PUBLICAÇÃO EDITADA PELO Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Diretoria Nacional / National Board of Directors Rua Herpéria, 16 – Manguinhos – Rio de Janeiro/RJ Endereço para correspondência: Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 E-mail:
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[email protected] DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2006-2009) Diretoria Executiva Presidente 1O Vice-Presidente 2O Vice-Presidente 3O Vice-Presidente 4O Vice-Presidente 1O Suplente 2O Suplente
Sonia Fleury (RJ) Ligia Bahia (RJ) Ana Maria Costa (DF) Luiz Neves (RJ) Mario Scheffer (SP) Francisco Braga (RJ) Lenaura Lobato (RJ)
PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Diretoria Nacional / National Board of Directors Rua Herpéria, 16 – Manguinhos – Rio de Janeiro/RJ Endereço para correspondência: Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 E-mail:
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[email protected] NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2006-2009) Executive Direction President Sonia Fleury (RJ) 1st Vice-President Ligia Bahia (RJ) Ana Maria Costa (DF) 2rd Vice-President 3th Vice-President Luiz Neves (RJ) 4th Vice-President
Mario Scheffer (SP)
1nd Substitute 2nd Substitute
Francisco Braga (RJ) Lenaura Lobato (RJ)
CONSELHO FISCAL Áquilas Mendes (SP), José da Rocha Carvalheiro (RJ), Assis Mafort (RJ), Sonia Ferraz (DF), Maura Pacheco (RJ), Gilson Cantarino (RJ) & Cornelis Van Stralen (MG).
FISCAL COUNCIL Áquilas Mendes (SP), José da Rocha Carvalheiro (RJ), Assis Mafort (RJ), Sonia Ferraz (DF), Maura Pacheco (RJ), Gilson Cantarino (RJ) & Cornelis Van Stralen (MG).
CONSELHO CONSULTIVO
ADVISORY COUNCIL
Sarah Escorel (RJ), Odorico M. Andrade (CE), Nelson Rodrigues dos Santos (SP), Lucio Botelho (SC), Antonio Ivo de Carvalho (RJ), Roberto Medronho (RJ), José Francisco da Silva (MG), Luiz Galvão (WDC), André Médici (DF), Jandira Feghali (RJ), José Moroni (DF), Ary Carvalho de Miranda (RJ), Julio Muller (MT), Silvio Fernandes da Silva (PR) & Sebastião Loureiro (BA).
Sarah Escorel (RJ), Odorico M. Andrade (CE), Nelson Rodrigues dos Santos (SP), Lucio Botelho (SC), Antonio Ivo de Carvalho (RJ), Roberto Medronho (RJ), José Francisco da Silva (MG), Luiz Galvão (WDC), André Médici (DF), Jandira Feghali (RJ), José Moroni (DF), Ary Carvalho de Miranda (RJ), Julio Muller (MT), Silvio Fernandes da Silva (PR) & Sebastião Loureiro (BA).
PUBLISHER
EDITOR Paulo Amarante (RJ)
Paulo Amarante (RJ)
CONSELHO EDITORIAL Jairnilson Paim (BA), Gastão Wagner Campos (SP), Ligia Giovanella (RJ), Edmundo Gallo (DF), José Gomes Temporão (RJ), Francisco Campos (MG), Paulo Buss (RJ), Eleonor Conill (SC), Emerson Merhy (SP), Naomar de Almeida Filho (BA) & José Carlos Braga (SP)
PUBLISHING COUNCIL Jairnilson Paim (BA), Gastão Wagner Campos (SP), Ligia Giovanella (RJ), Edmundo Gallo (DF), José Gomes Temporão (RJ), Francisco Campos (MG), Paulo Buss (RJ), Eleonor Conill (SC), Emerson Merhy (SP), Naomar de Almeida Filho (BA) & José Carlos Braga (SP)
SECRETARIA EXECUTIVA Marília Correia
EXECUTIVE SECRETARIES Marília Correia
INDEXAÇÃO
INDEXATION Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)The articles about Health
Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe
History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin America and the Caribbean)
Apoio A Revista Saúde em Debate é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos
REVISÃO DE TEXTO Sonia Regina P. Cardoso & Therezinha Bomfim – português, Benjamin Adam Kohn – inglês, Arlete Santos de Oliveira – normatização bibligráfica CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Felipe Braga, Paulo Vermelho, Priscila Costa & Sandra Pereira
PROOFREADING Sonia Regina P. Cardoso & Therezinha Bomfim – portuguese, Benjamin Adam Kohn – english, Arlete Santos de Oliveira – bibliographic standardization COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING Felipe Braga, Paulo Vermelho, Priscila Costa & Sandra Pereira PHOTO
FOTO Virginia Damas IMPRESSÃO E ACABAMENTO Corbã Editora Artes Gráficas
Virginia Damas PRINT AND FINISH Corbã Editora Artes Gráficas NUMBER OF COPIES
TIRAGEM 2.000 exemplares
2,000 copies
Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em julho de 2007.
This publication was printed in Rio de Janeiro on July, 2007.
Capa em papel couche 180 gr
Cover in couche paper 180 gr
Miolo em papel off set 75 gr
Core in off set paper 75 gr
Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2005. v. 29; n. 71; 27,5 cm Quadrimestral ISSN 0103-1104 1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES CDD 362.1
Rio de Janeiro
v.29
n.71
set./dez. 2005
ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ISSN 0103-1104
SUMÁRIO / SUMMARY
EDITORIAL / EDITORIAL ...................................................... 226 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados The exclusion of medical assistance coverage from HMOs Mário Scheffer ............................................................... 230 Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde Brazilian border towns and the Mercosur: characteristics and initiatives of cooperation in health Luisa Guimarães & Ligia Giovanella ......................................... 247 O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS The impact of the Lula government economic policy on Social Security and the Unified Health System Ãquilas Nogueira Mendes & Rosa Maria Marques ........................... 257 A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior Health Policy in the Lula government and the least worse dialectic Carmen Fontes Teixeira & Jairnilson Silva Paim .............................. 267
Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia Development and Health: in search of a new Utopia Carlos Augusto Grabois Gadelha ............................................. 326 Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação To regulate the EC nº 29, to improve the management model and realize the universality with integrality, equity and participation Nelson Rodrigues dos Santos ................................................. 338 Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde Notes on the decentralization process of health care Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato ........................................ 352 A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde The current situation and prospects of universal health systems Hans-Ulrich Deppe ........................................................... 364 Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações From State Reform to the Reform of Federal Hospital Administration: Some Considerations Lenir Santos ................................................................. 370
O direito à participação no Governo Lula The right to participation in the Lula Government José Antonio Moroni ......................................................... 283
DOCUMENTOS/DOCUMENTS
ARTIGOS DE OPINIÃO/ OPINION ARTICLES
O lugar estratégico da gestão na conquista do SUS pra valer The strategic place of management in the attainment of a genuine Unified Health System ............................................................................. 381
Poteção Social em um Mundo Globalizado Social Protection in a Globalized World Sonia Fleury ................................................................ 304 Saúde, Desenvolvimento e Globalização Health, Development and Globalization Edmundo Gallo, Janice Dornelles de Castro, Joseane Carvalho Costa, Vivian Studart & Sandra Willecke .................................................. 314
O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade An Effective Unified Health System: universal, humanized and of high quality ........................................... 384 A Identidade do CEBES The identity of CEBES ...................................................................... 396 CEBES entrevista José Gomes Temporão, ministro da Saúde CEBES interviews José Gomes Temporão, the Health Minister ...................... 400
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EDITORIAL REFUNDAÇÃO DO CEBES
C
om este número da revista Saúde em Debate a dire toria nacional, eleita para o período 2006-2009, divulga sua plataforma política (veja a seguir). O texto, juntamente com o documento “A identidade política do CEBES”, publicado no corpo da revista, constituem as orientações políticas desta diretoria, as quais deverão ser seguidas de outros esforços de reflexão sobre nossa estratégia. Outros documentos publicados neste número são: “O SUS pra valer” e “O lugar estratégico da gestão na conquista do SUS pra valer”. O primeiro é produto de um esforço conjunto das entidades que compõem o Fórum da Reforma Sanitária Brasileira e representa nossa posição comum em relação aos desafios atuais do processo da reforma; o segundo demonstra a posição que o CEBES levou para o debate sobre o modelo de gestão hospitalar, na última reunião do Conselho Nacional de Saúde, em junho 2007. Com a publicação destes documentos, pretendemos manter nosso compromisso de ampliar o debate político sobre nossa estratégia e análise de conjuntura. Como o CEBES sempre aliou a análise política à difusão do conhecimento científico, os artigos que compõem este número representam algumas das contribuições mais importantes de especialistas, fruto de investigação original e/ou de reflexão crítica, para a compreensão das políticas sociais e de saúde. A qualidade destas contribuições atesta os compromissos firmados por esta diretoria em relação à Refundação do CEBES e à revitalização de seus instrumentos tradicionais de comunicação, o mais importante deles sendo a revista Saúde em Debate.
telista, patrimonial e processos que perpetuam o exercício elitista do poder, em um campo permanente de luta por espaços de participação e garantia dos direitos das populações marginalizadas. Portanto, o repensar sobre o processo de saúde-doença e suas repercussões sobre a organização das práticas, a renovação institucional e a inovação gerencial para democratização da saúde integram um projeto que merece mobilização constante, e o CEBES será um ator autônomo, capaz de articular redes políticas que exerçam a crítica como instrumento de reflexão e ação.
Plataforma da Refundação do CEBES
2. Mais do que atuar na trincheira do aparato estatal, o CEBES tem como missão a luta pela hegemonia, participando na construção e ampliação da consciência sanitária e na constituição de sujeitos políticos emancipados. A disputa por projetos de sociedade – da liberal à socialista – se dá com cada vez maior intensidade, incidindo no campo social por meio da difusão de valores individualistas, consumistas e submissos a uma inexorabilidade que prescinde da história e da política. Ao lutar pela compreensão da saúde coletiva, como um bem público e socialmente determinado, propugnando sistemas de atenção baseados nos valores da solidariedade e na garantia de direitos; nas práticas integrais da promoção à reabilitação; na exigência da participação ativa dos cidadãos nas decisões sobre sua saúde e sobre a política de saúde, estamos permanentemente lutando por uma sociedade mais justa. O CEBES precisa ampliar sua capacidade de se tornar um interlocutor dos meios de comunicação massivos, difundindo conhecimentos e valores que nos conduzam à busca de respostas que permitam aglutinar as forças sociais que se orientam pela busca da paz e redução da violência.
1. O CEBES é um espaço plural e não partidário, comprometido com a construção da Democracia e Saúde, entendendo que a democracia vai além da institucionalidade e da representação, passando pela construção de uma esfera pública plural e inclusiva, na qual os cidadãos se reconheçam como iguais e sujeitos de direitos. Isto implica, necessariamente, na transformação do aparato institucional, forjado na tradição clien-
3. A trajetória da Reforma Sanitária é um enredo complexo entre a força de um forte movimento de transformação social, ou seja, instituinte, e a bem-sucedida estratégia de ocupação de espaços instituídos. Contraditoriamente, a cada vez que se avança nos espaços instituídos, o que representa nossa pujança e presença na correlação de forças, novas contradições se colocam, a principal delas sendo a redução do poder de
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transformação do movimento sanitário. Se o poder é mais bem percebido pelo que ele é capaz de concretizar institucionalmente, ele só tem sentido e direção se mantiver unido às bases sociais que radicalizam a demanda democrática. O CEBES não pode perder esta característica de movimento social, capaz de empolgar pelo vigor de sua proposta e, ao mesmo tempo, as características de uma organização social, capaz de incidir na realidade com a clareza de suas propostas e sua capacidade de articulação política. 4. A institucionalização da Reforma Sanitária correspondeu a um enorme avanço democrático e ao estabelecimento de um novo marco civilizatório, no qual o direito à saúde se encontra legalmente entronizado. No entanto, a não-realização deste direito no cotidiano da população, em sua interação com uma realidade institucional precária, é um permanente solapamento da cultura e dos valores da democracia, levando cada dia mais a seu descrédito. Esta tarefa de fazer com que os direitos enunciados se transformem em direitos em exercício pleno da cidadania continua pendente e requer nossa ação política contundente e não conivente com a ineficiência e ineficácia, com o clientelismo e a corrupção, com qualquer forma de discriminação. Nossa tarefa no CEBES é demonstrar que um sistema público universal, de qualidade e humanizado é viável, hoje. 5. O crescimento de um mercado de planos e seguros de saúde subsidiado, em parte por recursos públicos. Assim a regulação requer um esforço de nossa parte para pensar formas de intervenção pública que garantam simultaneamente a equidade da atenção à saúde, os direitos dos consumidores e a ética profissional. A produção de insumos e tecnologias, subordinada a uma lógica de acumulação capitalista precisa ser revertida para a produção de bens e serviços em função das necessidades. O CEBES deve se articular com os movimentos nacionais e internacionais que se mobilizam em torno da produção de medicamentos e garantia de atenção à saúde para os países e populações do denominado ‘terceiro mundo’.
6. A institucionalização das políticas sociais no novo padrão constitucional baseado na descentralização e participação gerou uma arquitetura institucional inovadora, porém de eficácia limitada, pois a participação social ficou determinada pelo desenho institucional do aparato estatal. A superação desta fragmentação nos permitirá levar à prática a integralidade das políticas cuja centralidade deverá ser sempre o cidadão usuário. Somente se articulando com os demais atores políticos da sociedade civil organizada poderemos transcender a fragmentação que nos retira potencialidade. O CEBES poderá jogar um papel crucial na articulação política da Seguridade Social, viabilizando o fortalecimento dos atores sociais no âmbito da Seguridade com a efetivação de Conselhos, Conferências e ações intersetoriais de forma a dar realidade ao Orçamento da Seguridade Social. 7. A sociedade civil organizada tem se articulado em redes que buscam pensar formas mais eficazes de atuação política, permitindo superar os limites impostos pela setorialização, fragmentação e tentativas de cooptação. O CEBES necessita assumir um papel neste movimento social, articulando-se com a sociedade civil organizada para pensar os limites da democracia brasileira. Somente com uma organização forte da sociedade civil podemos fazer a democracia avançar no sentido de redução do uso das políticas públicas como moeda de troca para apoio dos governantes, exigindo o aumento da participação social nas áreas econômicas que decidem o uso dos recursos públicos, o aumento da transparência nas contas públicas e nos processos decisórios, o fortalecimento das carreiras públicas, a regulamentação dos mecanismos legislativos de iniciativa popular, o caráter impositivo do orçamento aprovado pelo Congresso com a eliminação das emendas individuais, a reforma eleitoral.
A DIRETORIA NACIONAL
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EDITORIAL
T
hrough this edition of the magazine Saúde em Debate the national directorate, elected for the 20062009 term, discloses its political platform (see below). The text, together with the document “The political identity of CEBES", published in the body of the magazine, constitute the political orientations of this directorate, which shall be followed up by other efforts to reflect on our strategy. The other documents printed in this edition are: “A genuine Unified Health System” and “The strategic position of management in achieving a genuine Unified Health System”. The former is the result of a joint effort by the organizations that form the Brazilian Health Reform Forum and represents our common position in relation to the current challenges faced by the reform process; the latter demonstrates the stance adopted by CEBES in the hospital management model debate at the last National Health Council meeting held in June 2007. With the publication of these documents, we intend to maintain our commitment to extending the political debate about our strategy and analysis regarding the prevailing outlook. As CEBES has always united political analysis with the diffusion of scientific knowledge, the articles that compose this edition represent some of the most important contributions made by specialists; the result of original investigation and/or critical reflection for our understanding of social health policies. The quality of these contributions serves as testimony to the commitments made by this directorate in relation to the Refoundation of CEBES and the revitalization of its traditional instruments of communication, the most important of which is the magazine Saúde em Debate.
ate the elitist hold on power, set in a context of permanent struggle for spaces for participation and the assurance of rights of marginalized populations. Therefore, the reappraisal of the health-disease process and its repercussions on the practicing organizations, and the institutional renovation and managerial innovation in order to democratize health form a project that deserves constant activation, and CEBES shall represent an autonomous author, capable of articulating political networks that use criticism as an instrument of reflection and action. 2. More than working in the trenches of the state apparatus, CEBES has the mission of fighting for hegemony, participating in the construction and amplification of health awareness and in the constitution of emancipated political subjects. The dispute for societal projects from the liberal to the socialist - becomes ever more intense, incurring into the social field by means of the inexorable diffusion of individualist, consumerist and submissive values that dispenses with history and politics. By fighting for the understanding of collective health as a publicly and socially determined asset, defending the systems of health care based on the values of solidarity and on the guarantee of rights; by the integral practices to promote rehabilitation; by demanding active participation by citizens in the decision-making about their health and the health policies; by such actions we are constantly fighting for a fairer society. CEBES needs to extend its capacity to become an interlocutor of the mass media, spreading knowledge and values that lead us to the search for answers which may allow us to unite the social forces guided by the quest for peace and diminishing violence.
Platform for the Refoundation of CEBES 1. CEBES is a plural and non-partisan space, committed to building Democracy and Health, with the understanding that democracy goes beyond institutionalism and representation, covering the construction of a diverse and inclusive public sphere, in which citizens recognize one another as equals and subjects with rights. This necessarily implies the transformation of institutional apparatus, currently cast in the tradition of clientelism, patrimonial values and processes that perpetu-
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3. The course of the Brazilian Health Reform is a complex plot involving the force of a strong campaign for social transformation, that is, the institutor, and the successful strategy of occupying the instituted spaces. Perversely, each time progress is made in the instituted spaces, representing our strength and presence in correlation to the forces, new contradictions arise, the main one being reduction to the transformative power of the health reform movement. If the power is best construed by that which it is capable of institutionally establishing,
then it only has sense and direction if it remains united at the social bases that radicalize the democratic demand. CEBES cannot lose this characteristic of a social movement, capable of enthusing by the vigor of its proposal and, at the same time, the characteristics of a social organization, capable of affecting the state of affairs with the clarity of its proposals and its capacity of political coordination. 4. The institutionalization of the Health Reform has corresponded to a huge democratic advance and the establishment of a new milestone in the development of our civilization, in which the right to health care is now assured in law. However, the failure to uphold this right in the everyday lives of people who find themselves in contact with a precarious institutional reality constantly undermines the culture and values of democracy, leading to it being less and less credible with each passing day. The task of turning the rights on paper into rights fully practiced by citizens continues to be a pending matter and requires our categorical political action which will not accept ineffectiveness and inefficiency, clientelism and corruption or any form of discrimination. Our task at CEBES is to demonstrate that a universal public system, of high quality and a humanized nature is viable today. 5. The growth in a market of health insurance schemes and health maintenance organizations that are partly subsidized by public resources. Regulation thus requires an effort on our part to think of forms of public intervention that simultaneously ensure equality of health care, consumer rights and professional ethics. The production of consumables and technologies subordinate to a logic of capitalist accumulation needs to be reverted to the production of goods and services based on needs. CEBES should cooperate with the national and international movements that act in relation to the production of medications and guaranteeing health care in countries and populations of the so-called "third world".
architecture, one that is, nevertheless, of limited effectiveness, as the social participation was determined by the institutional design of the state apparatus. Overcoming this fragmentation will allow us to put into practice all the policies which should always be aimed at the citizen end-user. Only by interacting with the other political actors of the organized civil society will we be able to transcend such fragmentation that deprives us of such capability. CEBES will be able to play a crucial role in the political organization of Social Security, enabling the strengthening of social actors within the social security scope by means of creating Councils, Conferences and private-public joint sector actions in such a way as to give substance to the Social Security Budget. 7. The organized civil society has organized itself in networks that seeks to think of more effective forms of political action, enabling it to exceed the limits imposed by the division into private and public sectors, fragmentation and attempts at co-optation. CEBES needs to assume a role in this social movement, cooperating with the organized civil society to conceive the limits of Brazilian democracy. Only with the strong organization of the civil society can we take democracy forwards insomuch as reducing the use of public policies as a currency to trade for the support of governors, demanding increased social participation in the economic areas that decide on the use of public funds and increased transparency of public accounts and decision-making processes, the strengthening of public careers, the regulation of legislative mechanisms of popular initiatives, the indispensable character of Congress-approved budget with the elimination of individual amendments, and electoral reform.
