proposals and its capacity of political coordination. 4. The institutionalization of the Health Reform has corresponded to a huge democratic advance and the establishment of a new milestone in the development of our civilization, in which the right to health care is now assured in law. However, the failure to uphold this right in the everyday lives of people who find themselves in contact with a precarious institutional reality constantly undermines the culture and values of democracy, leading to it being less and less credible with each passing day. The task of turning the rights on paper into rights fully practiced by citizens continues to be a pending matter and requires our categorical political action which will not accept ineffectiveness and inefficiency, clientelism and corruption or any form of discrimination. Our task at CEBES is to demonstrate that a universal public system, of high quality and a humanized nature is viable today. 5. The growth in a market of health insurance schemes and health maintenance organizations that are partly subsidized by public resources. Regulation thus requires an effort on our part to think of forms of public intervention that simultaneously ensure equality of health care, consumer rights and professional ethics. The production of consumables and technologies subordinate to a logic of capitalist accumulation needs to be reverted to the production of goods and services based on needs. CEBES should cooperate with the national and international movements that act in relation to the production of medications and guaranteeing health care in countries and populations of the so-called "third world".

architecture, one that is, nevertheless, of limited effectiveness, as the social participation was determined by the institutional design of the state apparatus. Overcoming this fragmentation will allow us to put into practice all the policies which should always be aimed at the citizen end-user. Only by interacting with the other political actors of the organized civil society will we be able to transcend such fragmentation that deprives us of such capability. CEBES will be able to play a crucial role in the political organization of Social Security, enabling the strengthening of social actors within the social security scope by means of creating Councils, Conferences and private-public joint sector actions in such a way as to give substance to the Social Security Budget. 7. The organized civil society has organized itself in networks that seeks to think of more effective forms of political action, enabling it to exceed the limits imposed by the division into private and public sectors, fragmentation and attempts at co-optation. CEBES needs to assume a role in this social movement, cooperating with the organized civil society to conceive the limits of Brazilian democracy. Only with the strong organization of the civil society can we take democracy forwards insomuch as reducing the use of public policies as a currency to trade for the support of governors, demanding increased social participation in the economic areas that decide on the use of public funds and increased transparency of public accounts and decision-making processes, the strengthening of public careers, the regulation of legislative mechanisms of popular initiatives, the indispensable character of Congress-approved budget with the elimination of individual amendments, and electoral reform.

THE NATIONAL DIRECTORATE

6. The institutionalization of social policies in the new constitutional standard based on decentralization and participation has generated an innovative institutional

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 30, n. 71, p. 107-108, set./dez. 2005

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A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados The exclusion of medical assistance coverage from HMOs

Mário Scheffer1

RESUMO O artigo trata das ações judiciais relacionadas à cobertura assistencial de planos de saúde julgadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do

Recebido: Jan./2007 Aprovado: Maio/2007

Estado de São Paulo. São descritas e analisadas as demandas levadas ao Poder Judiciário por usuários de planos de saúde que reclamam negação de assistência ou restrição de atendimento. Também são avaliados o comportamento e as argumentações da Justiça nas decisões, assim como as possíveis implicações, para o sistema de saúde brasileiro, da exclusão de coberturas praticadas pelos planos de saúde. PALAVRAS-CHAVE: Prestação de Cuidados de Saúde; Poder Judiciário; Cobertura de Serviços Privados de Saúde

ABSTRACT This paper deals with lawsuits filed in relation to medical assistance coverage of HMOs judged by the São Paulo State Court of Appeal. The article describes and analyzes legal claims taken to court by users of such HMOs complaining of denial or restriction of medical assistance. Also assessed are the attitudes and arguments behind court decisions, as well as the Comunicador social, sanitarista, Mestre e Doutorando do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; membro da Diretoria do CEBES. Email: [email protected] 1

implications that such exclusions and limitations of HMOs may have for the Brazilian health care system. KEYWORDS: Health Care Provision; The Judiciary; Private Health Care Service Coverage

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

231

SCHEFFER, MÁRIO

INTRODUÇÃO

privada e ao lucro devem ser respei-

gras impositivas. Todas as normas

tados, desde que prevaleçam o inte-

constitucionais referentes à Justiça

A Constituição Federal (BRASIL,

resse da coletividade e a busca do

Social – inclusive as programáticas

1988) definiu a saúde como direito

bem comum. O fornecimento de ser-

– geram imediatamente direitos sub-

de todos e dever do Estado, estabele-

viços de saúde adequados deve, por-

jetivos para os cidadãos. Os concei-

ceu os princípios de universalidade

tanto, se sobrepor aos interesses par-

tos vagos ou imprecisos dessas nor-

e eqüidade, reconheceu a livre atua-

ticulares e econômicos.

mas não têm impedido o reconheci-

Ao regulamentar a ordem social,

mento do Judiciário (MELLO, 1981).

estabelecer os direitos dos cidadãos

Para Wagner (2005), quando a

As políticas e ações de saúde de-

e definir em quais situações o Esta-

atenção à saúde é pautada pela com-

vem, assim, se submeter à regula-

do deve intervir para garantir justiça

petitividade e pelas leis do mercado,

mentação, fiscalização e controle do

e equilíbrio, a Constituição reservou

tende a haver degradação da quali-

poder público, sejam executadas pelo

especial atenção à saúde, tratada no

dade, da eficiência e da responsabili-

ção da iniciativa privada e atribuiu relevância pública ao setor.

Estado – por meio de serviços pró-

dade. Por isso, completa, é necessá-

prios, conveniados ou contratados –

rio manter, por meio da regulação, o

ou pela iniciativa privada.

caráter público dessa atividade.

No entanto, somente dez anos de-

Algumas justificativas para a uni-

pois da Constituição, com a aprova-

MAS, AFINAL, O SERVIÇO

formização do direito à saúde entre

ção da Lei 9.656(BRASIL, 1988), os

PARTICULAR DE UMA EMPRESA DE PLANO DE

o Sistema Único de Saúde (SUS) e os

planos e seguros de saúde privados passaram a ser regulados pelo Estado. Mas, afinal, o serviço particular de uma empresa de plano de saúde,

SAÚDE, QUE OPERA UMA ATIVIDADE ECONÔMICA RELACIONADA À SAÚDE, POSSUIRIA OS MESMOS DEVERES DO ESTADO?

planos privados extrapolam o campo da legislação, conforme pode-se observar em documento produzido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) (2001)1 :

que opera uma atividade econômica relacionada à saúde, possuiria os

(...) na prática, as interferências entre

mesmos deveres do Estado? Seus

os recursos financeiros e assistenciais en-

contratos deveriam estar submetidos

texto legal na condição de direito

às normas constitucionais e infra-

público fundamental e inalienável.

constitucionais diretamente ligadas à saúde?

O texto constitucional não se limita apenas a traçar recomendações

tre o público e privado na área da saúde, em nosso país, são muito mais complexas e extensas e requerem, respeitando-se o direito da atuação das empresas privadas, definições claras sobre a subordinação dos

Tem sido cada vez mais refutada

que devem ser cumpridas quando da

a idéia de que a iniciativa privada –

elaboração de legislações específicas.

no caso, as operadoras de planos e

A Constituição não é um simples ide-

tilham a mesma base física de recursos no

seguros de saúde – possa ficar imu-

ário, não é apenas a expressão de

que se refere à capacidade instalada e aos

ne à normatividade mais rigorosa do

anseios, aspirações e propósitos, mas

subsídios fiscais que viabilizam as cober-

poder público. O direito à atuação

a transformação de tudo isso em re-

turas (BRASIL, 2001, p. 4).

interesses privados aos públicos. (...) as clientelas são segmentadas, mas compar-

Regulamentação dos Planos e Seguros Saúde (Notas Preliminares) – Grupo de Trabalho da Comissão de Saúde Suplementar do Conselho Nacional de Saúde, 21/08/2001.

1

232 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

Cohn (2001) vai além das dimen-

explorador tem responsabilidades a

reito de livre exploração da ativida-

sões legais e jurídicas ao apontar a

saldar no ato exploratório. Ou seja,

de econômica por meio da prestação

dificuldade de vislumbrar uma polí-

tal ato não pode ser espoliativo. Se o

de um serviço essencial, que é a saú-

tica que desvincule o direito de aces-

lucro é uma decorrência lógica e

de.

so dos indivíduos à saúde da lógica

natural da exploração permitida, ele

do mercado. A vinculação, diz a au-

não pode ser ilimitado; encontrará

tora, está relacionada à disponibili-

resistência e terá que ser barrado toda

dade de recursos para essa parcela

vez que puder causar dano à socie-

da população, clientela de planos de

dade.

AS EXCLUSÕES DE COBERTURAS ASSISTENCIAIS

saúde, mas também está ligada à

A defesa do consumidor, confor-

A exclusão ou limitação de co-

lógica implementada pelo órgão re-

me estabelece a Constituição, é um

berturas assistenciais sempre foi um

gulador, a Agência Nacional de Saú-

princípio que deixa de conferir à ati-

problema recorrente com repercussão

de Suplementar (ANS).

vidade econômica a liberdade irres-

direta na preservação da saúde e na

trita. É o que defende, entre outros,

vida da população usuária dos pla-

Marques (2004):

nos de saúde privados no Brasil.

(...) o que se verifica neste setor é uma

Esta prática, que também é res-

crescente ‘tecnificação’ da política, isto é, a utilização de instrumentos técnicos como

(...) Ao garantir aos consumidores a sua

ponsável por interferências na orga-

fator determinante na definição das políti-

defesa pelo Estado a Constituição criou uma

nização de todo o sistema de saúde

cas (obviamente aí redominando as razões

antinomia necessária em relação a muitas

brasileiro, chama a atenção para a

econômicas) em substituição da política pro-

de suas próprias normas, flexibilizando- as,

necessidade de melhor entendimento

priamente dita. No entanto, enfrentar a

impondo em última análise uma interpreta-

acerca da atuação do setor privado,

questão da saúde como direito do cidadão e

ção relativa dos princípios em conflito, que

sua relação com as políticas de saú-

do consumidor exigiria exatamente o cami-

não mais podem ser interpretados de forma

de e os entraves que representa para

nho inverso: trazer a sociedade para dentro

absoluta ou estaríamos ignorando o texto

a plena efetivação do direito à saúde

do Estado, ao invés de distanciá-la por meio

constitucional (MARQUES, 2004, p.577).

no país. Antes mesmo do processo de re-

da mistificação da técnica (COHN, 2001, p

Ou seja, ao estipular como prin-

gulamentação da saúde suplementar

cípios tanto a livre concorrência

no Brasil, a restrição de coberturas

A atuação da iniciativa privada,

quanto a defesa do consumidor, o

era prática inerente ao negócio dos

subordinada a preceitos éticos, de boa

legislador garante que os cidadãos

planos e seguros saúde, que sempre

fé, de responsabilidade e justiça so-

não podem ser explorados, pois a eles

considerou a seleção de riscos e as

cial, foi tratada por Nunes (1999),

são outorgados direitos.

limitações de atendimento como cri-

41).

para quem a leitura do texto consti-

A seguir, será apresentado o pro-

térios garantidores da preservação do

tucional define que o mercado de

blema das exclusões de coberturas

lucro e da sustentabilidade econômi-

consumo aberto à exploração não

assistenciais pelos planos de saúde,

ca das operadoras.

pertence ao explorador, mas sim à

que revela, dentre outros aspectos, a

Neste sentido a legislação especí-

sociedade, e em função dela, de seu

dificuldade de compatibilização en-

fica representou, em parte, um avan-

benefício, é que se permite a explo-

tre os direitos à saúde e os do consu-

ço para a parcela da sociedade aten-

ração. Como decorrência disso, o

midor, de um lado e, de outro, o di-

dida pelos planos de assistência mé-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

233

SCHEFFER, MÁRIO

dica suplementar, pois tratava-se de

e do acesso à assistência à condição

quada, uma vez que ele envolve in-

um segmento que, há mais de 30

de mercadoria.

teresses e expectativas diferentes.

anos, atuava seguindo as “leis” do

Nas análises sobre o setor de saú-

Os temas ligados à regulação dos

livre mercado, sem normas regula-

de suplementar no Brasil, a amplitu-

planos de saúde, entre eles a cober-

mentadoras, controle ou fiscalização

de das coberturas, assim como os

tura assistencial, antes restritos aos

por parte do Estado.

gastos com a remuneração dos pres-

atores diretamente envolvidos – em-

A Lei 9.656/98(BRASIL, 1998)

tadores de serviços e o valor das

presas, prestadores e consumidores

trouxe, entre as inovações conside-

mensalidades, são apontados como

– passaram a contar com um órgão

radas ao mesmo tempo positivas e

elementos determinantes para o fun-

regulador e a chamar cada vez mais

insuficientes, a definição de padrões

cionamento e o comportamento das

a atenção dos sanitaristas, do meio

mínimos de cobertura e o estabeleci-

empresas de planos de saúde presen-

acadêmico e das instâncias de ges-

mento de critérios para a entrada,

tes no mercado.

tão e controle social do SUS, tendo

funcionamento e saída de empresas

em vista as implicações com as polí-

no setor. Também transferiu para o

ticas públicas de saúde.

Poder Executivo a responsabilidade

Vários representantes destes se-

pela regulação e fiscalização dessas

tores, até então ausentes ou omissos

operadoras privadas, tanto os aspectos assistenciais como aqueles ligados à atividade econômica. Ao oferecer no mercado um plano de saúde, individual ou coletivo, as operadoras hoje tendem a observar normas estabelecidas especificamente para esta atividade, sendo

...uma década antes do primeiro marco regulatório da saúde suplementar, a sociedade já havia decidido(...) qual o tipo de sistema e de assistência à saúde queria para o país.

no processo regulatório da saúde suplementar, passaram a discutir regras e políticas que sejam capazes de tratar o sistema de saúde de uma forma mais ampla; que busquem o equilíbrio entre a garantia do direito à saúde e os aspectos econômico-financeiros envolvidos; que mante-

muitas delas ainda restritivas quan-

nham o norteamento pelos marcos

to à cobertura assistencial.

doutrinários e de relevância pública do SUS; e que promovam a convi-

Vale ressaltar que, uma década antes do primeiro marco regulatório

Situações de exclusões de cober-

vência democrática entre os legítimos

da saúde suplementar, a sociedade

tura assistencial, constantemente

interesses envolvidos, viabilizando-

já havia decidido, por meio das con-

denunciadas ou reivindicadas por

os minimamente e de forma negoci-

quistas constitucionais, qual o tipo

usuários e consumidores, expõem,

ada (SCHEFFER; BAHIA, 2005).

de sistema e de assistência à saúde

na prática, o desequilíbrio e o confli-

O Conselho Nacional de Saúde

queria para o país. Não havia espa-

to entre operadoras, prestadores de

(BRASIL, 2001), por meio da sua Co-

ço – na concepção cunhada pelo

serviços e clientes.

missão Permanente de Saúde Suple-

Movimento da Reforma Sanitária,

Este fato evidencia que nem o

mentar, afirma que uma política para

abordada na 8ª Conferência Nacional

suposto virtuosismo da livre inicia-

este segmento dos planos de saúde

de Saúde e respaldada pelo Congres-

tiva, nem as normas reguladoras

deve orientar-se pela defesa do direi-

so Nacional após ampla mobilização

implementadas têm sido capazes de

to à saúde, e não apenas se ocupar

social – para a diminuição da saúde

solucionar o problema de forma ade-

em ditar regras para o mercado. O

234 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

CNS rechaça a idéia, bastante disse-

as, que possuem planos de saúde

clusões impostas pelos planos anti-

minada, que aponta a existência de

individuais, familiares ou coletivos,

gos ‘empurram’ para o SUS clientes

dois sistemas não relacionados e dis-

precisam recorrer, com certa freqüên-

de planos de saúde sem condições

tintos: o SUS, considerado o sistema

cia, à rede pública de saúde diante

de arcar com os custos de serviços

dos pobres, e os planos e seguros de

de situações de exclusões de cober-

particulares.

saúde, para os trabalhadores formais

tura e de restrições de atendimento.

As análises disponíveis sobre a

Tais limitações são impostas por

regulamentação, ao se referirem à

Nesta perspectiva, defendida pelo

cláusulas contratuais antigas, mas

restrição das coberturas privilegiam

CNS, que é a instância maior de con-

também são autorizadas pela própria

a sua relação com o equilíbrio eco-

trole social das políticas de saúde,

legislação vigente ou por normas

nômico-financeiro das operadoras.

os problemas relacionados à saúde

editadas pela ANS. Não raro, são li-

Faz-se necessário avaliar também a

suplementar – a exemplo das cober-

mitações resultantes de cláusulas

intensidade das regras sobre cober-

e a classe média.

turas assistenciais – devem ser abor-

turas e a efetividade do seu cumpri-

dados não apenas como um assunto

mento, o que poderá contribuir para

que diz respeito aos mais de 35 mi-

uma melhor compreensão da com-

lhões de brasileiros ligados aos pla-

plexidade do sistema de saúde bra-

nos de saúde privados, mas também

sileiro.

considerando as repercussões da configuração e das práticas deste setor nas diretrizes da política nacional de saúde.

... SABE-SE QUE NÃO SÃO POUCOS OS RECURSOS DESPENDIDOS PELO SUS PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA A TODO

Devem ser levados em conta os princípios constitucionais da dignidade humana, do direito à vida e do direito à saúde; os pressupostos re-

Os limites e garantias contratu-

TIPO DE COBERTURA NEGADA

lativos ao sistema de proteção e de-

ais de coberturas estabelecidas pe-

PELOS PLANOS DE SAÚDE ...

fesa do consumidor; as disposições

las empresas deste segmento confi-

do Código Civil; e também os mar-

guram um dos aspectos mais con-

cos legais específicos: a Lei 9.656/

troversos da relação público-priva-

98, combinada às Medidas Provisó-

do no sistema de saúde brasileiro.

rias que a alteraram e a Lei 9.961/

Apesar de ainda não quantificados –

contratuais leoninas e até de má-fé

00, promulgada em 2000 com o ob-

tendo em vista os poucos estudos dis-

por parte das empresas.

jetivo de criar e normatizar o funcionamento da ANS.

poníveis –, sabe-se que não são pou-

Se comparadas às inúmeras res-

cos os recursos despendidos pelo SUS

trições impostas nos contratos de pla-

Dentre os supostos méritos da Lei

para prestar assistência a todo tipo

nos de saúde assinados antes da le-

9.656/98, propagados durante o seu

de cobertura negada pelos planos de

gislação de 1998, as regras atuais

processo de tramitação no Congres-

saúde, a exemplo das demandas re-

promoveram a ampliação das cober-

so Nacional e após a sua promulga-

lacionadas à urgência e à emergên-

turas para os chamados planos no-

ção, pelo Poder Executivo, figuravam

cia, procedimentos de alto custo e de

vos, ou seja, os contratos assinados

o impedimento das restrições de aten-

alta complexidade. Os cidadãos, prin-

a partir de janeiro de 1999. Ainda as-

dimentos e a exigência da cobertura

cipalmente os idosos e os portadores

sim, uma série de limitações conti-

integral de todas as patologias con-

de patologias crônicas e deficiênci-

das na legislação em vigor e as ex-

tidas na Classificação Internacional

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

235

SCHEFFER, MÁRIO

de Doenças (CID) da Organização

motivos de queixas de usuários de

de, o usuário tem poucas possibili-

Mundial da Saúde (OMS), incluindo

planos de saúde. Além dos proble-

dades de caminhos a seguir. A op-

todos os meios diagnósticos e tera-

mas relacionados à cobertura assis-

ção imediata é pagar pelo aten-

pêuticos disponíveis. Decorridos vá-

tencial, a regulação pretendida para

dimento particular. Como pou-

rios anos da vigência da Lei dos Pla-

o mercado ainda não solucionou di-

cos têm condição de arcar com

nos de Saúde, há muitos obstáculos

versas outras situações.

esses custos, restaria procurar

impedindo a real efetivação da co-

São exemplos a rescisão unilate-

o atendimento nas unidades do

bertura prevista ou pretendida nos

ral de contrato, o descredenciamento

Sistema Único de Saúde ou, até

marcos legais.

de prestadores de serviços, as limi-

mesmo, ficar sem a cobertura

Até a existência da nova legisla-

tações de período de internação, os

necessária.

ção, a extensão da cobertura assis-

longos períodos de carência e as

tencial era, na prática, determinada

mensalidades abusivas em função de

pelos contratos – individuais ou co-

mudanças de faixa etária. Nem mes-

Outros podem tentar buscar saídas mediante queixas e processos administrativos junto à

letivos – assinados entre os usuári-

operadora, junto aos departa-

os e as operadoras de planos de saú-

mentos de recursos humanos

de. Com o novo marco legal, os con-

das empresas (no caso dos pla-

tratos passaram a ser padronizados

nos coletivos e autogestões),

e orientados pelas diretrizes da Lei 9.656/98, bem como por diversas resoluções editadas pelo Conselho

NA PRÁTICA, APESAR DA REGULAMENTAÇÃO, A EXCLUSÃO DE ATENDIMENTOS AINDA FIGURA

Nacional de Saúde Suplementar (Con-

COMO UM DOS PRINCIPAIS MOTIVOS DE

su) e, a partir de 2000, pelo órgão

QUEIXAS DE USUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE

regulador: a ANS.

mediante denúncias aos órgãos de defesa do consumidor ou reclamações à agência reguladora (via Disque ANS, principalmente). D i a n t e d a i n e f i c á c i a destas alternativas, só resta ao

Assim, a assistência e a amplitu-

usuário de plano de saúde, que

de da cobertura oferecida pelos pla-

tiver condições de constituir

nos de saúde estão condicionadas a

a d v o g a d o , r e c o r r e r a o Po d e r

vários fatores: época da contratação (há contratos novos, antigos e adaptados); cobertura definida pela lei para cada tipo de plano contratado

mo o ressarcimento ao SUS, a ser

Judiciário para a exigência de

realizado toda vez que um usuário

direitos supostamente desres-

de plano de saúde é atendido em

peitados.

unidade pública de saúde, foi total-

A urgência da necessidade de

mente equacionado pela regulamen-

saúde, a consciência dos direitos

ção de coberturas); forma de contra-

tação, que também pouco trata da

de cidadania, a facilidade de aces-

tação (plano individual/familiar ou

relação entre a saúde suplementar e

so e a credibilidade das instânci-

plano coletivo) e normatizações es-

o Sistema Único de Saúde.

as que recebem queixas e recla-

após janeiro de 1999 (há segmenta-

pecíficas do Consu e da ANS.

Diante da negativa de atendimen-

mações, são alguns dos fatores

Na prática, apesar da regulamen-

to ou da exclusão contratual de co-

que determinam a busca de ajuda

tação, a exclusão de atendimentos

bertura pelo plano de saúde, contra-

na tentativa de reverter a situa-

ainda figura como um dos principais

posta à iminente necessidade de saú-

ção de negação de cobertura.

236 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

A ANÁLISE DAS AÇÕES JUDICIAIS

metade da receita dos planos de saúde em todo o país.

• As doenças mais citadas foram: câncer (97 menções), doenças

Os principais resultados podem

cardiovasculares (78), Aids (30), me-

O presente artigo é baseado em

ser agrupados em: a. perfil das co-

ningite (21), acidentes e causas ex-

estudo que teve como objetivos: a.

berturas excluídas; b. perfil dos pla-

ternas (20), cirrose hepática (16), in-

‘quantificar’ o universo de ações

nos de saúde denunciados na Justi-

suficiência renal (14), hérnia (14),

judiciais relacionadas à negação ou

ça; c. teor das decisões e argumen-

diabetes (12) e doenças congênitas

limitação de atendimentos e assis-

tações.

(12).

2

tência aos clientes de planos de saúde; b. descrever e analisar as prin-

a. Perfil das coberturas excluídas

• Dentre as coberturas citadas nos acórdãos, a maioria (68%) não

cipais situações levadas aos tribu-

• Dentre os grupos de doenças

traz especificação de procedimentos.

nais relacionadas à negação de aten-

(Classificação Internacional de Do-

Mesmo nestes casos, foi possível

dimento, exclusão ou restrição de

enças - CID 10) citados nos acórdãos

agrupar as coberturas em: assistên-

cobertura; c. ‘analisar’ o comporta-

devido a exclusão de cobertura, em

cia médica (36%), seguida de inter-

mento do Judiciário nos julgamen-

nações (27%), cirurgias (24%), inter-

tos proferidos em segunda instân-

nações em UTI (12%) e consultas

cia, comparando-os com os resulta-

médicas (1%).

dos de primeira instância. O estudo consistiu na análise de 735 decisões judiciais relacionadas a exclusões de coberturas e negações de atendimento por parte dos

OS PRINCIPAIS RESULTADOS PODEM SER AGRUPADOS EM: A. PERFIL DAS COBERTURAS EXCLUÍDAS; B. PERFIL DOS PLANOS DE SAÚDE DENUNCIADOS NA JUSTIÇA; C. TEOR DAS

planos de saúde, julgadas em segun-

pecificação de procedimentos (32%), os mais citados foram os procedimentos cirúrgicos e invasivos (39,9%), os procedimentos clínicos (27,0%), órteses e próteses (9,5%),

DECISÕES E ARGUMENTAÇÕES

da instância pelo Tribunal de Justi-

• Dentre as coberturas com es-

procedimentos diagnósticos e tera-

ça do Estado de São Paulo, entre ja-

pêuticos (8,3%), insumos e medica-

neiro de 1999 e dezembro de 2004.

mentos (8,3%), procedimentos gerais

A pesquisa foi realizada no Estado

(7,0%).

de São Paulo, que conta com cerca

um total de 478 menções, prevale-

• Agrupando todos os procedi-

de 900 operadoras de planos de as-

cem os neoplasmas (20,3%), doen-

mentos, os mais citados foram:

sistência médico-hospitalar em ati-

ças do aparelho circulatório (16,3%)

transplantes (16%), quimioterapia,

vidade; atinge 15,2 milhões de usu-

e doenças infecciosas (11,1%).

radioterapia e outros procedimentos

ários (40% do total do país); tem alto

• Os dois grupos de doenças

ligados ao tratamento de câncer

grau de cobertura (38% da popula-

mais citados – câncer e cardiopati-

(15%), órteses e próteses (9,5%), exa-

ção do estado e 55% da capital têm

as – referem-se às duas principais

mes diagnósticos (8,3%), implantes

planos de saúde); e movimentou, em

causas de morte no Estado de São

(5,5%), hemodiálise (5,2%), oxigeno-

2005, 15,2 bilhões de reais, quase a

Paulo.

terapia (4,6%), fisioterapia (3,7%),

Scheffer MC. Os planos de saúde nos tribunais: uma análise das ações judiciais movidas por clientes de planos privados de saúde e relacionadas à negação de coberturas assistenciais no Estado de São Paulo. [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2006. 212 p. Disponível em www.teses.usp.br

2

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

237

SCHEFFER, MÁRIO

b. Perfil dos planos de saúde de-

assistência ao recém-nascido (3,7%),

cidência de ações relacionadas a

medicamentos de uso hospitalar

procedimentos dispendiosos e espe-

(3,7%) e outros (24,8%).

cializados – a exemplo dos trans-

• A medicina de grupo é o seg-

• A negação de cobertura de ca-

plantes, do tratamento do câncer, da

mento de operadoras de planos de

sos relacionados à urgência e emer-

hemodiálise e de diversos procedi-

saúde mais citado nos acórdãos ana-

gência esteve presente em 109

mentos cirúrgicos e invasivos – traz

lisados (54,4%), seguido das segu-

(14,8%) acórdãos analisados. Os ca-

indícios da prática adotada pelas

radoras (30,2%), cooperativas/Uni-

sos de urgência estão relacionados,

operadoras visando à economia de

meds (9,8%), filantropia (2,6%), au-

principalmente, a doenças cardio-

recursos e ao predomínio da lógica

togestão (0,9%) e outros (2,1%).

vasculares, câncer e acidentes.

financeira. Ao mesmo tempo indica

• Dentre as decisões avaliadas,

• Nas 51 decisões analisadas que

que o Sistema Único de Saúde, ao

mencionaram a negação de cober-

atender estes casos de exclusões de

87,6% referem-se a contratos indivi-

tura de transplantes, dentre aqueles

apesar de corresponderem a mais

dos são os transplantes de fígado e

de 70% do mercado, são levados com

de medula. Chama a atenção que a

menos freqüência aos tribunais.

atual regulamentação também dementos: apenas são obrigatórios os transplantes de rins e córneas. • Dentre as decisões judiciais analisadas, 31 (4,2%) mencionaram a negação de cobertura de órteses e

duais, enquanto 10,9% são contratos coletivos. Os planos coletivos,

que são especificados, os mais cita-

sobriga a cobertura desses procedi-

nunciados na Justiça

... O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, AO ATENDER ESTES CASOS DE EXCLUSÕES DE

Apresentados pelas empresas como ‘benefício’ ou como ‘salário indireto’, geralmente pressupõem uma

COBERTURAS, ATUA DE FORMA A SUBSIDIAR

diluição do risco entre os beneficiá-

OS PLANOS DE SAÚDE PRIVADOS

per capita e à definição de cobertu-

rios, que leva a cálculos de custos ras. Já os contratos individuais, por

próteses, sendo mais mencionados

implicarem uma concentração do

os stents, marca-passos e cateteres.

risco, tendem a restringir mais as

• A exclusão de atendimento sob

coberturas. Mas também é possível

alegação de doença preexistente apareceu em 174 (23,6%) das decisões

coberturas, atua de forma a subsi-

supor que o usuário (pessoa física)

judiciais estudadas. Chama a aten-

diar os planos de saúde privados.

de plano coletivo não tenha alterna-

ção que a exclusão de preexisten-

• Além de excluir aquelas doen-

tivas diante da limitação imposta.

tes, muito comuns nos contratos

ças cujos tratamentos são mais one-

Resta-lhe, na maioria das vezes, o

antigos, foi perpetuada pela lei 9656/

rosos, também são excluídas aque-

registro da queixa junto ao próprio

98 que manteve este conceito e esti-

las que, na visão das operadoras,

empregador (RH das empresas, por

pulou dois anos de carência.

deviam ser obrigação exclusiva do

exemplo). Os usuários podem temer

• Pode-se afirmar que, dentre os

sistema público. Dois exemplos são

reclamar externamente a negação de

procedimentos especificados, aque-

o tratamento da Aids e as hemodiá-

atendimento. Esta seria uma forma

les de alta complexidade e alto cus-

lises, que são absorvidos em sua

de manter a boa relação com o em-

to são mais freqüentemente citados

quase totalidade pelo SUS, sem a

pregador e até mesmo de preservar

nas decisões judiciais. A maior in-

participação dos planos.

o emprego. O beneficiário tem, por-

238 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

tanto, pouco controle ou reduzida

Em seguida, vem o Código Civil

principal argumento utilizado é a

escolha sobre o plano coletivo.

(14,6%). A Lei 9.656/98 fica em ter-

ausência de prova de má-fé, uma

ceiro lugar (10%), seguida da Cons-

vez que o usuário não fez exame

tituição Federal (7,3%).

pré-admissional. Os juízes também

• Dos acórdãos analisados, a maioria (55,2%) não informa a data de contratação dos planos. Dentre

• O fato de a Lei dos Planos de

alegam, com base na Lei dos Pla-

aqueles que trazem essa informação,

Saúde (9.656/98) ser pouco citada

nos de Saúde, que o procedimento

a maior parte é de contratos anteri-

nas decisões analisadas pode de-

deve ser coberto, que o consumidor

ores à Lei 9.656/98 (44,1% dos acór-

monstrar a limitação e o pouco al-

tem direito à informação adequada,

dãos). O fato é que o grande núme-

cance desta legislação, que não é

e que a cobertura de urgência e

ro de contratos antigos no universo

aplicada para os planos antigos (boa

emergência tem que ser obrigatória.

pesquisado explica-se, em parte,

parte dos contratos ainda em vigor)

pela morosidade da Justiça, uma vez

e com limitações de cobertura mes-

A Lei 9.656/98 ainda serviu de fun-

que foram estudadas decisões de

mo nas regras atuais.

segunda instância que tiveram iní-

• Quando o CDC é utilizado nas

cio antes da vigência da atual legis-

argumentações favoráveis à conces-

lação.

são de cobertura, os aspectos mais

c. Teor das decisões e argumentações jurídicas

citados são: em caso de dúvida na interpretação do contrato, a decisão

damento para decisões favoráveis às operadoras, quando, por exemplo, a legislação permite a exclusão de determinada cobertura. • Algumas decisões favoráveis à cobertura utilizam argumentos médicos, sendo os dois principais:

• A Justiça foi favorável à con-

deve ser favorável ao consumidor;

cessão de cobertura, na segunda ins-

as cláusulas restritivas deveriam

tância, em 73,5% das ações julga-

estar expressas em destaque; a res-

das, praticamente confirmando a

trição atribui vantagem exagerada

proporção verificada na primeira

para a operadora; é abusiva a cláu-

instância, na qual 74,5% foram fa-

sula que estipula limite de tempo

voráveis aos usuários. Em 3,7% dos

de internação e valores; a operado-

acórdãos, o juiz concedeu parte da

ra não provou má-fé ou desconheci-

cobertura solicitada e, em 20,4%, foi

mento da doença por parte do usuá-

negada a cobertura, com decisão

rio; as limitações são abusivas,

favorável ao plano de saúde. Em

quando se trata de urgência e emer-

algumas situações, como câncer

gência; e a operadora não prestou

(79,4% dos casos) e transplantes

bom serviço. Nos casos em que o

usado também nas decisões favorá-

(78,8% dos casos), as decisões fo-

CDC é usado em decisões favoráveis

veis aos planos de saúde. Nestes

ram ainda mais favoráveis em se-

às operadoras, o principal argumen-

casos, as principais argumentações

gunda instância.

to é de que não há relação de con-

são: as limitações/exclusões estão

sumo quando se trata de planos co-

expressas no contrato; o médico ou

letivos.

hospital não são credenciados pelo

• O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é a legislação mais ci-

a intervenção cirúrgica não é para fim estético; os planos devem cobrir os progressos da medicina e a incorporação de novas tecnologias. • Há, ainda, decisões baseadas unicamente no contrato firmado entre usuário e operadora, em que o juiz decide a partir das disposições contratuais. Nestes casos, o juiz afirma que o contrato não exclui a cobertura. O argumento do contrato é

tada nas argumentações das deci-

• Quanto à Lei 9.656/98, quan-

plano de saúde e, portanto, o plano

sões judiciais: 62,7% do total de

do ela é mencionada favoravelmen-

não deve conceder a cobertura. Pre-

menções a legislações específicas.

te à concessão de cobertura, o

valece nestes julgados o princípio de

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

239

SCHEFFER, MÁRIO

que o contrato faz a lei entre as par-

importante na determinação do prog-

malizadas, quando o desfecho para

tes.

nóstico e na sobrevida do paciente.

o usuário é ser atendido nas unida-

• Os principais argumentos usa-

O problema da exclusão de co-

des do Sistema Único de Saúde, ar-

dos pelas operadoras na sua defesa

berturas ainda não foi considerado

car com os custos particulares ou

em juízo são: existência de cláusu-

à altura de sua gravidade e de suas

ficar sem o atendimento necessário.

la excludente no contrato; caso de

repercussões na saúde e na vida da

Traçar a real dimensão das limita-

doença preexistente; o médico/hos-

população assistida. Também não

ções assistenciais na saúde suple-

pital não é credenciado; não há re-

são totalmente conhecidas a dimen-

mentar demanda pesquisas com de-

lação de consumo, pois trata-se de

são das ocorrências e suas implica-

senhos específicos , que podem ser

associação/plano coletivo; a garan-

ções para o sistema de saúde brasi-

assumidas pelo órgão regulador e

tia de saúde irrestrita é dever do

leiro. É razoável supor que o pre-

implementadas em parceria com

Estado e não do plano de saúde; o

sente artigo tratou da ‘ponta do ice-

setores acadêmicos.

procedimento não está incluído na

berg’ do problema, ao analisar de-

O estudo das demandas de usu-

tabela vigente da Associação Médi-

ários de planos de saúde levadas à

ca Brasileira (AMB); a finalidade do

Justiça é, sem dúvida, um instru-

procedimento é meramente estética;

mento relevante que merece ser con-

o usuário está inadimplente no pagamento da mensalidade; o procedimento não está incluído no Rol de Alta Complexidade da ANS.

CONSIDERAÇÕES

INÚMERAS SITUAÇÕES NEM SEQUER SÃO FORMALIZADAS, QUANDO O DESFECHO PARA O

tinuado e aprimorado, não só junto

USUÁRIO É SER ATENDIDO NAS UNIDADES DO

Cíveis e ao Ministério Público, ins-

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, ARCAR COM OS

tâncias que, cada vez mais, aco-

CUSTOS PARTICULARES OU FICAR SEM O ATENDIMENTO NECESSÁRIO

SOBRE A DIMENSÃO

aos Tribunais de Justiça, mas também junto aos Juizados Especiais

lhem os pleitos relacionados a exclusões de coberturas assistenciais e outros temas que envolvem a saúde suplementar.

DO PROBLEMA

Apenas o monitoramento da batalha travada no Judiciário, no en-

O perfil das coberturas assisten-

mandas apresentadas ao TJ-SP, com

ciais negadas pelos planos de saú-

abrangência geográfica e espaço de

Há que se considerar a dificul-

tempo delimitados e, ainda, restri-

dade de acesso à Justiça, o ônus fi-

tas às decisões de segunda instân-

nanceiro da contratação de advoga-

cia.

do, o desconhecimento dos direitos

de e levadas ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) é preocupante, uma vez que relaciona problemas de saúde e doenças responsáveis pelos maiores índices de

tanto, não é suficiente.

As informações sobre negações

por parte do cidadão usuário de pla-

de cobertura não estão apenas nos

nos de saúde (tendo em vista a com-

tribunais. Encontram-se pulveriza-

adoecimento e morte da população.

plexidade e a fragmentação da le-

das nas várias instâncias que ser-

gislação), a morosidade na tramita-

São negações de atendimento liga-

vem de porta de entrada para quei-

ção das ações judiciais e o descré-

das a situações clínicas cuja demo-

xas e reclamações desse tipo. Inú-

dito de parcela da sociedade quanto

ra no atendimento é uma variável

meras situações nem sequer são for-

à atuação do Judiciário.

240 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

As demais instâncias, especial-

Executivo e Legislativo que o apa-

potencialmente, poderão ser levadas

mente os Procons e o Disque ANS,

rato regulatório em vigor é frágil e

aos tribunais. Compõem este cená-

precisam ser integradas a um siste-

que algo precisa ser feito para dar

rio os planos segmentados (ambu-

ma de informações. Da mesma for-

respostas ao problema da exclusão

latorial, hospitalar,hospitalar com

ma, deve ser aprimorado o registro

de coberturas na saúde suplemen-

obstetrícia ou referência); os perío-

dos dados sobre os atendimentos de

tar, freqüentemente levado aos tri-

dos de carência (24 horas para aten-

usuários de planos de saúde nas

bunais.

dimento de urgências e emergênci-

São motivos de demandas judi-

as; 180 dias para consultas, exa-

ciais, conforme demonstrou o estu-

mes, internações; 300 dias para par-

do, as exclusões de procedimentos

tos; 24 meses para coberturas rela-

SOBRE A NECESSIDADE DE

médicos de alto custo e alta com-

cionadas a doenças preexistentes);

REVISÃO DA LEGISLAÇÃO

plexidade, doenças preexistentes,

os reajustes por faixas etárias (que,

transplantes, situações de urgência

muitas vezes, ‘expulsam’ os usuá-

unidades do SUS.

A convivência de dois ‘mundos’,

rios idosos); a interpretação por ve-

antes e depois da regulamentação,

zes equivocada, pelos planos de saú-

com regras distintas nos contratos

de, do que são ‘procedimentos esté-

de planos de saúde, somada às dis-

ticos’ passíveis de exclusão confor-

...A SITUAÇÃO DOS PLANOS PRÉ-

me preconiza a legislação; os limi-

ladora, poderá levar a população

REGULAMENTAÇÃO PRECISA SER

exclusão de cirurgia de correção de

usuária a acionar, cada vez mais, o

URGENTEMENTE TRATADA NO ÂMBITO DO

miopia nos casos de grau igual ou

torções contidas em resoluções e normas ditadas pela agência regu-

Poder Judiciário na tentativa de solucionar conflitos com as operado-

LEGISLATIVO E DA AGÊNCIA REGULADORA

tes da assistência psiquiátrica; a

superior a 7 (sete)1; as exclusões contratuais e a não obrigatoriedade de cobertura de doenças profissio-

ras de planos de saúde. O fato de a Lei dos Planos de Saú-

nais e acidentes do trabalho nos pla-

de (9.656/98) ter sido pouco citada

nos coletivos; as limitações da co-

nas decisões analisadas – se com-

bertura geográfica; o controle de

parada à menção ao Código de De-

e emergência, órteses e próteses,

acesso à rede e aos meios diagnós-

fesa do Consumidor e ao Código Ci-

dentre outras restrições contidas

ticos e terapêuticos , dentre outras

vil – demonstra a limitação e o al-

principalmente nos contratos anti-

possibilidades.

cance desta legislação. Ela é descon-

gos. Portanto, a situação dos pla-

É inadiável, portanto, o retorno

siderada até mesmo em acórdãos

nos pré-regulamentação precisa ser

da regulamentação dos planos de

que mencionam planos novos, ad-

urgentemente tratada no âmbito do

saúde ao Congresso Nacional, pau-

quiridos após a sua vigência.

Legislativo e da agência regulado-

ta que poderá ser assumida pela

ra.

nova Legislatura que teve início em

Ao menosprezarem a Lei 9656/ 98 e ao darem ganho de causa à

Há, também, uma série de ou-

2007. Cabe ao Legislativo, e não só

concessão de cobertura na maioria

tras possibilidades de exclusões,

à ANS por meio de suas resoluções,

dos pleitos, as decisões judiciais

contidas na atual regulamentação,

a iniciativa de revisão da legislação

analisadas sugerem aos Poderes

que devem ser consideradas e que,

em vigor, de forma a corrigir as dis-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

241

SCHEFFER, MÁRIO

torções contidas nas regras atuais e

de justiça, mas sim que tomam com

nos de saúde). Nesta concepção, o

de estender as novas normas aos

liberdade as decisões legais.

que rege prioritariamente a relação

planos antigos e aos planos coletivos, hoje excluídos ou parcialmente alcançados pela legislação.

O que se espera do poder Judiciário em uma democracia é que suas decisões sejam imparciais e independentes, baseadas nos fatos de cada

SOBRE O COMPORTAMENTO E A AUTONOMIA DO JUDICIÁRIO O estudo demonstra que o Poder Judiciário vem sendo chamado a

caso apresentado, no mérito, nos

entre clientes e empresas de planos de saúde são as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que predominam nas argumentações jurídicas dos acórdãos analisados. O entendimento de boa parte dos

argumentos legais e nas leis mais

juízes de que a assistência à saúde

relevantes, sem qualquer influência

reclamada nas ações judiciais é um

das partes interessadas, asseguran-

direito do consumidor, ainda que

do a igualdade da proteção legal.

crie farta jurisprudência favorável

garantir e dar efetividade em ques-

à concessão de coberturas, não tra-

tões sensíveis como o direito do con-

ta o problema em todas as suas di-

sumidor e o direito à saúde previs-

mensões. Muitas das decisões são

tos na Constituição. A sociedade

tomadas não pela necessidade de

bate às portas da Justiça para exi-

saúde apresentada, mas pelas cober-

gir respostas no que se refere à atuação das empresas de planos de saúde ou à omissão e à insensibilidade do poder público e do órgão regula-

... É POSSÍVEL AFIRMAR QUE PREVALECE NO JUDICIÁRIO A VISÃO DE QUE

turas definidas na legislação ou nos

A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELOS PLANOS DE

dos serviços, quando requisitados

SAÚDE É UMA MERCADORIA ...

forme o resultado da pesquisa, não

dor. Em que pese o fato de a maioria

vos – maior fatia do mercado de pla-

ressaltar que há decisões contrári-

dos favoráveis – Código de Defesa

por uma demanda individual. Con-

cação do CDC aos contratos coleti-

cessão de coberturas, é importante

ma legislação que serviu aos julga-

estaria, assim, restrito à utilização

há consenso, no TJ-SP, sobre a apli-

das decisões terem obrigado a con-

as, muitas vezes baseadas na mes-

contratos. O direito do consumidor

nos de saúde – o que vem a ser ouSOBRE A SAÚDE REDUZIDA À CONDIÇÃO DE MERCADORIA

tro limitador desta concepção consumerista. Em outro extremo, a redução da

do Consumidor, Código Civil, Lei

A partir das ações judiciais ana-

saúde à condição de mercadoria está

9.656/98 ou Constituição Federal. A

lisadas junto ao TJ-SP, é possível afir-

também contida nas argumentações

utilização da mesma base legal em

mar que prevalece no Judiciário a

das operadoras, quando da contes-

decisões divergentes demonstra a

visão de que a prestação de servi-

tação, em juízo, das solicitações de

independência e a autonomia do Ju-

ços pelos planos de saúde é uma

coberturas. A existência de cláusu-

diciário nesta matéria. Isto não sig-

mercadoria, um bem de consumo

la contratual que explicitamente li-

nifica que os juízes decidem estas

oferecido por um fornecedor (as ope-

mita a cobertura é o argumento mais

causas baseados exclusivamente

radoras) para um consumidor des-

utilizado pelas empresas de planos

nas suas próprias noções subjetivas

tinatário final (os usuários dos pla-

de saúde para negar o atendimento,

242 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

reforçando a concepção de que o que

presentes no mercado de planos de

está em discussão não é uma ne-

saúde e no Judiciário – que tendem

cessidade de saúde, mas uma mera disposição contratual da descrição do “produto” a ser entregue ao con-

a subestimar a concepção do direito à saúde. Isto é fundamental para

O perfil das exclusões reclamadas na Justiça - principalmente tratamentos e procedimentos de alto custo e alta complexidade– dá a dimensão dos aportes públicos ao sis-

a conquista de um processo civili-

tema supletivo, ainda que seja difí-

Vários acórdãos mencionam,

zatório mais amplo no campo da

cil a quantificação exata dos recur-

com argumento favorável à conces-

saúde, no qual prevaleçam a justi-

sos despendidos pelo SUS para aten-

são de coberturas, o direito funda-

ça social e a solidariedade, garanti-

mental à saúde e o direito inaliená-

das por meio de políticas públicas e

vel à vida inscritos na Constituição

também da maior atuação do Esta-

tar foi artificialmente expandido e

do.

ainda engloba centenas de empresas

sumidor.

Federal. E mesmo quando prevalece a visão consumerista, o Judiciá-

das pela legislação. É possível su-

outra mercadoria.

uma doença ou necessidade de saú-

O mercado da saúde suplemen-

cer sequer as coberturas assegura-

pode ser tratada como qualquer

não consegue prever a ocorrência de

planos de saúde.

sem as mínimas condições de ofere-

rio por vezes afirma que a saúde não

Argumenta-se que o consumidor

der aquilo que não é coberto pelos

por que uma grande fatia deste mer-

A EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXPLICITAMENTE LIMITA A COBERTURA É O

cado sobrevive às custas das restrições praticadas e de conseqüente subsídio do Sistema Único de Saú-

de e, por causa desta imprevisibili-

ARGUMENTO MAIS UTILIZADO PELAS EMPRESAS

de, que arca com as despesas dos

dade, que abarca riscos e incerte-

DE PLANOS DE SAÚDE PARA NEGAR O

atendimentos negados pelos planos

zas, torna-se impossível o planeja-

ATENDIMENTO...

mento do consumo futuro de assis-

de saúde. Quanto ao ressarcimento ao SUS,

tência à saúde. O tratamento e a

previsto na Lei 9.656/98, ainda não

cura, afirmam alguns juízes, não

se mostrou inteiramente viável na

são produtos que estão à venda no

prática. É irrisório o montante de

mercado; na verdade, os interessados compram serviços de atenção à saúde que deveriam sempre resultar na solução dos problemas de saúde, quando eles surgirem. Há quase duas décadas a sociedade decidiu, por meio das conquis-

SOBRE A RELAÇÃO COM

recursos destinados aos serviços

O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

públicos de saúde, via ressarcimento.

É possível supor que os limites

Desde março de 2005 todos os

de coberturas inscritos nos contra-

procedimentos previstos nos contra-

tos de planos de saúde, previstos na

tos de planos de saúde tornaram-se

legislação ou autorizados pela ANS

objeto de ressarcimento. Trata-se de

por meio de resoluções, são absor-

tas constitucionais, como gostaria

pequeno avanço em relação às nor-

vidos, em grande parte, pelo Siste-

de ver garantidos os direitos para

mas anteriores, que restringiam o

ma Único de Saúde (SUS). Assim,

ressarcimento aos casos de interna-

os seus cidadãos. Assim, precisam

pode-se afirmar que o SUS subsidia

ção e atendimentos de urgência e

ser revistos os valores e práticas –

o mercado de planos de saúde.

emergência dos beneficiários dos

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

243

SCHEFFER, MÁRIO

planos atendidos nas redes pública

mas estende-se principalmente ao

vre acesso ao sistema público de

e conveniada.

agendamento diferenciado, mesmo

saúde.

Os acórdãos estudados contêm

em se tratando de necessidades de

As exclusões praticadas pelos

demandas de alto custo e alta com-

saúde e atendimento de situações

planos de saúde revelam uma das

plexidade, sobretudo eletivas e não

clínicas semelhantes. Ao criar cida-

faces da iniqüidade do sistema de

urgentes. Como estas exclusões es-

dãos de primeira e segunda linha,

saúde brasileiro. A solução deste

tão previstas em contratos ou têm o

sem respaldo legal nem ético, a ‘du-

problema requer não só o aprimo-

respaldo da regulamentação, não

pla porta’ impõe a utilização priva-

ramento da regulamentação especí-

são passíveis de ressarcimento nem

da do equipamento público e afasta

fica, mas principalmente a revisão

tampouco são registradas as referi-

esses hospitais dos princípios de uni-

da relação público-privado na saú-

das informações. Assim, são neces-

versalidade e eqüidade - que são

de, que passa pela transformação

sárias mudanças na legislação para

diretrizes constitucionais - e da Lei

dos modelos assistenciais, de finan-

que tudo aquilo que de fato é aten-

Orgânica da Saúde.

ciamento e de prestação de serviços atualmente hegemônicos.

dido em hospitais públicos seja objeto de ressarcimento. As decisões analisadas apontam no sentido de que não há fundamento jurídico na maioria das exclusões de cobertura, tanto naquelas expressas nos contratos antigos quanto naquelas que encontram respaldo na regulação recente. A ampliação das situações de ressarcimento – por meio de mudanças na legislação –

AO CRIAR CIDADÃOS DE PRIMEIRA E SEGUNDA LINHA, SEM RESPALDO LEGAL NEM ÉTICO, A ‘DUPLA PORTA’ IMPÕE A UTILIZAÇÃO PRIVADA DO EQUIPAMENTO PÚBLICO E AFASTA ESSES HOSPITAIS DOS PRINCÍPIOS DE UNIVERSALIDADE E EQÜIDADE...

SOBRE UM NOVO INDICADOR DE QUALIFICAÇÃO O Programa de Qualificação no Setor de Saúde Suplementar, lançado pela ANS em 2005, pretende, segundo a Agência, incentivar a melhoria da atenção à saúde prestada

teria, assim, o respaldo da jurispru-

pelos planos de saúde. O presente

dência acumulada nos tribunais.

artigo traz elementos que podem vir a ser considerados pela ANS na cons-

Cabe citar a preocupação levantada por Scheffer e Bahia (op. cit):

É imprescindível, para o deline-

trução ou aprimoramento de indi-

na razão inversa do ressarcimento,

amento das políticas de saúde e para

cadores que satisfaçam aos usuári-

mas não menos eloqüente do ponto

o aperfeiçoamento da regulamenta-

os e da qualidade dos serviços pres-

de vista das distorções da relação

ção da saúde suplementar, explici-

tados pelas operadoras. As decisões

público-privado na assistência à

tar a utilização das unidades do SUS

judiciais de segunda instância, ali-

saúde suplementar, está a “dupla

por clientes de planos de saúde, seja

adas a outras informações, podem

porta” ou “fila-dupla” do SUS. Tra-

porque foi negado o atendimento

servir para o acompanhamento da

ta-se do atendimento a planos de

pela operadora, seja porque o hos-

evolução do desempenho de quali-

saúde nas unidades públicas, espe-

pital público tem convênio com o

dade das operadoras.

cialmente nos hospitais universitá-

plano de saúde, ou simplesmente

Para tal, a ANS teria que incor-

rios. A desigualdade não se resume

porque os usuários de planos exer-

porar, em sua prática, o monitora-

apenas a acomodações e hotelaria,

ceram o direito de cidadania de li-

mento permanente das ações contra

244 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados

os planos de saúde que tramitam na

monstra a utilização do meio exis-

lítica pública. Assim, é preciso se

Justiça , além de elaborar um novo

tente para fazer valer direitos des-

efetivar o controle social sobre o

indicador semelhante ao já utiliza-

respeitados.

setor, entendido como o controle dos

do em relação às reclamações registradas pelo Disque ANS.

Mas estas ações não são capazes de interferir na lógica do siste-

cidadãos e da sociedade sobre a política pública.

ma de saúde em vigor. No âmbito

Atualmente, os espaços legal-

do Judiciário, são muito pouco ex-

mente instituídos em torno do SUS,

SOBRE A NECESSÁRIA

ploradas as possibilidades de ações

os conselhos e as conferências de

AMPLIAÇÃO DO

coletivas, a exemplo das ações ci-

saúde, não têm sido acionados para

CONTROLE SOCIAL

vis públicas que podem ser movi-

tratar dos planos de saúde privados.

das pelo Ministério Público. Sejam

A exemplo do Conselho Nacional

Tornam-se necessárias mudanças

ações judiciais ou de controle soci-

de Saúde, que já discute o tema da

na concepção e no funcionamento

al, elas devem caminhar na perspec-

saúde suplementar em comissão

dos espaços da agência reguladora

específica, os conselhos estaduais e

destinados a ouvir a opinião da so-

municipais, sobretudo aqueles de

ciedade: Câmara de Saúde Suplemen-

Estados e cidades com grande con-

tar, consultas públicas, Ouvidoria e

centração de população usuária de

Disque ANS. Tais instâncias precisam se viabilizar como mecanismos democráticos de participação, para

A PROLIFERAÇÃO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS PARA EXIGIR COBERTURAS NEGADAS PELOS

que a sociedade não só tenha res-

PLANOS DE SAÚDE DEMONSTRA A UTILIZAÇÃO

postas adequadas, mas possa inter-

DO MEIO EXISTENTE PARA FAZER VALER

vir para a melhor solução de problemas que repercutem diretamente

planos de saúde, deveriam incorporar, em sua agenda permanente, o debate sobre a relação do SUS com a saúde suplementar. É necessário, ainda, romper a noção de que o segmento dos pla-

DIREITOS DESRESPEITADOS

nos de saúde e o SUS são dois siste-

em suas vidas, como é o caso da

mas que não se relacionam, diferen-

exclusão de coberturas.

ça hoje reiterada no plano legal e institucional. A aproximação entre

Há que se criar, sob a responsabilidade do órgão regulador, meca-

tiva de soluções coletivas que con-

as instâncias de regulação do siste-

nismos administrativos e alternati-

siderem o sistema de saúde como

ma público e da saúde suplementar

vas ágeis na solução de conflitos

um todo.

poderá trazer o potencial de forma-

A saúde é um item de relevância

lização de princípios e diretrizes

pública, um direito de cidadania e é

comuns a todos os componentes da

Este instrumento deve ser descen-

obrigação do Estado fornecer dire-

política nacional de saúde.

tralizado nos estados, com envolvi-

tamente ou regularmente a oferta de

O diagnóstico preliminar apresen-

mento dos gestores do SUS e dos

serviços de promoção e assistência

tado pelo presente estudo sobre ex-

órgãos de defesa do consumidor.

à saúde. Os planos de saúde priva-

clusões de coberturas dos planos de

A proliferação de demandas in-

dos são componentes do sistema

saúde levadas à Justiça aponta pos-

dividuais para exigir coberturas

nacional de saúde e, por isso, de-

sibilidades de desdobramentos para

negadas pelos planos de saúde de-

vem estar condicionados a uma po-

além da quantificação de ações ju-

relacionados à exclusão de coberturas.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005

245

SCHEFFER, MÁRIO

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247

GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia ARTICLES ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL

Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde Brazilian border towns and the Mercosur: characteristics and initiatives of cooperation in health

Luisa Guimarães1 Ligia Giovanella2

RESUMO Os municípios brasileiros fronteiriços são, em geral, de pequeno porte, com rede predominantemente de atenção primária, oferta hospitalar com-

Recebido: Mar./2006 Aprovado: Jun./2007

patível com a média nacional, mas não homogênea. Apresenta-se parte dos resultados de pesquisa, concluída em 2007 com o apoio do CNPQ, sobre acesso e demanda por serviços de saúde nessas localidades. Revisa-se a bibliografia sobre integração e MERCOSUL, apresentando-se a caracterização selecionada em bancos de dados de aspectos geográficos, demográficos e da rede de serviços destes municípios. Descrevem-se os resultados de estudos e de duas iniciativas de cooperação em saúde nas fronteiras. PALAVRAS-CHAVE: MERCOSUL; Saúde na Fronteira; Integração Regional.

ABSTRACT Doutoranda em Saúde Pública da

In general, Brazilian border towns are small and possess basic health

Escola Nacional de Saúde Pública

care and hospital networks which are in line with national average, al-

Sergio Arouca (ENSP), Fundação

though not homogenous. This article presents a portion of the results of a

Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Ministério

research study completed in 2007 with the support of the Brazilian Resear-

da Saúde, Rio de Janeiro.

ch Center about access and demand for health services in these locations.

E-mail:

The bibliography about integration into the Mercosur is revised, and infor-

1

[email protected].

mation is presented from databases about characteristics relative to geographic and demographic aspects as well as the service network present in

2

Pesquisadora titular ENSP ,

FIOCRUZ, Ministério da Saúde, Rio

these towns. The results of studies and of two health care initiatives for cooperation in border regions are described.

de Janeiro. E-mail: [email protected].

KEYWORDS: MERCOSUR, health care in border regions, regional integration

248 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde

INTRODUÇÃO

e para o fortalecimento das políti-

de saúde integral e humanizada na

cas nacionais de saúde.

fronteira, face ao avanço da integra-

O artigo é parte de estudos de-

Objetiva-se propiciar análise do

ção econômica no MERCOSUL. Uma

senvolvidos no Programa Doutora-

processo de integração como con-

versão preliminar deste artigo foi

do em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ/

texto, as características de municí-

apresentada no 10º Congresso Inter-

MS) sobre repercussões da integra-

pios fronteiriços como desafios e as

nacional do Centro Latino-america-

ção econômica regional nas políti-

iniciativas de cooperação fronteiri-

no de Administração para o Desen-

cas e sistemas de saúde. Aqui se

ça como potencialidades e discute

volvimento sobre Reforma do Esta-

trata especificamente da situação de

como a integração regional pode

do e da Administração Pública (GUI-

municípios brasileiros fronteiriços

somar-se à saúde para a redução

MARÃES

do MERCOSUL, nos segmentos com a

de desigualdades na fronteira.

Argentina, Paraguai e Uruguai, locais privilegiados para observar e

é formada por 69 municípios brasi-

fia sobre integração e conformação

leiros, distribuídos nos limites com Argentina, Paraguai e Uruguai. Nesse artigo é apresentada parte de re-

econômica regional, considerando

sultados de pesquisa concluída em

que os efeitos desta são percebidos Os processos de integração se

2007 com o apoio do CNPq, sobre

A INTEGRAÇÃO OCASIONA

acesso e demanda por serviços de

intensificaram com a globalização

NAS FRONTEIRAS AUMENTO DE FLUXOS,

e lentamente vem sendo construída

GERANDO TENSÕES E DESAFIOS DIVERSOS

uma agenda social pari passu à re-

PARA OS SISTEMAS LOCAIS DE SAÚDE

gulamentação da livre circulação

A linha de fronteira do MERCOSUL

Para tanto, revisa-se a bibliogra-

analisar impactos da integração

com antecipação e cotidianamente.

e GIOVANELLA, 2005).

saúde nestas localidades (GIOVANELLA ET AL.,

2007). A fronteira com a Ar-

gentina tem o maior número de municípios (36), a maioria com menos de 10 mil habitantes (24) e

de pessoas, mercadorias, serviços

no trecho correspondente ao Paraná

e capital (G UIMARÃES e G IOVANELLA

o maior número de leitos por habi-

2006). A integração ocasiona nas

tantes (3,5). A fronteira com o Para-

fronteiras aumento de fluxos, geran-

guai é a mais extensa (37%), predo-

do tensões e desafios diversos para

do MERCOSUL e apresenta-se a carac-

minam municípios de médio porte

os sistemas locais de saúde. Refle-

terização selecionada em bancos de

(16%), reside a maior parte da po-

tir sobre a situação de municípios

dados nacionais de aspectos geográ-

pulação fronteiriça do M ERCOSUL

fronteiriços, assim como observar

ficos, demográficos e da rede de

(43%), existe o maior número de

iniciativas de cooperação, contribui

saúde de municípios brasileiros

hospitais (49%) e o menor número

no MERCOSUL para análises específi-

fronteiriços. Destacam-se os resul-

de leitos por habitantes: 2,3, no Mato

cas de repercussões da integração

tados de estudo na tríplice fronteira

Grosso do Sul, e 2,6, no Paraná. A

nos sistemas de saúde, e pode in-

e registram-se duas iniciativas de

fronteira com o Uruguai é seca em

fluir na pauta de acordos e progra-

cooperação em saúde nas frontei-

um terço; tem o menor número de

mas voltados para regiões frontei-

ras, a partir de observação partici-

municípios do MERCOSUL (11), dos

riças, apoiar esforços de garantia

pante e informes. Nas considerações

quais seis são cidades-gêmeas; tem

de atenção integral e humanizada,

finais, discutem-se as perspectivas

a menor população fronteiriça resi-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

249

GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia

dente (25%); o segundo maior nú-

A integração européia busca re-

No MERCOSUL, a saúde é aborda-

mero de leitos hospitalares por ha-

forçar os objetivos dos sistemas de

da especificamente em duas estru-

bitantes (3,3); e de municípios sem

proteção social de combinar solida-

turas: Reunião de Ministros de Saú-

cobertura de saúde da família (7).

riedade com sustentabilidade, de

de (RMS), criada em 1995, e

Em resposta aos desafios locais,

introduzir incentivos de mercado

Subgrupo de Trabalho 11 Saúde

surgem iniciativas cooperativas

mantendo o papel do Estado e de

(SGT 11 Saúde), criado em 1996.

entre cidades fronteiriças de países

adotar inovações na organização e

Nestas, os debates contemplam te-

do MERCOSUL para o planejamento e

oferta de serviços (GUIMARÃES e GIO-

mas prioritários relacionados às li-

execução de atividades em saúde

VANELLA

2006; FIGUERAS ET AL., 2002).

berdades de circulação. Os consen-

que configuram espaços de ação

Fundado em 1991 por Argentina,

sos se expressam em acordos e re-

conjunta para a melhoria do acesso

gulamentação incorporada pelos

integral e humanizado à saúde.

Estados-parte (BRASIL, 2006). A pauta

NO MERCOSUL, A SAÚDE É ABORDADA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E

ESPECIFICAMENTE EM DUAS ESTRUTURAS:

CONSTITUIÇÃO DO MERCOSUL

REUNIÃO DE MINISTROS DE SAÚDE (RMS), CRIADA EM 1995, E SUBGRUPO DE TRABALHO 11 SAÚDE (SGT 11 SAÚDE), CRIADO EM 1996

O estabelecimento de relações econômicas privilegiadas tem cada

da saúde no MERCOSUL foi pouco a pouco ampliada para além de temas relacionados ao comércio de bens (MERCOSUL, 2005; LUCCHESE, 2001). No final do ano de 2006, foi aprovada na Reunião de Ministros da Saúde do MERCOSUL Proposta de Pro-

vez maior relevância política e so-

jeto de Cooperação Técnica Interna-

cioeconômica (OMS/OMC, 2002; BO-

cional. O objetivo geral dessa é

LIS,

2000). Os países elegem o grau

da integração que pretendem assumir (BASSO, 1998; ALTVATER e MAHNKOPF,

1996). A inclusão de temas soci-

ais na agenda regional é tardia, con-

Brasil, Paraguai e Uruguai, o MER-

identificar estrategias para la in-

objetiva a constituição gradu-

tervención en salud de fronteras, por

al de mercado comum com livre cir-

medio del análisis, desarrollo de expe-

culação de bens, serviços, pessoas

riencias y sistematización de las mis-

COSUL

e capitais, como no caso europeu

mas, de manera de contribuir el desarrollo de los Sistemas Locales de Salud

tudo, os ajustes para implementar

(VENTURA, 2003; BASSO, 1998). Cinco

integrando acciones de salud de las

os acordos econômicos repercutem

países são Estados Associados do

Fronteras de los Estados Partes del MER-

nas políticas de saúde de modo in-

Mercosul: Bolívia, Chile, Colômbia,

COSUR

tencional e não intencional (BUSSE,

Equador, Peru. A Venezuela passou

Ao afirmar a tese de que se (…)

WISMAR e BERMAN 2002; LEIDL, 1998).

em 2006 à categoria de Estado-par-

considera que la salud es un factor

te (BRASIL, s/d a; BRASIL, s/d b).

250 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

(URUGUAY)

Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde

favorecedor de la integración regi-

tural específicas (BARCELLOS et al.,

fronteira com a Argentina é de 1.263

onal y que acciones concretas en

2001). Nas fronteiras, as identida-

km, dos quais 2% são secos; com o

fronteras contribuirán a ese propó-

des nacionais são diluídas e na saú-

Paraguai é de 1.339 km, dos quais

sito general os Países destacam a

de impõem a realização articulada

31% são secos; e com o Uruguai é

importância das correlações entre

de atividades de negociação e de

de 1.003 km, dos quais 30% são se-

integração econômica regional e

identificação e uso de recursos para

cos (FIOCRUZ, 2007). A fronteira bra-

saúde (URUGUAY).

alcançar efetividade e adequada

sileira com o MERCOSUL totaliza 3.605

provisão de ações face às particu-

km e representa cerca de um quinto

laridades mantidas pela barreira de

da fronteira continental do País. Nos

fronteira e as diferenças normati-

municípios fronteiriços residem

ESPECIFICIDADES DOS MUNICÍPIOS FRONTEIRIÇOS DO MERCOSUL Os movimentos de integração tendem a aumentar fluxos, primeiro e com maior intensidade, nas cidades fronteiriças, onde mais que diferenças de língua e cultura, dáse a convivência cotidiana entre sistemas políticos, monetários, de se-

0,82% da população total brasilei-

NAS FRONTEIRAS, AS IDENTIDADES NACIONAIS

ra, a maior parte na fronteira com

SÃO DILUÍDAS E NA SAÚDE IMPÕEM A REALIZAÇÃO

o Paraguai (43%) e 55% das cidades

ARTICULADA DE ATIVIDADES DE NEGOCIAÇÃO E DE IDENTIFICAÇÃO E USO DE RECURSOS PARA ALCANÇAR EFETIVIDADE E ADEQUADA PROVISÃO DE AÇÕES FACE ÀS PARTICULARIDADES MANTIDAS PELA BARREIRA DE FRONTEIRA E AS DIFERENÇAS NORMATIVAS E DE DIREITOS

gurança, de proteção social distin-

têm até 10 mil habitantes (ver Tabela 1). É território que, devido ao dinamismo, tem importância significativa no processo de integração (BRASIL, 2005). Foz do Iguaçu, no Paraná, com cerca de 300 mil habitantes é a mais populosa de toda

tos, geradores de tensões e contra-

vas e de direitos. As características

fronteira brasileira e apenas dois

dições entre as realidades local e

locais configuram segmentos defi-

municípios brasileiros fronteiriços

regional e o conjunto de instituições,

nidos da fronteira (BARCELLOS, ET AL.,

têm mais de cem mil habitantes,

normas e práticas dos países (BAR-

2001).

ambos no Rio Grande do Sul: Bagé

et al., 2001; BOLIS, 1999; CIC-

As paisagens da fronteira brasi-

(cerca de 120 mil) e Uruguaiana (cer-

COLELLA, 1994). As bordas dos países

leira com o MERCOSUL conformam

ca de 130 mil). Onze municípios

– os limites – são territórios dinâ-

territórios variados que ora apro-

fronteiriços do MERCOSUL estão entre

micos que constituem unidades com

ximam e ora afastam as populações

aqueles com maiores taxas médias

trocas espacial, demográfica, soci-

fronteiriças e criam interações e di-

de homicídios na população total

oeconômica, epidemiológica e cul-

nâmicas diversas (BRASIL, 2005). A

(WAISELFISZ, 2007).