THE NATIONAL DIRECTORATE
6. The institutionalization of social policies in the new constitutional standard based on decentralization and participation has generated an innovative institutional
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A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados The exclusion of medical assistance coverage from HMOs
Mário Scheffer1
RESUMO O artigo trata das ações judiciais relacionadas à cobertura assistencial de planos de saúde julgadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do
Recebido: Jan./2007 Aprovado: Maio/2007
Estado de São Paulo. São descritas e analisadas as demandas levadas ao Poder Judiciário por usuários de planos de saúde que reclamam negação de assistência ou restrição de atendimento. Também são avaliados o comportamento e as argumentações da Justiça nas decisões, assim como as possíveis implicações, para o sistema de saúde brasileiro, da exclusão de coberturas praticadas pelos planos de saúde. PALAVRAS-CHAVE: Prestação de Cuidados de Saúde; Poder Judiciário; Cobertura de Serviços Privados de Saúde
ABSTRACT This paper deals with lawsuits filed in relation to medical assistance coverage of HMOs judged by the São Paulo State Court of Appeal. The article describes and analyzes legal claims taken to court by users of such HMOs complaining of denial or restriction of medical assistance. Also assessed are the attitudes and arguments behind court decisions, as well as the Comunicador social, sanitarista, Mestre e Doutorando do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; membro da Diretoria do CEBES. Email:
[email protected] 1
implications that such exclusions and limitations of HMOs may have for the Brazilian health care system. KEYWORDS: Health Care Provision; The Judiciary; Private Health Care Service Coverage
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
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SCHEFFER, MÁRIO
INTRODUÇÃO
privada e ao lucro devem ser respei-
gras impositivas. Todas as normas
tados, desde que prevaleçam o inte-
constitucionais referentes à Justiça
A Constituição Federal (BRASIL,
resse da coletividade e a busca do
Social – inclusive as programáticas
1988) definiu a saúde como direito
bem comum. O fornecimento de ser-
– geram imediatamente direitos sub-
de todos e dever do Estado, estabele-
viços de saúde adequados deve, por-
jetivos para os cidadãos. Os concei-
ceu os princípios de universalidade
tanto, se sobrepor aos interesses par-
tos vagos ou imprecisos dessas nor-
e eqüidade, reconheceu a livre atua-
ticulares e econômicos.
mas não têm impedido o reconheci-
Ao regulamentar a ordem social,
mento do Judiciário (MELLO, 1981).
estabelecer os direitos dos cidadãos
Para Wagner (2005), quando a
As políticas e ações de saúde de-
e definir em quais situações o Esta-
atenção à saúde é pautada pela com-
vem, assim, se submeter à regula-
do deve intervir para garantir justiça
petitividade e pelas leis do mercado,
mentação, fiscalização e controle do
e equilíbrio, a Constituição reservou
tende a haver degradação da quali-
poder público, sejam executadas pelo
especial atenção à saúde, tratada no
dade, da eficiência e da responsabili-
ção da iniciativa privada e atribuiu relevância pública ao setor.
Estado – por meio de serviços pró-
dade. Por isso, completa, é necessá-
prios, conveniados ou contratados –
rio manter, por meio da regulação, o
ou pela iniciativa privada.
caráter público dessa atividade.
No entanto, somente dez anos de-
Algumas justificativas para a uni-
pois da Constituição, com a aprova-
MAS, AFINAL, O SERVIÇO
formização do direito à saúde entre
ção da Lei 9.656(BRASIL, 1988), os
PARTICULAR DE UMA EMPRESA DE PLANO DE
o Sistema Único de Saúde (SUS) e os
planos e seguros de saúde privados passaram a ser regulados pelo Estado. Mas, afinal, o serviço particular de uma empresa de plano de saúde,
SAÚDE, QUE OPERA UMA ATIVIDADE ECONÔMICA RELACIONADA À SAÚDE, POSSUIRIA OS MESMOS DEVERES DO ESTADO?
planos privados extrapolam o campo da legislação, conforme pode-se observar em documento produzido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) (2001)1 :
que opera uma atividade econômica relacionada à saúde, possuiria os
(...) na prática, as interferências entre
mesmos deveres do Estado? Seus
os recursos financeiros e assistenciais en-
contratos deveriam estar submetidos
texto legal na condição de direito
às normas constitucionais e infra-
público fundamental e inalienável.
constitucionais diretamente ligadas à saúde?
O texto constitucional não se limita apenas a traçar recomendações
tre o público e privado na área da saúde, em nosso país, são muito mais complexas e extensas e requerem, respeitando-se o direito da atuação das empresas privadas, definições claras sobre a subordinação dos
Tem sido cada vez mais refutada
que devem ser cumpridas quando da
a idéia de que a iniciativa privada –
elaboração de legislações específicas.
no caso, as operadoras de planos e
A Constituição não é um simples ide-
tilham a mesma base física de recursos no
seguros de saúde – possa ficar imu-
ário, não é apenas a expressão de
que se refere à capacidade instalada e aos
ne à normatividade mais rigorosa do
anseios, aspirações e propósitos, mas
subsídios fiscais que viabilizam as cober-
poder público. O direito à atuação
a transformação de tudo isso em re-
turas (BRASIL, 2001, p. 4).
interesses privados aos públicos. (...) as clientelas são segmentadas, mas compar-
Regulamentação dos Planos e Seguros Saúde (Notas Preliminares) – Grupo de Trabalho da Comissão de Saúde Suplementar do Conselho Nacional de Saúde, 21/08/2001.
1
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A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
Cohn (2001) vai além das dimen-
explorador tem responsabilidades a
reito de livre exploração da ativida-
sões legais e jurídicas ao apontar a
saldar no ato exploratório. Ou seja,
de econômica por meio da prestação
dificuldade de vislumbrar uma polí-
tal ato não pode ser espoliativo. Se o
de um serviço essencial, que é a saú-
tica que desvincule o direito de aces-
lucro é uma decorrência lógica e
de.
so dos indivíduos à saúde da lógica
natural da exploração permitida, ele
do mercado. A vinculação, diz a au-
não pode ser ilimitado; encontrará
tora, está relacionada à disponibili-
resistência e terá que ser barrado toda
dade de recursos para essa parcela
vez que puder causar dano à socie-
da população, clientela de planos de
dade.
AS EXCLUSÕES DE COBERTURAS ASSISTENCIAIS
saúde, mas também está ligada à
A defesa do consumidor, confor-
A exclusão ou limitação de co-
lógica implementada pelo órgão re-
me estabelece a Constituição, é um
berturas assistenciais sempre foi um
gulador, a Agência Nacional de Saú-
princípio que deixa de conferir à ati-
problema recorrente com repercussão
de Suplementar (ANS).
vidade econômica a liberdade irres-
direta na preservação da saúde e na
trita. É o que defende, entre outros,
vida da população usuária dos pla-
Marques (2004):
nos de saúde privados no Brasil.
(...) o que se verifica neste setor é uma
Esta prática, que também é res-
crescente ‘tecnificação’ da política, isto é, a utilização de instrumentos técnicos como
(...) Ao garantir aos consumidores a sua
ponsável por interferências na orga-
fator determinante na definição das políti-
defesa pelo Estado a Constituição criou uma
nização de todo o sistema de saúde
cas (obviamente aí redominando as razões
antinomia necessária em relação a muitas
brasileiro, chama a atenção para a
econômicas) em substituição da política pro-
de suas próprias normas, flexibilizando- as,
necessidade de melhor entendimento
priamente dita. No entanto, enfrentar a
impondo em última análise uma interpreta-
acerca da atuação do setor privado,
questão da saúde como direito do cidadão e
ção relativa dos princípios em conflito, que
sua relação com as políticas de saú-
do consumidor exigiria exatamente o cami-
não mais podem ser interpretados de forma
de e os entraves que representa para
nho inverso: trazer a sociedade para dentro
absoluta ou estaríamos ignorando o texto
a plena efetivação do direito à saúde
do Estado, ao invés de distanciá-la por meio
constitucional (MARQUES, 2004, p.577).
no país. Antes mesmo do processo de re-
da mistificação da técnica (COHN, 2001, p
Ou seja, ao estipular como prin-
gulamentação da saúde suplementar
cípios tanto a livre concorrência
no Brasil, a restrição de coberturas
A atuação da iniciativa privada,
quanto a defesa do consumidor, o
era prática inerente ao negócio dos
subordinada a preceitos éticos, de boa
legislador garante que os cidadãos
planos e seguros saúde, que sempre
fé, de responsabilidade e justiça so-
não podem ser explorados, pois a eles
considerou a seleção de riscos e as
cial, foi tratada por Nunes (1999),
são outorgados direitos.
limitações de atendimento como cri-
41).
para quem a leitura do texto consti-
A seguir, será apresentado o pro-
térios garantidores da preservação do
tucional define que o mercado de
blema das exclusões de coberturas
lucro e da sustentabilidade econômi-
consumo aberto à exploração não
assistenciais pelos planos de saúde,
ca das operadoras.
pertence ao explorador, mas sim à
que revela, dentre outros aspectos, a
Neste sentido a legislação especí-
sociedade, e em função dela, de seu
dificuldade de compatibilização en-
fica representou, em parte, um avan-
benefício, é que se permite a explo-
tre os direitos à saúde e os do consu-
ço para a parcela da sociedade aten-
ração. Como decorrência disso, o
midor, de um lado e, de outro, o di-
dida pelos planos de assistência mé-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
233
SCHEFFER, MÁRIO
dica suplementar, pois tratava-se de
e do acesso à assistência à condição
quada, uma vez que ele envolve in-
um segmento que, há mais de 30
de mercadoria.
teresses e expectativas diferentes.
anos, atuava seguindo as “leis” do
Nas análises sobre o setor de saú-
Os temas ligados à regulação dos
livre mercado, sem normas regula-
de suplementar no Brasil, a amplitu-
planos de saúde, entre eles a cober-
mentadoras, controle ou fiscalização
de das coberturas, assim como os
tura assistencial, antes restritos aos
por parte do Estado.
gastos com a remuneração dos pres-
atores diretamente envolvidos – em-
A Lei 9.656/98(BRASIL, 1998)
tadores de serviços e o valor das
presas, prestadores e consumidores
trouxe, entre as inovações conside-
mensalidades, são apontados como
– passaram a contar com um órgão
radas ao mesmo tempo positivas e
elementos determinantes para o fun-
regulador e a chamar cada vez mais
insuficientes, a definição de padrões
cionamento e o comportamento das
a atenção dos sanitaristas, do meio
mínimos de cobertura e o estabeleci-
empresas de planos de saúde presen-
acadêmico e das instâncias de ges-
mento de critérios para a entrada,
tes no mercado.
tão e controle social do SUS, tendo
funcionamento e saída de empresas
em vista as implicações com as polí-
no setor. Também transferiu para o
ticas públicas de saúde.
Poder Executivo a responsabilidade
Vários representantes destes se-
pela regulação e fiscalização dessas
tores, até então ausentes ou omissos
operadoras privadas, tanto os aspectos assistenciais como aqueles ligados à atividade econômica. Ao oferecer no mercado um plano de saúde, individual ou coletivo, as operadoras hoje tendem a observar normas estabelecidas especificamente para esta atividade, sendo
...uma década antes do primeiro marco regulatório da saúde suplementar, a sociedade já havia decidido(...) qual o tipo de sistema e de assistência à saúde queria para o país.
no processo regulatório da saúde suplementar, passaram a discutir regras e políticas que sejam capazes de tratar o sistema de saúde de uma forma mais ampla; que busquem o equilíbrio entre a garantia do direito à saúde e os aspectos econômico-financeiros envolvidos; que mante-
muitas delas ainda restritivas quan-
nham o norteamento pelos marcos
to à cobertura assistencial.
doutrinários e de relevância pública do SUS; e que promovam a convi-
Vale ressaltar que, uma década antes do primeiro marco regulatório
Situações de exclusões de cober-
vência democrática entre os legítimos
da saúde suplementar, a sociedade
tura assistencial, constantemente
interesses envolvidos, viabilizando-
já havia decidido, por meio das con-
denunciadas ou reivindicadas por
os minimamente e de forma negoci-
quistas constitucionais, qual o tipo
usuários e consumidores, expõem,
ada (SCHEFFER; BAHIA, 2005).
de sistema e de assistência à saúde
na prática, o desequilíbrio e o confli-
O Conselho Nacional de Saúde
queria para o país. Não havia espa-
to entre operadoras, prestadores de
(BRASIL, 2001), por meio da sua Co-
ço – na concepção cunhada pelo
serviços e clientes.
missão Permanente de Saúde Suple-
Movimento da Reforma Sanitária,
Este fato evidencia que nem o
mentar, afirma que uma política para
abordada na 8ª Conferência Nacional
suposto virtuosismo da livre inicia-
este segmento dos planos de saúde
de Saúde e respaldada pelo Congres-
tiva, nem as normas reguladoras
deve orientar-se pela defesa do direi-
so Nacional após ampla mobilização
implementadas têm sido capazes de
to à saúde, e não apenas se ocupar
social – para a diminuição da saúde
solucionar o problema de forma ade-
em ditar regras para o mercado. O
234 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
CNS rechaça a idéia, bastante disse-
as, que possuem planos de saúde
clusões impostas pelos planos anti-
minada, que aponta a existência de
individuais, familiares ou coletivos,
gos ‘empurram’ para o SUS clientes
dois sistemas não relacionados e dis-
precisam recorrer, com certa freqüên-
de planos de saúde sem condições
tintos: o SUS, considerado o sistema
cia, à rede pública de saúde diante
de arcar com os custos de serviços
dos pobres, e os planos e seguros de
de situações de exclusões de cober-
particulares.
saúde, para os trabalhadores formais
tura e de restrições de atendimento.
As análises disponíveis sobre a
Tais limitações são impostas por
regulamentação, ao se referirem à
Nesta perspectiva, defendida pelo
cláusulas contratuais antigas, mas
restrição das coberturas privilegiam
CNS, que é a instância maior de con-
também são autorizadas pela própria
a sua relação com o equilíbrio eco-
trole social das políticas de saúde,
legislação vigente ou por normas
nômico-financeiro das operadoras.
os problemas relacionados à saúde
editadas pela ANS. Não raro, são li-
Faz-se necessário avaliar também a
suplementar – a exemplo das cober-
mitações resultantes de cláusulas
intensidade das regras sobre cober-
e a classe média.
turas assistenciais – devem ser abor-
turas e a efetividade do seu cumpri-
dados não apenas como um assunto
mento, o que poderá contribuir para
que diz respeito aos mais de 35 mi-
uma melhor compreensão da com-
lhões de brasileiros ligados aos pla-
plexidade do sistema de saúde bra-
nos de saúde privados, mas também
sileiro.
considerando as repercussões da configuração e das práticas deste setor nas diretrizes da política nacional de saúde.
... SABE-SE QUE NÃO SÃO POUCOS OS RECURSOS DESPENDIDOS PELO SUS PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA A TODO
Devem ser levados em conta os princípios constitucionais da dignidade humana, do direito à vida e do direito à saúde; os pressupostos re-
Os limites e garantias contratu-
TIPO DE COBERTURA NEGADA
lativos ao sistema de proteção e de-
ais de coberturas estabelecidas pe-
PELOS PLANOS DE SAÚDE ...
fesa do consumidor; as disposições
las empresas deste segmento confi-
do Código Civil; e também os mar-
guram um dos aspectos mais con-
cos legais específicos: a Lei 9.656/
troversos da relação público-priva-
98, combinada às Medidas Provisó-
do no sistema de saúde brasileiro.
rias que a alteraram e a Lei 9.961/
Apesar de ainda não quantificados –
contratuais leoninas e até de má-fé
00, promulgada em 2000 com o ob-
tendo em vista os poucos estudos dis-
por parte das empresas.
jetivo de criar e normatizar o funcionamento da ANS.
poníveis –, sabe-se que não são pou-
Se comparadas às inúmeras res-
cos os recursos despendidos pelo SUS
trições impostas nos contratos de pla-
Dentre os supostos méritos da Lei
para prestar assistência a todo tipo
nos de saúde assinados antes da le-
9.656/98, propagados durante o seu
de cobertura negada pelos planos de
gislação de 1998, as regras atuais
processo de tramitação no Congres-
saúde, a exemplo das demandas re-
promoveram a ampliação das cober-
so Nacional e após a sua promulga-
lacionadas à urgência e à emergên-
turas para os chamados planos no-
ção, pelo Poder Executivo, figuravam
cia, procedimentos de alto custo e de
vos, ou seja, os contratos assinados
o impedimento das restrições de aten-
alta complexidade. Os cidadãos, prin-
a partir de janeiro de 1999. Ainda as-
dimentos e a exigência da cobertura
cipalmente os idosos e os portadores
sim, uma série de limitações conti-
integral de todas as patologias con-
de patologias crônicas e deficiênci-
das na legislação em vigor e as ex-
tidas na Classificação Internacional
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
235
SCHEFFER, MÁRIO
de Doenças (CID) da Organização
motivos de queixas de usuários de
de, o usuário tem poucas possibili-
Mundial da Saúde (OMS), incluindo
planos de saúde. Além dos proble-
dades de caminhos a seguir. A op-
todos os meios diagnósticos e tera-
mas relacionados à cobertura assis-
ção imediata é pagar pelo aten-
pêuticos disponíveis. Decorridos vá-
tencial, a regulação pretendida para
dimento particular. Como pou-
rios anos da vigência da Lei dos Pla-
o mercado ainda não solucionou di-
cos têm condição de arcar com
nos de Saúde, há muitos obstáculos
versas outras situações.
esses custos, restaria procurar
impedindo a real efetivação da co-
São exemplos a rescisão unilate-
o atendimento nas unidades do
bertura prevista ou pretendida nos
ral de contrato, o descredenciamento
Sistema Único de Saúde ou, até
marcos legais.
de prestadores de serviços, as limi-
mesmo, ficar sem a cobertura
Até a existência da nova legisla-
tações de período de internação, os
necessária.
ção, a extensão da cobertura assis-
longos períodos de carência e as
tencial era, na prática, determinada
mensalidades abusivas em função de
pelos contratos – individuais ou co-
mudanças de faixa etária. Nem mes-
Outros podem tentar buscar saídas mediante queixas e processos administrativos junto à
letivos – assinados entre os usuári-
operadora, junto aos departa-
os e as operadoras de planos de saú-
mentos de recursos humanos
de. Com o novo marco legal, os con-
das empresas (no caso dos pla-
tratos passaram a ser padronizados
nos coletivos e autogestões),
e orientados pelas diretrizes da Lei 9.656/98, bem como por diversas resoluções editadas pelo Conselho
NA PRÁTICA, APESAR DA REGULAMENTAÇÃO, A EXCLUSÃO DE ATENDIMENTOS AINDA FIGURA
Nacional de Saúde Suplementar (Con-
COMO UM DOS PRINCIPAIS MOTIVOS DE
su) e, a partir de 2000, pelo órgão
QUEIXAS DE USUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE
regulador: a ANS.
mediante denúncias aos órgãos de defesa do consumidor ou reclamações à agência reguladora (via Disque ANS, principalmente). D i a n t e d a i n e f i c á c i a destas alternativas, só resta ao
Assim, a assistência e a amplitu-
usuário de plano de saúde, que
de da cobertura oferecida pelos pla-
tiver condições de constituir
nos de saúde estão condicionadas a
a d v o g a d o , r e c o r r e r a o Po d e r
vários fatores: época da contratação (há contratos novos, antigos e adaptados); cobertura definida pela lei para cada tipo de plano contratado
mo o ressarcimento ao SUS, a ser
Judiciário para a exigência de
realizado toda vez que um usuário
direitos supostamente desres-
de plano de saúde é atendido em
peitados.
unidade pública de saúde, foi total-
A urgência da necessidade de
mente equacionado pela regulamen-
saúde, a consciência dos direitos
ção de coberturas); forma de contra-
tação, que também pouco trata da
de cidadania, a facilidade de aces-
tação (plano individual/familiar ou
relação entre a saúde suplementar e
so e a credibilidade das instânci-
plano coletivo) e normatizações es-
o Sistema Único de Saúde.
as que recebem queixas e recla-
após janeiro de 1999 (há segmenta-
pecíficas do Consu e da ANS.
Diante da negativa de atendimen-
mações, são alguns dos fatores
Na prática, apesar da regulamen-
to ou da exclusão contratual de co-
que determinam a busca de ajuda
tação, a exclusão de atendimentos
bertura pelo plano de saúde, contra-
na tentativa de reverter a situa-
ainda figura como um dos principais
posta à iminente necessidade de saú-
ção de negação de cobertura.
236 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
A ANÁLISE DAS AÇÕES JUDICIAIS
metade da receita dos planos de saúde em todo o país.
• As doenças mais citadas foram: câncer (97 menções), doenças
Os principais resultados podem
cardiovasculares (78), Aids (30), me-
O presente artigo é baseado em
ser agrupados em: a. perfil das co-
ningite (21), acidentes e causas ex-
estudo que teve como objetivos: a.
berturas excluídas; b. perfil dos pla-
ternas (20), cirrose hepática (16), in-
‘quantificar’ o universo de ações
nos de saúde denunciados na Justi-
suficiência renal (14), hérnia (14),
judiciais relacionadas à negação ou
ça; c. teor das decisões e argumen-
diabetes (12) e doenças congênitas
limitação de atendimentos e assis-
tações.
(12).
2
tência aos clientes de planos de saúde; b. descrever e analisar as prin-
a. Perfil das coberturas excluídas
• Dentre as coberturas citadas nos acórdãos, a maioria (68%) não
cipais situações levadas aos tribu-
• Dentre os grupos de doenças
traz especificação de procedimentos.
nais relacionadas à negação de aten-
(Classificação Internacional de Do-
Mesmo nestes casos, foi possível
dimento, exclusão ou restrição de
enças - CID 10) citados nos acórdãos
agrupar as coberturas em: assistên-
cobertura; c. ‘analisar’ o comporta-
devido a exclusão de cobertura, em
cia médica (36%), seguida de inter-
mento do Judiciário nos julgamen-
nações (27%), cirurgias (24%), inter-
tos proferidos em segunda instân-
nações em UTI (12%) e consultas
cia, comparando-os com os resulta-
médicas (1%).
dos de primeira instância. O estudo consistiu na análise de 735 decisões judiciais relacionadas a exclusões de coberturas e negações de atendimento por parte dos
OS PRINCIPAIS RESULTADOS PODEM SER AGRUPADOS EM: A. PERFIL DAS COBERTURAS EXCLUÍDAS; B. PERFIL DOS PLANOS DE SAÚDE DENUNCIADOS NA JUSTIÇA; C. TEOR DAS
planos de saúde, julgadas em segun-
pecificação de procedimentos (32%), os mais citados foram os procedimentos cirúrgicos e invasivos (39,9%), os procedimentos clínicos (27,0%), órteses e próteses (9,5%),
DECISÕES E ARGUMENTAÇÕES
da instância pelo Tribunal de Justi-
• Dentre as coberturas com es-
procedimentos diagnósticos e tera-
ça do Estado de São Paulo, entre ja-
pêuticos (8,3%), insumos e medica-
neiro de 1999 e dezembro de 2004.
mentos (8,3%), procedimentos gerais
A pesquisa foi realizada no Estado
(7,0%).
de São Paulo, que conta com cerca
um total de 478 menções, prevale-
• Agrupando todos os procedi-
de 900 operadoras de planos de as-
cem os neoplasmas (20,3%), doen-
mentos, os mais citados foram:
sistência médico-hospitalar em ati-
ças do aparelho circulatório (16,3%)
transplantes (16%), quimioterapia,
vidade; atinge 15,2 milhões de usu-
e doenças infecciosas (11,1%).
radioterapia e outros procedimentos
ários (40% do total do país); tem alto
• Os dois grupos de doenças
ligados ao tratamento de câncer
grau de cobertura (38% da popula-
mais citados – câncer e cardiopati-
(15%), órteses e próteses (9,5%), exa-
ção do estado e 55% da capital têm
as – referem-se às duas principais
mes diagnósticos (8,3%), implantes
planos de saúde); e movimentou, em
causas de morte no Estado de São
(5,5%), hemodiálise (5,2%), oxigeno-
2005, 15,2 bilhões de reais, quase a
Paulo.
terapia (4,6%), fisioterapia (3,7%),
Scheffer MC. Os planos de saúde nos tribunais: uma análise das ações judiciais movidas por clientes de planos privados de saúde e relacionadas à negação de coberturas assistenciais no Estado de São Paulo. [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2006. 212 p. Disponível em www.teses.usp.br
2
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
237
SCHEFFER, MÁRIO
b. Perfil dos planos de saúde de-
assistência ao recém-nascido (3,7%),
cidência de ações relacionadas a
medicamentos de uso hospitalar
procedimentos dispendiosos e espe-
(3,7%) e outros (24,8%).
cializados – a exemplo dos trans-
• A medicina de grupo é o seg-
• A negação de cobertura de ca-
plantes, do tratamento do câncer, da
mento de operadoras de planos de
sos relacionados à urgência e emer-
hemodiálise e de diversos procedi-
saúde mais citado nos acórdãos ana-
gência esteve presente em 109
mentos cirúrgicos e invasivos – traz
lisados (54,4%), seguido das segu-
(14,8%) acórdãos analisados. Os ca-
indícios da prática adotada pelas
radoras (30,2%), cooperativas/Uni-
sos de urgência estão relacionados,
operadoras visando à economia de
meds (9,8%), filantropia (2,6%), au-
principalmente, a doenças cardio-
recursos e ao predomínio da lógica
togestão (0,9%) e outros (2,1%).
vasculares, câncer e acidentes.
financeira. Ao mesmo tempo indica
• Dentre as decisões avaliadas,
• Nas 51 decisões analisadas que
que o Sistema Único de Saúde, ao
mencionaram a negação de cober-
atender estes casos de exclusões de
87,6% referem-se a contratos indivi-
tura de transplantes, dentre aqueles
apesar de corresponderem a mais
dos são os transplantes de fígado e
de 70% do mercado, são levados com
de medula. Chama a atenção que a
menos freqüência aos tribunais.
atual regulamentação também dementos: apenas são obrigatórios os transplantes de rins e córneas. • Dentre as decisões judiciais analisadas, 31 (4,2%) mencionaram a negação de cobertura de órteses e
duais, enquanto 10,9% são contratos coletivos. Os planos coletivos,
que são especificados, os mais cita-
sobriga a cobertura desses procedi-
nunciados na Justiça
... O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, AO ATENDER ESTES CASOS DE EXCLUSÕES DE
Apresentados pelas empresas como ‘benefício’ ou como ‘salário indireto’, geralmente pressupõem uma
COBERTURAS, ATUA DE FORMA A SUBSIDIAR
diluição do risco entre os beneficiá-
OS PLANOS DE SAÚDE PRIVADOS
per capita e à definição de cobertu-
rios, que leva a cálculos de custos ras. Já os contratos individuais, por
próteses, sendo mais mencionados
implicarem uma concentração do
os stents, marca-passos e cateteres.
risco, tendem a restringir mais as
• A exclusão de atendimento sob
coberturas. Mas também é possível
alegação de doença preexistente apareceu em 174 (23,6%) das decisões
coberturas, atua de forma a subsi-
supor que o usuário (pessoa física)
judiciais estudadas. Chama a aten-
diar os planos de saúde privados.
de plano coletivo não tenha alterna-
ção que a exclusão de preexisten-
• Além de excluir aquelas doen-
tivas diante da limitação imposta.
tes, muito comuns nos contratos
ças cujos tratamentos são mais one-
Resta-lhe, na maioria das vezes, o
antigos, foi perpetuada pela lei 9656/
rosos, também são excluídas aque-
registro da queixa junto ao próprio
98 que manteve este conceito e esti-
las que, na visão das operadoras,
empregador (RH das empresas, por
pulou dois anos de carência.
deviam ser obrigação exclusiva do
exemplo). Os usuários podem temer
• Pode-se afirmar que, dentre os
sistema público. Dois exemplos são
reclamar externamente a negação de
procedimentos especificados, aque-
o tratamento da Aids e as hemodiá-
atendimento. Esta seria uma forma
les de alta complexidade e alto cus-
lises, que são absorvidos em sua
de manter a boa relação com o em-
to são mais freqüentemente citados
quase totalidade pelo SUS, sem a
pregador e até mesmo de preservar
nas decisões judiciais. A maior in-
participação dos planos.
o emprego. O beneficiário tem, por-
238 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
tanto, pouco controle ou reduzida
Em seguida, vem o Código Civil
principal argumento utilizado é a
escolha sobre o plano coletivo.
(14,6%). A Lei 9.656/98 fica em ter-
ausência de prova de má-fé, uma
ceiro lugar (10%), seguida da Cons-
vez que o usuário não fez exame
tituição Federal (7,3%).
pré-admissional. Os juízes também
• Dos acórdãos analisados, a maioria (55,2%) não informa a data de contratação dos planos. Dentre
• O fato de a Lei dos Planos de
alegam, com base na Lei dos Pla-
aqueles que trazem essa informação,
Saúde (9.656/98) ser pouco citada
nos de Saúde, que o procedimento
a maior parte é de contratos anteri-
nas decisões analisadas pode de-
deve ser coberto, que o consumidor
ores à Lei 9.656/98 (44,1% dos acór-
monstrar a limitação e o pouco al-
tem direito à informação adequada,
dãos). O fato é que o grande núme-
cance desta legislação, que não é
e que a cobertura de urgência e
ro de contratos antigos no universo
aplicada para os planos antigos (boa
emergência tem que ser obrigatória.
pesquisado explica-se, em parte,
parte dos contratos ainda em vigor)
pela morosidade da Justiça, uma vez
e com limitações de cobertura mes-
A Lei 9.656/98 ainda serviu de fun-
que foram estudadas decisões de
mo nas regras atuais.
segunda instância que tiveram iní-
• Quando o CDC é utilizado nas
cio antes da vigência da atual legis-
argumentações favoráveis à conces-
lação.
são de cobertura, os aspectos mais
c. Teor das decisões e argumentações jurídicas
citados são: em caso de dúvida na interpretação do contrato, a decisão
damento para decisões favoráveis às operadoras, quando, por exemplo, a legislação permite a exclusão de determinada cobertura. • Algumas decisões favoráveis à cobertura utilizam argumentos médicos, sendo os dois principais:
• A Justiça foi favorável à con-
deve ser favorável ao consumidor;
cessão de cobertura, na segunda ins-
as cláusulas restritivas deveriam
tância, em 73,5% das ações julga-
estar expressas em destaque; a res-
das, praticamente confirmando a
trição atribui vantagem exagerada
proporção verificada na primeira
para a operadora; é abusiva a cláu-
instância, na qual 74,5% foram fa-
sula que estipula limite de tempo
voráveis aos usuários. Em 3,7% dos
de internação e valores; a operado-
acórdãos, o juiz concedeu parte da
ra não provou má-fé ou desconheci-
cobertura solicitada e, em 20,4%, foi
mento da doença por parte do usuá-
negada a cobertura, com decisão
rio; as limitações são abusivas,
favorável ao plano de saúde. Em
quando se trata de urgência e emer-
algumas situações, como câncer
gência; e a operadora não prestou
(79,4% dos casos) e transplantes
bom serviço. Nos casos em que o
usado também nas decisões favorá-
(78,8% dos casos), as decisões fo-
CDC é usado em decisões favoráveis
veis aos planos de saúde. Nestes
ram ainda mais favoráveis em se-
às operadoras, o principal argumen-
casos, as principais argumentações
gunda instância.
to é de que não há relação de con-
são: as limitações/exclusões estão
sumo quando se trata de planos co-
expressas no contrato; o médico ou
letivos.
hospital não são credenciados pelo
• O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é a legislação mais ci-
a intervenção cirúrgica não é para fim estético; os planos devem cobrir os progressos da medicina e a incorporação de novas tecnologias. • Há, ainda, decisões baseadas unicamente no contrato firmado entre usuário e operadora, em que o juiz decide a partir das disposições contratuais. Nestes casos, o juiz afirma que o contrato não exclui a cobertura. O argumento do contrato é
tada nas argumentações das deci-
• Quanto à Lei 9.656/98, quan-
plano de saúde e, portanto, o plano
sões judiciais: 62,7% do total de
do ela é mencionada favoravelmen-
não deve conceder a cobertura. Pre-
menções a legislações específicas.
te à concessão de cobertura, o
valece nestes julgados o princípio de
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
239
SCHEFFER, MÁRIO
que o contrato faz a lei entre as par-
importante na determinação do prog-
malizadas, quando o desfecho para
tes.
nóstico e na sobrevida do paciente.
o usuário é ser atendido nas unida-
• Os principais argumentos usa-
O problema da exclusão de co-
des do Sistema Único de Saúde, ar-
dos pelas operadoras na sua defesa
berturas ainda não foi considerado
car com os custos particulares ou
em juízo são: existência de cláusu-
à altura de sua gravidade e de suas
ficar sem o atendimento necessário.
la excludente no contrato; caso de
repercussões na saúde e na vida da
Traçar a real dimensão das limita-
doença preexistente; o médico/hos-
população assistida. Também não
ções assistenciais na saúde suple-
pital não é credenciado; não há re-
são totalmente conhecidas a dimen-
mentar demanda pesquisas com de-
lação de consumo, pois trata-se de
são das ocorrências e suas implica-
senhos específicos , que podem ser
associação/plano coletivo; a garan-
ções para o sistema de saúde brasi-
assumidas pelo órgão regulador e
tia de saúde irrestrita é dever do
leiro. É razoável supor que o pre-
implementadas em parceria com
Estado e não do plano de saúde; o
sente artigo tratou da ‘ponta do ice-
setores acadêmicos.
procedimento não está incluído na
berg’ do problema, ao analisar de-
O estudo das demandas de usu-
tabela vigente da Associação Médi-
ários de planos de saúde levadas à
ca Brasileira (AMB); a finalidade do
Justiça é, sem dúvida, um instru-
procedimento é meramente estética;
mento relevante que merece ser con-
o usuário está inadimplente no pagamento da mensalidade; o procedimento não está incluído no Rol de Alta Complexidade da ANS.
CONSIDERAÇÕES
INÚMERAS SITUAÇÕES NEM SEQUER SÃO FORMALIZADAS, QUANDO O DESFECHO PARA O
tinuado e aprimorado, não só junto
USUÁRIO É SER ATENDIDO NAS UNIDADES DO
Cíveis e ao Ministério Público, ins-
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, ARCAR COM OS
tâncias que, cada vez mais, aco-
CUSTOS PARTICULARES OU FICAR SEM O ATENDIMENTO NECESSÁRIO
SOBRE A DIMENSÃO
aos Tribunais de Justiça, mas também junto aos Juizados Especiais
lhem os pleitos relacionados a exclusões de coberturas assistenciais e outros temas que envolvem a saúde suplementar.
DO PROBLEMA
Apenas o monitoramento da batalha travada no Judiciário, no en-
O perfil das coberturas assisten-
mandas apresentadas ao TJ-SP, com
ciais negadas pelos planos de saú-
abrangência geográfica e espaço de
Há que se considerar a dificul-
tempo delimitados e, ainda, restri-
dade de acesso à Justiça, o ônus fi-
tas às decisões de segunda instân-
nanceiro da contratação de advoga-
cia.
do, o desconhecimento dos direitos
de e levadas ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) é preocupante, uma vez que relaciona problemas de saúde e doenças responsáveis pelos maiores índices de
tanto, não é suficiente.
As informações sobre negações
por parte do cidadão usuário de pla-
de cobertura não estão apenas nos
nos de saúde (tendo em vista a com-
tribunais. Encontram-se pulveriza-
adoecimento e morte da população.
plexidade e a fragmentação da le-
das nas várias instâncias que ser-
gislação), a morosidade na tramita-
São negações de atendimento liga-
vem de porta de entrada para quei-
ção das ações judiciais e o descré-
das a situações clínicas cuja demo-
xas e reclamações desse tipo. Inú-
dito de parcela da sociedade quanto
ra no atendimento é uma variável
meras situações nem sequer são for-
à atuação do Judiciário.
240 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
As demais instâncias, especial-
Executivo e Legislativo que o apa-
potencialmente, poderão ser levadas
mente os Procons e o Disque ANS,
rato regulatório em vigor é frágil e
aos tribunais. Compõem este cená-
precisam ser integradas a um siste-
que algo precisa ser feito para dar
rio os planos segmentados (ambu-
ma de informações. Da mesma for-
respostas ao problema da exclusão
latorial, hospitalar,hospitalar com
ma, deve ser aprimorado o registro
de coberturas na saúde suplemen-
obstetrícia ou referência); os perío-
dos dados sobre os atendimentos de
tar, freqüentemente levado aos tri-
dos de carência (24 horas para aten-
usuários de planos de saúde nas
bunais.
dimento de urgências e emergênci-
São motivos de demandas judi-
as; 180 dias para consultas, exa-
ciais, conforme demonstrou o estu-
mes, internações; 300 dias para par-
do, as exclusões de procedimentos
tos; 24 meses para coberturas rela-
SOBRE A NECESSIDADE DE
médicos de alto custo e alta com-
cionadas a doenças preexistentes);
REVISÃO DA LEGISLAÇÃO
plexidade, doenças preexistentes,
os reajustes por faixas etárias (que,
transplantes, situações de urgência
muitas vezes, ‘expulsam’ os usuá-
unidades do SUS.
A convivência de dois ‘mundos’,
rios idosos); a interpretação por ve-
antes e depois da regulamentação,
zes equivocada, pelos planos de saú-
com regras distintas nos contratos
de, do que são ‘procedimentos esté-
de planos de saúde, somada às dis-
ticos’ passíveis de exclusão confor-
...A SITUAÇÃO DOS PLANOS PRÉ-
me preconiza a legislação; os limi-
ladora, poderá levar a população
REGULAMENTAÇÃO PRECISA SER
exclusão de cirurgia de correção de
usuária a acionar, cada vez mais, o
URGENTEMENTE TRATADA NO ÂMBITO DO
miopia nos casos de grau igual ou
torções contidas em resoluções e normas ditadas pela agência regu-
Poder Judiciário na tentativa de solucionar conflitos com as operado-
LEGISLATIVO E DA AGÊNCIA REGULADORA
tes da assistência psiquiátrica; a
superior a 7 (sete)1; as exclusões contratuais e a não obrigatoriedade de cobertura de doenças profissio-
ras de planos de saúde. O fato de a Lei dos Planos de Saú-
nais e acidentes do trabalho nos pla-
de (9.656/98) ter sido pouco citada
nos coletivos; as limitações da co-
nas decisões analisadas – se com-
bertura geográfica; o controle de
parada à menção ao Código de De-
e emergência, órteses e próteses,
acesso à rede e aos meios diagnós-
fesa do Consumidor e ao Código Ci-
dentre outras restrições contidas
ticos e terapêuticos , dentre outras
vil – demonstra a limitação e o al-
principalmente nos contratos anti-
possibilidades.
cance desta legislação. Ela é descon-
gos. Portanto, a situação dos pla-
É inadiável, portanto, o retorno
siderada até mesmo em acórdãos
nos pré-regulamentação precisa ser
da regulamentação dos planos de
que mencionam planos novos, ad-
urgentemente tratada no âmbito do
saúde ao Congresso Nacional, pau-
quiridos após a sua vigência.