CELLOS

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

251

GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia

TABELA 1 – Características dos municípios brasileiros fronteiriços com Argentina, Paraguai e Uruguai, 2005.

Da rede de serviços públicos de saúde na linha de fronteira do MERCOSUL

constam 70 estabelecimentos

hospitalares, dos quais apenas nove são de natureza pública e os demais são contratados (FIOCRUZ , 2007). Quase metade dos hospitais (49%) localiza-se na fronteira com o Paraguai, concentrados junto ao Paraná (ver Tabela 2). Na fronteira do MERCOSUL, a oferta de leitos na rede pública é de 2,9 leitos por mil habitantes, entretanto, esta varia de 2,3 no segmento de Mato Grosso do Sul com o Paraguai até 3,5/1.000 habitantes no trecho Paraná com a Argentina. A estratégia de saúde da família está implantada em mais da metade dos municípios fronteiriços com coberturas entre 81 a 100% da população. Os municípios fronteiriços são, portanto, dependentes, para a garantia da integralidade da atenção, Contagem populacional para os anos intercensitários (IBGE, 2004); 2 Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2003); 3Ministério da Integração Regional (Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, 2005).

1

Fonte: Elaboração própria com base nas informações do Relatório Consolidado da Pesquisa Saúde nas Fronteiras: estudo do acesso aos serviços de saúde nas cidades de fronteira com países do MERCOSUL, NUPES/DAPS/ENSP/FIOCRUZ/Pesquisa Saúde na Fronteira (FIOCRUZ 2007).

252 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

de serviços especializados e de referência localizados em outros municípios.

Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde

TABELA 2 – Características da rede pública de serviços de saúde nos municípios brasileiros fronteiriços com Argentina, Paraguai e Uruguai, 2005

ESTUDOS E EXPERIÊNCIAS DE COOPERAÇÃO EM SAÚDE NAS FRONTEIRAS DO MERCOSUL A análise da rede de serviços de saúde na tríplice fronteira – Puerto Iguazú/Argentina, Foz de Iguaçu/ Brasil e Ciudad del Este/Paraguai – traça detalhado perfil epidemiológico, populacional, de recursos (humanos, infra-estrutura, equipamentos, financeiros), modelos estrutural e funcional da rede de serviços de saúde (OPAS/OMS, 2002). Os indicadores de saúde refletem iniqüidades socioeconômicas, semelhanças no perfil epidemiológico, diversidades no perfil da rede, nos recursos disponíveis e no modelo de atenção e déficits na troca de informações. A maior parte dos atendimentos derivados a outro país é espontânea e não formalizada. As propostas apontam para estratégias locais e regionais de cooperação e articulação entre redes assistenciais, capacitação e intercâmbio de informações em conformidade com as políticas e os sistemas de saúde de cada país. Destaca-se a importância de um marco político para ações regionais e locais com prioridades sanitárias, coberturas programáticas e mecanismos de financiamento considerando a situação de fronteira (idem). Na paisagem da fronteira, inici-

Fonte: Elaboração própria com base nas informações do Relatório Consolidado da Pesquisa Saúde nas Fronteiras: estudo do acesso aos serviços de saúde nas cidades de fronteira com países do MERCOSUL, NUPES/DAPS/ENSP/FIOCRUZ/Pesquisa Saúde na Fronteira (FIOCRUZ 2007).

ativas de cooperação em saúde entre governos mostram-se como observatórios de repercussões da in-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

253

GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia

tegração. Uma destas iniciativas é

mam cerca de 200 mil habitantes

câmbios e fluxos, impõe na saúde

o Grupo de Trabalho para Integra-

(NAVARRETE, 2006). O Comitê de Saú-

a articulação de estratégias para a

ção das Ações de Saúde na Área de

de foi conformado a partir do Pri-

efetivação de programas e políticas

Influência da Itaipu –GT Itaipu Saú-

meiro Encontro Binacional de Fron-

públicas nacionais. São espaços que

de –, criado em 2003, pela Empre-

teiras Brasil-Uruguai realizado em

vão se afirmando frente ao desafio

sa Pública Itaipu Binacional é inte-

2005 e organizado pelo Conselho de

comum de implantar prioridades

grado por representantes dos gover-

Saúde de Sant’Ana do Livramento.

nacionais no território de fronteiras.

nos locais, regionais e nacionais da

O debate entre as duas localidades

Tais iniciativas têm promovido par-

saúde do Brasil e do Paraguai e tem

sobre questões de saúde concen-

ticipação e debate com atores locais

caráter consultivo. Com atuação na

trou-se em temas de atenção à saú-

sobre o processo de integração re-

área de influência do Lago de Itai-

de, vigilância, direitos sexuais e re-

gional e as problemáticas da saúde

pu, articula ações de saúde entre

produtivos. O Comitê atua como

na fronteira.

28 municípios brasileiros e 31 pa-

organismo de controle social e de

raguaios, que totalizam cerca de um

CONSIDERAÇÕES FINAIS

milhão e meio de habitantes. O objetivo do GT Itaipu Saúde é melhorar, com apoio da Empresa, a qualidade das ações de saúde na fronteira mediante planejamento e execução de atividades conjuntas prioritárias das políticas nacionais de saúde, com atenção para especificidades regionais. Diagnóstico rea-

FALTA DETALHAR DE CADA LADO DA FRONTEIRA IMPLICAÇÕES ORGANIZACIONAIS E FINANCEIRAS, DEMANDAS E ATENÇÃO PRESTADA, INSTRUMENTOS PARA A GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE NA REDE ASSISTENCIAL PARA NÃO RESIDENTES ...

lizado pelo GT identificou os princi-

As repercussões da integração econômica regional nas políticas e sistemas de saúde de cidades fronteiriças do MERCOSUL ainda estão insuficientemente descritas, para implicar atores na busca de soluções objetivas nos debates regionais. Fal-

pais problemas na fronteira: infor-

ta detalhar de cada lado da frontei-

mação, atenção primária e de mé-

ra implicações organizacionais e fi-

dia complexidade, cultura partici-

nanceiras, demandas e atenção pres-

pativa, articulação interinstitucio-

fomento de atividades conjuntas nas

tada, instrumentos para a garantia

nal e recursos humanos. Elaborou-

políticas públicas em ambas as ci-

do direito à saúde na rede assisten-

se um plano de ação a ser empreen-

dades, integrado por representantes

cial para não residentes, e tratar da

dido cooperativa e conjuntamente,

de diferentes segmentos institucio-

participação dos governos locais

abordando sistemas e serviços, vi-

nais e da sociedade civil organiza-

nas relações bi e multilaterais. Es-

gilância, informação, educação per-

da.

tes fatores combinados têm corresAmbas as iniciativas configuram

pondência na compreensão do pro-

Outra iniciativa de cooperação é

espaços de debate e planejamento

blema e na formulação de alterna-

o Comitê Binacional de Saúde

de atividades reconhecendo as di-

tivas, as quais podem tender para

Sant’Ana do Livramento e Rivera,

versidades entre os sistemas sani-

aspectos financeiros ou distanciar

cidades-gêmeas do segmento Rio

tários de saúde e a integração regi-

pautas regionais do cotidiano da

Grande do Sul e Uruguai que so-

onal que, ao incrementar os inter-

fronteira.

manente e saúde indígena.

254 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde

As garantias de saúde são im-

e heterogêneo, em parte influencia-

Projetar avanços do MERCOSUL a

portantes em processos de integra-

do por aspectos estruturais, priori-

partir da perspectiva e experiências

ção econômica, como demonstra a

dades e critérios de distribuição de

de cidades fronteiriças evidencia que

União Européia. No MERCOSUL, a in-

recursos.

a convivência com a diversidade, ao

clusão de temas sociais no debate

Embora seja prematuro traçar

lado da construção da integração,

regional vem se consolidando. Fren-

um perfil definitivo de repercussões

te ao perfil dos municípios frontei-

da integração econômica regional

abre caminho para iniciativas coo-

riços brasileiros e à luz do estudo e

sobre as políticas e serviços de saú-

iniciativas de cooperação fronteiri-

de de municípios fronteiriços e se-

ça em saúde aqui apresentados é

jam necessários estudos sobre mo-

possível afirmar que no MERCOSUL é

delo de atenção, sistemática de or-

fundamental permear o debate po-

ganização e de acesso nas políticas

lítico da integração com as reper-

de saúde de cada Estado-parte,

cussões nos sistemas e serviços de

perativas locais. As duas iniciativas aqui apresentadas oferecem elementos para a formulação de estratégias para fronteiras no MERCOSUL, entre os quais: monitoramento de condições de saúde, intercâmbio de informações, aproximação entre práticas sanitárias, oferta de capa-

saúde, de modo que avanços daquela não impliquem em acentuar de-

citação conjunta, criação de condi-

sigualdades na saúde. As iniciati-

ções de apoio mútuo. As experiên-

vas do GT Itaipu Saúde e do Comitê

cias indicam a importância de for-

de Saúde de Sant’Ana do Livramento e Rivera revelam que temas cotidianos de comunidades e de serviços de saúde fronteiriços devem se

AS GARANTIAS DE SAÚDE SÃO IMPORTANTES EM PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA, COMO DEMONSTRA A UNIÃO EUROPÉIA

talecimento de mecanismos jurídicos internacionais para a atuação articulada e cooperativa em saúde na fronteira.

incorporar à agenda e às estratégi-

As iniciativas fronteiriças de-

as local, regional e multilateral da

monstram que acordos bilaterais em

integração.

saúde podem ser considerados eta-

As características gerais apre-

pas preparatórias para os entendi-

sentadas e da rede dos municípios

mentos multilaterais e que dispor

brasileiros fronteiriços do MERCOSUL,

sabe-se que estes condicionam pa-

ainda que não exaustivas, ilustram

drões da busca por serviços na ci-

as múltiplas faces da fronteira que

dade vizinha de fronteira. Cidades

compõem segmentos não uniformes.

fronteiriças têm concretizado a ar-

Na perspectiva interna do Brasil, os

ticulação local, ainda com autono-

segmentos fronteiriços são diferen-

mias diferenciadas e graus varia-

ciados entre os estados federados,

dos de dependência das instâncias

mas de saúde, apóia programas e

exibindo contrastes dentro de um

nacionais. A descentralização do

contrapõe mecanismos informais.

mesmo estado, como é o caso do

sistema de governo brasileiro leva

Os valores de universalidade, inte-

Rio Grande do Sul e do Paraná. A

os municípios a acumularem res-

gralidade, equidade, e participação

oferta de serviços e as coberturas

ponsabilidades e autonomias signi-

social podem ser fortalecidos com

apresentadas exibem perfil desigual

ficativas na gestão da saúde.

um modelo de integração econômi-

de recursos financeiros e estratégicos para o planejamento conjunto na fronteira incentiva a cooperação e solidariedade. Além de fortalecer os entes locais na gestão dos siste-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

255

GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005

257

MENDES, Nogueira & MARQUES,ARTICLES Rosa Maria ARTIGOSÁquilas ORIGINAIS / ORIGINAL

O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS The impact of the Lula government economic policy on Social Security and the Unified Health System

Áquilas Nogueira Mendes1 Rosa Maria Marques2

RESUMO O artigo discute a relação entre a política econômica do governo Lula (especialmente a adoção do regime de metas de inflação e a busca de ele-

Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007

vados superávits primários) e o financiamento da Seguridade Social e do Sistema Único de Saúde - SUS. De forma específica, evidencia que o resultante dessa política - baixo crescimento, manutenção de elevadas taxas de juros, precarização do mercado de trabalho, redução do gasto público – impede o crescimento das receitas e recursos como seria necessário, o que compromete a plena aplicação dos princípios do SUS. Apesar disso, alguns avanços são apontados, como o crescimento da cobertura do Programa de Saúde da Família. PALAVRAS-CHAVE: política econômica; seguridade social; SUS

ABSTRACT The article discusses the relationship between the economic policy of the Lula government (especially the adoption of inflation targets and the Professor Doutor do Departamento de Economia da PUCSP e da Faculdade de Economia da FAAP/SP, vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde e coordenador da Coordenadoria de Gestão de Políticas Públicas do Centro de Estudos e Pesquisa de Administração Municipal – Cepam/SP. E-mail: [email protected] 1

attempt to achieve high primary surplus) and the funding of the Social Security system and Unified Health System (SUS). It demonstrates in a specific manner that the results of this policy – low economic growth, maintenance of high interest rates, instability of the job market, reduction in public spending — prevents the increase in revenue and resources as would be necessary, thus compromising the full application of the SUS principles. Despite this, some advances are identified, such as

Professora Titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pósgraduados em Economia Política da PUCSP Departamento de Economia – PUC-SP E-mail: [email protected] 2

the increased coverage of the Family Health Program. KEYWORDS: Economic Policy; Social Security; Unified Health System

258 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS

APRESENTAÇÃO

receitas da Previdência Social e dis-

mo de divulgação na grande im-

cute como os fundamentos da polí-

prensa, que trataram de sua políti-

Esse artigo tem como objetivo

tica econômica se concretizam em

ca econômica. Afinal, entre outros

discutir de que forma a política

proposições que visam a alterar o

motivos, tratava-se de acompanhar

macroeconômica do primeiro gover-

quadro legal de vinculação de re-

a experiência de quem havia sido

no Lula condicionou as condições

ceitas para a Seguridade Social e o

eleito exatamente para mudá-la,

de financiamento de dois importan-

amplo consenso construído em re-

promovendo o crescimento econô-

tes ramos da Seguridade Social: a

lação ao financiamento do SUS.

mico, o emprego, além da redistri-

Previdência e a Saúde. Em geral, o

É da compreensão de que a po-

buição da renda e da riqueza. Con-

acompanhamento das tensões entre

lítica econômica subordina o soci-

tudo, desde os primeiros momentos,

a área econômica e os ministérios

al no país que se pode, de fato, uni-

ficou claro que, em matéria de po-

responsáveis pela aplicação das

ficar a luta pela retomada dos prin-

lítica econômica, Lula, no lugar de

políticas desses ramos, evidentes na

cípios do SUS com aquela de um

implementar uma transição para

época em que a Lei de Diretrizes

um novo modelo, defendida duran-

Orçamentária é elaborada, restrin-

te a campanha eleitoral, não só ha-

ge-se em destacar o tamanho do

via mantido a política macroeconô-

déficit da Previdência (questionado por muitos) e a demonstrar como, mais uma vez, a equipe econômica procura introduzir, como se fossem da saúde pública, gastos que não têm natureza nenhuma com as ações e serviços contemplados pelo SUS. Compreendendo que é preciso ir

Lula, no lugar de implementar uma transição para um novo modelo (...) não só havia mantido a política macroeconômica do segundo mandato de (...) FHC, como a havia aprofundado ...

mica do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso – FHC, como a havia aprofundado, o que fica evidente com a manutenção do compromisso de promover superávit fiscal primário, o que é descrito mais a seguir. Em linhas gerais, a política macroeconômica foi fundamentada no

além dessas constatações e denún-

regime de metas de inflação; na ele-

cias - mas sem desmerecê-las, pois

vação do superávit primário; e na

elas foram fundamentais na reversão das tentativas que ocorreram durante o governo Lula, como se

crescimento sustentável, com distribuição de renda e riqueza.

quais são os pilares da política econômica do governo, e descrever,

flutuante. No ‘regime de metas de inflação’, de origem neoclássica, o nível de inflação constitui o princi-

verá adiante – este artigo procura, num primeiro momento, esclarecer

manutenção do regime de câmbio

pal objetivo a ser atingido, de for-

A POLÍTICA ECONÔMICA

ma que todas as demais variáveis

DO GOVERNO LULA1

econômicas a ela devem se subor-

mesmo que brevemente, quais fo-

dinar. Assim, sempre que os direto-

ram os resultados dessa política.

Durante os quatro anos do pri-

res do Banco Central - Bacen - con-

Numa segunda parte, destaca o

meiro governo Lula, não foram pou-

sideravam que havia uma tendên-

impacto desses resultados sobre as

cos os artigos acadêmicos, e mes-

cia de a inflação superar a meta

1

Esta parte e a próxima se beneficiaram largamente de Sanchez et al (2006) e Marques e Nakatani (2007).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

259

MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria

fixada, elevava-se a taxa básica de

Produto Interno Bruto - PIB, por li-

para reduzir a dívida externa pú-

juros (taxa Selic, determinada pelo

vre iniciativa do governo Lula, no

blica, como para diminuir a parce-

Comitê de Política Monetária do

ano de 20032. Durante o governo

la da dívida interna corrigida pela

Bacen), para com isso deprimir a

anterior, esse esforço girou em tor-

variação cambial. Além disso, os

demanda agregada. É isso que ex-

no de 3,5% do PIB e o acordado com

resultados derivados da redução do

plica os ciclos de aumento e de re-

o FMI havia sido de 3,75%. Para os

gasto público foram em parte anu-

dução da taxa de juros vivenciados

anos seguintes, embora a meta não

lados pela elevação do peso da con-

nos últimos quatro anos. No início

tenha sido formalmente ampliada,

ta juros, provocada pelo aumento

do governo, frente à tendência al-

o superávit primário ficou em cer-

e/ou manutenção de alta taxa bási-

tista dos preços, a taxa de juros foi

ca de cerca de 4,6% do PIB em 2004,

ca de juros. Dessa forma, os juros

elevada para 25,5% em janeiro e

e de 4,8% em 2005.

nominais devido pelo setor públi-

26,5% em fevereiro de 2003. Já par-

Apesar desse esforço, a dívida

co, que eram de 8,5% do PIB em

tir de junho, estando a inflação sob

mobiliária federal (títulos públicos

2002, e já eram bem elevados, au-

controle, inicia-se uma redução gra-

mentaram para 9,3% do PIB em 2003,

dual desta taxa, até que essa atin-

mas fecharam 2005 com 8,12%. A

gisse 16% em abril de 2004. Mas, a

diferença entre esses percentuais e

partir de setembro desse ano, novos aumentos da taxa básica de juros começariam, até que essa batesse 19,75% em maio, ficando assim até setembro, quando tem início uma nova rodada de reduções, de forma que, em outubro de 2006, a taxa básica de juros chegou a

A combinação do esforço fiscal com as elevadas taxas de juros resultou em baixo crescimento econômico, aumento das rendas dos detentores de riqueza financeira e contínua pressão sobre os gastos sociais...

os do superávit primário resultou em ‘rolagem’ de parte dos juros devidos. Em outras palavras, ao atrelar os juros básicos à meta inflacionária, o governo impediu que sua política fiscal restritiva fosse plenamente eficaz. A combinação do es-

13,75%. Comparada à de fevereiro

forço fiscal com as elevadas taxas

de 2003, essa taxa estava 12,75

de juros resultou em baixo cresci-

pontos percentuais menor do que

mento econômico, aumento das ren-

aquela. Mesmo assim, continuava

fora do Bacen) continuou a aumen-

das dos detentores de riqueza finan-

extremamente alta, para qualquer

tar: de R$ 623 bilhões em 2002, fe-

ceira e contínua pressão sobre os

padrão internacional que se adote.

chou 2005 com R$ 980 bilhões. Já a

gastos sociais, como se verá adian-

Em relação ao ‘superávit primá-

dívida líquida do setor público, de

te.

rio’, medida de esforço fiscal que

55,5 % do PIB em dezembro de 2002,

A manutenção do ‘regime de

visa o pagamento do serviço da dí-

caiu para 51,5% em dezembro de

câmbio flutuante’, por sua vez, re-

vida, adotado no governo FHC no

2005 e, em agosto de 2006, estava

sultou em extrema valorização do

momento da negociação com o Fun-

em 50,3% do PIB. Essa queda de-

real, sem que as compras de dólar

do Monetário Internacional – FMI,

veu-se especialmente à revaloriza-

realizadas pelo Bacen tenham con-

esse foi aumentado para 4,25% do

ção do real, que contribuiu tanto

seguido alterar essa situação. As-

Esse aumento foi anunciado em 28 de fevereiro, mediante a Carta de Intenção enviada ao FMI. Para sua efetivação, o governo Lula promoveu cortes no orçamento da União de R$ 14,1 bilhões, o que reduziu a disponibilidade dos ministérios da área social em 12,44%.

2

260 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS

sim, à parte os primeiros meses do

tações foi de 11,6%. Dessa maneira,

da participação dos produtos bási-

governo Lula, o câmbio registrou

aumentou a dependência do país

cos no total das exportações, o fato

quedas contínuas.

com relação à performance do res-

de que parte dos manufaturados

to do mundo, principalmente da

apresenta baixa ou média intensi-

China demandante de commodities.

dade tecnológica, o que dá um sen-

Além disso, diversos economistas

tido mais amplo à utilização do ter-

passaram a dizer que o aumento da

mo ‘reprimarização’.

OS PRINCIPAIS RESULTADOS ECONÔMICOS

participação relativa de produtos

O mau desempenho econômico

Durante o primeiro governo

com baixo valor adicionado na pau-

ocorrido no primeiro ano do gover-

Lula, a evolução do PIB seguiu sua

ta de exportação configura uma cer-

no Lula provocou redução de 12,6%

trajetória anterior, indicando a difi-

ta ‘reprimarização’ dessa mesma

do rendimento médio habitual5 real

culdade da economia brasileira em

pauta3. Os produtos básicos que

do trabalhador brasileiro em rela-

crescer de forma continuada no qua-

representavam, em 2000, 22,8% do

ção a 2002. Essa redução foi obser-

dro dos marcos da política macroe-

vada em todas as categorias de ocu-

conômica implementada: expansão

pação, apesar de as mais organiza-

de apenas 0,5% em 2003, de 4,9%

das terem firmado acordos de rea-

em 2004 e de 2,3% em 2005. Em dezembro de 2006, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA — estimava que o crescimento do PIB em 2006 seria de 2,8%. Nesses anos, o crescimento, mesmo que pequeno do PIB, foi principalmente fundado na expansão das

Durante o primeiro governo Lula, a evolução do PIB seguiu sua trajetória anterior, indicando a dificuldade da economia brasileira em crescer de forma continuada...

juste salarial favoráveis no segundo semestre, quando o nível de atividade se recuperou um pouco. Nesse primeiro ano, ainda, a taxa média de desemprego aberto das cinco regiões metropolitanas, calculada pelo IBGE (IBGE, 2002), registrou aumento (12,3%; quando era

exportações que, apesar da valori-

11,7% em 2002). Em 2004, muito

zação do real, aumentaram signifi-

embora a economia tenha crescido

cativamente durante todo o primeiro governo Lula. Em 2005, por

total do valor das exportações, ti-

4,9%, o rendimento médio real dos

exemplo, o setor agropecuário ex-

veram sua participação elevada

ocupados recuou mais 0,7%, mas a

pandiu-se somente 0,8%, a indústria

para 29,3% em 2005. Já a contribui-

taxa média de desemprego no ano

,2,5% e os serviços, 2,0%. Do lado

ção dos produtos semimanufatura-

caiu para 11,5%. Em 2005, o rendi-

da despesa, o consumo das famíli-

dos e dos manufaturados se redu-

mento médio habitual real apresen-

as cresceu 3,1%, a formação bruta

ziu, passando de 15,4% para 13,5%,

tou uma pequena recuperação, cres-

do capital fixo, 1,6%, as importa-

e de 59% para 55,1%, no mesmo pe-

cendo 2% em relação ao ano anteri-

ções, 9,5% e o consumo do gover-

ríodo, respectivamente . Soma-se a

or. Esse desempenho, contudo, não

no, 1,6%. Já a expansão das expor-

esse movimento, de intensificação

atingiu os trabalhadores com car-

4

3

Ver Belluzzo e Carneiro, 2003.

4

O total não atinge os 100% devido às operações especiais.

5

No cálculo do rendimento habitual não são consideradas as horas extras, os atrasados, as férias, etc.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

261

MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria

teira assinada, os quais sofreram

para a situação de dezembro de

ou mais no trabalho principal, não

redução de 0,8% em seu rendimen-

2002 com a de setembro de 2006.

contribuiam para qualquer institu-

to médio habitual real (em 2004 ele

Contudo, vale mencionar que a re-

to de previdência.

havia aumentado 0,3% e, em 2003,

cuperação de seu valor teve início

havia se reduzido em 4,9%). Nesse

durante o governo FHC. Dessa for-

ano, a taxa média de desemprego

ma, se compararmos o referido va-

continuou a cair, registrando 9,8%.

lor ao de 1995, constatamos que

Em relação ao rendimento, vale

houve um aumento de 97% em ter-

salientar ainda que, além do rendi-

mos reais. Nos primeiros dois anos

O primeiro aspecto destacável,

mento médio real habitual dos ocu-

do governo Lula, o processo de re-

entre a relação da política macroe-

pados ter registrado redução duran-

cuperação foi desacelerado, reto-

conômica do governo Lula e a ‘Se-

te o primeiro governo Lula, apro-

mando fôlego em 2005 e 2006.

guridade Social’, foi a extensão da

O IMPACTO DA POLÍTICA ECONÔMICA E DE SEUS RESULTADOS NA SEGURIDADE SOCIAL E NO SUS.

fundou-se o processo de concentra-

vigência da Desvinculação das Re-

ção dos ocupados nas faixas de ren-

ceitas da União – DRU6 para 2007.

da mais baixas. Considerando-se o rendimento principal dos ocupados com 10 anos ou mais, 89,9% recebiam até 5 salários mínimos em 2004. Em 2002, esse percentual era de 87,6% (IBGE, 2002). Embora o salário mínimo não seja reflexo direto da política macroeconômica adotada, e sim resultado de uma decisão política de

O primeiro aspecto destacável, entre a relação da política macroeconômica do governo Lula e a ‘Seguridade Social’, foi a extensão da vigência da Desvinculação das Receitas da União – DRU para 2007

No momento da criação desse dispositivo, em 1994, durante o primeiro governo FHC, houve franca oposição dos setores comprometidos com a Seguridade Social, e o Partido dos Trabalhadores fechou questão contra sua aprovação no Congresso Nacional. Por isso, os setores que apoiaram a eleição de Lula em 2002 esperavam que o novo governo desse fim a esse dispositi-

governo, o fato de o piso dos bene-

vo. Contudo, não foi isso que acon-

fícios previdenciários e o Benefício

Um outro elemento importante

teceu: no bojo da reforma tributá-

de Prestação Continuada serem de-

que deve ser registrado, e que tem

ria encaminhada pelo governo e

finidos por ele, justifica seu desta-

reflexo sobre a Seguridade Social,

aprovada em 2003, ficou definida

que nesta parte do artigo. Vale lem-

diz respeito ao grau de precariza-

sua vigência até 2007.

brar que apesar de o governo não

ção das relações de trabalho. Em

No ano de 2004, o volume de

ter cumprido sua promessa de cam-

2005, segundo a Pesquisa Nacional

recursos assim desviados da Segu-

panha de dobrar seu valor real, pro-

de Amostra por Domicílios (PNAD),

ridade Social totalizou R$ 24,9 bi-

moveu um aumento de 40% em seu

realizada pelo IBGE( IBGE, 2005),

lhões, o que correspondeu a 77,5%

poder aquisitivo, quando se com-

52,8% dos ocupados, com 10 anos

do gasto realizado pelo governo fe-

6 Permite que 20% das receitas de impostos e contribuições sejam livremente alocados pelo governo federal, inclusive para pagamento dos juros da dívida. Na época de sua criação, em 1994, chamava-se Fundo Social de Emergência; em 1997 foi renomeado como Fundo de Estabilização Fiscal e, em 2000, finalmente seu nome passa a expressar seu verdadeiro conteúdo – Desvinculação das Receitas da União.

262 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS

deral em saúde nesse ano. Em 2005,

expansão observada nesse último

tor privado, segurados pelo RGPS.

foram R$ 32,129 bilhões, isto é, 93%

ano deveu-se ao comportamento

Essa contribuição, que fere o prin-

do gasto em ações e serviços de

favorável do mercado de trabalho

cípio previdenciário de reciprocida-

saúde, efetuados pelo Ministério da

formal, à ação da Secretaria da Re-

de, somente incide a partir de um

Saúde (ANFIP, 2005). Desnecessário

ceita Previdenciária principalmente

determinado valor de aposentado-

dizer que os recursos desvincula-

na recuperação de créditos junto a

ria. À introdução de um valor má-

dos mediante a DRU alimentam a

devedores, e à elevação do teto da

ximo para a aposentadoria dos fun-

formação do superávit primário,

contribuição.

cionários públicos, foi associada a

descrito na parte 1 deste artigo. Para

Ainda em relação à Previdência,

criação de fundos de pensão, os

o segundo mandato do governo

o governo promoveu, em seu pri-

quais, assim como para os traba-

Lula, as expectativas são ainda

meiro ano de mandato, uma refor-

lhadores do setor privado, podem

mais desanimadoras, pois integran-

ma no regime pertinente aos funci-

ser organizados e administrados por

tes de seu governo, vinculados à

onários públicos. Essa reforma re-

sindicatos e pelas centrais sindicais

esfera econômica, falam em aumen-

(MARQUES e MENDES, 2004). Até o

tar o percentual da desvinculação

momento, contudo, eles não foram

para cerca de 40%.

regulamentados, pois a legislação

Em relação à ‘Previdência Social’ do Regime Geral - RGPS, o impacto da economia se fez sentir principalmente sobre a receita das contribuições. Essas, resultantes da aplicação de alíquotas sobre a massa salarial dos ocupados junto ao mercado de trabalho formal, senti-

...o crescimento da arrecadação líquida das contribuições não foi suficiente para dar conta da defasagem existente entre as receitas e as despesas previdenciárias ...

necessária não foi ainda objeto de discussão e aprovação. Vale ressaltar que essas medidas foram de encontro com a tradição e o posicionamento dos representantes do PT em momentos anteriores, quando da reforma da Previdência encaminhada por FHC.

ram o peso da informalidade e o

Evidentemente, como o cresci-

elevado desemprego, principalmen-

mento da arrecadação líquida das

te nos anos em que a economia apre-

contribuições não foi suficiente para

sentou os piores resultados, estan-

tirou direitos dos servidores, ao in-

dar conta da defasagem existente

do longe de evoluir de acordo com

troduzir um teto para o valor do

entre as receitas e as despesas pre-

as taxas de crescimento de décadas

benefício (anteriormente o valor da

videnciárias, membros do governo,

anteriores. Mesmo assim, o total da

aposentadoria correspondia ao va-

logo depois da reeleição de Lula,

arrecadação líquida, depois de ter

lor do provento, não sofrendo redu-

têm firmado um diálogo intenso

decrescido em 2003, com relação ao

ção). Além disso, o governo implan-

com a mídia sobre um possível en-

ano anterior, aumentou 9,3% em

tou uma contribuição sobre o valor

caminhamento de novo projeto de

2004 e 9,4% em 20057. Segundo o

da aposentadoria para os servido-

reforma da Previdência, desta vez

Ministério da Previdência Social, a

res e para os trabalhadores do se-

alterando as condições de acesso à

a arrecadação líquida foi de R$ 92,3 bilhões em 2003; R$ 100,9 bilhões em 2004 e R$ 110,4 bilhões em 2005, a valores de dezembro A 2005. Diponível em: www.mpas.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_10.asp. acesso em: dezembro. 2006

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

263

MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria

aposentadoria e o valor do benefício tanto para os trabalhadores do setor privado da economia como

Tentativas de redução do orçamento do Ministério da Saúde

Apesar de diversos e intensos debates terem ocorrido entre entida-

A Lei de Diretrizes Orçamentári-

des vinculadas ao SUS e o Ministé-

as - LDO - para o orçamento de 2004

rio do Planejamento, nada foi mo-

Em relação ‘à saúde pública’, os

previa que os Encargos Previdenci-

dificado sobre essa questão. Somen-

principais impactos da política eco-

ários da União - EPU, o serviço da

te após o parecer do Ministério Pú-

nômica em seu financiamento ocor-

dívida e os recursos alocados no

blico Federal, contrariando a deci-

reram no momento da elaboração

Fundo de Combate e Erradicação da

são presidencial e solicitando ao

da proposta orçamentária e não no

Pobreza fossem contabilizados

presidente Lula a retirada do veto

encaminhamento da regulamenta-

como gastos do Sistema Único de

ao dispositivo que esclarecia que os

ção da Emenda Constitucional nº

Saúde do Ministério da Saúde. Con-

recursos do Fundo de Combate à

29(BRASIL, 2000. A importância as-

tudo, a forte reação contrária do

Erradicação da Pobreza não poderi-

sumida pela proposta orçamentária

Conselho Nacional de Saúde e da

am ser contabilizados como gastos

para os funcionários públicos.

deveu-se ao fato de a meta relativa

em saúde, sob pena do orçamento

ao superávit primário, além de se

aprovado vir a ser considerado in-

traduzir em contingenciamentos, re-

constitucional, o governo recuou.

sultar em diferentes tentativas de redução dos gastos, inclusive os sociais. No caso da saúde pública, em todos os anos do primeiro governo Lula, a equipe econômica tentou introduzir itens de despesa que não são considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde. Entre esses itens figuraram, en-

... em todos os anos do primeiro governo Lula, a equipe econômica tentou introduzir itens de despesa que não são considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde

Foi assim que a Lei nº 10.777, de 25 de novembro de 2003, contempla, no parágrafo segundo do artigo 59, que o EPU, o serviço da dívida e as despesas do MS com o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza não fossem considerados como ações e serviços públicos de saúde.

tre outros, o pagamento de juros e

Da mesma forma, o projeto de

a despesa com a aposentadoria dos

Lei de Diretrizes Orçamentárias

ex-funcionários desse ministério.

Frente Parlamentar da Saúde deter-

(LDO) para o orçamento de 2006,

Embora essas tentativas estivessem

minou que o Poder Executivo envi-

encaminhado pelo governo federal

sendo apoiadas por toda a área eco-

asse mensagem ao Congresso Naci-

à Câmara, previa que as despesas

nômica do governo, não foram a

onal estabelecendo que, para efeito

com assistência médico-hospitalar

termo, pois as entidades da área da saúde — o Fórum da Reforma Sanitária (Abrasco, Cebes, Abres, Rede Unida e Ampasa) —, o Conselho Nacional de Saúde e a Frente Parla-

das ações em saúde, seriam deduzidos o EPU e o serviço da dívida. Em relação ao Fundo da Pobreza a mensagem era omissa.Essa omis-

dos militares e seus dependentes (sistema fechado) fossem consideradas no cálculo de ações e serviços de saúde. Caso fossem consideradas, os recursos destinados para

mentar da Saúde rapidamente se

são resultaria na redução de R$

mobilizaram e fizeram o governo

3.571 milhões no orçamento SUS do

nuídos em cerca de R$ 500 milhões.

recuar.

Ministério da Saúde.

Frente à declaração pública do MS,

264 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

o Ministério da Saúde seriam dimi-

O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS

repudiando essa interpretação, e

cionais; e, dos municípios, 15%, tal

absolutamente necessária para ga-

frente à mobilização das entidades

como define a EC 2910.

rantir o financiamento e o compro-

da saúde, o governo federal foi obri-

Quando Lula foi eleito pela pri-

metimento das diferentes esferas de

gado a recuar, reformulando sua

meira vez, pensava-se que, final-

governo na construção do SUS. É

proposta.

mente, não haveria obstáculos para

por isso que, durante o primeiro ano

que finalmente saísse a regulamen-

do governo Lula, a fim de finalizar

tação da EC 29. Afinal, os temas tra-

os encaminhamentos pró-regula-

Em fins de 2003, o governo Lula

tados por ela haviam sido objeto de

mentação da EC 29, foram realiza-

encaminhou documento referente ao

longa discussão entre representan-

dos, em Brasília, mais dois semi-

novo acordo com o Fundo Monetá-

tes dos conselhos municipais e es-

nários, promovidos pela Câmara

rio Internacional8, comunicando sua

taduais, do Conselho Nacional de

Técnica do Sistema de Informações

intenção em preparar um estudo

Saúde, o Ministério da Saúde, os

sobre Orçamentos Públicos em Saú-

Tribunais de Contas dos Estados e

de - SIOPS e pela Comissão para

A vinculação da EC 29 é objeto da atenção da área econômica.

sobre as implicações das vincula-

Elaboração de Proposta de Lei Com-

ções constitucionais das despesas

plementar (PLC) do Ministério da

sociais — saúde e educação — so-

Saúde, onde foi intensa a discussão

bre as receitas dos orçamentos da União, dos estados ou dos municípios. A justificativa apoiava-se na idéia de que a flexibilização da alocação dos recursos públicos poderia assegurar uma trajetória de crescimento ao País9. No âmbito do SUS, a intenção do governo era tirar do

Quando Lula foi eleito pela primeira vez, pensava-se que, finalmente, não haveria obstáculos para que finalmente saísse a regulamentação da EC 29

Ministério da Saúde a obrigação de

das entidades presentes11. Contudo, para surpresas de muitos, a regulamentação da EC 29 não se constituiu prioridade do governo. Mesmo assim, em abril de 2003, fruto da ação da Frente Parlamentar da Saúde, passou a integrar a pauta do Congresso, estando à espera de sua votação.

gastar, em relação ao ano anterior,

A não prioridade da matéria ex-

valor igual acrescido da variação

pressa, na verdade, a tensão exis-

nominal do PIB; dos estados, 12%

Municípios. O resultado dessas dis-

tente entre a área da saúde e a área

de sua receita de impostos, compre-

cussões era, portanto, expressão de

econômica do governo. A primeira,

endidas as transferências constitu-

um grande consenso, visto como

compromissada com a trajetória

8

O documento referente ao novo acordo com o FMI é dirigido ao seu diretor executivo, Köhler (Ministério da Fazenda, 2003).

9

Ministério da Fazenda, op. cit, p. 3

10 A Proposta de Emenda Constitucional 169, vinculando recursos para a saúde pública, foi elaborada pelos deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires. A motivação foi o fato de o Ministério da Saúde, em 1993, não ter recebido os recursos previstos no orçamento da União, de origem nas contribuições de empregados e empregados, o que levou à ocorrência do seu primeiro empréstimo junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT (PEC 169). Depois disso, várias outras propostas de vinculação foram elaboradas e discutidas no Congresso Nacional, mas somente em 2000 - foi aprovada a emenda constitucional (EC 29). De acordo com a EC 29, a União deveria alocar, para o primeiro ano, pelo menos 5% a mais do que foi empenhado no orçamento do período anterior, e, para os seguintes, o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação do PIB nominal. 11 Conasems; Procuradoria Geral da República; Banco do Brasil; representante da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas; Conselho Federal de Contabilidade; assessoria do Deputado Roberto Gouveia; asssessoria do Deputado Guilherme Menezes – PT/Bahia; IBGE/Depto. Contas Nacionais; técnicos do SIOPS; Secretaria Gestão Participativa/MS; STN; técnicos do Departamento de Economia da Saúde/MS; assessoria da bancada do PT na Câmara Federal.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

265

MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria

histórica do SUS, e por isso, preo-

Nos três primeiros anos dessa ges-

dado continuidade a seu processo

cupada em garantir seu financia-

tão, a taxa de cobertura do Progra-

de implantação é, em si, digno de

mento e em definir as ações e servi-

ma Saúde da Família, com relação

nota, indicando seu grau de com-

ços de saúde pública; e a segunda,

ao total da população brasileira,

promisso com relação a um progra-

restringida por uma política econô-

aumentou significativamente: 35,7%

ma considerado prioritário por to-

mica fundada em metas de inflação

(2003); 39% (2004) e 43,04% em

das as instâncias participativas do

e na geração de superávits primá-

2005. No último ano do governo

SUS.

rios. Nessa situação, a regulamen-

FHC, esse percentual era de 32,4%.

Entre os programas iniciados

tação das vinculações previstas na

O grau de cobertura varia muito

durante o primeiro governo Lula,

EC 29 é vista como um retrocesso,

entre as regiões e os municípios: em

destacam-se o Brasil Sorridente e o

pois impõe despesas mínimas e

2004, por exemplo, enquanto no

programa Farmácia Popular. O pri-

comprometimentos mínimos de re-

nordeste era de 54,85%, na região

meiro, integrante da Política de Saú-

ceitas, o que estaria contrariando o

sudeste atingia apenas 29% .

de Bucal, propiciou que a cobertu-

12

esforço de geração de superávit. Ao

ra do atendimento da saúde bucal

mesmo tempo, no entender da equi-

aumentasse de 17,5%, em 2002,

pe econômica, isso limitaria o po-

para 33,7%, em 2005. Já o progra-

der discricionário do governo, o qual não poderia alocar os recursos de acordo com seus interesses mais imediatos. Dessa forma, o gasto mínimo definido e a vinculação mínima de recursos estariam respondendo a interesses que inde-

Apesar das restrições impostas pelo marco macroeconômico, houve avanços na área da saúde pública durante o primeiro governo Lula

ma Farmácia Popular, consiste em oferecer medicamentos essenciais a baixo custo. Em 14 de dezembro de 2006, o Ministério da Saúde inaugurava a 243ª Farmácia Popular do país. Dessa forma, segundo informação do site do MS, esse progra-

penderiam do governo de ocasião,

ma atingia “60 milhões de brasilei-

expressando compromissos de lon-

ros, em 193 municípios de 24 esta-

go prazo.

dos e do Distrito Federal”. Desde o Não se pode dizer, entretanto,

lançamento do programa, em junho

que esse programa tenha sido (e

de 2004, já foram realizados mais

seja) propriamente uma marca do

de 6,5 milhões de atendimentos e

governo Lula, pois seu início data

fornecidos mais de 40 milhões de

de 1994, embora somente em 1998

produtos”. Essa iniciativa não está,

Apesar das restrições impostas

tenha se consolidado como uma po-

contudo, isenta de críticas. Há quem

pelo marco macroeconômico, hou-

lítica prioritária do Ministério da

considere que a cobrança pelo me-

ve avanços na área da saúde públi-

Saúde. Poder-se-ia argumentar, con-

dicamento fere o princípio da gra-

ca durante o primeiro governo Lula.

tudo, que o fato de o governo ter

tuidade, presente no SUS.

AVANÇOS RELATIVOS DA SAÚDE PÚBLICA.

12

Ver site do Ministério da Saúde, www.saude.gov.br. Acesso em: 10 de dezembro de 2006

266 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ção ao SUS, a luta incessante dos

Transitórias, para assegurar os re-

últimos anos pela defesa de níveis

cursos mínimos para o financiamen-

Para a Seguridade Social, em

mínimos de recursos que, a bem da

to das ações e serviços públicos de

geral, e para o SUS, em particular,

verdade, não começou com o go-

saúde. DOU. 13 set. 2000

a forte possibilidade de que a políti-

verno Lula , pode converter-se em

ca econômica do segundo governo

crescente descompromisso dos di-

MARQUES, R. M., MENDES, A. O

Lula tenha como base os mesmos

ferentes níveis de governo com a

Governo Lula e a Contra-Reforma

fundamentos da que foi desenvolvi-

saúde pública. Frente à não-regu-

Previdenciária. São Paulo Perspec,

da em seu primeiro mandato é mais

lamentação da EC 29 e ao efeito de-

São Paulo, v.18, p.3-15, set./ jul.

do que preocupante. Isso porque, do

monstração dado pela União, difi-

2004.

ponto de vista das políticas susten-

cilmente o MS, o Conselho Nacio-

tadas pelos diferentes ramos da Se-

nal de Saúde, o Conasems e o Co-

______. Democracia Y Universali-

guridade Social, especialmente para

nass terão força para fazer valer o

dad: Discutiendo las condiciones de

a Previdência e para a Saúde, não

pacto que gerou a proposta da EC

aplicar tales conceptos a las accio-

será o enfretamento das mesmas

29.

nes y servicios de salud pública de

13

restrições e problemas. No caso da

Brasil. In Revista: Bienestar y Polí-

Previdência, a crescente defasagem

tica Social - Universidad IberoA-

REFERÊNCIAS

entre as receitas de contribuições e

mericana - Ciudad de México, v. 2

as despesas com benefícios (muito

n.1 primer semestre 2006.

embora a Seguridade como um todo

ANFIP - Associação Nacional dos

apresente um superávit também

Auditores Fiscais da Previdência

MARQUES, R. M. e NAKATANI, P. A

crescente, mas que é desconhecido

Social. Análise da Seguridade So-

política econômica do governo Lula:

do grande público e esquecido pela

cial em 2004 e 2005. Disponível:

como mudar para ficar no mesmo.

mídia, para dizer o mínimo) é fonte

http://www.anfip.org.br/. Acesso

Texto no prelo, a ser publicado no

de argumento para justificar a im-

em: 12 de dez. 2006.

número 189 da revista Tiers Mon-

plantação de uma reforma radical,

de. Sorbonne, Paris.

que resulte na redução dos gastos

BELLUZZO L.G., CARNEIRO R.. Glo-

futuros com benefícios.

balização e Integração Perversa.

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Carta de

Em relação à Seguridade como

Política Econômica em Foco, Cam-

intenção referente ao novo acordo,

um todo, a intenção de aumentar o

pinas, v. 1, p.1-11, maio/ag. 2003

Brasília, 2003. Disponível em: http:/

percentual das contribuições na com-

/www.fazenda.gov.br. Acesso em: 30

posição da DRU - mais do que sig-

BRASIL. Constituição, 1988. Emen-

nificar mais um passo no sentido

da Constitucional 29, 13 de setem-

da destruição da idéia de um orça-

bro de 2000. Altera os arts. 34, 35,

SÁNCHEZ, F. et al. - A política eco-

mento para a Seguridade - pode re-

156, 160, 167 e 198 da Constitui-

nômica da esquerda latino-ameri-

sultar na sua inviabilidade e/ou na

ção Federal e acrescenta artigo ao

cana no governo: o caso do Brasil.

perda de sentido material. Em rela-

Ato das Disposições Constitucionais

Projeto Madison 2, 2006. Mimeo.

13

de setembro de 2004.

Para detalhes dessa luta, ver Marques e Mendes, 2006.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005

267

TEIXEIRA, Fontes & PAIM, Jairnilson ARTICLES Silva ARTIGOSCarmen ORIGINAIS / ORIGINAL

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior Health Policy in the Lula government and the least worse dialectic “Uma pessoa corresponde ao seu próprio tempo mais quando combate do que quando colabora com as ‘formas de vida oficial’” (Badaloni, 1987:85).

Carmen Fontes Teixeira1 Jairnilson Silva Paim2

RESUMO O objetivo do artigo é analisar a política de saúde do Governo Federal na conjuntura iniciada em 2003. A metodologia empregada incluiu pesquisa documental de planos, programas, projetos e relatórios elaborados no Ministério da Saúde, bem como a extração de trechos de discursos de autoridades governamentais e dirigentes do setor, publicados em jornais e revistas de grande circulação. Os resultados incluem a sistematização e discussão do processo de formulação e implementação de políticas de saúde, cotejando-o com algumas iniciativas do Governo Lula nas áreas econômica e social. Aponta a frustração das expectativas em torno da gestão do Estado por forças consideradas de esquerda, embora reconheça esforços realizados para a manutenção e continuidade do processo de reforma setorial em curso. PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde, Sistema Único de Saúde, Reforma Sanitária Brasileira.

Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007

ABSTRACT

1

Doutora em Saúde Pública. Professora

Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISCUFBA). E-mail: [email protected]

2

Professor Titular em Política de Saúde do

This article aims to analyze the federal government health policies in the situation which began in 2003. The methodology employed included documentary research of plans, programs, projects and reports elaborated by the Ministry of Health, as well as the extraction of passages from speeches made by governmental authorities and leaders of the sector published in large circulation newspapers and magazines. The results include the systematization and discussion of the process of formulating and implementing health policies, comparing it to some initiatives of the Lula government in economic and social areas. It reveals how expectations of State management by supposedly left-wing powers have been frustrated, whilst also acknowledging efforts that have been made to maintain and continue the sectorial reform process underway.

Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. Pesquisador

1-A

[email protected]

do

CNPq.

E-mail:

KEYWORDS: Health policies, Brazil’s Unified Health System, Brazilian Health Reform.

268 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

INTRODUÇÃO O término da gestão 2003-2006 do Presidente Lula estimula a refle-

Analisar a policy implica identi-

No que diz respeito à politics,

ficar o conjunto de proposições re-

cabe considerar a luta política tra-

lativas ao enfrentamento dos pro-

vada no âmbito do governo (inter-

blemas e ao atendimento das neces-

xão e demanda por um balanço de

namente as instituições de saúde e

sidades de saúde da população, se-

suas políticas públicas. No caso da

destas com outras organizações go-

gundo a perspectiva adotada por

vernamentais enão-governamentais)

saúde, o respeito ao passado e o

um determinado ator social. Tais

e na sociedade civil. A dinâmica

compromisso com o futuro da Re-

proposições geralmente são apre-

desse processo político tanto pode

forma

Brasileira

sentadas e sistematizadas em docu-

contribuir para consolidar ou para

(RSB)exigem, que se proceda a um

mentos como programa de gover-

subverter, no cotidiano da imple-

exame crítico da política formula-

no, políticas, planos, programas e

mentação em organizações públi-

da e implementada nessa gestão.

projetos de intervenção, expressões

cas, a direcionalidade indicada no

Trata-se de “fazer uma análise dos

das políticas planificadas. Podem,

programa de governo e nos planos

Sanitária

processos e questões políticas que

de ação derivados ou subsidiários.

se acham envolvidas na avaliação

Essa luta política se expressa pela

dos planos e programas do setor

disputa entre atores das organiza-

público de um país” (BUSTAMEN-

O TÉRMINO DA GESTÃO 2003-2006 DO PRESIDENTE LULA

ções visando à apropriação e ao

análise, algumas perguntas prelimi-

ESTIMULA A REFLEXÃO E DEMANDA POR UM

Esses enfrentamentos podem se re-

nares podem ser apresentadas:

BALANÇO DE SUAS POLÍTICAS PÚBLICAS

velar em torno das opções estraté-

TE & PORTALES, 1988 p. 79). Para o desenvolvimento dessa

quais os compromissos explícitos

acúmulo de poderes técnico, administrativo e político (TESTA, 1992).

gicas a serem adotadas no cotidia-

no programa de governo antes das

no das instituições responsáveis

eleições presidenciais de 2002?

pela implementação da proposta

Quais os fatos políticos relaciona-

política que refletem a luta pelo

dos com a saúde produzidos no pe-

poder, quer no ambiente interno,

ríodo de governo? Como os atores

também, ser apreendidas mediante

quer nas relações estabelecidas en-

políticos atuaram na conjuntura?

declarações e discursos de autori-

tre os diferentes órgãos. Como exem-

Que relações poderiam ser identifi-

dades e atores sociais que ilustram

plos, podem ser mencionadas as

cadas entre tais fatos e o programa

certos componentes da agenda po-

relações de cooperação ou conflito

de governo? Perguntas como essas

lítica e podem ser examinadas, ain-

entre instituições do poder executi-

sugerem uma avaliação centrada na

da, a partir de atos normativos, tais

vo (Ministério da Saúde, secretari-

formulação e no processo político

como: leis, decretos, portarias, re-

as estaduais e municipais de Saú-

correspondente à implementação.

soluções, etc. No caso em questão,

de, agências executivas etc) e des-

Em outras palavras, remetem à aná-

trata-se de identificar as propostas

tas com o poder legislativo, judici-

lise da política de saúde em suas

de saúde incluídas no programa de

ário, organizações não-governamen-

dimensões de policy e de politics

governo e seus desdobramentos ao

tais, mídia e grupos organizados da

(PAIM, 2003).

longo da gestão.

sociedade civil.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

269

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

Conseqüentemente, as políticas

so de mudança no financiamento,

mais abrangentes, inovadores e con-

de saúde de um governo não podem

gestão e organização do sistema

sistentes.

ser avaliadas apenas setorialmen-

público de saúde. Também se apos-

Após a vitória, a excitação do

te, ou seja, pelas ações exclusivas

tou na possibilidade de se intensifi-

“mercado” e da mídia, pela indica-

do sistema de serviços de saúde ou

car o processo de participação e con-

ção imediata do Presidente do Ban-

do ministério correspondente. Há

trole social do SUS, avançando-se

co Central e do Ministro da Fazen-

que se examinar passos, traços e

na democratização do conhecimen-

da, correu ao lado da iniciativa do

produtos do governo que têm reper-

to, na reorientação das práticas e

então Presidente Fernando Henrique

cussões na saúde da população e

na melhoria das condições de saú-

Cardoso no sentido de disponibili-

na organização do sistema de ser-

de da população.

zar cargos para integrantes do “gru-

viços. Com essa perspectiva, o pre-

Ao se tomar, como ponto de par-

po da transição” (GT) a serem indi-

sente artigo tem como objetivo ana-

tida, a análise do componente saú-

cados pelo presidente eleito, visan-

lisar a política de saúde do Gover-

de do Programa de Governo apre-

do à passagem dos trabalhos de um

no Federal na conjuntura iniciada

governo para o outro. Foi designa-

em janeiro de 20033.

do para dirigir os trabalhos do GT, o então prefeito da cidade paulista de Ribeirão Preto, que se tornara

DO PROGRAMA À EQUIPE DE GOVERNO: DISCURSO TÍMIDO E PRÁTICA FRAGMENTADA. Depois de perder as eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, o

O PRESENTE ARTIGO TEM COMO

coordenador do programa de Lula devido a uma tragédia (assassina-

OBJETIVO ANALISAR A POLÍTICA DE SAÚDE DO

to do prefeito de Santo André, Celso

GOVERNO FEDERAL NA CONJUNTURA INICIADA EM JANEIRO DE 2003

Daniel, que seria o coordenador do Programa de Governo). Nas várias entrevistas concedidas à mídia, o

Partido dos Trabalhadores (PT) lide-

coordenador do GT reforçava o dis-

rou uma coligação partidária que

curso que, segundo a mídia, o mer-

elegeu o ex-operário, ex-líder sindi-

cado precisava ouvir para se acal-

cal e ex-deputado constituinte Luiz

mar. Assim, era cada vez mais fes-

Inácio Lula da Silva, como Presi-

sentado no período eleitoral4 cons-

tejado pelos porta-vozes do “merca-

dente da República, em 2002. Além

tata-se, de um modo geral, uma rei-

do” e pela mídia.

da relevância histórica do aconteci-

teração de proposições já contidas

Tanto o presidente eleito quanto

mento e das esperanças cultivadas

e formalizadas na Constituição Fe-

o então presidente do PT, José Dir-

durante a campanha, amplas expec-

deral, na Lei Orgânica da Saúde e

ceu, destacavam que o GT era ‘téc-

tativas foram expressas em relação

em distintas normas operacionais

nico’, e que ninguém deveria espe-

à direcionalidade da política de saú-

do Sistema Único de Saúde (SUS).

rar tornar-se ministro a partir des-

de, especialmente tendo em vista a

Houve candidatos concorrentes que

se trabalho. Mas, na viagem a Wa-

necessidade de se acelerar o proces-

chegaram a apresentar programas

shington, Lula deixou escapar, por

O material utilizado na pesquisa documental será identificado mediante notas de pé de página ao longo do texto, reservando-se as referências bibliográficas exclusivamente para publicações em livros e periódicos.

3

Saúde para a família brasileira (Programa de Governo 2002 - Coligação Lula Presidente: PT-PC do BPL-PMN-PCB). Setembro, 2002. 24p.

4

270 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

aparente ato falho, o nome do Mi-

Tal como na Fazenda, o político

Atenção à Saúde); um destaque

nistro da Fazenda que a mídia, o

indicado para Ministro da Saúde foi,

para as questões dos recursos hu-

‘mercado’, o governo americano e

também, um dos integrantes do GT,

manos (Secretaria de Gestão do Tra-

os bancos aparentemente já sabiam.

desmentindo, mais uma vez, as de-

balho e da Educação em Saúde);

E ainda fez piada com a tragédia

clarações anteriores do presidente

uma atenção para os insumos es-

do país: se a economia brasileira

eleito. Seu nome foi um dos últi-

tratégicos (inclusive assistência far-

está na UTI, ninguém melhor que

mos a ser divulgado numa equipe

macêutica) e desenvolvimento cien-

um médico para tratar dela... As-

de mais de três dezenas de minis-

tífico e tecnológico (Secretaria de

sim, para dirigir uma complexa eco-

tros5, muitos deles recentemente

Ciência e Tecnologia e Insumos Es-

nomia de um país de mais de 170

derrotados nas urnas. Contudo, a

tratégicos); uma prioridade para a

milhões de habitantes, foi indicado

composição da equipe do segundo

gestão democrática (Secretaria de

um político cujo currículo insinua-

escalão prestigiou atores políticos

Gestão Participativa); e certa ambi-

va algum interesse em questões fis-

com participação no movimento da

güidade em relação aos programas

cais e econômicas, mas que a mí-

especiais vinculados à Fundação

dia comemorava entusiasticamen-

Nacional de Saúde (FUNASA) que

te.

passaram a constituir a chamada O Relatório da Transição, apre-

sentado pelo seu coordenador e transmitido ao vivo pela TV, praticamente nada informava sobre os

A REFORMA ADMINISTRATIVA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE(...) SUGERIA UMA

SVS (Secretaria de Vigilância em Saúde). Após a festa da posse do Presidente, o Ministro da Saúde conce-

ÊNFASE NA INTEGRAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA

deu entrevista na televisão discu-

se em aspectos macro-econômicos,

COM A ASSISTÊNCIA ESPECIALIZADA E

tindo um aumento de 9% no preço

sinalizando para tópicos que o ca-

HOSPITALAR...

mir o cargo, diante da presença de

trabalhos dos grupos. Concentrava-

pital financeiro valorizava. A pala-

dos remédios para março. Ao assumais de 600 pessoas, deu destaque

vra saúde não foi mencionada uma

para a mortalidade infantil, o ‘es-

vez sequer, nem pelo coordenador

cândalo’ da mortalidade materna, a

do GT nem por Lula no seu discur-

RSB e com experiência prévia de

so, mesmo que fosse para se referir

manutenção do Programa de Saúde

gestão pública.

da Família (PSF), o fortalecimento

à ‘saúde da economia’. Quanto ao

A reforma administrativa do Mi-

do SUS e o monitoramento da den-

‘social’, apenas foram feitas men-

nistério da Saúde, apresentada logo

gue. No seu discurso6, reafirmava

ções vagas à educação,à fome e

no início do governo, sugeria uma

certos princípios e diretrizes da Re-

àsegurança pública. Esta omissão

ênfase na integração da atenção

forma Sanitária, o compromisso

era o primeiro sinal de como a saú-

básica com a assistência especi-

com o SUS, a continuidade dos pro-

de seria tratada pelo governo.

alizada e hospitalar (Secretaria de

gramas de controle da AIDS e do

A prodigalidade com que foram criadas pastas ministeriais para acomodar interesses e apetites partidários visando à ocupação dos milhares de cargos de confiança - “Ministério dos Derrotados” - já anunciava a reprodução ampliada do clientelismo, além de dificuldades na coordenação política e na gestão. Se o Presidente reservasse por dia um despacho por ministro só conseguiria vê-lo de novo um mês depois. Mas os fatos foram demonstrando que a gestão não era o que mais importava para o Presidente.

5

Ministério da Saúde. Assessoria de Comunicação Social. Divisão de Imprensa. Transmissão de cargo do senhor ministro da Saúde Humberto Costa. 02.01.03.7p.