Legislativo e da agência regulado-
ta que poderá ser assumida pela
ra.
nova Legislatura que teve início em
Ao menosprezarem a Lei 9656/ 98 e ao darem ganho de causa à
Há, também, uma série de ou-
2007. Cabe ao Legislativo, e não só
concessão de cobertura na maioria
tras possibilidades de exclusões,
à ANS por meio de suas resoluções,
dos pleitos, as decisões judiciais
contidas na atual regulamentação,
a iniciativa de revisão da legislação
analisadas sugerem aos Poderes
que devem ser consideradas e que,
em vigor, de forma a corrigir as dis-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
241
SCHEFFER, MÁRIO
torções contidas nas regras atuais e
de justiça, mas sim que tomam com
nos de saúde). Nesta concepção, o
de estender as novas normas aos
liberdade as decisões legais.
que rege prioritariamente a relação
planos antigos e aos planos coletivos, hoje excluídos ou parcialmente alcançados pela legislação.
O que se espera do poder Judiciário em uma democracia é que suas decisões sejam imparciais e independentes, baseadas nos fatos de cada
SOBRE O COMPORTAMENTO E A AUTONOMIA DO JUDICIÁRIO O estudo demonstra que o Poder Judiciário vem sendo chamado a
caso apresentado, no mérito, nos
entre clientes e empresas de planos de saúde são as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que predominam nas argumentações jurídicas dos acórdãos analisados. O entendimento de boa parte dos
argumentos legais e nas leis mais
juízes de que a assistência à saúde
relevantes, sem qualquer influência
reclamada nas ações judiciais é um
das partes interessadas, asseguran-
direito do consumidor, ainda que
do a igualdade da proteção legal.
crie farta jurisprudência favorável
garantir e dar efetividade em ques-
à concessão de coberturas, não tra-
tões sensíveis como o direito do con-
ta o problema em todas as suas di-
sumidor e o direito à saúde previs-
mensões. Muitas das decisões são
tos na Constituição. A sociedade
tomadas não pela necessidade de
bate às portas da Justiça para exi-
saúde apresentada, mas pelas cober-
gir respostas no que se refere à atuação das empresas de planos de saúde ou à omissão e à insensibilidade do poder público e do órgão regula-
... É POSSÍVEL AFIRMAR QUE PREVALECE NO JUDICIÁRIO A VISÃO DE QUE
turas definidas na legislação ou nos
A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELOS PLANOS DE
dos serviços, quando requisitados
SAÚDE É UMA MERCADORIA ...
forme o resultado da pesquisa, não
dor. Em que pese o fato de a maioria
vos – maior fatia do mercado de pla-
ressaltar que há decisões contrári-
dos favoráveis – Código de Defesa
por uma demanda individual. Con-
cação do CDC aos contratos coleti-
cessão de coberturas, é importante
ma legislação que serviu aos julga-
estaria, assim, restrito à utilização
há consenso, no TJ-SP, sobre a apli-
das decisões terem obrigado a con-
as, muitas vezes baseadas na mes-
contratos. O direito do consumidor
nos de saúde – o que vem a ser ouSOBRE A SAÚDE REDUZIDA À CONDIÇÃO DE MERCADORIA
tro limitador desta concepção consumerista. Em outro extremo, a redução da
do Consumidor, Código Civil, Lei
A partir das ações judiciais ana-
saúde à condição de mercadoria está
9.656/98 ou Constituição Federal. A
lisadas junto ao TJ-SP, é possível afir-
também contida nas argumentações
utilização da mesma base legal em
mar que prevalece no Judiciário a
das operadoras, quando da contes-
decisões divergentes demonstra a
visão de que a prestação de servi-
tação, em juízo, das solicitações de
independência e a autonomia do Ju-
ços pelos planos de saúde é uma
coberturas. A existência de cláusu-
diciário nesta matéria. Isto não sig-
mercadoria, um bem de consumo
la contratual que explicitamente li-
nifica que os juízes decidem estas
oferecido por um fornecedor (as ope-
mita a cobertura é o argumento mais
causas baseados exclusivamente
radoras) para um consumidor des-
utilizado pelas empresas de planos
nas suas próprias noções subjetivas
tinatário final (os usuários dos pla-
de saúde para negar o atendimento,
242 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
reforçando a concepção de que o que
presentes no mercado de planos de
está em discussão não é uma ne-
saúde e no Judiciário – que tendem
cessidade de saúde, mas uma mera disposição contratual da descrição do “produto” a ser entregue ao con-
a subestimar a concepção do direito à saúde. Isto é fundamental para
O perfil das exclusões reclamadas na Justiça - principalmente tratamentos e procedimentos de alto custo e alta complexidade– dá a dimensão dos aportes públicos ao sis-
a conquista de um processo civili-
tema supletivo, ainda que seja difí-
Vários acórdãos mencionam,
zatório mais amplo no campo da
cil a quantificação exata dos recur-
com argumento favorável à conces-
saúde, no qual prevaleçam a justi-
sos despendidos pelo SUS para aten-
são de coberturas, o direito funda-
ça social e a solidariedade, garanti-
mental à saúde e o direito inaliená-
das por meio de políticas públicas e
vel à vida inscritos na Constituição
também da maior atuação do Esta-
tar foi artificialmente expandido e
do.
ainda engloba centenas de empresas
sumidor.
Federal. E mesmo quando prevalece a visão consumerista, o Judiciá-
das pela legislação. É possível su-
outra mercadoria.
uma doença ou necessidade de saú-
O mercado da saúde suplemen-
cer sequer as coberturas assegura-
pode ser tratada como qualquer
não consegue prever a ocorrência de
planos de saúde.
sem as mínimas condições de ofere-
rio por vezes afirma que a saúde não
Argumenta-se que o consumidor
der aquilo que não é coberto pelos
por que uma grande fatia deste mer-
A EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXPLICITAMENTE LIMITA A COBERTURA É O
cado sobrevive às custas das restrições praticadas e de conseqüente subsídio do Sistema Único de Saú-
de e, por causa desta imprevisibili-
ARGUMENTO MAIS UTILIZADO PELAS EMPRESAS
de, que arca com as despesas dos
dade, que abarca riscos e incerte-
DE PLANOS DE SAÚDE PARA NEGAR O
atendimentos negados pelos planos
zas, torna-se impossível o planeja-
ATENDIMENTO...
mento do consumo futuro de assis-
de saúde. Quanto ao ressarcimento ao SUS,
tência à saúde. O tratamento e a
previsto na Lei 9.656/98, ainda não
cura, afirmam alguns juízes, não
se mostrou inteiramente viável na
são produtos que estão à venda no
prática. É irrisório o montante de
mercado; na verdade, os interessados compram serviços de atenção à saúde que deveriam sempre resultar na solução dos problemas de saúde, quando eles surgirem. Há quase duas décadas a sociedade decidiu, por meio das conquis-
SOBRE A RELAÇÃO COM
recursos destinados aos serviços
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
públicos de saúde, via ressarcimento.
É possível supor que os limites
Desde março de 2005 todos os
de coberturas inscritos nos contra-
procedimentos previstos nos contra-
tos de planos de saúde, previstos na
tos de planos de saúde tornaram-se
legislação ou autorizados pela ANS
objeto de ressarcimento. Trata-se de
por meio de resoluções, são absor-
tas constitucionais, como gostaria
pequeno avanço em relação às nor-
vidos, em grande parte, pelo Siste-
de ver garantidos os direitos para
mas anteriores, que restringiam o
ma Único de Saúde (SUS). Assim,
ressarcimento aos casos de interna-
os seus cidadãos. Assim, precisam
pode-se afirmar que o SUS subsidia
ção e atendimentos de urgência e
ser revistos os valores e práticas –
o mercado de planos de saúde.
emergência dos beneficiários dos
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
243
SCHEFFER, MÁRIO
planos atendidos nas redes pública
mas estende-se principalmente ao
vre acesso ao sistema público de
e conveniada.
agendamento diferenciado, mesmo
saúde.
Os acórdãos estudados contêm
em se tratando de necessidades de
As exclusões praticadas pelos
demandas de alto custo e alta com-
saúde e atendimento de situações
planos de saúde revelam uma das
plexidade, sobretudo eletivas e não
clínicas semelhantes. Ao criar cida-
faces da iniqüidade do sistema de
urgentes. Como estas exclusões es-
dãos de primeira e segunda linha,
saúde brasileiro. A solução deste
tão previstas em contratos ou têm o
sem respaldo legal nem ético, a ‘du-
problema requer não só o aprimo-
respaldo da regulamentação, não
pla porta’ impõe a utilização priva-
ramento da regulamentação especí-
são passíveis de ressarcimento nem
da do equipamento público e afasta
fica, mas principalmente a revisão
tampouco são registradas as referi-
esses hospitais dos princípios de uni-
da relação público-privado na saú-
das informações. Assim, são neces-
versalidade e eqüidade - que são
de, que passa pela transformação
sárias mudanças na legislação para
diretrizes constitucionais - e da Lei
dos modelos assistenciais, de finan-
que tudo aquilo que de fato é aten-
Orgânica da Saúde.
ciamento e de prestação de serviços atualmente hegemônicos.
dido em hospitais públicos seja objeto de ressarcimento. As decisões analisadas apontam no sentido de que não há fundamento jurídico na maioria das exclusões de cobertura, tanto naquelas expressas nos contratos antigos quanto naquelas que encontram respaldo na regulação recente. A ampliação das situações de ressarcimento – por meio de mudanças na legislação –
AO CRIAR CIDADÃOS DE PRIMEIRA E SEGUNDA LINHA, SEM RESPALDO LEGAL NEM ÉTICO, A ‘DUPLA PORTA’ IMPÕE A UTILIZAÇÃO PRIVADA DO EQUIPAMENTO PÚBLICO E AFASTA ESSES HOSPITAIS DOS PRINCÍPIOS DE UNIVERSALIDADE E EQÜIDADE...
SOBRE UM NOVO INDICADOR DE QUALIFICAÇÃO O Programa de Qualificação no Setor de Saúde Suplementar, lançado pela ANS em 2005, pretende, segundo a Agência, incentivar a melhoria da atenção à saúde prestada
teria, assim, o respaldo da jurispru-
pelos planos de saúde. O presente
dência acumulada nos tribunais.
artigo traz elementos que podem vir a ser considerados pela ANS na cons-
Cabe citar a preocupação levantada por Scheffer e Bahia (op. cit):
É imprescindível, para o deline-
trução ou aprimoramento de indi-
na razão inversa do ressarcimento,
amento das políticas de saúde e para
cadores que satisfaçam aos usuári-
mas não menos eloqüente do ponto
o aperfeiçoamento da regulamenta-
os e da qualidade dos serviços pres-
de vista das distorções da relação
ção da saúde suplementar, explici-
tados pelas operadoras. As decisões
público-privado na assistência à
tar a utilização das unidades do SUS
judiciais de segunda instância, ali-
saúde suplementar, está a “dupla
por clientes de planos de saúde, seja
adas a outras informações, podem
porta” ou “fila-dupla” do SUS. Tra-
porque foi negado o atendimento
servir para o acompanhamento da
ta-se do atendimento a planos de
pela operadora, seja porque o hos-
evolução do desempenho de quali-
saúde nas unidades públicas, espe-
pital público tem convênio com o
dade das operadoras.
cialmente nos hospitais universitá-
plano de saúde, ou simplesmente
Para tal, a ANS teria que incor-
rios. A desigualdade não se resume
porque os usuários de planos exer-
porar, em sua prática, o monitora-
apenas a acomodações e hotelaria,
ceram o direito de cidadania de li-
mento permanente das ações contra
244 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
A exclusão de coberturas assistenciais nos planos de saúde privados
os planos de saúde que tramitam na
monstra a utilização do meio exis-
lítica pública. Assim, é preciso se
Justiça , além de elaborar um novo
tente para fazer valer direitos des-
efetivar o controle social sobre o
indicador semelhante ao já utiliza-
respeitados.
setor, entendido como o controle dos
do em relação às reclamações registradas pelo Disque ANS.
Mas estas ações não são capazes de interferir na lógica do siste-
cidadãos e da sociedade sobre a política pública.
ma de saúde em vigor. No âmbito
Atualmente, os espaços legal-
do Judiciário, são muito pouco ex-
mente instituídos em torno do SUS,
SOBRE A NECESSÁRIA
ploradas as possibilidades de ações
os conselhos e as conferências de
AMPLIAÇÃO DO
coletivas, a exemplo das ações ci-
saúde, não têm sido acionados para
CONTROLE SOCIAL
vis públicas que podem ser movi-
tratar dos planos de saúde privados.
das pelo Ministério Público. Sejam
A exemplo do Conselho Nacional
Tornam-se necessárias mudanças
ações judiciais ou de controle soci-
de Saúde, que já discute o tema da
na concepção e no funcionamento
al, elas devem caminhar na perspec-
saúde suplementar em comissão
dos espaços da agência reguladora
específica, os conselhos estaduais e
destinados a ouvir a opinião da so-
municipais, sobretudo aqueles de
ciedade: Câmara de Saúde Suplemen-
Estados e cidades com grande con-
tar, consultas públicas, Ouvidoria e
centração de população usuária de
Disque ANS. Tais instâncias precisam se viabilizar como mecanismos democráticos de participação, para
A PROLIFERAÇÃO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS PARA EXIGIR COBERTURAS NEGADAS PELOS
que a sociedade não só tenha res-
PLANOS DE SAÚDE DEMONSTRA A UTILIZAÇÃO
postas adequadas, mas possa inter-
DO MEIO EXISTENTE PARA FAZER VALER
vir para a melhor solução de problemas que repercutem diretamente
planos de saúde, deveriam incorporar, em sua agenda permanente, o debate sobre a relação do SUS com a saúde suplementar. É necessário, ainda, romper a noção de que o segmento dos pla-
DIREITOS DESRESPEITADOS
nos de saúde e o SUS são dois siste-
em suas vidas, como é o caso da
mas que não se relacionam, diferen-
exclusão de coberturas.
ça hoje reiterada no plano legal e institucional. A aproximação entre
Há que se criar, sob a responsabilidade do órgão regulador, meca-
tiva de soluções coletivas que con-
as instâncias de regulação do siste-
nismos administrativos e alternati-
siderem o sistema de saúde como
ma público e da saúde suplementar
vas ágeis na solução de conflitos
um todo.
poderá trazer o potencial de forma-
A saúde é um item de relevância
lização de princípios e diretrizes
pública, um direito de cidadania e é
comuns a todos os componentes da
Este instrumento deve ser descen-
obrigação do Estado fornecer dire-
política nacional de saúde.
tralizado nos estados, com envolvi-
tamente ou regularmente a oferta de
O diagnóstico preliminar apresen-
mento dos gestores do SUS e dos
serviços de promoção e assistência
tado pelo presente estudo sobre ex-
órgãos de defesa do consumidor.
à saúde. Os planos de saúde priva-
clusões de coberturas dos planos de
A proliferação de demandas in-
dos são componentes do sistema
saúde levadas à Justiça aponta pos-
dividuais para exigir coberturas
nacional de saúde e, por isso, de-
sibilidades de desdobramentos para
negadas pelos planos de saúde de-
vem estar condicionados a uma po-
além da quantificação de ações ju-
relacionados à exclusão de coberturas.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
245
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 231-247, set./dez. 2005
247
GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia ARTICLES ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL
Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde Brazilian border towns and the Mercosur: characteristics and initiatives of cooperation in health
Luisa Guimarães1 Ligia Giovanella2
RESUMO Os municípios brasileiros fronteiriços são, em geral, de pequeno porte, com rede predominantemente de atenção primária, oferta hospitalar com-
Recebido: Mar./2006 Aprovado: Jun./2007
patível com a média nacional, mas não homogênea. Apresenta-se parte dos resultados de pesquisa, concluída em 2007 com o apoio do CNPQ, sobre acesso e demanda por serviços de saúde nessas localidades. Revisa-se a bibliografia sobre integração e MERCOSUL, apresentando-se a caracterização selecionada em bancos de dados de aspectos geográficos, demográficos e da rede de serviços destes municípios. Descrevem-se os resultados de estudos e de duas iniciativas de cooperação em saúde nas fronteiras. PALAVRAS-CHAVE: MERCOSUL; Saúde na Fronteira; Integração Regional.
ABSTRACT Doutoranda em Saúde Pública da
In general, Brazilian border towns are small and possess basic health
Escola Nacional de Saúde Pública
care and hospital networks which are in line with national average, al-
Sergio Arouca (ENSP), Fundação
though not homogenous. This article presents a portion of the results of a
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Ministério
research study completed in 2007 with the support of the Brazilian Resear-
da Saúde, Rio de Janeiro.
ch Center about access and demand for health services in these locations.
E-mail:
The bibliography about integration into the Mercosur is revised, and infor-
1
[email protected].
mation is presented from databases about characteristics relative to geographic and demographic aspects as well as the service network present in
2
Pesquisadora titular ENSP ,
FIOCRUZ, Ministério da Saúde, Rio
these towns. The results of studies and of two health care initiatives for cooperation in border regions are described.
de Janeiro. E-mail:
[email protected].
KEYWORDS: MERCOSUR, health care in border regions, regional integration
248 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde
INTRODUÇÃO
e para o fortalecimento das políti-
de saúde integral e humanizada na
cas nacionais de saúde.
fronteira, face ao avanço da integra-
O artigo é parte de estudos de-
Objetiva-se propiciar análise do
ção econômica no MERCOSUL. Uma
senvolvidos no Programa Doutora-
processo de integração como con-
versão preliminar deste artigo foi
do em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ/
texto, as características de municí-
apresentada no 10º Congresso Inter-
MS) sobre repercussões da integra-
pios fronteiriços como desafios e as
nacional do Centro Latino-america-
ção econômica regional nas políti-
iniciativas de cooperação fronteiri-
no de Administração para o Desen-
cas e sistemas de saúde. Aqui se
ça como potencialidades e discute
volvimento sobre Reforma do Esta-
trata especificamente da situação de
como a integração regional pode
do e da Administração Pública (GUI-
municípios brasileiros fronteiriços
somar-se à saúde para a redução
MARÃES
do MERCOSUL, nos segmentos com a
de desigualdades na fronteira.
Argentina, Paraguai e Uruguai, locais privilegiados para observar e
é formada por 69 municípios brasi-
fia sobre integração e conformação
leiros, distribuídos nos limites com Argentina, Paraguai e Uruguai. Nesse artigo é apresentada parte de re-
econômica regional, considerando
sultados de pesquisa concluída em
que os efeitos desta são percebidos Os processos de integração se
2007 com o apoio do CNPq, sobre
A INTEGRAÇÃO OCASIONA
acesso e demanda por serviços de
intensificaram com a globalização
NAS FRONTEIRAS AUMENTO DE FLUXOS,
e lentamente vem sendo construída
GERANDO TENSÕES E DESAFIOS DIVERSOS
uma agenda social pari passu à re-
PARA OS SISTEMAS LOCAIS DE SAÚDE
gulamentação da livre circulação
A linha de fronteira do MERCOSUL
Para tanto, revisa-se a bibliogra-
analisar impactos da integração
com antecipação e cotidianamente.
e GIOVANELLA, 2005).
saúde nestas localidades (GIOVANELLA ET AL.,
2007). A fronteira com a Ar-
gentina tem o maior número de municípios (36), a maioria com menos de 10 mil habitantes (24) e
de pessoas, mercadorias, serviços
no trecho correspondente ao Paraná
e capital (G UIMARÃES e G IOVANELLA
o maior número de leitos por habi-
2006). A integração ocasiona nas
tantes (3,5). A fronteira com o Para-
fronteiras aumento de fluxos, geran-
guai é a mais extensa (37%), predo-
do tensões e desafios diversos para
do MERCOSUL e apresenta-se a carac-
minam municípios de médio porte
os sistemas locais de saúde. Refle-
terização selecionada em bancos de
(16%), reside a maior parte da po-
tir sobre a situação de municípios
dados nacionais de aspectos geográ-
pulação fronteiriça do M ERCOSUL
fronteiriços, assim como observar
ficos, demográficos e da rede de
(43%), existe o maior número de
iniciativas de cooperação, contribui
saúde de municípios brasileiros
hospitais (49%) e o menor número
no MERCOSUL para análises específi-
fronteiriços. Destacam-se os resul-
de leitos por habitantes: 2,3, no Mato
cas de repercussões da integração
tados de estudo na tríplice fronteira
Grosso do Sul, e 2,6, no Paraná. A
nos sistemas de saúde, e pode in-
e registram-se duas iniciativas de
fronteira com o Uruguai é seca em
fluir na pauta de acordos e progra-
cooperação em saúde nas frontei-
um terço; tem o menor número de
mas voltados para regiões frontei-
ras, a partir de observação partici-
municípios do MERCOSUL (11), dos
riças, apoiar esforços de garantia
pante e informes. Nas considerações
quais seis são cidades-gêmeas; tem
de atenção integral e humanizada,
finais, discutem-se as perspectivas
a menor população fronteiriça resi-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
249
GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia
dente (25%); o segundo maior nú-
A integração européia busca re-
No MERCOSUL, a saúde é aborda-
mero de leitos hospitalares por ha-
forçar os objetivos dos sistemas de
da especificamente em duas estru-
bitantes (3,3); e de municípios sem
proteção social de combinar solida-
turas: Reunião de Ministros de Saú-
cobertura de saúde da família (7).
riedade com sustentabilidade, de
de (RMS), criada em 1995, e
Em resposta aos desafios locais,
introduzir incentivos de mercado
Subgrupo de Trabalho 11 Saúde
surgem iniciativas cooperativas
mantendo o papel do Estado e de
(SGT 11 Saúde), criado em 1996.
entre cidades fronteiriças de países
adotar inovações na organização e
Nestas, os debates contemplam te-
do MERCOSUL para o planejamento e
oferta de serviços (GUIMARÃES e GIO-
mas prioritários relacionados às li-
execução de atividades em saúde
VANELLA
2006; FIGUERAS ET AL., 2002).
berdades de circulação. Os consen-
que configuram espaços de ação
Fundado em 1991 por Argentina,
sos se expressam em acordos e re-
conjunta para a melhoria do acesso
gulamentação incorporada pelos
integral e humanizado à saúde.
Estados-parte (BRASIL, 2006). A pauta
NO MERCOSUL, A SAÚDE É ABORDADA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E
ESPECIFICAMENTE EM DUAS ESTRUTURAS:
CONSTITUIÇÃO DO MERCOSUL
REUNIÃO DE MINISTROS DE SAÚDE (RMS), CRIADA EM 1995, E SUBGRUPO DE TRABALHO 11 SAÚDE (SGT 11 SAÚDE), CRIADO EM 1996
O estabelecimento de relações econômicas privilegiadas tem cada
da saúde no MERCOSUL foi pouco a pouco ampliada para além de temas relacionados ao comércio de bens (MERCOSUL, 2005; LUCCHESE, 2001). No final do ano de 2006, foi aprovada na Reunião de Ministros da Saúde do MERCOSUL Proposta de Pro-
vez maior relevância política e so-
jeto de Cooperação Técnica Interna-
cioeconômica (OMS/OMC, 2002; BO-
cional. O objetivo geral dessa é
LIS,
2000). Os países elegem o grau
da integração que pretendem assumir (BASSO, 1998; ALTVATER e MAHNKOPF,
1996). A inclusão de temas soci-
ais na agenda regional é tardia, con-
Brasil, Paraguai e Uruguai, o MER-
identificar estrategias para la in-
objetiva a constituição gradu-
tervención en salud de fronteras, por
al de mercado comum com livre cir-
medio del análisis, desarrollo de expe-
culação de bens, serviços, pessoas
riencias y sistematización de las mis-
COSUL
e capitais, como no caso europeu
mas, de manera de contribuir el desarrollo de los Sistemas Locales de Salud
tudo, os ajustes para implementar
(VENTURA, 2003; BASSO, 1998). Cinco
integrando acciones de salud de las
os acordos econômicos repercutem
países são Estados Associados do
Fronteras de los Estados Partes del MER-
nas políticas de saúde de modo in-
Mercosul: Bolívia, Chile, Colômbia,
COSUR
tencional e não intencional (BUSSE,
Equador, Peru. A Venezuela passou
Ao afirmar a tese de que se (…)
WISMAR e BERMAN 2002; LEIDL, 1998).
em 2006 à categoria de Estado-par-
considera que la salud es un factor
te (BRASIL, s/d a; BRASIL, s/d b).
250 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
(URUGUAY)
Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde
favorecedor de la integración regi-
tural específicas (BARCELLOS et al.,
fronteira com a Argentina é de 1.263
onal y que acciones concretas en
2001). Nas fronteiras, as identida-
km, dos quais 2% são secos; com o
fronteras contribuirán a ese propó-
des nacionais são diluídas e na saú-
Paraguai é de 1.339 km, dos quais
sito general os Países destacam a
de impõem a realização articulada
31% são secos; e com o Uruguai é
importância das correlações entre
de atividades de negociação e de
de 1.003 km, dos quais 30% são se-
integração econômica regional e
identificação e uso de recursos para
cos (FIOCRUZ, 2007). A fronteira bra-
saúde (URUGUAY).
alcançar efetividade e adequada
sileira com o MERCOSUL totaliza 3.605
provisão de ações face às particu-
km e representa cerca de um quinto
laridades mantidas pela barreira de
da fronteira continental do País. Nos
fronteira e as diferenças normati-
municípios fronteiriços residem
ESPECIFICIDADES DOS MUNICÍPIOS FRONTEIRIÇOS DO MERCOSUL Os movimentos de integração tendem a aumentar fluxos, primeiro e com maior intensidade, nas cidades fronteiriças, onde mais que diferenças de língua e cultura, dáse a convivência cotidiana entre sistemas políticos, monetários, de se-
0,82% da população total brasilei-
NAS FRONTEIRAS, AS IDENTIDADES NACIONAIS
ra, a maior parte na fronteira com
SÃO DILUÍDAS E NA SAÚDE IMPÕEM A REALIZAÇÃO
o Paraguai (43%) e 55% das cidades
ARTICULADA DE ATIVIDADES DE NEGOCIAÇÃO E DE IDENTIFICAÇÃO E USO DE RECURSOS PARA ALCANÇAR EFETIVIDADE E ADEQUADA PROVISÃO DE AÇÕES FACE ÀS PARTICULARIDADES MANTIDAS PELA BARREIRA DE FRONTEIRA E AS DIFERENÇAS NORMATIVAS E DE DIREITOS
gurança, de proteção social distin-
têm até 10 mil habitantes (ver Tabela 1). É território que, devido ao dinamismo, tem importância significativa no processo de integração (BRASIL, 2005). Foz do Iguaçu, no Paraná, com cerca de 300 mil habitantes é a mais populosa de toda
tos, geradores de tensões e contra-
vas e de direitos. As características
fronteira brasileira e apenas dois
dições entre as realidades local e
locais configuram segmentos defi-
municípios brasileiros fronteiriços
regional e o conjunto de instituições,
nidos da fronteira (BARCELLOS, ET AL.,
têm mais de cem mil habitantes,
normas e práticas dos países (BAR-
2001).
ambos no Rio Grande do Sul: Bagé
et al., 2001; BOLIS, 1999; CIC-
As paisagens da fronteira brasi-
(cerca de 120 mil) e Uruguaiana (cer-
COLELLA, 1994). As bordas dos países
leira com o MERCOSUL conformam
ca de 130 mil). Onze municípios
– os limites – são territórios dinâ-
territórios variados que ora apro-
fronteiriços do MERCOSUL estão entre
micos que constituem unidades com
ximam e ora afastam as populações
aqueles com maiores taxas médias
trocas espacial, demográfica, soci-
fronteiriças e criam interações e di-
de homicídios na população total
oeconômica, epidemiológica e cul-
nâmicas diversas (BRASIL, 2005). A
(WAISELFISZ, 2007).
CELLOS
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GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia
TABELA 1 – Características dos municípios brasileiros fronteiriços com Argentina, Paraguai e Uruguai, 2005.
Da rede de serviços públicos de saúde na linha de fronteira do MERCOSUL
constam 70 estabelecimentos
hospitalares, dos quais apenas nove são de natureza pública e os demais são contratados (FIOCRUZ , 2007). Quase metade dos hospitais (49%) localiza-se na fronteira com o Paraguai, concentrados junto ao Paraná (ver Tabela 2). Na fronteira do MERCOSUL, a oferta de leitos na rede pública é de 2,9 leitos por mil habitantes, entretanto, esta varia de 2,3 no segmento de Mato Grosso do Sul com o Paraguai até 3,5/1.000 habitantes no trecho Paraná com a Argentina. A estratégia de saúde da família está implantada em mais da metade dos municípios fronteiriços com coberturas entre 81 a 100% da população. Os municípios fronteiriços são, portanto, dependentes, para a garantia da integralidade da atenção, Contagem populacional para os anos intercensitários (IBGE, 2004); 2 Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2003); 3Ministério da Integração Regional (Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, 2005).
1
Fonte: Elaboração própria com base nas informações do Relatório Consolidado da Pesquisa Saúde nas Fronteiras: estudo do acesso aos serviços de saúde nas cidades de fronteira com países do MERCOSUL, NUPES/DAPS/ENSP/FIOCRUZ/Pesquisa Saúde na Fronteira (FIOCRUZ 2007).
252 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
de serviços especializados e de referência localizados em outros municípios.
Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde
TABELA 2 – Características da rede pública de serviços de saúde nos municípios brasileiros fronteiriços com Argentina, Paraguai e Uruguai, 2005
ESTUDOS E EXPERIÊNCIAS DE COOPERAÇÃO EM SAÚDE NAS FRONTEIRAS DO MERCOSUL A análise da rede de serviços de saúde na tríplice fronteira – Puerto Iguazú/Argentina, Foz de Iguaçu/ Brasil e Ciudad del Este/Paraguai – traça detalhado perfil epidemiológico, populacional, de recursos (humanos, infra-estrutura, equipamentos, financeiros), modelos estrutural e funcional da rede de serviços de saúde (OPAS/OMS, 2002). Os indicadores de saúde refletem iniqüidades socioeconômicas, semelhanças no perfil epidemiológico, diversidades no perfil da rede, nos recursos disponíveis e no modelo de atenção e déficits na troca de informações. A maior parte dos atendimentos derivados a outro país é espontânea e não formalizada. As propostas apontam para estratégias locais e regionais de cooperação e articulação entre redes assistenciais, capacitação e intercâmbio de informações em conformidade com as políticas e os sistemas de saúde de cada país. Destaca-se a importância de um marco político para ações regionais e locais com prioridades sanitárias, coberturas programáticas e mecanismos de financiamento considerando a situação de fronteira (idem). Na paisagem da fronteira, inici-
Fonte: Elaboração própria com base nas informações do Relatório Consolidado da Pesquisa Saúde nas Fronteiras: estudo do acesso aos serviços de saúde nas cidades de fronteira com países do MERCOSUL, NUPES/DAPS/ENSP/FIOCRUZ/Pesquisa Saúde na Fronteira (FIOCRUZ 2007).
ativas de cooperação em saúde entre governos mostram-se como observatórios de repercussões da in-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
253
GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia
tegração. Uma destas iniciativas é
mam cerca de 200 mil habitantes
câmbios e fluxos, impõe na saúde
o Grupo de Trabalho para Integra-
(NAVARRETE, 2006). O Comitê de Saú-
a articulação de estratégias para a
ção das Ações de Saúde na Área de
de foi conformado a partir do Pri-
efetivação de programas e políticas
Influência da Itaipu –GT Itaipu Saú-
meiro Encontro Binacional de Fron-
públicas nacionais. São espaços que
de –, criado em 2003, pela Empre-
teiras Brasil-Uruguai realizado em
vão se afirmando frente ao desafio
sa Pública Itaipu Binacional é inte-
2005 e organizado pelo Conselho de
comum de implantar prioridades
grado por representantes dos gover-
Saúde de Sant’Ana do Livramento.
nacionais no território de fronteiras.
nos locais, regionais e nacionais da
O debate entre as duas localidades
Tais iniciativas têm promovido par-
saúde do Brasil e do Paraguai e tem
sobre questões de saúde concen-
ticipação e debate com atores locais
caráter consultivo. Com atuação na
trou-se em temas de atenção à saú-
sobre o processo de integração re-
área de influência do Lago de Itai-
de, vigilância, direitos sexuais e re-
gional e as problemáticas da saúde
pu, articula ações de saúde entre
produtivos. O Comitê atua como
na fronteira.
28 municípios brasileiros e 31 pa-
organismo de controle social e de
raguaios, que totalizam cerca de um
CONSIDERAÇÕES FINAIS
milhão e meio de habitantes. O objetivo do GT Itaipu Saúde é melhorar, com apoio da Empresa, a qualidade das ações de saúde na fronteira mediante planejamento e execução de atividades conjuntas prioritárias das políticas nacionais de saúde, com atenção para especificidades regionais. Diagnóstico rea-
FALTA DETALHAR DE CADA LADO DA FRONTEIRA IMPLICAÇÕES ORGANIZACIONAIS E FINANCEIRAS, DEMANDAS E ATENÇÃO PRESTADA, INSTRUMENTOS PARA A GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE NA REDE ASSISTENCIAL PARA NÃO RESIDENTES ...
lizado pelo GT identificou os princi-
As repercussões da integração econômica regional nas políticas e sistemas de saúde de cidades fronteiriças do MERCOSUL ainda estão insuficientemente descritas, para implicar atores na busca de soluções objetivas nos debates regionais. Fal-
pais problemas na fronteira: infor-
ta detalhar de cada lado da frontei-
mação, atenção primária e de mé-
ra implicações organizacionais e fi-
dia complexidade, cultura partici-
nanceiras, demandas e atenção pres-
pativa, articulação interinstitucio-
fomento de atividades conjuntas nas
tada, instrumentos para a garantia
nal e recursos humanos. Elaborou-
políticas públicas em ambas as ci-
do direito à saúde na rede assisten-
se um plano de ação a ser empreen-
dades, integrado por representantes
cial para não residentes, e tratar da
dido cooperativa e conjuntamente,
de diferentes segmentos institucio-
participação dos governos locais
abordando sistemas e serviços, vi-
nais e da sociedade civil organiza-
nas relações bi e multilaterais. Es-
gilância, informação, educação per-
da.
tes fatores combinados têm corresAmbas as iniciativas configuram
pondência na compreensão do pro-
Outra iniciativa de cooperação é
espaços de debate e planejamento
blema e na formulação de alterna-
o Comitê Binacional de Saúde
de atividades reconhecendo as di-
tivas, as quais podem tender para
Sant’Ana do Livramento e Rivera,
versidades entre os sistemas sani-
aspectos financeiros ou distanciar
cidades-gêmeas do segmento Rio
tários de saúde e a integração regi-
pautas regionais do cotidiano da
Grande do Sul e Uruguai que so-
onal que, ao incrementar os inter-
fronteira.
manente e saúde indígena.
254 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde
As garantias de saúde são im-
e heterogêneo, em parte influencia-
Projetar avanços do MERCOSUL a
portantes em processos de integra-
do por aspectos estruturais, priori-
partir da perspectiva e experiências
ção econômica, como demonstra a
dades e critérios de distribuição de
de cidades fronteiriças evidencia que
União Européia. No MERCOSUL, a in-
recursos.
a convivência com a diversidade, ao
clusão de temas sociais no debate
Embora seja prematuro traçar
lado da construção da integração,
regional vem se consolidando. Fren-
um perfil definitivo de repercussões
te ao perfil dos municípios frontei-
da integração econômica regional
abre caminho para iniciativas coo-
riços brasileiros e à luz do estudo e
sobre as políticas e serviços de saú-
iniciativas de cooperação fronteiri-
de de municípios fronteiriços e se-
ça em saúde aqui apresentados é
jam necessários estudos sobre mo-
possível afirmar que no MERCOSUL é
delo de atenção, sistemática de or-
fundamental permear o debate po-
ganização e de acesso nas políticas
lítico da integração com as reper-
de saúde de cada Estado-parte,
cussões nos sistemas e serviços de
perativas locais. As duas iniciativas aqui apresentadas oferecem elementos para a formulação de estratégias para fronteiras no MERCOSUL, entre os quais: monitoramento de condições de saúde, intercâmbio de informações, aproximação entre práticas sanitárias, oferta de capa-
saúde, de modo que avanços daquela não impliquem em acentuar de-
citação conjunta, criação de condi-
sigualdades na saúde. As iniciati-
ções de apoio mútuo. As experiên-
vas do GT Itaipu Saúde e do Comitê
cias indicam a importância de for-
de Saúde de Sant’Ana do Livramento e Rivera revelam que temas cotidianos de comunidades e de serviços de saúde fronteiriços devem se
AS GARANTIAS DE SAÚDE SÃO IMPORTANTES EM PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA, COMO DEMONSTRA A UNIÃO EUROPÉIA
talecimento de mecanismos jurídicos internacionais para a atuação articulada e cooperativa em saúde na fronteira.
incorporar à agenda e às estratégi-
As iniciativas fronteiriças de-
as local, regional e multilateral da
monstram que acordos bilaterais em
integração.
saúde podem ser considerados eta-
As características gerais apre-
pas preparatórias para os entendi-
sentadas e da rede dos municípios
mentos multilaterais e que dispor
brasileiros fronteiriços do MERCOSUL,
sabe-se que estes condicionam pa-
ainda que não exaustivas, ilustram
drões da busca por serviços na ci-
as múltiplas faces da fronteira que
dade vizinha de fronteira. Cidades
compõem segmentos não uniformes.
fronteiriças têm concretizado a ar-
Na perspectiva interna do Brasil, os
ticulação local, ainda com autono-
segmentos fronteiriços são diferen-
mias diferenciadas e graus varia-
ciados entre os estados federados,
dos de dependência das instâncias
mas de saúde, apóia programas e
exibindo contrastes dentro de um
nacionais. A descentralização do
contrapõe mecanismos informais.
mesmo estado, como é o caso do
sistema de governo brasileiro leva
Os valores de universalidade, inte-
Rio Grande do Sul e do Paraná. A
os municípios a acumularem res-
gralidade, equidade, e participação
oferta de serviços e as coberturas
ponsabilidades e autonomias signi-
social podem ser fortalecidos com
apresentadas exibem perfil desigual
ficativas na gestão da saúde.