6

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

271

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

tabagismo7, mas não avançava com

O INÍCIO DA GESTÃO

proposições consentâneas com as

ção à saúde: ampliação do acesso da população aos serviços de saú-

expectativas em relação à conjun-

No encontro com os prefeitos,

tura que se iniciava: nada sobre a

realizado em março de 2003, o Pre-

regulação dos ‘planos de saúde’;

sidente e o Ministro da Saúde anun-

muito pouco em relação à indús-

ciaram a expansão da Atenção Bá-

3. Atendimento a grupos com

tria farmacêutica e à produção de

sica e do PSF, além do aumento dos

necessidade de atenção especial:

genéricos; nenhum plano de expan-

valores do Piso da Atenção Básica

atenção à saúde da criança, da

são dos investimentos nos serviços

(PAB) e da assistência farmacêuti-

mulher e do idoso. Prevenção, con-

públicos; nenhum compromisso cla-

ca. Posteriormente, o anúncio da

trole e assistência aos portadores

ro com a força de trabalho em saú-

implantação de 4.000 equipes de

DST e AIDS;

de.

saúde da família, do reforço ao aten-

4. Controle da dengue e outras

dimento de urgência e emergência

doenças endêmicas e epidêmicas.

de; 2. Combate à fome: atendimento às carências nutricionais;

Combate a endemias e doenças

FATOS POLÍTICOS DA SAÚDE: REMANDO CONTRA A MARÉ DA POLÍTICA ECONÔMICA E DO MODO CONVENCIONAL DE FAZER POLÍTICA

transmitidas por vetores (prioridade para a dengue e a malária);

ANALISAR O PROCESSO POLÍTICO DA SAÚDE NO BRASIL SUPÕE CARACTERIZAR A SITUAÇÃO CONFIGURADA NO ÂMBITO DAS

5. Acesso a medicamento: garantia do acesso da população a estes produtos; 6. Qualificação dos trabalhado-

Analisar o processo político da Saúde no Brasil supõe caracterizar a situação configurada no âmbito das instituições, especialmente o Ministério da Saúde e as agências do setor, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Busca-se, assim, estabelecer um contraponto entre algumas das iniciativas desencadeadas na área da saúde e os fatos produzidos em outras instâncias do governo, cujos efeitos contribuíram para fragilizar ou favorecer a formulação e implementação das políticas

e do novo modelo de gestão dos

convocação da 12ª Conferência Na-

hospitais universitários indicavam

cional de Saúde em caráter extra-

a produção de fatos políticos con-

ordinário9; ampliação de credenci-

sistentes com o programa de gover-

amento para leitos de unidades de

no. Além disso, um elenco de dire-

tratamento intensivo (UTI); apoio fi-

trizes foi estabelecido para o primei-

nanceiro aos hospitais universitá-

ro ano de gestão:

rios redefinindo suas relações com

1. Melhoria do acesso, da qua-

o SUS; reajuste nos repasses para

de saúde.

lidade e da humanização da aten-

consultas especializadas em hospi-

INSTITUIÇÕES, ESPECIALMENTE O MINISTÉRIO DA SAÚDE E AS AGÊNCIAS DO SETOR...

res do SUS. Qualificação dos trabalhadores da saúde 8. Em consonância com tais diretrizes, podem ser destacadas as seguintes ações: expansão da atenção básica, com ampliação de recursos e de equipes de saúde da família;

“Aliás, eu quero avisar aos fumantes de plantão que serei tão implacável quanto o ministro Serra no combate ao tabagismo” op. cit. p.4. Ministério da Saúde. Diretrizes e Metas do MS para 2003 – Andamento das Ações. 10 de julho de 2003.p.11. 9 Os temas selecionados foram: Direito à saúde; Intersetorialidade das Ações de Saúde; As Três Esferas de Governo e a Construção do SUS; Organização da Atenção em Saúde; Gestão Participativa; Trabalho em Saúde; Ciência, Tecnologia e Saúde; e Financiamento. Radis, 11:8, 2003. 7 8

272 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

tais públicos, em estados e municí-

de saúde coletiva, agências regio-

pios de gestão plena; nova campa-

nais; e outras medidas específicas11.

nha antitabagista na mídia (Fique

ais à promoção da eqüidade

”( BRA-

SIL, 2003)12.

esperto!) para jovens de 13 a 19 anos; criação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos

O PRIMEIRO ANO DE GOVERNO

(CAMED) e fixação de normas para

Mereceu destaque o processo participativo para a construção do Plano Plurianual 2004-2007, envol-

o controle de preços destes produ-

Nos seis primeiros meses de go-

vendo os trabalhadores, colegiados

tos (Medida Provisória Nº 123, de

verno, muita energia institucional

e fóruns do ministério, inclusive as

26 de junho de 2003; apoio aos la-

foi gasta para superar a fragmenta-

instâncias de controle social, como

boratórios oficiais, isenção de ICMS

ção das ações e implantar a nova

o Conselho Nacional de Saúde13. A

para medicamentos de alto custo,

organização do ministério. Assim,

tentativa de mudança do modelo de

reforço aos genéricos, 18 novas re-

segundo a equipe dirigente,

atenção à saúde, a partir de proje-

soluções da ANVISA regulamentan-

tos que priorizam o acolhimento e

do os medicamentos e condenando

a humanização14, poderia ser con-

o uso de antigripais e hepatoprote-

siderada um ‘marcador’ dessa vontade política da nova equipe. Do

mentos e Assistência Farmacêuti-

A TENTATIVA DE MUDANÇA DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE, A PARTIR DE PROJETOS

ca10; capacitação de profissionais de

QUE PRIORIZAM O ACOLHIMENTO E A

passes para atenção especializada

saúde, com destaque para a pro-

HUMANIZAÇÃO , PODERIA SER CONSIDERADA

em hospitais públicos, expansão

tores, além da convocação da 1ª Conferência Nacional de Medica-

posta de constituir Pólos de Educação Permanente nos estados e mu-

UM ‘MARCADOR’ DESSA VONTADE POLÍTICA DA

nicípios com mais de 100 mil habi-

NOVA EQUIPE...

tantes, estruturando núcleos inte-

mesmo modo, a ampliação do PSF e dos recursos do PAB, maiores re-

dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), reforço do atendimento de urgência e apoio aos hospitais universitários federais, indicavam

rinstitucionais e envolvendo gesto-

uma concepção mais abrangente

res estaduais e municipais, univer-

para a organização do sistema pú-

sidades, escolas técnicas, hospitais universitários, escolas de saúde pública, estruturas de formação dos serviços de saúde, pólos de capacitação de saúde da família, núcleos

“os esforços concentraram-se, em especial, na adequação da gestão do ministério às diretrizes do governo e na implementação de medidas essenci-

blico de saúde. Os fatos acima mencionados sinalizavam para redefinições relevantes na política de saúde,apesar da falta de indicações de como en-

10 Ver, ainda: redimensionado o projeto da fábrica de preservativos em Xapuri/Acre e repasse de recursos para a assistência farmacêutica nos municípios do Fome Zero. Brasil. MS, 2003, Op. cit, .p.15. 11 Vacinação de 12,3 milhões de pessoas acima dos 60 anos de idade, representando 82,2% de cobertura vacinal e de 93,45% de crianças entre zero e quatro anos de idade; mobilização e recursos para o combate à dengue tuberculose, hanseníase e AIDS; adoção do novo cartão da criança; multas da ANS sobre planos de saúde; ações de controle da violência contra a mulher (Disque Saúde Mulher); notificação obrigatória de óbitos de mulheres em idade fértil. Brasil. MS. 2003, op cit, .p.16; Saúde, Brasil, 87:7, junho de 2003. 12 Ministério da Saúde. Diretrizes e Metas do MS para 2003 – Andamento das Ações. 10 de julho de 2003. p.1. 13 op. cit. 14 Todos os projetos novos do Ministério conteriam como requisitos o fortalecimento de práticas de acolhimento, respeito ao cidadão, capacitação dos profissionais de saúde, maior conforto, responsabilidade definida pelo paciente, com adoção de planos de metas de humanização da atenção e da gestão. op. cit,.p.3.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

273

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

frentar a segmentação do sistema

(FIA), somente para beneficiar um

indignaram-se diante de uma deci-

de saúde brasileiro. Embora a limi-

evento esportivo na cidade de São

são leviana e autoritária contra evi-

tação de recursos orçamentários

Paulo, macularam uma política pe-

dências científicas e contra as lutas

não permitisse assegurar a sufici-

nosamente construída, com a aqui-

históricas dos trabalhadores de saú-

ência de muitas dessas medidas em

escência de um Ministro da Saúde

de pela promoção e proteção da saú-

relação às necessidades insatisfei-

que, no discurso de posse, apresen-

de. Cidadãos, eleitores e militantes

tas acumuladas, elas apontavam

tou-se como ‘implacável’ no com-

sentiram-se traídos quanto às espe-

certa direcionalidade da política.

bate ao tabagismo..

ranças e confiança que depositavam

Nesse sentido - a redefinição do

Tal decisão envergonhava os bra-

no novo Governo, alimentadas por

modelo de atenção e a busca de

sileiros aos olhos do mundo civili-

décadas de lutas democráticas.

acesso universal e integral dos ser-

zado, pois a autoridade maior do

Como assinalava a carta de um lei-

viços de saúde -, iniciava-se medi-

país descumpria a lei e a Constitui-

tor do Jornal Folha de São Paulo:

ante a reorganização da atenção bá-

ção recorrendo a uma MP, procedi-

sica articulada à vigilância da saú-

O fato de o Brasil ter se tornado re-

de e à atenção especializada.

fém do circo da Fórmula 1, impedindo

Todavia, na contramão dessa política de saúde, a Nação foi surpreendida com o contingenciamento de recursos logo em março

15

e

com um fato da maior gravidade, ocorrido no início de abril. O Jornal

a vigência de leis cujo objetivo é preser-

PROFISSIONAIS DE SAÚDE INDIGNARAM-SE DIANTE DE UMA DECISÃO LEVIANA E AUTORITÁRIA CONTRA EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

var a saúde pública (restrição à propaganda de tabaco), causa consternação, além de ser péssimo exemplo para a afirmação da cidadania. Melhor seria se o país deixasse de fazer parte do roteiro

Hoje da Rede Globo anunciou, em

E CONTRA AS LUTAS HISTÓRICAS DOS

de um esporte mercenário e elitista e

primeira mão, uma Medida Provi-

TRABALHADORES DE SAÚDE PELA PROMOÇÃO E

passasse a respeitar a sua condição de

sória do Presidente Lula autorizan-

PROTEÇÃO DA SAÚDE

do propaganda de cigarro em even-

país soberano (FOLHA DE SÃO PAULO, 2003)16.

tos internacionais, desrespeitando a Lei 10.167 de 27/12/2000 e, conse-

O próprio Ministro da Saúde,

qüentemente, a Constituição da Re-

mento tantas vezes criticado pelo

durante audiência pública na Co-

pública (BRASIL, 1988) quando de-

presidente e seu partido durante os

missão de Seguridade Social e Fa-

termina que a publicidade de taba-

governos anteriores. Ministros con-

mília, na Câmara dos Deputados,

co deve estar sujeita a restrições

siderados de esquerda, como os da

revelava semanas depois que foi por

legais. Assim, interesses econômi-

Saúde, do Esporte e da Casa Civil,

chantagem da FIA que o Governo

cos, políticos e midiáticos, vincu-

sucumbiram às pressões do capital

editou a Medida Provisória 118/03,

lados a pressões da Federação In-

comprometido com aquele evento

autorizando a propaganda de cigar-

ternacional de Automobilismo

esportivo. Profissionais de saúde

ros em eventos esportivos interna-

Como em outras oportunidades, a área econômica deu o tom para as políticas de saúde. Assim, o Ministério da Saúde sofreu logo no início do governo- uma intervenção da área econômica com um contingenciamento de 1,6 bilhões de reais, o maior de todos os ministérios em termos absolutos. Promessas do Ministério do Planejamento de providenciar a liberação dos recursos não apagavam o sentido da ação política de governo através dessa primeira surpresa negativa para o setor. 16 Painel do Leitor, Folha de São Paulo, 8/6/03.pA.3. 15

274 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

cionais até julho de 2005. Segundo

com os governadores que permiti-

tra a saúde, urdido pelo Presidente

o ministro, a FIA deixou claro que

ria gastar livremente 20% das recei-

e seu Ministro da Fazenda:

o Brasil seria excluído do circuito

tas, ou seja, possibilitando a des-

É importante que se diga que o SUS,

da Fórmula 1, caso a MP não fosse

vinculação dos recursos de saúde e

e mesmo os seus nobres princípios bási-

editada, permitindo que as escude-

educação nos orçamentos dos esta-

cos, não são fruto de um consenso, mas

rias tivessem a logomarca de cigar-

dos18. E o Ministro da Fazenda con-

de um longo caminho de batalhas en-

ros estampadas em seus veículos

siderava natural o pleito dos gover-

frentadas por todos aqueles que, ao lon-

durante o Grande Prêmio Brasil, re-

nadores já que a União assim pro-

go das duas últimas décadas, coloca-

alizado no dia 6 de abril de 2003,

cedia: “Se nós aplicamos a DRU

ram as questões de saúde pública aci-

em São Paulo. Diante da ameaça, o

(Desvinculação de Receitas da

ma das motivações políticas, ideológi-

Governo teria levado em considera-

União), por que seríamos contra que

cas, partidárias e corporativas (...). A

ção os empregos gerados pelo even-

eles (governadores) apliquem?” 19.

mais recente e expressiva vitória do

to, a imagem do Brasil que um GP

SUS se deu com a aprovação da emen-

projeta no exterior e a situação ju-

da 29, no ano de 2000, pelo Congresso

rídica complexa de um eventual

Nacional. A emenda vincula as recei-

rompimento de contrato.17

tas da União e de Estados e municípios

Decisões semelhantes assumidas pelo governo contra a saúde conti-

a gastos na área de saúde. Sua apro-

las relacionadas à liberação da ex-

O GOVERNO CONTINUA COMPROMETENDO AS POLÍTICAS DE SAÚDE, TAL COMO OCORREU

portação da soja transgênica, bem

DURANTE A ELABORAÇÃO DAS PROPOSTAS

nuaram a ser tomadas como aque-

como o seu plantio, à importação de pneus usados e às tentativas de

ORÇAMENTÁRIAS NOS ANOS SEGUINTES

vação foi resultado de uma ampla mobilização da sociedade civil, de parlamentares e gestores em todo o Brasil (COSTA, H., 2003, p. A 3). 20

A postura do Ministro, desta vez,

desobedecer à Emenda Constitucio-

provocava certo alento. Seu discur-

nal 29 durante a elaboração das

so enfatizava o fortalecimento da

propostas orçamentárias. Aliás, as

descentralização, a responsabilida-

manobras para desviar recursos do

de partilhada, a melhoria do aces-

SUS vinham se configurando desde

so e a qualidade do atendimento,

que o Presidente e o seu Ministro

Dessa vez, o Ministro da Saúde

não a desresponsabilização sobre o

da Fazenda discutiram um acordo

reagiu diante de mais um golpe con-

financiamento. Mas o Ministro,

O ministro disse que, apesar de ser produto das pressões da FIA, a medida provisória teria pontos positivos. Dentre eles, o dispositivo que possibilita a transmissão de mensagens gratuitas, durante os eventos esportivos, com advertências sobre os malefícios do fumo. Em seu depoimento, Humberto Costa apresentou uma série de propostas para aperfeiçoamento da MP. Ele sugeriu, por exemplo, a proibição da comercialização de produtos derivados do tabaco em estabelecimentos de livre acesso para menores de 18 anos. “A proibição atingiria pontos de venda como supermercados e mercearias e seria regulamentada pelas prefeituras no prazo máximo de dois anos”. Fonte: Agência Câmara. 18 Governo libera Estados para reduzir verbas da área social. Para conseguir o apoio dos governadores às reformas tributária e da Previdência, o presidente Luiz Inácio da Silva fechou um acordo que desobriga os Estados de aplicarem 20% de suas receitas em setores como educação e saúde. A Tarde, 1/07/03.p.1. Acordo autoriza Estados a gastar menos no social. Folha de São Paulo, 1/07/03.pA 1. 19 A Tarde, 1/07/03.p.14. Aécio defende desvinculação em Estados: “mas quando veio à tona que os Estados poderiam cortar recursos da educação e da saúde, as bancadas na Câmara ligadas às questões sociais reagiram. E em uma reunião da última quarta-feira na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT), com a presença do ministro José Dirceu (Casa Civil), essa permissão aos estados foi rechaçada”. Folha de São Paulo, 5 de junho de 2003. 20 Costa, H. Em defesa da saúde. Folha de São Paulo, 6 de julho de 2003. P.A 3. 17

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

275

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

mais uma vez, se equivocara. O

mentos do governo. Era possível

ção à saúde da população, não pa-

governo continuava comprometen-

notar esforços para a gestão parti-

recem suficientes para produzir

do as políticas de saúde, tal como

cipativa, a exemplo da antecipação

mudanças na forma de organização

ocorreu durante a elaboração das

da convocação da 12ª Conferencia

dos serviços, muito menos nas con-

propostas orçamentárias nos anos

Nacional de Saúde e a elaboração

dições de saúde e seus determinan-

seguintes. Fatos políticos importan-

do Plano Nacional de Saúde que exigiu várias reuniões e seminários no âmbito do MS. Todavia, não foi possível lograr a consolidação de um Projeto de Governo em Saúde mais “robusto”, de modo que o discurso oficial ficou limitado a algumas propostas cujo conteúdo parece re-

tes.

tes como a implementação da Reforma Psiquiátrica21, com base na Lei 10.216/2001, e a manifestação pioneira pela assinatura da Convenção Quadro contra o Tabagismo22 não chegaram a sobrepor-se aos efeitos negativos daquele “pacote de

zação da 12a. Conferência Nacional Saúde Sérgio Arouca, precedida de conferências municipais e estaduais. Pela primeira vez na história das conferências nacionais o Ministério da Saúde explicitou suas con-

abril” 23 e das manipulações ardilo-

cepções e diretrizes mediante docu-

sas dos recursos do SUS. As políti-

mento prévio contemplando dez ei-

cas de saúde executadas nos primeiros meses de gestão, apesar de coe-

O ano encerrou-se com a reali-

xos temáticos. Ainda que em alguns

rentes com o programa do candida-

... O DISCURSO OFICIAL FICOU LIMITADO A

tópicos insinuasse certo dirigismo

to, sofreram sérios constrangimen-

ALGUMAS PROPOSTAS CUJO CONTEÚDO PARECE

mento base tinha a possibilidade de

tos políticos e econômicos (MENDONÇA et al., 2005). Tal como nos governos anteriores, em que a área econômica dominava com sua política moneta-

sobre movimentos sociais, o docu-

REFLETIR MAIS UMA PREOCUPAÇÃO COM A

facilitar a discussão de grandes te-

“MARCA” E O MARKETING DO QUE COM O AVANÇO DA REFORMA SANITÁRIA

ses, talvez no sentido de evitar a reprodução das queixas e denúncias locais que chegavam às confe-

rista, enquanto a gestão da saúde

rências nacionais. Tal propósito, en-

tentava avançar nas franjas do pos-

tretanto, não foi alcançado, impon-

sível, o primeiro ano do governo

do aos relatores um trabalho insa-

Lula encontrou no Ministério da Saúde um dos poucos espaços onde a equipe dirigente procurava honrar compromissos históricos, mesmo diante das limitações orçamentárias e dos estratagemas de seg-

fletir mais uma preocupação com a “marca” e o marketing do que com o avanço da Reforma Sanitária. Algumas iniciativas, apesar de incidirem sobre aspectos importantes das carências e necessidades de aten-

no para sistematizar centenas de propostas apresentadas no evento, o que impediu, inclusive, a votação do seu relatório final. A alternativa criada foi a realização de consultas aos delegados e a aprovação

Projeto de Lei instituindo o auxílio-reabilitação psicossocial para estimular a ressocialização de pessoas com transtornos mentais egressas de longas internações. Contempla, ainda, a criação de mais 178 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) destinados a adultos, crianças e adolescentes a aos portadores de problemas mentais devidos ao álcool e outras drogas. Saúde, Brasil 87:3, junho de 2003. Assim foi lançada pelo Presidente da República, a política de saúde mental compreendendo o “incentivo-bônus” de R$ 200,00, destinado a apoiar a reintegração sócio-familiar dos pacientes com alta hospitalar (“De volta para casa”). Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes e Metas do MS para 2003 – Andamento das Ações. 10 de julho de 2003.p.13. 22 Brasil será o primeiro país a assinar a Convenção-Quadro. Veja, 10 de junho de 2003. 23 Diante da “chantagem da FIA”, a MP autoritária faz merecer a alusão ao “pacote de abril” dos tempos do General Geisel, quando o Congresso foi fechado para ser instituída a figura do “senador biônico” que alteraria a composição do colégio eleitoral para indicar o próximo general-presidente. 21

276 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

do relatório pelo Conselho Nacional

tência Psiquiátrica Hospitalar no

medicamentos essenciais27, um edi-

de Saúde meses depois.

SUS – 2004

, estimando que 15

torial analisava a economia e des-

Do ponto de vista político, cabe

mil pacientes pudessem voltar à so-

tacava a meta de inflação de 5,5%

registrar a presença do Presidente

ciedade.25 Foram implantados 218

em 2004 e 4,5% em 2005, a taxa de

da Organização Mundial da Saúde

novos centros de atenção psicosso-

câmbio flutuante, com livre movi-

(OMS), na cerimônia de abertura da

cial (CAPS) e 160 novas residências

mento de capitais, e o compromis-

Conferência, apesar da ausência do

terapêuticas, enquanto o programa

so com o superávit fiscal de 4,25%

Presidente da República e dos mi-

De Volta para a Casa devolveu 1264

do PIB28. E se havia, ainda, algu-

nistros de Estado convidados, mes-

pacientes para o convívio social. A

ma esperança entre os otimistas

mo com o rigoroso esquema de se-

relevância dessa política pode ser

quanto a uma fase dois do gover-

gurança montado, nunca visto nas

constatada pela redução de 5.519

no, o próprio presidente deu-lhes um

conferências anteriores. De última

leitos psiquiátricos entre 2003 e ju-

choque de realidade: “Não mexo na

hora, surgiu o Vice-Presidente da

nho de 2005 26.

economia, não tem volta. O cami-

24

nho está tomado e ponto final”29.

República na solenidade, tendo o

Mas, como afirmou um dos cola-

Presidente Lula só aparecido no úl-

boradores do governo Lula,

timo dia do evento para fazer o discurso do encerramento.

A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS

Embora o Ministro da Saúde te-

RESTOU PARA A SAÚDE CONFORMAR-SE

sempre há os que buscam razões,

COM AS INICIATIVAS DE GRANDE APELO

mesmo quando a irracionalidade vai

PUBLICITÁRIO, TAIS COMO O BRASIL

sendo percebida por quase todos, para

SORRIDENTE, A FARMÁCIA POPULAR E O SAMU

justificar as opções de um governo que se deseja defender (POLETTO, 2005 p.81).

nha declarado, publicamente, que

Restou para a saúde conformar-

o Ministério apoiaria as conclusões

se com as iniciativas de grande ape-

da 12a. CNS, nos anos seguintes, o

lo publicitário, tais como o Brasil

governo já não parecia ter o mesmo

Mas, no mesmo dia em que o

ímpeto para iniciar processos e pro-

Ministro da Saúde anunciava o

jetos. Uma das exceções foi a Re-

SAMU (Serviço de Atendimento Mó-

compromisso com a ampliação do

vel de Urgência). Assim, a política

forma Psiquiátrica que alcançou

atendimento e melhoria da qualida-

de saúde bucal recebeu uma priori-

novo ânimo através do Programa

de dos serviços no SUS, com o com-

dade por parte do Ministério da Saú-

Anual de Reestruturação da Assis-

bate às endemias e com o acesso a

de, com um investimento previsto

Sorridente, a Farmácia Popular e o

PTGM - 60 de janeiro de 2004 Até o final de 2004, o MS esperava expandir para 650 o número de Caps implantados no país: “A ampliação da rede será fundamental para continuar crescendo o número de atendimentos realizados nos centros. Em 2002, foram 389,8 mil. No ano passado, ultrapassou a marca de 3,69 milhões de atendimentos , quase dez vezes mais em relação ao ano anterior www.saude.gov.br Brasília 2/2/04. Radis 19 Mar/2004 - p.14. RADIS, n. 5 abril, 2004.. http://portalweb01.saude.gov.br/saude/23/06/04. http://portalweb01.saude.gov.br/saude/29/06/04. 26 Ministério da Saúde. Balanço da Saúde, janeiro de 2003 a julho de 2005. 143p. 27 Humberto Costa. Ver :Folha de São Paulo, 19/9/04. 28 Editorial Folha de São Paulo (19/9/04). 29 Frase em aspas atribuída ao Presidente Lula durante reunião com ministros na semana de 22/11/2004. Ver: Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz. Coalizão X Colisão. Isto é. No. 1834, 1o de dezembro/2004, p.37. 24 25

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

277

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

de R$ 1,3 bilhão para atendimento

O governo aprovou o Estatuto do

Escolas ao Programa Nacional de

básico e especializado. Em pouco

Idoso buscando suprimir o proces-

DST/Aids, além da educação sexu-

mais de dois anos foi duplicado o

so asilar e atuar na promoção e re-

al nas escolas, tentando prevenir

número de equipes de saúde bucal,

cuperação da sua saúde , e apre-

DST e gravidez na adolescência.35

passando de 4.261, em dezembro de

sentou a Política Nacional de Aten-

A implementação da Política Naci-

2002, para 10.628, em junho de

ção Integral à Saúde da Mulher

onal de Alimentação e Nutrição

2005. Sob a marca foram criados

(2004-2007).

Nesse particular,

contou com distribuição de suple-

137 Centros de Especialidades Odon-

cabe registrar a importância do

mentos medicamentosos de sulfa-

tológicas em 21 estados, possibili-

lançamento de duas normas técni-

tando algum acesso à cirurgia oral,

cas para o atendimento às vítimas

endodontia e periodontia.30

de violência sexual e para atenção

No caso do chamado programa

32

33

humanizada ao abortamento 34 .

to ferroso para crianças, gestantes e mulheres.36 Em relação à saúde do trabalhador, o MS tem procurado implantar a Rede Nacional de

Farmácia Popular do Brasil, trata-

Atenção Integral à Saúde do Tra-

se da concretização de um item da

balhador (RENAST), com novas uni-

campanha eleitoral, iniciado em ju-

dades de saúde do trabalhador sob

nho de 2004, com grande apelo de

gestão dos municípios e criação de

marketing, na contramão da pro-

centros colaboradores, ligados a

posta da farmácia básica que vinha sendo implantada na rede pública

...UM DOS FEITOS MAIS SIGNIFICATIVOS DA

de serviços de saúde, conforme a

GESTÃO FOI A AMPLIAÇÃO DA COBERTURA DO

política nacional de medicamentos

PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF)...

universidades, laboratórios e instituições de ensino e pesquisa 37. Finalmente, cabe mencionar ações relativas à saúde da popu-

definida desde 1998. No que se re-

lação negra, dos quilombolas, dos

fere ao SAMU, representou um in-

indígenas e dos assentados; ações

vestimento de R$ 167 milhões, com

de vigilância sanitária e controle

um repasse mensal de R$ 11,9 mi-

de doenças transmissíveis e do ta-

lhões para 275 municípios de vinte

bagismo; ciência e tecnologia;

estados e integra a Política Nacio-

Quanto à saúde da criança e do ado-

transplantes; formação de recursos

nal de Atenção às Urgências desde

lescente, o MS buscou articular o

humanos; e promoção da saúde

setembro de 2003 31.

Programa Saúde e Prevenção nas

(Brasil Saudável)38 . Porém, um dos

Balanço da Saúde, 2005.op. cit. Cabe ainda registrar a Política de Qualificação da Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde, Qualisus/Emergência, contemplando hospitais de emergência, e o credenciamento de 2.749 novos leitos de UTI até julho de 2005. op cit. 32 Jornal Folha de São Paulo (05/ 2003); Revista do Conselho Federal de Medicina (01/2003). Radis 02/2004 p. 6. http:// www.quadranews.com.br/index.php?materia=7423. 33 www.saude.gov.br Brasília, acesso em 27 de maio de 2004 34 Balanço da Saúde, 2005 op. cit. 35 http://portalweb01.saude.gov.br/saude/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=8974 acesso em 26/03/2004 36 http://portal.saude.gov.br/saude/ acesso em 04/03/04. 37 http://portal.saude.gov.br/saude acesso em 05/03/04. 38 Merece destaque, nesse particular, a formalização da Política Nacional de Promoção da Saúde no último ano do governo. Ver: Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Portaria No. 687. De 30 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Promoção da Saúde. Diário Oficial da União, No. 63, 31/3/2006. Disponível em: www.saude.gov.br/svs 39 Balanço da Saúde, 2005 op cit. 30 31

278 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

feitos mais significativos da gestão

ados 2.260 novos leitos em Unidades

ações do Ministério da Saúde, po-

foi a ampliação da cobertura do Pro-

de Tratamento Intensivo (UTIs)40.

der-se-ia dispor de uma apreciação

grama de Saúde da Família (PSF),

positiva, mesmo faltando recursos

com 22.683 equipes, em junho de

e ousadia para intervenções mais

2005 (crescimento de 31,89%) , e 39

COMENTÁRIOS FINAIS

amplas. A realização da Conferên-

atingindo 25.141 em 2006 em 5.028

cia Nacional de Saúde Sérgio Arou-

municípios, ou seja, mais da meta-

Não sendo monolíticos nem o

ca42, da III Conferência Nacional de

de da população brasileira. Apesar desse conjunto de ações produzidas pelo MS, a Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria Geral da Presidência da República, ao realizar o balanço dos 30 meses de gestão, valorizava outros aspectos privilegiando o modelo médico hegemônico:

Estado nem os governos, mas cris-

Saúde Bucal e da II Conferência Na-

talização dinâmica de correlação de

cional de Ciência, Tecnologia & Ino-

forças políticas e culturais, cabe

vação em Saúde43 indicavam o com-

ressaltar a possibilidade de produ-

promisso do gestor federal do SUS

ção de fatos políticos relevantes

com o controle social. A ampliação

A decisão política do Governo Fede-

da atenção básica através do PSF, os esforços para a formulação de políticas para a assistência hospi-

....AVALIAR A POLÍTICA DE SAÚDE NA

talar, urgências e a chamada ‘média e alta complexidade’, além da

ral de optar por mais recursos (...) fez

CONJUNTURA EXCLUSIVAMENTE PELAS AÇÕES

elaboração e aprovação do Plano

com que a saúde pública no Brasil pro-

DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, PODER-SE-IA

Nacional de Saúde e dos Pactos pela

movesse mudanças evidentes, como o setor nacional de transplantes, que conseguiu, de janeiro de2000, a maio de 2005, realizar 33.189 transplantes de

DISPOR DE UMA APRECIAÇÃO POSITIVA, MESMO FALTANDO RECURSOS E OUSADIA PARA INTERVENÇÕES MAIS AMPLAS

órgãos e tecidos (...); implantação de

Saúde,44 também podem ser consideradas intervenções relevantes para o SUS. Contudo, iniciativas como Farmácia Popular e Brasil Sorridente ,que compuseram a publicidade do

94 Serviços de atendimento Móvel de

governo na saúde, reforçam a ten-

Urgência (SAMU), envolvendo 606

mesmo por um setor não prioriza-

dência de privilegiar projetos de

municípios, com 901 ambulâncias dis-

do pelo governo41. Se fosse possí-

impacto na mídia em detrimento de

tribuídas e cobertura populacional de

vel avaliar a política de saúde na

políticas públicas comprometidas

mais de 82 milhões de pessoas (...); cri-

conjuntura exclusivamente pelas

com a radicalização da RSB. Por-

Ver; em questão. Balanço de 30 meses de governo - Parte 3 Especial Nº 14 - Brasília, 11 de outubro de 2005 Saúde não merecia destaque em publicações do governo nem no discurso dos dirigentes. Ver: em questão, Balanço - 36 meses de governo - Parte 3. No.17, 8 de fevereiro de 2006. 42 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (04/03/2002), www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (03/03/2003). 43 Brasil. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil. Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília, 2004. 306p. 44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Coordenação-Geral de Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes operacionais dos Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Ministério da Saúde: Brasília, 2006. 76p. 45 Somente no último ano de gestão foi criada por decreto presidencial, no âmbito do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), dispondo de um grupo de trabalho com representantes de vários ministérios (Decreto de 13 de março de 2006). DOU, No. 50:21, 14 de março de 2006. 40 41

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

279

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

tanto, se saúde for considerada a partir da conceituação expressa na Constituição da República, a política de saúde realizada pelo governo Lula foi desastrosa: não se avançou na ação intersetorial ; o 45

desemprego e a violência continuaram negando o direito à vida; faltam evidências de prioridade para a saúde; e o setor não foi poupado nos cortes dos gastos públicos nem no contingenciamento de verbas já garantidas pelo orçamento46. Enquanto o SUS enfrentava dificuldades, o sistema de assistência médica supletiva (SAMS) ganhou ânimo novo durante o governo Lula, crescendo 21%47. Portanto, a continuidade das políticas de ajuste macro-econômico e as reformas da previdência48 e tributária contrastam com a debilidade das políticas sociais49. Os que desde o primeiro ano de gestão tiveram a coragem de expor publicamente suas críticas foram acu-

sados de julgar “com crescente severidade o governo Lula”50, ainda mais diante da simpatia despertada por um ex-metalúrgico carismático51. Alguns consideravam a crítica precoce e precipitada, já que muitos acreditavam na chamada “fase dois” ou de reorientação do rumo do governo: “Não faz sentido dizer que o jogo acabou sugerindo que o jogo poderia ser jogado de outra maneira, quando isso não é verdade”.52

Mas a possibilidade de redefinição da política econômica já parecia, desde o início do governo, muito improvável. Seja por uma impossibilidade lógica

53

, seja pelo com-

promisso da ‘Carta aos Brasileiros’ e do Ministério da Fazenda com a sua manutenção, seja pelas indicações contidas no Plano Pluri-Anual (PPA) com a reiteração da meta de superávit primário de 4,25% até o final do governo54. Assim, desde aquela época, a análise do sociólogo Chico de Oliveira apresentava uma conclusão desconcertante: A luta foi ganha pela continuidade.

...A CONTINUIDADE DAS POLÍTICAS DE AJUSTE MACRO-ECONÔMICO E AS REFORMAS DA

A vertente da ruptura perdeu (...) Para

PREVIDÊNCIA E TRIBUTÁRIA CONTRASTAM COM

estruturado, mais claro. Talvez por isso

A DEBILIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS...

falar a verdade, o programa do Serra era melhor do que o do Lula. Mais bem ele tenha perdido 55.

No interior do governo, alguns reconheciam que a opção por uma

46 No final de 2005, a MP 261 tentou tirar R$ 1,2 bilhão da saúde para o Fome Zero, além de recursos para hospitais das Forças Armadas (11/2005), e transferiu R$ 186 milhões para o Ministério das Cidades tratar esgotos. Ver: Westin, R. Brecha na lei tira R$ 9 bi da saúde. O Estado de São Paulo, 28/11/ 2005. Ver, ainda: Entrevista: Financiamento do SUS é o grande desafio. Medicina CFM, 156:20-22, agosto/setembro/outubro 2005; Ministério da Saúde investiu apenas 5,59% de seu orçamento. Medicina CFM, 156:23, agosto/setembro/outubro 2005; 2o Encontro Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde. Palmas para a luta do MP! Radis, 39:14-17, novembro de 2005. 47 Entre 2000 e 2002 o SAMS esteve estacionado na faixa de 35 milhões de beneficiados de planos de saúde, voltando a crescer na gestão petista: 37.103.604 em 2003; 39.567.190 em 2004; e 42.452.067 em dezembro de 2005. www.ans.gov.br/portalv4/site/home/default.asp (acesso em 11/4/2006). 48 “Cadê a ‘ampla e democrática negociação’ tanto sobre reforma trabalhista como sobre reforma previdenciária?” (item 56 do Programa de Governo – Coligação Lula Presidente). Rossi, C. Folha de São Paulo, 1º de julho de 2003. P. A 2. 49 Não confundir políticas sociais com programas de assistência social (Pro poor programs) ou programas de transferência condicionada (PTC), prescritos pelos organismos internacionais, a exemplo do Bolsa Família. 50 Carta aos Petistas (Flávio Koutzii, deputado estadual, PT-RS, 29/6/03). 51 “Lula atingiu aquele estágio em que não precisa provar nada, apenas que está realmente preparado para ser o presidente que ele prometeu ser e que todos nós também queremos que ele seja”. Cony, C.H. O presidente que todos desejamos. Folha de São Paulo, 18/7/03. p. E 10. 52 Ver o cientista político Fábio Wanderley dos Reis (UFMG) na Folha de São Paulo, 8/06/03p.A.8. 53 Segundo o filósofo Paulo Arantes, “uma vez adotada a atual política macroeconômica, que não é especificamente brasileira, mas mundial, a saída é uma impossibilidade lógica (...) Não posso dizer para os mercados, para os investidores, para banco internacional, para a administração americana: ‘agora que vocês viram como sou eficiente, de absoluta confiança, que não vou fazer nenhuma irresponsabilidade na condução da política macroeconômica, agora que vocês podem acreditar definitivamente em mim, eu vou mudar”. Folha de São Paulo, 8/06/03p.A.8. 54 O Ministro Palocci “elevou a meta de superávit primário (a economia de receitas destinadas a pagar os juros da dívida) de 3,75% para 4,25% do PIB”, comprometendo-se a “manter esse patamar mínimo ao longo de todo o mandato de Lula”, apesar das divergências internas da área econômica: a ala liberal da Fazenda X intervencionistas do Planejamento (Mantega) e do Desenvolvimento (Furlan). Ver: Patú, G. Ajuste compromete “espetáculo”. Folha de São Paulo, 29 de junho de 2003, p. A.4. 55 Folha de São Paulo, 8/06/03p.A.8.

280 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

política monetarista provocava aumento do desemprego e redução da atividade econômica, mas, por falta de alternativa a tal política ou por insuficiência de poder para reformulá-la, admitiam que intervenções nas franjas do capitalismo seriam capazes de retomar o desenvolvimento do país: Lula está procurando combinar uma política macroeconômica ortodoxa com políticas mesoeconômicas que

nizados, responsabilizados pelo suposto déficit da previdência e ameaçados nos seus direitos como trabalhadores que assinaram contratos sob determinadas regras, enquanto estas eram mudadas sem a sua participação? Mesmo que as políticas sociais não apresentassem mais retrocessos e conseguissem se proteger das investidas do Banco Mundial e dos assessores da área econômica, herdados do governo FHC, contra a

lítica Econômica do Ministério da Fazenda, em abril de 2003, registrando um controle severo dos gastos públicos até o final do governo: “Uma das tarefas do governo é a execução de uma política fiscal sólida, nos próximos ano,s que traga consistência de médio e longo prazo às contas públicas, e uma melhoria da qualidade do ajuste fiscal realizado nos últimos anos (p.7)(...).No que se refere a políticas sociais, é fundamental que se

vão na direção oposta. Enquanto man-

implementem reformas que corrijam

tém juros altos e oferta de crédito ban-

grandes distorções no que tange à es-

cário restrita, o presidente promove a

trutura tributária do governo e à foca-

liberação das cooperativas de crédito e

lização e à eficácia dos programas so-

a ampliação do microcrédito. O resul-

ciais”57.

tado esperado seria a expansão de crédito a juros mais baixos para pequenos e microempresários, enquanto as empresas de maior tamanho continuariam tendo de lidar com uma política monetária restritiva. Lula aposta na vol-

COMO IMPLANTAR UMA “CARREIRA DO SUS”, QUANDO OS SERVIDORES PÚBLICOS ERAM SATANIZADOS, RESPONSABILIZADOS PELO SUPOSTO DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA...

ta do crescimento pela expansão dos pequenos, ou seja, com distribuição de renda. ( SINGLER, 2003 p.10)56

Mas se a política econômica aumentava o desemprego, produzia doenças e violências, além de comprometer os serviços públicos, como avançar no SUS, movido a gente e a recursos públicos? Como implantar uma “carreira do SUS”, quando os servidores públicos eram sata-

universalização estabelecida pela Constituição da República, a política econômica continuava produzindo desemprego, desigualdades, estagnação e vulnerabilidade externa. Esses tempos já eram anunciados no documento do Secretário de Po-

Para o governo as medidas adotadas se faziam imprescindíveis, pois considerava que pior seria o risco de uma desorganização da economia. E o presidente, que desejava um crescimento com face humana58 e anunciava, a cada ano, o espetáculo do crescimento, contentou-se por ter evitado o risco de descontrole inflacionário e ter obtido maioria parlamentar para aprovação das propostas de reformas enviadas para o Congresso Nacional, mediante uma articulação política com métodos escusos. Estes passaram a ser utilizados para manutenção da base de apoio ao

Entrevista Paul Singer. A Tarde, 9/6/03.p.10. Ministério da Fazenda. Política Econômica e Reformas Estruturais.Brasília, abril de 2003. 95p. Esta mesma equipe volta a atacar o gasto social dedicando mais de três páginas à saúde com a seguinte conclusão: “Embora a proporção de gastos com saúde destinados ao atendimento hospitalar e curativo tenham diminuído nos últimos anos, o seu nível ainda é relativamente alto” (p.33). Ver: Ministério da Fazenda. Secretaria de Política Econômica. Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002. Brasília, novembro de 2003.47p. 58 Lula quer “crescimento com face humana” .Folha de São Paulo, 3 de julho de 2003.p. B 10. Ver também: ‘Espetáculo do crescimento’ não ocorre neste ano, diz BC. Folha de São Paulo, 1/07/03 p.A 1. . 56 57

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

281

TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva

governo e desencadearam a crise política conhecida como o escândalo do ‘mensalão’, que marcou o ano de 2005 e progrediu em 2006. 59 As reuniões do Congresso na espiral de CPIs representaram a face mais visível do espetáculo de arrogância e desprezo pelos princípios e valores republicanos60. E se a efetividade das políticas sociais é reconhecida a partir dos efeitos observados (indicadores sociais), as evidências, também, não são alentadoras:

tenção dessa situação, além dos quadros partidários que se deslumbraram com o exercício do poder e suas benesses: de um lado, os banqueiros, ínfima minoria de privilegiados, e, do outro, a massa de miseráveis que continua apostando em Lula por agradecimento às migalhas recebidas por meio das políticas assistencialistas. Melancólica a primeira experiência de gestão do Estado capitalista no Brasil por forças consideradas de esquerda. O ‘transformis-

A julgar pelo que foi realizado até

damento externo como “solução” e abrindo as portas à financeirização da economia e das contas do Estado. No pós-85, possibilitou a emergência de uma nova classe social que se estrutura sobre (...) técnicos e economistas “doublés” de banqueiros (núcleo duro do PSDB) e trabalhadores transformados em operadores de fundos de previdência (núcleo duro do PT) com controle do acesso aos fundos públicos e conhecimento do “mapa da mina (OLIVEIRA, 2003 p. 147).

agora, a política de Lula segue a das administrações anteriores (...). Ao mesmo tempo, a ênfase da atividade governamental parece ter se deslocado das políticas universalizantes e habilitadoras, como educação e saúde, para os programas assistenciais destinados

...FICA A IMPRESSÃO DE UM GOVERNO SEM FISIONOMIA, SEM COLUNA VERTEBRAL, CARACTERIZADO PELA RENDIÇÃO À POLÍTICA ECONÔMICA NEOLIBERAL E PELA

aos mais pobres, como o Bolsa-Família (ALMEIDA, 2004, p.16-17).

Do balanço mais geral, fica a impressão de um governo sem fisionomia, sem coluna vertebral, caracterizado pela rendição à política econômica neoliberal e pela implementação de um conjunto de medidas de cunho populista, configurando uma situação apoiada pelos extremos da sociedade brasileira, únicos a se beneficiarem com a manu-

IMPLEMENTAÇÃO DE UM CONJUNTO DE MEDIDAS DE CUNHO POPULISTA ...

mo’ brasileiro há tempos se apresentou como modernização conservadora, com revolução produtiva sem revolução burguesa. Recorreu à ditadura militar (1964-1985) como ‘via prussiana’, adotando o endivi-

É possível creditar a essas forças aquilo que alguns autores (COSTILLA, 2001; IVO, 2001). chamam de estatização de partidos políticos, destituição do social, reforma neoliberal do Estado e esvaziamento da democracia. O governo Lula, no continuísmo da política econômica de FHC (que tanto deplorou) e na mesmice da gestão das políticas sociais, brindou os brasileiros não com a dialética do possível, 61 mas com a dialética do menos pior. Manter e consolidar conquistas históricas permanecem como desafios, inclusive diante das modificações da equipe dirigente do Ministério da Saúde62. Ao mesmo tempo, a natureza suprapartidária do mo-

O momento da verdade. Isto é, 19 de abril de 2006, p.28-32. Menos de duas semanas antes das eleições presidenciais a sociedade brasileira viu-se surpreendida com mais um escândalo político: o chamado, pela mídia, “dossiêgate”. Ver: Sismo sob o PT. Folha de São Paulo, 25 de setembro de 2006. A2 (Editoriais). 61 Expressão utilizada por Campos (1988:189) para questionar a política de setores de esquerda que ocuparam posições de governo na Nova República. 62 Como parte das manobras realizadas com o intuito de administrar a crise e tentar levar o governo até o final, a reforma ministerial feita às pressas em 2005, contemplou a substituição do Ministro Humberto Costa, pelo Deputado Saraiva Felipe, do PMDB. Tal episódio revelou, entretanto, o esforço dos atores envolvidos com o movimento da Reforma Sanitária em continuar disputando, palmo a palmo, o terreno minado da política brasileira. Mesmo uma articulação partidária de caráter fundamentalmente fisiológico, contemplou um personagem vinculado ao projeto histórico da Reforma Sanitária. Assim, diversos atores continuam se revezando no espaço institucional, mesmo depois da saída do Ministro Saraiva Felipe, em 2006, para evitar o mal maior, no caso, a saúde voltar a ser “terra de ninguém”, presa do clientelismo, da irresponsabilidade e da corrupção endêmica. 59 60

282 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005

A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior

vimento sanitário brasileiro ainda

BRASIL, Ministério da Saúde. Dire-

ARAÚJO, Manuela Santana et al. Po-

permite pensar a Reforma Sanitária

trizes e Metas do MS para 2003 –

líticas de Saúde do Governo Lula:

como uma utopia concreta, um pro-

Andamento das Ações. 10 de julho

avaliação dos primeiros meses de

jeto civilizatório que

de 2003. p.1.

gestão. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.29, n.70, p.109-124, maio/ ago. 2005.

pretende produzir mudanças dos

BUSTAMENTE, Fernando; PORTA-

valores prevalentes na sociedade bra-

LES, Carlos. Evaluación de Políticas

sileira, tendo a saúde como eixo de

y Programas de Salud. In: OPS/CLAD.

OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à

transformação e a solidariedade como

Políticas de Salud en América Lati-

razão dualista - O ornitorrinco. São

valor estruturante (CARTA DE BRASÍ-

na. Aspectos Institucionales de su

Paulo, Boitempo, 2003. 150 p.

LIA 2005)

Formulación, Implementación y

63

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63

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005

283

MORONI, José Antônio

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

O direito à participação no Governo Lula

The right to participation in the Lula Government

José Antônio Moroni1

RESUMO Pretende-se analisar como o Governo Lula tratou a questão da participação, tendo como olhar especial a criação e a reformulação de

Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007

conselhos de políticas públicas nacionais, a realização de conferências nacionais e o processo participativo de debate do Plano Plurianual (PPA 2004-2007), ocorrido em 2003. A análise foca o sistema descentralizado e participativo, sem deixar de reconhecer outras formas de participação e sua importância. Procura-se trazer algumas questões para os movimentos sociais e as organizações que se propõem a interferir de forma propositiva na deliberação das políticas públicas, e, portanto, construir a participação como um direito humano fundamental. PALAVRAS-CHAVE : Participação no Poder; Conselho de Política Pública; Conferências Nacionais.

ABSTRACT This article intends to analyze how the Lula government has handled the issue of participation, especially in terms of the creation and reformulation of national public policy councils, the staging of national conferences and the participative debate process of the Multi-Year Plan 1

Filósofo; é membro do colegiado de ges-

(PPA 2004-2007) in 2003. The analysis focuses on the decentralized and

tão do Instituto de Estudos Socioeconô-

participative system, without failing to acknowledge other forms of

micos (I NESC), da executiva nacional da

participation and their importance. It looks to drawn on some issues in

Associação Brasileira de Organizações Não

relation to social movements and organizations that purposefully

Governamentais (ABONG), secretário nacio-

interfere in the resolution of public policies, and thus establish

nal do FNPP (Fórum Nacional de Partici-

participation as a fundamental human right.

pação Popular) e membro do CEBES. E-mail: [email protected]

KEYWORDS: Participation in power; Public Policy Council; National Conferences.

284 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

INTRODUÇÃO

A própria idéia de participação

resses dos ‘donos do poder’ que

de todos e de todas como elemento

suprimem a voz dos dominados,

Homens e mulheres sempre lu-

fundamental e constituinte do espa-

criando a ilusão de que todos têm

taram para participar da esfera pú-

ço público foi abandonada em ra-

as mesmas oportunidades e de que

blica. Assim, além da igualdade e

zão de seu potencial desestabiliza-

as desigualdades entre as pessoas

da liberdade, a demanda por parti-

dor das estruturas de dominação.

têm origem nas diferentes capaci-

cipar sempre esteve presente nas

A democracia passa a ser entendi-

dades individuais ou depende de

lutas sociais nos diferentes perío-

da apenas como um método, ou

sorte. Os mais bem-sucedidos seri-

dos da historia e de diversas for-

seja, um procedimento de escolha

am os mais capazes e talentosos.

mas. Por isso, participar significa

dos representantes por meio de elei-

Em especial nos países da Amé-

incidir politicamente nas questões

ções. Dentro dessa concepção, os

rica Latina, esta concepção de de-

regimes políticos democráticos são

mocracia e participação política li-

aqueles que seguem os procedimen-

mitada, aliada a uma igualdade

que dizem respeito à vida concreta das pessoas, mas também, nos pro-

estabelecida apenas do ponto de vis-

cessos de tomada de decisão do

ta formal, esconde uma estrutura

Estado e dos governos, o que, por sua vez, afeta sempre de uma forma ou outra a vida concreta das pessoas. Ao longo dos tempos, as ‘diferenças’ entre as pessoas e grupos sempre foram a origem das ‘desi-

A PRÓPRIA IDÉIA DE PARTICIPAÇÃO DE TODOS E DE TODAS COMO ELEMENTO FUNDAMENTAL E CONSTITUINTE DO ESPAÇO PÚBLICO FOI ABANDONADA EM RAZÃO DE SEU POTENCIAL

gualdades’, por isso, quase sempre,

DESESTABILIZADOR DAS ESTRUTURAS DE

achamos que as duas coisas são a

DOMINAÇÃO

mesma coisa. As estruturas de do-

de dominação e opressão construída historicamente e perpetrada pelo próprio Estado, que nunca foi democrático ou de fato público, mas patrimonialista ao extremo, patriarcal e, no caso brasileiro, escravocrata e burocrático.

UM POUCO DE HISTORIA DA PARTICIPAÇÃO NO BRASIL

minação e manutenção de privilégios de uma classe ou de um grupo sobre outros (status), que é a desi-

tos eleitorais e garantem certas li-

Em nosso país, sempre ocorre-

gualdade, têm como base as dife-

berdades e igualdades formais, para

ram movimentos de resistência à

renças de etnia/raça, local de nas-

que os/as ‘eleitores-clientes’ possam

dominação e à apropriação do es-

cimento ou de moradia, sexo, ori-

escolher no mercado eleitoral a pro-

paço e dos bens públicos e do pró-

entação sexual, nacionalidade, etc.

posta mais adequada às suas pre-

prio Estado por interesses privados.

e originaram formas muito diferen-

ferências racionais.

Recentemente, no final da déca-

ciadas de participação e, em mui-

Essa redução da democracia e

da de 1970 e início dos anos 80, o

tas casos, de negação do próprio

da participação política a um pro-

movimento social1 retomou a ques-

direito a participar.

cedimento formal atende aos inte-

tão da democratização do Estado,

1 Apesar de existirem vários e diversos movimentos sociais, usaremos a expressão’movimento socia’ no singular, pois não falamos de um movimento específico mas de um conjunto de ações da sociedade civil que se materializou na organização de um movimento social amplo, com características, filosofias e concepções comuns – que se denominou ‘campo democrático e popular’ –, tendo como agenda política a construção do Estado Democrático e Social e o combate a todas as formas de desigualdades.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

285

MORONI, José Antônio

debatendo a seguinte questão: Que

porando cinco dimensões: 1) formu-

Foi por ocasião da regulamenta-

mecanismos são necessários para

lação; 2) deliberação; 3) monitora-

ção dessas diretrizes constitucionais

democratizar o Estado e torná-lo de

mento; 4) avaliação; e 5) financia-

que começaram a ser estruturados

fato público? Na formulação desta

mento das políticas públicas (orça-

espaços públicos institucionais

questão estava embutida a avalia-

mento público). A Constituição de

como os conselhos de políticas pú-

ção de que a democracia represen-

1988(BRASIL, 1988) transformou

blicas e as conferências, mecanis-

tativa – via partidos e processo elei-

essas questões em diretrizes de di-

mos que concretizam os princípios

toral – não é suficiente para respon-

versas políticas, em especial as cha-

constitucionais de democratização

der às complexas necessidades da

madas políticas sociais.

e de controle social. A exceção é a

sociedade moderna e da multiplici-

O inciso II do artigo 204 da Cons-

política de saúde, que incorporou a

dade dos sujeitos políticos. Era ne-

tituição Federal (1988), que trata da

participação na sua formulação

cessário criar outros mecanismos de

política pública de assistência so-

antes da Constituição de 1988.

participação que permitissem fazer

cial, por exemplo, diz: “participa-

Vale ressaltar que na política

a expressão política desta multipli-

econômica não se criou nenhum

cidade emergir na esfera pública e,

mecanismo institucionalizado e

ao mesmo tempo, influenciar as

público de participação, assim

decisões políticas. Isso significava criar estratégias e propostas para além da garan-

A CONSTITUIÇÃO DE 1988 APRESENTOU GRANDES AVANÇOS EM RELAÇÃO AOS DIREITOS

tia e efetivação de direitos civis,

SOCIAIS, APONTANDO, CLARAMENTE, PARA A

políticos, sociais, econômicos e cul-

CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO DE BEM-ESTAR

turais, permitindo e assegurando a participação popular efetiva nas

PROVEDOR DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ...

políticas públicas e em todas as

como não foi criado nenhum mecanismo participativo em arenas de decisão que definem as diretrizes do modelo de desenvolvimento brasileiro. A Constituição de 1988 apresentou grandes avanços em relação aos direitos sociais, apontando, clara-

decisões de interesse público. Por-

mente, para a construção de um

tanto, tornar a participação também

Estado de Bem-Estar provedor da

um direito humano fundamental,

universalização dos direitos soci-

fundante e estruturante dos demais

ção da população, por meio de or-

ais.2 Além disso, introduziu instru-

direitos.

ganizações representativas, na for-

mentos de democracia direta (ple-

mulação das políticas e no contro-

biscito, referendo e iniciativa popu-

No processo da Constituinte (1986-88), essas concepções políticas foram detalhadas e aprofundadas. O movimento social levou para ela, além da luta pela democratiza-

le das ações em todos os níveis” (BRASIL, 1988, p. 41). Este processo criou o que chamamos do ‘siste-

lar) – que foram regulamentados pelo Congresso Nacional de forma limitada, abrindo a possibilidade de se criarem mecanismos de democra-

ção e publicização do Estado, a ne-

ma descentralizado e participativo’

cia participativa (os conselhos de

cessidade do controle social, incor-

das diferentes políticas públicas.

políticas públicas, por exemplo).

2 Estamos utilizando como conceituação de Estado de Bem-Estar a definição apresentada por Falcão (1991). Conforme esta autora, o Estado de Bem-Estar é aquele constituído nos países de capitalismo avançado, possuindo como características: a) direitos sociais como paradigma; b) origem num pacto social e político entre Capital-Estado-Trabalho; c) configuração como agente central na reprodução social; d) gestor poderoso das políticas sociais, que são a expressão essencial do Estado.

286 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

Entretanto, no que se refere à

autônoma e independente. A concep-

O presente artigo procura anali-

ordem econômica, ao sistema polí-

ção neoliberal entendia a descentra-

sar como o Governo Lula tratou a

tico (financiamento público exclu-

lização como estratégia de enfra-

questão da participação, tendo

sivo de campanha, democratização

quecimento do Estado (desregula-

como olhar especial a criação e a

dos partidos, processos eleitorais

mentação) e a participação como

reformulação de conselhos de polí-

transparentes, mecanismos que vi-

meio de repassar para a sociedade

ticas públicas nacionais, a realiza-

abilizem a participação da mulher

atribuições do Estado, sobretudo na

ção de conferências nacionais e o

na política, possibilidade de cassa-

área social.

processo participativo de debate do

ção de mandato pela população,

As mais importantes forças

Plano Plurianual (PPA 2004-2007),

etc.) e a democratização da infor-

sociais/políticas que atuaram na

ocorrido em 2003. Centramos a aná-

mação e da comunicação, dimen-

construção desse ‘modelo’ de parti-

lise do sistema descentralizado e

sões fundamentais para a constru-

cipação foram o chamado campo

participativo, o que não quer dizer

ção de um Estado democrático, a

democrático e popular, cujo princi-

que não reconheçamos outras for-

Constituição de 1988 foi extrema-

mas de participação e sua impor-

mente conservadora.

tância. Procuramos trazer algumas

Existe uma contradição entre

No Brasil, ao mesmo tempo que se

NO BRASIL, AO MESMO TEMPO QUE SE ELABORAVA UMA CONSTITUIÇÃO QUE APONTAVA PARA A CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, DO PONTO DE VISTA DA

elaborava uma Constituição que

POLÍTICA ENTRÁVAMOS NA ERA NEOLIBERAL

apontava para a construção do Es-

COM A ELEIÇÃO DE FERNANDO COLLOR DE

esse processo e o momento histórico vivido internacionalmente, marcado pela ampliação e pelo fortalecimento das políticas neoliberais.

tado de Bem-Estar Social, do ponto de vista da política entrávamos na

MELLO PARA A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

era neoliberal com a eleição de Fernando Collor de Mello para a Presi-

organizações da sociedade civil na

pal canal partidário era o Partido dos Trabalhadores (PT). Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, em 2002, criou-se a expectativa de que o chamado ‘sistema descentralizado e participativo’ fosse realmente efetivado. Esperava-se que os cidadãos e cidadãs do Brasil pudessem participar de modo ativo e cada vez mais das decisões públicas e que novos canais de participação fossem

definição das políticas, de forma

criados.

dência da República. Aqui, é importante assinalar certa coincidência dos discursos em relação à descentralização e à participação. O movimento social falava em descentralização no sentido do poder de decisão estar mais perto da população e não concentrado em ‘Brasília’, isto é, no município e não mais na União. Falava em participação das

questões para os movimentos sociais e as organizações que se propõem a interferir de forma propositiva na deliberação das políticas públicas, portanto, para construir a participação como um direito humano fundamental.

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O SISTEMA DESCENTRALIZADO Como ponto de partida, queremos fazer quatro afirmações: 1) que a democracia participativa não se reduz ao sistema descentralizado e participativo; 2) que existem outras formas legítimas de participação, sejam institucionalizadas ou não (não se pode reduzir a participação ao sistema descentralizado e participativo); 3) que a concepção de um sistema descentralizado e participativo (conselhos e conferências com

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

287

MORONI, José Antônio

caráter deliberativo) escapa aos tra-

diferentes segmentos da população

agregando grupos sociais que pas-

dicionais mecanismos políticos de

podem ser expressadas no espaço

sam a agir como sujeitos políticos

decisão e legitimação (democracia

público de forma democrática, es-

coletivos, com perspectivas e cons-

representativa ou direta); 4) Reco-

tando associada ao modo como es-

truções próprias, reivindicando re-

nhecemos, apesar das críticas e do

tes ‘grupos’ se percebem como ci-

conhecimento, direitos, redistribui-

quadro atual do sistema, o não-es-

dadãos e cidadãs. A participação é

ção de riquezas e de poder perante

gotamento da estratégia construída

um processo educativo-pedagógico.

as estruturas de interesses domi-

pela sociedade civil do campo de-

Expressar desejos e necessidades,

nantes na sociedade e no Estado.

mocrático e popular nas últimas

construir argumentos, formular pro-

Na década de 1980 os então de-

décadas.

postas, ouvir outros pontos de vis-

nominados ‘novos sujeitos políticos’

As modalidades tradicionais do

ta, reagir, debater e chegar ao con-

– movimento negro, de mulheres,

direito de participação política –

senso são atitudes que transformam

socioambientalista, indígena, ho-

como o direito de votar e ser vota-

todos aqueles que integram proces-

mossexual, de pessoas com defici-

do, a filiação partidária, etc. – não

ência, de crianças e adolescentes,

são suficientes para a cidadania de

sem-terra, sem-tetos, etc. –, até en-

hoje. Há necessidade de se criar

tão sub-representados na política

novas modalidades de participação política, isto é, novas formas de exercer o direito fundamental do ser

AS MODALIDADES TRADICIONAIS DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA –

brasileira, juntamente com os movimentos e organizações tradicionais, se inter-relacionam para trans-

humano de “tomar parte no gover-

COMO O DIREITO DE VOTAR E SER VOTADO, A

no de seu país diretamente ou por

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA, ETC. – NÃO SÃO

truindo processos democráticos e

SUFICIENTES PARA A CIDADANIA DE HOJE

Foi esse amplo movimento soci-

intermédio de representantes livremente escolhidos” (artigo XXI da

formar demandas em direitos, consum outro modelo de sociedade.

Declaração Universal dos Direitos

al e popular que elaborou a estra-

Humanos).

tégia de criação do sistema descen-

A participação tem valor em si

tralizado e participativo (conselhos

mesma, por isso não é instrumen-

e conferências) como instrumento de

tal de um projeto político. Podemos

sos participativos. É uma verdadei-

democratização e publicização do

dizer que a participação tem duas

ra educação republicana para o

Estado. Vale ressaltar aqui a impor-

dimensões fundamentais interliga-

exercício da cidadania, que amplia

tância que teve neste processo os

das e que interagem permanente-

um espaço público real, em que a

profissionais que atuavam no inte-

mente: a dimensão política e a pe-

construção dialogada do interesse

rior do Estado e que, em aliança

dagógica. Participação, antes de

público passa a ser o objetivo de

com esse movimento, ajudaram na

mais nada, é partilha de poder e

todos os homens e mulheres. Por

construção da estratégia política.

reconhecimento do direito a interfe-

isso, participar também é disputar

rir de maneira permanente nas de-

sentidos e significados.

Partindo destas premissas, vamos situar e analisar o sistema des-

cisões políticos (dimensão política).

A interação de homens e mulhe-

centralizado e participativo, pois

É também a maneira pela qual as

res nesse espaço público produz

entendemos que sua legitimidade

aspirações e as necessidades dos

solidariedade e identidades comuns,

está no reconhecimento da democra-

288 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

CONSELHOS

cia participativa como arranjo ins-

j) Liberdade de escolha da presidên-

titucional que amplia a democracia

a) órgão público e estatal;

cia do conselho pelo próprio conse-

política e o espaço público. Por sua

b) com participação popular, por

lho;

vez, a legitimidade da democracia

meio de representação institucio-

k) Presente nas três esferas de go-

participativa fundamenta-se no re-

nal;

verno, funcionado em forma de sis-

conhecimento do direito à partici-

c) representantes da sociedade ci-

tema descentralizado.

pação, da diversidade dos sujeitos

vil eleitos em fórum próprio e pela

políticos coletivos e da importân-

própria sociedade;

mos definir ‘conselho de política

cia da construção do espaço públi-

d) com composição paritária entre

pública’ como espaço fundamental-

co de conflito/negociação. Por isso,

governo e sociedade (reconhecimen-

mente político, institucionalizado,

amplia os processos democráticos,

to da multiplicidade dos sujeitos

funcionando de forma colegiada,

não atuando em substituição ou

políticos);

autônomo, integrante do poder pú-

Com base na concepção, pode-

oposição à democracia representa-

blico, de caráter deliberativo, com-

tiva.

posto por membros do governo e da

O sistema descentralizado e participativo é um espaço essencial-

sociedade civil, com as finalidades de elaboração, deliberação e contro-

mente político, instituído por repre-

... A CONCEPÇÃO DO SISTEMA

sentações governamentais e não

DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO

governamentais, responsáveis por

(ESPECIALMENTE OS CONSELHOS E CONFERÊNCIAS) CRIADO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ESTÁ RELACIONADO À QUESTÃO DA

elaborar, deliberar e fiscalizar a implementação de políticas públicas, estando presentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional. Dessa forma, inauguram uma nova

DEMOCRATIZAÇÃO E DA

concepção de espaço público ou

PUBLICIZAÇÃO DO ESTADO

mesmo de democracia. Podemos

le da execução das políticas públi-

cipativo (especialmente os conselhos e conferências) criado na Constituição de 1988 está relacionado à questão da democratização e da publicização do Estado. Em outras palavras, é uma das possibilidades criadas para enfrentar a ausência de mecanismos eficazes de controle da população sobre os atos do Estado. O sistema descentralizado e participativo foi concebido com as seguintes características:

Na verdade, o conselho é um instrumento para a concretização do controle social – uma modalidade do direito à participação política que deve interferir efetivamente no processo decisório dos atos governamentais. Numa leitura simplificada, po-

afirmar, também, que a concepção do sistema descentralizado e parti-

cas.

demos dizer que os conselhos dese) criado por lei ou outro instrumento jurídico, portanto, espaço institucional; f) com atribuições deliberativas e de controle social; g) espaço público da relação e da interlocução entre Estado e sociedade; h) mecanismo de controle da sociedade sobre o Estado; i) com atribuições de discutir a aplicação dos recursos, isto é, do orçamento público;

locam o espaço de decisão do estatal-privado para o estatal-público, dando oportunidade à transformação dos sujeitos sociais em sujeitos políticos, em que a governabilidade é democrática e compartilhada por todos. CONFERÊNCIAS São espaços institucionais de deliberação das diretrizes gerais de uma determinada política pública. São espaços mais amplos que os

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

289

MORONI, José Antônio

conselhos, envolvendo outros sujei-

ção, etc. Mas aqui vale a pergunta:

foram tornados desiguais. ‘Univer-

tos políticos que não estejam neces-

por si só, este processo democrati-

salizar’ significa estender a todos e

sariamente nos conselhos, por isso,

za a definição das políticas públi-

a todas a cobertura de iguais direi-

têm também caráter de mobilização

cas?

tos e, também, responsabilizá-los

social. Governo e sociedade civil, de forma paritária, por meio de suas

pela efetivação de tais direitos. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

universalização da cidadania, no

representações, deliberam de forma

Podemos afirmar que o princi-

caso brasileiro, não será alcançada

pública e transparente. Estão inse-

pal objetivo estratégico da democra-

sem a implementação de políticas

ridas no que chamamos de ‘demo-

cia participativa é a universaliza-

reparadoras dos danos causados

cracia participativa’ e do ‘sistema

ção da cidadania, portanto, a cons-

por séculos de exploração, desigual-

descentralizado e participativo’,

trução de uma democracia cotidia-

dades, preconceitos e discrimina-

construído a partir da Constituição

na. A democracia não pode ser algo

ções.

de 1988 e que permite a construção

abstrato na vida das pessoas ou, de

A construção da democracia nos

de espaços de negociação, a cons-

impõe vigilância permanente e cons-

trução de consensos e dissensos,

tante no sentido de criar mecanis-

compartilhamento de poder e a co-

mos institucionais de participação,

responsabilidade entre o Estado e a sociedade civil. As conferências na-

... O PRINCIPAL OBJETIVO ESTRATÉGICO DA

cionais são precedidas de conferências municipais/regionais e estadu-

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA É A

ais e são organizadas pelos respec-

UNIVERSALIZAÇÃO DA CIDADANIA, PORTANTO, A

tivos conselhos.

CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA COTIDIANA

com regras definidas e claras, que equacionem as pressões das maiorias sobre as minorias, ou das minorias ativistas contra as maiorias passivas. Neste sentido, esses espaços devem ter estratégias claras e eficazes com vistas a incorporar

SISTEMA DESCENTRALIZADO

indivíduos ou grupos sociais alhei-

E PARTICIPATIVO

os à participação – os chamados

A criação do sistema descentra-

‘desiludidos’ da vida social.

lizado e participativo (conselhos e conferências nas três esferas de governo e nas diferentes políticas públicas) foi – e ainda é – uma das fórmulas encontradas para que haja efetivo controle e exercício popular do poder, tendo como pressuposto a democracia participativa. Isso sig-

Da mesma forma que uma sociconcreto, apresentar apenas as elei-

edade democrática força o Estado a

ções. Deve proporcionar ao cidadão

se democratizar, o inverso também

e à cidadã a participação plena nas

tem de ser verdadeiro, pois a demo-

questões que lhes dizem respeito,

cracia exige uma postura democrá-

além de favorecer sua soberania,

tica dos cidadãos e cidadãs, seja nos

autodeterminação e autonomia.

espaços públicos ou nos privados.

A universalização da cidadania,

Um último registro: no Brasil,

exercício do direito de participação

do ponto de vista ético-político, pres-

por tradição (infelizmente temos de

política cujo pressuposto é a exis-

supõe o combate a todas as formas

reconhecer) a corrupção é uma for-

tência de outras modalidades de tal

de discriminação, a promoção da

ma de se fazer e se pensar a políti-

direito, como o direito de votar e

igualdade de condições e de opor-

ca. Em outras palavras, a corrup-

ser votado, liberdade de organiza-

tunidades entre os diferentes que

ção é o modo como o Estado bra-

nifica que é uma das formas de

290 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

sileiro opera, e serve para que gru-

cas. É a despolitização da partici-

e cidadãs é o momento do voto. Esta

pos se apropriem dos recursos pú-

pação.

concepção torna o Estado privado,

blicos e do poder para defender in-

2) ‘A sociedade não está prepa-

por intermédio do partido que ga-

teresses privados. A corrupção não

rada para participar, como protago-

nha a eleição. Durante o mandato,

se caracteriza apenas por aspectos

nista, das políticas públicas’. Este

o partido decide o que fazer confor-

monetários/financeiros. Caracteriza-

mito baseia-se no preconceito do

me os interesses partidários.

se, principalmente, pelo uso do po-

saber, em que a burocracia e/ou o

4) ‘A sociedade é vista como ele-

der político em benefício de interes-

político detém o saber e a delega-

mento que dificulta a tomada de

ses privados e particulares (aqui

ção para decidir. Tal mito justifica

decisões’, seja pela questão tempo

incluído o desejo de se perpetuar no

a tutela do Estado sobre a socieda-

(demora em decidir, obrigatorieda-

poder). ‘O bem mais valioso rouba-

de civil, o que leva, por exemplo, o

de de convocar reuniões, etc.), seja

do pela corrupção é o poder de de-

Estado a não criar espaços institu-

pela questão de posicionamento crí-

cisão do povo’. Portanto, corrupção

cionalizados de participação ou a

tico diante das propostas ou da au-

e participação são formas comple-

sência delas por parte do Estado.

tamente diferentes de operar a polí-

Estes mitos, na verdade, são dis-

tica.

farces ideológicos forjados por

ALGUNS MITOS RELACIONADOS A PARTICIPAÇÃO A participação da sociedade ci-

A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NAS INSTÂNCIAS DE DECISÃO É, NA MAIORIA DAS VEZES, CERCADA DE MITOS CRIADOS PELOS DISCURSOS GOVERNAMENTAIS

vil nas instâncias de decisão é, na

no Brasil (seja este poder oriundo do poder econômico, da ocupação de um cargo burocrático ou de um cargo eletivo). Por isso, tais mitos devem ser desconstruídos com base

E DA SOCIEDADE CIVIL

maioria das vezes, cercada de mi-

aqueles que detêm o poder político

em uma concepção ampliada de democracia e da politização da par-

tos criados pelos discursos gover-

ticipação.

namentais e da sociedade civil. Vamos citar apenas quatro destes mitos que dificultam a participação:

indicar, escolher e determinar quem

1) ‘A participação por si só muda

são os representantes da sociedade

a realidade’. É um mito que despo-

nos espaços criados, assim como

litiza a participação, pois não percebe que há sujeitos políticos que não querem que as coisas mudem, não percebe a correlação de forças e, por conseqüência, não percebe

A PARTICIPAÇÃO EM NÚMEROS

não disponibilizar as informações

Não se tem levantamento atua-

(por que a ‘sociedade não vai en-

lizado e preciso do número dos con-

tender’).

selhos no Brasil, nem das organi-

3) A sociedade não pode com-

zações e pessoas envolvidas, mui-

partilhar da governabilidade, isto é,

to menos, análises mais globais da

da construção das condições políti-

efetividade destes instrumentos na

que há outras formas e interesses,

cas para tomar e implementar deci-

construção de políticas públicas. O

alguns legítimos, outros nem tan-

sões, porque o momento de partici-

que seriam hoje as políticas públi-

to, que definem também as políti-

pação da sociedade e dos cidadãos

cas sociais no Brasil, com o des-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

291

MORONI, José Antônio

monte do Estado em curso com as políticas neoliberais, sem a criação do sistema descentralizado e participativo? Ë uma bela pergunta a ser feita. A impossibilidade de responder a ela dificulta qualquer análise qualitativa que se queira fazer. Portanto, só podemos – e ainda de forma limitada – nos ater aos números disponíveis, mesmo que insuficientes e desatualizados. O quadro que apresentamos a seguir se refere aos conselhos municipais em dez políticas sociais e foi elaborado a partir da Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE(1999), portanto, praticamente com seis anos de defasagem. Nota-se que o mesmo se refere aos conselhos criados, não entrando na análise do funcionamento e eficácia deles. Não apresentamos dados de conselhos estaduais por não encontrá-los. QUADRO 1 – Conselhos municipais existentes em 1999

Fonte: IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros, 1999. Elaboração Luciana Jaccoud e Frederico Barbosa do IPEA

QUADRO 2 – Conselhos Nacionais existentes em 2006

292 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

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293

MORONI, José Antônio

294 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

* Conselhos criados no Governo Lula; ** Conselhos reformulados no Governo Lula Fonte: Pesquisa Realizada nos sites dos órgão dos quais os conselhos são vinculados e no Diário Oficial da União

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

295

MORONI, José Antônio

Identificamos 64 Conselhos Na-

verno Lula (e o texto a seguir é bas-

peito apenas ao fato de o presidente

cionais, destes 13 foram criados no

tante crítico) não podemos deixar

ser operário, mas, muito mais, por

Governo Lula, e nove foram rees-

de mencionar o significativo avan-

ser oriundo do chamado lumpen

truturados neste mesmo período.