um modelo de integração econômi-
de recursos financeiros e estratégicos para o planejamento conjunto na fronteira incentiva a cooperação e solidariedade. Além de fortalecer os entes locais na gestão dos siste-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
255
GUIMARÃES, Luisa & GIOVANELLA, Ligia
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AMERICANO DE ADMINISTRACIÓN
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 248-257, set./dez. 2005
257
MENDES, Nogueira & MARQUES,ARTICLES Rosa Maria ARTIGOSÁquilas ORIGINAIS / ORIGINAL
O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS The impact of the Lula government economic policy on Social Security and the Unified Health System
Áquilas Nogueira Mendes1 Rosa Maria Marques2
RESUMO O artigo discute a relação entre a política econômica do governo Lula (especialmente a adoção do regime de metas de inflação e a busca de ele-
Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007
vados superávits primários) e o financiamento da Seguridade Social e do Sistema Único de Saúde - SUS. De forma específica, evidencia que o resultante dessa política - baixo crescimento, manutenção de elevadas taxas de juros, precarização do mercado de trabalho, redução do gasto público – impede o crescimento das receitas e recursos como seria necessário, o que compromete a plena aplicação dos princípios do SUS. Apesar disso, alguns avanços são apontados, como o crescimento da cobertura do Programa de Saúde da Família. PALAVRAS-CHAVE: política econômica; seguridade social; SUS
ABSTRACT The article discusses the relationship between the economic policy of the Lula government (especially the adoption of inflation targets and the Professor Doutor do Departamento de Economia da PUCSP e da Faculdade de Economia da FAAP/SP, vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde e coordenador da Coordenadoria de Gestão de Políticas Públicas do Centro de Estudos e Pesquisa de Administração Municipal – Cepam/SP. E-mail: [email protected] 1
attempt to achieve high primary surplus) and the funding of the Social Security system and Unified Health System (SUS). It demonstrates in a specific manner that the results of this policy – low economic growth, maintenance of high interest rates, instability of the job market, reduction in public spending — prevents the increase in revenue and resources as would be necessary, thus compromising the full application of the SUS principles. Despite this, some advances are identified, such as
Professora Titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pósgraduados em Economia Política da PUCSP Departamento de Economia – PUC-SP E-mail: [email protected] 2
the increased coverage of the Family Health Program. KEYWORDS: Economic Policy; Social Security; Unified Health System
258 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS
APRESENTAÇÃO
receitas da Previdência Social e dis-
mo de divulgação na grande im-
cute como os fundamentos da polí-
prensa, que trataram de sua políti-
Esse artigo tem como objetivo
tica econômica se concretizam em
ca econômica. Afinal, entre outros
discutir de que forma a política
proposições que visam a alterar o
motivos, tratava-se de acompanhar
macroeconômica do primeiro gover-
quadro legal de vinculação de re-
a experiência de quem havia sido
no Lula condicionou as condições
ceitas para a Seguridade Social e o
eleito exatamente para mudá-la,
de financiamento de dois importan-
amplo consenso construído em re-
promovendo o crescimento econô-
tes ramos da Seguridade Social: a
lação ao financiamento do SUS.
mico, o emprego, além da redistri-
Previdência e a Saúde. Em geral, o
É da compreensão de que a po-
buição da renda e da riqueza. Con-
acompanhamento das tensões entre
lítica econômica subordina o soci-
tudo, desde os primeiros momentos,
a área econômica e os ministérios
al no país que se pode, de fato, uni-
ficou claro que, em matéria de po-
responsáveis pela aplicação das
ficar a luta pela retomada dos prin-
lítica econômica, Lula, no lugar de
políticas desses ramos, evidentes na
cípios do SUS com aquela de um
implementar uma transição para
época em que a Lei de Diretrizes
um novo modelo, defendida duran-
Orçamentária é elaborada, restrin-
te a campanha eleitoral, não só ha-
ge-se em destacar o tamanho do
via mantido a política macroeconô-
déficit da Previdência (questionado por muitos) e a demonstrar como, mais uma vez, a equipe econômica procura introduzir, como se fossem da saúde pública, gastos que não têm natureza nenhuma com as ações e serviços contemplados pelo SUS. Compreendendo que é preciso ir
Lula, no lugar de implementar uma transição para um novo modelo (...) não só havia mantido a política macroeconômica do segundo mandato de (...) FHC, como a havia aprofundado ...
mica do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso – FHC, como a havia aprofundado, o que fica evidente com a manutenção do compromisso de promover superávit fiscal primário, o que é descrito mais a seguir. Em linhas gerais, a política macroeconômica foi fundamentada no
além dessas constatações e denún-
regime de metas de inflação; na ele-
cias - mas sem desmerecê-las, pois
vação do superávit primário; e na
elas foram fundamentais na reversão das tentativas que ocorreram durante o governo Lula, como se
crescimento sustentável, com distribuição de renda e riqueza.
quais são os pilares da política econômica do governo, e descrever,
flutuante. No ‘regime de metas de inflação’, de origem neoclássica, o nível de inflação constitui o princi-
verá adiante – este artigo procura, num primeiro momento, esclarecer
manutenção do regime de câmbio
pal objetivo a ser atingido, de for-
A POLÍTICA ECONÔMICA
ma que todas as demais variáveis
DO GOVERNO LULA1
econômicas a ela devem se subor-
mesmo que brevemente, quais fo-
dinar. Assim, sempre que os direto-
ram os resultados dessa política.
Durante os quatro anos do pri-
res do Banco Central - Bacen - con-
Numa segunda parte, destaca o
meiro governo Lula, não foram pou-
sideravam que havia uma tendên-
impacto desses resultados sobre as
cos os artigos acadêmicos, e mes-
cia de a inflação superar a meta
1
Esta parte e a próxima se beneficiaram largamente de Sanchez et al (2006) e Marques e Nakatani (2007).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
259
MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria
fixada, elevava-se a taxa básica de
Produto Interno Bruto - PIB, por li-
para reduzir a dívida externa pú-
juros (taxa Selic, determinada pelo
vre iniciativa do governo Lula, no
blica, como para diminuir a parce-
Comitê de Política Monetária do
ano de 20032. Durante o governo
la da dívida interna corrigida pela
Bacen), para com isso deprimir a
anterior, esse esforço girou em tor-
variação cambial. Além disso, os
demanda agregada. É isso que ex-
no de 3,5% do PIB e o acordado com
resultados derivados da redução do
plica os ciclos de aumento e de re-
o FMI havia sido de 3,75%. Para os
gasto público foram em parte anu-
dução da taxa de juros vivenciados
anos seguintes, embora a meta não
lados pela elevação do peso da con-
nos últimos quatro anos. No início
tenha sido formalmente ampliada,
ta juros, provocada pelo aumento
do governo, frente à tendência al-
o superávit primário ficou em cer-
e/ou manutenção de alta taxa bási-
tista dos preços, a taxa de juros foi
ca de cerca de 4,6% do PIB em 2004,
ca de juros. Dessa forma, os juros
elevada para 25,5% em janeiro e
e de 4,8% em 2005.
nominais devido pelo setor públi-
26,5% em fevereiro de 2003. Já par-
Apesar desse esforço, a dívida
co, que eram de 8,5% do PIB em
tir de junho, estando a inflação sob
mobiliária federal (títulos públicos
2002, e já eram bem elevados, au-
controle, inicia-se uma redução gra-
mentaram para 9,3% do PIB em 2003,
dual desta taxa, até que essa atin-
mas fecharam 2005 com 8,12%. A
gisse 16% em abril de 2004. Mas, a
diferença entre esses percentuais e
partir de setembro desse ano, novos aumentos da taxa básica de juros começariam, até que essa batesse 19,75% em maio, ficando assim até setembro, quando tem início uma nova rodada de reduções, de forma que, em outubro de 2006, a taxa básica de juros chegou a
A combinação do esforço fiscal com as elevadas taxas de juros resultou em baixo crescimento econômico, aumento das rendas dos detentores de riqueza financeira e contínua pressão sobre os gastos sociais...
os do superávit primário resultou em ‘rolagem’ de parte dos juros devidos. Em outras palavras, ao atrelar os juros básicos à meta inflacionária, o governo impediu que sua política fiscal restritiva fosse plenamente eficaz. A combinação do es-
13,75%. Comparada à de fevereiro
forço fiscal com as elevadas taxas
de 2003, essa taxa estava 12,75
de juros resultou em baixo cresci-
pontos percentuais menor do que
mento econômico, aumento das ren-
aquela. Mesmo assim, continuava
fora do Bacen) continuou a aumen-
das dos detentores de riqueza finan-
extremamente alta, para qualquer
tar: de R$ 623 bilhões em 2002, fe-
ceira e contínua pressão sobre os
padrão internacional que se adote.
chou 2005 com R$ 980 bilhões. Já a
gastos sociais, como se verá adian-
Em relação ao ‘superávit primá-
dívida líquida do setor público, de
te.
rio’, medida de esforço fiscal que
55,5 % do PIB em dezembro de 2002,
A manutenção do ‘regime de
visa o pagamento do serviço da dí-
caiu para 51,5% em dezembro de
câmbio flutuante’, por sua vez, re-
vida, adotado no governo FHC no
2005 e, em agosto de 2006, estava
sultou em extrema valorização do
momento da negociação com o Fun-
em 50,3% do PIB. Essa queda de-
real, sem que as compras de dólar
do Monetário Internacional – FMI,
veu-se especialmente à revaloriza-
realizadas pelo Bacen tenham con-
esse foi aumentado para 4,25% do
ção do real, que contribuiu tanto
seguido alterar essa situação. As-
Esse aumento foi anunciado em 28 de fevereiro, mediante a Carta de Intenção enviada ao FMI. Para sua efetivação, o governo Lula promoveu cortes no orçamento da União de R$ 14,1 bilhões, o que reduziu a disponibilidade dos ministérios da área social em 12,44%.
2
260 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS
sim, à parte os primeiros meses do
tações foi de 11,6%. Dessa maneira,
da participação dos produtos bási-
governo Lula, o câmbio registrou
aumentou a dependência do país
cos no total das exportações, o fato
quedas contínuas.
com relação à performance do res-
de que parte dos manufaturados
to do mundo, principalmente da
apresenta baixa ou média intensi-
China demandante de commodities.
dade tecnológica, o que dá um sen-
Além disso, diversos economistas
tido mais amplo à utilização do ter-
passaram a dizer que o aumento da
mo ‘reprimarização’.
OS PRINCIPAIS RESULTADOS ECONÔMICOS
participação relativa de produtos
O mau desempenho econômico
Durante o primeiro governo
com baixo valor adicionado na pau-
ocorrido no primeiro ano do gover-
Lula, a evolução do PIB seguiu sua
ta de exportação configura uma cer-
no Lula provocou redução de 12,6%
trajetória anterior, indicando a difi-
ta ‘reprimarização’ dessa mesma
do rendimento médio habitual5 real
culdade da economia brasileira em
pauta3. Os produtos básicos que
do trabalhador brasileiro em rela-
crescer de forma continuada no qua-
representavam, em 2000, 22,8% do
ção a 2002. Essa redução foi obser-
dro dos marcos da política macroe-
vada em todas as categorias de ocu-
conômica implementada: expansão
pação, apesar de as mais organiza-
de apenas 0,5% em 2003, de 4,9%
das terem firmado acordos de rea-
em 2004 e de 2,3% em 2005. Em dezembro de 2006, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA — estimava que o crescimento do PIB em 2006 seria de 2,8%. Nesses anos, o crescimento, mesmo que pequeno do PIB, foi principalmente fundado na expansão das
Durante o primeiro governo Lula, a evolução do PIB seguiu sua trajetória anterior, indicando a dificuldade da economia brasileira em crescer de forma continuada...
juste salarial favoráveis no segundo semestre, quando o nível de atividade se recuperou um pouco. Nesse primeiro ano, ainda, a taxa média de desemprego aberto das cinco regiões metropolitanas, calculada pelo IBGE (IBGE, 2002), registrou aumento (12,3%; quando era
exportações que, apesar da valori-
11,7% em 2002). Em 2004, muito
zação do real, aumentaram signifi-
embora a economia tenha crescido
cativamente durante todo o primeiro governo Lula. Em 2005, por
total do valor das exportações, ti-
4,9%, o rendimento médio real dos
exemplo, o setor agropecuário ex-
veram sua participação elevada
ocupados recuou mais 0,7%, mas a
pandiu-se somente 0,8%, a indústria
para 29,3% em 2005. Já a contribui-
taxa média de desemprego no ano
,2,5% e os serviços, 2,0%. Do lado
ção dos produtos semimanufatura-
caiu para 11,5%. Em 2005, o rendi-
da despesa, o consumo das famíli-
dos e dos manufaturados se redu-
mento médio habitual real apresen-
as cresceu 3,1%, a formação bruta
ziu, passando de 15,4% para 13,5%,
tou uma pequena recuperação, cres-
do capital fixo, 1,6%, as importa-
e de 59% para 55,1%, no mesmo pe-
cendo 2% em relação ao ano anteri-
ções, 9,5% e o consumo do gover-
ríodo, respectivamente . Soma-se a
or. Esse desempenho, contudo, não
no, 1,6%. Já a expansão das expor-
esse movimento, de intensificação
atingiu os trabalhadores com car-
4
3
Ver Belluzzo e Carneiro, 2003.
4
O total não atinge os 100% devido às operações especiais.
5
No cálculo do rendimento habitual não são consideradas as horas extras, os atrasados, as férias, etc.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
261
MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria
teira assinada, os quais sofreram
para a situação de dezembro de
ou mais no trabalho principal, não
redução de 0,8% em seu rendimen-
2002 com a de setembro de 2006.
contribuiam para qualquer institu-
to médio habitual real (em 2004 ele
Contudo, vale mencionar que a re-
to de previdência.
havia aumentado 0,3% e, em 2003,
cuperação de seu valor teve início
havia se reduzido em 4,9%). Nesse
durante o governo FHC. Dessa for-
ano, a taxa média de desemprego
ma, se compararmos o referido va-
continuou a cair, registrando 9,8%.
lor ao de 1995, constatamos que
Em relação ao rendimento, vale
houve um aumento de 97% em ter-
salientar ainda que, além do rendi-
mos reais. Nos primeiros dois anos
O primeiro aspecto destacável,
mento médio real habitual dos ocu-
do governo Lula, o processo de re-
entre a relação da política macroe-
pados ter registrado redução duran-
cuperação foi desacelerado, reto-
conômica do governo Lula e a ‘Se-
te o primeiro governo Lula, apro-
mando fôlego em 2005 e 2006.
guridade Social’, foi a extensão da
O IMPACTO DA POLÍTICA ECONÔMICA E DE SEUS RESULTADOS NA SEGURIDADE SOCIAL E NO SUS.
fundou-se o processo de concentra-
vigência da Desvinculação das Re-
ção dos ocupados nas faixas de ren-
ceitas da União – DRU6 para 2007.
da mais baixas. Considerando-se o rendimento principal dos ocupados com 10 anos ou mais, 89,9% recebiam até 5 salários mínimos em 2004. Em 2002, esse percentual era de 87,6% (IBGE, 2002). Embora o salário mínimo não seja reflexo direto da política macroeconômica adotada, e sim resultado de uma decisão política de
O primeiro aspecto destacável, entre a relação da política macroeconômica do governo Lula e a ‘Seguridade Social’, foi a extensão da vigência da Desvinculação das Receitas da União – DRU para 2007
No momento da criação desse dispositivo, em 1994, durante o primeiro governo FHC, houve franca oposição dos setores comprometidos com a Seguridade Social, e o Partido dos Trabalhadores fechou questão contra sua aprovação no Congresso Nacional. Por isso, os setores que apoiaram a eleição de Lula em 2002 esperavam que o novo governo desse fim a esse dispositi-
governo, o fato de o piso dos bene-
vo. Contudo, não foi isso que acon-
fícios previdenciários e o Benefício
Um outro elemento importante
teceu: no bojo da reforma tributá-
de Prestação Continuada serem de-
que deve ser registrado, e que tem
ria encaminhada pelo governo e
finidos por ele, justifica seu desta-
reflexo sobre a Seguridade Social,
aprovada em 2003, ficou definida
que nesta parte do artigo. Vale lem-
diz respeito ao grau de precariza-
sua vigência até 2007.
brar que apesar de o governo não
ção das relações de trabalho. Em
No ano de 2004, o volume de
ter cumprido sua promessa de cam-
2005, segundo a Pesquisa Nacional
recursos assim desviados da Segu-
panha de dobrar seu valor real, pro-
de Amostra por Domicílios (PNAD),
ridade Social totalizou R$ 24,9 bi-
moveu um aumento de 40% em seu
realizada pelo IBGE( IBGE, 2005),
lhões, o que correspondeu a 77,5%
poder aquisitivo, quando se com-
52,8% dos ocupados, com 10 anos
do gasto realizado pelo governo fe-
6 Permite que 20% das receitas de impostos e contribuições sejam livremente alocados pelo governo federal, inclusive para pagamento dos juros da dívida. Na época de sua criação, em 1994, chamava-se Fundo Social de Emergência; em 1997 foi renomeado como Fundo de Estabilização Fiscal e, em 2000, finalmente seu nome passa a expressar seu verdadeiro conteúdo – Desvinculação das Receitas da União.
262 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS
deral em saúde nesse ano. Em 2005,
expansão observada nesse último
tor privado, segurados pelo RGPS.
foram R$ 32,129 bilhões, isto é, 93%
ano deveu-se ao comportamento
Essa contribuição, que fere o prin-
do gasto em ações e serviços de
favorável do mercado de trabalho
cípio previdenciário de reciprocida-
saúde, efetuados pelo Ministério da
formal, à ação da Secretaria da Re-
de, somente incide a partir de um
Saúde (ANFIP, 2005). Desnecessário
ceita Previdenciária principalmente
determinado valor de aposentado-
dizer que os recursos desvincula-
na recuperação de créditos junto a
ria. À introdução de um valor má-
dos mediante a DRU alimentam a
devedores, e à elevação do teto da
ximo para a aposentadoria dos fun-
formação do superávit primário,
contribuição.
cionários públicos, foi associada a
descrito na parte 1 deste artigo. Para
Ainda em relação à Previdência,
criação de fundos de pensão, os
o segundo mandato do governo
o governo promoveu, em seu pri-
quais, assim como para os traba-
Lula, as expectativas são ainda
meiro ano de mandato, uma refor-
lhadores do setor privado, podem
mais desanimadoras, pois integran-
ma no regime pertinente aos funci-
ser organizados e administrados por
tes de seu governo, vinculados à
onários públicos. Essa reforma re-
sindicatos e pelas centrais sindicais
esfera econômica, falam em aumen-
(MARQUES e MENDES, 2004). Até o
tar o percentual da desvinculação
momento, contudo, eles não foram
para cerca de 40%.
regulamentados, pois a legislação
Em relação à ‘Previdência Social’ do Regime Geral - RGPS, o impacto da economia se fez sentir principalmente sobre a receita das contribuições. Essas, resultantes da aplicação de alíquotas sobre a massa salarial dos ocupados junto ao mercado de trabalho formal, senti-
...o crescimento da arrecadação líquida das contribuições não foi suficiente para dar conta da defasagem existente entre as receitas e as despesas previdenciárias ...
necessária não foi ainda objeto de discussão e aprovação. Vale ressaltar que essas medidas foram de encontro com a tradição e o posicionamento dos representantes do PT em momentos anteriores, quando da reforma da Previdência encaminhada por FHC.
ram o peso da informalidade e o
Evidentemente, como o cresci-
elevado desemprego, principalmen-
mento da arrecadação líquida das
te nos anos em que a economia apre-
contribuições não foi suficiente para
sentou os piores resultados, estan-
tirou direitos dos servidores, ao in-
dar conta da defasagem existente
do longe de evoluir de acordo com
troduzir um teto para o valor do
entre as receitas e as despesas pre-
as taxas de crescimento de décadas
benefício (anteriormente o valor da
videnciárias, membros do governo,
anteriores. Mesmo assim, o total da
aposentadoria correspondia ao va-
logo depois da reeleição de Lula,
arrecadação líquida, depois de ter
lor do provento, não sofrendo redu-
têm firmado um diálogo intenso
decrescido em 2003, com relação ao
ção). Além disso, o governo implan-
com a mídia sobre um possível en-
ano anterior, aumentou 9,3% em
tou uma contribuição sobre o valor
caminhamento de novo projeto de
2004 e 9,4% em 20057. Segundo o
da aposentadoria para os servido-
reforma da Previdência, desta vez
Ministério da Previdência Social, a
res e para os trabalhadores do se-
alterando as condições de acesso à
a arrecadação líquida foi de R$ 92,3 bilhões em 2003; R$ 100,9 bilhões em 2004 e R$ 110,4 bilhões em 2005, a valores de dezembro A 2005. Diponível em: www.mpas.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_10.asp. acesso em: dezembro. 2006
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
263
MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria
aposentadoria e o valor do benefício tanto para os trabalhadores do setor privado da economia como
Tentativas de redução do orçamento do Ministério da Saúde
Apesar de diversos e intensos debates terem ocorrido entre entida-
A Lei de Diretrizes Orçamentári-
des vinculadas ao SUS e o Ministé-
as - LDO - para o orçamento de 2004
rio do Planejamento, nada foi mo-
Em relação ‘à saúde pública’, os
previa que os Encargos Previdenci-
dificado sobre essa questão. Somen-
principais impactos da política eco-
ários da União - EPU, o serviço da
te após o parecer do Ministério Pú-
nômica em seu financiamento ocor-
dívida e os recursos alocados no
blico Federal, contrariando a deci-
reram no momento da elaboração
Fundo de Combate e Erradicação da
são presidencial e solicitando ao
da proposta orçamentária e não no
Pobreza fossem contabilizados
presidente Lula a retirada do veto
encaminhamento da regulamenta-
como gastos do Sistema Único de
ao dispositivo que esclarecia que os
ção da Emenda Constitucional nº
Saúde do Ministério da Saúde. Con-
recursos do Fundo de Combate à
29(BRASIL, 2000. A importância as-
tudo, a forte reação contrária do
Erradicação da Pobreza não poderi-
sumida pela proposta orçamentária
Conselho Nacional de Saúde e da
am ser contabilizados como gastos
para os funcionários públicos.
deveu-se ao fato de a meta relativa
em saúde, sob pena do orçamento
ao superávit primário, além de se
aprovado vir a ser considerado in-
traduzir em contingenciamentos, re-
constitucional, o governo recuou.
sultar em diferentes tentativas de redução dos gastos, inclusive os sociais. No caso da saúde pública, em todos os anos do primeiro governo Lula, a equipe econômica tentou introduzir itens de despesa que não são considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde. Entre esses itens figuraram, en-
... em todos os anos do primeiro governo Lula, a equipe econômica tentou introduzir itens de despesa que não são considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde
Foi assim que a Lei nº 10.777, de 25 de novembro de 2003, contempla, no parágrafo segundo do artigo 59, que o EPU, o serviço da dívida e as despesas do MS com o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza não fossem considerados como ações e serviços públicos de saúde.
tre outros, o pagamento de juros e
Da mesma forma, o projeto de
a despesa com a aposentadoria dos
Lei de Diretrizes Orçamentárias
ex-funcionários desse ministério.
Frente Parlamentar da Saúde deter-
(LDO) para o orçamento de 2006,
Embora essas tentativas estivessem
minou que o Poder Executivo envi-
encaminhado pelo governo federal
sendo apoiadas por toda a área eco-
asse mensagem ao Congresso Naci-
à Câmara, previa que as despesas
nômica do governo, não foram a
onal estabelecendo que, para efeito
com assistência médico-hospitalar
termo, pois as entidades da área da saúde — o Fórum da Reforma Sanitária (Abrasco, Cebes, Abres, Rede Unida e Ampasa) —, o Conselho Nacional de Saúde e a Frente Parla-
das ações em saúde, seriam deduzidos o EPU e o serviço da dívida. Em relação ao Fundo da Pobreza a mensagem era omissa.Essa omis-
dos militares e seus dependentes (sistema fechado) fossem consideradas no cálculo de ações e serviços de saúde. Caso fossem consideradas, os recursos destinados para
mentar da Saúde rapidamente se
são resultaria na redução de R$
mobilizaram e fizeram o governo
3.571 milhões no orçamento SUS do
nuídos em cerca de R$ 500 milhões.
recuar.
Ministério da Saúde.
Frente à declaração pública do MS,
264 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
o Ministério da Saúde seriam dimi-
O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS
repudiando essa interpretação, e
cionais; e, dos municípios, 15%, tal
absolutamente necessária para ga-
frente à mobilização das entidades
como define a EC 2910.
rantir o financiamento e o compro-
da saúde, o governo federal foi obri-
Quando Lula foi eleito pela pri-
metimento das diferentes esferas de
gado a recuar, reformulando sua
meira vez, pensava-se que, final-
governo na construção do SUS. É
proposta.
mente, não haveria obstáculos para
por isso que, durante o primeiro ano
que finalmente saísse a regulamen-
do governo Lula, a fim de finalizar
tação da EC 29. Afinal, os temas tra-
os encaminhamentos pró-regula-
Em fins de 2003, o governo Lula
tados por ela haviam sido objeto de
mentação da EC 29, foram realiza-
encaminhou documento referente ao
longa discussão entre representan-
dos, em Brasília, mais dois semi-
novo acordo com o Fundo Monetá-
tes dos conselhos municipais e es-
nários, promovidos pela Câmara
rio Internacional8, comunicando sua
taduais, do Conselho Nacional de
Técnica do Sistema de Informações
intenção em preparar um estudo
Saúde, o Ministério da Saúde, os
sobre Orçamentos Públicos em Saú-
Tribunais de Contas dos Estados e
de - SIOPS e pela Comissão para
A vinculação da EC 29 é objeto da atenção da área econômica.
sobre as implicações das vincula-
Elaboração de Proposta de Lei Com-
ções constitucionais das despesas
plementar (PLC) do Ministério da
sociais — saúde e educação — so-
Saúde, onde foi intensa a discussão
bre as receitas dos orçamentos da União, dos estados ou dos municípios. A justificativa apoiava-se na idéia de que a flexibilização da alocação dos recursos públicos poderia assegurar uma trajetória de crescimento ao País9. No âmbito do SUS, a intenção do governo era tirar do
Quando Lula foi eleito pela primeira vez, pensava-se que, finalmente, não haveria obstáculos para que finalmente saísse a regulamentação da EC 29
Ministério da Saúde a obrigação de
das entidades presentes11. Contudo, para surpresas de muitos, a regulamentação da EC 29 não se constituiu prioridade do governo. Mesmo assim, em abril de 2003, fruto da ação da Frente Parlamentar da Saúde, passou a integrar a pauta do Congresso, estando à espera de sua votação.
gastar, em relação ao ano anterior,
A não prioridade da matéria ex-
valor igual acrescido da variação
pressa, na verdade, a tensão exis-
nominal do PIB; dos estados, 12%
Municípios. O resultado dessas dis-
tente entre a área da saúde e a área
de sua receita de impostos, compre-
cussões era, portanto, expressão de
econômica do governo. A primeira,
endidas as transferências constitu-
um grande consenso, visto como
compromissada com a trajetória
8
O documento referente ao novo acordo com o FMI é dirigido ao seu diretor executivo, Köhler (Ministério da Fazenda, 2003).
9
Ministério da Fazenda, op. cit, p. 3
10 A Proposta de Emenda Constitucional 169, vinculando recursos para a saúde pública, foi elaborada pelos deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires. A motivação foi o fato de o Ministério da Saúde, em 1993, não ter recebido os recursos previstos no orçamento da União, de origem nas contribuições de empregados e empregados, o que levou à ocorrência do seu primeiro empréstimo junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT (PEC 169). Depois disso, várias outras propostas de vinculação foram elaboradas e discutidas no Congresso Nacional, mas somente em 2000 - foi aprovada a emenda constitucional (EC 29). De acordo com a EC 29, a União deveria alocar, para o primeiro ano, pelo menos 5% a mais do que foi empenhado no orçamento do período anterior, e, para os seguintes, o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação do PIB nominal. 11 Conasems; Procuradoria Geral da República; Banco do Brasil; representante da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas; Conselho Federal de Contabilidade; assessoria do Deputado Roberto Gouveia; asssessoria do Deputado Guilherme Menezes – PT/Bahia; IBGE/Depto. Contas Nacionais; técnicos do SIOPS; Secretaria Gestão Participativa/MS; STN; técnicos do Departamento de Economia da Saúde/MS; assessoria da bancada do PT na Câmara Federal.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
265
MENDES, Áquilas Nogueira & MARQUES, Rosa Maria
histórica do SUS, e por isso, preo-
Nos três primeiros anos dessa ges-
dado continuidade a seu processo
cupada em garantir seu financia-
tão, a taxa de cobertura do Progra-
de implantação é, em si, digno de
mento e em definir as ações e servi-
ma Saúde da Família, com relação
nota, indicando seu grau de com-
ços de saúde pública; e a segunda,
ao total da população brasileira,
promisso com relação a um progra-
restringida por uma política econô-
aumentou significativamente: 35,7%
ma considerado prioritário por to-
mica fundada em metas de inflação
(2003); 39% (2004) e 43,04% em
das as instâncias participativas do
e na geração de superávits primá-
2005. No último ano do governo
SUS.
rios. Nessa situação, a regulamen-
FHC, esse percentual era de 32,4%.
Entre os programas iniciados
tação das vinculações previstas na
O grau de cobertura varia muito
durante o primeiro governo Lula,
EC 29 é vista como um retrocesso,
entre as regiões e os municípios: em
destacam-se o Brasil Sorridente e o
pois impõe despesas mínimas e
2004, por exemplo, enquanto no
programa Farmácia Popular. O pri-
comprometimentos mínimos de re-
nordeste era de 54,85%, na região
meiro, integrante da Política de Saú-
ceitas, o que estaria contrariando o
sudeste atingia apenas 29% .
de Bucal, propiciou que a cobertu-
12
esforço de geração de superávit. Ao
ra do atendimento da saúde bucal
mesmo tempo, no entender da equi-
aumentasse de 17,5%, em 2002,
pe econômica, isso limitaria o po-
para 33,7%, em 2005. Já o progra-
der discricionário do governo, o qual não poderia alocar os recursos de acordo com seus interesses mais imediatos. Dessa forma, o gasto mínimo definido e a vinculação mínima de recursos estariam respondendo a interesses que inde-
Apesar das restrições impostas pelo marco macroeconômico, houve avanços na área da saúde pública durante o primeiro governo Lula
ma Farmácia Popular, consiste em oferecer medicamentos essenciais a baixo custo. Em 14 de dezembro de 2006, o Ministério da Saúde inaugurava a 243ª Farmácia Popular do país. Dessa forma, segundo informação do site do MS, esse progra-
penderiam do governo de ocasião,
ma atingia “60 milhões de brasilei-
expressando compromissos de lon-
ros, em 193 municípios de 24 esta-
go prazo.
dos e do Distrito Federal”. Desde o Não se pode dizer, entretanto,
lançamento do programa, em junho
que esse programa tenha sido (e
de 2004, já foram realizados mais
seja) propriamente uma marca do
de 6,5 milhões de atendimentos e
governo Lula, pois seu início data
fornecidos mais de 40 milhões de
de 1994, embora somente em 1998
produtos”. Essa iniciativa não está,
Apesar das restrições impostas
tenha se consolidado como uma po-
contudo, isenta de críticas. Há quem
pelo marco macroeconômico, hou-
lítica prioritária do Ministério da
considere que a cobrança pelo me-
ve avanços na área da saúde públi-
Saúde. Poder-se-ia argumentar, con-
dicamento fere o princípio da gra-
ca durante o primeiro governo Lula.
tudo, que o fato de o governo ter
tuidade, presente no SUS.
AVANÇOS RELATIVOS DA SAÚDE PÚBLICA.
12
Ver site do Ministério da Saúde, www.saude.gov.br. Acesso em: 10 de dezembro de 2006
266 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
O impacto da política econômica do governo Lula na Seguridade Social e no SUS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ção ao SUS, a luta incessante dos
Transitórias, para assegurar os re-
últimos anos pela defesa de níveis
cursos mínimos para o financiamen-
Para a Seguridade Social, em
mínimos de recursos que, a bem da
to das ações e serviços públicos de
geral, e para o SUS, em particular,
verdade, não começou com o go-
saúde. DOU. 13 set. 2000
a forte possibilidade de que a políti-
verno Lula , pode converter-se em
ca econômica do segundo governo
crescente descompromisso dos di-
MARQUES, R. M., MENDES, A. O
Lula tenha como base os mesmos
ferentes níveis de governo com a
Governo Lula e a Contra-Reforma
fundamentos da que foi desenvolvi-
saúde pública. Frente à não-regu-
Previdenciária. São Paulo Perspec,
da em seu primeiro mandato é mais
lamentação da EC 29 e ao efeito de-
São Paulo, v.18, p.3-15, set./ jul.
do que preocupante. Isso porque, do
monstração dado pela União, difi-
2004.
ponto de vista das políticas susten-
cilmente o MS, o Conselho Nacio-
tadas pelos diferentes ramos da Se-
nal de Saúde, o Conasems e o Co-
______. Democracia Y Universali-
guridade Social, especialmente para
nass terão força para fazer valer o
dad: Discutiendo las condiciones de
a Previdência e para a Saúde, não
pacto que gerou a proposta da EC
aplicar tales conceptos a las accio-
será o enfretamento das mesmas
29.
nes y servicios de salud pública de
13
restrições e problemas. No caso da
Brasil. In Revista: Bienestar y Polí-
Previdência, a crescente defasagem
tica Social - Universidad IberoA-
REFERÊNCIAS
entre as receitas de contribuições e
mericana - Ciudad de México, v. 2
as despesas com benefícios (muito
n.1 primer semestre 2006.
embora a Seguridade como um todo
ANFIP - Associação Nacional dos
apresente um superávit também
Auditores Fiscais da Previdência
MARQUES, R. M. e NAKATANI, P. A
crescente, mas que é desconhecido
Social. Análise da Seguridade So-
política econômica do governo Lula:
do grande público e esquecido pela
cial em 2004 e 2005. Disponível:
como mudar para ficar no mesmo.
mídia, para dizer o mínimo) é fonte
http://www.anfip.org.br/. Acesso
Texto no prelo, a ser publicado no
de argumento para justificar a im-
em: 12 de dez. 2006.
número 189 da revista Tiers Mon-
plantação de uma reforma radical,
de. Sorbonne, Paris.
que resulte na redução dos gastos
BELLUZZO L.G., CARNEIRO R.. Glo-
futuros com benefícios.
balização e Integração Perversa.
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Carta de
Em relação à Seguridade como
Política Econômica em Foco, Cam-
intenção referente ao novo acordo,
um todo, a intenção de aumentar o
pinas, v. 1, p.1-11, maio/ag. 2003
Brasília, 2003. Disponível em: http:/
percentual das contribuições na com-
/www.fazenda.gov.br. Acesso em: 30
posição da DRU - mais do que sig-
BRASIL. Constituição, 1988. Emen-
nificar mais um passo no sentido
da Constitucional 29, 13 de setem-
da destruição da idéia de um orça-
bro de 2000. Altera os arts. 34, 35,
SÁNCHEZ, F. et al. - A política eco-
mento para a Seguridade - pode re-
156, 160, 167 e 198 da Constitui-
nômica da esquerda latino-ameri-
sultar na sua inviabilidade e/ou na
ção Federal e acrescenta artigo ao
cana no governo: o caso do Brasil.
perda de sentido material. Em rela-
Ato das Disposições Constitucionais
Projeto Madison 2, 2006. Mimeo.
13
de setembro de 2004.
Para detalhes dessa luta, ver Marques e Mendes, 2006.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 258-267, set./dez. 2005
267
TEIXEIRA, Fontes & PAIM, Jairnilson ARTICLES Silva ARTIGOSCarmen ORIGINAIS / ORIGINAL
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior Health Policy in the Lula government and the least worse dialectic “Uma pessoa corresponde ao seu próprio tempo mais quando combate do que quando colabora com as ‘formas de vida oficial’” (Badaloni, 1987:85).
Carmen Fontes Teixeira1 Jairnilson Silva Paim2
RESUMO O objetivo do artigo é analisar a política de saúde do Governo Federal na conjuntura iniciada em 2003. A metodologia empregada incluiu pesquisa documental de planos, programas, projetos e relatórios elaborados no Ministério da Saúde, bem como a extração de trechos de discursos de autoridades governamentais e dirigentes do setor, publicados em jornais e revistas de grande circulação. Os resultados incluem a sistematização e discussão do processo de formulação e implementação de políticas de saúde, cotejando-o com algumas iniciativas do Governo Lula nas áreas econômica e social. Aponta a frustração das expectativas em torno da gestão do Estado por forças consideradas de esquerda, embora reconheça esforços realizados para a manutenção e continuidade do processo de reforma setorial em curso. PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde, Sistema Único de Saúde, Reforma Sanitária Brasileira.
Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007
ABSTRACT
1
Doutora em Saúde Pública. Professora
Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISCUFBA). E-mail: [email protected]
2
Professor Titular em Política de Saúde do
This article aims to analyze the federal government health policies in the situation which began in 2003. The methodology employed included documentary research of plans, programs, projects and reports elaborated by the Ministry of Health, as well as the extraction of passages from speeches made by governmental authorities and leaders of the sector published in large circulation newspapers and magazines. The results include the systematization and discussion of the process of formulating and implementing health policies, comparing it to some initiatives of the Lula government in economic and social areas. It reveals how expectations of State management by supposedly left-wing powers have been frustrated, whilst also acknowledging efforts that have been made to maintain and continue the sectorial reform process underway.
Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. Pesquisador
1-A
[email protected]
do
CNPq.
E-mail:
KEYWORDS: Health policies, Brazil’s Unified Health System, Brazilian Health Reform.