ço que tivemos neste período. No

proletariado. Isto, por si só, explica

Portanto, 42 foram criados antes do

governo anterior, os movimentos

as expectativas que se criaram nas

Governo Lula.

sociais e as organizações não go-

forças que apostaram em seu suces-

Cabe ressaltar que a distribui-

vernamentais que defendem direi-

so ou em seu fracasso, por razões

ção por área foi uma escolha do

tos eram chamados de “neobobos”

políticas, ideológicas ou de precon-

autor, que levou em conta o órgão

(isso pelo próprio presidente Fernan-

ceito.

ao qual o conselho é vinculado e

do Henrique Cardoso). Não é a toa

Analisar um governo com este

suas atribuições. Neste estudo, tor-

que foi neste período que o chama-

perfil, seja em que aspecto for, não

nou-se, às vezes, difícil diferenciar

do Terceiro Setor foi alçado a in-

é tarefa fácil, pois o Governo Lula

as atribuições entre dois conselhos,

trouxe para o interior do Estado to-

ou até onde vai o poder de um e

das as contradições e conflitos pre-

começa o poder de outro, ou mes-

sentes na sociedade brasileira. Em

mo se tem algum poder, pois mui-

seu desenho político/institucional

tos têm competências e atribuições parecidas, difusas, concorrentes e

... POR MAIS QUE POSSAMOS

há, por exemplo, um ministério que

sobrepostas, mostrando a ausência

FAZER CRÍTICAS À QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO

de uma política para esses espa-

cio e outro que promove a reforma

NO GOVERNO LULA NÃO PODEMOS DEIXAR DE

ços, que chamamos de ‘arquitetura da participação’.

MENCIONAR O SIGNIFICATIVO AVANÇO QUE

Não apresentamos dados

TIVEMOS NESTE PERÍODO

das conferências realizadas até o

cuida dos interesses do agronegóagrária e a agricultura familiar; prevalece no ministério da Fazenda e no Banco Central uma política antidesenvolvimento, mas há no governo um ministério de ‘Desenvolvi-

momento por impossibilidade de

mento’ ligado à produção e um ban-

reunir informações. Vamos traba-

co, o BNDES, para financiar o de-

lhar as conferências no capítulo a seguir e somente em relação ao

terlocutor político da sociedade ci-

senvolvimento. No que diz respeito

Governo Lula, período que permi-

vil organizada.

à participação popular, o Governo

A eleição de um líder operá-

Lula levou para seu interior setores

rio para a presidência da Repúbli-

que nunca tiveram qualquer com-

ca, oriundo de uma classe social

promisso com a participação ou que

originariamente excluída de qual-

a viam unicamente como instrumen-

quer conceito de cidadania, tendo

to para chegar ao poder e não como

migrado de uma região miserável

força capaz de provocar transforma-

para a capital econômica brasilei-

ções sociais, culturais e políticas.

Cabe registrar, de início, que por

ra, é um marco histórico em nosso

Talvez o que melhor caracterize o

mais que possamos fazer críticas

país, que repercute em âmbito in-

Governo Lula sejam suas contradi-

à questão da participação no Go-

ternacional. O marco não diz res-

ções – aqui lembradas como falta

tiu reunir informações consistentes para análise.

O LUGAR DA PARTICIPAÇÃO NO GOVERNO LULA

296 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

Analisar o Governo Lula, como

populares, havia a ‘certeza’ de que

já mencionamos, é tarefa comple-

o PT (como força hegemônica na

Um governo (aqui entendido

xa, ainda mais quando esta avalia-

aliança que venceu as eleições)

como o conjunto de forças políticas

ção é feita sob a perspectiva da par-

‘usaria’, no mínimo, a participação

que o apóia e/ou constitui) que não

ticipação. Quando nos dispomos a

como elemento de pressão para as

tem um projeto de Nação, que não

analisar e avaliar um governo, in-

transformações. Algumas adminis-

tem forças ou não quer contrariar

dependentemente de ser o Governo

trações municipais tiveram a parti-

interesses e privilégios, que acredi-

Lula ou qualquer outro, uma ques-

cipação como elemento central da

ta ser possível diminuir as desigual-

tão preliminar se apresenta diante

estratégia política, priorizando a

dades sociais distribuindo o fruto

de nós: para realizar qualquer pro-

participação de setores populares na

do desenvolvimento (reedição do

cesso de avaliação é necessário ter

definição das políticas e dos orça-

‘primeiro crescer para depois dis-

uma referência. E qual é nossa re-

mentos públicos.

de um projeto de Nação e não no sentido marxista do termo.

tribuir’), por meio de políticas com-

Uma das primeiras ações do

pensatórias e focalizadas, portanto,

Governo Lula foi repensar o dese-

que não se propõe a redistribuir as

nho institucional ou a arquitetura

riquezas já produzidas, opera poli-

da participação. Se nos basearmos

ticamente como? Por intermédio dos tradicionais meios de fazer política no Brasil, que são o clientelismo, o fisiologismo e a apropriação privada da coisa pública, isto é, a negação mais completa de qualquer pro-

UMA DAS PRIMEIRAS AÇÕES DO GOVERNO LULA FOI REPENSAR O DESENHO INSTITUCIONAL OU A ARQUITETURA DA PARTICIPAÇÃO

no desenho inicial, podemos concluir duas coisas: 1) a participação era vista como estratégia de governabilidade; 2) os diferentes sujeitos políticos da participação eram reconhecidos com pesos diferencia-

cesso participativo. Mas, ao mes-

dos, com prioridade para os sujei-

mo tempo, como vamos ver no item

tos políticos da relação capital-tra-

5.2, é um governo que abriu dife-

balho. O governo e, principalmente, a

rentes e diversos processos de in-

esquerda (e aí não envolve apenas

terlocução. O Governo Lula foi eleito num

ferência se o governo foi eleito para

o PT, mas os outros partidos, as-

movimento construído ao longo de

provocar grandes transformações?

sim como boa parte da intelectuali-

décadas para mudar a forma de fa-

Nossa referência não é o passado

dade) ainda olham para a socieda-

zer e pensar a política no Brasil.

e, sim, o futuro. Por isso, nossa re-

de apenas do ponto de vista da re-

Elementos essenciais dessa transfor-

ferência para a avaliação deve ser

lação capital-trabalho. Até agora,

mação seriam a participação popu-

o que chamamos, de forma genéri-

não houve rompimento radical com

lar e o controle social. Portanto,

ca, de ‘projeto de sociedade’. Ape-

essa visão bipolar. Ao enxergarem

participação e controle social como

sar de tal projeto ser um projeto em

a sociedade apenas do ponto de vis-

elementos propulsores e fundantes

construção, ele nos dá elementos

ta da relação capital-trabalho, re-

das transformações sociais, cultu-

para essa avaliação.

conhecem como atores políticos

rais, ambientais, econômicas e políticas.

Pelo discurso e pelas experiên-

somente os empresários e os tra-

cias de algumas administrações

balhadores, pois somente eles atu-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

297

MORONI, José Antônio

am nessa relação. Aqui vale ressal-

estrutura. Portanto, não existe uma

à secretaria do Conselho de Desen-

tar que se trata dos trabalhadores e

única voz a falar por esse conjun-

volvimento Econômico e Social

trabalhadoras sindicalizados, pois

to, mas várias vozes e de lugares

(CDES)3 a interlocução com o mun-

esse olhar sobre a sociedade não

diferentes. É o que chamamos de

do empresarial e com os sindicatos.

‘enxerga’ a imensa massa de ho-

‘multiplicidade de sujeitos políti-

Por isso, o CDES é formado, em sua

mens e mulheres que estão na eco-

cos’.

grande maioria e de forma hegemô-

nomia informal.

Acostumados a lidar com o

nica, por empresários e sindicalis-

Conforme essa concepção, as

movimento sindical e com a con-

tas, além de alguns intelectuais, que

organizações e movimentos sociais

cepção de que a sociedade se orga-

são chamados de ‘personalidades’,

não são reconhecidos como sujei-

niza com base apenas nos interes-

e representantes de movimentos so-

tos políticos, mas como atores so-

ses da relação capital-trabalho, o

ciais e ONGs. Na concepção do go-

ciais ou sujeitos sociais. Portanto,

Governo Lula não conseguia e não

verno, o CDES é o espaço de diálo-

bons na mobilização e na capilari-

consegue dialogar com esse conjun-

go e de atuação essencialmente po-

dade, mas não para participar dos

lítica (“colegiado de assessoramen-

processos de tomada de decisões

to direto e imediato do presidente

políticas. Historicamente, quem

da República”), em que se discutem

trouxe para o debate político a ques-

as questões da macroeconomia e da

tão da participação foi justamente esse campo de organizações e movimentos sociais. O movimento sindical nunca teve a participação

... AS ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NÃO SÃO RECONHECIDOS COMO SUJEITOS POLÍTICOS, MAS COMO ATORES SOCIAIS OU

como estratégia política, que dirá

SUJEITOS SOCIAIS

como elemento central na construção dos processos democráticos.

agenda de desenvolvimento. Se nesse espaço estratégico, na definição do governo, não há equilíbrio mínimo entre os diferentes sujeitos políticos é porque estes mesmos sujeitos não são reconhecidos como tais. É importante ressaltar que usa-

Outro complicador dessa concep-

mos o termo ‘interlocução’ porque

ção é procurar nas organizações e

é dessa forma que esses espaços são

nos movimentos sociais a estrutura do movimento sindical – um movimento centralizado, hierarquizado e com rígida estrutura. Por sua vez, as organizações e movimentos

to de organizações e movimentos, considerado ‘muito difuso’ por não tem uma ‘central’ nem um ‘presidente’.

vistos pelo Governo Lula. Não são espaços de deliberação e controle social e, sim, de interlocução do governo com representantes da sociedade. E, na maioria das vezes,

sociais, pela própria natureza, não

Essa concepção bipolar está pre-

apresentam tal hierarquia e muito

sente no desenho institucional do

menos tal centralização. Organi-

governo, em que a interlocução com

do com quem ele quer ‘interlocu-

zam-se de forma mais descentrali-

os movimentos sociais e as organi-

tar’.

zada e mais horizontal, procuran-

zações da sociedade civil é feita pela

Há, no Governo Lula, desrespei-

do se construir mais como sujeitos

Secretaria-Geral da Presidência da

to total à autonomia da sociedade

políticos coletivos e menos como

República (SGP). Por sua vez, cabe

civil, pois na maioria dos novos

3

esta representação é pessoal e não institucional e o governo escolhen-

Um quadro com detalhes sobre os conselhos criados no Governo Lula é apresentado em outro item deste artigo.

298 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

espaços participativos criados e/ou

realizadas em governos anteriores,

Nacional. O PPA é elaborado a cada

reformulados quem determina a re-

quem organizava e comandava todo

quatro anos, a LDO e a LOA todos

presentação da sociedade é o Gover-

o processo era a sociedade civil. O

os anos. O PPA é essencial no pla-

no. As únicas exceções foram os

governo chegava, como se fosse um

nejamento das políticas públicas,

Conselhos das Cidades e Gestor da

espectador, e ia embora. Agora, es-

pois define em linhas gerais, as

Internet no Brasil. E isso em razão

ses espaços têm registrado qualida-

concepções, os programas, os ob-

da pressão do movimento de refor-

de e participação governamental

jetivos e as metas para os próxi-

ma urbana e das organizações que

bem diferente do que estávamos

mos quatro anos. A LDO define os

lutam por uma governança demo-

acostumados. As conferências, por

programas prioritários, as metas

crática da Internet no país. Sem fa-

exemplo, viraram verdadeiros espa-

físicas e as linhas gerais de como

lar da não-possibilidade de escolha

ços de disputas políticas.

deverá ser elaborado o orçamento

do presidente pelos próprios conse-

do próximo ano. A LOA é como e

lhos. Os presidentes são indicados

onde os recursos públicos serão

pelo Governo.

aplicados, isso é, o orçamento pú-

Na verdade, ocorreu no Governo Lula a multiplicação dos espaços de interlocução, sem que hou-

blico.

...OCORREU NO GOVERNO LULA A

vesse nenhuma política de fortale-

MULTIPLICAÇÃO DOS ESPAÇOS DE

cimento do sistema descentralizado

INTERLOCUÇÃO, SEM QUE HOUVESSE

e participativo e muito menos de ampliação dos processos democrá-

NENHUMA POLÍTICA DE FORTALECIMENTO DO

Em 2003, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) e um conjunto de redes e fóruns que constituem a Inter-Redes4 estabeleceram relação política com o governo federal para

ticos. A participação ficou reduzi-

SISTEMA DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO E

contribuir na dinâmica de partici-

da à estratégia de governabilidade

MUITO MENOS DE AMPLIAÇÃO DOS PROCESSOS

pação da sociedade civil no debate

e ao faz-de-conta, sem ter-se configurado como elemento essencial nas

sobre as orientações estratégicas

DEMOCRÁTICOS

para a construção do ‘Plano Pluri-

transformações sociais, políticas,

anual 2004-2007: um Brasil para

culturais, ambientais e econômicas. Cabe ressaltar, contudo, que ocorreram algumas mudanças po-

todos e todas’. Foram realizadas

PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO NO PPA

audiências públicas em todos os estados brasileiros e no Distrito

sitivas no Governo Lula no que diz

Federal.

respeito ao envolvimento dos agen-

A Constituição de 1988 criou o

Essa iniciativa do governo fe-

tes governamentais nos processos

processo orçamentário, que com-

deral, capitaneada pela Secretaria-

e espaços de participação, sobretu-

preende três peças: PPA (plano plu-

geral da Presidência, revestiu-se de

do os conselhos e as conferências.

rianual), LDO (lei de diretrizes or-

especial relevância, pois instalou

Houve mudança de postura do atu-

çamentárias) e LOA (lei orçamentá-

a possibilidade de debate entre go-

al governo em relação aos gover-

ria anual), elaborados pelo Execu-

verno e redes, articulações e movi-

nos anteriores. Nas conferências

tivo e aprovado pelo Congresso

mentos da sociedade civil sobre as

A Inter-Redes: Direitos e Política é um espaço de articulação de redes e fóruns de organizações da sociedade civil brasileira que atuam, de diversas formas e com diversos temas, para o fortalecimento da esfera pública, a promoção de direitos e a proposição de políticas.

4

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

299

MORONI, José Antônio

diretrizes para um novo modelo de

de vigência do PPA. Definição esta

• Elaboração de indicadores

desenvolvimento brasileiro, social-

questionada em todo o processo de

desagregados por gênero, raça, et-

mente justo e ambientalmente sus-

participação no PPA.

nia, rural, urbano, etc., permitin-

tentável, que também possibilitas-

Além disso, nenhum dos acor-

do acompanhamento mais qualita-

se aprofundar as estruturas demo-

dos firmados com a Secretaria-ge-

cráticas de controle social sobre o

tivo do impacto real das políticas

ral da Presidência durante o processo

processo orçamentário e sobre os

públicas por parte da sociedade ci-

de consulta, até momento, não fo-

recursos públicos.

vil.

ram cumpridos. São eles:

A expectativa era de que a parceria do momento inicial de debate se tornasse efetiva, com o acompanhamento do PPA, para dar continuidade à abertura desse espaço de

• Formação de grupo de trabalho paritário entre governo e sociedade civil para acompanhar o monitoramento do PPA 2004-2007;

Um estudo realizado pela InterRedes demonstrou que, do fruto da participação, o Plano Plurianual incorporou questões periféricas, que ajudavam a desenhar melhor

participação cidadã e permitir que

os megaobjetivos das orientações

a sociedade civil organizada, desa-

estratégicas do governo para o PPA,

fiada no primeiro momento, pudesse participar do monitoramento da implementação do PPA e dos processos de revisão anual, assim como da elaboração de uma política de participação e de controle social do processo orçamentário federal. Após os debates em todo o país e o envio do Projeto de Lei do PPA

... DO FRUTO DA PARTICIPAÇÃO, O PLANO PLURIANUAL INCORPOROU QUESTÕES PERIFÉRICAS, QUE AJUDAVAM A DESENHAR

mas nada que viesse a mudar a lógica das políticas – a principal demanda das organizações nas audiências estaduais. Contudo, o mais grave foi a to-

MELHOR OS MEGAOBJETIVOS DAS ORIENTAÇÕES

tal falta de continuidade do proces-

ESTRATÉGICAS DO GOVERNO PARA O PPA,

so. Havia um compromisso políti-

MAS NADA QUE VIESSE A MUDAR A LÓGICA DAS POLÍTICAS ...

ao Legislativo, diversas organizações e redes acompanharam a tra-

co de continuidade, inclusive corrigindo os erros do processo inicial (pouco tempo para os debates, objeto de discussão limitado, pou-

mitação do PPA no Congresso Nacional e constataram que o rico pro-

• Construção, com a sociedade

cesso participativo de consulta não

civil, dos mecanismos e da meto-

foi sequer tema de debate no con-

dologia de participação nos proces-

junto do governo e muito menos no

so orçamentários;

co espaço para a expressão da sociedade civil, processo centralizado no governo, etc.) para ampliar a participação e os temas tratados. Assim, verificamos que esse

Congresso Nacional. O que mono-

• Acesso às informações sobre

polizou a atenção dos parlamenta-

a execução física e financeira do

res e da mídia foi a insistência do

PPA, especificamente a disponibili-

governo e da base governista no

dade on-line, para qualquer cida-

contribuições da sociedade civil

Congresso em manter, a todo o cus-

dão, dos dados do Sistema Integra-

não foram consideradas nem exis-

to, o compromisso de superávit pri-

do de Administração Financeira (SI-

tiu qualquer estratégia de governo

mário de 4,25% do Produto Interno

AFI)

e do Sistema de Informações

para criar e aprofundar, de fato,

Bruto (PIB) durante os quatro anos

Gerais e de Planejamento (SIGPLAN);

espaços institucionais de participa-

300 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

processo foi um verdadeiro ‘espetáculo’ da participação, em que as

O direito à participação no Governo Lula

CONSELHOS

ção popular em áreas estratégicas para a efetivação de direitos no país, como o orçamento e o planejamento públicos e, principalmente, o ‘modelo de desenvolvimento’. Hoje, após muitas idas e vindas e longos períodos de total silêncio,

No total foram criados 13 novos Conselhos Nacionais. Como demonstramos antes (item 3), esses conselhos foram criados com concepções diferentes da do movimento social que construiu a estratégia política de construção do sistema descentralizado e participativo nas diferentes políticas. Além de criar novos conselhos nacionais, o Governo Lula reformulou nove conselhos nacionais, adaptando as novas exigências legais e/ou políticas.

a Secretaria-geral voltou a procurar as organizações para retomar a

QUADRO 3 – Conselhos Nacionais criados no Governo Lula

discussão sobre os acordos não cumpridos desde 2003. Uma grande contribuição deste processo foi o de chamar a atenção para uma peça essencial no planejamento das políticas públicas que é o PPA. Isso teve e ainda tem desdobramentos na elaboração dos PPAs estaduais e municipais. Até 2003, a grande maioria das organizações não sabia do que se tratava, e os PPA eram elaborados por ‘escritórios de consultorias’. Este mérito o Governo Lula tem.

A PARTICIPAÇÃO NO GOVERNO LULA EM NÚMEROS

Fonte: Quadro sistematizado pela autor com base no quadro 2

QUADRO 4 – Conselhos Nacionais reformulados no Governo Lula

Se olharmos unicamente na perspectiva numérica e de quantidade, vamos ver que no Governo Lula houve grande avanço na criação de espaços de participação (conselhos, conferências, etc.) e de interlocução. Fonte: Quadro sistematizado pela autor com base no quadro 2

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

301

MORONI, José Antônio

CONFERÊNCIAS No total, foram realizadas no

QUADRO 5 – Conferências Nacionais/Internacionais realizadas no Governo Lula

Governo Lula 40 Conferências Nacionais (já incluídas as que vão se realizar ate o final do mandato) e três Conferências Internacionais. Segundo dados oficiais do governo federal, ao final do ciclo de conferências nacionais 2003/2006, mais de dois milhões de brasileiros e brasileiras participaram das conferências municipais, regionais, estaduais e nacional. Isso sem contar com os estudantes que participaram das conferências infanto-juvenis de meio ambiente. Vale ressaltar que das 37 conferências nacionais, 15 foram realizadas pela primeira vez, e a de Direitos Humanos foi a primeira vez convocada pelo Executivo. Conferências realizadas pela primeira vez: meio ambiente (versão adulta e infanto-juvenil); aqüicultura e pesca; cidades; medicamentos e assistência farmacêutica; terra e água; arranjos produtivos locais; políticas para as mulheres; esporte; cultura; promoção da igualdade racial; povos indígenas; direitos da pessoa com deficiência; direitos da pessoa idosa; econômica solidária e educação profissional e tecnológica.

* Soma dos participantes das etapas municipais, estaduais e nacional; ** Soma dos participantes das etapas estaduais e nacional; *** Não foi convocada pelo Executivo e sim pelo Congresso Nacional e Fórum de Entidades Não Governamentais (FNEDH). Fonte: Informativo Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República, 2006.

302 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

O direito à participação no Governo Lula

DESAFIOS QUE DEVEMOS ENFRENTAR

3. resgatar o papel de mobili-

multiplicidade dos sujeitos políticos

zação social das conferências. As

e de suas ‘causas’ não levem à frag-

conferências foram pensadas com

mentação total da luta política.

Como organizações da socieda-

um espaço ampliado dos conse-

5. reconhecer outras formas de

de civil que defendemos a partici-

lhos, nas quais se envolveriam

organização. Como, nesses proces-

pação como Direito Humano, pre-

outros sujeitos políticos e de diálo-

sos, agregar outros sujeitos políti-

cisamos enfrentar alguns desafios:

go com a população que não parti-

cos, que possuem novas e criativas

1. reconstruir a arquitetura da

cipa em organizações e movimen-

formas de organização, na maioria

participação, embora isso não sig-

tos. Resgatar este papel das confe-

das vezes não institucionalizadas.

nifique repensar apenas o sistema

rências significa ter estratégias po-

Olhar e enxergar estes novos atores

descentralizado e participativo (os

líticas de mobilização e comunica-

e articular esses processos partici-

conselhos e as conferências). Preci-

ção com a população de modo ge-

pativos são um grande desafio para

samos repensar os processos demo-

ral.

as organizações e movimentos.

cráticos, o desenho da democracia

6. recolocar a questão da Re-

e a maneira de conjugar a demo-

forma do Estado. Precisamos defi-

cracia representativa, a democracia

nir melhor que Estado queremos, o

participativa e a democracia direta. Enfim, uma verdadeira reforma do sistema político brasileiro, portanto, do poder. 2. resgatar o papel político dos conselhos. Os conselhos ainda são mecanismos, não os únicos, de participação. Porém, não como se apre-

PRECISAMOS REPENSAR OS PROCESSOS DEMOCRÁTICOS, O DESENHO DA DEMOCRACIA E A MANEIRA DE CONJUGAR A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A DEMOCRACIA DIRETA

papel e como exercer o controle público do Estado. Aqui, é fundamental a luta pelo acesso universal às informações públicas. Não poderemos pensar nenhum tipo de controle social e de controle público do Estado se este Estado não for público. E isto envolve um projeto

sentam hoje, em sua maioria sem

maior, que é a definição de projeto

espaço para o debate político, a de-

e projetos de sociedade.

liberação e o controle social, caracterizando-se como espaços formais

4. respeitar a multiplicidade

ou de faz-de-conta de participação.

dos sujeitos políticos. Estabelecer

Isso reflete a maneira como são

comunicação e relação política en-

escolhidos os representantes da so-

tre os diferentes espaços – conse-

O sistema descentralizado e par-

ciedade civil, que não se vêem en-

lhos e conferências –, que até ago-

ticipativo é um instituto político não

quanto representação da sociedade

ra têm permanecido estanques, ver-

tradicional de gestão de políticas

civil, mas como representação de

ticais, fragmentados e sem ligação.

públicas, voltado para a democra-

interesses da sua organização. Sem

Como a Conferência das Cidades,

tização do Estado e da sociedade,

falar que, em muitos casos, os pro-

por exemplo, comunica-se com a

podendo impulsionar mudanças

cessos de eleição desta representa-

questão da criança, com a questão

culturais, econômicas e políticas

ção não ficam em nada devendo aos

de segurança, com a questão do

que nos aproximam mais da utópi-

métodos tão criticados na democra-

meio ambiente? O desafio é o como

ca radicalidade democrática. Até

cia representativa.

o reconhecimento da riqueza da

agora, temos como integrantes des-

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

303

MORONI, José Antônio

te sistema os conselhos e as confe-

REFERÊNCIAS

Participação Social - Informativo

rências. O desafio é como incorporar outras formas de participação neste sistema, como por exemplo, as ouvidorias, consultas públicas e formas não institucionalizadas de organizações da sociedade civil. Não consideramos os conselhos espaços únicos nem exclusivos, mas importantes e estratégicos para serem ocupados pela sociedade civil organizada e comprometida efetivamente com as transformações políticas, econômicas e sociais. Os conselhos são mecanismos limitados para operar essas transformações. Porém, para a realidade brasileira, são mecanismos que podem provocar mudanças substantivas na relação Estado-sociedade.

Especial da Secretaria-Geral da PreBOBBIO, Norberto. O futuro da de-

sidência da República, abril 2006.

mocracia. Rio e Janeiro: Paz e Ter-

www.brasil.gov.br

ra, 1986. FALCÃO, Maria do Carmo. A seguridade na travessia do Estado assistencial brasileiro In: SPOSATI, Aldaiza et al. Os direitos (dos desassistidos) sociais. 2a ed. São Paulo: Cortez, 1991. MORONI. Jose Antonio. Participamos e daí?, artigo para o Observatório da Cidadania. Disponível em: www.ibase.org.br. Acesso em 12 de dezembro de 2006.

Estes mecanismos podem contribuir

MORONI, Jose Antonio e CICONE-

com a construção/consolidação de

LLO, Alexandre, Participação, Avan-

uma cultura política contra-hegemô-

çamos?, Cadernos da ABONG, 2005

nica, por meio da prática da socialização da política e da distribui-

RAICHELIS, Raquel. A construção

ção do poder.

da esfera pública no âmbito da po-

Não se deve desistir do processo

lítica de assistência social. 1997.

de implementação desses mecanis-

325f. Tese (Doutorado em Serviço

mos de participação democrática,

Social) PUC, São Paulo, 1997.

apesar do pouco avanço em direção a transformar em poder de fato

SOUZA FILHO, R. Rumo à democra-

o poder legal que esses espaços

cia

participativos possuem.

169f.Dissertação (Mestrado em Ser-

participativa.

1996.

E a pergunta que não temos

viço Social) Universidade Federal do

como responder, agora, é: Qual o

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.

impacto do Governo Lula neste pro-

Mimeo,.

cesso todo. Isso é uma incógnita e com certeza ‘nada será como antes’.

304 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005

Proteção social em um mundo globalizado

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Proteção social em um mundo globalizado1 Social Protection in a Globalized World

Sonia Fleury2

Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007

RESUMO Neste artigo, procura-se tratar as seguintes questões: Quais as alterações nos padrões de proteção social e na saúde que estão em curso em face à globalização?; Que contradições foram introduzidas por estas mudanças no âmbito da proteção social?; Que potencialidades são geradas em decorrência deste processo? Por meio da análise das transformações da proteção social em um mundo globalizado, apontam-se as principais tensões e contradições neste campo, mas também as novas energias e potencialidades de geração de uma cidadania integral e emancipatória. PALAVRAS-CHAVE: Proteção Social; Cidadania; Globalização.

ABSTRACT In this paper the author addresses the following questions: What changes to the patterns of social and health care protection are underway in light of globalization?; What contradictions have been introduced by such changes into the context of social protection?; What potentialities have emerged as a result of this process? By analyzing the transformations to social protection in a globalized world, the main tensions and contradictions in this field are identified, as are the new powers and capacities to generate an integral and emancipative citizenship. 1

Doutora em Ciência Política; professora

KEY-WORDS:Social Protection, Citizenship, Globalized World.

da EBAPE/FGV e presidente do CEBES, eleita em 2007. Email: [email protected]

Conferência pronunciada no 8° CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA – ABRASCO, 21 a 25 de agosto de 2006 1

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

305

305

FLEURY, Sonia

Neste artigo, procura-se tratar as

Neste contexto de profunda

a polêmica sobre o crescimento po-

seguintes questões: Quais as

transformação social, a proteção

pulacional em Malthus (1983)

alterações nos padrões de proteção

social deixa de ser parte das rela-

referência)e Marx (1980) – um ad-

social e na saúde que estão em cur-

ções tradicionais entre desiguais,

vogando que o número crescente de

so em face à globalização?; Que

quando senhores protegiam e tute-

pobres era fruto do ritmo de cresci-

contradições foram introduzidas por

lavam servos leais ou entre iguais,

mento desproporcional da popula-

estas mudanças no âmbito da pro-

no interior das corporações, para se

ção em relação ao crescimento da

teção social?; Que potencialidades

colocar como uma questão social a

riqueza, enquanto o outro demons-

são geradas em decorrência deste

ser resolvida nos marcos de uma

trava que era a mesma lógica da

processo?

nova sociedade que se fundava com

acumulação capitalista que produ-

Para tratar a primeira questão,

base nos valores de liberdade e

zia uma superpopulação relativa.

partimos da constatação de que a

igualdade genérica dos indivíduos.

As Leis dos Pobres, as profissões no campo social, as instituições para

emergência e consolidação dos sis-

o cuidado da população são todos

temas de proteção social se deram

instrumentos produzidos em respos-

em um contexto radicalmente dife-

ta à questão colocada pela pobreza

rente do atual, que chamamos genericamente de ‘globalização’. Os diferentes modelos de proteção so-

... A PROTEÇÃO SOCIAL DEIXA DE SER PARTE

urbana. Além da perda dos vínculos de

DAS RELAÇÕES TRADICIONAIS ENTRE DESIGUAIS

tutela, a necessidade de uma políti-

mo contexto socioeconômico, carac-

(...) PARA SE COLOCAR COMO UMA QUESTÃO

ca de proteção social decorre tam-

terizado pelos processos de Moder-

bém da dissolução das relações so-

SOCIAL A SER RESOLVIDA NOS MARCOS DE UMA

ciais de solidariedade existentes no

NOVA SOCIEDADE

interior das famílias e das comuni-

cial foram originários de um mes-

nização, Democratização e Desenvolvimento Industrial. A modernização

dades, e sua substituição por vín-

social diz respeito à complexifica-

culos formais entre os indivíduos e

ção da estrutura social, que foi

o Estado. Estes novos vínculos, abs-

acompanhada também por uma es-

tratos e impessoais, em base à igual-

pecialização funcional. A democra-

Libertos dos laços de tutela, os

dade natural entre os indivíduos,

tização incluiu o reconhecimento de

indivíduos perderam seus vínculos

foram o substrato da emergência do

atores políticos coletivos e a aber-

de proteção social e a pobreza emer-

elemento civil da cidadania.

tura do sistema político competiti-

giu como questão social, isto é,

O rompimento das relações de

vo para a participação política das

como ameaça à coesão social. Uma

solidariedade orgânica no seio da

massas. O processo de desenvolvi-

questão social, quando se coloca,

comunidade requer a construção de

mento industrial em unidades fabris

politiza o tema e requer, por conse-

uma mediação entre os indivíduos

alterou a estrutura produtiva e au-

guinte, uma intervenção política.

dispersos no mercado e o poder po-

mentou a produção de riquezas,

Para seu enquadramento são desen-

lítico, o Estado, capaz de assegurar

gerando processos concomitantes de

volvidos novos conhecimentos, no-

a reconstrução, com base neste cons-

urbanização e de organização soci-

vas tecnologias, surgem novas pro-

truto político igualitário – a cida-

al.

fissões e instituições. Basta lembrar

dania –, de uma integração mecâni-

306 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

Proteção social em um mundo globalizado

ca na comunidade nacional. A co-

burocrática; o domínio das técnicas

sim, aprofundar a democracia de

munidade se reconstrói como nação,

administrativas de gestão.

massas.

se identifica pelo pertencimento a

Este foi o ponto de partida bri-

Em resumo, as condições de

um legado de valores compartilha-

lhantemente analisado por T.H. Mar-

emergência dos sistemas de prote-

dos e a um patrimônio civilizatório

shall (1967), quando propôs o para-

ção social foram dadas por vários

comum.

doxo do desenvolvimento da cida-

fatores, como: o fortalecimento da

A necessidade de novas bases

dania, um princípio igualitário e

autoridade pública; a construção de

para o estabelecimento da ação co-

individualista, no contexto de uma

uma ordem política baseada no prin-

letiva solidária encontra sua condi-

economia de mercado, baseada na

cipio da igualdade; a existência de

ção material na própria produção

desigualdade de classe, desigualda-

um ator político protagonista, a

coletiva nas fábricas e na reprodu-

de esta baseada na condição de pro-

classe trabalhadora, organicamen-

ção cada vez mais interdependente,

priedade, em face à construção do

te orientada por uma ideologia soli-

nas cidades. A emergência da clas-

Estado-nação.

dária e uma prática política reformadora; e a expansão da cidadania

se trabalhadora como ator protago-

e inclusão dos direitos sociais como

nista é fruto desta produção e reprodução coletivizadas, da organi-

forma de integração e preservação da coesão social.

zação de classe com base em prin-

... CONTRADIÇÃO ENTRE IGUALDADE FORMAL E

cípios de solidariedade e na luta

DESIGUALDADE REAL É O MOTOR DAS LUTAS

so de modernização, democratiza-

SOCIAIS QUE TERMINAM POR CONFORMAR O

ção e desenvolvimento industrial

política que se trava para a transformação da igualdade legal em igualdade substantiva. Se a demanda teve o operariado industrial como seu porta-voz central, a resposta à questão social foi

ESCOPO DA CONDIÇÃO DE CIDADANIA COM A INTRODUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E, ASSIM,

foram profundas e complexas, em âmbitos como o territorial (a cidade passa a ser o espaço da diversidade e também o da igualdade dos cida-

APROFUNDAR A DEMOCRACIA DE MASSAS

dãos, materializando territorialmen-

dada, fundamentalmente, pelo Esta-

te a democracia); o social (gerando

do, por meio das políticas públicas. As transformações nas formas pro-

As conseqüências deste proces-

reconhecimento e integração, partiA possibilidade de compreender

cipação e legitimação do exercício

a cidadania só se completa quando

do poder, distribuição da riqueza e

entendemos que a negação real do

concentração dos meios de produ-

princípio igualitário que estrutura

ção; o cultural (definição de um

a nova ordem jurídica e política leva

novo padrão civilizatório com base

à existência de uma contradição

em valores de igualdade, liberdade

persistente. Esta contradição entre

e autonomia dos indivíduos e em

tatal. Assim, ocorreram: a subordi-

igualdade formal e desigualdade

certos pactos sociais sobre direitos

nação dos interesses privados ao

real é o motor das lutas sociais que

e dignidade humana); a política (am-

interesse público; a construção de

terminam por conformar o escopo

pliação do direito de participação no

um aparelho estatal unificado e de

da condição de cidadania com a in-

processo eleitoral e inclusão dos

uma organização hierárquica e

trodução dos direitos sociais e, as-

direitos sociais); o institucional

dutivas e nas relações sociais foram acompanhadas, ou mesmo antecedidas, pela construção de uma autoridade pública central no âmbito do território nacional, pela concentração e centralização do poder es-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

307

307

FLEURY, Sonia

(transformação do aparato estatal de

a cidadania transcender o território

uso intensivo das tecnologias de in-

um estado mínimo e repressor a um

nacional, e ainda pela existência, no

formação.

Estado Ampliado, responsável pelos

seu interior do Estado nacional, de

As mudanças que acompanham

direitos cidadãos e pela garantia de

discriminações de classe, etnia e

esta desterritorialização dos merca-

benefícios e serviços sociais); e o

raça, gênero e idade e, no seu exte-

dos e da produção vão ter efeitos

econômico (desmercantilização da

rior, pela possibilidade de convivên-

sociopolíticos de grandes dimen-

reprodução da força de trabalho,

cia com o colonialismo;

sões, já que a construção da moder-

socialização dos custos desta repro-

• A proteção social institucio-

nidade envolvia o casamento entre

dução, produção capitalista estatal-

nalizada nos Estado do Bem-estar

o mercado, o Estado e a cidadania,

mente regulada, gerando condições

Social contribuiu para minar os va-

com base no reconhecimento políti-

para o ciclo virtuoso do capitalis-

lores libertários, a dimensão coleti-

co de um povo e o exercício da au-

mo, no qual a maior geração da ri-

vista e solidária – fatores necessá-

toridade sobre um território.

queza representava também melho-

rios à manutenção de uma cidada-

Enquanto o trabalho havia sido

res condições de sua redistribuição).

nia ativa –, ao transformar a condi-

a categoria organizadora da socie-

O desenvolvimento dos sistemas

ção de cidadania em uma pauta de

dade industrial, nesta nova fase ele

benefícios individuais;

perde tal centralidade. O trabalho já

de proteção social expressa este conjunto de transformações, e a expan-

• As transformações, econômi-

não se associa ao crescimento de

são dos direitos sociais por meio de

cas, sociais, tecnológicas e culturais

forma irreversível e a economia pas-

modalidades institucionais distintas

provocaram mudanças demográfi-

sa a crescer eliminando trabalho de

é conseqüência das diferenças nas

cas profundas, relativas ao cresci-

forma intermitente ou permanente,

relações existentes, em cada socie-

mento populacional, expectativa de

gerando uma nova estrutura do

dade, entre Estado e sociedade, e,

vida, padrão de morbimortalidade,

mercado de trabalho. Estas transfor-

dentro desta última, variações acer-

custos de insumos e tecnologias in-

mações na estrutura e relações de

ca da correlação de forças e valores

corporados aos cuidados sociais.

trabalho ficaram caracterizadas pela

No último quarto do século XX,

denominada ‘flexibilização do traba-

Os limites a esta expansão tam-

assistimos à crise do padrão de de-

lho’ e também pela necessidade de

bém são conhecidos e podem ser lis-

senvolvimento capitalista. Esta cri-

os indivíduos investirem em sua

tados:

se permitiu gerar, cumulativamen-

condição pessoal de ‘empregabilida-

• A capacidade de inclusão so-

te, acumulação e redistribuição nas

de’.

cial e de redistribuição por meio de

sociedades capitalistas desenvolvi-

A vida dos indivíduos, a sua in-

políticas sociais tem seu limite últi-

das, ao mesmo tempo que a econo-

serção social, seus mecanismos de

mo na dinâmica de acumulação ca-

mia mundial se transformava em

proteção social deixam de estar as-

pitalista, mediada pela correlação de

uma economia cada vez mais glo-

sociados à sua inserção laboral. Isto

forças sociais e pela institucionali-

balizada. Isto é, onde os processos

tem um enorme impacto na organi-

dade existente;

de produção e circulação de capital

zação e no financiamento da prote-

• O processo de modernização

e mercadorias estavam cada vez

ção social, baseada em uma incor-

e expansão dos valores iluministas

mais conectados, com a liberaliza-

poração maciça de trabalhadores

e das instituições democráticas es-

ção dos mercados e a interconexão

jovens que sustentariam os depen-

teve limitado pela incapacidade de

entre etapas produtivas, por meio do

dentes e os idosos beneficiários do

prevalecentes.

308 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

Proteção social em um mundo globalizado

sistema. Portanto, uma crise de fi-

e conseqüente redução da sua atua-

tando o conhecimento da população

nanciamento da proteção social tor-

ção em todos os domínios da pro-

sobre suas condições de saúde. No-

na-se inexorável.

dução e da reprodução social.

vos padrões de desigualdade foram

Por outro lado, os Estado nacio-

Um duplo movimento de deslo-

resultantes dos fluxos migratórios

nais, que foram o fiador dos direi-

camento do poder se processou, des-

dos países do Sul para os do Norte,

tos relativos à proteção social, são

de o nível central estatal até os ní-

drenando profissionais e cientistas

enfraquecidos em sua autoridade

veis subnacionais, e, desde a dimen-

altamente capacitados por um lado,

diante do surgimento e/ou fortaleci-

são estatal para a societária. Novos

e uma massa de mão-de-obra sem

mento dos poderes supranacionais

arranjos entre Estado, mercado e

qualificações por outro. Neste últi-

e do aumento do poder das empre-

comunidade foram estabelecidos,

mo caso, tais grupos de imigrantes

sas transnacionais e do capital fi-

seja por meio de processos de pri-

permanecem sem direitos à proteção

nanceiro, favorecidos pela elevada

vatização e descentralização, seja

social, mesmo em países onde exis-

mobilidade e volatilidade dos inves-

pela rearticulação entre as organi-

te o Welfare State.

timentos propiciados pela tecnolo-

Essa mobilidade populacional

gia informacional, que permite o

criou, por outro lado, enormes po-

imediato deslocamento de um país

tencialidades de conexões reais ou

a outro. Os Estados nacionais pre-

virtuais entre indivíduos e organi-

cisaram se adequar a uma conjuntura de ajuste fiscal e redução de seu aparato, aumentar sua capacidade de regulação do mercado, in-

UM DUPLO MOVIMENTO DE DESLOCAMENTO DO PODER SE PROCESSOU, DESDE O NÍVEL CENTRAL ESTATAL ATÉ OS NÍVEIS

serir-se de forma estratégica no ce-

SUBNACIONAIS, E, DESDE A DIMENSÃO ESTATAL

nário político e econômico interna-

PARA A SOCIETÁRIA

cional.

zações em pontos diferentes do planeta. Este novo tipo de coletivismo difere, em muito, do coletivismo da sociedade industrial, em que os indivíduos pertenciam a grupos, classes e organizações. No momento atual, cada um, sejam indivíduos ou

Neste cenário, deixa de existir a

organizações, vinculam-se a nume-

polarização ideológica entre EUA e

rosas redes das quais se sentem per-

URSS, permitindo a consolidação do

tencendo enquanto estão ligados,

poder econômico imperial do primei-

zações não governamentais, as em-

podendo desligar-se a qualquer

ro. Assiste-se a uma reorganização

presas e os governos. A estrutura

momento. As identidades, portanto,

do cenário internacional em blocos

hierárquica que caracterizou o Es-

são muito mais complexas e volá-

regionais, mas, diferentemente da

tado e suas políticas sociais vem

teis, porém, são também muito mais

polarização da Guerra Fria, o que

sendo substituída por novos arran-

capazes de coletar informações e

está em jogo são opções para forta-

jos reticulares, com a participação

criar novas conexões.

lecer o poderio econômico e não

de diferentes parceiros.

Toda a lógica do pensamento li-

A globalização implicou em um

beral assentou-se em um reforço do

Essa mudança na geografia do

processo de circulação de capital,

individualismo, que se bem rompe

poder vem embasada no predomí-

informações, mercadorias e pesso-

com a homogeneização implícita nas

nio da ideologia liberal que propug-

as, aumentando a circulação de en-

políticas e organizações coletivistas,

na pela redução do papel do Estado

fermidades, mas também, aumen-

o que poderia anunciar uma pers-

mais confrontações ideológicas.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

309

309

FLEURY, Sonia

pectiva libertadora, não chega a ser

Trata-se, portanto, de uma dis-

sociais, cujos aumentos são insufi-

emancipadora, pois termina por re-

puta ideológica que se trava no cam-

cientes para garantir proteção soci-

duzir-se a um individualismo nega-

po da saúde sobre concepções da

al universal de qualidade.

tivo, um hedonismo egóico. A bus-

sociedade que queremos. A conjun-

A convivência de políticas soci-

ca individual do prazer – o ideal do

tura atual na América Latina mos-

ais universalistas com sistemas fo-

sofrimento zero e da felicidade total

tra um cenário de contradições e

calizados de combate à pobreza não

–, elevados à condição de norma social, tornam possíveis todos os tipos de experimentações do prazer, até mesmo a reinvenção do eu, sua produção e seu consumo. O corpo passa a ser absolutizado como expressão do eu, um corpo que não é natural, mas uma criação do indivíduo por meio de ginásticas, tatu-

algumas tendências que afetam o campo das políticas de proteção social. É inegável que a região vive, pela primeira vez e de forma difundida em quase todos os países e por cerca de um quarto de século, em regimes eleitorais competitivos que são a base institucional da democracia.

tem sido capaz de incluir os excluídos na comunidade política daqueles que possuem direitos sociais. A financeirização das políticas sociais se deu por meio da explosão dos seguros de aposentadorias e de saúde, eliminando possíveis laços de solidariedade entre aqueles que participam dos sistemas de proteção social. A individualização

agens e cirurgias plásticas.

dos riscos ocorre nas duas pontas

A fisiocultura, para além dos

A CONVIVÊNCIA DE POLÍTICAS SOCIAIS

das políticas sociais: seja para a

pressão desta perspectiva egocêntri-

UNIVERSALISTAS COM SISTEMAS FOCALIZADOS

ção por meio dos seguros privados,

ca; tende à perversão, pois a busca

DE COMBATE À POBREZA NÃO TEM SIDO CAPAZ

seja para os pobres que recebem

benefícios da promoção à saúde individual, pode ser vista como ex-

individual do prazer sem a interme-

DE INCLUIR OS EXCLUÍDOS...

diação da normatividade social é

classe média que alcança a prote-

bolsas e outros benefícios assistenciais.

perversa, pois o outro é destituído

A insegurança deixa de ser vista

da condição de sujeito e passa a ser

como uma condição coletiva e pas-

objeto do meu prazer. Esta é a base

sa a ser um risco individual. Da mesma forma, a proteção social

da perversão: a relação objetal. A este fenômeno social denomino Sín-

No entanto, persistem as desigual-

passa a ser para os indivíduos e não

drome de Michael Jackson.

dades injustas entre as nações e in-

para coletivos e grupos sociais.

Pensar a saúde como ausência

tranações, apresentando condições

A perda da centralidade do tra-

de sofrimento e busca do prazer nos

sociais e de saúde incompatíveis

balho, acentuada em nossos países

distancia da perspectiva solidária e

com o padrão nacional de acumu-

pela escassez do trabalho formal,

emancipadora da saúde como valor

lação de riquezas e domínio tecno-

não foi capaz de alterar os vínculos

universal e como núcleo subversi-

lógico.

existentes entre benefícios sociais e

vo da estrutura social. Em outros

A drenagem de recursos financei-

termos, como projeto civilizatório

ros no sentido Sul-Norte, por meio

que requer a radicalização da de-

do pagamento dos serviços da dívi-

A desmontagem do aparato esta-

mocracia por meio da ação coleti-

da tem acarretado uma escassez de

tal, das carreiras públicas e da inte-

va.

recursos para a área das políticas

ligência estatal ocorreu concomitan-

310 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

contribuições, perpetuando assim a exclusão social.

Proteção social em um mundo globalizado

temente ao fortalecimento sem regu-

uma lógica da ‘guetização’, na qual

nacional e inclusão na esfera públi-

lação do mercado de serviços soci-

ricos e pobres se fecham em guetos

ca. A nossa questão social aparece

ais, quando os interesses privados

intransponíveis, em uma cidade que

como sendo a exclusão e seus efei-

predominam sobre os interesses

nada guarda do ideal democrático

tos sobre a sociabilidade deteriora-

públicos.

de ser o espaço do ‘encontro das di-

da.

As conseqüências deste proces-

ferenças’, igualadas na condição

A exclusão não pode ser confun-

so contraditório de democratização

política da cidadania. Ao contrário,

dida com um grau a mais na desi-

sem inclusão social tem sido o au-

a cidade passa a ser a expressão da

gualdade por tratar-se de fenômeno

mento da discrepância entre a de-

incapacidade de coesionar socieda-

de natureza distinta, que implica em

mocracia eleitoral e a democracia

des tão profundamente injustas e

transformar a diferença em uma

substantiva, entre os novos textos

excludentes. A violência urbana

norma social que sanciona o impe-

constitucionais e as políticas reais.

aflora como o sintoma da desagre-

dimento do outro partilhar da comu-

Governos eleitos democratica-

gação social. O aumento da intole-

nidade, de pertencer à mesma esfe-

mente que não cumprem suas pro-

ra pública onde os cidadãos, igua-

messas de campanha e parlamentos

lados politicamente, podem estabe-

que são incapazes de defender algo

lecer trocas simbólicas.

mais que seus próprios interesses

Este outro – favelado, mulher,

são os elementos causadores do de-

homossexual, negro, idoso, índio,

sencanto com a política. Se, por um lado, assiste-se a uma tendência de anomia social, caracterizada pela consciência comum da irrelevância

A NOSSA QUESTÃO SOCIAL APARECE COMO SENDO A EXCLUSÃO E SEUS EFEITOS SOBRE A SOCIABILIDADE DETERIORADA

muçulmano, ou até mesmo o pobre – é visto como algo a ser eliminado, não para ser incorporado sequer na condição de dominado.

da política, por outro, assistimos a

Isto leva a uma fratura sociopo-

inumeráveis crises de governabili-

lítica que se manifesta como convi-

dade, com o povo nas ruas, por sen-

vência, em uma mesma sociedade,

tir a incapacidade dos seus interes-

de um híbrido institucional, uma

ses serem representados pelos governantes. Esta ocupação da rua como espaço público denota a volta do povo como categoria política na região e também a emergência de lideranças populistas que se apresentam como representantes das massas inorgânicas, em detrimento da institucionalidade democrática recém conquistada.

rância com a diferença, a visão do outro como potencial ameaça, a ausência de uma ética pública, a visão do governo como corrompido e incapaz de assegurar condições de segurança, reforçam o individualismo e corrompem a dimensão cívica da cidadania. Em resumo, esta é a nossa questão social, ou seja, aquela que pode ser o analisador da perda dos vín-

institucionalidade para os que estão incluídos e outra para os excluídos. Basta ver como o Estado está ausente dos territórios marginais, ou mesmo como a insidiosa diferença se manifesta na diferença de acolhimento e qualidade dos serviços públicos. Uma democracia com exclusão retira legitimidade da ordem política, pois o poder político não é naci-

As grandes metrópoles da região

culos sociais capazes de coesionar

onal, já que não incorpora a popu-

são reorganizadas de acordo com

a comunidade, gerando integração

lação na comunidade nacional; não

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

311

311

FLEURY, Sonia

é democrática, pois o exercício do

segmentação e a desigualdade pois

Em todos os três casos, houve

poder não se baseia em um princí-

não permite mecanismos solidários;

aumento da cobertura, embora os

pio de justiça e igualdade; não é re-

• Um modelo público univer-

três sistemas tenham sido incapa-

publicano, pois o Estado é patrimô-

sal, estabelecido no Brasil na Cons-

zes de eliminar as desigualdades,

nio das elites e está a seu serviço.

tituição Federal de 1988, implanta-

seja porque seu desenho já compor-

No âmbito das políticas sociais,

do de forma descentralizada e parti-

tava uma lógica diferencial, seja pela

a dualidade institucional se repro-

cipativa, carecendo, no entanto, de

incapacidade de construir uma éti-

duz na dicotomia entre políticas de

recursos financeiros capazes de al-

ca do cuidado e as condições hu-

integração (de caráter universal) e

terar a lógica da oferta curativa e

manas, gerenciais e materiais para

políticas de inclusão (dirigidas a

altamente concentrada da rede de

assegurar igualdade de acesso e

grupos focais). Neste último caso,

serviços. Tal sistema convive com

utilização de serviços de qualidade.

por não incorporar os benefícios

um mercado de seguros de saúde

Diante destas experiências de li-

sociais à condição dos direitos de

para onde migrou a classe média;

mitada eficácia para assegurar a

cidadania, introduz-se a contradição

proteção social e a garantia do di-

entre a redução da desigualdade

reito à saúde nos perguntamos

econômica por meio de um meca-

quais são as tendências e potencia-

nismo que reafirma a diferença de status político, além de disciplinar o cotidiano dos assistidos. No campo das políticas de saúde, assistimos a um movimento reformador importante na região, em

NO CAMPO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE, ASSISTIMOS A UM MOVIMENTO REFORMADOR IMPORTANTE NA REGIÃO, EM BUSCA DA SUPERAÇÃO DOS ELEVADOS NÍVEIS DE EXCLUSÃO AO DIREITO À SAÚDE...

busca da superação dos elevados

lidades que se apresentam neste cenário de globalização. Como procuramos mostrar, são complexos os efeitos dos processos atuais de reorganização das lógicas produtiva e reprodutiva, gerando ambivalências e contradições em relação à inclusão social.

níveis de exclusão ao direito à saúde, estratificação dos benefícios e

Novas e renovadas dinâmicas de

instituições para os incluídos, irra-

exclusão convivem com aquelas que

cionalidade e superposição institu-

Um modelo de seguro, es-

já fazem parte da nossa história na-

tabelecido na Colômbia com a Lei

cional. Por outro lado, há uma ten-

100, de 1993, que se pretende plural

são crescente entre o limitado invó-

por comportar instituições públicas

lucro nacional da cidadania e as

• Um modelo de mercado, es-

e privadas, competitivas com base

potencialidades geradas pela circu-

tabelecido pela reforma no Chile em

na demanda de serviços. Criou tam-

lação de informações e o aumento

1980, o qual assume a dualidade

bém um mecanismo solidário de in-

das expectativas em relação à pro-

institucional como seu princípio de

clusão progressiva dos pobres na

teção social. As migrações questio-

estruturação: os que podem vão ao

condição de assegurados, porém não

nam o nacionalismo da cidadania;

mercado de seguros, e o Estado pro-

foi capaz de universalizar ou reduzir

os direitos humanos se impõem

tege os remanescentes no sistema

as diferenças entre os dois tipos de

como universais e desterritorializa-

público. Tal modelo aumentou a

seguros.

dos, os poderes nacionais se su-

cional e má qualidade da atenção. São experimentados três modelos de reforma:



312 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

Proteção social em um mundo globalizado

bordinam a estratégias regionais. A

ficar padrões normativos de domi-

individual, para se colocar como

perda do referente nacional mostra

nação.

prática social transformadora, pois

a existência de uma sociedade cada

Trata-se de repensar as políticas

a autonomia é mediada social e ins-

vez mais policêntrica, descentrada

sociais a partir da centralidade do

titucionalmente, requerendo a acei-

e descentralizada.

cidadão-usuário e não do predomi-

tação e reconhecimento do outro (al-

Ainda que estes fenômenos pos-

no da lógica da burocracia e das

teridade) e das interdependências

sam ser vistos como ameaças à co-

especializações profissionais. En-

mútuas.

esão social, porque geram identida-

fim, trata-se de pensar em condições

A revolução dos excluídos nesta

des competitivas, também é certo

de igualdade complexa e de cidada-

perspectiva emancipadora tem sido

que fortalecem o poder local, seja

nia diferenciada.

uma revolução molecular, que per-

ele o poder público ou a sociedade

A possibilidade de emancipação

mite formular os dramas cotidianos

local, gerando novas condições de

é cada vez mais decorrente da com-

em uma linguagem pública dos di-

governança local, potencialmente

preensão do lugar desta singulari-

reitos. Ao contrário dos modelos de

mais favorável à inovação social.

proteção social que tiveram como

Desta forma, existe a possibilidade

ator central a classe trabalhadora,

de reconciliar a cidadania com a

o novo desenho das políticas e mo-

comunidade, resgatando a noção de

delos de proteção não é fruto de uma

cidadania ativa, por meio de processos de deliberação e co-gestão. A tensão entre o local, o nacio-

EXISTE A POSSIBILIDADE DE RECONCILIAR A

ação coletiva organicamente direci-

CIDADANIA COM A COMUNIDADE, RESGATANDO

falam dos pobres e excluídos como

nal e o global impõem a busca de

A NOÇÃO DE CIDADANIA ATIVA, POR MEIO DE

uma nova territorialidade para a

PROCESSOS DE DELIBERAÇÃO E CO-GESTÃO

cidadania, já que direitos distintos

onada. Ao contrário, enquanto todos um lugar vazio de poder, estamos deixando de reconhecer o intenso movimento molecular de adensa-

passam a ser reivindicados em ní-

mento da esfera pública e da cida-

vel também diferenciado, como os

dania que se processa de forma in-

direitos humanos e ambientais cada

visível e subterrânea. Restaria pen-

vez mais globalizados, os direitos

sar como as políticas públicas po-

sociais e políticos em âmbito nacio-

dade no contexto social e, a partir

nal e os de participação e delibera-

daí, gerar condições para a recons-

leculares, sem correr o risco de que-

ção restringidos ao nível local.

trução de auto-imagens e hetero-

rer discipliná-los ou cooptá-los.

dem favorecer estes processos mo-

Outra tensão presente é relativa

imagens deterioradas pelas políticas

As novas formas organização em

à igualdade implícita na condição

universais normalizadoras. Lingua-

forma de redes de políticas impõem

de cidadania e as reivindicações

gens simbólicas que remetem à uni-

desafios quanto a uma gestão com-

atuais de respeito às diferenças. As

versalidade, como a arte e o traba-

partilhada, mais democrática porque

diferenças são afirmadas não como

lho corporal, se colocam como pos-

mais capilar, diversa e plural. Bus-

incapacidades, mas como singula-

sibilidade de construção de sujeitos

car mobilizar recursos e coordenar

ridades que não podem ser desca-

autônomos e emancipados. A auto-

interdependências passa a ser o

racterizadas por meio de políticas

nomia deixa de ser pensada em ter-

grande desafio da gestão. No entan-

homogêneas, que terminam por rei-

mos liberais, do cálculo utilitário

to, não há como diluir o papel do

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

313

313

FLEURY, Sonia

Estado nesta nova forma reticular

MALTHUS, T.R. Ensaio sobre a po-

de sociabilidade e organização. Há

pulação. São Paulo: Abril Cultura,

que ter em conta o papel do Estado

1983. (Coleção Os Economistas).

como mediador dos conflitos, especialmente os distributivos, o que

MARSHALL, Theodor H. Cidadania,

requer fortalecer sua institucionali-

Classe Social e Status. Rio de Janei-

dade e os princípios de transparên-

ro:

Zahar

Editores,

1967.

cia, mérito e imparcialidade de sua burocracia.

MARX, Karl. O Capital. Rio de Ja-

A combinação de estruturas bu-

neiro: Civilização Brasileira, 1980.

rocráticas com formas reticulares, da responsabilização e regulação com a co-gestão, a democracia representativa com a deliberativa, estes são os novos desafios para construção de uma proteção social que seja capaz de ampliar a esfera pública, por meio do reconhecimento, participação e redistribuição. O fracasso em um destes elementos será o fracasso da democracia entre nós. As potencialidades, no entanto, são tão grandes quanto os desafios que estão colocados.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição, 1988. Dispõe sobre a Constituição da Republica Federativa do Brasil. DOU-I, Brasília-DF, 126(191-A):1-32, 5 out.1988. CONGRESSO MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA, 11.; CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA, 8., 2006, Rio de Janeiro.

314 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005

Saúde, Desenvolvimento e Globalização

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Saúde, Desenvolvimento e Globalização Health, Development and Globalization.

Edmundo Gallo 1 Janice Dornelles de Castro2 Joseane Carvalho Costa 3 Vivian Studart4 Sandra Willecke5 Recebido: Mar./2006 Aprovado: Jun./2007

RESUMO Uma das principais questões da atualidade é a articulação entre saúde e desenvolvimento. Como alcançar o desenvolvimento soberano e sustentável com crescimento e justiça social?. O objetivo desse artigo é, através da revisão bibliográfica, identificar estudos que analisaram o setor enquanto pólo dinâmico de desenvolvimento, gerador de renda e capaz de propiciar a integração regional e entre países, contribuindo para a revisão da visão da saúde enquanto uma atividade que apenas traz elevados custos para a sociedade. Abordando a discussão da saúde, desenvolvimento e globalização buscando um novo sentido, e assim construindo uma nova

Pesquisador Adjunto e Coordenador de Programas e Projetos Estratégicos da Fiocruz Brasília, Vice-presidente do Cebes (1989/1990), Conselheiro Editorial do Cebes. 1

concepção de desenvolvimento que deve considerar a garantia das necessidades sociais básicas.

E-mail: [email protected]

PALAVRAS –CHAVE: Saúde Global, Economia da Saúde, Desenvolvimento.

2 Doutora em saúde coletiva – Unicamp, Pesquisadora visitante da Fiocruz, diretoria da Associação Brasileira de Economia da Saúde.

ABSTRACT

E-mail: [email protected]

One of the main contemporary issues is regarding the relationship bePhD em Ciências – Professora pesquisadora da Universidade Federal do Pará – Assessora da Coordenação de Programas e Projetos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz/Brasília.

tween health and development. How can sovereign and sustainable deve-

E-mail: [email protected]

sector as a dynamic center for development and income, capable of gene-

3

4 Gerente de Projeto, Assessora Técnica da Fiocruz, Especialista em Saúde Pública – ENSP/Fiocruz, Mestranda em Saúde Pública – ENSP/Fiocruz.

E-mail: [email protected]

lopment be achieved with growth and social justice? This article aims to identify through a bibliographical review studies which examine the health rating regional and international integration, contributing to revise the vision of health as an activity that only brings about high costs for the society. The discussion of health, development and globalization is approached in order to establish a new meaning and therefore build a new con-

5

Analista em C&TSP da Fiocruz, Mestre em Políticas e Gestão Públicas – UFRN e Analista em Relações Internacionais

cept of development, which must consider ensuring basic social needs.

E-mail: [email protected]

KEYWORDS: Global Health, Health Economics, Development.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

315

GALLO, Edmundo et al

APRESENTAÇÃO

segundo destaca a saúde na totali-

Ao longo dos tempos, a teoria

dade de seu complexo produtivo,

econômica tem evoluído na sua con-

Este artigo pretende identifi-

valorizando-a como fator de desen-

cepção de desenvolvimento. O libe-

car como os conceitos de desenvol-

volvimento pelo elevado grau de

ralismo de Adam Smith afirma que

vimento e globalização foram abor-

inovação, lucratividade e emprega-

são os interesses individuais reali-

dados pela política de saúde, espe-

bilidade do setor, com potencial eco-

zados livremente no mercado, har-

cialmente em sua relação com as

nômico e tecnológico para incremen-

monizados pela “mão invisível”,

políticas econômica, externa e de

tar a integração regional. (GADE-

que levariam a sociedade ao está-

desenvolvimento regional, propon-

LHA, 2003, 2006; GALLO et al, 2004,

gio de bem–estar. A riqueza das

do uma abordagem teórico-concei-

2005; BRASIL, 2004; CASTRO,2004;

nações depende do trabalho produ-

tual que possibilite analisar e des-

FERLA,2004).

tivo, capaz de produzir excedente de

tacar o seu potencial de contribui-

No Brasil, o desenvolvimento as-

valor sobre o custo de reprodução

ção para um projeto global contra-

sumiu principalmente a característi-

da mão de obra. A divisão do tra-

hegemônico em uma perspectiva

balho é a força dinâmica deste pro-

multipolar e solidária. Para alcan-

cesso e depende da extensão dos

çar este objetivo, o texto foi organizado iniciando pela apresentação do

NO BRASIL, O DESENVOLVIMENTO ASSUMIU

mercados interno e externo Para Marx, o desenvolvimento

pensamento de alguns autores so-

PRINCIPALMENTE A CARACTERÍSTICA DE

capitalista ocorre por meio de ciclos

bre o desenvolvimento econômico e

CRESCIMENTO ECONÔMICO, DETERMINANDO

e crises periódicas. O progresso téc-

as possíveis articulações deste conceito com a questão da saúde, se-

ELEVADOS ÍNDICES DE URBANIZAÇÃO E

guido de um breve panorama da

INDUSTRIALIZAÇÃO, MAS TAMBÉM CRIANDO

relação entre desenvolvimento e

ENORMES DESIGUALDADES ENTRE AS REGIÕES

saúde no Brasil, continuando na discussão das relações entre Saúde

E EM RELAÇÃO À DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

nico libera trabalhadores e aumenta a taxa de exploração, elevando a taxa de lucro. Mas reduz a demanda por trabalho e, em longo prazo, reduz a taxa de lucro, pois aumenta a parcela de capital constante na

e Globalização e, por fim, apresen-

composição orgânica do capital, o

tando o contexto atual do setor saú-

que diminui a capacidade de extra-

de no Brasil e seus desafios.

SAÚDE E DESENVOLVIMENTO Existem alguns argumentos que defendem a importância do setor

ca de crescimento econômico, deter-

ir mais-valia, traduzindo-se em cri-

minando elevados índices de urba-

ses de subconsumo e crises de des-

nização e industrialização, mas

proporção entre consumo e produ-

também criando enormes desigualdades entre as regiões e em relação à distribuição da renda. O impacto na saúde se refletiu

ção. (SOUZA, 2005; HUNT,1981). Keynes centra a sua análise na abordagem macroeconômica do pleno emprego, nos fatores de crescimento dos investimentos e seus

saúde para o desenvolvimento: o

em investimentos maciços em infra-

primeiro salienta sua importância

estrutura assistencial (obras e equi-

Focaliza na demanda efetiva, reali-

para o desenvolvimento humano

pamentos), marcadamente desigual

zando uma análise estática e de

com eqüidade e justiça social, e o

entre e inter-regiões.

curto prazo. As pessoas não gastam

316 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

impactos sobre a renda e emprego.

Saúde, Desenvolvimento e Globalização

toda sua renda em consumo e, ne-

da da periferia (BIELSCHOWSKY, 2000,

produção e emprego. É importante

cessariamente, não investem o que

p. 22).

o papel do empresário inovador e

não é consumido, parte da renda

do crédito. Distingue crescimento de

“vaza”, sai da esfera da economia

Portanto, os processos de cres-

desenvolvimento. O crescimento

(poupança, impostos, importação),

cimento, emprego e distribuição de

decorre de combinações antigas dos

impedindo o pleno emprego. Com a

renda na periferia são distintos da-

meios de produção, trabalho e re-

crise de 1930, ganha força esta abor-

queles dos países centrais, exigin-

cursos naturais, é um processo de

dagem, que coloca ênfase no inves-

do a industrialização para superar

adaptação. O desenvolvimento é

timento como motor do crescimen-

o subdesenvolvimento e a pobreza.

produzido pelas variáveis inova-

to. Mediante seu efeito multiplica-

Mas as economias periféricas têm

ções e instituições; é um fenômeno

dor, o governo influencia o nível de

estruturas pouco diversificadas e

novo, desloca o ponto de equilíbrio

emprego pelo uso de política fiscal

tecnologicamente heterogêneas, le-

para um novo patamar, baseia-se

(gastos públicos, tributação, em-

vando à tese da tendência à deterio-

na função empresarial, inovações

préstimos), política monetária

tecnológicas e crédito. Mas existem

(emissão ou controle de moeda, fi-

falhas de mercado, como retornos

xação da taxa de juros) e política

crescentes à escala e às externali-

cambial. Assim, o governo age so-

dades, que levam a falhas de de-

bre as expectativas dos empresári-

OS PROCESSOS DE CRESCIMENTO, EMPREGO E

os influenciando o nível de investi-

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA PERIFERIA SÃO

cia imperfeita, o governo procura

mento. (SOUZA, 2005; HUNT,1981).

DISTINTOS DAQUELES DOS PAÍSES CENTRAIS,

intervir através de impostos, ofer-

volvimentista latino-americano, da

EXIGINDO A INDUSTRIALIZAÇÃO PARA SUPERAR

monopólios, nacionalizando indús-

CEPAL – Comissão Econômica para

O SUBDESENVOLVIMENTO E A POBREZA

Há também o paradigma desen-

manda efetiva. Onde há concorrên-

tando bens públicos, regulando trias, criando leis antitruste. Mas as

Americana Latina e Caribe, cujo

falhas de mercado são substituídas

principal idealizador foi Raul Pre-

por falhas de governo, o bem-estar

bish. Para os cepalinos existe um

reduz-se em vez de aumentar, os

padrão específico de inserção inter-

recursos públicos são mal gastos,

nacional, de oposição entre centro

ração dos termos de trocas entre

há desperdício e redução de eficiên-

e periferia, sendo a última, produ-

centro e periferia.

cia global. O empresário, por sua

Schumpeter, como os clássicos,

vez, está sempre tentando romper o

enfatiza o lado da oferta na expli-

equilíbrio, ao introduzir inovação

(...) bens e serviços com demanda

cação do crescimento econômico.

geradora de lucro puro e, portanto,

internacional pouco dinâmica, e impor-

Identifica, nos novos produtos e pro-

de imperfeições de mercado. Chama-

tadora de bens e serviços com deman-

cessos, o motor do crescimento, pois

se a este processo de destruição cri-

da doméstica em rápida expansão, e

sempre haverá demanda para estes

adora (SOUZA, 2005; HUNT,1981,

absorvedora de padrões de consumo e

bens. Assim, investimentos em má-

CASTRO,2002).

tecnologias adequadas ao centro, mas

quinas e capacitação tecnológica

Sen (2000), por sua vez, intro-

freqüentemente inadequadas à dispo-

dinamizam a economia ao gerar

duz a idéia de desenvolvimento

nibilidade de recursos e ao nível de ren-

efeitos de encadeamento sobre a

como liberdade, acredita que o cres-

tora de

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

317

GALLO, Edmundo et al

cimento do Produto Nacional Bruto

rantia das necessidades sociais bá-

produção, segundo Offe (1984),

(PNB) ou da renda per capita, pode

sicas, mais vinculadas à garantia

pressupõe a existência de indivídu-

ser um meio importante de expan-

do bem-estar social, articulado ao

os “livres”, despojados dos meios

dir as liberdades dos cidadãos, mas

crescimento econômico sustentável

de produção e dispostos a vender a

depende também de condições soci-

com eqüidade e justiça social.

sua força de trabalho no mercado.

ais e econômicas, como serviços de

Porém este processo não é espontâ-

saúde e educação, e dos direitos

neo. É importante a ação do Esta-

DESENVOLVIMENTO E SAÚDE NO BRASIL

civis, como a liberdade de participar. Afirma que a industrialização, a modernização ou o progresso tecnológico podem contribuir para o desenvolvimento, mas que este

do, no sentido de organizar o contexto social, para o desenvolvimento e reprodução da acumulação ca-

A formação de um sistema de

pitalista (O’DONNEL, 1980).

atenção à saúde foi concomitante à

É neste contexto que o Estado

transformação da forma de organi-

brasileiro implementou as primei-

(...) requer que se removam as prin-

ras políticas sociais (GALLO, 1993).

cipais fontes de privação de liberdade:

As principais políticas de saúde foram o saneamento básico dos por-

pobreza, tirania, carência de oportu-

tos e dos núcleos urbanos e as cam-

nidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos servi-

A FORMAÇÃO DE UM SISTEMA

panhas de vacinação de cunho im-

ços públicos e intolerância ou interfe-

DE ATENÇÃO À SAÚDE FOI CONCOMITANTE À

rias pioneiras foram a garantia de

rência excessiva dos Estados repressi-

TRANSFORMAÇÃO DA FORMA

vos. (SEN, 2000, p.18).

DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

positivo. As políticas previdenciábenefícios e auxílios viabilizados pelo Estado e por algumas empresas privadas. O desenvolvimento

A partir destas abordagens, pode-

destas políticas possibilitou a imi-

se assumir que o conceito de desen-

gração, a consolidação dos núcle-

volvimento, aplicado à saúde, deve

os urbanos e a criação do mercado

necessariamente levar em conside-

de trabalho, favorecendo a integra-

ração a dimensão da justiça social,

zação da produção, a qual corres-

ção da economia brasileira no mer-

do acesso à educação, à saúde, à

pondeu à primeira etapa de desen-

cado mundial e viabilizando a acu-

água, ao saneamento e à terra, mas

volvimento capitalista. Ou seja,

mulação e reprodução do capital

também deve considerar o seu po-

quando a economia, escravocrata

(OFFE,1984).

tencial econômico, a inovação e a

produtora de algodão e açúcar para

Com o golpe militar de 1964,

intervenção do governo conduzindo

exportação, deu lugar à lavoura

modificou-se a relação entre o Es-

o processo de desenvolvimento, que

cafeeira exportadora com base na

tado e as classes sociais, constitu-

terá como conseqüência a geração

mão-de-obra assalariada, tornou-se

indo-se novas alianças entre a bu-

de consumo, emprego, lucro e dis-

necessário organizar o mercado de

rocracia civil e militar, o capital

tribuição de renda.. Assim, emerge

trabalho e criar condições para via-

nacional e o capital estrangeiro. O

uma nova concepção de desenvol-

bilizar a acumulação cafeeira. A

Estado brasileiro deste período ti-

vimento que deve considerar a ga-

forma capitalista de organizar a

nha como característica a autono-

318 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

Saúde, Desenvolvimento e Globalização

mia da sua dimensão política em

so aos serviços de saúde deve ser

ga os setores envolvidos com a pres-

relação à dimensão econômica e

igualitário, universal e integral.

tação de serviços de saúde. Segun-

social (MARTINS, 1985), em função

O Estado brasileiro, portanto,

do o autor, é este último grupo que

da inexistência de mecanismos de

atuou e continua atuando como

confere organicidade ao complexo,

representação democrática que limi-

principal financiador das políticas

sendo seu motriz; ou seja, a sua

tasse sua ação, tornando-se cada

de saúde no país desde a sua for-

contração ou expansão impacta di-

vez mais autônomo, criando inte-

mação. Apesar disso, não logrou

retamente nos outros setores. Gallo

resses burocráticos próprios e esta-

induzir o desenvolvimento susten-

et al (2005) ampliam este conceito

belecendo um novo padrão neo-cor-

tável e continuado, dinamizando a

para complexo produtivo, acrescen-

porativo onde eram privilegiados os

economia, a partir dos investimen-

tando as cadeias produtivas de ci-

grupos dominantes, e a maioria da

tos realizados nesta área. Isso ocor-

ência e tecnologia e de formação de

sociedade era excluída da partici-

re, principalmente, porque não se

força de trabalho como outras di-

pação.

considerou a dinâmica do comple-

mensões do CPS.

Nesse contexto, foi novamente

Estas abordagens acreditam no

reformulado o sistema de saúde: a

potencial de dinamismo e inovação

gerência financeira foi centralizada

da área social para o desenvolvi-

no Estado; foram excluídos da participação os trabalhadores e patrões;

O ESTADO BRASILEIRO (...) ATUOU E

mento. É necessário, no entanto, que o Estado articule os diversos seto-

aumentou-se e unificou-se a contri-

CONTINUA ATUANDO COMO PRINCIPAL

buição, crescendo a disponibilida-

FINANCIADOR DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO

políticas sociais, situação que não

de de recursos. A política do Esta-

PAÍS DESDE A SUA FORMAÇÃO. APESAR DISSO,

ocorre no Brasil (BRASIL, 2004).

trabalhadores e patrões e de defesa

NÃO LOGROU INDUZIR O DESENVOLVIMENTO

entre a política de saúde e uma po-

de interesses burocráticos próprios

SUSTENTÁVEL...

do de exclusão da participação dos

(MARTINS, 1984) permitiu o desen-

res do complexo produtivo com as

Aqui assistimos a “...desarticulação lítica para o desenvolvimento das indústrias do setor” (GADELHA,

volvimento de um modelo de assis-

2003;), ou seja, o SUS é uma políti-

tência em que se privilegiavam os

ca social bem- sucedida e que de-

interesses das classes dominantes,

xo produtivo da saúde (CPS) na for-

termina, contraditoriamente, mai-

ao mesmo tempo em que se ampli-

mulação das políticas de investi-

or dependência das importações,

ava o poder da burocracia estatal.

mento setorial.

pois não foram criadas as condições

Novas transformações importan-

Conforme Gadelha (2003), o com-

para a produção interna dos insu-

tes ocorreram a partir de 1988 com

plexo industrial da saúde é compos-

mos necessários para o seu funcio-

a aprovação da Constituição Fede-

to por três grandes grupos de ativi-

namento, refletindo a incapacidade

ral e da Lei Orgânica da Saúde em

dades: do primeiro, fazem parte as

das políticas de saúde de induzirem

1990 (Lei 8.080 de 19 de setembro

indústrias de base química e bio-

o desenvolvimento (GALLO & COE-

1990). A nova Constituição estabe-

tecnológica; do segundo grupo, as

LHO, 2005).

lece em seu art.196 que “A saúde é

atividades de base física, mecâni-

É nesta conjuntura que se colo-

direito de todos e dever do Esta-

ca, eletrônica e de materiais; e, por

ca uma grande questão, também

do...” (BRASIL, 1988) e que o aces-

fim, há um terceiro grupo que agre-

apontada na agenda política mun-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

319

GALLO, Edmundo et al

dial: como alcançar o desenvolvi-

hegemônica internacional, como,

tanto política (saúde e seguridade),

mento soberano e sustentável com

por exemplo, na discussão sobre a

quanto técnico-operacional (Sistema

crescimento e justiça social? Este é

função do Estado no desenvolvimen-

Único de Saúde).

um dos principais desafios coloca-

to econômico e social e sobre a ga-

dos para as sociedades na atuali-

rantia dos direitos sociais.

Há, portanto, um background que habilita a saúde a ser uma das

dade, e para responder a ele, torna-

A área da saúde no Brasil – mes-

áreas de ponta para fortalecer a pro-

se necessário articular as políticas

mo em uma conjuntura política e

posta da política externa, qual seja,

de saúde e desenvolvimento, consi-

econômica adversa, interna e exter-

a de colocar o Brasil como um in-

derando o contexto da globalização.

namente, nos anos 80 e 90 – conse-

terlocutor importante no cenário

guiu realizar uma reforma no se-

internacional, tendo como perspec-

tor, incluindo, na Constituição Fe-

tiva a solidariedade, a diversidade

deral de 1988, a criação da Seguri-

e a justiça social, promovendo uma

dade Social, em uma perspectiva

nova relação entre Estado e Socie-

SAÚDE E GLOBALIZAÇÃO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

dade. A política externa do Brasil passou, paulatinamente, a tratar a saúde como uma questão relevante (GALLO et. al., 2005; GOVERNO FEDERAL, 2005; MERCOSUL, SGT-11, 2003, 2004;19 e 2005; MERCOSUL,

A ÁREA DA SAÚDE NO BRASIL – MESMO EM UMA CONJUNTURA POLÍTICA E ECONÔMICA

CONTEXTO ATUAL DO SETOR SAÚDE NO BRASIL O setor saúde é dotado de espe-

GMC, 2005), demandando que a for-

ADVERSA, INTERNA E EXTERNAMENTE, NOS

cificidades decorrentes de sua apro-

mulação e implementação da polí-

ANOS 80 E 90 – CONSEGUIU REALIZAR

ximação com os problemas reais ou

tica de saúde se alinhem às suas

UMA REFORMA NO SETOR ...

potenciais da população, que con-

diretrizes, de modo a possibilitar a

dicionam a identificação de temas

construção da segunda mão dessa

prioritários para pesquisa científi-

via entre política externa e política

ca, desenvolvimento tecnológico e

de saúde no Brasil (TREVAS, 2005;

institucional ,e a conseqüente necescontrária à lógica da maioria dos

sidade de sistematização e incorpo-

Atualmente as prioridades da

países. Além de avançar sob o pon-

ração dos novos conhecimentos e

política externa são duas: (a) a in-

to de vista ideológico e doutriná-

tecnologias ao Sistema Único de

tegração da América do Sul, tendo

rio, também foi possível transfor-

Saúde (SUS).

como base o Mercosul; (b) o aumen-

mar esta perspectiva em um siste-

Este setor vem se deparando

to das exportações e da inserção

ma operacional com um conjunto

com uma série de desafios, impos-

política e econômica do Brasil no

de experiências positivas importan-

tos principalmente pelas modifica-

cenário internacional, tendo por

tes: o Sistema Único de Saúde - SUS.

ções nas condições de vida da po-

base a integração. Algumas ques-

Esta característica reforça o argu-

pulação. A despeito das importan-

tões colocadas pela política exter-

mento de que a saúde seja um dos

tes conquistas na área da saúde re-

na brasileira muitas vezes não es-

vetores importantes da política ex-

gistradas nas últimas décadas, ain-

tão em consonância com a agenda

terna, portadora de uma Agenda

da persistem iniqüidades e novas

GALLO & COSTA, op. cit.).

320 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

Saúde, Desenvolvimento e Globalização

dificuldades surgem no esforço de

se amplia em virtude da distribui-

protocolos clínicos e gerenciais e

prover o acesso universal, equâni-

ção diferenciada dos riscos e agra-

ferramentas de tecnologia da infor-

me e integral às ações e aos servi-

vos nos diversos grupos da popu-

mação, entre outras. Destaca-se,

ços de promoção, proteção e recu-

laçãoe e desigualdade que se expres-

também, a integralidade como um

peração da saúde, princípios que

sa nas diferenças observadas nas

dos principais aspectos da política

norteiam o funcionamento do SUS

taxas e coeficientes das regiões do

de humanização da atenção à saú-

(BLOOM, 2005; DRACHLER, 2003;

país, ou entre regiões do mesmo

de, entendida tanto do ponto de vis-

PELEGRINI, 2005).

estado. Por outro lado, a ampliação

ta da articulação das ações de pro-

O quadro sanitário prevalente do

do acesso às medidas de controle e

moção, prevenção e recuperação,

país é diversificado e reflete a pre-

aos serviços de saúde, associada ao

quanto do ponto de vista da conti-

sença de diferentes perfis epidemi-

desenvolvimento de novas tecnolo-

nuidade do cuidado.

ológicos: coexistem enfermidades

gias, promoveu o aumento na ex-

Este contexto tem demandado

infecciosas e parasitárias, caracte-

pectativa de vida e, por conseguin-

insumos estratégicos para o siste-

rísticas de países em desenvolvimen-

ma, que são oriundos dos distintos

to, e as doenças crônicas, como as

segmentos do complexo produtivo

cardiovasculares e neoplasias, típi-

da saúde. Essa demanda, entretan-

cas dos países desenvolvidos. Ainda nesse contexto, interagem aspectos associados à migração para os grandes centros urbanos, cujo contingente populacional passa a viver

...O APROFUNDAMENTO DA DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS GEROU DEMANDAS POR COMPETÊNCIAS DE GESTÃO NOVAS E

to, não tem sido utilizada como política de indução ao desenvolvimento e à integração regional. Investimentos crescentes em unidades de saúde e equipamentos, por exem-

nas periferias, sem infra-estrutura

DIFERENCIADAS DAS DISTINTAS

plo, têm sido realizados sem que

necessária de saneamento e habita-

ESFERAS DE GOVERNO

haja uma mobilização articulada do

ção.

CPS, redundando em ineficiência e

Observa-se a importância cres-

desperdício de recursos financeiros

cente das chamadas causas exter-

e, principalmente, em ineficácia so-

nas, expressão da violência social

cial e em baixo impacto no desen-

em suas mais diversas formas, e

te, o envelhecimento da população,

volvimento e integração (BRASIL,

das doenças crônicas não-transmis-

demandando ações e serviços espe-

2004, GALLO & COELHO, 2005).

síveis, ao lado da re-emergência e

cíficos (COHEN, 2005; PRESTON et.

permanência de doenças infecciosas

al, 2001; FERLA, 2004).

O enfrentamento desses problemas, visando à qualificação da

e parasitárias – se não como causa

Além disso, o aprofundamento

atenção e da gestão, exige estreita

de óbito, como morbidade detecta-

da descentralização do SUS gerou

sintonia entre as políticas externa,

da pelo sistema de vigilância epi-

demandas por competências de ges-

de saúde, de ciência e tecnologia,

demiológica e pelos registros de

tão novas e diferenciadas das dis-

de desenvolvimento e de integração

consulta ambulatorial e hospitalar

tintas esferas de governo, tais como:

nacional, ampliando o foco que atu-

– configurando, assim, um “mosai-

regulação de serviços, gestão estra-

almente está centralizado na assis-

co epidemiológico” de grande com-

tégica, monitoramento e avaliação,

tência, a fim de abranger o CPS

plexidade. Complexidade esta que

sistema de custos, implantação de

como um todo.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

321

GALLO, Edmundo et al

As recentes políticas de investi-

A globalização traz para a agen-

potencial contribuição do setor para

mento setorial têm procurado ado-

da dois grandes desafios: o desen-

o desenvolvimento. Um segundo

tar o conceito de desenvolvimento

volvimento soberano e sustentável,

argumento é que a saúde, pensada

aqui discutido, buscando, na defi-

que pressupõe crescimento com jus-

no contexto do Complexo Produti-

nição de suas prioridades, articu-

tiça social e manejo adequado do

vo, pode vir a ser um dos instru-

lar as distintas dimensões do CPS,

ambiente; e a construção do poder

mentos fundamentais de desenvol-

assim como atender às necessida-

global multipolar, em contraposição

vimento, assim como um dos prin-

des de enfrentamento de agravos

à hegemonia unipolar hoje preva-

prioritários e das desigualdades in-

lente.

cipais motores da integração regio-

tra e inter-regionais (BRASIL 2003,

Quanto ao primeiro desafio, o do

2004 e 2005; GALLO & COELHO,

desenvolvimento soberano e susten-

2005, DRACHLER ,2003, PELEGRI-

tável, vale rever dois argumentos

NI, 2005). Entretanto, ainda não há

relativos à importância do setor

uma agenda estratégica claramen-

econômica e tecnológica. Em outras palavras, independentemente de ser positivo ter uma política de saúde adequada, seu impacto também é estruturante tanto

te definida que sirva de suporte à

na perspectiva econômica, quanto

tomada de decisões.

DESAFIOS PARA UMA AGENDA DE SAÚDE E DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

nal em função de sua importância

na tecnológica. É pouco provável

... INDEPENDENTEMENTE DE SER POSITIVO TER UMA POLÍTICA DE SAÚDE ADEQUADA, SEU

que um país alcance o desenvolvi-

IMPACTO TAMBÉM É ESTRUTURANT

regional e o desenvolvimento do

E TANTO NA PERSPECTIVA ECONÔMICA,

Mercosul ou da América do Sul se-

A definição de variáveis relevan-

QUANTO NA TECNOLÓGICA

tes e seu comportamento provável,

mento científico-tecnológico e, também, que o processo de integração

jam alcançadosa, sem que se considere a importância que o segmen-

em longo prazo, é condição sine qua

to tem, econômica e produtivamen-

non para a elaboração dos cenári-

te, e o seu impacto no desenvolvi-

os que contextualizarão as diferen-

mento. O segundo desafio - um projeto

tes alternativas de desenvolvimen-

saúde já apontados: em primeiro

to nacional e de integração regio-

lugar, o argumento tradicional que

nal, e também para a adoção de

destaca a saúde como um elemento

medidas governamentais, sociais e

central do desenvolvimento huma-

articula-se ao primeiro através das

empreendedoras em Saúde. Nesse

no, da eqüidade e da justiça social.

categorias desenvolvimento e mul-

sentido, busca-se situar esta discus-

Este sempre foi um dos pilares do

tipolaridade. Com efeito, o gap en-

são no contexto da globalização,

discurso do movimento sanitário

tre quaisquer indicadores de quali-

tendo como referencial dois eixos:

para justificar a importância da

dade de vida de países desenvolvi-

(a) o projeto de desenvolvimento

política de saúde: é um direito hu-

dos, em desenvolvimento e pouco

nacional e (b) o projeto de integra-

mano e é justo. Embora esse argu-

desenvolvidos, vis-à-vis a eficácia

ção regional (Mercosul, América do

mento seja correto, deve-se lembrar

da tecnologia disponível (combate

Sul e Eixo Sul-Sul).

que é insuficiente para mostrar a

a doenças, fome, escassez de água,

322 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

de integração regional (Mercosul, América do Sul e Eixo Sul-Sul) –

Saúde, Desenvolvimento e Globalização

entre outras) tem demonstrado a ne-

CONCLUSÕES

dutivos”, portanto sujeitos ao ajuste fiscal e às restrições orçamentá-

cessidade de atitudes globais mais efetivas para redução de iniqüida-

Saúde e Economia têm estabe-

rio-financeiras daí decorrentes. Nes-

des (SACHS, 2005; United Nations

lecido um diálogo inacabado no

te contexto, a saúde é tratada numa

Millennium Project, 2000 e 2005).

que refere à questão do desenvol-

dimensão estrita.

Pode-se afirmar que o Brasil está

vimento, incluindo-se o papel do Es-

No entanto, é possível tratar esta

inserido em um contexto de oportu-

tado e também sua articulação ao

questão de forma mais abrangente

processo de integração regional da

e em toda sua complexidade, con-

América do Sul. A tradição sanita-

siderando os diversos setores da

rista sempre abordou a questão do

economia e políticas institucionais

desenvolvimento a partir do olhar

envolvidos. Assim poderão ser ela-

dos determinantes sociais da saú-

boradas políticas intersetoriais ar-

de e sua relação com o capitalismo

ticuladas e direcionadas às várias

nidades devido a sua posição geopolítica, sua base tecnológica e produtiva, sua biodiversidade, geodiversidade e, no que se refere à saúde, sua estrutura jurídico-organizacional, sua experiência operacional

dimensões da produção da saúde

e sua articulação tecnopolítica.

que constituem o Complexo Produ-

Desta forma, considerando que

tivo da Saúde. Nessa perspectiva, a

a saúde se caracteriza enquanto

CONSIDERANDO QUE A SAÚDE SE CARACTERIZA

tomada de decisões deverá conside-

produção histórica – seja como con-

ENQUANTO PRODUÇÃO HISTÓRICA (...) O

rar a dinâmica da estrutura técni-

ceituação (discurso teórico), seja como possibilidade concreta de

PRIMEIRO GRANDE DESAFIO EM RELAÇÃO À

apropriação e de transformação em

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL É

uma política (discurso prático)

ENTENDER QUAL O SIGNIFICADO DA SAÚDE

(GALLO, 1995) – o primeiro grande

PARA SEUS POVOS ...

desafio em relação à integração da

co-produtiva, pensando conjuntamente nas reformas institucionais do setor; em mecanismos de financiamento público e privado da atenção à saúde; no mercado de trabalho da área; na pesquisa e desen-

América do Sul é entender qual o

volvimento tecnológico; no desen-

significado da saúde para seus po-

volvimento industrial farmacêutico, farmoquímico, biotecnológico, imu-

vos - o que é mais complexo que o olhar particular de cada país - e qual a sua importância no âmbito da globalização. Ou seja, faz-se necessário entender como os estados naci-

enquanto forma de dominação; já a

nobiológico e de equipamentos mé-

teoria econômica liberal encarou o

dico-hospitalares, em um contexto

setor saúde como espaço de merca-

que avalie as conjunturas nacional

do de baixa regulação e elevados

e internacional.

gastos, considerando a área sem

Geopoliticamente, a perspectiva

possibilidades de inovação e de ge-

de utilização da saúde como um

rar desenvolvimento. O reflexo para

dos instrumentos de integração sul-

a política de saúde é o impacto ne-

americana foi adotada pelo gover-

ção uma determinada conjuntura

gativo na sustentabilidade dos in-

no brasileiro. Ações intersetoriais do

global. Esse seria o primeiro passo

vestimentos e a inclusão dos recur-

Ministério da Saúde, Ministério das

para a consolidação de uma agen-

sos da área no conjunto dos inves-

Relações Exteriores, Subchefia de

da estratégica comum.

timentos considerados “não- pro-

Assuntos Federativos e Ministério da

onais tematizam a saúde, e que ações tencionam adotar dentro deste contexto, levando em considera-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005

323

GALLO, Edmundo et al

Integração foram desenvolvidas,

CPS da América do Sul são possibi-

CASTRO, J. D; FERLA, A.; PELEGRI-

destacando-se a implantação do Sis-

lidades de caminhar para uma in-

NI, M. L. M. Os sistemas de saúde

tema Integrado de Saúde das Fron-

tegração efetiva dos países da re-

da Argentina, do Brasil, do Para-

teiras (SIS-Fronteiras) e a inflexão

gião, construindo as bases para um

guai e do Uruguai: organização de

na Agenda do Sub-Grupo de Traba-

Complexo Produtivo Regional vol-

estratégias de integração. Assem-

lho da Saúde do Mercosul (SGT-11),

tado para o desenvolvimento na

bléia Legislativa do Estado do Rio

que passou a investir em uma pers-

perspectiva aqui apresentada.

Grande do Sul, Comissão do Mer-

pectiva de integração dos Comple-

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de integração real entre países; o

onal e Planejamento Regional. Pla-

dores de desigualdade em saúde

SGT-11 do Mercosul voltado para

no de Ação do GT de Programas

visando definir prioridades de polí-

uma agenda de integração concre-

Regionais. Brasília. 2005.

ticas públicas no Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.8 n.2

ta, especialmente na área de serviços; a coordenação das ações junto

BRASIL. Ministério da Saúde. Dire-

a organismos internacionais; polí-

toria de investimentos e projetos

ticas de investimento integradas às

estratégicos - Diretrizes de Investi-

FERLA, A.; CASTRO, J. D.; PELEGRI-

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tensificação de parcerias com ór-

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gãos, que não somente os da saú-

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gias de integração nos fluxos inter-

de, em torno de projetos de desen-

______. Política Nacional de Ciên-

fronteiras entre os sistemas de saú-

volvimento regional voltados para

cia, tecnologia e Investimentos em

de da Argentina, do Brasil, do Para-

a integração; e a definição de uma

Saúde. Brasília: Ministério da Saú-

guai e do Uruguai: uma análise pre-

Agenda estratégica para integrar os

de. 2003.

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Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia1 Development and Health: in search of a new Utopia

Carlos Augusto Grabois Gadelha1

Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007

RESUMO Procura-se contribuir para uma reflexão teórica e política que subsidie a construção de uma nova agenda que permita atualizar os grandes objetivos da Reforma Sanitária brasileira no contexto contemporâneo de uma globalização fortemente assimétrica, de revolução tecnológica e de (re)colocação da situação de dependência e de atraso no campo da saúde. Discute-se as bases de um novo pacto político, social e econômico, pensando-se a retomada da perspectiva de se construir um Estado de BemEstar contemporâneo, que recupere as antigas promessas jamais implementadas e que enfrente os novos desafios para articular a saúde com um novo padrão de desenvolvimento do Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Reforma Sanitária; Complexo Produtivo e Industrial da Saúde; Globalização e Saúde.

ABSTRACT This article intends to contribute to a theoretical and political reflection to help form a new agenda enabling the main objectives of the Brazilian Health Care Reform to be revised in the contemporary context of a strongly asymmetrical globalization, a technological revolution and the (re)establishment of a state of dependence and retrogression in the field of health. The bases of a new political, social and economic pact are discussed with a view to readopting the stance to build a modern Welfare State, which would recover former promises that were never fulfilled and confront new challenges in order to organize health care with a new pattern of development in the country.

KEYWORDS: Sanitary Reform; Productive and industrial organization of health care; Globalization and Health 1

Carlos Augusto Grabois Gadelha

Vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Email: [email protected]

Este artigo constitui uma edição modificada da palestra proferida no dia 01/06/2007 no Encontro de Conjuntura e Saúde, promovido pelo Observatório de Conjuntura em Saúde da ENSP e pelo CEBES, com a finalidade de subsidiar o debate sobre o tema “Saúde e Desenvolvimento”. Apesar das idéias apresentadas serem de responsabilidade exclusiva do autor, é importante destacar a contribuição importante proveniente das atividades de pesquisa desenvolvidas com Cristiane Quental, Cristiani Vieira Machado, José Maldonado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista. 1

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

327

GADELHA, Carlos Augusto Grabois

A despeito de minha trajetória

encontrar barreiras intransponíveis

mia e das relações de poder vigen-

acadêmica recente estar ligada ao

ligadas ao nosso próprio padrão de

tes.

desenvolvimento teórico do tema do

desenvolvimento.

Esta perspectiva, a um só tem-

complexo industrial e da inovação

Em síntese, estamos numa fase

po teórica e política, parte (e procu-

em saúde, vou inserir este enfoque

em que, seguindo a perspectiva do

ra avançar) na concepção de que a

onde, de fato, ele se situa: na recu-

CEBES nesta sua nova etapa, se bus-

saúde constitui uma condição de

peração contemporânea de uma

ca motivar o debate e contribuir

cidadania, sendo parte inerente do

abordagem estruturalista e de eco-

para a revitalização do movimento

próprio conceito do desenvolvimen-

nomia política para pensar a inser-

sanitário e de uma visão crítica de

to. Não há país que possa ser con-

ção da saúde no padrão nacional

nosso país, sob o prisma da econo-

siderado como desenvolvido com a

de desenvolvimento. O objetivo cen-

mia política, não sendo pertinente

saúde precária. Nesta direção, não

tral é o de contribuir para a cons-

dar uma ‘receita’ simples e fechada

se torna necessário nenhum víncu-

trução de uma nova agenda que

para uma questão complexa do pon-

lo entre saúde e crescimento econô-

permita atualizar os grandes obje-

mico para justificar as ações uni-

tivos da reforma sanitária brasilei-

versalizantes e o gasto em saúde.

ra no contexto contemporâneo de

Isto permite ‘limpar um pouco o

uma globalização fortemente assi-

terreno’ para quem está discutindo

métrica, de revolução tecnológica e

a relação entre saúde, desenvolvi-

de (re)colocação da situação de de-

NÃO HÁ PAÍS QUE POSSA

pendência e de atraso no campo da

SER CONSIDERADO COMO

saúde. Esta perspectiva abrangente tor-

DESENVOLVIDO COM A SAÚDE PRECÁRIA

mento e estrutura econômica, procurando superar falsos e perniciosos dilemas entre uma dimensão econômica restrita e uma visão

na necessário avançar no debate

ampla da saúde como um direito,

mesmo que de modo ainda explo-

que constitui uma premissa, inclu-

ratório, pouco estruturado e com

sive ética, para pensar o desenvol-

idéias em construção e, portanto, in-

vimento.

conclusas. Todavia, entendo que ou

Para ilustrar o debate contempo-

a saúde enfrenta de frente o tema

to de vista teórico, político e insti-

râneo, dominado pela literatura eco-

nacional ou os limites do avanço

tucional.

nômica neoclássica, e apresentar a

da reforma sanitária continuarão a

As implicações desta perspecti-

forma limitada com a qual o tema

ser recolocados a cada momento de

va são enormes e impõem a neces-

saúde e desenvolvimento vem sen-

nossa história. É como se tivésse-

sidade de avançarmos na visão in-

do trabalhado pelas escolas hege-

mos chegado a um limite em que o

tersetorial da saúde, o que remete

mônicas, proponho uma visita a

país enfrenta os novos e velhos fa-

para a ampliação do escopo de nos-

alguns textos muito recentes que

tores que reproduzem um círculo

so pensamento, superando o âmbi-

tratam do tema de modo convenci-

vicioso entre dependência, atraso,

to específico, se bem que estratégi-

onal. Este trabalho incorpora, ex-

iniqüidade e uma estrutura econô-

co, da seguridade social, para tam-

plicita ou implicitamente, a saúde

mica pouco dinâmica. Os objetivos

bém incorporar a dinâmica e padrão

numa função de produção econômi-

‘setoriais’ para a saúde parecem

de transformação de nossa econo-

ca, relacionando-a como um fator

328 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia

explicativo, de maior ou menor in-

te, favorece o capital humano. Por

fosse tão funcional assim para o

tensidade, para a evolução da ren-

fim, seríamos aceitos não mais

crescimento econômico. E se os pa-

da per capita e, portanto, para o cres-

como ‘dinossauros’ da intervenção

íses pudessem crescer – como os

cimento econômico.

do Estado, mas como propulsores

casos da China ou da Índia ilustram

Este olhar panorâmico da litera-

do próprio desenvolvimento, desde

– com condições sanitárias perver-

tura recente, a meu juízo, fortalece

que nos ativéssemos a práticas efi-

sas? Ficaríamos desanimados e

o desconforto com a tradição mais

cientes e voltadas para esforços fo-

mais uma vez ‘de pires na mão’,

recente do tratamento do tema saú-

calizados nos mais necessitados e

solicitando uma lei (tupiniquim)

de e desenvolvimento pelos econo-

que não podem exercer sua liber-

dos pobres para a uma ajuda hu-

mistas. Esta tradição foi muito re-

dade em situações de vida tão pre-

manitária, ao menos para a aten-

forçada com os trabalhos de Amar-

cárias.

ção básica focalizada? O segundo

tya Sen, premiado com o Nobel de

Todavia, os termos desta percep-

risco, também grave, era de que

Economia, de que havia uma rela-

ção embutiam dois riscos que pas-

passássemos a ver o processo de de-

ção indissociável entre saúde e de-

senvolvimento como suave, sem

senvolvimento, a partir de sua re-

conflitos, sem mudanças estrutu-

lação com a própria liberdade hu-

rais, bastando que aos esforços do

mana sempre associada, na tradi-

investimento em capital físico se

ção liberal, à liberdade do exercício da escolha pelos indivíduos. No âmbito da saúde, a empol-

.. OLHAR PANORÂMICO DA LITERATURA RECENTE (...) FORTALECE O DESCONFORTO

gação foi grande e começam a sur-

COM A TRADIÇÃO MAIS RECENTE DO

gir numerosos trabalhos teóricos e

TRATAMENTO DO TEMA SAÚDE E

com forte base estatística e econométrica que incorporam a saúde da

DESENVOLVIMENTO PELOS ECONOMISTAS

acrescentasse um esforço no investimento social, e na saúde, em particular. Bastava um ‘empurrãozinho’ e os países se desenvolveriam e haveria uma grande convergência global, não fazendo mais qualquer sentido se falar em periferia, em

função de crescimento, seja como

assimetrias estruturais e em depen-

expectativa de vida, capital huma-

dência. Na boa tradição liberal, o

no, mortalidade infantil, entre ou-

mercado livre e o gasto compensa-

tras possibilidades. Parecia, enfim,

savam despercebidos por diversos

tório eficiente do Estado seriam su-

que os economistas tinham desper-

autores da área da saúde preocu-

ficientes para um padrão de inter-

tado e fizeram um ‘eureca’ para a

pados com a transformação social,

venção e de desenvolvimento sua-

área da saúde, evidenciando sua

em geral compartilhando uma vi-

ve denominado por Amartya Sen

relação com o desenvolvimento.

são política de esquerda, que em-

(2004), citando Adam Smith (o gran-

Como desdobramento, a saúde pas-

barcavam, inadvertidamente, numa

de economista liberal), como GALA

sa a ser vista como algo positivo

visão liberal da economia de mer-

(getting by with little assistance –

porque aumenta produtividade e

cado.

‘ir levando com uma pequena aju-

gera desenvolvimento econômico,

O primeiro risco refere-se à pos-

da’). Despolitizavam-se o desenvol-

não como um segmento da estrutu-

sibilidade de que começassem a

vimento e os bloqueios estruturais

ra econômica, mas apenas como

aparecer estudos com fortes ‘evidên-

que, infelizmente, não deixam de

uma área social que, indiretamen-

cias’ estatísticas de que a saúde não

afligir a periferia capitalista.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

329

GADELHA, Carlos Augusto Grabois

A literatura recente parece evi-

acentua. Provavelmente, muitos

Todavia, a despeito destes estu-

denciar estes riscos associados a

destes países estão vacinando, tem

dos recentes, o relatório produzido

esta visão liberal mais avançada (de

ajuda multilateral, conseguem im-

pela Organização Mundial da Saú-

corte ‘iluminista’) sobre a saúde e

plementar alguns programas de

de (WHO, 2001), cujo próprio título

desenvolvimento, que tanto animou

atenção básica, mas continuam po-

já indica a perspectiva adotada –

aqueles comprometidos com as re-

bres e subdesenvolvidos.

“Macroeconomia e saúde: investin-

formas sociais. Visitando alguns

Ainda nesta vertente ‘pouco oti-

do na saúde para o desenvolvimen-

artigos muito recentes de institui-

mista’, Weil (2006), num artigo em

to econômico” – continua a ser uma

ções acadêmicas ou internacionais

que agradece a colaboração de pes-

referência para o tema que, de cer-

muito respeitadas, o risco começa-

quisadores e instituições também

ta forma, poderia fornecer um alí-

va a aparecer. Deaton (2006), da

internacionalmente renomadas – Ha-

vio. Enfatiza que a saúde é um fim

Universidade de Princeton, questio-

vard, MIT, Banco Mundial, entre

em si e que, além disto, é um fator

na a relação entre a taxa de cresci-

muitas outras – efetua estimativas

favorável ao desenvolvimento eco-

mento econômico e as condições de

nômico. Neste aspecto, ressalta,

saúde, utilizando a mortalidade in-

sobretudo, regiões com condições

fantil como indicador. Conclui que,

de saúde explosivas, como a epide-

na realidade, é a educação e o contexto institucional geral que determinam tanto a taxa de crescimento quanto as condições de saúde, não havendo uma relação direta entre ambas.

A LITERATURA RECENTE PARECE EVIDENCIAR (...) RISCOS ASSOCIADOS A (...) VISÃO LIBERAL MAIS AVANÇADA (...) SOBRE A SAÚDE E DESENVOLVIMENTO, QUE TANTO ANIMOU

mia da AIDS na África Subsaariana, indicando que a carga de doenças relacionadas a esta doença é de tal envergadura que limita qualquer possibilidade de crescimento econômico e de desenvolvimento.

Um segundo artigo de autores

AQUELES COMPROMETIDOS

Esta percepção é seguida em um

do renomado MIT – instituto ameri-

COM AS REFORMAS SOCIAIS

trabalho muito recente, deste ano,

cano de excelência na área de Eco-

elaborado para o FMI. Os autores

nomia (Acemoglu & Johnson, 2006)

(HSIAO & HELLER, 2007) são da

– não encontrou nenhuma evidên-

Escola de Saúde Pública de Harvard

cia de que um aumento da expectativa de vida gera crescimento da renda per capita. Além disso, o que é importante, os autores observaram que a convergência na expectativa de vida entre os países é muito maior do que a convergência

econômicas que indicam que se forem eliminadas as diferenças nas condições de saúde entre os países, a variação (variância) da renda per capita se reduz em apenas 10%. E mais, com esta eliminação da dife-

e do próprio FMI, e voltam a enfatizar a questão do impacto da AIDS na África na economia, como se a região fosse desenvolvida antes desta doença ou tivesse alguma trajetória de desenvolvimento abortada. Este texto possui aspectos curiosos,

na renda per capita. Ou seja, os

rença das condições de saúde, a re-

países atrasados estão com a saú-

lação entre o PIB per capita entre

os macroeconomistas entendam o

de um pouquinho melhor em ter-

os 10% mais ricos e os 10% mais

que é a saúde. No receituário, colo-

mos relativos, mas a distância eco-

pobres cai de 20,5 para 17,9, o que

ca-se claramente a questão do en-

nômica se mantém ou mesmo se

é muito pouco.

frentamento das falhas de mercado,

330 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

constituindo um manual para que

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia

que, por sua abrangência na área,

o combate a doenças de alto impac-

que transborda para nosso contex-

a tornam muito peculiar. Além dis-

to epidemiológico como a malária

to, a relação entre saúde e desen-

so, ao contrário de outros bens es-

e a AIDS.

volvimento acaba se reduzindo à

senciais, como educação, habitação

O que surpreende nestes textos é

visão de que a saúde deve ser apoi-

e alimentação, as pessoas possuem

como a agenda liberal dominante,

ada por ser um elemento constitu-

riscos e elevadas incertezas sobre o

se estudada com cuidado, tem inú-

tivo dos direitos sociais ou indivi-

futuro, decorrentes das doenças e

meros pontos de convergência com

duais básicos, ou se também gera

do envelhecimento, justificando o

a forma como o tema saúde e de-

um efeito indireto sobre o cresci-

estabelecimento de sistemas de pro-

senvolvimento – ou a relação entre

mento econômico, decorrente ape-

teção social. Por fim, neste manual

saúde e economia – vem sendo tra-

nas de sua dimensão social, impli-

aponta-se que a saúde constitui um

balhado no Brasil. Falhas de mer-

cando na melhoria das condições de

valor intrínseco para as pessoas e

cado, tecnologias de baixo custo e

vida dos trabalhadores e do ambi-

para os países.

complexidade (justificando inclusi-

ente geral para os investimentos.

Ou seja, até organismos consi-

Nesta segunda vertente, decerto, a

derados como conservadores, como

justificativa do gasto se torna mais

o FMI e representantes da hegemo-

robusta ou generosa ao incorporar

nia liberal, concordam em associar

... ENTRAMOS NA ARMADILHA DE RESTRINGIR

e justificar a saúde como uma área

O DEBATE SOBRE SAÚDE E DESENVOLVIMENTO

peculiar, cuja intervenção, focalizada, se justifica em função das falhas de mercado, do risco e da própria cidadania, além de seu impacto nas condições mais elementares

À DIMENSÃO DOS GASTOS REQUERIDOS E AO TAMANHO DO ESTADO E DO MERCADO NO PROVIMENTO DE BENS E SERVIÇOS E NO FINANCIAMENTO ...

de trabalho de certas populações e

a saúde como fator indireto de crescimento, em analogia ao que ocorre na educação. Com este referencial, entramos na armadilha de restringir o debate sobre saúde e desenvolvimento à dimensão dos gastos requeridos e ao tamanho do Estado e do Merca-

regiões. Nesta direção, também con-

do no provimento de bens e servi-

cordam com o papel distributivo do

ços e no financiamento. A agenda

Estado com foco nos mais pobres

estrutural que envolve o padrão

ou nas populações mais vulnerá-

ve o foco na atenção primária), o

nacional de desenvolvimento, a con-

veis, adicionalmente a um esforço

foco prioritário no contexto local ou

centração regional e pessoal da ren-

para tornar os gastos mais eficien-

no município e mesmo saúde um

da e a fragilidade de nossa base

tes, considerando o problema geral

direito individual são, pelo menos,

produtiva em saúde fica subsumi-

do financiamento na saúde fruto das

questões compatíveis com o ideá-

da nesta agenda ‘macro’ extrema-

mudanças demográficas e nos pa-

rio liberal dos países, instituições

mente empobrecedora, se bem que

drões epidemiológicos, entre outros

acadêmicas e organismos interna-

todos nós estejamos na luta por um

fatores. Com relação à questão tec-

cionais que fazem parte do núcleo

financiamento e um papel do Esta-

nológica, fator também central para

central da hegemonia capitalista

do compatíveis com as necessida-

o aumento dos gastos, os autores

mundial.

des de saúde como elementos essen-

propõe a utilização de tecnologias

Retomando o tema em debate, no

de baixo custo e complexidade para

escopo dos paradigmas dominantes,

ciais à consolidação de um sistema de proteção social no Brasil.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

331

GADELHA, Carlos Augusto Grabois

Belluzo (2006), ironizando a

nos termos atuais, do conhecimen-

Esta visão remete para a neces-

questão do tratamento do Estado e

to e do aprendizado, dissociados

sidade de reconstrução de nossa

do Mercado como simples alterna-

das necessidades locais.

visão sobre saúde e sobre a agenda

tivas descoladas de suas conexões

É neste campo que se dá o corte

de reforma. Pensar saúde não ape-

políticas e econômicas e sociais, faz

entre uma visão liberal e o pensa-

nas como ausência de doença e sim

o seguinte comentário que eviden-

mento desenvolvimentista em seus

como qualidade de vida – uma per-

cia o empobrecimento do debate

diversos matizes políticos e ideoló-

cepção arraigada no campo da saú-

advindo dos paradigmas dominan-

gicos. Para esta perspectiva, o tema

de coletiva –, remete para seguinte

tes em economia e, no nosso caso,

‘saúde e desenvolvimento’ deve ser

pergunta: pode-se dizer que um país

na economia da saúde:

trabalhado a partir das necessida-

e um povo pobre, dependente, desi-

des de mudanças estruturais pro-

gual, sem acesso a conhecimento,

fundas em nossa sociedade, econo-

com condições precárias de traba-

mia e política. É desta visão que se

lho e sem capacidade de aprendiza-

[...] como o senhor prefere, mais Estado ou mais mercado? Desconfio que

do, mas que venha elevando sua ex-

algumas teorias serviriam melhor como

pectativa de vida, é saudável? Eu

um guia de instrução para garçons de

acho que não. A agenda de saúde

restaurantes baratos (BELLUZZO 2006, apud VIANA et al., 2007, p.11)

Assim sendo, sugiro que a gente

A AGENDA DE SAÚDE TEM QUE SAIR DE UMA DISCUSSÃO INTRÍNSECA, INSULADA E INTRA-

não embarque nestas vertentes que

SETORIAL E ENTRAR NA DISCUSSÃO DO PADRÃO

incorporam a saúde como um fator genérico nas funções econômicas de

DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

tem que sair de uma discussão intrínseca, insulada e intra-setorial e entrar na discussão do padrão do desenvolvimento brasileiro. Ou seja, a saúde como qualidade de vida implica pensar em sua conexão estrutural com o desenvolvimento eco-

produção, se distinguindo apenas

nômico, a equidade, a sustentabili-

na forma, mais ou menos favorá-

dade ambiental e a mobilização

vel, em que a relacionam com o

política da sociedade. A saúde, nes-

crescimento econômico.

ta perspectiva, se torna parte endó-

A idéia central apresentada neste trabalho é que necessitamos repensar a saúde, retomando e atualizando uma agenda estruturalista que privilegia os fatores histórico-

torna relevante e diferenciador a necessidade de uma economia política da saúde. A grande referência neste contexto estruturalista é Cel-

gena de discussão de um modelo econômico de desenvolvimento. Aceitando esta perspectiva, proponho que, em vez de se trabalhar

so Furtado, numa (re)leitura atua-

o tema saúde de modo analitica-

lizada, uma vez que seus trabalhos

mente insulado e ver os nexos que

apontam tanto para as dimensões

tem com o crescimento econômico,

vista e colonial e a conformação de

relacionadas aos limites da estru-

procuremos associá-lo com a pró-

uma sociedade desigual – e nossa

tura produtiva quanto para a desi-

pria estratégia de desenvolvimento

inserção internacional e sua relação

gualdade pessoal e regional como

econômico-social brasileiro, à luz

com uma difusão extremamente

marca estrutural da sociedade bra-

de nossa história recente. A trajetó-

assimétrica do progresso técnico e,

sileira.

ria do desenvolvimento brasileiro no

estruturais que caracterizam nossa sociedade – nosso passado escra-

332 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia

período 1930/1980 foi uma trajetó-

zar o pensamento desenvolvimentis-

nização política e da própria socie-

ria de forte substituição de impor-

ta, a partir de Celso Furtado (2007),

dade.

tação que engendrou uma das mai-

mas que são importantes para a

2. A magnitude e a orientação

ores taxas de crescimento do mun-

nova perspectiva proposta para pen-

das inovações e da difusão do pro-

do, sendo a maior em alguns sub-

sar saúde e desenvolvimento.

gresso técnico estão na raiz dos

períodos. Duas grandes críticas ao

1. A evolução do sistema capi-

modelos nacionais de desenvolvi-

modelo de desenvolvimento adota-

talista brasileiro se associa a uma

mento. De um lado, as relações de

do se colocaram (ambas presentes

contradição entre a modernização

dependência e a hierarquização eco-

nos trabalhos de Furtado). Primei-

do sistema produtivo e a margina-

nômica e de poder entre os países

ro, a desigualdade social e regio-

lização social, caracterizando um

estão associadas, no presente, a

nal se manteve ou mesmo se acir-

padrão de desenvolvimento dual

quem detém (ou não) os conheci-

rou. Segundo, não houve uma ca-

(ALBUQUERQUE, 2007). O padrão tec-

mentos produtivos essenciais aos

pacitação tecnológica endógena ao

nológico é descolado da demanda

paradigmas tecnológicos dominan-

longo desse período. Como diriam

tes no mundo contemporâneo (tec-

os estruturalistas clássicos, o capi-

nologias de informação em bens e

talismo brasileiro não conseguia se

serviços, biotecnologia, química

sustentar sobre seus próprios pés, sendo excludente do ponto de vista social e dependente do ponto de vista do conhecimento e de sua capacidade de inovação. No âmbito da economia política está havendo todo um processo, pelo menos na academia, de recu-

NO ÂMBITO DA ECONOMIA POLÍTICA ESTÁ HAVENDO TODO UM PROCESSO, PELO MENOS NA ACADEMIA, DE RECUPERAÇÃO DO

fina, novos materiais, equipamentos, etc.). De outro lado, a transposição direta deste padrão tecnológico-produtivo, para os países da periferia, desdobra a dualidade veri-

PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA EM

ficada na arena internacional para

NOVAS BASES....

dentro das sociedades locais, reforçando a situação da desigualdade

peração do pensamento desenvolvi-

no acesso e no descompasso entre

mentista em novas bases, conside-

a estrutura da oferta e da demanda

rando as especificidades do mundo

da sociedade. Em países como o

contemporâneo. Esta preocupação

geral da sociedade, havendo uma

Brasil, esta dinâmica das inovações

se mostra totalmente compatível

estrutura produtiva funcional e ade-

e do conhecimento se acentuam e

com a tradição estruturalista que

quada para a péssima distribuição

se mostram funcionais para um ní-

refuta ou qualifica a adoção de

de renda do país. Isto causa o que

vel de desigualdade da renda mui-

modelos gerais que desconsideram

Furtado (2007) denominava como

to perverso.

o momento e a experiência históri-

um processo de causação circular

É nesta perspectiva analítica que

ca de cada processo nacional de

em que a base produtiva reforça a

se coloca a capacidade de aprendi-

desenvolvimento.2

má distribuição de renda, tendo ain-

zado e de inovação em âmbito pro-

Indicarei algumas idéias, que

da, segundo minha percepção, um

dutivo como fatores críticos para o

obviamente estão longe de sinteti-

impacto negativo no nível de orga-

desenvolvimento. Apesar do modis-

2 Tomou-se como base os artigos que constam da coletânea recente organizada por Saboia e Carvalho (2007), intitulada “Celso Furtado e o século XXI” (vide bibliografia).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

333

GADELHA, Carlos Augusto Grabois

mo que o tema envolve, não se está

farmacêutica competitiva, exporta-

ciação no sistema produtivo, gerado

discutindo inovação porque é boni-

dora, tendo, como detalhe, um povo

pela introdução de inovações tecnoló-

to, porque é moderno ou mesmo

pobre e uma sociedade estratifica-

gicas (FURTADO, 1964, apud GUI-

porque as empresas que lideram o

da e excludente e um sistema de

LLÉN, 2007, p. 143)

mercado mundial são intensivas em

saúde muito inferior ao brasileiro.

conhecimento e inovação. O que se

Definitivamente, ou a inovação está

Isto posto, o desenvolvimento

está discutindo é a dinâmica e os

incorporada na mudança do padrão

econômico constitui um processo de

rumos de um novo padrão de de-

de desenvolvimento ou perde o sen-

mudança social e envolve uma di-

senvolvimento brasileiro, remeten-

tido na perspectiva adotada.

ferenciação brutal da estrutura pro-

do, necessariamente, para pensar-

A seguinte citação de Celso Fur-

dutiva. É nesta dimensão que se

mos qual o padrão tecnológico e

tado (2007) evidencia esta percep-

coloca o tema do complexo produ-

quais os rumos e necessidades de

ção da inovação como um proces-

tivo ou industrial da saúde.3 Em

transformação na base produtiva

substância, o que se está apontan-

que uma sociedade dinâmica e me-

do é a necessidade de uma mudan-

nos desigual requer. Era esta a

ça profunda na estrutura econômi-

questão central de corte estruturalista! O avanço do Brasil no desenvolvimento com equidade envolve uma grande diferenciação do sistema produtivo (o que caracteriza a inovação) e uma forte expansão do mercado interno de massa (tema ‘dinossáurico’ para o pensamento liberal),

O AVANÇO DO BRASIL NO DESENVOLVIMENTO

ca brasileira que permita, median-

COM EQUIDADE ENVOLVE UMA GRANDE

adensar o tecido produtivo e direci-

DIFERENCIAÇÃO DO SISTEMA PRODUTIVO (...)

oná-lo para compatibilizar a estru-

E UMA FORTE EXPANSÃO DO MERCADO INTERNO DE MASSA (...) INCORPORANDO SEGMENTOS ENORMES DA POPULAÇÃO QUE ESTÃO EXCLUÍDOS

incorporando segmentos enormes

te intenso processo de inovação,

tura de oferta com a demanda social de saúde. Aqui chegamos a uma visão alternativa do vínculo entre saúde e desenvolvimento. A saúde possui uma dupla dimensão na sua rela-

da população que estão excluídos.

ção com o desenvolvimento. Numa

É óbvio que esta base nacional pode

primeira vertente, e concordando

ser uma alavanca para as exporta-

so de transformação econômica e

com o ‘consenso’ já mencionado, é

ções, o que é crítico para a autono-

social:

parte do sistema de proteção soci-

mia das políticas nacionais, inclu-

al, constituindo um direito de cida-

sive na saúde. Todavia, é necessá-

o desenvolvimento econômico pode

dania inerente ao próprio conceito

rio colocar estas dimensões em seu

ser definido como processo de mudan-

de desenvolvimento. Numa segun-

devido lugar, caso contrário conti-

ça social pelo qual o crescente número

da vertente, a base produtiva em

nuaremos repetindo ‘como papagai-

de necessidades humanas, pré-existen-

saúde – de bens e serviços – consti-

os’ que a Índia é um exemplo a ser

tes ou criadas pela própria mudança,

tui um conjunto de setores de ativi-

seguido, possuindo uma indústria

são satisfeitas através de uma diferen-

dade econômica que geram cresci-

O conceito de Complexo Industrial da Saúde (GADELHA, 2003), de fato, envolvia também a área de serviços, uma vez que esta passa a seguir o padrão industrial. Todavia, para evitar as confusões recorrentes, adotou-se o conceito de Complexo Produtivo para indicar a base de produção de bens e serviços e o de Complexo Industrial para os segmentos industriais que fazem parte do primeiro. Observe-se que são as atividades de serviços que estruturam todo o Complexo.

3

334 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia

mento e possuem uma participação

vamos no país parece estar, em gran-

o de pensar, articular e implemen-

expressiva no PIB e no emprego

de parte, descolado das necessida-

tar, a um só tempo, os princípios

(respectivamente, em torno de 8% e

des do Sistema de Saúde ou repro-

constitucionais de universalização,

de 10% nos empregos formais qua-

duzindo a desigualdade em seu in-

de equidade e de integralidade do

lificados) que podem representar

terior.

sistema de saúde com uma trans-

uma diferenciação profunda da es-

Assim sendo, as idéias que per-

formação profunda da base produ-

trutura produtiva brasileira. Esta

meiam a noção de Complexo Pro-

tiva, tendo o Complexo da Saúde

diferenciação, que representa um

dutivo da Saúde constituem um es-

como um elo forte e estratégico da

enorme esforço de inovação, é fun-

forço para costurar o elo saúde-de-

economia brasileira. Esta transfor-

damental para viabilizar o consu-

senvolvimento, retomando uma

mação implica elevar o peso dos

mo social de massa de bens e ser-

perspectiva estruturalista contempo-

segmentos produtivos de bens e

viços, contribuindo para dotar o

rânea que incorpora os dois gran-

serviços de saúde que atendem às

país de uma base produtiva ade-

des pontos frágeis de nosso modelo

demandas sociais e que incorporam

quada para uma sociedade mais equânime. Nesta direção, os anos 1990 foram uma tragédia para nossa base produtiva e de inovação em saúde em um duplo sentido. Por um lado, nos tornamos mais dependentes nos segmentos de maior densidade de conhecimento, com o déficit comer-

grande potencial de inovação e de

O DESAFIO QUE SE COLOCA PARA UM APROFUNDAMENTO DA REFORMA SANITÁRIA (...) É O DE PENSAR, ARTICULAR E IMPLEMENTAR (...) OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE UNIVERSALIZAÇÃO, DE

cial saltando de US$ 700 milhões

EQUIDADE E DE INTEGRALIDADE DO SISTEMA DE

no final dos anos 80 para mais de

SAÚDE COM UMA TRANSFORMAÇÃO PROFUNDA

US$ 4 bilhões no presente (GADELHA, 2006). Se incorporarmos outros seg-

transformação nos novos paradigmas tecnológicos. Com isto, supera-se o tratamento ‘insulado’ e setorial da saúde e o debate (restrito) em torno de sua funcionalidade para o crescimento, inserindo a área de modo endógeno no debate político sobre o padrão de desenvolvimento desejado para nosso país. Esta perspectiva pode implicar tanto na simplifica-

DA BASE PRODUTIVA

ção de diversas tecnologias utiliza-

mentos ainda não trabalhados no

das no sistema quanto em sua com-

complexo (intermediários da cadeia

de desenvolvimento: uma estrutu-

plexificação, chamando a atenção

produtiva farmacêutica, por exem-

ra produtiva pouco densa em co-

para não cairmos nas ‘armadilhas’

plo) e os pagamentos pela transfe-

nhecimento – agora a assimetria

da tecnologia apropriada, da con-

rência de tecnologia em saúde, che-

não é mais entre indústria e agri-

centração dos esforços apenas na

ga-se a um grau de dependência em

cultura, mas sim entre atividades

atenção básica e nos produtos tro-

torno de US$ 6 bilhões. Isto é uma

densas em conhecimento e ativida-

picais ou negligenciados (reconhe-

questão de saúde ao tornar nossa

des sem grande valor agregado – e

cendo-se, obviamente, a importân-

política social estruturalmente vul-

um sistema econômico e social de-

cia de todas estas áreas). Para ser-

nerável, uma vez que as assimetri-

sigual e excludente.

mos coerentes com os princípios do

as no conhecimento e na inovação

O desafio que se coloca para um

Sistema Único de Saúde (SUS) e com

não se revertem de modo fácil! Por

aprofundamento da Reforma Sani-

os requerimentos dos novos para-

outro lado, o que produzimos e ino-

tária em bases contemporâneas é

digmas tecnológicos, a definição

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

335

GADELHA, Carlos Augusto Grabois

das tecnologias estratégicas para o

zando a agenda, a escala macror-

que a divisão digital) entre os paí-

Brasil não pode permitir a segmen-

regional se mostra totalmente insu-

ses e as regiões. A saúde também

tação entre práticas sofisticadas e

ficiente para uma política nacional

tem a ver com esta questão. Todos

adequadas para alguns e práticas

de regionalização da saúde associ-

os novos paradigmas tecnológicos

‘simples’ para a maioria de nossa

ada ao desenvolvimento. A desi-

que marcam a nova assimetria glo-

população.

gualdade é, de fato, observada nas

bal se expressam de modo impor-

Esta dimensão que associa o eco-

macrorregiões – nas quais a situa-

tante na área, com destaque para a

nômico, o social e o político – ou

ção crítica são o Norte e o Nordes-

biotecnologia, a química fina, os

seja, a dimensão de economia polí-

te, mas também é gritante no inte-

novos materiais, a eletrônica e todo

tica – se aplica tanto para pensar-

rior dos estados e das regiões de-

conjunto, pouco ressaltado, de prá-

mos a desigualdade de renda entre

senvolvidas e esta situação não

ticas médicas nos serviços, altamen-

as pessoas quanto para o desenvol-

muda sem uma visão e indução

te intensivas em conhecimento, e

vimento regional (mais uma vez,

nacional. Ou será que o noroeste

com vínculos precários com uma

esta questão estava na agenda prio-

fluminense, o Vale do Ribeira, o oes-

nova estratégia de desenvolvimen-

ritária de Celso Furtado). Se pensar-

te do Paraná, o Vale do Jequitinho-

to centrada na equidade.

mos a regionalização da saúde a par-

nha e a metade sul do Rio Grande

Para dar uma idéia da dimensão

tir configuração da rede do serviço

do Sul ficam no Norte e no Nordes-

desta questão, a saúde é a área

de saúde no território brasileiro,

te? Se saúde está relacionada ao de-

mundial que concentra os maiores

cuja estrutura de oferta ‘congela’ o

senvolvimento da forma estrutural

esforços em pesquisa e desenvolvi-

padrão desigual da atenção à saú-

proposta, a dimensão territorial se

mento do mundo, em conjunto com

de, coloca-se a necessidade de se pen-

mostra crítica e endógena ao padrão

o Complexo Industrial Militar. O le-

sar uma estruturação da base pro-

nacional, sendo ponto de partida e

vantamento efetuado pelo Fórum de

dutiva de serviços que não seja re-

um dos elementos-chave de sua

Pesquisa Global em Saúde indica

produtora de desigualdades. Mais

transformação.

que ela responde isoladamente por

4

uma vez, ‘por dentro’ da questão

Voltando à dimensão mais ge-

20% de toda despesa mundial com

geral do desenvolvimento (em sua

ral das questões colocadas na agen-

pesquisa e desenvolvimento tecno-

dimensão territorial) a saúde ‘mos-

da nacional de desenvolvimento,

lógico (US$ 135 bilhões em valores

tra sua face’ como parte do modelo

avançar em saúde é também enfren-

atualizados), sendo que apenas en-

histórico adotado.

tar o hiato da sociedade do conhe-

tre 3% e 4% são realizadas nos paí-

Não somos apenas atrasados

cimento. Há autores brasileiros,

ses de média e baixa renda per ca-

frente aos países desenvolvidos, so-

como José Cassiolato e Helena Las-

pita. Ou seja, a questão geral que

mos um país com desigualdades

tres Instituto de Economia da UFRJ,

divide hoje as nações entre o mun-

regionais internas das mais expres-

que indagam se estamos na socie-

do desenvolvido e os ‘outros mun-

sivas do mundo. Isto implica em

dade do conhecimento ou na socie-

dos’ se expressa de forma ultra re-

alterar, via política de investimen-

dade da ignorância, porque há uma

levante na área da saúde, eviden-

tos, a estruturação espacial de nos-

grande divisão nos potenciais de

ciando que somos parte não autô-

sa base produtiva. E mais, atuali-

aprendizado (muito mais forte do

noma de um determinado modelo.

O tema da regionalização da saúde está sendo trabalhado com mais detalhe num artigo em conjunto com Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista, fruto de um trabalho efetuado para o CGEE e para o Ministério do Planejamento sobre 4

336 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia

Do ponto de vista da organiza-

existem e se refletem na saúde, tan-

das por novas utopias e projetos de

ção política da sociedade para um

to em sua dimensão política e soci-

país. Na realidade, após a crise do

novo modelo, que necessariamente

al quanto em sua dimensão econô-

padrão de desenvolvimento do pós-

envolve interesses e lutas por po-

mica. Mais ainda, no âmbito de um

guerra e das experiências neolibe-

der na relação entre as pessoas e

novo modelo de desenvolvimento,

riais na política nacional, o momen-

grupos sociais e no território, a saú-

a saúde constitui uma das ativida-

to se mostra adequado para se re-

de também possui um vínculo in-

des em que é possível – se bem que

colocar as bases de um novo pacto

trínseco. A organização política da

não necessariamente – articular a

político, social e econômico, pensan-

saúde tanto reflete e reforça as de-

busca de equidade social e regio-

do-se a retomada da perspectiva de

sigualdades existentes quanto cons-

nal com o dinamismo econômico no

se construir um Estado de Bem-Es-

titui um espaço estratégico de for-

longo prazo, que caracterizam o

tar contemporâneo no Brasil, que re-

talecimento da organização da so-

cupere as antigas promessas jamais

ciedade, sendo notório seu potenci-

implementadas e que enfrente os

al para gerar participação democrá-

novos desafios.

tica e arranjos sociais com potencial transformador. Concluindo, articular saúde e desenvolvimento ‘pra valer’ remete para a necessidade de pensar o pa-

Este texto de Celso Furtado

... ARTICULAR SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ‘PRA VALER’ REMETE PARA A NECESSIDADE DE

drão geral de desenvolvimento bra-

PENSAR O PADRÃO GERAL DE

sileiro e como ele se expressa e se

DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO E COMO ELE SE

reproduz no âmbito da saúde. Isto não constitui uma perda de foco sobre o tema saúde, mas sim reco-

(2004, apud SABOIA, 2007) permite expressar, com seu brilhantismo, a perspectiva adotada: Forçar um país que ainda não atendeu às necessidades mínimas de grande parte da população a paralisar seto-

EXPRESSA E SE REPRODUZ

res mais modernos em economia, a con-

NO ÂMBITO DA SAÚDE

gelar investimentos em áreas básicas

nhecer que somos parte de um de-

como saúde, educação, para que se cum-

terminado sistema capitalista, de

pram metas de ajustamentos de balan-

um país periférico e dependente e

ça de pagamento impostas por benefi-

com uma estrutura social e econô-

processo de desenvolvimento de um

ciários das altas taxas de juros, é algo

mica desigual e com fragilidades

ponto de vista substantivo.

que escapa a qualquer racionalidade

estruturais marcantes.

Talvez a gente esteja numa fase

Compreende-se que esses beneficiários

Com esta perspectiva, podemos

de construção de uma nova utopia

defendam seus interesses. O que não se

entrar no debate nacional sobre o

sobre um novo modelo de desenvol-

compreende é como nós mesmos não de-

desenvolvimento não como pedin-

vimento. As novas propostas sobre

fendamos com idêntico empenho o di-

tes, que, em troca, dizem, ‘saúde é

o desenvolvimento estão muito ca-

reito de desenvolver o País... A experi-

bom para o crescimento e no final

ladas ou tímidas. Sabemos que tudo

ência nos ensinou amplamente que, se

vai dar retorno’. Ao contrário, pro-

isto aqui é muito difícil, distante,

não se atacam de frente os problemas

põe-se assumir que somos parte

mas é preciso. Torna-se necessário

fundamentais, o esforço de acumula-

deste processo e as perspectivas de

que as energias mobilizadoras da

ção tende a reproduzir, agravado, o

transformação nacional também

sociedade brasileira sejam motiva-

mau-desenvolvimento. Em contrapar-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005

337

GADELHA, Carlos Augusto Grabois

tida, se conseguirmos satisfazer essa

______. O complexo industrial da

Disponível em: <www.iadb.org/eti-

condição básica que é a reconquista de

saúde e a necessidade de um enfo-

ca>. Acesso em:2004.

ter uma política de desenvolvimento,

que dinâmico na economia da saú-

terá chegado a hora da verdade para

de. Ciênc. e Saúde Coletiva, Rio de

VIANA, A. L. A; SILVA, H.P.; ELIAS,

todos nós (FURTADO 2004, apud SA-

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ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação To regulate the EC nº 29, to improve the management model and realize the universality with integrality, equity and participation.

Nelson Rodrigues dos Santos1

RESUMO Este artigo aborda o significado do PLP 01/2003, substitutivo “Guilherme Menezes” de regulamentação da EC-29 de propor o atrelamento indivi-

Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007

sível entre a imprescindível elevação do financiamento federal e cumprimento do estadual e municipal, ao imprescindível salto de qualidade nos modelos de gestão, gerência e estrutura dos gastos. Por fim, formula-se uma proposta viabilizadora, com atenuação na prática, do impacto financeiro nos gastos federais. PALAVRAS-CHAVE: Financiamento Público em saúde, Gestão Pública em Saúde e Política Pública em Saúde.

ABSTRACT This paper discusses the significance of Bill n.º 1/2003, known as the “Guilherme Menezes” replacement of the EC-29 regulation, which proposes an indivisible binding between the essential rise in federal government funding and the compliance of state and city governments, and the indispensable improvement in the quality of the management systems, administration and structure for spending. In conclusion, a proposal is formu1

Professor colaborador do Departamento

de Medicina Preventiva e Social da UNI-

lated which would attenuate the practical financial impact this would have on federal spending.

CAMP e Ex-assessor do Gabinete do Ministro da Saúde.

KEYWORDS: Public Funding in Health Care, Public Administration of Health

Email: [email protected]

Care; Public Policy in Health Care

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

339

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

APRESENTAÇÃO

seqüenciar medidas desvinculatóri-

mento mínimo de 30% do OSS, sufi-

as e restritivas no âmbito do SUS,

ciente para avançar na sua efetiva-

Este texto é uma exposição de

do Orçamento da Seguridade Social

ção, tendo como base de cálculo o

motivos com a pretensão de subsi-

(OSS) e da própria Seguridade Soci-

crescimento populacional, a incor-

diar, com consistência e didática, as

al.

poração tecnológica, a correção in-

discussões para fundamentação da

O PRIMEIRO LADO DO CONFLI-

flacionária da saúde, e as mudan-

votação da regulamentação da

TO – é a conquista da sociedade bra-

Emenda Constitucional n.29 (EC-29),

sileira que se mobilizou na Assem-

O SEGUNDO LADO DO CONFLITO

que trata do financiamento do Sis-

bléia Nacional Constituinte (1987/

– é o grave subfinanciamento que

tema Único de Saúde (SUS). Pouco

1988), garantindo no Capítulo da

vem levando os Gestores dos SUS à

inova e mais consolida as aborda-

Seguridade Social os direitos soci-

exaustão, principalmente os estadu-

gens amplamente debatidas desde

ais à saúde, previdência e assistên-

ais e municipais. A retração do in-

a aprovação da EC-29 no ano de

cia social, e aprovou orçamento

vestimento em saúde por parte do

ças dos modelos de gestão.

2000, em parte referida nos docu-

governo federal implica em maior

mentos de apoio apresentados a se-

aporte de recursos por parte dos

guir, em ordem cronológica, que por

estados e municípios para o setor

si inferem o exaustivo e perseveran-

saúde. O dilema do financiamento

te esforço da sociedade em busca

se agrava com a atenção universal:

do direito social à saúde. A inovação, exposta na última parte, consta de proposta de atenuação do im-

A FRAGILIDADE DO BRASIL SE REVELA AO COMPARARMOS OS GASTOS PÚBLICOS COM SAÚDE COM OUTROS PAÍSES

pacto financeiro na atual situação

mais de 75% da população brasileira usuária exclusiva do SUS, e menos de 25%, usuários não exclusivos, consumidores de planos priva-

macroeconômica da União, sem re-

dos de saúde, que utilizam os ser-

dução dos montantes previstos na

viços do SUS em imunizações, ações

proposta de regulamentação, dos

de vigilância epidemiológica e sa-

quais depende a própria construção

nitária, exames e tratamentos mais

do SUS.

sofisticados e de alto custo, como

O CONFLITO

suficiente para assegurar a realiza-

transplantes, terapia renal substitu-

ção dos mesmos, aos moldes das

tiva, controle e tratamento de HIV/

sociedades mais desenvolvidas e

AIDS, medicamentos de alto custo,

civilizadas, reconhecendo a neces-

entre outros.

Foi estabelecido no momento em

sidade de sua implementação gra-

A fragilidade do Brasil se revela

que a área econômica do Governo

dativa, com prioridades e etapas a

ao compararmos os gastos públi-

Federal definiu, a partir de 1990, não

serem pactuadas. Assim, ficaram

cos com saúde com outros países.

destinar ao Sistema Único de Saú-

consagrados para o SUS, os princí-

Nossos U$ 150 a 200 por habitante-

de, o mínimo de 30% dos recursos

pios da Universalidade, Eqüidade e

ano correspondem por volta da me-

do Orçamento da Seguridade Soci-

Integralidade, Descentralização,

tade do que gasta a Argentina, Uru-

al, conforme indicado no ADCT da

Regionalização e Participação, e

guai, Costa Rica e Panamá, e pouco

Constituição Federal, e, a seguir,

também, a indicação do financia-

mais de 10% em relação ao Canadá,

340 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

países europeus, Japão, Austrália e

e) a desobrigação da esfera fe-

tre 1995 e 2005, caiu de US$ 85,7

outros, cuja média é de US$ 1.400

deral do cálculo da contrapartida

para US$ 77,4 per capita, a soma

públicos por habitante-ano. Nestes

baseada em % sobre a base orça-

das contrapartidas estaduais e mu-

países, os recursos públicos signi-

mentária, critério imposto aos es-

nicipais, entre 2000 e 2005, cresceu

ficam no mínimo 70% dos gastos

tados (mínimo de 12%) e municípi-

de US$ 44,1 para US$ 75,5 per ca-

totais com saúde, enquanto aqui

os (mínimo de 15%) por ocasião da

pita;

não ultrapassam 45%, correspon-

negociação para a aprovação da EC-

dendo a somente 3,2% do PIB. Da-

29 em 2000;

deral no financiamento do SUS caiu

dos da Organização Mundial de Saú-

f) a tenaz resistência da área eco-

de mostram que os serviços públi-

nômica, desde 2003, à discussão e

cos de saúde representam um gas-

aprovação pelo Congresso Nacional

to entre 6 e 8% do PIB nos países

da regulamentação da EC-29.

com melhores sistemas de saúde,

seguintes pontos: a) a não-implementação da Seguridade Social preconizada na Constituição, com a efetivação de 30% do OSS para a saúde;

... ACONTECEU A DESASTROSA PRECARIZAÇÃO DA GESTÃO DO PESSOAL DE SAÚDE (...), SENDO QUASE TUDO SUBSTITUÍDO POR

ríodo; somente entre 2000 e 2004,

d) aconteceu a desastrosa precarização da gestão do pessoal de saúde no ingresso e carreira pública, na remuneração, na capacitação e distribuição com base nas necessidades e direitos de saúde da po-

POSSIBILIDADES E INTERESSES DE CADA

pulação, sendo quase tudo substi-

MOMENTO ...

e ao sabor das possibilidades e in-

tuído por terceirizações aleatórias teresses de cada momento, e do

fonte do OSS (recolhimento em fo-

mercado, redundando altíssima e

lha) em 1993, quebrando o SUS e mo ao FAT/MT;

39,3% para 50,4%, neste mesmo pe-

TERCEIRIZAÇÕES ALEATÓRIAS E AO SABOR DAS

b) a retirada arbitrária da maior

obrigando o MS contrair emprésti-

estaduais e municipais cresceu de

10%;

cial à Saúde.

1990 até o momento, se revela nos

2004, a soma das contrapartidas

saúde reduziram-se em cerca de

Estado no Brasil com o Direito So-

no Federal com o setor saúde, de

de 63,8% para 49,6% entre 1995 e

os gastos relativos federais com

revelando o tênue compromisso do

O baixo compromisso do Gover-

c) enquanto a contrapartida fe-

Do baixo compromisso acima pontuado vem decorrendo:

incontrolável rotatividade de pessoal técnico e especialmente de nível superior, concentrada na medicina

c) retirada de outras fontes do

a) enquanto a relação das recei-

especializada assistencial, no su-

MS, em 1996, quando a CPMF foi

tas correntes da União com o PIB,

porte técnico da gestão e até nos

aprovada para o SUS, mas utiliza-

entre 1995 e 2004, cresceu de 19,7%

poucos médicos generalistas ade-

da para outros fins;

para 26,7%, nesse mesmo prazo, a

quadamente preparados. No Minis-

d) a prática da área econômica

relação do gasto do MS com as des-

tério da Saúde restam pouco mais

de impor o tríplice contingenciamen-

pesas correntes caiu de 8,12 para

de 25% de servidores no quadro do

to na execução orçamentária do MS:

7,2%, tendência que prossegue;

pessoal, concentrados nas ativida-

no empenho, na liberação e na liquidação/restos a pagar;

b) enquanto a contrapartida fe-

des burocráticas e administrativas,

deral no financiamento do SUS, en-

sendo o restante, o festival da mas-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

341

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

sa de cargos de comissão e confi-

- 150 milhões de vacinas,

res de AIDS, no Programa Nacional

ança, e técnicos terceirizados, fra-

- 12 mil transplantes,

de Imunização (PNI), nos transplan-

gilizando o desenvolvimento da

- 1,3 milhão de tomografias,

tes de tecidos e órgãos, na redução

missão institucional e influenciando negativamente a composição do quadro do pessoal das secretarias estaduais e municipais.

- 23 milhões de ações de vigilância sanitária, etc. Gestores, prestadores de serviços e trabalhadores de saúde “tiram água das pedras” e fazem aconte-

CONSEQÜÊNCIAS NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS a) Os gestores do SUS e traba-

cer a política pública de maior inclusão social existente no Brasil. Muitas experiências e projetos exitosos são mostrados nacionalmen-

lhadores de saúde tentam efetivar a

fase na municipalização, e mesmo premidos pela incontornável pressão de demanda, apresentam sur-

GESTORES, PRESTADORES DE SERVIÇOS E TRABALHADORES DE SAÚDE “ TIRAM ÁGUA DE PEDRA” E FAZEM ACONTECER A POLÍTICA PÚBLICA DE MAIOR INCLUSÃO SOCIAL ...

- 360 milhões de exames,

aquém do necessário para efetivação de serviços de qualidade, isto é, bem abaixo do custo do serviço, o mesmo acontecendo com mais de

repasses federais aos estados e municípios permanecem limitados por tetos financeiros muito baixos, e historicamente dispersos em quase 130 fragmentos negociados um a um, cuja revisão aconteceu só

ção do Pacto pela Vida 2006;

- 1,3 bilhão de atendimentos básicos,

- 212 milhões de ações odontológicas,

pelos serviços de saúde estão bem

cos de Financiamento, após a cria-

a produção de 2006:

- 600 milhões de consultas,

b) os valores remuneratórios

agora com a implantação dos Blo-

preendente eficiência, como atesta

- 1,2 bilhão de procedimentos especializados,

as patologias, etc.

predominante de pagamento); os

a produtividade, a produção e a

cípio da descentralização com ên-

custo, na desospitalização de vári-

pagamento por produção (forma

versalidade, elevando como nunca

base no pleno cumprimento do prin-

cimento de medicamentos de alto

90% dos procedimentos da tabela de

qualquer custo o princípio da uni-

cobertura das ações e serviços, com

da mortalidade infantil, no forne-

c) os trabalhadores de saúde e te, sendo a maioria de caráter local

os prestadores de serviços, freqüen-

ou municipal, não conseguindo

temente valem-se de ‘táticas de so-

aplicação/sustentabilidade regio-

brevivência’, que vão desde baixa

nal, estadual e na maioria dos mu-

assiduidade, descumprimento de

nicípios. Em situações especiais,

jornadas, alta rotatividade empre-

quando são alocados recursos mi-

gatícia, até a multiplicação de dis-

nimamente suficientes e contínuos,

torções da oferta de serviços, gera-

- 11 milhões de ultra-sonografias,

o SUS revela de pronto sua compe-

da por interesses de mercado, como

- 11,8 milhões de internações,

tência e qualidade e mostra resul-

pagamentos ‘por fora’ e ‘segunda

- 3,1 milhões de cirurgias, sendo 141 mil cirurgias cardíacas,

tados surpreendentes como na aten-

porta’ em hospitais públicos terciá-

ção integral à saúde dos portado-

rios para particulares e planos

342 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

privados; a situação real explica es-

do subfinanciamento, da precariza-

sas táticas mas não as justifica en-

ção do trabalho e da exaustão dos

quanto mais uma subversão do di-

gestores;

reito do usuário à saúde;

O SIGNIFICADO DO SUBSTITUTIVO “GUILHERME MENEZES” NA REGULAMENTAÇÃO DE EC-29

f) a produção de serviços apre-

d) os próprios gestores são mui-

sentada carrega inaceitáveis percen-

a) Incorpora os PLP n.01/2003 do

tas vezes compelidos a ‘táticas de

tuais de ações evitáveis e desneces-

Dep. Roberto Gouveia, n.159/2004

sobrevivência’, nada financiando

sárias, conseqüência de modelo ina-

do Dep. Geraldo Rezende e n.181/

além do mínimo (União e estados), ou mesmo descumprindo o mínimo (a maior parte dos estados), desonerando-se ao desviar demandas

dequado, centrado nas urgências do atendimento em detrimento da proteção contra riscos e danos à saúde

(municípios vizinhos, município-

e diagnóstico precoce das doenças,

estado e estado-município). Outro

porcentuais estes agravados pela

importante fator de oneração do SUS

res, pagamento de inativos e outros. A última e crescente oneração sobre o SUS é a demanda de consumi-

b) Aprimorado e aprovado nas Comissões da Câmara dos Deputados: Seguridade Social e Família em 11.08.04, Finanças e Tributação em Cidadania em 29.09.05;

despesas como Bolsa-Família na tação, planos privados de servido-

últimos apensados ao primeiro;

10.11.04, e Constituição, Justiça e

é a inclusão nos Fundos de Saúde, União, saneamento básico, alimen-

2004, do Dep. Rafael Guerra, os dois

... A ESTRUTURAÇÃO DOS MODELOS DE ATENÇÃO E DE GESTÃO NA SAÚDE, COM BASE NAS NECESSIDADES E DIREITOS DA POPULAÇÃO,

c) Contempla o igualamento dos critérios de cálculo das contrapartidas das três esferas de Governo no financiamento do SUS, conforme estampado no art.6, § 2º e 3º da EC-

ESTÁ SENDO SUBSTITUÍDA PELO

29, incorporados no Art. 198 da

de por serviços do SUS, principal-

INCREMENTALISMO DA PRODUTIVIDADE EM

Constituição, que explicita inequi-

mente de alta complexidade, não

ASSISTÊNCIA A DEMANDA ESPONTÂNEA

dores dos planos privados de saú-

restituídos pelas operadoras e sem

a ser definido em Lei Complemen-

cípios da integralidade e equidade; também aqui se explica, mas não

baixa resolutividade, estrutura de

se justifica, essas subversões do

trabalho deficiente, baixa capacita-

direito do usuário à saúde;

ção profissional e conduta ética

delo assistencial centrado na regionalização, indutora da integralidade regulada com equidade, economia de escala, melhoria do acesso

três esferas, de porcentuais para cálculo, no caso da esfera federal,

qualquer regramento à luz dos prin-

e) o desafio de construir o mo-

vocadamente a prescrição para as

duvidosa; g) em regra, a estruturação dos modelos de atenção e de gestão na saúde, com base nas necessidades

tar (ver art. 5º ao 10º do PLP); d) Dispõe criteriosamente sobre o rateio dos recursos repassados, com base nas necessidades da população e nos princípios da integralidade, eqüidade e regionalização, e sobre o planejamento ascendente, metas e custos (ver art. 17º a 27º);

e da eficiência, tem sua implanta-

e direitos da população, está sendo

e) Amplia e aprofunda os meca-

ção ainda incipiente frente às gra-

substituída pelo incrementalismo

nismos de avaliação, controle e fis-

ves barreiras do papel indutor do

da produtividade em assistência a

calização, aclarando os papéis dos

Estado e as crises não superadas

demanda espontânea.

conselhos de saúde, do Legislativo,

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

343

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

dos Tribunais de Contas e do Minis-

confiabilidades e pactuações de oti-

Saneamento, Trabalho, Meio Ambi-

tério Público (ver art. 28º a 37º);

mização dos gastos entre as três

ente, Infra-estrutura do Desenvolvi-

f) Regulamenta e aclara a apli-

esferas de Governo e delas com a

mento e outras.

cação dos art. 2º ao 7º da Lei

sociedade, incluindo resgate dos

n.8080/90, tornando inequívoco o

recursos crescentes, ao contrário da

que são serviços públicos de saúde

atual imposição de ‘Teto’ aos recur-

financiados pelos orçamentos públi-

sos mínimos legais. É a proposta

cos, e o que são serviços referentes

que mais garante a reversão da re-

a fatores determinantes e condicio-

tração dos gastos federais, referida

nantes da saúde (saneamento, ali-

na Parte II – O Conflito.

A ATUAL SITUAÇÃO MACROECONÔMICA DA NAÇÃO E O MEMORIAL DAS SECRETARIAS ESTADUAIS DE FAZENDA (CONFAZ) Os secretários estaduais de Fa-

mentação, serviço social, planos

i) Apesar de ainda insuficiente,

zenda, organizados no CONFAZ, divul-

privados de servidores, pagamento

este acréscimo pode causar uma

garam em fevereiro de 2007 memo-

de inativos, etc.) de responsabilida-

primeira impressão de ‘além do es-

rial propondo alterações no Substi-

de orçamentária de outros setores,

tutivo “Guilherme Menezes”, basi-

mas que vêm onerando crescente-

camente na:

mente o SUS e tergiversando a interpretação da Lei n.8080/1990 (ver art. 2º ao 4º); g) Reconhece e define as comissões Intergestores Tripartite e Bipartites, e o Sistema de Informações dos Orçamentos Públicos de Saúde (ver art. 25º a 37º e 40º);

• redução da contrapartida es-

OS SECRETÁRIOS ESTADUAIS DE FAZENDA, ORGANIZADOS NO CONFAZ, DIVULGARAM EM FEVEREIRO DE 2007 MEMORIAL PROPONDO ALTERAÇÕES NO SUBSTITUTIVO “GUILHERME MENEZES”...

tadual no financiamento do SUS de 12 para 10% de produto da arrecadação dos impostos, conforme disposto na EC-29, • e a inclusão de nove serviços vinculados a outros setores, para serem remunerados pelo SUS (ex.:

h) Estimativas da aplicação em

saneamento, inativos, planos priva-

2007, dos 10% da receita federal

dos de servidores, entidades priva-

bruta, sem aplicar a DRU, e sem

das de pesquisa, serviço social,

contingenciamentos, estão por vol-

hospitais universitários, edificações

ta de R$ 65,24 bilhões, que repre-

perado ou cabível’, devido à insidi-

de unidades de saúde privadas, saú-

sentam R$ 19,5 bilhões a mais que

osa e paulatina redução das expec-

de penitenciária, etc.), todos eles

os R$ 45,80 bilhões aprovados no

tativas, desde 1990, imposta e in-

orçamentados nos respectivos seto-

orçamento de 2007. Este acréscimo,

trojetada nos formadores de opinião,

res por determinação constitucional,

vertido para US$ per capita, signi-

pela área econômica e o ‘marketing’

da Lei n.8080/90 e legislação espe-

ficará a evolução da atual faixa de

mercadológico, ao descolar cresci-

cífica.

US$ 150/200 per capita, para a de

mento dos orçamentos públicos de

Antes de me posicionar sobre esta

US$ 250/300, ainda insuficiente

saúde, do crescimento das receitas

proposta e encaminhar uma saída,

para a viabilização do SUS, mas

públicas correntes brutas. O que,

é importante contextualizá-la:

apontando, junto aos demais avan-

desastrosamente aconteceu com

a) a partir de 1990 foi organiza-

ços constantes na regulamentação,

outras políticas públicas: Educa-

da a ‘financeirização dos orçamen-

para novo patamar de esperanças,

ção, Habitação, Segurança Pública,

tos públicos’, constando de:

344 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

• pronunciada elevação da ar-

o crescimento geométrico da dívida

to produtivo, o rendimento médio

recadação e receita federal, inclu-

pública, e justificado pela corrente

real dos trabalhadores cai continu-

indo a recentralização federal da

monetarista da área econômica do

amente, assim como cai a porcen-

arrecadação nas três esferas, hoje

Governo, como de curtíssimo pra-

tagem da massa salarial na forma-

próxima ao nível pré-constitucional;

zo, para golpear a inflação. O cres-

ção da renda nacional; tudo presi-

• desvinculação de 20% das re-

cimento e fortalecimento de uma

dido pela permanência pouco justi-

‘nova classe’ de credores/rentistas

ficada e debatida, aberta e demo-

• tríplice contingenciamento na

da crescente dívida pública, cujos

craticamente, de taxa de juros por

execução orçamentária dos setores

juros anuais estão por volta de R$

volta do dobro da praticada nos

sociais e de infra-estrutura;

170 bilhões, vêm perpetuando esse

países desenvolvidos e em desenvol-

• retração da contrapartida fe-

modelo e já concentram o seu usu-

vimento, e taxa de crescimento anu-

deral no financiamento de políticas

fruto: 75% desses juros vão para 20

al do PIB por volta da metade da

públicas;

mil famílias de credores/rentistas.

verificada nesses países.

ceitas da União (DRU);

• redução dos gastos com a fo-

d) Se for observado somente o

lha de servidores; • terceirizações aleatórias; • estagnação ou retração dos orçamentos na área social e de infra-estrutura; • retração do campo das responsabilidades de Estado; • ‘Cláusula pétrea’, vínculo sem discussão, no pagamento dos juros, taxas de risco e do refinanciamento

comportamento dos governos, des-

SE FOR OBSERVADO SOMENTE O COMPORTAMENTO DOS GOVERNOS, DESDE 1990 (...)ELES VÊM OPERANDO COM PODER DISCRICIONÁRIO AUTO-INVESTIDO, AO LARGO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL CONSCIENTE, DA SOCIEDADE E DO PRÓPRIO LEGISLATIVO

da dívida pública;

de 1990, sem olhar para a Sociedade, o Estado e a Nação, eles vêm operando com poder discricionário auto-investido, ao largo da participação social consciente, da sociedade e do próprio Legislativo. e) A ‘financeirização dos orçamentos públicos’ no bojo deste modelo vem levando os governadores e prefeitos, ano a ano, a crescente

• aplicação inflexível da Lei de

instabilidade e tensão imposta pela

Responsabilidade Fiscal no tocante

limitação orçamentária ao exercício

à folha de servidores dos setores

c) A corrente monetarista da área

das responsabilidades de governo

sociais em expansão com a descen-

econômica assume a hegemonia,

para com o processo produtivo e

tralização, e transferência de res-

tornando os governos reféns do cres-

direitos sociais das respectivas po-

ponsabilidades federais e estaduais,

cimento, também hegemônico, do

pulações. É a crise na governança

sem regulamentação nem revisão.

capital financeiro. A Nação, envol-

e na governabilidade no conceito

b) A ‘financeirização dos orça-

vida nesse modelo, vive o desloca-

das Ciências Políticas. É o sufoco

mentos públicos’ ocorreu no bojo da

mento ininterrupto de recursos bili-

sem saídas legais ou com pseudo-

adoção pela União, a partir de 1990,

onários do processo produtivo e dos

saídas informais, irregulares ou

do modelo de ajuste da pressão in-

direitos sociais, para a acumulação

mesmo ilegais, como as ‘táticas de

flacionária, concentrado na intensa

financeira e bancária: no setor em-

sobrevivência’ e as desonerações

e contínua elevação da taxa de ju-

presarial, as aplicações financeiras

exemplificadas na Parte III (itens c

ros, sem qualquer proteção contra

vêm ganhando longe do investimen-

e d). A proposta do memorial dos

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

345

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

secretários de Fazenda insere-se nes-

os Exmos. Governadores, a inicia-

Ambiente e outros, e dos setores

se contexto, exacerbando além do

tiva de convocação de uma oficina

sociais entre si.

que até agora vem sendo feito, a tí-

analítica e propositiva entre o CON-

tulo de sobrevivência e desonera-

FAZ,

ção. É a autofagia entre as unida-

Secretários Estaduais de Saúde) e o

des institucionais e orçamentárias

CONASEMS (Conselho Nacional de Se-

de um ‘varejo’ duramente sucatea-

cretárias Municipais de Saúde), com

do por um ‘atacado’ até agora frio,

participação dos presidentes das

inclemente e todo poderoso. O me-

comissões de saúde das Assembléi-

morial é estruturalmente equivoca-

as Legislativas, dos presidentes dos

do: não soluciona, por si, as travas

Conselhos dos Secretários Munici-

Seguem os passos dados na for-

na governança e governabilidade, e

pais de Saúde (COSEMS), dos presi-

mulação, e a proposta, apenas es-

avança no aniquilamento do SUS.

dentes dos Conselhos Estaduais de

quematizada, deixa o necessário

o CONASS (Conselho Nacional de

UMA PROPOSTA X ESTRATÉGICA NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS FEDERAIS CORRESPONDENTES À DIFERENÇA ENTRE OS CÁLCULOS PRÉ E PÓS-REGULAMENTAÇÃO

A proposta de encaminhamento

aclaramento e detalhamento para a

de uma saída ao memorial do CON-

riqueza da participação dos deba-

deve estar na lógica de um en-

tes, por ex., o conceito e prática de

caminhamento maior de saídas para

‘Integralidade Regulada’ e de ‘Re-

FAZ

a governança e governabilidade dos estados, DF e municípios, e para a própria União, calcadas em profunda, ampla e democrática revisão, pela Sociedade e Nação, da sua re-

O MEMORIAL É ESTRUTURALMENTE EQUIVOCADO: NÃO SOLUCIONA, POR SI, AS TRAVAS NA GOVERNANÇA E GOVERNABILIDADE, E AVANÇA NO ANIQUILAMENTO DO SUS

gionalização Cooperativa e Solidária’: a) se o subfinanciamento e precarização da gestão do pessoal de saúde vêm levando às conseqüên-

lação com o Estado, reapropriando-

cias negativas exemplificadas na

o para si, como começava a acon-

Parte III, a reversão dessas duas

tecer nos anos 1980. Apenas come-

causas, ainda que gradativa, deve-

çava!

rá incidir estrategicamente no res-

Elementos estruturais constari-

gate da equidade, integralidade e

am na base dessa revisão, como o

Saúde, de representantes da Asso-

regionalização para o centro da

sistema Tributário e Fiscal, a pro-

ciação dos Membros dos Tribunais

construção dos novos modelos, isto

teção da dívida pública contra ju-

de Contas (ATRICON) e da Associação

é, para a estrutura básica da cons-

ros altos, a queda dos juros, as Leis

Brasileira de Economia de Saúde

trução do SUS. Sendo que a descen-

da Responsabilidade Fiscal e Soci-

(ABRES)

tralização /municipalização avan-

al, a desprecarização da gestão dos

Esta oficina (ou seminário) de-

çaram bastante, está mais que na

servidores públicos, a precedência

veria ser adequadamente prepara-

hora de serem orientadas pela regi-

das políticas públicas e dos valo-

da, com documentos prévios enco-

onalização. Sendo que a universa-

res e direitos sociais sobre os indi-

mendados. Na seqüência, eventos

lização avançou bastante, está mais

viduais e outros.

similares deveriam ser organizados

que na hora de ser qualificada pela

Voltando ao memorial do CONFAZ,

com os setores Educação, Assistên-

equidade, integralidade regulada e

propomos que seja instada perante

cia Social, Cultura e Lazer, Meio

resolutividade. Com pena de ser se-

346 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

guido e consolidado um outro rumo

atenção integral à saúde e respecti-

gresso, capacitação, carreira, fixa-

para um outro modelo, que não o

vos custos, conforme dispõe o subs-

ção dos profissionais e remunera-

do SUS;

titutivo Guilherme Menezes;

ção mista (fixa e por desempenho/

b) assunção pelos gestores, tra-

• valor de remuneração XXX de

balhadores de saúde, usuários e

todos os serviços preventivos e cu-

• investimento estratégico obe-

prestadores de serviços, da constru-

rativos não inferior aos respectivos

decendo o Plano Diretor de Regiona-

ção da regionalização (sistemas de

custos;

lização, universalizando o acesso à

resultados das equipes);

redes regionalizadas), enquanto eixo

• autonomia gerencial para as

capacidade instalada e de profissio-

aglutinador da construção da equi-

unidades hospitalares mais comple-

nais subordinando-se à diferencia-

dade e integralidade. A equidade

xas e para distritos sanitários;

ções entre as regiões em função da

intermunicipal na Região, articula-

• contratos de gestão para cum-

da nas pactuações intermunicipais

primento de metas, desempenho e

• adoção dos preceitos da pro-

e dos municípios com o estado; a

resultados, definidos, realizados e

dução em escala, otimizando a re-

diretriz da equidade;

equidade inter-regional, sob respon-

lação custo/qualidade/efetividade,

sabilidade maior da Bipartite e do

balizada pela construção da equi-

estado e a equidade interestadual,

dade;

sob a responsabilidade maior da

• propiciamento de condições para a qualificação da Atenção Pri-

situações limítrofes interestaduais;

... CONSTRUÇÃO DA REGIONALIZAÇÃO (SISTEMA DE REDES REGIONALIZADAS), ENQUANTO EIXO

c) este processo deve viabilizar-

AGLUTINADOR DA CONSTRUÇÃO DA EQUIDADE E

com base nas necessidades da po-

Tripartite e da União. Sob a mesma lógica deverão ser equacionadas as

se de acordo com o tamanho e perfil populacional, distribuição de capa-

mária, objetivando resolutividade de no mínimo 80% das necessidades, pulação, agregando o pronto-aten-

INTEGRIDADE

dimento contínuo, tornando-a refe-

cidade instalada e dos profissionais

rência para acesso garantido aos

de saúde, as vias de acesso e os atu-

serviços de média e alta complexi-

ais fluxos de demandas, e em arti-

dade e centro de organização da rede

culação com os processos de territorialização das cadeias produtivas

avaliados sob lógica publicista, fi-

de bens e serviços, e não de forma

cando a remuneração por produção,

setorial isolada. Não deve, por isso,

forma excepcional e residual;

depender dos limites administrativos

• Gestão Colegiada da Região

das Diretorias Regionais das Secre-

Sanitária: deve ser pública gover-

tarias Estaduais de Saúde;

namental (estadual/municipal) com-

d) o modelo de gestão almejado

partilhada, composta pelos di-

em cada região sanitária deve con-

retores das Diretorias Regionais e

templar basicamente:

os Secretários Municipais de Saúde

• planejamento ascendente do

da Região Sanitária;

local ao regional, com metas quali-

• desprecarização da gestão do

quantitativas e de resultados da

pessoal de Saúde, incluindo o in-

de serviços; • participação efetiva da sociedade através dos Conselhos de Saúde na definição e aprovação das prioridades e etapas perante os limites do financiamento; • resgate dos valores e práticas da solidariedade e humanização das relações com os usuários; • definição e assunção da responsabilidade sanitária em todos os níveis da prestação de serviços, além dos entes federados.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

347

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

e) No processo de novo patamar de financiamento, da desprecariza-

CNS, resultando o “Pacto pela Vida

dutiva do complexo econômico-in-

em Defesa do SUS e de Gestão”;

dustrial da Saúde, com potência de

ção da gestão do pessoal e da cons-

h) a proposta de aplicação dos

induzir os investimentos privados

trução dos novos modelos, será ina-

recursos referentes à diferença en-

e reverter o grande déficit acumu-

bdicável a construção de nova rela-

tre os cálculos pré e pós-regulamen-

lado desde os anos 1990.

ção do SUS, em todos os níveis, com

tação é a de:

i) os cronogramas de implanta-

a saúde suplementar (mercado de

• maior parte destinada à apli-

ção e/ou implementação das Regi-

planos privados de saúde), com ên-

cação parcelada em gastos orienta-

ões Sanitárias, com as respectivas

fase no regramento da demanda dos

dos por metas estratégicas, com

etapas, prioridades, requisitos com-

respectivos consumidores aos ser-

direcionalidade e aceleração do pro-

prováveis, tanto das atividades –

viços do SUS, de média e principal-

cesso da Regionalização Cooperati-

meio como finalísticas, articuladas

va e Solidária;

entre si –, assim como as alterna-

mente alta complexidade e custos,

tivas da intervenção no processo

com vistas ao efetivo cumprimento

ocorrerá simultaneamente em todas

dos princípios e diretrizes da equi-

as regiões, ou seqüencial por re-

dade, integralidade e regionalização, em substituição à hoje predominante desoneração das operadoras dos planos privados; f) o processo da regionalização

...AOS CRONOGRAMAS DE IMPLEMENTAÇÃO E/ OU IMPLEMENTAÇÃO DAS REGIÕES SANITÁRIAS, DEVERÃO CORRESPONDER

dos serviços de saúde variará ine-

CRONOGRAMAS DE LIBERAÇÃO DOS

xoravelmente na forma e velocida-

RESPECTIVOS RECURSOS PARA O FUNDO

de, de acordo com as realidades his-

NACIONAL DE SAÚDE ...

tóricas populacionais, socioeconômicas, culturais, epidemiológicas e

das formulações e pactuações na Tripartite, nas Bipartites e Bipartites regionais, e discutidas nos respectivos conselhos e plenárias regionais de saúde. j) aos cronogramas de implantação e/ou implementação das Regiões Sanitárias, deverão corresponder cronogramas de liberação

de capacidade instalada, em cada

dos respectivos recursos para o

região, estado e macrorregião do território nacional;

gião, serão objetos, entre outros,

Fundo Nacional de Saúde, justifi• outra parte destinada à apli-

cados pela Tripartite e executados

cação imediata conforme disposto

pelo MS-MPOG. O montante dos re-

nos planos e orçamentos de cada

nas pactuações genéricas no âmbi-

cursos ainda não liberados (saldo),

ente federado, com prioridades e

to nacional sobre a regionalização,

não deverá ser objeto de contingen-

etapas pactuadas na Tripartite e

e das Bipartites em cada estado,

ciamentos e estornos, inclusive ao

Bipartites, incluindo as situações

final do ano fiscal. Possível acumu-

com autonomia de pactuações de

mais graves de desassistência, epi-

lação (saldo) findo o processo da

diretrizes nos respectivos territóri-

demias, retorno de endemias e de-

regionalização, deverá ser destina-

os, tudo discutido e legitimado nos

sarticulação do sistema, e a

do à continuidade da elevação dos

g) já se encontram estabelecidas as responsabilidades da Tripartite,

respectivos conselhos de saúde. O

• outra parte destinada aos in-

recursos públicos per capita anu-

eixo básico desse processo foi cons-

vestimentos públicos estratégicos

ais para o SUS, objetivando alcan-

truído em 2006 pela Tripartite e

na ciência/tecnologia e cadeia pro-

çar patamar correspondente à pelo

348 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

menos a metade da média dos per

eles garantindo equitativamente as

de e direito de cada cidadão e da

capita públicos vigentes nos países

condições mínimas imprescindíveis

coletividade, mas com regulação

mais desenvolvidos, como Canadá

ao usufruto da dignidade do ser

pactuada com a sociedade das ten-

e países europeus (por volta de U$

humano e dos direitos sociais espe-

dências e pressões de utilização ili-

700 por habitante-ano);

lhados em nossa Constituição: Edu-

mitada de ações e serviços evitá-

k) esta proposta, assim como o

cação Saúde, Trabalho, Moradia,

veis, supérfluos e desnecessários.

debate sobre os gastos do SUS, in-

Lazer, Segurança, Previdência Soci-

cluindo os adicionais com a apro-

al, Proteção à Maternidade e Infân-

IV – A elevada competência al-

vação da regulamentação da EC-29,

cia e Assistência aos Desamparados.

cançada na gestão de sistemas nos

deve se dar com a participação dos

Como nas sociedades mais desen-

17 anos do SUS, com estabelecimen-

Conselhos de Saúde e da sociedade

volvidas, são garantias constituci-

to da direção única em cada esfera

organizada, em especial, com as

onais do exercício da cidadania: o

de governo, da gestão pactuada en-

representações dos usuários, sendo

Sistema de Proteção Social que ofe-

tre as três esferas (Tripartite e Bi-

que na questão da regionalização

rece patamar básico digno de aten-

partites), da descentralização radi-

não deverão deixar de ser valoriza-

ção aos direitos sociais, e a Renda

cal de competências, da criação dos

dos, fóruns ou plenárias regionais

que o complementa de acordo com

Fundos de Saúde e repasses Fundo

de saúde. A consciência coletiva das

o estrato social.

a Fundo, dos Conselhos de Saúde e de respeitável vanguarda na gestão

necessidades e direitos à saúde ampliará em um valor a mais: “a mi-

II – O Sistema Único de Saúde

estadual e municipal, pouco se es-

nha região, que está social e legal-

está legalmente compelido a buscar

tendeu à gestão e gerência cotidia-

mente obrigada a proteger minha

integração e sinergismo permanen-

nas das unidades prestadoras de

saúde e a da coletividade regional,

tes com os setores governamentais

serviços, das simples às complexas.

com atenção integral, equitativa e

responsáveis pelos fatores determi-

Apesar da grande elevação da pro-

universal”.

nantes e condicionantes da saúde no

dutividade e produção, permanecem

âmbito das políticas públicas, espe-

inaceitáveis proporções de desper-

lhados em nossa Lei Orgânica da

dícios com ações e serviços evitá-

Saúde: Alimentação, Moradia, Sane-

veis, supérfluos e desnecessários,

amento Básico, Meio Ambiente, Tra-

conseqüentes à impossibilidade de

balho, Renda, Educação, Transpor-

reverter a atual lógica da oferta de

te, Lazer e Acesso aos Bens e Servi-

serviços onde pesam os interesses

ços Essenciais. Da mesma maneira,

de ‘sobrevivência’ de profissionais

a Seguridade Social consagrada na

de saúde, prestadores de serviços e

Constituição.

industria de medicamentos e outros

ANEXO ENCAMINHAMENTOS DE APOIO ÀS ARTICULAÇÕES E NEGOCIAÇÕES SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA EC-29

insumos, secundarizando as neces-

I – O projeto da Reforma Sanitária Brasileira insere-se no projeto

III – A oferta e utilização de ser-

sidades e direitos da população. Por

social maior civilizatório que defi-

viços públicos integrais de saúde,

sua vez, este peso depende direta-

ne e configura o Estado democráti-

preventivos e curativos, deve-se re-

mente do grave subfinanciamento

co subordinado por igual ao conjun-

alizar em patamar mínimo impres-

público (per capita público menor

to dos segmentos da sociedade, a

cindível correspondente à dignida-

do que em vários países da Améri-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

349

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

ca Latina e pouco mais de 10% da

VI – O principal elo de extensão

ços, em cada município, em cada

média dos países desenvolvidos), e

da competência alcançada na ges-

região, em cada estado e ao nível

do baixíssimo nível da remuneração

tão de sistemas, para a construção

nacional, por meio dos Conselhos de

e gestão do trabalho do pessoal de

de novos modelos de gestão e ge-

Saúde e da relação direta Governo-

saúde, o que tem colocado, em re-

rência das unidades prestadoras de

Sociedade.

gra, os gestores estaduais, e princi-

serviços, será o último espaço da

Um outro desafio inadiável para

palmente os municipais de saúde,

gestão sistêmica ainda não priori-

a gestão do SUS, a ser tratado no

em verdadeiro estrangulamento.

zado e assumido na prática, que é

primeiro plano das negociações da

o da diretriz Constitucional da Re-

regulamentação da EC-29, é a deci-

V – É de constatação inequívo-

gionalização, mas já reconhecido no

siva questão da cadeia produtiva do

ca, o esgotamento da viabilidade de

recente Pacto de Gestão como seu

complexo econômico-industrial da

solução única: somente com a im-

maior eixo estruturante. Por meio

Saúde, portadora de grande déficit

deste e outros elos, os gestores do

acumulado desde os anos 1990, de

SUS e os Conselhos de Saúde nas

investimentos estratégicos gerado-

prescindível elevação do financiamento público, ou só com a imprescindível reversão dos desperdícios gerados pela lógica predominante da oferta de serviços. Tornam-se imprescindíveis e inadiáveis posicionamentos enfáticos e terminantes por uma regulamentação da EC-29 estruturalmente voltada para o atrelamento da retomada do rumo para o financiamento suficiente, à retomada do rumo para as inadiáveis transformações e impactos nos modelos de gestão e gerência das unidades prestadoras de serviços, voltando definitivamente sua lógica

três esferas de Governo estão frente a frente com desafios inadiáveis, tais como: implantação e implementação das Regiões Sanitárias, planejamento ascendente de metas qualiquantitativas da oferta de ações e serviços de saúde integrais e equitativos, em cada realidade regional e microrregional, os custos de cada meta com base nos recursos materiais e humanos minimamente necessários, remuneração do cumprimento das metas com valores não inferiores aos custos, autonomia

res de riqueza, emprego e sustentação da política pública de saúde. VII – As questões e proposições constantes nos encaminhamentos anteriores vêm sendo profunda e coerentemente debatidas e formuladas pelo Congresso Nacional, na elaboração do PL substitutivo do Dep. Guilherme Menezes, nos anteprojetos do Sen. Tião Viana e Marconi Perilo, e pelo Governo, na elaboração do Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, aprovado na Tripartite e no Conselho Nacional de

gerencial das unidades governamen-

Saúde, assim como o anteprojeto de

tais, indicadores objetivos para

Lei da criação de Fundações Esta-

acompanhamento da eficiência, de-

na saúde da população, para o de-

tais, com elaboração conduzida pelo

sempenho das equipes e resultados

sempenho das equipes de saúde e

Ministério do Planejamento e enri-

para a população, contratos de ges-

para a efetiva participação da soci-

quecida por respeitáveis especialis-

tão e participação efetiva da socie-

tas em gestão, gerência e Direito

edade na definição das prioridades

dade organizada na definição de

Sanitário. A proposição mais com-

e etapas da oferta de serviços, pe-

prioridades e etapas, perante a fini-

pleta debatida e legitimada no mo-

rante a finitude dos recursos aloca-

tude dos recursos alocados, em

mento é o substitutivo “Guilherme

dos.

cada unidade prestadora de servi-

Menezes” do PLP n.01/03, aprimo-

para a centralidade dos direitos do usuário cidadão, para os resultados

350 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação

rado e aprovado nas três comissões

vinculados ao cumprimento, pelas

ação em Saúde Coletiva, Centro Bra-

obrigatórias da Câmara dos Depu-

três esferas de Governo, do que são

sileiro de Estudos de Saúde, 2005.

tados: além de garantir a reversão

e não são os serviços de saúde fi-

da retração dos gastos federais,

nanciados pelo SUS, a constar na

______. Reflexões atualizadas so-

iguala os critérios de cálculo entre

regulamentação, além da disponibi-

bre a urgência da tramitação do

as três esferas de Governo e respal-

lização pela União, dos restos a pa-

Projeto de Lei Complementar da EC-

da a construção do SUS, mantendo,

gar acumulados em anos anteriores

29. Rio de Janeiro: Associação Bra-

na sua formulação, todas as pon-

e dos recursos contingenciados em

sileira de Pós-Graduação em Saú-

tes com as outras propostas com

2007. A aplicação dos recursos re-

de Coletiva, Centro Brasileiro de Es-

vistas a negociações e consolidação

feridos neste item permanece tam-

tudos de Saúde, 2004.

no Congresso Nacional.

bém atrelada ao disposto nos enca-

VIII – Caso as atuais caracterís-

minhamentos V, VI e VII deste Ane-

BRASIL. Constituição, 1988. Emen-

xo.

da Constitucional 29, de 13 Setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35,

ticas macroeconômicas e relações de forças políticas e sociais forem

X – Deve constar também na re-

156, 160, 167 e 198 da Constitui-

desfavoráveis na negociação da re-

gulamentação, a avaliação sistemá-

ção Federal e acrescenta artigo ao

gulamentação e imponham a conti-

tica a cada cinco anos, com as revi-

Ato das Disposições Constitucionais

nuidade do cálculo segundo a vari-

sões que se fizerem necessárias, e

Transitórias, para assegurar os re-

ação nominal do PIB, deverão ser

com interação (mútua adequação)

cursos mínimos para o financia-

construídas outras alternativas de

com o PPA.

mento das ações e serviços públicos de saúde. Disponível em: < ht-

negociação, entre as quais a de pactuar um acréscimo anual além da

XI – Devem ser identificadas,

tps://www.planalto.gov.br/cci-

variação nominal do PIB, correspon-

desde já, junto aos conselhos de saú-

vil_03/constituicao/emendas/emc/

dente a um porcentual do PIB, ten-

de, as repercussões concretas na

emc29.htm> .Acesso em: 14.05.06

do já havido a proposta de 0,25%

atenção às necessidades e direitos

no mínimo. Este acréscimo poderá

da população, no curto e médio pra-

______. Conselho Nacional de Saú-

ser prorrogado ou revisto após pe-

zo, assim como imediata ampliação

de. Parâmetros Consensuais sobre

ríodos não inferiores a quatro anos,

da informação e participação para

a Implementação e Regulamenta-

ou ainda substituído pela alternati-

a opinião pública em geral.

ção da EC-29 – CNS, SIOPS, CAS/SE-

va original conforme dispõe o subs-

NADO,

titutivo “Guilherme Menezes”. De

CONASEMS. Brasília, DF: [s. n.], 2001.

qualquer modo, deve ser observa-

CSSF/CD, MP, ATRICON, CONASS,

REFERÊNCIAS

do o atrelamento disposto nos en-

______. Ministério da Fazenda. Me-

caminhamentos V, VI e VII deste

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚ-

morial das Secretarias Estaduais

Anexo.

DE COLETIVA Reafirmando compro-

da Fazenda. Brasília, DF: CONFAZ,

missos pela saúde dos brasileiros:

2007.

IX – Há que se considerar tam-

lançamento do fórum da reforma

bém a disponibilização de aproxi-

sanitária brasileira. Rio de Janeiro:

______. Ministério da Saúde. Car-

madamente R$ 5 bilhões anuais,

Associação Brasileira de Pós-Gradu-

ta de Brasília: manifesto aprovado

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

351

SANTOS, Nelson Rodrigues dos

pelos 800 participantes da 8º Sim-

regulamentação da EC-29, PLP n.

pósio sobre Política Nacional de Saú-

01/2003, mar/2007.

de, 2005. FLEURY, S. O PAC e a Saúde. Bole______. Portaria MS n. 399, de 02

tim CEBES, n.3, fev. 2007.

de fevereiro de 2006. Pacto pela

FÓRUM Saúde e democracia: uma

Vida, em Defesa do SUS e de Ges-

visão de futuro para o Brasil. Bra-

tão. Brasília, DF: MS, CONASS, CONA-

sília, DF: CONASS, 2006.

SEMS, 2006.

MENDES, A. Financiamento da saúquando

as

tensões

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa.

de:

Reforma política e sanitária: a sus-

permanecem...São Paulo: [s. n.],

tentabilidade do sus em questão?.

2006.

Ciênc. saúde coletiva., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, 2007. Dispo-

______. De olho nos recursos fede-

nível em:
rais do SUS. São Paulo: [s. n.],

scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-

2006.

81232007000200002&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 02 mar. 2007. Pré-

MENEZES, G. Redação final, incor-

publicação.

porando os PLP: 159/04 do Dep. Geraldo Rezende e 181/04 do Dep. Ra-

CARVALHO, G. O gasto com saúde

fael Guerra, Brasília, DF: [s. n.], jun.

no Brasil em 2006. São Paulo: [s.

2004.

n.], 2007. Disponível em:
SANTOS, L. O que financiar com os

gasto.com.saude.2006.pdf> Acesso

recursos da saúde? São Paulo: [s.

em: 13.05.06.

n.], 2006.

______. Saúde: o tudo para todos que sonhamos e o tudo que nos impingem os que lucram com ela. São Paulo: [s. n.], 2004. Disponbível em: . Acesso em : 02.02.2007. ______. Aumento de recursos possível para a saúde se for aprovada a

352 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

1

Notes on the decentralization process of health care

Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato2 Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007

RESUMO O artigo discute aspectos que estariam indicando o esgotamento do modelo de descentralização até aqui adotado na área de saúde. Argumentase que o modelo indutor de adesão dos entes subnacionais, através do privilégio ao financiamento, esgotou suas possibilidades de estimular a responsabilidade desses entes na construção de sistemas baseados nos princípios do SUS, de estimular a democratização e de alterar as formas tradicionais de intermediação de interesses na provisão de serviços, o que

Este trabalho contou com o apoio dos alunos e pesquisadores Anne Carolina de Melo Santos, Assis Mafort Olverney,Maria Gabriela Monteiro e Thais Soares, participantes da pesquisa Municipalização da saúde: inovação na gestão e democracia local no Brasil, realizada pelo Programa de Estudos da Esfera Pública – PEEP da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, sob coordenação da Profa. Sonia Fleury. 1

tem comprometido a construção de um sistema de saúde baseado nas necessidades sociais da população. PALAVRAS-CHAVE: Descentralização, Política de Saúde, Sistema Único de Saúde

ABSTRACT This article discusses aspects that would suggest the exhaustion of the decentralization model adopted up to now in the area of health. It is argued that the model to encourage adherence by subnational entities, by means of offering privileges regarding funding, has exhausted the possibilities of stimulating responsibility amongst such entities to construct systems based

Socióloga, Mestre em Administração Pública e Doutora em Saúde Pública. Professora do Programa de Estudos Pós- Graduados da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Núcleo de Avaliação de Políticas – NAP/ UFF. 2

on the principles of the Unified Health System, of stimulating democratization and of altering the traditional forms of intermediating interests in service provision. As a result this has compromised the construction of a health care system based on the population’s social needs. KEY-WORDS: Decentralization, Health Policy, Unified Health System

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

353

353

LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa

INTRODUÇÃO

cia setorial, e que novas estratégias

Operacional Básica 01 de 1996 (NOB

deveriam ser pensadas.

96), é majoritariamente tratado como

A descentralização do setor saú-

o ponto positivo de impulso à des-

de no Brasil encontra-se hoje em um

centralização, embora haja autores

AUTONOMIA DOS NÍVEIS DE GOVERNO

ponto que pode ser considerado dilemático, já que aparentemente os esforços da estrutura político-admi-

que considerem que a NOB 96 feriu a autonomia de gestão dos municípios ao privilegiar o financiamento

nistrativa do setor não estão sendo

O primeiro ponto diz respeito à

dos programas de saúde da família

suficientes para completar a descen-

responsabilidade partilhada entre

e de agentes comunitários da saúde

tralização como prevista na Consti-

níveis de governo com alto grau de

(SILVA, EGYIDIO e SOUZA, 1999). De

tuição e, em especial, na Lei 8080.

autonomia. O caráter solidário da

fato, os incentivos dados à adesão

E, nesse sentido, pode ser questio-

descentralização como proposta na

dos municípios têm como premissa

nado o potencial da descentraliza-

legislação do SUS vai de encontro

a solidariedade aos princípios do

Processo democrático

ção intrasetorial como estimulado-

SUS, mas sempre estiveram forte-

ra de inovações que permitam aden-

mente pautados nas escolhas dos

sar a esfera pública, consolidar o

órgãos centrais de gestão por meio

poder democrático local e garantir

de incentivos financeiros. Assim,

os objetivos da universalização da assistência à saúde, princípios presentes na reforma sanitária brasileira.

A DESCENTRALIZAÇÃO DO SETOR SAÚDE NO BRASIL ENCONTRA-SE HOJE EM UM PONTO

Levantamos alguns pontos que ao nosso ver expressam esse dilema, com o objetivo de contribuir

houve uma potente adesão onde esta implicava baixos custos e, ao contrário, onde havia necessidade de uma ação própria do ente de gover-

QUE PODE SER CONSIDERADO

no, em especial com aporte signifi-

DILEMÁTICO ...

cativo de recursos, a adesão não

para o debate sobre os rumos da

aconteceu. O resultado foi que a NOB 96 tor-

descentralização.

nou-se fundamental para a estraté-

O que chamamos aqui de dile-

ao cálculo que municípios e esta-

gia de saúde da família, tanto pela

ma se expressa pelo cruzamento de

dos fazem para aderir ou não aos

expansão da cobertura em si, como

um conjunto de variáveis que se re-

preceitos da descentralização. O pro-

pelo desenvolvimento e difusão de

ferem tanto ao processo de condu-

cesso de adesão voluntária, base da

uma tecnologia de gestão da aten-

ção da descentralização desenvolvi-

descentralização democrática nos

ção básica. Contudo, avançou-se

da no setor, quanto por característi-

preceitos do SUS, não significa, con-

pouco na autogestão dos sistemas

cas institucionais que compõem o

tudo, benefícios certos a estados e

de saúde, segundo os princípios do

cenário da descentralização. Nossa

municípios. Em verdade, como já

SUS. Assim, gerir o SUS, ‘segundo

hipótese é que o conjunto dessas

demonstrou Arretche (2000), há um

os princípios do SUS’, com os in-

variáveis demonstra um esgotamen-

cálculo razoável na adesão, sempre

centivos financeiros repassados pelo

to do modelo até aqui adotado de

pesado entre custos e benefícios. O

governo federal, não tem compen-

descentralização, tanto no que toca

processo de descentralização pelas

sado. Em março de 2006, apenas

aos objetivos do SUS quanto à bus-

Normas Operacionais, em especial

7,7% dos municípios estavam habi-

ca do aprofundamento da democra-

aquele deslanchado pela Norma

litados em gestão plena do sistema

354 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

pela NOB 96 (implantada em 1998),

regional foi outro fator apontado

sistema de saúde. Este impulso con-

e apenas 4,6% habilitados pela Nor-

como importante para a não adesão

solidou um formato de descentrali-

ma Operacional da Assistência à

às NOBs. De fato, também em mar-

zação que não oferecia estímulos à

Saúde - NOAS.

ço de 2006, havia estados onde a

integração entre as estruturas de

Outro fator que chama a atenção

habilitação na condição de gestão

municípios, dificultando o aprovei-

é que aparentemente a adesão tem

plena do sistema alcançava 45% dos

tamento racional de recursos e o

dependido de estímulos para além

municípios, enquanto que, em ou-

ordenamento hierárquico das bases

dos incentivos regulares, o que pode

tro extremo, há um estado onde ape-

de serviços de uma região e/ou es-

ser plenamente legítimo, mas de-

nas 0,45% dos municípios estavam

tado. O processo de implementação

monstra uma fragilidade tanto des-

habilitados.

da NOAS, que tinha como objetivo a

ses incentivos como da disposição

A regionalização, um dos nós da

regionalização, e possuía desenho

dos entes subnacionais em assumir

reforma sanitária e do SUS, também

bastante apropriado, demonstra a

de vez o SUS. A distribuição das

encontra na autonomia um fator

preponderância da autonomia dos

habilitações por estado mostra que

municípios e estados na adesão ao

, em alguns deles, nenhum municí-

processo de descentralização, já que

pio tinha se habilitado à NOB 96 e

ela não se concretizou nem parcial-

todos se habilitaram à NOAS. Há

mente.

outros onde todos os municípios se habilitaram à NOB 96, mas nenhum à NOAS. Este último caso é até acei-

A REGIONALIZAÇÃO, UM DOS NÓS DA REFORMA SANITÁRIA E DO SUS, TAMBÉM

tável, já que a NOAS supõe intera-

ENCONTRA NA AUTONOMIA UM FATOR

ção com outros municípios e a par-

COMPLICADOR QUE NÃO FOI RESOLVIDO PELA

ticipação dos estados, o que extrapola a iniciativa municipal. Mesmo

O papel limitador das NOBs sobre outros fatores institucionais intra e extra sistema de saúde, como aqui a autonomia dos entes federados na condução do SUS, limita as possibilidades de atuação através de

DESCENTRALIZAÇÃO

mecanismos como esse. Esse apren-

assim, municípios ,em gestão ple-

dizado contribuiu para que na nova

na do sistema na NOB 96, já teriam

estratégia de impulso ao SUS, cha-

a experiência de gestão, contratação

mada Pacto pela Saúde, as NOBs

e regulação de serviços que lhes

complicador que não foi resolvido

tenham sido eliminadas. Curiosa-

daria arcabouço para estimular as

pela descentralização, já que esta

mente, na leitura da Portaria 399 até

parcerias pela regionalização, até

teria favorecido de forma desequili-

agora editada para normatização

porque são poucos os municípios do

brada a dinâmica intramunicipal,

dessa nova estratégia (que chama a

país que possuem auto-suficiência

em prejuízo da relação entre muni-

atenção por ser mais orientadora do

de rede, sendo que maioria requer

cípios com a participação dos esta-

que normatizadora), fica evidente

serviços para além dos seus limites

dos. O formato da estratégia de des-

que a realização dos objetivos do

municipais. Já no primeiro caso fica

centralização, adotado até o final da

SUS e da Reforma Sanitária reque-

claro que houve um estímulo espe-

década de noventa, privilegiou a

rem a solidariedade dos entes naci-

cífico, provavelmente dos estados,

formação de bases isoladas e a ges-

onais aos princípios e objetivos do

o que reforça a preponderância da

tão da dinâmica intramunicipal

SUS e que, além disso, supõe uma

autonomia, seja na direção de ade-

como expressão do caráter munici-

profunda interdepen-dência entre

rir ao SUS, ou não. A diversidade

palista que orientou a reforma do

esses entes, o que pode encontrar

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

355

355

LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa

limites na autonomia de estados e

dos entraves ao crescimento do pa-

como passíveis de fazer parte desse

municípios.

pel prescrito dos Conselhos. De fato,

jogo.

A autonomia foi um dos precei-

a baixa interferência desses na con-

Estudo recente de Santos Junior

tos fundamentais da Constituição de

dução do SUS aparece sempre nas

et al (2004) sobre conselhos de di-

88, como mecanismo de aprofundar

reivindicações dos movimentos, e

versas áreas sociais, em diferentes

a democracia e gerar eficácia, em

mesmo como “a” solução para a

regiões metropolitanas, demonstra

especial das políticas sociais. Mas,

resolução dos graves problemas da

que os conselheiros têm em geral

muitos dos avanços do SUS só pu-

saúde e do SUS. O contraditório aqui

escolaridade, acesso à informação

deram ser alcançados por impedi-

é que, apesar da valorização do pa-

e participação política bem superi-

mentos a essa autonomia, caso das

pel dos Conselhos nas bases sociais

ores à média do país. Suas recla-

NOBs e, em especial, da indução de

e atores institucionais do SUS, a

mações versam sobre o que pode ser

ações de assistência através de re-

descentralização priorizou mecanis-

atribuído à baixa disposição dos

cursos carimbados. Ao revés, o

mos de gestão do sistema que, ao

governos em prover os elementos

avanço que é requerido ao SUS hoje,

necessários ao exercício do contro-

no sentido da concretização da uni-

le social - como acesso à informa-

versalização com qualidade da atenção, depende da adesão autônoma dos entes, que têm ampla autonomia para não aderirem.

PROCESSO DEMOCRÁTICO

... APESAR DA VALORIZAÇÃO DO PAPEL DOS CONSELHOS NAS BASES SOCIAIS E ATORES INSTITUCIONAIS DO SUS, A

ção para fisca-lização e decisão, divulgação, infra-estrutura, etc. -, e que poderiam estimular a capacidade decisória dos conselhos. Apesar do estímulo aos Conselhos, a políti-

DESCENTRALIZAÇÃO PRIORIZOU MECANISMOS

ca setorial ao máximo desenvolveu

DE GESTÃO DO SISTEMA QUE (.....)

estratégia de capacitação para con-

FAVORECERAM INSTÂNCIAS ONDE ELES ESTIVERAM FORA.

A democracia foi um fator impulsi-

selheiros, que se bem é funda-mental, não toca no problema central, que é a baixa disposição, mesmo no

onador das demandas pelo direito à

setor mais organizado da área soci-

saúde, calcada na bem-sucedida

al, de contagiar práticas associati-

articulação entre democracia e saú-

invés de fortaleceram o controle so-

vas. Nesse sentido, faltaria à des-

de. De novo a descentralização apre-

cial, favoreceram instâncias onde

centralização - e aí pensando ape-

sentou mecanismos importantes,

eles estiveram fora. A CIT e CIBs fo-

nas na saúde, embora esta devesse

entre eles as instâncias de pactua-

ram fundamentais na condução da

ser uma estratégia geral para a área

ção, o estímulo induzido à forma-

descentralização, e boa parte do de-

social -, gerar uma política de “in-

ção dos conselhos e à participação

senvolvimento do sistema esteve

centivo à associação cívica” (SAN-

e controle social através dos Conse-

dirigida pelo Ministério em conso-

TOS JUNIOR ET AL, 2004).

lhos. Desnecessário apontar os

nância com elas. Apesar de serem

Sem dúvida, a área de saúde é a

avanços nesses aspectos, mas sim

instâncias de pactuação, onde a ne-

mais propensa a esse tipo de estra-

apontar possíveis entraves.

gociação é a pauta, em oposição à

tégia e isso poderia gerar o adensa-

Principalmente os estudos sobre

tradição centralizadora e autoritá-

mento da reforma para as próximas

Conselhos têm apontado o baixo

ria da política de saúde, o fato é que

gerações, com impactos positivos

associativismo no Brasil como um

os conselhos jamais foram vistos

em outras áreas, como já tem sido

356 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

demonstrado pela replicação do

tralizada do SUS, pelo empenho na

tos levantados, e a portaria 399 in-

modelo único e descentralizado do

condução mais transparente e asso-

dica a implementação de “projeto

SUS.

ciada aos Conselhos na defesa e

permanente de mobilização social”.

Os Conselhos de Saúde são críti-

aprovação de legislações que impo-

Ainda não há indicação sobre a es-

cos também ao papel das Comissões

nham mais compromissos dos en-

tratégia para isso, mas curiosamente

Intergestores, pela possibilidade de

tes responsáveis pelo SUS. Tanto no

um dos principais elementos do

assumirem competências que são

nível federal como nos demais, essa

novo pacto, a criação dos Colegia-

deles, enfraquecendo o controle so-

arena é tratada de forma utilitarista

dos de Gestão Regional, não conta

cial. Salientam que as Comissões

pelos executivos, tanto em condições

com a participação de setores soci-

acabam decidindo políticas públi-

de maioria quanto de minoria. A

ais, mas somente representantes

cas, gerando confusão e comprome-

visão recorrente de que o processo

governamentais, assim como nas

tendo o caráter deliberativo dos Con-

legislativo é comandado pelo exe-

comissões intergestores regionais. A

selhos. Destacam que as Comissões

cu-tivo é contradita pelo estudo de

questão aqui é em que essas ins-

não são formas de democracia par-

tâncias se diferenciariam das comis-

ticipativa e que, portanto, o papel-

sões bipartites que pactuaram a re-

delas não pode ser confundido com

gionalização pela NOAS, com os li-

o dos Conselhos de Saúde, já que

mites conhecidos de efetividade. Os

elas foram criadas apenas para faos gestores, tendo seus representan-

COMISSÕES NÃO SÃO FORMAS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA (......) DELAS

tes indicados pelo Poder Executivo.

NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM O DOS

cilitar a execução e a relação entre

Há hoje um esgotamento das instâncias de pactuação para o aprofun-

colegiados de gestão e as comissões intergestores regionais poderiam seruma boa experiência de associação com conselhos.

CONSELHOS DE SAÚDE ... POLÍTICA ECONÔMICA RESTRITIVA

damento do SUS, embora sigam sendo fundamentais na definição da distribuição de recursos entre estados e no processo de condução das

São já bem conhecidas as restri-

habilitações. Seu papel se restringe

Rodrigues e Zauli (2002), que apon-

ções financeiras à ampliação dos

ao patamar a partir do qual prova-

tam que, exatamente na área de saú-

investimentos nas áreas de saúde e

velmente se encontram as soluções,

de, há um potencial bastante signi-

social, decorrentes da política eco-

que estariam além de mecanismos

ficativo do legislativo nacional na

nômica que vem sendo adotada nos

técnicos que exigem negociação,

aprovação de leis. Segundo os au-

últimos governos. Embora sempre

mas sim em decisões políticas de

tores, a predominância do executi-

retorne ao debate a velha discussão

adesão ao SUS como política de es-

vo na saúde se dá principalmente

sobre se o problema é de falta de

tado, não só do nível federal, mas

pelo recurso às medidas provisóri-

recursos ou de má gestão, em espe-

também de todos os estados e mu-

as, que no período estudado por eles

cial quando a demanda por recur-

nicípios.

não foram, em sua maioria, trans-

sos ganha força momentânea, ne-

formadas em leis.

nhum setor social, nem o próprio

O âmbito legislativo é outra arena que poderia ser mais utilizada

Na edição do novo Pacto pela

governo, negam hoje a necessidade

pelo processo de construção descen-

Saúde, a participação é um dos pon-

de mais investimentos, embora para

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

357

357

LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa

o governo federal isto nunca seja

não é de otimização de recursos e

evitar o desvio dos recursos agre-

obviamente associado às suas op-

sim de utilização intensiva de pro-

gados pela EC 29 com ações que não

ções de política econômica. Do pon-

cedimentos. Afora isso, a baixíssi-

as de saúde. A contenção de recur-

to de vista da descentralização, e em

ma interferência da maior parte dos

sos e a falta de prioridade à imple-

especial agora com o requerido re-

municípios no controle dos serviços

mentação do SUS como previsto leva

forço para a regionalização, a ques-

de 2º e 3º níveis, com a conseqüen-

a situações curiosas. A vinculação

tão dos recursos volta à tona. Um

te baixa relação com a atenção bá-

de recursos e agora a especificação

dos principais problemas para a

sica, gera a reprodução não só da

do que são ações de saúde restrin-

implementação da NOAS foi a pac-

carência de recursos, pela tendên-

gem a realização de planejamentos

tuação dos recursos necessários

cia ‘natural’ de utilização pelos pro-

integrados para a solução de pro-

para a compensação entre municí-

vedores de todos os recursos dispo-

blemas sociais e limitam um dos

pios para a prestação de serviços.

níveis, como a não realização dos

preceitos centrais da reforma, que é

Municípios pequenos com tetos fi-

objetivos de um sistema que mini-

a vinculação das medidas de aten-

nanceiros muito baixos não podem

ção à saúde aos problemas sociais.

arcar com o pagamento de certos

E há o risco de que seja fortalecida

procedimentos para outros municí-

a produção de serviços, pela pres-

pios que prestam serviços a munícipes seus, principalmente os de maior complexidade. Isso gera problemas para os dois e, portanto, para a regionalização, já que muni-

UM DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA NOAS FOI A PACTUAÇÃO DOS RECURSOS NECESSÁRIOS PARA A

são dos provedores e da própria demanda. Além disso, é bastante provável que os governos se empenhem em cumprir a lei e se restrinjam aos patamares exigidos. Os municípios

cípios com melhor capacidade sa-

COMPENSAÇÃO ENTRE MUNICÍPIOS PARA A

do norte do estado do Rio de Janei-

bem que vão ter que arcar com aten-

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.

ro, por exemplo, que arrecadam

dimentos de outros municípios, e

vultosos recursos com os royalties

podem preferir optar pela não ade-

do petróleo - recursos que não são

são, já que contam também com re-

considerados no cálculo da EC 29 -,

cursos escassos.

limitam-se aos patamares da emen-

Se a realidade da maioria dos municípios é de baixa arrecadação,

mamente evite ser um mero prove-

da, embora apresentem situações de

dor de procedimentos de cura.

saúde bastante precárias (CALIL,

a restrição de recursos pode limitar

Atualmente, a mobilização ocor-

a descentralização à atenção bási-

re pela aprovação do projeto de lei

ca, já que o repasse aí é fundo a

complementar nº 01/2003 que regu-

fundo e conta com recursos agrega-

lamenta a Emenda Constitucio-nal

dos por ação complementar, quase

nº 29. O projeto já foi aprovado em

totalmente financiados por recursos

todas as comissões da Câmara dos

federais. A integralidade da atenção

Deputados, faltando apenas a vota-

fica prejudicada sem a injeção de

ção no Plenário da Casa para que

Os problemas da adesão dos en-

novos recursos, já que a rede ainda

seja encaminhado ao Senado Fede-

tes federados aos objetivos do SUS,

não é suficiente, sendo ainda depen-

ral. O projeto de lei regulamenta as

através da descentralização, encon-

dente do setor privado, cuja lógica

ações e serviços de saúde e permite

tra limites em formas tradicionais

358 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

2006).

FORMAS TRADICIONAIS DE NTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES E A APROPRIAÇÃO PERSONALISTA DOS RECURSOS

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

de intermediação de interesses, em

controle sobre elas. Essas práticas

nifica um claro avanço no processo

especial o clientelismo, assim como

podem conduzir o processo de con-

de descentralização e implementa-

no personalismo que marca as rela-

solidação do SUS a postergar inves-

ção do SUS, através de iniciativas

ções sociais no Brasil. A interseção

timentos em serviços públicos, be-

da própria gestão municipal, indo

dessas formas de intermediação com

neficiar a produção de serviços ofe-

além das diretrizes federais/estadu-

a apropriação patrimonial do esta-

recidos por prestadores da rede de

ais. Já em outros, observa-se a im-

do facilita a corrupção, na medida

relações dos gestores ou dificultar

plantação de progra-mas e experi-

em que obscurece as ações dos go-

a interação com outros governos.

ências formuladas exclusivamente

vernos. Embora os mecanismos de

O SUS gerou inúmeras inovações

no nível federal/estadual, que são

gestão e a legislação criem restri-

favoráveis a processos mais trans-

incorporadas pela gestão municipal

ções a esses fatores, são pouco efi-

parentes de gestão, mas deve-se in-

como uma maneira de injetar recur-

cientes em alterá-las como prepon-

vestigar até onde isso tem dependi-

sos externos – principalmente do

derantes nas relações entre os dife-

do da disposição dos próprios ges-

nível federal – no município (GERS-

rentes interesses existentes na are-

CHMAN, 2001). Ou seja, dada a per-

na decisória, em especial no nível

manência de inúmeros sistemas lo-

local.

cais onde as mudanças se resumem

Os estudos na área de saúde têm dado pouca atenção a esses aspectos, embora muitas das conclusões sobre a ineficiência e inefetividade das políticas sejam ao fim e ao cabo atribuídas a eles. Em especial no

OS PROBLEMAS DA ADESÃO DOS ENTES FEDERADOS AOS OBJETIVOS DO SUS, ATRAVÉS DA DESCENTRALIZAÇÃO, ENCONTRA

básica através do Programa Saúde da Família, há que se conhecer o quanto essas mudanças são resultado da descentralização por si, ou

LIMITES EM FORMAS TRADICIONAIS DE

nível local, as relações entre forne-

INTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES, EM ESPECIAL

cedores, governos, profissionais e

O CLIENTELISMO ...

prestadores de serviços são em gran-

quase à incorporação da atenção

se ocorreram onde ela foi assumida como proposta específica de governos. Em outras palavras, deve-se procurar investigar mais como es-

de medida decididas por relações

sas relações tradicionais conseguem

pessoais, envolvendo ou não corrup-

prevalecer às inovações e às inicia-

ção. No plano da prestação de ser-

tores e seu compromis-so com os

tivas de adensamento do SUS, para

viços, permanecem práticas antigas

princípios do sistema. A descentra-

que se possa tentar reduzi-las.

de favorecimento de prestadores pri-

lização através das NOBs foi respon-

vados através da relação pessoal

sável pela criação de espaços de

que, em geral, os gestores de saúde

negociação e de pactuação de inte-

guardam com os profissionais da

resse na área de saúde e contribuiu

área, ou pela própria posição que

para a emergência e fortalecimento

esses gestores têm como prestado-

de novos atores, por meio da incor-

No primeiro item já abordamos

res.

poração de inúmeros centros de po-

as questões relativas à autonomia

der na arena decisória da política

dos entes federados. Aqui cabe des-

(VIANNA et al, 2002).

tacar os problemas decorrentes de

Os Conselhos deveriam ser as instâncias de controle desses proce-

NÍVEL FEDERAL COMO INDUTOR DE POLÍTICAS

dimentos, mas muitas vezes parti-

Em alguns municípios, o tipo de

uma descentralização com forte in-

lham dessas relações ou não têm

inovação gerencial incorporada sig-

dução do nível federal. Se esta in-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

359

359

LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa

dução foi favorável à iniciativa da

tes’ e garantidos pelos incentivos’

às ações de transferência fundo a

atenção básica através do Pro-gra-

(2002, p.171). Na verdade, não há

fundo ou privilegiar ações não pri-

ma Saúde da Família, ela gerou in-

indícios de que a indução por incen-

oritárias para sua população ape-

centivos que nem sempre corres-pon-

tivos financeiros impeça a definição

nas para favorecer interesses de

diam às necessidades dos sistemas

livre dos sistemas pelos municípi-

determinados prestadores.

municipais. Já que o sucesso da es-

os. Ou seja, o problema é menos da

tratégia do Programa Saúde da Fa-

tutela na adoção de programas atra-

mília depende da integração com os

vés do financiamento e mais da fal-

outros níveis de atenção, e na medi-

ta de mecanismos que estimulem,

da em que os incentivos são dirigi-

auxiliem e induzam os municípios

dos desde o nível federal, o risco

à responsabilidade de construir seus

A descentralização trouxe uma am-

seria compro-meter a integralidade

sistemas. Segundo Vianna et al

pliação considerável da rede de ser-

do sistema.

(2002), o esforço permanente do go-

viços e a expansão da rede de aten-

ESTRUTURA DE PROVISÃO DO SETOR

O fato de os incentivos terem se

ção primária, com ampliação da

tornado uma prática constante do

oferta pública. Entretanto, a mesma

Ministério da Saúde, a partir de

expansão não é verificada nas ba-

1998, e dos municípios serem es-ti-

ses especializadas de serviços devido à ausência de investimentos pú-

Mendes (2002), um fato preocupan-

A VINCULAÇÃO DOS RECURSOS AOS PROGRAMAS INCENTIVADOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE NÃO PERMITE O

te. A vinculação dos recursos aos

REDIRECIONAMENTO PARA OUTROS FINS NA

tico, cirurgia, etc. A demanda por

programas incentiva-dos pelo Minis-

ÁREA DA SAÚDE ...

mulados a incorporar os progra-mas que lhes acrescentam receita financeira é, na opinião de Marques e

tério da Saúde não permite o redire-

blicos para a ampliação do número de leitos hospitalares, terapia intensiva, de serviços de apoio diagnósestes serviços especia-lizados é direcionada, então, ao setor privado e

cionamento para outros fins na área

para municípios de maior capacida-

da saúde, em um contexto no qual

de de oferta de serviços especializa-

os municípios enfrentam situações

dos. Para Monnerat et all (2002), o

em que falta o necessário até mes-

verno central pela indução e regu-

predomínio da oferta privada de ser-

mo para manter sua rede de unida-

lação do processo de descentraliza-

viços reduz a capacidade do gestor

de básica, quanto mais para os de-

ção pode ter pouco impacto nos in-

público de regulação de mercado, o

mais serviços de atenção à saúde.

dicadores de oferta e acesso aos ser-

que somado à ausência de uma es-

Isso seria, segundo Marques e Men-

viços, tendo em vista os agudos con-

tratégia de hierarquização em rede

des, ‘o reflexo da política tutelada

flitos de ordem federativa num con-

das bases de serviços resulta em

da descen-tralização, que ao incen-

texto de restrição fiscal e de infortu-

baixa capacidade resolutiva e inefi-

tivar a despesa em determinados

nada herança de desigualdades eco-

ciência na alocação de recursos.

progra-mas, impede que os municí-

nô-micas e sociais.

Vianna et al (2002), numa avali-

pios definam livremente sua políti-

Essa indução dirigida também

ação comparativa das capacidades

ca de saúde, introduzindo o para-

pode facilitar os mecanismos levan-

dos municípios em Gestão Plena do

doxo da existência da ‘pobreza’ em

tados no item anterior, já que os

Sistema Municipal de Saúde, de-

um quadro de recursos ‘abundan-

gestores podem se limitar à adesão

monstram que houve significativa

360 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

evolução, entre os anos de 1998 e

Mesmo no caso da regulação de pro-

regulação. Como lembram Matos e

2000, tanto no que se refere à apren-

vedores realizada pela União, os

Pompeu, um mesmo prestador pode

dizagem institucional, quanto na

poucos estudos existentes apontam

relacionar-se com os três níveis de

melhoria do padrão de provisão de

uma insuficiência estatal e uma la-

gestão do SUS sem ter contrato com

serviços com a diversificação da

cuna a ser necessariamente exerci-

nenhum deles (2003:639).

oferta. No entanto, os autores con-

da. Para Matos e Pompeu, ‘não se

A Portaria 399 do Pacto em

cluem que esse fortalecimento ins-

desenvolveu a capacidade de forma-

Defesa do SUS indica mudança ao

titucional das bases locais de orga-

lização contratual de serviços pri-

menos parcial nessa relação, ao es-

nização do SUS na Gestão Plena não

vados de saúde por parte do setor

tabelecer que cada provedor deverá

garante a equidade, em virtude de

público. ... Compra-se o que o pres-

responder a somente um gestor. Con-

ausência de relações intermunicipais

tador oferece, em detrimento de ser-

tudo, isso não garante mudança na

institucionalizadas.

viços que se coadunam com as re-

regulação desses prestadores.

É relevante o fato de que mesmo

A descentralização alcançou,

os municípios com mais autonomia

portanto, alterar a estrutura insti-

e maior conjunto de serviços espe-

tucional de muitos sistemas locais,

cializados apresentem significativas

em especial os de gestão plena, mas

dificuldades de articulação dos ser-

não alcançou alterar a forma de or-

viços de forma a ampliar a integra-

A CONSTRUÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA

lidade e racionalizar recursos eco-

CONSISTENTE DE REGULAÇÃO DO SETOR

nômicos e financeiros. Um aspecto central aí é a relação com o merca-

ganização da rede e sua otimização, pela falência dos mecanismos de

PRIVADO ADQUIRE UM CONTORNO DE MAIOR

regionalização, pelas restrições orçamentárias, que impediram uma

do de provedores de bens e servi-

COMPLEXIDADE À MEDIDA QUE O PROCESSO DE

maior ampliação das redes própri-

ços. Embora tenha se ampliado nos

DESCENTRALIZAÇÃO SE APROFUNDA.

as, e permanece dependente da lógi-

últimos anos a oferta de unidades

ca de oferta do setor privado. Essa

públicas, a rede especializada per-

dependência reduz a capacidade de

manece sendo majoritariamente pri-

regulação do gestor público, o que,

vada.

somado à ausência de hierarquiza-

Na ausência de uma estratégia consistente de regulação que possi-

ais necessidades da população’

ção, resulta em baixa capacidade

(2003: 637).

resolutiva e baixa eficiência na alo-

bilite aos entes estatais ordenar a

A construção de uma estratégia

oferta e integrá-la às políticas locais

consistente de regulação do setor

As relações entre o setor público

e regionais de saúde, a fragmenta-

privado adquire um contorno de

e o privado ao nível local precisam

ção induz à irracionalidade de gas-

maior complexidade à medida que

ser melhor investigadas e sistema-

tos, multiplicação de procedimentos,

o processo de descentralização se

tizadas. Embora sejam em linhas

aquisição indevida de bens, incor-

aprofunda. Isto porque se ampliam

gerais conhecidas, o próprio proces-

poração tecnológica inade-quada,

a divisão de competências e as res-

so de descentralização gerou novas

entre outros. A literatura sobre des-

ponsabilidades sobre os provedores,

regulamentações que demanda-

centralização da política de saúde

podendo levar a indefinições ou

mtambém dos prestadores novas

tem negligenciado este aspecto, uma

ações superpostas, em virtude da

formas de intermediação com o se-

vez que os estudos são escassos.

atual ausência de uma estratégia de

tor público. Do mesmo modo, são

cação de recursos.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

361

361

LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa

pouco conhecidas as formas de pres-

nância, pelas razões já exploradas,

sustentada de inovações nos siste-

tação de serviços, compra e venda

de um modelo assistencial curati-

mas locais de saúde.

de produtos pelo setor de insumos,

vo. A estratégia do Programa Saúde

Bodstein (2002) qualifica a ado-

equipamentos e fármacos, também

da Família é apontada como o prin-

ção do Programa Saúde da Família

totalmente controladas pelo setor

cipal mecanismo de alteração desse

como um poderoso mecanismo de

privado.

modelo. De fato, a expansão da es-

indução utilizado pelo governo fe-

Um último ponto aqui diz res-

tratégia através do Piso da Atenção

deral para priorizar a atenção bási-

peito ao problema dos recursos hu-

Básica – PAB transformou significa-

ca. Marques e Mendes (2002) acre-

manos, até hoje sem uma política

tivamente o formato de transferên-

ditam que um de seus aspectos po-

nacional implementada, e ponto des-

cia de recursos aos sistemas locais

sitivos é sua potência como meca-

considerado pelo processo de des-

e regionais, trouxe uma série de ino-

nismo de promoção da saúde e pre-

centralização. A carência, a falta de

vações importantes, não só por es-

venção de doenças. Porém, questio-

incentivo, os baixos salários e a fle-

tabelecer um simples fator de incen-

nam se o Programa está de fato al-

xibilização das formas de contrata-

terando o modelo assistencial e se

ção têm gerado baixa adesão dos

tem garantido, de forma sistemáti-

profissionais aos objetivos do SUS,

ca, o acesso de sua clientela aos

contribuindo para a baixa qualida-

níveis de maior complexidade da

de e desumanização dos serviços.

saúde, ou mesmo a desejada uni-

... O PRÓPRIO PROCESSO DE

Poucos sistemas locais e estaduais empreenderam planos de carreiras e salários para a saúde e a maioria tem privilegiado a contratação de

DESCENTRALIZAÇÃO GEROU NOVAS REGULAMENTAÇÕES QUE DEMANDAM ...

versalização da cobertura. Na verdade, o fato de o Programa Saúde da Família estar direcionado a populações pobres pode ser um fator

serviços sem concurso ou através

limitador para seu sucesso como

de cooperativas. A existência de es-

estratégia de mudança do modelo

trutura funcional sólida é pré-requi-

assistencial prevalecente, e não há

sito para a efetividade dos sistemas

ainda diretriz clara no sentido de que

sociais. Contudo, as restrições or-

ele alcance os setores médios da

çamentárias e os impedimentos da

tivo à prevenção, mas principalmen-

população, apesar de seu inequívo-

lei de responsa-bilidade fiscal têm

te por instituir um impulso para a

co potencial de expansão de cober-

impedido a formação dessa estru-

redefinição do modelo de atenção do

tura. A falta de relação com os ní-

tura.

SUS e para o desenvolvimento de

veis mais complexos de atenção,

programas inovadores (COSTA E PIN-

realidade da maioria dos municípi-

TO, 2002). Para estes mesmos auto-

os pela forma de gestão em que se

res, a nova estratégia dissociou a

inserem, pode contribuir para essa

produção do faturamento, rompen-

limitação.

FORMAS DE ENFRENTAMENTO DAS NECESSIDADES DE SAÚDE

do com a lógica de pagamento por

A entrada do Programa Saúde da

Alguns aspectos cruciais da re-

volume de produção, que perpetua-

Família nos grandes centros vem

forma sanitária foram timidamente

va a estrutura de serviços distorci-

apontar para a necessidade de que

enfrentados pelo processo de descen-

da transmitida pelo modelo anteri-

seja revista a relação da área de

tralização. Um deles é a predomi-

or e dificultava a implementação

saúde com outras áreas sociais.

362 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde

Esse é outro aspecto da reforma sa-

- a pactuação, via instâncias in-

ações e sua resolutividade. Em ou-

nitária que tem merecido pouca

tergestoras, alcançou seu limite

tras palavras, a descentralização

atenção, e que pode comprometer

com as limitações decorrentes da

privilegia níveis de governo, quan-

seu objetivo de pensar e tratar a saú-

indução através do financiamento,

do os problemas de saúde e sua so-

de como questão social. A descen-

e elas tendem a se transformar em

lução são territoriais - locais e re-

tralização, apesar de estimular prá-

burocracias técnicas com baixo im-

gionais;

ticas inovadoras em sistemas mu-

pacto na alteração do sistema, além

- as necessidades de saúde e sua

nicipais, onde há espaço efetivo

de disputarem espaço com o controle

articulação com as necessidades

para ações intersetoriais, pode , na

social;

sociais permanecem fora da agenda

verdade, haver dificultado a integra-

- os Conselhos de Saúde encon-

da descentralização. Embora no Bra-

ção entre políticas, ao induzir práti-

tram-se estagnados em sua função

sil tenhamos uma visão bastante

cas determinadas vinculadas a in-

ao interior do SUS, após o período

avançada da questão social, os sis-

centivos financeiros e não alcançar

de sua institucionalização, em es-

temas de políticas sociais, e o de

alterar o modelo centrado na pro-

saúde entre eles, têm cada vez mais

dutividade de serviços curativos. As

se voltado para políticas setoriais,

inovações nesse sentido devem ser

o que faz com que prevaleça na saú-

investigadas, já que a premência de

de um modelo assistencial curativo

um sistema integrado de proteção

de baixa resolutividade, com o ris-

social só é de fato visível no enfren-

... SUPÕE-SE QUE O MODELO DE

tamento da questão social ao nível

DESCENTRALIZAÇÃO ADOTADO ATÉ ENTÃO

local.

co de termos, em breve, estacionados os indicadores básicos de saúde, quando o impacto da estratégia

ESTEJA ESGOTADO ...

de extensão de cobertura via Programa Saúde da Família tiver se esgo-

CONSIDERAÇÕES FINAIS

tado; - as possibilidades de expansão

Procurou-se aqui, mais do que

do sistema esbarram nas restrições

apontar de novo os avanços conhe-

financeiras do modelo econômico

cidos do processo de descentraliza-

pecial por terem sido tratados como

ção, indicar alguns possíveis pon-

vigente, não havendo mais espaço

mecanismos acessórios, e não como

para o modelo, até aqui bem suce-

tos de estrangulamento. Como dito,

centrais no processo de consolida-

dido, de definição de critérios de dis-

supõe-se que o modelo de descen-

ção do SUS;

tribuição de recursos escassos.

tralização adotado até então esteja

- a interdependência entre níveis

Todos os aspectos levantados

esgotado, em especial pelos seguin-

de governo, base na constituição de

merecem ser aprofundados também

tes aspectos:

um sistema nacional e único, esbar-

sob a perspectiva do federalismo

- a indução, via incentivos finan-

ra nos limites municipais e estadu-

brasileiro. Estudo de Stepan (1999)

ceiros, ao mesmo tempo em que fere

ais, que são preservados pelo finan-

demonstra que o Brasil estaria no

a autonomia local, limita a respon-

ciamento induzido, impedindo prá-

limite do continuum entre federalis-

sabilização sobre a condução pró-

ticas de gestão regional fundamen-

mos que estimulam ou restringem

pria dos sistemas de saúde e a possi-

tais para a expansão da universali-

a participação do conjunto dos ci-

bilidade de inovações significativas;

zação, para a integralidade das

dadãos da pólis, situando-se no pólo

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

363

363

LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa

de maior restrição (most demos-

cial. Um balanço da década de 1990.

democracia: federações que restrin-

constraining) e, no seu entender, as

Ciência e saúde coletiva, Rio de Ja-

gem ou ampliam o poder do Demos.

instituições federativas são funda-

neiro, v. 6, n. 2, .p. 417. 2001.

Dados, vol. 42, no 2, Rio de Janeiro,

mentais para a conformação das

1999.

políticas públicas. A descentraliza-

MARQUES, R. M.; MENDES, A. A

ção encontra limites nessa estrutu-

política de incentivos do Ministério

VIANNA et al. Mudanças Significa-

ra federativa; contudo, esse aspecto

da Saúde para a atenção básica: uma

tivas no Processo de Descentraliza-

tem sido tratado como secundário

ameaça à autonomia dos gestores

ção do Sistema de Saúde no Brasil.

pelas

municipais e ao princípio da inte-

Cadernos de Saúde Pública, v. 18,

gralidade? Cad. Saúde Pública, Rio

supl, p. 139-151. 2002

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G E R S C H M A N , S .

STEPAN, A. Para uma nova análise

Municipalização e inovação geren-

comparativa do federalismo e da

364 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005

A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde1 The current situation and prospects of universal health systems

Hans-Ulrich Deppe2

Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007

RESUMO Há alguns anos, os diferentes sistemas universais de saúde estão sob grande pressão do modelo econômico neoliberal. A competição global, desregulamentação, privatização e comercialização têm fortes impactos na maioria dos sistemas de saúde públicos sem fins de lucro. A questão é se os sistemas universais podem resistir e/ou se adaptar a esta pressão, ou se têm que mudar estruturalmente.

PALAVRAS-CHAVE: Sistemas Universais de Saúde; Globalização e Saúde; Saúde Pública e Mercado.

ABSTRACT For some years the various universal health care systems have suffered great pressure from the neoliberal economic model. Global competition, deregulation, privatization and commercialization have had a strong impact on most the public health systems without profitable ends. The question is whether the universal systems can bear and/or adapt to such pressure, or whether they need to undergo structural changes. Professor de Sociologia Médica e Medicina Social, com doutorado no exterior; J.W. Goethe-Universidade de Frankfurt /Alemanha. Email:[email protected] 2

KEYWORDS: Universal Health Systems; Globalization and Health; Public Health Care and the Market. Conferência proferida no 11º Congresso Mundial de Saúde Pública, 21-25 de agosto, 2006, Rio de Janeiro. Tradução de Heliete Vaitsman. 1

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005

365

DEPPE, Hans-Ulrich

1. Ao falarmos sobre a situação

Essas condições associam-se com

forma irresponsável. A pobreza au-

atual dos sistemas universais de saú-

freqüência à privatização da propri-

mentou em muitas partes do mundo.

de, devemos falar sobre a situação

edade pública. (Em fevereiro,

Isso também se aplica à presta-

atual das sociedades em que se inse-

estive na Turquia, onde soube

ção de serviços de saúde, um setor

que o governo turco recebeu do

social que é, em geral, controlado e

Banco Mundial e do FMI um cré-

subsidiado pelo Estado. A dissemina-

dito de 10 bilhões de dólares,

ção e a aplicação irrefletida e descon-

com a obrigação de privatizar as

trolada de leis e instrumentos econô-

1.600 policlínicas públicas do

micos a circunstâncias e problemas

país e sua previdência social

não econômicos é descrita como “eco-

pública.) O mercado e a compe-

nomização”. Sob as condições espe-

tição regulamentarão cada vez

cíficas do modelo econômico neolibe-

mais as relações sociais, com

ral ora dominante, trata-se de uma

rem os sistemas de saúde. Hoje, praticamente todos os países enfrentam processos de globalização, desregulamentação e privatização – de diferentes intensidades e em níveis distintos. Isso é o que chamamos de ‘onda neoliberal’! O setor público – em especial o da universalização da saúde – se vê muito confrontado, em

comercialização. Neste contexto, acre-

cada país, com essas novas circuns-

dito ser útil acentuar que o neolibera-

tâncias.

lismo é apenas um modelo – uma

Globalização – a expansão inter-

construção – e não uma condição fí-

nacional da acumulação de capital –

sica. A pessoa ideal que participa des-

A QUESTÃO SOCIAL É

se processo neoliberal é reduzida a

Nas duas últimas décadas, o proces-

MARGINALIZADA NA AGENDA POLÍTICA

naturalmente egoísta que maximiza

so de acumulação de capital ganhou

E NEGLIGENCIADA DE FORMA

um impulso importante no mundo

IRRESPONSÁVEL

é um conceito amorfo. Alguns autores falam de um novo imperialismo.

inteiro devido ao colapso dos Esta-

globalização é o capital financeiro – apoiado por instituições financeiras globais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comér-

constitui uma crítica geral à economia, mas a negação de sua onipotênuma influência excessiva dos princí-

das forças produtivas, impulsionado área mais agressiva no processo de

seus próprios benefícios. Isso não

cia. Não se trata apenas de apontar

dos socialistas e ao desenvolvimento pela tecnologia microeletrônica. A

um homo economicus, um indivíduo

pios econômicos, porém de verificar uma visão baseada em c a t e g o -

se as ferramentas implementadas são

r i a s d a gestão empresarial pe-

apropriadas às circunstâncias. Sob as

netrando e ordenando todos os

exigências hegemônicas do capital,

nichos sociais. Como o principal

dos mercados e da competição, a so-

objetivo da gestão empresarial é ob-

ciedade é reduzida a uma mera soci-

ter lucros, uma de suas conseqüênci-

edade de mercado. Portanto, é uma

as é o crescimento da instabilidade e

questão importante saber que mode-

cio. Este setor determina, entretanto,

da polarização social em escala mun-

lo econômico específico forma a base

como serão estruturados e como de-

dial – não apenas entre os países ri-

da estrutura de poder criada pelo de-

vem agir os outros setores da socie-

cos e os em desenvolvimento, mas

senvolvimento histórico. A atual cir-

dade, para que utilizem como instru-

também no interior dos países ricos.

cunstância levantou questões funda-

mentos essenciais créditos financeiros

A questão social é marginalizada na

mentais a respeito das estruturas bá-

com condições especiais.

agenda política e negligenciada de

sicas dos sistemas de saúde e, tam-

366 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005

A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde

bém, a respeito das adaptações tec-

dinheiro, mais do que jamais houve,

de política de saúde está mudando.

nocráticas de tais estruturas às situ-

sobretudo nos países ricos, por outro

Ele muda da compensação tradicio-

ações nacionais. Preocupam-nos, fun-

lado não há dinheiro suficiente para

nal de um risco social, que tem raí-

damentalmente, o desenvolvimento e

as necessidades básicas da atenção à

zes nacionais e recebe financiamento

a renovação da relação entre saúde,

saúde. Trata-se, sobretudo, de uma

coletivo, para um fator de respaldo à

medicina e sociedade.

questão de distribuição e devemos

acumulação de capital privado glo-

Os sistemas de atenção à saúde

reconhecer – mesmo na ciência – que

bal. A solidariedade na atenção à saú-

não são construções sociais isoladas.

esta é uma questão de decisão social

de é solapada por interesses indivi-

Têm raízes profundas na estrutura, na

e poder político. Quase todos os siste-

duais. É um processo de reindividua-

cultura e na história de suas socieda-

mas de saúde são considerados ‘ca-

lização e comercialização.

des. São uma precondição para a paz

ros demais’. Foi disseminado o mito

Sabemos, todavia, que os países

social no interior de sociedades con-

da ‘explosão de custos’. Os custos

que mais avançaram na transforma-

traditórias. Em oposição à globaliza-

para a saúde são vistos unicamente

ção neoliberal de seus sistemas de

ção crescente do capital, os sistemas

saúde não são necessariamente os

de saúde têm vínculos sólidos com

‘melhores’. Os Estados Unidos – onde

os Estados nacionais. A transforma-

se desenvolveu o modelo neoliberal –

ção desses sistemas envolve mais do

são o exemplo preferencial, mas não

que meras transformações tecnológi-

único, desta regra. Os EUA têm os

cas. A transformação estrutural dos sistemas de saúde sempre é o resultado de lutas sociais e políticas – especialmente nas crises sociais e polí-

O SISTEMA DE SAÚDE É O ESPELHO DA SOCIEDADE, REFLETINDO SUA HISTÓRIA E SEU CARÁTER

gastos mais elevados em saúde, em comparação com o Produto Interno Bruto e a renda per capita, e seus custos de administração são extrema-

ticas. Isso significa que é preciso en-

mente elevados. A tecnologia médica

trar numa disputa por um sistema de

é bastante avançada, porém isso não

atenção à saúde especial. Em muitas

se reflete nos indicadores de saúde.

partes do mundo, os sistemas de saú-

Além disso, a disseminação da pobre-

de passaram por mudanças estrutu-

za social nos EUA aumenta a iniqüi-

rais após revoluções e guerras, a der-

como uma carga para o desenvolvi-

dade social da prestação de serviços

rota de ditaduras fascistas e milita-

mento econômico – à medida que são

de saúde. Lá, cerca de 43 milhões de

res ou o colapso dos países socialis-

uma questão relevante para a posi-

pessoas não têm cobertura do siste-

tas. A disputa pelo sistema de saúde

ção do capital na competição econô-

ma de saúde; um número ainda mai-

não é uma ação isolada, mas uma

mica global. Atualmente, a política de

or tem cobertura insuficiente pelos

luta permanente. O sistema de saúde

saúde é bastante pressionada a obter

seguros de saúde; e, enquanto isso,

é o espelho da sociedade, refletindo

recursos financeiros adicionais. A si-

continua a crescer o total de pessoas

sua história e seu caráter.

tuação mais comum é que os custos

sem qualquer seguro e com cobertu-

Há, na atualidade, uma preocu-

da atenção à saúde sejam cortados. A

ra insuficiente.

pação com os custos ascendentes de

economização dos temas sociais e

todos os sistemas de saúde. É incrí-

médicos chegou nesse meio tempo ao

2. Neste cenário, são necessários

vel: se por um lado há na Terra tanto

limite da autodestruição. O conceito

alguns esclarecimentos e comentári-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005

367

DEPPE, Hans-Ulrich

os acerca dos sistemas de atenção

existe sistema de saúde no mundo que

doença, ou o tipo de tratamento ade-

universal à saúde.

seja organizado exclusivamente com

quado a ela. À doença não correspon-

A atenção universal à saúde ca-

base em princípios mercadológicos.

de a regulamentação individual iso-

racteriza um sistema de saúde em que

Isso se deve, entre outras, às seguin-

lada, já que ela é um risco de vida

todos os residentes de determinado

tes peculiaridades:

coletivo.

país têm acesso a cuidados de saúde,

• A saúde é um bem existencial.

• A soberania do consumidor do

independentemente da condição mé-

É um valor de uso, que em nossas

dica que apresentem. Neste caso, a

sociedades é coletivo e público (simi-

• O paciente que procura trata-

medicina é orientada para a necessi-

lar ao ar, à água potável, à educa-

mento é confrontado com o monopó-

dade – aquilo que é necessário do

ção, à segurança no trânsito e à se-

lio do saber médico, o que gera o do-

ponto de vista médico. A maioria dos

gurança jurídica). A atenção à saúde

mínio da oferta.

sistemas universais de saúde é finan-

é uma necessidade social. E a orga-

• A procura do paciente por as-

ciada principalmente pelas arrecada-

nização social da atenção à saúde

sistência médica é, fundamentalmen-

sistema de saúde é muito limitada.

ções tributárias, a exemplo da Dina-

te, não específica. É a competência de

marca, Suécia e Canadá. Se os siste-

um especialista que primeiro define e

mas universais de saúde são financi-

especifica a procura. Há uma diferença essencial entre a competência e a

política fiscal nacional e a quem ela

A ATENÇÃO À SAÚDE É UMA NECESSIDADE SOCIAL. E A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA ATENÇÃO

favorece ou discrimina. Devemos ob-

À SAÚDE DEVE SER ORIENTADA PARA ESSA

grande poder discricional na determi-

servar se essa política baseia-se em

NECESSIDADE - NÃO PARA OUTROS OBJETIVOS

nação de indicações, bem como de

palda privilégios. Outros países, como

E INTERESSES DETERMINADOS PELO MERCADO

Podemos imaginar o que significa

a Alemanha, a França e o Japão têm

E POR LUCROS

ados sobretudo por impostos, devemos observar qual é a estrutura da

princípios de solidariedade ou se res-

informação do médico e do paciente. Os profissionais médicos têm um

medidas diagnósticas e terapêuticas. médicos serem empresários ou trabalharem cumprindo esse papel.

um sistema de saúde universal em que a atenção à saúde é financiada

• E, por último, mas não menos

por contribuições privadas e públicas.

importante: o paciente se encontra

Os sistemas universais variam no to-

deve ser orientada para essa necessi-

numa posição vulnerável de incerte-

cante à cobertura dos serviços, que

dade – não para outros objetivos e in-

za, fraqueza, dependência e necessi-

pode ser completa, parcial ou inexis-

teresses determinados pelo mercado

dade, não raro associada ao medo e

tente.

e por lucros.

à vergonha.

• O indivíduo não pode decidir

Essa breve descrição da relação

3. Com base em tais considerações

renunciar à doença – como pode fa-

entre mercado e paciente demonstra

e fatos, é importante repensar alguns

zer em relação aos bens de consumo.

que a proteção pública é necessária.

princípios básicos de como a socie-

• O paciente não sabe quando e

Tudo indica que os mecanismos da

por que ficará doente, nem sabe que

oferta e procura não se aplicam à pres-

Saúde ou doença não podem ado-

doença o acometerá no futuro. O pa-

tação dos serviços de saúde. O siste-

tar totalmente o caráter de produto.

ciente não tem a capacidade de deter-

ma de atenção à saúde é, por conse-

Nossas pesquisas mostram que não

minar a duração e o momento de sua

guinte, um exemplo da teoria do fra-

dade lida com a doença e a saúde.

368 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005

A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde

casso do mercado em economia. As

de maneira sarcástica, porém argu-

Qual é, com base em pesquisas

competências distributivas do merca-

ta, de acordo com a perspectiva mi-

teóricas e empíricas, minha mensa-

do são, neste caso, insuficientes. O

croeconômica e de racionalidade da

gem?

mercado é uma força cega sem orien-

gestão empresarial, serviços de saú-

Esse conjunto de problemas leva

tação e é preciso dar-lhe direções e

de ineficazes ou até mesmo causado-

à conclusão de que uma sociedade

objetivos. O Estado, representação

res de riscos podem produzir os mes-

deve ter setores protegidos, orienta-

democrática da sociedade, tem, des-

mos lucros que serviços eficazes e

dos para o bem-estar comum, que não

se modo, responsabilidades importan-

úteis.

podem ser confiados à força cega do mercado nem ao poder desregulamen-

tes, devendo ser políticas as decisões 5. Na atualidade, os Sistemas Uni-

tador da competição. Acredito profun-

versais de Atenção à Saúde sofrem

damente que há em nossas socieda-

4. No âmbito dos modelos econô-

enorme pressão. Em quase todas as

des setores relevantes que não devem

micos atuais, há diferenças entre a

áreas do sistema de saúde, busca-se

ser privatizados nem comercializados,

sobre os rumos a tomar.

racionalidade microeconômica e a

pois isso irá contrariar e destruir os

racionalidade macroeconômica. O que

valores humanos e sociais dessas

mais interessa aos negócios não é

mesmas sociedades. Devemos respei-

necessariamente o que melhor atende

tar e manter áreas em que a comuni-

à economia como um todo. Com efeito, os interesses das duas dimensões costumam ser contraditórios, o que se mostra especialmente em casos como a proteção ambiental ou a indústria atômica. A atual expansão da

cação e a cooperação não sejam co-

O LUCRO ECONÔMICO TENDE A SUPRIMIR A NECESSIDADE MÉDICA, QUE DEVERIA SER O PRINCIPAL CRITÉRIO PARA O TRABALHO DOS MÉDICOS

mercializadas e os serviços não tenham caráter de produto. Tais setores protegidos relacionamse à maneira de tratar os grupos vulneráveis (crianças, idosos, pacientes

racionalidade microeconômica traz

psiquiátricos, etc.), e a objetivos so-

consigo, com freqüência, um enorme

ciais vulneráveis, tais como solidari-

desperdício de recursos da socieda-

edade e eqüidade, ou a estruturas de

de. A empresa singular evita os cus-

comunicação vulneráveis – em espe-

tos sociais associados, até que a so-

com grande afã a possibilidade de

cial aquelas com base em confiança,

ciedade intervém nos aspectos macro-

aplicação de esquemas mercadológi-

como a relação médico-paciente. Es-

econômicos, sociais ou ecológicos.

cos auto-reguladores, competição eco-

ses setores sociais protegidos consti-

Pode-se observar esse fenômeno até

nômica e marcos microeconômicos.

tuem, sem dúvida, o alicerce de um

mesmo no sistema de atenção à saú-

Assim, o lucro econômico tende a

modelo social humano. Tal qualida-

de. Por exemplo, a transferência de

suprimir a necessidade médica, que

de deve ser aceita e conquistar de novo

custos do setor ambulatorial para o

deveria ser o principal critério para o

a hegemonia na sociedade civil. A

hospitalar pode ser vantajosa para

trabalho dos médicos. Trata-se de uma

quantidade, a magnitude e a exten-

determinada instituição, embora seja

mudança do tradicional paradigma

são de tal rede de segurança voltada

mais dispendiosa se analisada de

médico, que passa da atenção a uma

para o bem-estar dependem das for-

uma perspectiva mais ampla. Como

necessidade para atenção como cam-

ças vivas das organizações políticas

observam os economistas da saúde,

po de acumulação de capital.

e movimentos sociais de massa que

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005

369

DEPPE, Hans-Ulrich

articulam a disposição e a consciência da população. De maneira nenhuma os campos da doença e da saúde são fenômenos periféricos ou marginais à sociedade. Com efeito, o direito à saúde é um direito humano. Às vezes, a instrumentalização cínica de valores sociais básicos por interesses privados disfarçados conduz à errônea suposição de que o desrespeito aos direitos humanos é o que lhes dá significado. Acredito, contudo, que não se devem comercializar os direitos humanos; eles não se prestam a ser objeto de marketing, sob pena de ter seu significado destruído. E isso vale para a saúde em geral – o que se formula como palavra de ordem política e científica: Saúde não é mercadoria! Saúde não está à venda!

370 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005

Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações From state reform to the reform of federal hospital administration: some considerations

Lenir Santos1

RESUMO O presente trabalho tece considerações a respeito da Reforma Administrativa do Estado inconclusa a partir da EC19/98. Estuda dois institutos

Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007

ali previstos que são: a possibilidade de o Estado criar fundações públicas de direito privado a partir de uma autorização legislativa – art. 37, XIX, e o contrato de autonomia previsto no art. 37, § 8º da CF. Propõe-se, ainda, criar um regime administrativo para essas fundações que permita maior agilidade e resultados qualitativos, além de estabelecer um liame com os hospitais públicos que poderiam, de maneira mais consentânea com o bem protegido que é a vida humana, serem mais efetivos e eficientes ao adotarem esse modelo jurídico fundacional. PALAVRAS-CHAVE: Saúde pública; administração pública; fundação estatal.

ABSTRACT This paper offers some considerations regarding the unfinished State Administration Reform based on EC19/98. It studies two institutes set forth therein, which are: the possibility of the State creating public foundations under civil law based on legislative authorization - art. 37, XIX, and the contract of autonomy set forth in art. 37, § 8º of the Federal Constitution. A proposal is also made for the creation of an administrative regime for these foundations that allow greater agility and qualitative Advogada, especialista em direito sani-

results, besides establishing a connection with the public hospitals that

tário Membro do Instituto de Direito Sani-

could, in a manner that is more coherent with protecting human life, be

tário Aplicado – IDISA

more effective and efficient by adopting this legal model as a basis.

1

www.idisa.org.br E-mail: [email protected]

KEYWORDS: Public health; public administration; state foundations.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005

371

SANTOS, Lenir

INTRODUÇÃO

do pela inovação tecnológica e práticas empreendedoras.

A consagração do direito à saú-

A administração pública tem

de na Carta Constitucional de 1988

baixa capacidade operacional, fra-

foi uma conquista da sociedade bra-

co poder decisório, controles essen-

sileira no campo dos direitos soci-

cialmente formais e sem qualidade

ais, tendo sido o resultado da luta

e influências políticas externas. As-

A CRISE DO ESTADO E A SUA REFORMA

pacitar profissionais para gerir a

moderna e humana; esses serviços,

complexidade de um sistema hos-

muitas vezes, tem alto custo e bai-

É importante lembrar que a crise do Estado e a necessidade de sua reforma surgiram, na realidade, nos anos 80, nos países centrais. Foi a crise do Estado-Providência ou do Estado de Bem-Estar Social. Era necessário diminuir custos sociais (porque nesses países o Estado sempre investiu muito em serviços públicos de saúde, educação, habitação etc.), combater a ineficiência pública e os excessos e rever o tamanho do Estado. No Brasil, a crise do Estado surgiu nos anos 90 e não foi a do Estado-Providência, porque ele nunca chegou a existir. O próprio direito à saúde, bem como a garantia de outros direitos sociais, são conquistas mais recentes, datada de 1988, com a Constituição-cidadã. A crise do Estado no nosso país foi muito mais uma crise de gestão e de qualidade, sem se esquecer que o Estado nunca deixou de tentar minimizar os custos da Constituição de 88 com os direitos sociais, muitos deles de caráter universal e gratuito, oneroso, pois, para os cofres públicos. A intenção de enxugar o tamanho do Estado sempre esteve presente, e se iniciaria com a transferência dos serviços não exclusivos, como saúde, educação, cultu-

pitalar que está fortemente marca-

xo resultado.

ra, para entidades privadas1.

empreendida pelos ideólogos da Reforma Sanitária durante muitos anos antes. O direito à saúde, como direito público subjetivo, implica na garantia pelo Estado da adoção de políticas públicas que evitem o risco de

sim, a finalidade da administração passou a ser os meios e seus processos e não os fins. Tal contexto se reflete na gestão hospitalar pública dificultando uma política de incorporação tecnológica, informati-

agravo à saúde, devendo ser consideradas, nesse contexto, todas as condicionantes da saúde, como meio ambiente saudável, renda, trabalho, saneamento, alimentação, educação bem como a garantia de ações e serviços de saúde que promovam, protejam e recuperem a

NA MAIORIA DOS HOSPITAIS PÚBLICOS FALTA GESTÃO CAPAZ, EFICIENTE, MODERNA E HUMANA; ESSES SERVIÇOS, MUITAS VEZES, TEM ALTO CUSTO E BAIXO RESULTADO

saúde individual e coletiva. Para a garantia dessas ações e serviços temos o Sistema Único de Saúde. Dentre os serviços que incumbem aos órgãos e entidades que compõem o Sistema Único de Saúde es-

zação, modernização administrati-

tão os serviços hospitalares, hoje,

va e gestão de recursos humanos

um dos problemas do sistema público de saúde, principalmente no que se refere a sua gestão que não se modernizou nem conseguiu ca-

comprometidos com o serviço público. Na maioria dos hospitais públicos falta gestão capaz, eficiente,

Pregava-se nos anos 90, a transferência para o setor público não estatal dos serviços não exclusivos do Estado, transformando entes públicos em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, com autorização para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo. Propunha-se uma diminuição do tamanho do Estado, com o fim de provê-lo de maior eficiência e como as organizações sociais seriam diversas geraria entre elas saudável competição (Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado).

1

372 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005

Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações

Contudo, a Reforma Bresseriana

de servidor no serviço público.Na

aprimoramento da eficiência, eficá-

dos anos 902 visou muito mais le-

maioria das vezes, infelizmente,

cia e efetividade, em consonância

var para o Terceiro Setor, sob regu-

somente as entidades e órgãos pú-

com o previsto no Plano Diretor da

lação estatal, a realização de servi-

blicos que atuaram com entidades

Reforma do Estado”(BRASIL,

ços públicos, ao invés de introdu-

paralelas conseguiram manter qua-

2005b). Essas medidas tinham por

zir modernos processos de gestão

lidade nesses serviços3. Foi a era das

objetivo adequar o Poder Público ao

no interior da administração públi-

fundações de apoio, das cooperati-

acordo que seria firmado com o

ca, eivada de problemas já identifi-

vas de trabalhadores, das terceiri-

Fundo Monetário Internacional –

cáveis, como excesso de controles,

zações ilegais etc.; o próprio TCU,

FMI (ajuste fiscal 5.7.99). A medida

ineficiência, limitados resultados e,

no recente Relatório - Acórdão 1193/

mais importante, no que diz respei-

ainda, inadequada gestão de recur-

2006-Plenário reconheceu que o

to à saúde pública, foi a redução

sos humanos, baixos salários,

imobilismo e as amarras da admi-

do gasto com a folha salarial de

amarras burocráticas desqualifica-

nistração pública empurrou o ges-

todo o funcionalismo, fator que con-

das, não capacitação de servidores

tribuiu para a baixa expressiva no

e fraco engajamento com a quali-

quantitativo de profissionais da

dade dos serviços executados.

...A REFORMA BRESSERIANA DOS ANOS 90 VISOU MUITO MAIS LEVAR PARA O TERCEIRO SETOR, SOB REGULAÇÃO ESTATAL, A REALIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, AO INVÉS

área da saúde nos hospitais públi-

assegurasse os mínimos direitos

DE INTRODUZIR MODERNOS PROCESSOS DE

los Estados; o descalabro de con-

capazes de garantir a sobrevivên-

GESTÃO NO INTERIOR DA ADMINISTRAÇÃO

tratações de consultores por orga-

PÚBLICA...

administração pública federal, em

Não se pensou em reestruturar o Estado, com bem assevera Adriana da Costa Ricardo Shier, com a intenção de adequá-lo, tornando-o uma “instituição que efetivamente

cia digna dos cidadãos; ao invés, preferiu-se, mais uma vez na histo-

cos federais, situados no Município do Rio de Janeiro”. (BRASIL, 2005b). O Governo FHC arrochou os salários dos servidores públicos federais, no que foi acompanhado pe-

nismos internacionais para atuar na

ria, conceder tal tarefa ao merca-

funções, desde as mais singelas às

do, à iniciativa privada. Optou-se

de maior complexidade, com pro-

pela diminuição do Estado em re-

tor público para aliar-se a mecanis-

fissionais com mais de 10 anos atu-

lação ao atendimento de demandas

mos externos ao Estado para viabi-

ando mediante contrato de consul-

sociais.”(SHIER, 2002 , p. 136)

lizar-se: “13. Exposto este quadro,

toria (que levou o Ministério Públi-

Isso tudo levou a administração

percebe-se que há exaustão do mo-

co a realizar Termo de Ajuste de

pública a buscar mecanismos pa-

delo jurídico adotado para essas

Conduta com o governo federal para

ralelos ao Estado para se safar da

unidades, situadas na órbita da

a realização de concurso público),

imobilidade burocrática, dos baixos

Administração Direta, que impossi-

tudo isso reforçou os desvios já exis-

salários e da retração de ingresso

bilita a adoção de mecanismos de

tentes na administração pública e

Em 1995, foi lançado pelo Ministro Bresser Pereira, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o qual, buscou, na realidade, criar figuras novas no Terceiro Setor, as quais deveriam se transformar em espaço público não estatal. Foram criadas pelas Leis ns. 9637/98 e 9790/99 as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ao lado das Agencias Executivas. 2

3 A que preço essas entidades paralelas ajudaram a gerir o serviço público de maneira mais eficaz? Estamos em plena crise da Fundação Zerbini, tida como modelo de eficiência, modelo de gestão ao custo de uma dívida de mais de R$250 milhões de reais, conforme veiculado pela imprensa nesses últimos meses (VERBA, 2006).

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SANTOS, Lenir

ocasionou uma paralisia na moder-

ções essencialmente não exclusivas

implementadas e que serão objeto

nização do serviço público, com

(SANTOS, 1998).

deste trabalho. Visava a EC 19

graves conseqüências para a população usuária.

amortecer o endurecimento da adConcluindo, a Reforma do Esta-

ministração pública.

Não podemos negar que a Re-

do do final dos anos 90 somente

forma do Estado nos dias de hoje

cuidou de retirar do Estado ativi-

não poderá deixar de considerar o

dades consideradas não exclusivas

Terceiro Setor como um espaço de

e transpassá-las para o Terceiro Se-

interesse público fora do Estado,

tor, principalmente as da área da

complementar ao Estado, mas não

saúde, sem, contudo, trazer para si

A Reforma Administrativa – EC

substitutivo dele. Mas não podemos

a discussão de uma reforma admi-

19/98 – trouxe, dentre outras, al-

nos esquecer que também o Tercei-

nistrativa que desse conta de me-

gumas inovações, como: a) térmi-

A REFORMA ADMINISTRATIVA DA EC 19/98

ro Setor, na saúde, tem suas maze-

no do regime jurídico único, possi-

las, falta de eficiência, qualidade,

bilitando à administração a escolha

modernização, precisando, também,

do regime da CLT e não apenas o

se qualificar. Boaventura Souza Santos repor4

ta a esse tema ao afirmar que a substituição e a complementaridade entre o Terceiro Setor e o Estado, quando se funda na discussão entre as funções do Estado exclusivas e as não exclusivas, devendo o Es-

...A REFORMA DO ESTADO DO FINAL DOS ANOS 90 SOMENTE CUIDOU DE RETIRAR DO ESTADO ATIVIDADES CONSIDERADAS NÃO EXCLUSIVAS E TRANSPASSÁ-LAS PARA O TERCEIRO SETOR, PRINCIPALMENTE AS DA ÁREA DA SAÚDE...

estatutário; b) garantia de estabilidade apenas aos servidores detentores de cargo público efetivo provido por meio de concurso; c) garantia de os órgãos e entes da administração pública, direta e indireta, gozarem de maior autonomia gerencial, orçamentária e financei-

tado ser substituído em tudo aqui-

ra mediante contrato firmado entre

lo que não for de sua exclusividade é altamente problemática, principal-

lhorar o emperramento da máqui-

mente pelo fato de que

na pública, com alargamento dos horizontes de sua gestão.

os administradores e o poder público; d) criação de fundação governamental de direito privado, mediante autorização legislativa.

(...)nenhuma das funções do Esta-

Não obstante a pouca atenção

do foi originalmente exclusiva dele; a

aos melhoramentos internos da ad-

Vamos nos deter apenas ‘no con-

exclusividade do exercício de funções

ministração pública, a EC 19/98 –

trato de autonomia’, mencionado no

foi sempre o resultado da luta política.

Reforma Administrativa - introdu-

§ 8º do art. 37 e na ‘fundação go-

Não havendo funções essencialmente

ziu algumas inovações no Texto

vernamental de direito privado’, pre-

exclusivas não há, por implicação, fun-

Constitucional, as quais não foram

vista no inciso XIX do art. 37 da CF,

4 A Reinvenção Solidária e Participativa do Estado – Boaventura Souza Santos – artigo publicado pelo Seminário Internacional Sociedade e a Reforma do Estado. (SANTOS, 1998).

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Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações

denominada doravante de ‘fundação

Entretanto, o contrato de gestão

da Fundação das Pioneiras Sociais,

estatal’5, instrumentos que podem

tem sido um instrumento muito mais

o do Grupo Hospitalar Conceição,

modernizar a gestão da saúde.

de controle das organizações soci-

cuidam tão somente da fixação de

ais ou de fixação de responsabili-

metas, avaliação de desempenho e

dades e metas públicas do que de

outros compromissos, sem flexibi-

expansão da autonomia dos entes e

lização da gestão.

DO CONTRATO DE AUTONOMIA

órgãos públicos.

Nos últimos anos a administra-

O contrato de gestão não amplia

O contrato do § 8º do art. 37 tem

a autonomia, mas sim, especifica

por objeto o ‘alargamento da auto-

metas e responsabilidades, critéri-

nomia’ como meio para se alcan-

os de avaliação do ente público ou

ção pública vem abrindo espaço

çar a melhoria da gestão de órgão

privado, sem, contudo, conferir

para “atuações administrativas ins-

ou ente público e fixação clara de

maior autonomia gerencial, finan-

trumentalizadas por técnicas contra-

responsabilidades do administrador

ceira ou patrimonial, muitas vezes,

tuais, decorrentes de consenso, acor-

essenciais para a obtenção de resul-

do, cooperação, parcerias firmados

tados qualitativos na prestação de

entre a Administração e particulares ou entre órgãos públicos e entidades estatais” (MEDAUAR, 2005). Tanto que o contrato de gestão – que surgiu nos anos 90, no Governo Collor, pelo Decreto 137/916 – tem sido amplamente utilizado no âmbito da administração pública nas

O CONTRATO DE GESTÃO NÃO AMPLIA A AUTONOMIA, MAS SIM, ESPECIFICA METAS E RESPONSABILIDADES, CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO ENTE PÚBLICO OU PRIVADO, SEM, CONTUDO, CONFERIR MAIOR AUTONOMIA GERENCIAL, FINANCEIRA OU PATRIMONIAL...

relações que mantém com as Orga-

serviços públicos. O § 8º do art. 37 da CF que reza que mediante contrato a ser firmado entre o Poder Público e seus administradores poderão ser ampliadas as autonomias gerencial, orçamentária e financeira de entidades e órgãos da administração direta e indireta, devendo a lei definir o prazo de duração do contrato; os con-

nizações Sociais, com o Serviço

troles e critérios de avaliação de

Social Autônomo, com as agências

desempenho, direitos, obrigações e

reguladoras, agências executivas e

público; já o contrato de gestão uti-

responsabilidades de seus dirigen-

com empresas estatais.

lizado pela administração, como o

tes e remuneração de pessoal.

7

Em abril de 2005, a pedido de dirigentes do Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, ente federal, realizei estudos para transformar aquelas entidades em fundação governamental de direito privado. Em outubro do mesmo ano, apresentei o resultado dos estudos numa oficina de trabalho organizada pelo Ministério do Planejamento, Projeto EuroBrasil 2006, Secretaria de Gestão, para discutir novas formas de gestão hospitalar. A partir daí, tanto o Ministério do Planejamento quanto o Ministério da Saúde decidiram aprofundar os estudos sobre o modelo de Fundação Governamental de direito privado (Fundação Estatal) proposta por mim para o Grupo Hospitalar Conceição, criando grupos de trabalho. Também venho participando, informalmente, como colaboradora, do grupo de trabalho do Ministério do Planejamento, Secretaria de Gestão, composto por Sábado Girard e Valéria Alpino Bigonha Salgado.

5

O Decreto 137/91 definia o contrato de gestão como “instrumento do Programa de Gestão das Empresas Estatais – PGE, no qual se estipulam compromissos reciprocamente assumidos entre a União e a Empresa”. Esse contrato objetivava o aumento da eficiência e competitividade das empresas estatais. 6

Abrindo um parêntese, as Agências executivas, criadas pelo art. 51 e 52 da Lei 9.649/98 são autarquias e fundações públicas que podem, por decreto do Presidente da República, ser qualificadas como agência executiva desde que tenham plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional e celebre contrato de gestão com o Ministério supervisor, gozando, assim, de maior autonomia. Entretanto, nenhum decreto pode ultrapassar os limites da lei que criou o ente qualificado como agencia executiva, garantindo-lhe autonomia maior que a lei que a o criou. Decreto presidencial não pode expandir limites legais. As flexibilidades devem estar previstas em lei, como acontece com a Lei 8.666 que ampliou o valor percentual de dispensa de licitação para as agências executivas.

7

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SANTOS, Lenir

Vê-se, desde logo, a diferença

ras de responsabilização pelo con-

nho para o órgão ou entidade, a sua

entre o contrato de gestão e o con-

trato de autonomia. Reza o citado

duração, controles, critérios de ava-

trato mencionado no § 8º do art. 37

Decreto-lei que

liação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos

‘o qual claramente refere-se à am-

dirigentes e remuneração de pesso-

pliação de autonomia gerencial, fi-

(...) se por um lado, a administra-

nanceira e orçamentária de uma das

ção e gestão obedecem a regras funda-

partes contratante’.

mentais que são comuns a todas as es-

A lei que dispuser sobre o con-

Não há, ainda, no nosso país,

colas, o certo é que, por outro lado, a

trato de autonomia, há que disci-

lei definindo o ‘contrato de autono-

configuração da autonomia determi-

plinar todos esses elementos e con-

mia’. No direito Português, o Decre-

na que se parta de situações concretas

ferir aos administradores públicos

to-Lei nº 115-/988, de 4 de maio,

distinguindo os projectos educativos e

de órgãos (por não serem dotados

aprova o regime de autonomia, ad-

as escolas que estejam mais aptas a as-

de personalidade jurídica própria)

ministrativa e de gestão dos esta-

sumir, em grau mais elevado, essa au-

poderes para firmar o contrato com o Poder Público ou ‘uma competên-

belecimentos públicos de educação pré-escolar, ensinos básico e secundário. O contrato de autonomia português é definido como

O CONTRATO DE AUTONOMIA – UM CONTRATO INUSUAL NA ADMINISTRAÇÃO – DEVERÁ FIXAR METAS DE DESEMPENHO PARA O

o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação, a administra-

ÓRGÃO OU ENTIDADE, A SUA DURAÇÃO,

ção municipal e, eventualmente, outros

CONTROLES, CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE

parceiros interessados, através do qual

DESEMPENHO, DIREITOS, OBRIGAÇÕES E

se definem objectivos e se fixam as condições que viabilizam o desenvolvimen-

al.

RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES E REMUNERAÇÃO DE PESSOAL

to do projecto educativo apresentado pelos órgãos de administração e gestão

cia especial’, no dizer de Silva (2007) (...) que lhes permita celebrar o contrato, que talvez não passe de uma espécie de acordo-programa. Ainda, conforme o ilustre professor, a Constituição criou uma forma de contrato administrativo inusitado entre administradores de orgãos do poder público com o próprio poder público, cabendo ao legislador ordinário disciplinar a matéria.

de uma escola ou de um agrupamento

tonomia, cabendo ao Estado a respon-

de escolas (BRASIL, 1998).

sabilidade de garantir a compensação

Tal lei poderá inovar garantindo

exigida pela desigualdade de situações

ao administrador que firmar o con-

(BRASIL, 1998)9.

trato de autonomia, dentre direitos

Sua finalidade é melhorar o desempenho do serviço público de

e responsabilidades mencionados no

educação mediante uma série de

O contrato de autonomia – um

texto constitucional, a sua perma-

autonomias e permitir que a admi-

contrato inusual na administração

nência frente ao órgão (mandato),

nistração pública adote regras cla-

– deverá fixar metas de desempe-

por um determinado prazo, que pode

8

Alterado pela Lei Portuguesa 24/99.

O contrato de autonomia português prevê duas fases do processo de desenvolvimento da autonomia, conforme negociação prévia entre a escola e a administração pública. Na primeira fase, concede-se gestão flexível do currículo, adoção de normas próprias sobre horários, tempos letivos, intervenção no processo de seleção de pessoal, gestão e execução orçamentária, possibilidade de autofinanciamento e gestão de outras receitas.

9

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Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações

ser o do contrato; poderá, ainda, no

Sem adentrar nesse campo com

privado como pelo direito público,

tocante às responsabilidades, impe-

maior profundidade, como diversos

conforme a lei dispuser, passaremos

dir a ocupação daquele administra-

autores já o fizeram exaustivamen-

a demonstrar que hoje, as funda-

dor de outros cargos de direção, por

te, podemos dizer de maneira sinté-

ções estatais regidas pelo direito

determinado período, no caso de des-

tica que a doutrina se divide entre

privado podem ser um modelo de

cumprimento injustificado do con-

os que entendem que as fundações

entidade governamental com maior

trato, com prejuizo publico.

instituídas pelo Poder Público po-

autonomia e de grande utilidade para a prestação de serviços públi-

Poderá, ainda, vincular as ques-

dem ser de direito privado ou pú-

tões relativas a remuneração de

blico, conforme dispuser a lei auto-

pessoal à economia de recursos or-

rizativa10 e aqueles que advogam

çamentários, os quais poderão ser

que todas as fundações quando ins-

destinados ao pagamento de prêmio

tituídas pelo Poder Público sempre

de produtividade ao seu pessoal,

serão de direito público. Há, ainda,

conforme disposto no art. 39, § 7º

cial, ‘em especial, os serviços de saúde’. O inciso XIX do art. 37 da Consespecífica poderá ser criada autar-

var ao disciplinar esse dispositivo

quia e autorizada a instituição de

constitucional, criando um novo

empresa pública, sociedade de eco-

NÃO É DE HOJE A DISCUSSÃO

modelo de contrato administrativo órgãos e entes públicos.

seja, serviços públicos da área so-

tituição reza que “somente por lei

da CF. O legislador haverá de ino-

que garanta melhor desempenho aos

cos não exclusivos do Estado, ou

nomia mista e de fundação, caben-

QUE SE TRAVA NO MUNDO JURÍDICO SOB A PERSONALIDADE JURÍDICA DAS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO ESTADO

DA FUNDAÇÃO ESTATAL COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO

do à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. (BRASIL, 1988). Antes da EC 19/98 a redação desse dispositivo constitucional mencionava que “somente por lei específica poderá ser ‘criada autarquia e fundações

Não é de hoje a discussão que

públicas’ (grifo nosso)”. A EC 19 fez

se trava no mundo jurídico sob a

duas alterações no texto anterior,

personalidade jurídica das funda-

administrativistas, como Meirelles

incluindo ao lado da empresa pú-

ções instituídas pelo Estado. A Cons-

(1998), que sempre defendeu a fun-

blica e da sociedade de economia

tituição mencionou as fundações

dação estatal como de direito pri-

mista as fundações, as quais, do-

públicas em vários dispositivos,

vado.

ravante, dependem apenas de lei

tendo causado mais confusão do

Entendendo que a melhor dou-

autorizativa e não de lei instituido-

que solução para os díspares enten-

trina está com aqueles que admi-

ra, tendo ainda, retirado da expres-

dimentos sobre a personalidade ju-

tem fundações governamentais ou

são fundação a qualificação “publi-

rídica das fundações.

estatais regidas tanto pelo direito

ca”. (BRASIL, 1998).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Odete Medauar, Jose dos Santos Carvalho Filho, Carlos Ari Sundfeld entendem que as fundações instituídas pelo Poder Público podem ser de direito publico ou de direito privado, conforme dispuser a lei autorizativa; Celso Antonio Bandeira de Mello defende posição antagônica entendendo que as fundações instituídas pelo Poder Público sempre serão de direito publico. O entendimento do STF é de que tanto pode haver fundação governamental de direito público como de direito privado, dependendo de como a lei autorizativa ordenou a sua criação. (RE nº 101.126-RJ, Relator o Min Moreira Alves - RTJ 113/314; Ellen Gracie – Agravo em RE 219.900-1 RS 2002; e Eros Roberto Grau – MS 24.427-5 - 2006). 10

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377

SANTOS, Lenir

Três são as novidades dessa re-

ada em virtude de autorização legisla-

da fundação para o desenvolvimento

gra constitucional – em relação ao

tiva, para o desenvolvimento de ativi-

de atividades que não exijam execução

texto original – (a) criação de fun-

dades que não exijam execução por ór-

por órgão ou entidade de direito

dação por lei autorizativa; (b) su-

gão ou entidade de direito público, com

publico”(BRASIL, 1967).

pressão da expressão “pública” que

autonomia administrativa, patrimô-

acompanhava a fundação; e (c) ne-

nio próprio gerido pelos respectivos ór-

Desse modo, somente atividades

cessidade de lei complementar dis-

gãos de direção e funcionamento cus-

que não exijam poder de autorida-

pondo sobre o campo de atuação

teado por recursos da União e de ou-

de, ou seja, pessoa jurídica de di-

das fundações.

tras fontes” (BRASIL, 1967).

reito público, podem ser objeto da

A Constituição ao afirmar que as

Como tal dispositivo refere-se às fun-

fundação estatal de direito privado.

fundações somente necessitam de lei

dações estatais de direito privado, en-

Na área da saúde, excluída a vigi-

autorizativa, cabendo ao Executivo

quanto nova lei complementar não for

lância sanitária e outras atividades

a sua instituição, reconheceu a pos-

editada, vigora a lei ordinária anteri-

que exijam função de autoridade,

sibilidade de essas entidades, ao

poderão ser criadas fundações es-

serem criadas pelo Estado, gozarem

tatais. Na área hospitalar seria de

de personalidade jurídica de direito

todo conveniente a adoção do mo-

privado, ou seja, ser instituída de acordo com o regime do Código Ci-

delo diante do esgotamento dos

A CONSTITUIÇÃO AO AFIRMAR QUE AS

modelos utilizados atualmente.

vil (mediante escritura pública re-

FUNDAÇÕES SOMENTE NECESSITAM DE LEI

gistrada no Cartório competente e

AUTORIZATIVA (...)RECONHECEU A

regida pelos seus estatutos aprovados por decreto). Quanto à necessidade de lei complementar dispondo sobre o campo

Resolvidas as questões mais polêmicas sobre as fundações (ou-

POSSIBILIDADE DE ESSAS ENTIDADES (...),

tras podem existir, mas todas pacificadas12), gostaríamos de destacar

GOZAREM DE PERSONALIDADE JURÍDICA DE

de modo prático as vantagens des-

DIREITO PRIVADO ...

de serviços de saúde, em especial,

de atuação das fundações estatais, enquanto tal lei não for editada, re-

se modelo estatal para a prestação os hospitalares.

cepcionado está o art. 5º, IV, do De-

‘As fundações estatais13 na área

creto-lei 200/67:

da saúde federal’ podem ter as seor, recepcionada pela Constituição ,

guintes características14 (algumas

“Art. 5º.

com força de lei complementar; assim,

específicas e outras comuns a ou-

11

IV – Fundação Pública – a entidade

no tocante ao seu campo de atuação

tras áreas que não a da saúde, lem-

dotada de personalidade jurídica de

prevalece a regra do Decreto-lei acima

brando, ainda que outras esferas de

direito privado, sem fins lucrativos, cri-

citado: “somente poderá ser instituí-

governo também podem instituir

11 Nem seria necessário demonstrar que diversas leis ordinárias foram recepcionadas pela Constituição com força de lei complementar, sendo os exemplos mais clássicos, o Código Tributário Nacional (lei ordinária enquanto a Constituição exige lei complementar para matérias tributárias) e a Lei 4.320/64 que dispõe sobre finanças públicas, também lei ordinária enquanto a Constituição preconiza lei complementar.

Como o disposto no parág. único do art. 62 do Código Civil que menciona “assistência” dentre os campos de atividades das fundações, devendo ser entendido que a assistência ali mencionada é lato sensu e não strictu sensu.

12

13 Participei das discussões sobre a elaboração de um projeto de lei complementar, no Ministério do Planejamento, Secretaria de Modernização da Gestão dispondo sobre o campo de atuação das fundações estatais. 14 Características fundadas no modelo instituído para a transformação dos hospitais do Grupo Hospitalar Conceição e dos hospitais e institutos federais situados no Rio de Janeiro, em estudo, pelo Grupo de Trabalho aqui mencionado, nota de rodapé 9.

378 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005

Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações

fundações estatais, com as adapta-

ços, podendo a ‘lei federal’ que a

11. sujeitar-se ao controle dos

ções necessárias quanto à compe-

criar, instituir outras modalidades

conselhos de saúde, conforme situ-

tência federal para legislar sobre

de disputa pública, conforme ocor-

ação geográfica e vinculação gover-

certos temas nem sempre ao alcan-

reu com o pregão público que nas-

namental.

ce do Estado e Município, como é o

ceu no âmbito de uma lei especifi-

Ressalte-se, ainda, que:

caso das normas gerais sobre lici-

ca, a que criou a Anatel. Advoga-se

a) a imunidade tributária previs-

tação):

que a fundação estatal federal da

ta na Constituição para as fundações

1. gozar de autonomia adminis-

saúde realize licitação sob a moda-

instituídas pelo poder público alcan-

trativa, financeira, patrimonial e

lidade do pregão e da consulta pu-

ça a fundação estatal (art. 150, § 2º

orçamentária não devendo ter orça-

blica, está ultima conforme vier a

da CF) (Lembramos que o art. 150,

mento público, mas sim ser uma

ser explicitada em lei especifica, po-

VI,c, da CF, alcança, ainda, as enti-

prestadora de serviços para o Mi-

dendo, ainda, contar com regula-

dades privadas sem finalidades lu-

nistério da Saúde com o qual firma-

mento próprio, em razão do dispos-

crativas das aréas de educação e

rá contrato de gestão;

to no art. 119 da Lei 8666/93 (BRA-

assistência social, latu sensu);

2. ter em sua estrutura organi-

b) a Lei de Responsabilidade Fis-

SIL, 1993).

zacional (sistema de governança)

7. submeter-se ao regime finan-

cal (Lei Complementar 101/2000) só

um conselho curador e uma direto-

ceiro (contabilidade) das empresas

terá incidência sobre a fundação

ria executiva, com mandato, o qual

estatais (Lei 6.404, 15.12.76) e não

estatal se a mesma receber recur-

poderá ser encerrado antes do seu

o da Lei 4.230/64 (BRASIL, 1964)

término, no caso de descumprimento do contrato de gestão;

8. submeter-se, quanto ao regime de pessoal, à CLT, com ingresso

sos públicos para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital (entidade dependente). Quando suas rendas advie-

3. ter receitas advindas do con-

mediante concurso público; plano de

trato de gestão e outros contratos

carreira e salários, dissídios, gestão

firmados com o poder público, ve-

de pessoal e reajustes próprios; ter

dados contratos que cerceiem ou

limites de contratação de pessoal

inibam a universalidade do acesso

previsto em lei ou nos seus estatu-

dos serviços de saúde (gratuidade e

dirá sobre a fundação, como regra

tos;

geral (lembramos que a LRF adotou

igualdade);

rem de serviços prestados a órgãos ou entidades do SUS, em especial, do Ministério da Saúde, conforme contrato de gestão, a LRF não inci-

9. submeter-se ao regime especi-

4. reger-se pelo disposto na lei

como principio para a sua aplicabi-

al de penhora previsto no Código de

que autorizar a sua instituição e

lidade às entidades públicas de di-

Processo Civil para as entidades es-

reito privado, a sua dependência fi-

tatais (art. 678) quanto aos seus bens

nanceira). O Professor Carlos Ari

e rendas.

Sundfeld, no Parecer mencionado

pelos seus estatutos baixados por ato do Executivo; 5. sujeitar-se aos controles dos Tribunal de Contas da União e do Ministério da Saúde; 6. submeter-se a regime à lei de

10. inserir-se no sistema loco-regional, sendo entidade integrante do SUS, com observações de todos os

licitação e contratos quanto ao seu

seus princípios, diretrizes e regra-

regime de compras de bens e servi-

mentos.

anteriormente, destaca que “As fundações governamentais privadas ‘que recebam do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio ou de capital’ devem, contudo,

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005

379

SANTOS, Lenir

ser entendidas como fundações de-

controle social exercido pelos con-

ço prestado; adequação dos recur-

pendentes, à semelhança do que

selhos de saúde, prestadora de ser-

sos aos resultados que se preten-

ocorre com as empresas estatais na

viços universalizados e responsa-

dem – ‘será um instrumento ino-

mesma situação (lei complementar

bilidade explícita de seus dirigen-

vador de gestão pública, em espe-

n. 101, de 2000 – Lei de Responsa-

tes no contrato de gestão; recursos

cial para a área da saúde’.

bilidade Fiscal, art. 1º, § 3º,I, b c/c

humanos comprometidos, os quais

Finalizando, podemos afirmar

art. 2º, II)” – (FIOCRUZ, 200?).

deverão (é o que se advoga) ter par-

que existe hoje possibilidade, ain-

c) poderão ser firmados contra-

te de seus vencimentos atrelados ao

da não explorada, no âmbito da ad-

tos com o Estado e Município (as

desempenho identificado com a qua-

ministração pública direta e indi-

fundações estatais federais), no âm-

lidade dos serviços prestados, tudo

reta, de promoção de uma reforma

bito da regionalização, além de po-

em nome do interesse público.

da gestão, com sua modernização,

der ter outras rendas advindas de

sem que se tenha o olhar apenas

serviços voltados para a pesquisa

voltado para o Terceiro Setor, des-

científica e formação de pessoal,

qualificando-se a administração

para os hospitais que tiverem essa

pública como ineficiente e incapaz

finalidade, também.

sem, contudo, introduzir no seu in-

A FUNDAÇÃ O ESTATAL E O CONTRATO DE CONCLUSÃO A Fundação Estatal é hoje sem dúvida, o melhor instrumento de gestão hospitalar (‘e para outras

GESTÃO SÃO MODELOS QUE POSSIBILITAM MODERNIZAR O ESTADO ACABANDO COM A VISÃO DOS ANOS 90 DE QUE ISSO SOMENTE SERIA POSSÍVEL ‘FORA’ DO ESTADO ...

terior instrumentos inovadores da gestão pública. A fundação estatal e o contrato de gestão são modelos que possibilitam modernizar o Estado acabando com a visão dos anos 90 de que isso somente seria possível ‘fora’ do Estado, como se

áreas da saúde pública, como tam-

o Estado pudesse ser ‘substituído’

bém para a educação, cultura, meio

pelo setor privado ao invés de ‘com-

ambiente, turismo, assistência so-

plementado’ em algumas ações e

cial da União, dos Estados e dos

Por outro lado, se o ‘contrato de

Municípios’) dada a sua caracterís-

autonomia’ observar princípios

Sem que se resolva ‘internamen-

tica de ser uma entidade integrante

como: subordinação da autonomia

te’ os problemas do Estado, o sim-

da administração pública indireta,

aos objetivos do serviço público e

ples transpasse de serviços públi-

com autonomia administrativa, fi-

à qualidade de sua prestação; com-

cos para o Terceiro Setor levará con-

nanceira, orçamentária e patrimo-

promisso dos órgãos e entes públi-

sigo as mazelas não eliminadas da

nial.

cos na gestão de um serviço de qua-

área pública e, num espaço curto

A Fundação estatal, como enti-

lidade; consagração do controle so-

de tempo, perderemos a ilusão de

dade hospitalar da administração

cial; reforço da responsabilização

que o setor privado poderá ‘substi-

pública federal, será uma entidade

dos dirigentes públicos mediante o

tuir’ o setor público, com qualida-

integrante do SUS, com inserção

desenvolvimento de instrumentos de

de, eficiência e economicidade, tão

loco-regional, hierarquizada, com

avaliação do desempenho do servi-

apregoadas nos últimos anos.

380 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005

serviços, quando e se necessário.

Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005

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DOCUMENTOS / DOCUMENTS

O lugar estratégico da gestão na conquista do SUS pra valer The strategic place of management in the attainment of a genuine Unified Health System

Embora o financiamento seja o tema predominante na atual discussão acerca dos dilemas do sistema público de saúde no país, ele não representa o único problema a impedir que tenhamos um SUS pra valer: humanizado, integral e de qualidade. Outro obstáculo importante consiste na falta de um projeto político claro para o setor. Afinal, o que o SUS persegue hoje? Quais são as estratégias adotadas para esse fim? O que é tomado como prioritário nessa política? Estas são questões que precisam ser levadas a público, aprofundadas e debatidas junto à sociedade. Somente assim tal política poderá ganhar maior legitimidade. Somente assim ela poderá contar com ampla base de sustentação, envolvendo cidadãos, usuários, profissionais da saúde e gestores do sistema. Somente assim esse projeto tornar-seá politicamente viável. Dentre a lista de questões estratégicas a enfrentar, é preciso dar destaque também ao problema da gestão da saúde. Não obstante, o debate que a questão tem suscitado, sua importância em relação ao SUS segue ainda mal reconhecida. De modo geral, a falta de capacidade gerencial acaba sendo remetida à esfera da prestação de serviços, ao âmbito dos serviços de saúde, quando o problema em verdade perpassa todos os níveis do nosso sistema de saúde. Basta lembrar o quanto estamos longe do Ministério Único da Saúde (MUS) e as conseqüências negativas dessa desarticulação interna do Ministério da Saúde ou, ainda, se reportar às dificuldades gerenciais comumente observadas em nossas secretarias estaduais e municipais. Vale assinalar, também, que os problemas gerenciais se manifestam nos mais diversos domínios das organizações públicas de saúde: no planejamento, na gestão das pessoas, na gestão de materiais, na gestão financeira, na gestão da clínica etc. Outro aspecto a indicar a falta de entendimento sobre tal questão é que, ao contrário do que acontece com a temática do financiamento, raras vezes se estabelece uma clara relação de causa-e-efeito entre o mau gerenciamento do sistema e os resultados alcançados pelo SUS. Os problemas da ineficiência, da má qualidade do atendimento, da insuficiente transparência ou da falta de democracia, todos eles dizem respeito e encontram raiz na forma como o SUS é gerido. Caso não logremos estabelecer outro modo de geri-lo, caso não sejam adotados outro modelo e novas práticas de gestão, esses problemas não encontrarão efetiva solução. Neste sentido, o CEBES tem procurado se apropriar e debater a proposta de criação de fundações estatais para hospitais públicos. Diante da complexidade do tema e necessidade de aprofundamento de várias de suas dimensões, o CEBES não definiu uma posição favorável ou contrária a este projeto. Antes de tudo, queremos discutir mais! Não se trata apenas de encampar ou descartar a alternativa proposta e sim viabilizar a realização de debates francos e abertos com a sociedade brasileira. Quase 20 anos após a aprovação da Constituição de 1988, é preciso encarar de vez a tarefa de traduzir os princípios do SUS, em efetivos direitos à saúde.

382 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 382-384, set./dez. 2005

DOCUMENTOS / DOCUMENTS

Para tanto, consideramos que: 1. Há um amplo consenso sobre a necessidade de melhorar a gestão dos serviços de saúde e que a atenção hospitalar é ponto crítico do SUS. São numerosas as evidências de que o modelo atual de gestão de nossos serviços de saúde encontra-se em crise. Contudo, os desafios para transformar as disposições favoráveis a mudanças em ações efetivas requerem medidas adicionais: a definição do perfil assistencial destas unidades e a ampliação de seus compromissos com as diretrizes do SUS, por meio de ações programadas. O que implica o alargamento e o aumento de resolutividade das portas de entrada do sistema (o nível básico de atenção) e a reinserção qualificada dos hospitais em redes de serviços efetivamente universais, regionalizadas, hierarquizadas e de qualidade. 2. É essencial impedir que os hospitais tenham sua gestão comprometida por barganhas políticas, o que requer exigir a profissionalização da gestão e a criação de carreira de gestor para os dirigentes. 3. A política de gestão deve ser articulada a um projeto de fortalecimento do SUS, de profunda revisão dos modelos de atenção, formas e valores de remuneração de todos os seus níveis de atenção. 4. Os problemas de gestão das unidades públicas de saúde, relativos à baixa qualificação técnica dos dirigentes, não são nenhum segredo. O uso de tecnologias e ferramentas de gestão em saúde disponíveis é limitado e/ou mal empregado pelos gestores. O mais grave da situação presente é que o poder decisório/discricionário que esses dirigentes têm em mãos é muito reduzido – em certos casos, a gestão fica a depender, basicamente, de sua capacidade de liderança e de negociação política, seja perante suas autoridades superiores, seja junto ao corpo de funcionários da organização. Talvez, portanto, não seja mera coincidência que pouco hoje lhes seja cobrado. 5. É preciso aumentar o montante de recursos necessários ao investimento, à manutenção de redes físicas, aquisição e reparo de equipamentos e qualificação de pessoal. Além disso, uma proposta voltada para ampliar a autonomia da gestão deve vir acompanhada de maior grau de responsabilização dos dirigentes. O que implica a observância de um duplo compromisso: dotar o gestor de poder para, dentro das regras definidas pelo Estado, contratar e demitir pessoal e realizar compras e investimentos em obras e equipamentos e, avaliar, de maneira sistemática, a execução das metas definidas pelas instâncias de controle social, pactuação e gestão do SUS. 6. O desafio é estabelecer, no âmbito da administração pública, um modelo que a um só tempo outorgue autonomia de gestão das unidades hospitalares e fortaleça a coordenação das redes de serviços de saúde, nas quais se inscrevem essas unidades, e que, ao mesmo tempo, contemple a instauração de um sistema de responsabilização de seus dirigentes por resultados alcançados, coerentes com os princípios do SUS. 7. A complexidade e as tensões envolvidas com o tema requerem a convocação de amplo debate com a sociedade civil, organizada em todos os níveis. Para articular esforços em torno das reais mudanças, é imprescindível contar com todos os setores e segmentos que, ao longo de quase duas décadas, defenderam com tenacidade o SUS. A fratura

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, 382-384, set./dez. 2005

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DOCUMENTOS / DOCUMENTS

entre os propositores das mudanças e as entidades de representação dos servidores públicos é indesejável e deve ser evitada. Trata-se de atualizar, para o enfrentamento dos novos desafios, entre os quais a mudança do modelo de gestão, a ampla coalizão que logrou resistir ao desmonte do SUS por mais de duas décadas. 8. As dimensões do Projeto de Fundações Estatais, tais como: 1) a adequação jurídico-legal de seu formato aos objetivos propostos; 2) os custos atuais dos estabelecimentos públicos, os custos de transição, os custos previstos para a operação das unidades pelas fundações e as repercussões orçamentárias da alteração do modelo; 3) a definição dos papéis do controle social e instâncias de gestão do SUS, dada a responsabilização dessas unidades pela cobertura de populações-território definidas; 4) a permeabilidade do modelo à necessidade de incentivar a capacitação, a dedicação exclusiva, a remuneração adequada e o compromisso dos servidores públicos com o SUS, requerem o debate com as mais diversas entidades da sociedade civil e com representante do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE (CEBES) 13 de junho de 2007

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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade1

An Effective Unified Health System: universal, humanized and of high quality

Neste ano, mais uma vez a população brasileira vai ser chamada escolher seus dirigentes, reafirmando novamente a democracia eleitoral. No entanto, este é o momento de transitarmos desde uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democrático, o que só existirá quando forem apresentadas opções concretas de radicalização do processo de desenvolvimento nacional. Isso significa um padrão de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autônomo e soberano, voltado para a geração de emprego, a distribuição de renda e a garantia dos direitos de cidadania. A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupação dos últimos governos, com resultados positivos em relação ao controle inflacionário e ao manejo da dívida. Estes foram fruto tanto de políticas públicas que abriram novos mercados para exportações, reduziram a dívida externa atrelada à variação cambial e alongaram os prazos de seu pagamento, quanto do dinamismo do setor produtivo nacional, que conseguiu se reciclar e tornarse competitivo no mercado internacional. No entanto, os governos tornaram-se prisioneiros dos instrumentos de sua política monetária, o que acarretou a consolidação de um padrão de capitalismo financeiro que, apesar de dinâmico e inserido na economia globalizada e no comércio internacional, produz e reproduz a concentração da renda. Isso se dá, principalmente, pela manutenção de taxas elevadíssimas de juros, drenando as riquezas produzidas pela população para o Estado, por meio da elevação incessante da carga tributária, e pelo Estado para o setor financeiro nacional e internacional, com o pagamento de juros. Esse padrão é o resultado da política neoliberal implantada desde a década de 90, com conseqüências irreversíveis e/ou altamente deletérias para a sociedade, face à efetuada transferência de responsabilidades governamentais e do patrimônio público para mãos privadas, ao desmantelamento da inteligência e das carreiras do Estado, às restrições orçamentárias para as políticas sociais universais e à ameaça permanente de desvinculação das receitas constitucionais a elas destinadas. A população brasileira está cada vez mais consciente da distância entre as propostas eleitorais e as realizações dos governantes, e exige que a democracia seja mais do que um jogo político: é preciso que a democracia se traduza em medidas concretas, voltadas para o pleno emprego, a redução das desigualdades salariais e regionais, além de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal, humanizada e de qualidade. Mais do que nunca, a sociedade sabe que isso só ocorrerá se aprofundarmos os mecanismos de participação, controle e transparência na gestão pública, fortalecendo os instrumentos de democracia direta, como a iniciativa popular legislativa, os orçamentos participativos, os conselhos gestores e os fóruns deliberativos. No entanto, é preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos às áreas sociais e avancem para aumentar a transparência e a participação Documento-base em discussão com a Frente Parlamentar da Saúde.

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, 385-396, set./dez. 2005

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social na definição e implementação das políticas macroeconômicas, pois sabemos que estes são fatores condicionantes do êxito na democratização da política de saúde. Setorialmente, também temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional. Mais do que isso, sabe-se que é possível, com as condições técnicas, políticas e econômicas que temos hoje no país, dar o salto que falta para termos um SUS pra valer: UNIVERSAL, HUMANIZADO, DE QUALIDADE.

A REFORMA SANITÁRIA E O SUS O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de um longo processo deconstrução política e institucional nomeado Reforma Sanitária, voltado para a transformação das condições de saúde e de atenção à saúde da população brasileira, gestado a partir da década de 70, quando vivíamos sob a ditadura militar. Mais do que um arranjo institucional, o processo da Reforma Sanitária brasileira é um projeto civilizatório, ou seja, pretende produzir mudanças dos valores prevalentes na sociedade brasileira, tendo a saúde como eixo de transformação e a solidariedade como valor estruturante. Da mesma forma, o projeto do SUS é uma política de construção da democracia que visa à ampliação da esfera pública, à inclusão social e à redução das desigualdade. Se a Reforma Sanitária é a expressão do nosso desejo de transformação social, sua materialização institucional no SUS é a resultante do enfrentamento desta proposta com as contingências que se apresentaram nessa trajetória. Em outras palavras, expressa a correlação de forças existente em uma conjuntura particular. Originalmente uma idéia e um ideário de um grupo de intelectuais, a proposta se desenvolveu na transição democrática, congregando entidades representativas dos gestores, profissionais da saúde e movimentos sociais que, articulados na Plenária Nacional de Entidades de Saúde, conseguiu influenciar o processo constituinte e plasmar na Constituição Brasileira de 1988 (CF/88) o texto aprovado na 8a Conferência Nacional de Saúde que garante que “Saúde é um Direito de Todos e um Dever do Estado”. Em outras palavras, a saúde passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania. A partir de então, iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitária em que, ao mesmo tempo, era necessário prosseguir elaborando o referencial teórico e estratégico e começar a construir os métodos e instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). CEBES, ABRASCO, CONASS, o CONASEMS, a Rede UNIDA, ABRES, AMPASA, parlamentares, entidades representadas nos Conselhos de Saúde, a Frente Parlamentar da Saúde e outros têm liderado o debate e concentrado esforços para a concretização do projeto da Reforma Sanitária. Ao incluir a saúde como um direito constitucional da cidadania no capítulo da Seguridade Social, avançamos na concretização da democracia, fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiça, cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais. Mesmo coincidindo com o governo Collor e o início da implantação das propostas neoliberais de ajuste do Estado, a construção do SUS foi realizada na contramão das políticas econômicas, configurando, juntamente com a atuação do Ministério Público, alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democráticos inscritos na CF/88. No âmbito da reforma do Estado, o SUS desenvolveu um projeto de reforma democrática que se caracterizou pela introdução de um modelo de pacto federativo baseado na descentralização do poder para os níveis subnacionais e para a participação e controle social. Como conseqüência, ocorreu uma ousada municipalização do setor Saúde. Foram criados Conselhos de Saúde, com caráter deliberativo, em todos os municípios e estados nos quais os re-

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presentantes dos usuários ocupam 50% dos assentos. Foram instituídos os Fundos de Saúde, substituindo os convênios que regiam as relações entre as três esferas governamentais. A criação das Comissões Bipartites (CIB), nos estados, e a Tripartite (CIT), no nível nacional, estabeleceu o espaço para o desenvolvimento de relações cooperativas entre os entes governamentais. O modelo de pacto federativo do SUS mostrou-se altamente adequado à realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais. Em um país com tais características só será democrático o poder exercido de forma pactuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiões como o principal problema a ser superado. Por isso, esse modelo do SUS está sendo expandido e reinterpretado para a área de Assistência Social (SUAS) e também para a área de Segurança (SUSP). O êxito da descentralização pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base técnica da gestão pública em saúde nos níveis local, regional e central. Também, a rede de atenção básica teve grande expansão, a partir de 1998, ampliando enormemente o acesso das populações antes excluídas. O sistema universal e descentralizado permite que o país realize um dos maiores programas públicos de imunizações do planeta e um programa de controle da AIDS mundialmente reconhecido. Esses resultados constituem os esforços de milhares de trabalhadores da saúde, de todos os níveis e especialidades de formação, para concretizar o direito à saúde no cotidiano da população brasileira. Entretanto, tendo sido implementado em condições adversas, da década de 90 até hoje o SUS enfrentou obstáculos que marcaram sua configuração como Sistema Nacional de Saúde, entre os quais os mais graves seriam: a não implementação do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos mecanismos de financiamento e gestão; o drástico subfinanciamento desde a sua criação; a profunda precarização das relações, remunerações e condições de trabalho dos trabalhadores da saúde; a insignificância de mudanças estruturantes nos modelos de atenção à saúde e de gestão do sistema; o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimento das soluções que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de saúde. Por isso, apesar dos referidos e reconhecidos avanços na produção, produtividade e inclusão, muito pouco se avançou na efetivação da integralidade, da igualdade, e só recentemente retomamos a questão da regionalização. Sabemos que não será possível seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenção e de gestão em saúde. Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Saúde têm conseguido participar com efetividade e assim influir na formulação de políticas e estratégias do SUS. Estão inalteradas, ou crescentes, as doenças do perfil epidemiológico contemporâneo, previsíveis mas não prevenidas, as doenças agravadas pela ausência de intervenções oportunas e precoces, as mortes evitáveis e os altíssimos percentuais de exames diagnósticos, tratamentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessários e de baixa qualidade, apesar dos conhecimentos e técnicas já disponíveis. Por outro lado, entre os problemas enfrentados encontram-se aspectos relacionados com o funcionamento do mercado em saúde no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a saúde é um bem público. Ressaltemse as importantes dificuldades vigentes na relação com o setor privado suplementar, seja na regulação das condições de trabalho profissional, seja na produção de serviços e na garantia das coberturas contratadas. É também notória a luta por democratizar o acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais. Ambos os problemas deverão ser enfrentados de forma mais vigorosa, transparente e contínua.

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Ainda está por ser reconhecido o impacto do setor Saúde – que movimenta parcela considerável do PIB na geração de empregos, produção científica e tecnológica, aumento da produtividade do trabalho, redução do absenteísmo – na economia brasileira. Os governos terão que deixar de falar da saúde como gasto e passar a encarar o investimento que estão fazendo, além da melhoria da qualidade de vida da população. No entanto, não se pode esperar que o setor Saúde seja capaz de responder à demanda crescente de atenção provocada por uma sociedade desigual, injusta e cada dia mais violenta, cuja sociabilidade se encontra rompida e na qual o outro é visto como uma ameaça. As conseqüências são a perda da coesão social, expressa não apenas em milhares de mortes e internações, mas também no sofrimento mental, na insegurança e no desalento, que seriam evitáveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiça social. O SUS universal, cujo melhor exemplo é o programa de AIDS –cartão de visitas de diversos governos –, convive com avaliações negativas sobre o acesso e as condições indignas do atendimento efetuado pela rede de serviços de saúde. A desfiguração da Seguridade Social, o adiamento sine die de direitos básicos de cidadania e o deslocamento das políticas sociais em direção a programas de transferência de rendas, cujos efeitos redistributivos não incidem especificamente sobre as condições que produzem os principais problemas de saúde dos brasileiros, retardam a melhoria dos padrões de saúde e qualidade de vida. A organização do SUS deve pautar-se pela aproximação dos indicadores de saúde, pelo menos, àqueles verificados na economia. É imprescindível ao desenvolvimento alcançar padrões de saúde compatíveis com o progresso científico-tecnológico, cultural e político. Os impasses antepostos ao SUS universal, humanizado e de qualidade exigem a reposição do usuário-cidadão como o centro das formulações e operacionalização das políticas e ações de saúde. É essa a premissa que orienta a reinvenção de modelos e alternativas de gestão para superar a crise dos sistemas públicos. A subordinação dos problemas e necessidades de saúde da população a interesses econômicos das indústrias de equipamentos e insumos, de prestadores de serviços, de burocracias governamentais ou corporativos, por vezes opostos aos da garantia da atenção oportuna respeitosa, reflete-se no cotidiano da assistência à saúde. Os brasileiros em busca de assistência e cuidados à saúde na rede do SUS são submetidos a filas que se formam desde a madrugada para pegar senhas, passam por triagens, aguardam horas em locais de espera, freqüentemente desconfortáveis, e necessitam, quase sempre, percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de realização de exames e obtenção de medicamentos. A lógica que deve orientar a organização dos serviços de atenção e atuação dos profissionais da saúde é a de tornar mais fácil a vida do cidadão usuário, no usufruto de seus direitos. Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoção da saúde, do acolhimento, dos direitos à decisão sobre alternativas terapêuticas, dos compromissos de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistência e cuidados.

ESTRATÉGIAS PROGRAMÁTICAS Romper o insulamento do setor Saúde É sabido que melhores níveis de saúde não serão alcançados se as transformações não ultrapassarem o setor Saúde, envolvendo outras áreas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdência Social, Assistência Social, Educação, Segurança Alimentar, Habitação, Urbanização, Saneamento e Meio Ambiente, Segurança Pública, Emprego e Renda).

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Para tanto, é necessário que os três níveis de governo deixem de operar em termos exclusivamente setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral. O governo nacional, o Congresso e a Justiça têm que se responsabilizar por implementar os mecanismos que garantam a existência real da Seguridade Social, com a implantação do orçamento deste setor, a convocação da Conferência Nacional da Seguridade e a criação de fóruns de deliberação conjunta da Previdência, Saúde e Assistência Social. Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestão e passar a atuar de forma transversal, criando instâncias intersetoriais de políticas, implantando a gestão em redes e garantindo maior eficácia e efetividade na redistribuição da renda e no acesso aos benefícios sociais. É preciso construir canais de interação com a mídia que nos permitam divulgar nossa concepção ampliada de saúde. Um esforço nesse sentido deve ser realizado pelos gestores, parlamentares, acadêmicos e militantes da Reforma Sanitária para retomar espaços de debate, divulgação e difusão de concepções sobre saúde e criar novas possibilidades de comunicação. No âmbito internacional devem ser intensificados os esforços para ampliar o intercâmbio de experiências e o debate em torno da defesa dos sistemas universais. A divulgação e o debate sobre o SUS, considerado um modelo avançado de sistema de saúde na América Latina, nos fóruns internacionais contribui para sua consolidação e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democráticas e inclusivas.

Estabelecer responsabilidades sanitárias e direitos dos cidadãos usuários As necessidades que a população apresenta de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, de acordo com a realidade de cada região e microrregião, com base nas características demográficas, socioeconômicas e epidemiológicas da população, devem presidir o planejamento estratégico de cada município e a programação local das atividades. Sua divulgação deverá ser feita para a população usuária e suas entidades representativas de maneira a contribuir para a formação da consciência das necessidades e dos direitos, e a permitir o controle popular e representativo. A responsabilidade sanitária de cada ente governamental, de cada serviço e dos trabalhadores da saúde deve ser normalizada e regulamentada, assim como os direitos e deveres do cidadão usuário do SUS. A qualidade dos serviços prestados deve ser cobrada de cada um dos profissionais e dirigentes do setor. Mesmo sabendo que temos condições muito limitadas em termos financeiros e operacionais, os gestores e profissionais deverão ser responsabilizados por prestar o melhor cuidado possível dentro dessas condições. Isso só se tornará realidade quando metas forem estabelecidas, parâmetros definidos e se a população conhecer e compartilhar estas metas, assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobrança. A responsabilidade sanitária deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho, garantindo condições de produção que preservem a saúde do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho.

Intensificar a participação e controle social Os Conselhos e as Conferências municipais, estaduais e nacional de Saúde são as modalidades de participação fortemente disseminadas no país, fazendo parte da dinâmica política da área da saúde. Entretanto, é necessário

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revitalizar tais fóruns no sentido de viabilizar relações sociais mais igualitárias entre os atores sociais que deles participam. É sabido que principalmente gestores, mas, em menor medida, também prestadores de serviços e profissionais da saúde dispõem de maiores recursos de poder do que usuários e controlam a agenda de debates desses fóruns. É necessário ampliar a capacitação de conselheiros e democratizar a formulação da agenda da saúde. Esforços devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos, incentivando uma relação mais constante e transparente com seus representados. Também, deverá ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulação e acompanhamento das políticas de saúdepara superar os obstáculos antepostos de diferentes naturezas. Por outro lado, um conjunto de mecanismos inovadores de participação e de controle social não se generalizou no sistema. É o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares. Apenas as unidades próprias do SUS, nas três esferas de governo, têm apresentado experiências nesse sentido, sendo que na área hospitalar elas são dramaticamente escassas. Outros mecanismos de participação individual, tais como ouvidorias, disque saúde, pesquisas sistemáticas de satisfação de usuários, carecem também de generalização no contexto do sistema. Unidades de serviços privadas que são financiadas com recursos públicos não dispõem de mecanismos de participação ou de controle social, além dos exercidos pelo Ministério da Saúde ou Ministério Público. É necessário definir quais seriam os mecanismos básicos indispensáveis para a democratização da gestão do sistema e constituir instrumentos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de saúde próprias e financiadas pelo SUS, levando em conta que a prestação de serviços de saúde, especialmente quando financiados por recursos públicos, é uma concessão que o Poder Executivo faz para o exercício de um dever de Estado. Gestores do SUS, Ministério Público e Poder Legislativo precisam criar espaços para viabilizar ações cooperativas e coordenadas. Compete ao Ministério da Saúde induzir a coordenação horizontal dessas instâncias estatais.

Aumentar a cobertura e a resolutividade e mudar radicalmente o modelo de atenção à saúde A sustentabilidade político-econômica do SUS e sua legitimidade dependem da promoção de mudança radical do modelo de atenção, pois a qualidade e a resolutividade das ações e serviços de saúde possibilitarão ao SUS tornarse patrimônio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais. Uma mudança radical do modelo de atenção à saúde envolve não apenas priorizar a atenção primária e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades, mas, principalmente, concentrar-se no usuário-cidadão como um ser humano integral, abandonando a fragmentação do cuidado que transforma as pessoas em órgãos, sistemas ou pedaços de gente doentes. As práticas interativas, mais holísticas, devem estar disponíveis como alternativas de cuidado à saúde. A humanização do cuidado, que envolve desde o respeito na recepção e no atendimento até a limpeza e conforto dos ambientes dos serviços de saúde, deve orientar todas as intervenções. A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde deve ser amplamente divulgada e sua implantação acompanhada pelos órgãos gestores e de controle social, visando à sua avaliação e a eventuais aprimoramentos. E os servidores públicos devem estar comprometidos com o resultado de suas ações no cuidado das pessoas. Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de ações e cuidados à saúde, é necessário expandir e organizar redes de serviços de saúde articuladas. As unidades básicas, acolhedoras, de qualidade e resolutivas nas suas ações integrais, preventivas e curativas, baseadas nas necessidades e demandas da população, devem articular-se aos

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demais níveis do sistema local de saúde com garantias de referência e contra-referência. Nesse sentido, é imprescindível articular atividades de saúde coletiva com ações de assistência clínica nos serviços de atenção básica, estabelecer esses serviços como porta de entrada dos sistemas locais de saúde, equipar e expandir os serviços de urgência e emergência e de referência, implantar centrais de marcação de consultas, exames e internação e o Cartão SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento. A formação de microrregiões ou consórcios sob responsabilidade dos municípios e dos estados deve pautar-se pela coordenação, programação e oferta de recursos para promover, prevenir e tratar problemas de saúde. A ampliação e a garantia de investimentos na estruturação de redes articuladas e territorializadas são essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviços prestados. A execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, deve se traduzir na garantia do acesso universal da como no controle da segurança, eficácia e qualidade dos produtos e na promoção do seu uso racional. A política nacional de medicamentos não se restringe à aquisição e à distribuição; envolve todas as atividades relacionadas à garantia do acesso da população àqueles essenciais, incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento científico e tecnológico e produção.

Formar e valorizar os trabalhadores da saúde Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que dificultam a combinação das imprescindíveis agilidade e eficiência da gestão com a vinculação regular dos trabalhadores ao SUS, de modo a evitar não apenas a burocratização mas também a precarização, privatização e terceirização das relações de trabalho do SUS. Trata-se de enfrentar esses problemas inadiáveis com a formulação e implementação de políticas articuladas entre os setores da saúde e educação, para assegurar que a oferta (distribuição e abertura de cursos e programas e o respectivo número de vagas) de formação técnica, de graduação e de especialização na área da saúde corresponda às necessidades do SUS e da população, superando os desequilíbrios regionais e intra-regionais e as determinações do mercado. A par das políticas de corte nacional, é preciso responsabilizar as três esferas, de acordo com suas competências e possibilidades, pela efetivação de políticas que favoreçam a interiorização do trabalho em saúde com qualidade, bem como assegurar a autonomia dos municípios, DF e estados para criar mecanismos de atração e fixação de equipes de saúde em todos os níveis do sistema. Medidas voltadas para a formação, a educação permanente e a fixação das equipes de profissionais da saúde com base nas necessidades e direitos da população têm papel crucial na implementação do conjunto dos princípios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenção à saúde e de gestão. A redução dos cargos de confiança para a gestão em saúde, nas três esferas de governo, e sua substituição por quadros técnicos e administrativos de carreira são necessárias à estabilização e qualificação da gestão do SUS. Por outro lado, trata-se de um meio de evitar que a gestão da saúde seja usada como moeda para garantia de governabilidade. O provimento de cargos de direção deve obedecer a critérios objetivos e compatíveis com os requerimentos de capacitação e habilitação específicos. Esse conjunto de proposições concentra-se em torno da adoção de políticas públicas de gestão do trabalho (municipais, estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais, assegurem o caráter público do ingresso e estabeleçam carreiras no SUS, que possibilitem a progressão associada não somente ao tempo de trabalho e quali-

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ficação, mas também aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profissionais e das equipes com a melhoria da saúde da população.

Aprofundar o modelo de gestão No início deste ano os gestores dos três níveis de governo pactuaram em defesa da vida, do SUS e da gestão. Por meio desse instrumento, comprometem-se a fazer avançar a Reforma Sanitária desenvolvendo ações articuladas, repolitizando a saúde e promovendo a cidadania. Retomou-se a ênfase na diretriz constitucional da regionalização. Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissões Bipartites para pactuar as estratégias da regionalização nos estados, com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissão Tripartite; promover a criação de Comissões Intergestores regionais e microrregionais; resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestão entre os entes federados para promover a descentralização solidária e cooperativa do sistema de saúde. É necessário cumprir cabalmente esse acordo em prol da população brasileira. A definição de prioridades e metas é um componente imprescindível para o planejamento efetivo e a responsabilização por seu cumprimento. Para aprofundar o modelo de gestão do SUS, tanto para os serviços de administração direta quanto para os contratados, é necessário estabelecer a coresponsabilização por meio de contratos de gestão e de financiamento misto que estabeleçam as metas sanitárias a serem cumpridas. Isso envolve, necessariamente, realizar uma reforma administrativa que atenda às especificidades dos princípios e das organizações do SUS e lhes permita agilidade e eficiência de suas decisões, sob a égide da ética e da responsabilidade pública. Todas as unidades públicas de saúde, das mais simples às mais complexas, deverão usufruir de autonomia gerencial, desenvolver modalidades de gestão participativa, colegiada ou co-gestão, com trabalhadores da saúde e outras representações da comunidade, e definir metas quali-quantitativas em interação com os objetivos municipais e regionais, por meio de contratos de metas ou de gestão.

Aumentar a transparência e controle dos gastos As decisões da política de alocação de recursos e os critérios dos gastos devem ser transparentes e passíveis de controle pela população, e visar ao acesso igualitário aos serviços de qualidade em todos os níveis do sistema. As compras realizadas pelo setor público deverão ser feitas de forma a impedir a corrupção em todos as esferas e níveis governamentais, utilizando os instrumentos tecnológicos disponíveis para realizar pregões que possam ser acompanhados pelo público. A definição de parâmetros técnicos e financeiros deve permitir que a sociedade e autoridades públicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais. Um trabalho mais afinado com a Procuradoria Geral da União e com os Tribunais de Contas será necessário para criar mecanismos que impeçam os tipos de corrupção já detectados na área da saúde. Torna-se necessário criar uma instância que congregue gestores públicos, Procuradoria, Tribunais, Ministério Público, Legislativo e organizações da sociedade civil para desenvolver políticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupção, prevaricação ou malversação dos recursos públicos em saúde.

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Ampliar a capacidade de regulação do Estado As diversas áreas do setor Saúde – e suas derivações para setores desde a Educação até a mídia – integram o complexo produtivo da saúde. Sob ta acepção resgata-se o significado econômico e produtivo das ações e produtos ligados ao atendimento em saúde, considerando a estreita relação entre dois pólos: (1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros, medicamentos e fármacos, sangue e hemoderivados, reagentes e kits diagnósticos, equipamentos médicos e cirúrgicos; (2) um outro, da produção de ações de saúde pelos agentes públicos e privados (filantrópicos e lucrativos). É inescapável admitir que o não reconhecimento da influência dos fatores de mercado na saúde elimina um importante elemento de análise e de formulação das políticas, especialmente na definição de prioridades de incorporação de inovações (produtos e processos) e na importância da influência dos agentes econômicos sobre a oferta de serviços de saúde. Dado que a saúde é um bem de relevância pública, as relações público-privado devem ser objeto permanente de regulação estatal, no sentido da preservação dos direitos dos usuários do SUS e dos consumidores de planos e seguros de saúde. Além disso, o poder público deve atuar na regulação da reorientação das demandas dos planos e seguros para os serviços especializados do SUS e na eliminação das interferências das empresas privadas no sistema público. A fragmentação e a segmentação vigentes no sistema nacional de saúde exigem a explicitação do montante de recursos públicos envolvidos com o financiamento de planos e seguros de saúde, bem como dos interesses conflitantes derivados da acumulação de postos gerenciais e administrativos por profissionais da saúde com “dupla militância”. Aprofundar a construção de convivência das instituições públicas e privadas, em função das necessidades e direitos da população usuária e sob a égide do princípio constitucional que estabelece o caráter complementar dos serviços privados de saúde, é uma tarefa inadiável. Os serviços privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se públicos fossem. Adicionalmente, é preciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviços, as que comercializam planos de saúde, bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de saúde para seus empregados, a participaremdecisivamente dos esforços para a construção de sistemas regionalizados, voltados para o atendimento das necessidades e direitos da população. A instituição de regras claras sobre o “trânsito privado-público de pacientes” deve fortalecer a rede de serviços do SUS como a “única porta de entrada” para a admissão nos serviços públicos, quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de saúde, quer para o acesso a medicamentos. Para enfrentar a tendência à segmentação é preciso convocar a entidades sindicais, empresariais e de profissionais da saúde para empreender novos compromissos em torno da saúde. O estabelecimento de tabelas de remuneração de procedimentos que sejam compatíveis com os gastos dos profissionais e dos serviços e assegurem a qualidade da assistência prestada é essencial. A institucionalização do plano de saúde universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalização da descrença do próprio governo na universalização da saúde. Os recursos envolvidos e programados para financiar os planos de saúde de funcionários públicos devem ser canalizados para melhorar a qualidade de atenção à saúde nos serviços do SUS. A adoção de critérios de ingresso nos serviços de saúde vinculados ao SUS baseados nas condições clínicas e necessidades de saúde, e não na capacidade de pagamento, e a exigência da observância dos mesmos padrões

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assistenciais de casos com diagnóstico similar para todos os brasileiros são essenciais ao reordenamento das relações entre o público e o privado e à garantia do acesso e da qualidade da assistência.

Superar a insegurança e o subfinanciamento As políticas sociais encontram-se permanentemente ameaçadas de terem seus recursos ainda mais reduzidos, gerando uma situação de insegurança que impede a efetividade e eficácia de seu planejamento e execução. A forma mais corriqueira, embora muito prejudicial à gestão social, é o permanente contingenciamento dos orçamentos públicos para atender aos ditames do superávit primário estabelecido pela área econômica, ou até mesmo superá-lo. Além de prejudicial, essa prática corrói a própria democracia, ao transformar o orçamento público em uma peça de ficção. Outra maneira de subverter os ditames constitucionais sobre os recursos a serem alocados na área social é a introdução constante de outras despesas de programas governamentais considerados prioritários dentro dos orçamentos para os quais há recursos constitucionais definidos, como o da Saúde. Isso ocorre em função da não regulamentação da E.C. nº 29. Uma outra maneira de retirar recursos da área social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada é a DRU – Desvinculação das Receitas da União, que, a pretexto de dar maior flexibilidade ao governo central, retira 20% dos recursos constitucionalmente destinados à área social. A DRU está em vigor até 2007 e temos que exigir que o governo, desde agora, crie mecanismos substitutivos dessa fonte espúria. O momento das eleições é importante para pactuarmos com os candidatos a eliminação e substituição da DRU. Em diferentes momentos, setores governamentais ou elites econômicas da sociedade civil têm se posicionado em relação à necessidade de dar ainda maior flexibilidade orçamentária ao governo, desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a área social. Apoiados por organismos internacionais, são, a cada momento, lançados balões de ensaio nesse sentido. A alegação é de que esses recursos são necessários para zerar o déficit nominal, quando, então, sobrarão recursos para a área social. A sociedade brasileira conhece essa lógica e sabe que não existe flexibilidade para o pagamento de juros da dívida e que esses recursos desviados das suas vinculações constitucionais jamais retornariam. Por isso não permitiremos a desvinculação, e este compromisso deverá ser assumido publicamente pelos candidatos comprometidos com a democracia social. Outra ameaça constante é relativa à redução ou eliminação de benefícios sociais, vistos como causadores do alegado desequilíbrio financeiro da Previdência Social. É preciso que este debate seja feito de forma séria e não como sempre, sob a ameaça da espada do déficit e crise. É preciso fazer um debate aberto e transparente: há dados que questionam o déficit, apontando a apropriação das receitas sociais para outros fins e a evasão de contribuições. O debate sobre os benefícios previdenciários não pode ser restrito à dimensão contábil, prescindindo do princípio maior que subordina a Previdência aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiça social. Ao invés de desvincular os benefícios previdenciários do salário mínimo, é preciso desvincular os benefícios sociais da capacidade contributiva de cada indivíduo. Só assim, com a socialização dos custos da proteção social, estaremos permitindo que se realize uma redistribuição de renda via políticas sociais que garantem direitos universais. Para tanto, é necessário rever o enfoque desta discussão, passando a buscar fontes que financiem a inclusão previdenciária de milhões de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda não tem amparo legal.

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Em relação ao financiamento da saúde, observamos: * Acentuada retração da contrapartida federal, quando cotejada com o crescimento das contrapartidas estaduais e municipais, tanto em termos das porcentagens no total do financiamento público como em dólares per capita. Ainda que os recursos destinados à saúde representem um percentual considerado alto no orçamento, ele é totalmente insuficiente face às necessidades da população. * O Brasil gasta muito pouco com saúde. O total do financiamento público vem oscilando entre 125 e 150 dólares per capita ao ano, enquanto no Canadá, países europeus, Japão, Austrália e outros, a média do financiamento público é de US$ 1.400,00 per capita, na Argentina é US$ 362,00 e no Uruguai, US$ 304,00. * O Projeto de Lei Complementar nº 01/2003, que regulamenta a E.C. nº 29/2000, foi exaustivamente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil, representativas dos usuários, dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, dos gestores nas três esferas de governo, dos profissionais da saúde, dos prestadores de serviços. Esse debate se deu nas Conferências e Conselhos de Saúde, por mais de dois anos, e finalmente nas Comissões da Seguridade Social e Família, de Finanças e Tributação e da Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. É preciso, pois, que governo e oposição se comprometam a aprová-lo. * Fruto desse consenso é a proposta de estabelecer a contrapartida federal para a Saúde em 10% da receita bruta da União, o que corresponde a um acréscimo de aproximadamente R$ 10 bilhões, ou US$ 30,00 per capita, ao ano. Ainda que gritantemente insuficiente e aquém das referências internacionais citadas, significa um importante passo, porque atrela essa contrapartida a uma base orçamentária, da mesma maneira com que foi definida para os estados e municípios, dispõe sobre o que são serviços de saúde financiados pelo SUS e o que não são serviços de saúde, e orienta os gastos e as prestações de contas com base no referencial da Eqüidade, Integralidade e Eficiência.

A SAÚDE UNIVERSAL, HUMANIZADA E DE QUALIDADE COMO POLÍTICA DE ESTADO Essas estratégias programáticas representam as pontes a serem construídas para fazermos a transição entre o SUS existente, reconhecendo-se seus avanços e limites, e para o SUS pra valer: Universal, Humanizado e de Qualidade. Hoje, é plenamente factível e necessário ampliar a garantia do direito à saúde. As eleições que se aproximam repõem a saúde na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos. Nossa intenção é abrir este debate de forma ampla, com todos os partidos políticos, de forma a alcançar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas. A luta pela democratização da saúde sempre foi suprapartidária e permitiu a construção de uma ampla e sólida coalizão reformadora que tem dado sustentação ao processo da Reforma Sanitária. Uma vez mais, estas forças comprometidas com o avanço da democracia por meio da implementação da Reforma Sanitária reafirmam a necessidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programáticas acima enunciadas. Elas foram fruto de uma ampla discussão entre várias entidades, e seu delineamento nasceu da experiência acumulada pelo movimento da Reforma Sanitária em todas as suas

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frentes de trabalho: nas organizações e entidades de profissionais e usuários, nas universidades, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário etc. Sabemos que é possível, hoje, atender a população em um SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade. Para chegarmos a isso é necessária a firme vontade política dos nossos líderes de assumir o compromisso social com nossas propostas. Temos certeza que, dessa forma, estaremos todos construindo uma sociedade mais justa e democrática, o que transcende a mera perspectiva setorial, possibilitando o avanço em direção a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz. Este é um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer: não serão toleradas omissões.

Rio de Janeiro, julho de 2006.

Abrasco - www.abrasco.org.br cebes - [email protected] Abres - www.abres.fea.usp.br Rede UNIDA - www.redeunida.org.br Ampasa - www.ampasa.org.br

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A Identidade do CEBES1 The identity of CEBES

Reafirmamos os princípios expressos na Plataforma da Refundação do CEBES, e entendemos que este é um processo que apenas iniciamos, mas que já nos reposiciona na cena política de forma a poder participar da construção coletiva de uma direção política para a saúde e para a democracia brasileira. Entendemos que a identidade coletiva que nos agrega é a de uma instituição comprometida com o socialismo e, portanto com a radicalização da democracia, o que requer participar da construção de uma nova correlação de forças na sociedade brasileira e também mundial, que permita um real deslocamento do poder em direção aos setores dominados e excluídos. Entendemos que a democracia eleitoral e a defesa do estado de direito são imprescindíveis para permitir a aglutinação de forças e a construção de novos sujeitos políticos. No entanto, nossa perspectiva socialista vai além da democracia formal e requer uma verdadeira transformação nas relações de poder, o que não ocorreu com a mudança de regime político. O CEBES tem suas origens no movimento social de luta contra a ditadura e pela democracia, e seu lugar sempre foi o de pensar esta construção social a partir da democratização da saúde. Não sendo uma ONG nem um movimento social típicos, o CEBES se identificou sempre com um lugar da sociedade civil de onde se possa pensar criticamente a saúde e a sociedade brasileira e, desde esta análise de conjuntura, construir estratégias políticas transformadoras, difundi-las e buscar agrupar forças sociais capazes de impulsionar este processo de transformação. Para tanto, conta com pouco recursos, não sendo um partido ou um grupo acadêmico de produção de conhecimentos, mas considera fundamental usar os conhecimentos e saberes para demarcar este lugar de um pensamento de esquerda, que tensione o espectro político mais tradicional e cobre mudanças institucionais e societárias. Por não ser um grupo de origem corporativa o discurso do CEBES deve cobrar a universalidade, reivindicando um projeto coletivo de reforma sanitária que transcenda interesses, que, embora justos são particularistas, exigindo a transformação da democracia atual em uma democracia substantiva.

AUTONOMIA E INSERÇÃO O desafio atual é o de manter-se como uma organização autônoma, desvinculada do Estado, ao mesmo tempo em que buscamos inserir nossas bandeiras na arena política, conquistando aliados dentro e fora do Estado.

1ª. Reunião de Planejamento Estratégico no Sítio Pedras Negras em 28 / 04 / 2007. PARTICIPANTES: Ana Costa; Ary Carvalho de Miranda; Assis Mafort; Francisco Braga; Fuad Zamot (consultor); Lenaura Lobato; Ligia Bahia; Lígia Giovanella; Luciana Sucupira; Luiz Neves; Maria Gabriela Monteiro; Mario Scheffer; Paulo Amarante; e Sonia Fleury. 1

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A preservação da autonomia necessária é difícil, na medida em que necessitamos de apoios políticos e materiais de órgãos estatais, para estruturarmos uma base material minimamente eficiente e que assegure a eficácia de nossas ações. No entanto, consideramos que esta relação de apoio não pode se configurar como dependência política e temos convicção que seremos capazes de enfrentar este desafio. Por outro lado, é importante reconhecer que nossos companheiros alcançaram chegar aos núcleos decisórios governamentais e que é nosso dever apoiá-los e criar condições de sustentabilidade das medidas políticas que consolidem a reforma sanitária. Mas, por mantermos a autonomia entre sociedade civil e Estado, temos que enfrentar as dificuldades inerentes à permanente postura crítica que é necessária para fazer a reforma avançar. As condições para tanto são mais favoráveis agora que em outros momentos anteriores, considerando o fato de termos como dirigente do Ministério da Saúde um companheiro que coloca nossas posições no seio do debate político. Em pouco tempo, sua gestão foi capaz de reinserir a saúde como tema da sociedade (aborto, bebida, prevenção), do governo (soberania em relação a multinacionais, separação Igreja e Estado, saúde como investimento) e em relação ao mercado (patentes, preços de monopólio), para mencionar alguns aspectos. Somos solidários e apoiamos estas iniciativas, mas reconhecemos que os limites para algumas das propostas encaminhadas serão dados pela base de sustentação e orientação ideológica e econômica deste governo. Por isto, nossa autonomia será imprescindível para inserir nossos interesses e também para cobrar posições governamentais em relação a pontos nevrálgicos, nos quais a universalização da saúde seja ameaçada por medidas econômicas que sigam retirando recursos da saúde – como a preservação da DRU, seja por medidas reformadoras que signifiquem redução de benefícios para a população mais pobre – como algumas medidas propostas na reforma previdenciária -, seja ainda pela ausência de uma proposta coerente de reforma do Estado na qual se defina uma política para o funcionalismo público que assegure carreiras dignas e combata clientelismo, corrupção e troca de favores , em detrimento da saúde da população. Nossa capacidade de inserção de nossas estratégias na arena pública não depende de nossa adesão ao governo, mas de nossa capacidade de fortalecer alianças na sociedade civil que garantam sustentabilidade às propostas que defendemos. Neste sentido, vemos como imprescindível nossa articulação mais orgânica com a rede de organizações, movimentos e partidos políticos que possam revitalizar a sociedade civil em torno das questões sanitárias.

ESTRATEGIAS: UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO Consideramos que só poderemos ganhar o apoio da população para a defesa do sistema de saúde se conseguirmos que ele funcione pra valer, de forma humanizada e sem discriminações, com ações que sejam eficazes e efetivas no acesso e utilização dos serviços. Portanto, temos claro que a construção, cotidiana e permanente, de um SUS de qualidade é nosso ponto focal. Desde esta trincheira podemos lutar para que a democracia seja aprofundada. Enfrentar a desigualdade no acesso e atendimento, a drenagem de recursos públicos para o setor privado, a necessidade de melhorar a qualidade do atendimento e de colocar o usuário cidadão como o centro do SUS; esta é nossa bandeira.

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Para tanto, devemos manter o instrumento permanente da análise de conjuntura política, por meio do qual podemos analisar o campo de lutas, os atores e suas arenas e estratégias. Desta forma, estaremos em melhores condições para definir nossas alianças, escalonar prioridades em relação a manifestações e participações do CEBES, não permitir que a organização seja usada para apoio a causas que sejam ou particulares ou confrontem com nosso ideário, impedir o aparelhamento político e partidário dos núcleos e espaços do CEBES, atuar em conjunto com outras forças sociais para dar a direção política da saúde na perspectiva da radicalização da reforma e da democracia. Em cada espaço que ocuparmos temos a obrigação de exercer a crítica a instituições e normas que, mesmo que tenhamos sido favoráveis a sua criação, demonstrem sua inoperância ou desvirtuamento na conjuntura atual. Revisitar os mecanismos decisores e participativos, repensar as relações entre instâncias governamentais, discutir a articulação da saúde com outras políticas públicas, em especial na perspectiva de efetivação da Seguridade Social, são nossos objetivos estratégicos. Particularmente, neste ano devemos dar prioridade a nossa participação no Congresso da ABRASCO, ALAMES e IHPS, marcando nossa presença política, divulgando nossa plataforma e estratégia e construindo uma rede de alianças sólidas com outros atores sociais.Para tanto, precisamos fortalecer nossa linha de comunicação, com a retomada da Revista Saúde em Debate, da coleção de livros, fortalecimento do boletim e desenvolvimento de uma página eletrônica que permita nossa interação com os associados e simpatizantes. Outra ação estratégica se concentra na discussão sobre a metodologia e o temário da XIII Conferência Nacional de Saúde. Vamos discutir o que ocorreu até aqui com este poderoso instrumento de formação da vontade política, com vistas a seu aprimoramento e melhoria da sua eficácia. Este são os compromissos atuais do CEBES, aos quais se ajunta a necessidade de resgatar a história da reforma sanitária, desde a perspectiva das lutas da sociedade civil organizada, da qual o CEBES é partícipe e detentor de um enorme acervo que necessita resgatar e divulgar. Consideramos que estamos no caminho correto pois estamos sendo capazes de desenvolver um trabalho de equipe, criar espaços de interlocução com outro atores, participar nas várias frentes onde a sociedade civil se representa – como o Conselho Nacional de Saúde, aglutinar pessoas de diferentes formações, posições e gerações em torno do debate da conjuntura, nos posicionarmos em relação a temas controversos, enfim ampliar a esfera pública comunicacional no campo da saúde. Estamos certos que este é apenas um começo e que muito mais poderá e deverá ser feito, na medida em que formos capazes de mobilizar mais energias e recursos para ampliação do escopo da democracia atual.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, 397-399, set./dez. 2005

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TEMPORÃO, ENTREVISTAJosé/ Gomes INTERVIEW

CEBES entrevista José Gomes Temporão, ministro da Saúde1 CEBES interviews José Gomes Temporão, the Health Minister

N

o ano passado, a atual Diretoria Nacional assumiu a entidade com uma proposta que ficou conhecida como ‘Refundação do CEBES’. Uma proposta que não se restringe a nós, mas que tem como objetivo a retomada do movimento da Reforma Sanitária brasileira. Afinal, em 2006, o CEBES e a revista Saúde em Debate completaram 30 anos, com uma contribuição indiscutível para a construção do pensamento e das práticas críticas e transformadoras em saúde neste país. A Refundação é a reafirmação do projeto plural e não partidário do CEBES, projeto este comprometido com a construção da democracia e da saúde enquanto um processo instituinte de permanente reinvenção da sociedade. Dentre os muitos projetos da Diretoria no contexto da Refundação, julgamos importante resgatar e preservar a história do próprio CEBES, o que gostaríamos de ter feito ainda quando contávamos com a companhia de David Capistrano, um de seus fundadores, Eric Jenner Rosas, Sergio Arouca e mesmo com Eleutério Rodrigues dentre muitos outros companheiros. Afinal, apesar de todas as crises, das numerosas dificuldades, foram editados 71 números da Saúde em Debate e 40 da Divulgação, além de vários títulos de livros e documentos. Denominamos este projeto de ‘Memória do CEBES’ e é com muito otimismo que damos início a ele entrevistando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, cebiano de primeira hora, presidente nacional no período 1981-83, e membro da Diretoria Nacional em várias gestões. O ministro Temporão fala da importância do CEBES

no início de sua formação médica e política, de suas vivências como sanitarista e de suas metas e projetos, estratégias e obstáculos à frente do Ministério da Saúde. Fala, ainda, da 13ª Conferência Nacional de Saúde e das fundações estatais de direito privado. Mas, o melhor é ouvir tudo do próprio ministro. Sonia Fleury – Você pode imaginar nossa satisfação em recebê-lo aqui, um ministro cebiano! Com esta entrevista, inauguramos o Projeto Memória do CEBES. Fale sobre sua experiência no CEBES, e o que você acha que a mesma agregou à sua trajetória política e profissional? José Gomes Temporão – Primeiro, queria agradecer o convite e manifestar minha alegria de estar aqui nesse debate com os companheiros cebianos. Tudo começou quando eu estudava medicina na UFRJ. No início do segundo ano, eu tinha um amigo, o Gerson, um ginecologista, que me convidou para trabalhar em Nova Iguaçu, na Maternidade Nossa Senhora de Fátima. Eu dava plantão com ele nos domingos. Gerson foi o primeiro médico que conheci que me mostrou como se dá a relação médico-paciente. Não foi na faculdade que aprendi isso, foi lá na Baixada. Comecei a aprender muita coisa com ele. Naquela época, eu não tinha muita idéia do que ia fazer; achava que ia fazer clínica médica. Vivíamos na ditadura. Então, havia aquele clima complicado na faculdade, também. Ali, na Baixada, eu tinha um contato muito próximo com a situação social – que já conhecia desde a época que trabalhei no

A entrevista foi gravada nos estúdios do Canal Saúde, no dia 7 de julho de 2007, cujo vídeo comporá o acervo histórico do Projeto Memória do CEBES. Excelente oportunidade para agradecer à generosidade e à competência técnica de todos os profissionais do Canal Saúde e do Centro de Documentação da ENSP (CEDOC), que participaram da gravação. Pelo CEBES, participaram Sonia Fleury, Ligia Bahia, Francisco Braga, Luiz Antonio Neves, Lenaura Lobato e Paulo Amarante.

1

400 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 400-410, set./dez. 2005

ASSOCIE-SE AO CEBES E RECEBA AS NOSSAS REVISTAS O CEBES tem duas linhas editoriais. a revista Saúde em Debate, que o associado recebe quadrimestralmente em abril, agosto e dezembro, e a Divulgação em Saúde para Debate, cuja edição tem caráter temático, sem periodicidade regular.

QUEM SOMOS Desde a sua criação em 1976 o CEBES tem como centro de seu projeto a luta pela democratização da saúde e da sociedade. Nesses 30 anos, como centro de estudos que aglutina profissionais e estudantes, seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta, em movimentos sociais, nas instituições ou no parlamento. Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado em fortalecer seu modelo democrático e pluralista de organização; em orientar sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir nas políticas e nas práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e a formulação teórica sobre as questões de saúde; e, em contribuir para a consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma sociedade mais justa. A produção editorial do CEBES é resultado do trabalho coletivo. Estamos certos que continuará assim, graças a seu apoio e participação. A ficha abaixo é para você tornar-se sócio ou oferecer a um amigo! Basta enviar a taxa de associação (anuidade) de R$ 150,00 (institucional), R$ 100 (profissional) ou R$ 50,00 (estudante) em cheque nominal e cruzado, junto com a ficha devidamente preenchida, em carta registrada, ou solicitar, nos telefones ou e-mail abaixo.

CORRESPONDÊNCIAS DEVEM SER ENVIADAS PARA CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Av. Brasil, 4.036 – Sala 802 – Manguinhos – 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140 e 3882-9141 – Fax.: (21) 2260-3782 E-mail: [email protected] / [email protected]

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SAÚDE EM DEBATE Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), voltada para a área de Saúde Pública e Saúde Coletiva, publicada quadrimestralmente em abril, agosto e dezembro, é distribuída a todos os associados em situação regular com a tesouraria do CEBES. Aceita trabalhos inéditos sob forma de artigos originais, artigos de opinião, artigos de revisão ou de atualização, relatos de casos e resenhas de livros de interesse acadêmico, político e social. Os textos enviados para publicação são de total e exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desde que identificada a fonte e a autoria. A publicação dos trabalhos está condicionada a pareceres de membros do Conselho Editorial e do quadro de Pareceristas Ad-Hoc (através do sistema duplo cego). Eventuais sugestões de modificações da estrutura ou do conteúdo, por parte da Editoria, serão previamente acordadas com os autores. Não serão admitidos acréscimos ou modificações depois que os trabalhos forem entregues para a composição.

ARTIGOS Seqüência de Apresentação do Texto 1. Título em português e em inglês. O título deve expressar claramente o conteúdo do artigo. 2. Folha de apresentação com nome completo do(s) autor(es), endereço, e-mail e no rodapé as referências profissionais (contendo filiação institucional e titulação). Quando o artigo for resultado de pesquisa com financiamento, citar a agência financiadora. 3. Resumo em português e inglês (abstract), em que fique clara uma síntese dos propósitos, dos métodos empregados e das principais conclusões do trabalho; descritores (descriptors), mínimo de três e máximo de cinco palavras, não ultrapassando o total de 700 caracteres (aproximadamente 120 palavras). Para os descritores utilizar os apresentados no vocabulário estruturado (DECS), encontrados no endereço http:// decs.bvs.br. Caso não sejam encontrados descritores disponíveis para a temática do artigo, poderão ser indicados termos ou expressões de uso conhecido.

e) as referências bibliográficas no corpo do texto, deverão ser apresentadas entre parênteses em caixa alta seguidas do ano e, se possível, da página. Ex.: (MIRANDA NETTO, 1986; TESTA, 2000, p. 15). 5. Referências Bibliográficas deverão ser apresentadas no final do artigo, observando-se a norma da ABNT NBR 6023: 2000 (disponível em bibliotecas). Exs.: CARVALHO, Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Estado. In.: FLEURY, Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde e democracia: a luta do CEBES. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112. COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo M.; JACOBI, Pedro. Participação popular e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do município de São Paulo. Saúde em Debate, Londrina (PR), n. 38, 1993. p. 90-93. DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991. 111p.

EXTENSÃO DO TEXTO O artigo propriamente dito deve conter até 15 laudas. Os artigos que ultrapassarem este total, serão devolvidos aos autores. Obs.: 1 lauda tem 1.400 caracteres (com espaço), portanto a cada 20 linhas de 70 caracteres resulta em 1 lauda. Na carta de apresentação do artigo, o(s) autor(es) deve(m) mencionar o número de laudas.

RESENHAS Serão aceitas resenhas de livros de interesse da área de Saúde Pública e Saúde Coletiva, a critério do Conselho Editorial. Devem dar uma noção do conteúdo da obra, de seus pressupostos teóricos e do público a que se dirige, em até três laudas.

ARTIGOS DE OPINIÃO Serão aceitos trabalhos referentes a textos publicados na revista ou a assuntos de conjuntura de interesse nacional. Serão publicados a critério do Conselho Editorial. Devem conter até sete laudas.

4. Artigo propriamente dito. a) as marcações de notas de rodapé no corpo do texto, deverão ser sobrescritas. Ex.: Reforma Sanitária1

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b) para as palavras ou trechos do texto que são destacados a critério do autor, utilizar aspas simples. Ex.: ‘porta de entrada’.

1. Os trabalhos para apreciação do Conselho Editorial devem ser enviados à Secretaria Executiva do CEBES – Av. Brasil, 4036 – sala 802 – CEP: 21040-361 Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ

c) quadros e gráficos deverão ser apresentados, também, em folhas separadas do texto, numerados e titulados corretamente com indicações das unidades em que se expressam os valores e com as fontes correspondentes. d) os autores citados no corpo do texto deverão estar escritos em caixa baixa (só a primeira letra maiúscula), observando-se a norma da ABNT NBR 10520: 2001 (disponível em bibliotecas). Ex.: Conforme Mario Testa (2000).

Tel.: (21) 3882-9140 e 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782. 2. Deverão ser apresentados impressos em 03 vias e em disquete. Aceitaremos textos no programa Word for Windows. 3. Os gráficos e/ou tabelas deverão ser apresentadas em arquivo separado, no mesmo disquete.

INSTRUCTIONS FOR AUTHORS

SAÚDE EM DEBATE Journal of the Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) which focuses on Public Health and Collective Health, publishes every four months: April, August and December, and distributed to all associated individuals up-to-date with CEBES'treasury. It accepts original studies in the form of original articles, opinion articles, review or update articles, case studies and critical book reviews of academic, political, or social interest. Texts sent for publishing are responsibility of the authors. Total or partial reproduction of articles is permitted, as long as both authorship and source are identified. Publication of articles is subject to approval by the Editorial Advisory Board and Ad-Hoc Partners (through a double-blind system). Any suggestion of changes in structure or content, by the editors, will be previously agreed by the authors. No changes or additions can be made after articles are sent to typesetting.

5. Bibliographic References shall be presented in the end of the article, according to regulation ABNT NBR 6023: 2000 (available in libraries). E. g.: CARVALHO, Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Estado. In.: FLEURY, Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde e democracia: a luta do CEBES. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112. C OHN , Amélia; E LIAS , Paulo Eduardo M.; J ACOBI , Pedro. Participação popular e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do município de São Paulo. Saúde em Debate, n. 38, 1993. p. 90-93. DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991. 111p.

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The article itself must have a maximum of 15 pages. Articles that do not comply to this will be returned to authors. Note: one page has 1,400 characters (including spaces), so every 20 lines of 70 characters each forms one page. In the article presentation letter, the author(s) must state the number of pages.

1. Title in Portuguese and English. Titles must clearly express article content.

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2. Cover containing full author(s) name(s), address, Email, and, as footnotes, professional references (including institutional affiliation and titles). When the article is a result of a sponsored research, the sponsoring agency should be mentioned. 3. Abstract in Portuguese and English, containing a summary of purpose, used methods and main work conclusions; descriptors, between three and five words, not more than 700 characters (approximately 120 words). For descriptors use the ones presented in the available structured vocabulary (DECS), which can be found at http://decs.bvs.br, in case available descriptors are not found for the article’s theme, terms or expressions of known use can be indicated.

Critical reviews of books of interest to Public Health and Collective Health, will be accepted, at the discretion of the Editorial Board. They must discuss book’s content, its theoretical postulates and the audience it aims to reach, in up to three pages.

OPINION ARTICLES Articles about previously published articles in this journal or about national interest issues will be accepted. These will be subject to Editorial Board approval. Must be made up of seven pages maximum.

4. Article. a) footnote numbers inserted in the text must be superscripted. E.g.: Sanitary Reform1 b) for highlighting words or excerpts the author should use simple quotation marks. E.g.: ‘entrance’. c) tables and graphics should also be presented in separate sheets, numbered and correctly named, with indication of the units used and corresponding sources. d) authors mentioned in the text should be written in lower case (only first letters of each name in capital letters), according to regulation ABNT NBR 10520: 2001 (available in libraries). E.g.: Mario Testa (2000) e) bibliographic references in the text shall be presented inside brackets and upper case followed by year and, if applicable, page. E.g.: (MIRANDA NETTO 1986; T ESTA, 2000, p. 15).

ARTICLE SUBMISSION 1. Articles should be submitted to the following address for appreciation by the Editorial Board: Secretaria Executiva do CEBES – Av. Brasil, 4036 – sala 802 – CEP: 21040-361 – Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ Phone: +(55)21 3882-9140 and +(55)21 3882-9141 Fax: +(55) 21 2260-3782. 2. Articles must be submitted in three copies and in diskette. We will accept articles in Word for Windows program. 4. Graphics and/or tables must be presented in a separate file, in the same diskette.

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