268 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
INTRODUÇÃO O término da gestão 2003-2006 do Presidente Lula estimula a refle-
Analisar a policy implica identi-
No que diz respeito à politics,
ficar o conjunto de proposições re-
cabe considerar a luta política tra-
lativas ao enfrentamento dos pro-
vada no âmbito do governo (inter-
blemas e ao atendimento das neces-
xão e demanda por um balanço de
namente as instituições de saúde e
sidades de saúde da população, se-
suas políticas públicas. No caso da
destas com outras organizações go-
gundo a perspectiva adotada por
vernamentais enão-governamentais)
saúde, o respeito ao passado e o
um determinado ator social. Tais
e na sociedade civil. A dinâmica
compromisso com o futuro da Re-
proposições geralmente são apre-
desse processo político tanto pode
forma
Brasileira
sentadas e sistematizadas em docu-
contribuir para consolidar ou para
(RSB)exigem, que se proceda a um
mentos como programa de gover-
subverter, no cotidiano da imple-
exame crítico da política formula-
no, políticas, planos, programas e
mentação em organizações públi-
da e implementada nessa gestão.
projetos de intervenção, expressões
cas, a direcionalidade indicada no
Trata-se de “fazer uma análise dos
das políticas planificadas. Podem,
programa de governo e nos planos
Sanitária
processos e questões políticas que
de ação derivados ou subsidiários.
se acham envolvidas na avaliação
Essa luta política se expressa pela
dos planos e programas do setor
disputa entre atores das organiza-
público de um país” (BUSTAMEN-
O TÉRMINO DA GESTÃO 2003-2006 DO PRESIDENTE LULA
ções visando à apropriação e ao
análise, algumas perguntas prelimi-
ESTIMULA A REFLEXÃO E DEMANDA POR UM
Esses enfrentamentos podem se re-
nares podem ser apresentadas:
BALANÇO DE SUAS POLÍTICAS PÚBLICAS
velar em torno das opções estraté-
TE & PORTALES, 1988 p. 79). Para o desenvolvimento dessa
quais os compromissos explícitos
acúmulo de poderes técnico, administrativo e político (TESTA, 1992).
gicas a serem adotadas no cotidia-
no programa de governo antes das
no das instituições responsáveis
eleições presidenciais de 2002?
pela implementação da proposta
Quais os fatos políticos relaciona-
política que refletem a luta pelo
dos com a saúde produzidos no pe-
poder, quer no ambiente interno,
ríodo de governo? Como os atores
também, ser apreendidas mediante
quer nas relações estabelecidas en-
políticos atuaram na conjuntura?
declarações e discursos de autori-
tre os diferentes órgãos. Como exem-
Que relações poderiam ser identifi-
dades e atores sociais que ilustram
plos, podem ser mencionadas as
cadas entre tais fatos e o programa
certos componentes da agenda po-
relações de cooperação ou conflito
de governo? Perguntas como essas
lítica e podem ser examinadas, ain-
entre instituições do poder executi-
sugerem uma avaliação centrada na
da, a partir de atos normativos, tais
vo (Ministério da Saúde, secretari-
formulação e no processo político
como: leis, decretos, portarias, re-
as estaduais e municipais de Saú-
correspondente à implementação.
soluções, etc. No caso em questão,
de, agências executivas etc) e des-
Em outras palavras, remetem à aná-
trata-se de identificar as propostas
tas com o poder legislativo, judici-
lise da política de saúde em suas
de saúde incluídas no programa de
ário, organizações não-governamen-
dimensões de policy e de politics
governo e seus desdobramentos ao
tais, mídia e grupos organizados da
(PAIM, 2003).
longo da gestão.
sociedade civil.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
269
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
Conseqüentemente, as políticas
so de mudança no financiamento,
mais abrangentes, inovadores e con-
de saúde de um governo não podem
gestão e organização do sistema
sistentes.
ser avaliadas apenas setorialmen-
público de saúde. Também se apos-
Após a vitória, a excitação do
te, ou seja, pelas ações exclusivas
tou na possibilidade de se intensifi-
“mercado” e da mídia, pela indica-
do sistema de serviços de saúde ou
car o processo de participação e con-
ção imediata do Presidente do Ban-
do ministério correspondente. Há
trole social do SUS, avançando-se
co Central e do Ministro da Fazen-
que se examinar passos, traços e
na democratização do conhecimen-
da, correu ao lado da iniciativa do
produtos do governo que têm reper-
to, na reorientação das práticas e
então Presidente Fernando Henrique
cussões na saúde da população e
na melhoria das condições de saú-
Cardoso no sentido de disponibili-
na organização do sistema de ser-
de da população.
zar cargos para integrantes do “gru-
viços. Com essa perspectiva, o pre-
Ao se tomar, como ponto de par-
po da transição” (GT) a serem indi-
sente artigo tem como objetivo ana-
tida, a análise do componente saú-
cados pelo presidente eleito, visan-
lisar a política de saúde do Gover-
de do Programa de Governo apre-
do à passagem dos trabalhos de um
no Federal na conjuntura iniciada
governo para o outro. Foi designa-
em janeiro de 20033.
do para dirigir os trabalhos do GT, o então prefeito da cidade paulista de Ribeirão Preto, que se tornara
DO PROGRAMA À EQUIPE DE GOVERNO: DISCURSO TÍMIDO E PRÁTICA FRAGMENTADA. Depois de perder as eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, o
O PRESENTE ARTIGO TEM COMO
coordenador do programa de Lula devido a uma tragédia (assassina-
OBJETIVO ANALISAR A POLÍTICA DE SAÚDE DO
to do prefeito de Santo André, Celso
GOVERNO FEDERAL NA CONJUNTURA INICIADA EM JANEIRO DE 2003
Daniel, que seria o coordenador do Programa de Governo). Nas várias entrevistas concedidas à mídia, o
Partido dos Trabalhadores (PT) lide-
coordenador do GT reforçava o dis-
rou uma coligação partidária que
curso que, segundo a mídia, o mer-
elegeu o ex-operário, ex-líder sindi-
cado precisava ouvir para se acal-
cal e ex-deputado constituinte Luiz
mar. Assim, era cada vez mais fes-
Inácio Lula da Silva, como Presi-
sentado no período eleitoral4 cons-
tejado pelos porta-vozes do “merca-
dente da República, em 2002. Além
tata-se, de um modo geral, uma rei-
do” e pela mídia.
da relevância histórica do aconteci-
teração de proposições já contidas
Tanto o presidente eleito quanto
mento e das esperanças cultivadas
e formalizadas na Constituição Fe-
o então presidente do PT, José Dir-
durante a campanha, amplas expec-
deral, na Lei Orgânica da Saúde e
ceu, destacavam que o GT era ‘téc-
tativas foram expressas em relação
em distintas normas operacionais
nico’, e que ninguém deveria espe-
à direcionalidade da política de saú-
do Sistema Único de Saúde (SUS).
rar tornar-se ministro a partir des-
de, especialmente tendo em vista a
Houve candidatos concorrentes que
se trabalho. Mas, na viagem a Wa-
necessidade de se acelerar o proces-
chegaram a apresentar programas
shington, Lula deixou escapar, por
O material utilizado na pesquisa documental será identificado mediante notas de pé de página ao longo do texto, reservando-se as referências bibliográficas exclusivamente para publicações em livros e periódicos.
3
Saúde para a família brasileira (Programa de Governo 2002 - Coligação Lula Presidente: PT-PC do BPL-PMN-PCB). Setembro, 2002. 24p.
4
270 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
aparente ato falho, o nome do Mi-
Tal como na Fazenda, o político
Atenção à Saúde); um destaque
nistro da Fazenda que a mídia, o
indicado para Ministro da Saúde foi,
para as questões dos recursos hu-
‘mercado’, o governo americano e
também, um dos integrantes do GT,
manos (Secretaria de Gestão do Tra-
os bancos aparentemente já sabiam.
desmentindo, mais uma vez, as de-
balho e da Educação em Saúde);
E ainda fez piada com a tragédia
clarações anteriores do presidente
uma atenção para os insumos es-
do país: se a economia brasileira
eleito. Seu nome foi um dos últi-
tratégicos (inclusive assistência far-
está na UTI, ninguém melhor que
mos a ser divulgado numa equipe
macêutica) e desenvolvimento cien-
um médico para tratar dela... As-
de mais de três dezenas de minis-
tífico e tecnológico (Secretaria de
sim, para dirigir uma complexa eco-
tros5, muitos deles recentemente
Ciência e Tecnologia e Insumos Es-
nomia de um país de mais de 170
derrotados nas urnas. Contudo, a
tratégicos); uma prioridade para a
milhões de habitantes, foi indicado
composição da equipe do segundo
gestão democrática (Secretaria de
um político cujo currículo insinua-
escalão prestigiou atores políticos
Gestão Participativa); e certa ambi-
va algum interesse em questões fis-
com participação no movimento da
güidade em relação aos programas
cais e econômicas, mas que a mí-
especiais vinculados à Fundação
dia comemorava entusiasticamen-
Nacional de Saúde (FUNASA) que
te.
passaram a constituir a chamada O Relatório da Transição, apre-
sentado pelo seu coordenador e transmitido ao vivo pela TV, praticamente nada informava sobre os
A REFORMA ADMINISTRATIVA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE(...) SUGERIA UMA
SVS (Secretaria de Vigilância em Saúde). Após a festa da posse do Presidente, o Ministro da Saúde conce-
ÊNFASE NA INTEGRAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA
deu entrevista na televisão discu-
se em aspectos macro-econômicos,
COM A ASSISTÊNCIA ESPECIALIZADA E
tindo um aumento de 9% no preço
sinalizando para tópicos que o ca-
HOSPITALAR...
mir o cargo, diante da presença de
trabalhos dos grupos. Concentrava-
pital financeiro valorizava. A pala-
dos remédios para março. Ao assumais de 600 pessoas, deu destaque
vra saúde não foi mencionada uma
para a mortalidade infantil, o ‘es-
vez sequer, nem pelo coordenador
cândalo’ da mortalidade materna, a
do GT nem por Lula no seu discur-
RSB e com experiência prévia de
so, mesmo que fosse para se referir
manutenção do Programa de Saúde
gestão pública.
da Família (PSF), o fortalecimento
à ‘saúde da economia’. Quanto ao
A reforma administrativa do Mi-
do SUS e o monitoramento da den-
‘social’, apenas foram feitas men-
nistério da Saúde, apresentada logo
gue. No seu discurso6, reafirmava
ções vagas à educação,à fome e
no início do governo, sugeria uma
certos princípios e diretrizes da Re-
àsegurança pública. Esta omissão
ênfase na integração da atenção
forma Sanitária, o compromisso
era o primeiro sinal de como a saú-
básica com a assistência especi-
com o SUS, a continuidade dos pro-
de seria tratada pelo governo.
alizada e hospitalar (Secretaria de
gramas de controle da AIDS e do
A prodigalidade com que foram criadas pastas ministeriais para acomodar interesses e apetites partidários visando à ocupação dos milhares de cargos de confiança - “Ministério dos Derrotados” - já anunciava a reprodução ampliada do clientelismo, além de dificuldades na coordenação política e na gestão. Se o Presidente reservasse por dia um despacho por ministro só conseguiria vê-lo de novo um mês depois. Mas os fatos foram demonstrando que a gestão não era o que mais importava para o Presidente.
5
Ministério da Saúde. Assessoria de Comunicação Social. Divisão de Imprensa. Transmissão de cargo do senhor ministro da Saúde Humberto Costa. 02.01.03.7p.
6
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
271
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
tabagismo7, mas não avançava com
O INÍCIO DA GESTÃO
proposições consentâneas com as
ção à saúde: ampliação do acesso da população aos serviços de saú-
expectativas em relação à conjun-
No encontro com os prefeitos,
tura que se iniciava: nada sobre a
realizado em março de 2003, o Pre-
regulação dos ‘planos de saúde’;
sidente e o Ministro da Saúde anun-
muito pouco em relação à indús-
ciaram a expansão da Atenção Bá-
3. Atendimento a grupos com
tria farmacêutica e à produção de
sica e do PSF, além do aumento dos
necessidade de atenção especial:
genéricos; nenhum plano de expan-
valores do Piso da Atenção Básica
atenção à saúde da criança, da
são dos investimentos nos serviços
(PAB) e da assistência farmacêuti-
mulher e do idoso. Prevenção, con-
públicos; nenhum compromisso cla-
ca. Posteriormente, o anúncio da
trole e assistência aos portadores
ro com a força de trabalho em saú-
implantação de 4.000 equipes de
DST e AIDS;
de.
saúde da família, do reforço ao aten-
4. Controle da dengue e outras
dimento de urgência e emergência
doenças endêmicas e epidêmicas.
de; 2. Combate à fome: atendimento às carências nutricionais;
Combate a endemias e doenças
FATOS POLÍTICOS DA SAÚDE: REMANDO CONTRA A MARÉ DA POLÍTICA ECONÔMICA E DO MODO CONVENCIONAL DE FAZER POLÍTICA
transmitidas por vetores (prioridade para a dengue e a malária);
ANALISAR O PROCESSO POLÍTICO DA SAÚDE NO BRASIL SUPÕE CARACTERIZAR A SITUAÇÃO CONFIGURADA NO ÂMBITO DAS
5. Acesso a medicamento: garantia do acesso da população a estes produtos; 6. Qualificação dos trabalhado-
Analisar o processo político da Saúde no Brasil supõe caracterizar a situação configurada no âmbito das instituições, especialmente o Ministério da Saúde e as agências do setor, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Busca-se, assim, estabelecer um contraponto entre algumas das iniciativas desencadeadas na área da saúde e os fatos produzidos em outras instâncias do governo, cujos efeitos contribuíram para fragilizar ou favorecer a formulação e implementação das políticas
e do novo modelo de gestão dos
convocação da 12ª Conferência Na-
hospitais universitários indicavam
cional de Saúde em caráter extra-
a produção de fatos políticos con-
ordinário9; ampliação de credenci-
sistentes com o programa de gover-
amento para leitos de unidades de
no. Além disso, um elenco de dire-
tratamento intensivo (UTI); apoio fi-
trizes foi estabelecido para o primei-
nanceiro aos hospitais universitá-
ro ano de gestão:
rios redefinindo suas relações com
1. Melhoria do acesso, da qua-
o SUS; reajuste nos repasses para
de saúde.
lidade e da humanização da aten-
consultas especializadas em hospi-
INSTITUIÇÕES, ESPECIALMENTE O MINISTÉRIO DA SAÚDE E AS AGÊNCIAS DO SETOR...
res do SUS. Qualificação dos trabalhadores da saúde 8. Em consonância com tais diretrizes, podem ser destacadas as seguintes ações: expansão da atenção básica, com ampliação de recursos e de equipes de saúde da família;
“Aliás, eu quero avisar aos fumantes de plantão que serei tão implacável quanto o ministro Serra no combate ao tabagismo” op. cit. p.4. Ministério da Saúde. Diretrizes e Metas do MS para 2003 – Andamento das Ações. 10 de julho de 2003.p.11. 9 Os temas selecionados foram: Direito à saúde; Intersetorialidade das Ações de Saúde; As Três Esferas de Governo e a Construção do SUS; Organização da Atenção em Saúde; Gestão Participativa; Trabalho em Saúde; Ciência, Tecnologia e Saúde; e Financiamento. Radis, 11:8, 2003. 7 8
272 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
tais públicos, em estados e municí-
de saúde coletiva, agências regio-
pios de gestão plena; nova campa-
nais; e outras medidas específicas11.
nha antitabagista na mídia (Fique
ais à promoção da eqüidade
”( BRA-
SIL, 2003)12.
esperto!) para jovens de 13 a 19 anos; criação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos
O PRIMEIRO ANO DE GOVERNO
(CAMED) e fixação de normas para
Mereceu destaque o processo participativo para a construção do Plano Plurianual 2004-2007, envol-
o controle de preços destes produ-
Nos seis primeiros meses de go-
vendo os trabalhadores, colegiados
tos (Medida Provisória Nº 123, de
verno, muita energia institucional
e fóruns do ministério, inclusive as
26 de junho de 2003; apoio aos la-
foi gasta para superar a fragmenta-
instâncias de controle social, como
boratórios oficiais, isenção de ICMS
ção das ações e implantar a nova
o Conselho Nacional de Saúde13. A
para medicamentos de alto custo,
organização do ministério. Assim,
tentativa de mudança do modelo de
reforço aos genéricos, 18 novas re-
segundo a equipe dirigente,
atenção à saúde, a partir de proje-
soluções da ANVISA regulamentan-
tos que priorizam o acolhimento e
do os medicamentos e condenando
a humanização14, poderia ser con-
o uso de antigripais e hepatoprote-
siderada um ‘marcador’ dessa vontade política da nova equipe. Do
mentos e Assistência Farmacêuti-
A TENTATIVA DE MUDANÇA DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE, A PARTIR DE PROJETOS
ca10; capacitação de profissionais de
QUE PRIORIZAM O ACOLHIMENTO E A
passes para atenção especializada
saúde, com destaque para a pro-
HUMANIZAÇÃO , PODERIA SER CONSIDERADA
em hospitais públicos, expansão
tores, além da convocação da 1ª Conferência Nacional de Medica-
posta de constituir Pólos de Educação Permanente nos estados e mu-
UM ‘MARCADOR’ DESSA VONTADE POLÍTICA DA
nicípios com mais de 100 mil habi-
NOVA EQUIPE...
tantes, estruturando núcleos inte-
mesmo modo, a ampliação do PSF e dos recursos do PAB, maiores re-
dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), reforço do atendimento de urgência e apoio aos hospitais universitários federais, indicavam
rinstitucionais e envolvendo gesto-
uma concepção mais abrangente
res estaduais e municipais, univer-
para a organização do sistema pú-
sidades, escolas técnicas, hospitais universitários, escolas de saúde pública, estruturas de formação dos serviços de saúde, pólos de capacitação de saúde da família, núcleos
“os esforços concentraram-se, em especial, na adequação da gestão do ministério às diretrizes do governo e na implementação de medidas essenci-
blico de saúde. Os fatos acima mencionados sinalizavam para redefinições relevantes na política de saúde,apesar da falta de indicações de como en-
10 Ver, ainda: redimensionado o projeto da fábrica de preservativos em Xapuri/Acre e repasse de recursos para a assistência farmacêutica nos municípios do Fome Zero. Brasil. MS, 2003, Op. cit, .p.15. 11 Vacinação de 12,3 milhões de pessoas acima dos 60 anos de idade, representando 82,2% de cobertura vacinal e de 93,45% de crianças entre zero e quatro anos de idade; mobilização e recursos para o combate à dengue tuberculose, hanseníase e AIDS; adoção do novo cartão da criança; multas da ANS sobre planos de saúde; ações de controle da violência contra a mulher (Disque Saúde Mulher); notificação obrigatória de óbitos de mulheres em idade fértil. Brasil. MS. 2003, op cit, .p.16; Saúde, Brasil, 87:7, junho de 2003. 12 Ministério da Saúde. Diretrizes e Metas do MS para 2003 – Andamento das Ações. 10 de julho de 2003. p.1. 13 op. cit. 14 Todos os projetos novos do Ministério conteriam como requisitos o fortalecimento de práticas de acolhimento, respeito ao cidadão, capacitação dos profissionais de saúde, maior conforto, responsabilidade definida pelo paciente, com adoção de planos de metas de humanização da atenção e da gestão. op. cit,.p.3.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
273
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
frentar a segmentação do sistema
(FIA), somente para beneficiar um
indignaram-se diante de uma deci-
de saúde brasileiro. Embora a limi-
evento esportivo na cidade de São
são leviana e autoritária contra evi-
tação de recursos orçamentários
Paulo, macularam uma política pe-
dências científicas e contra as lutas
não permitisse assegurar a sufici-
nosamente construída, com a aqui-
históricas dos trabalhadores de saú-
ência de muitas dessas medidas em
escência de um Ministro da Saúde
de pela promoção e proteção da saú-
relação às necessidades insatisfei-
que, no discurso de posse, apresen-
de. Cidadãos, eleitores e militantes
tas acumuladas, elas apontavam
tou-se como ‘implacável’ no com-
sentiram-se traídos quanto às espe-
certa direcionalidade da política.
bate ao tabagismo..
ranças e confiança que depositavam
Nesse sentido - a redefinição do
Tal decisão envergonhava os bra-
no novo Governo, alimentadas por
modelo de atenção e a busca de
sileiros aos olhos do mundo civili-
décadas de lutas democráticas.
acesso universal e integral dos ser-
zado, pois a autoridade maior do
Como assinalava a carta de um lei-
viços de saúde -, iniciava-se medi-
país descumpria a lei e a Constitui-
tor do Jornal Folha de São Paulo:
ante a reorganização da atenção bá-
ção recorrendo a uma MP, procedi-
sica articulada à vigilância da saú-
O fato de o Brasil ter se tornado re-
de e à atenção especializada.
fém do circo da Fórmula 1, impedindo
Todavia, na contramão dessa política de saúde, a Nação foi surpreendida com o contingenciamento de recursos logo em março
15
e
com um fato da maior gravidade, ocorrido no início de abril. O Jornal
a vigência de leis cujo objetivo é preser-
PROFISSIONAIS DE SAÚDE INDIGNARAM-SE DIANTE DE UMA DECISÃO LEVIANA E AUTORITÁRIA CONTRA EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
var a saúde pública (restrição à propaganda de tabaco), causa consternação, além de ser péssimo exemplo para a afirmação da cidadania. Melhor seria se o país deixasse de fazer parte do roteiro
Hoje da Rede Globo anunciou, em
E CONTRA AS LUTAS HISTÓRICAS DOS
de um esporte mercenário e elitista e
primeira mão, uma Medida Provi-
TRABALHADORES DE SAÚDE PELA PROMOÇÃO E
passasse a respeitar a sua condição de
sória do Presidente Lula autorizan-
PROTEÇÃO DA SAÚDE
do propaganda de cigarro em even-
país soberano (FOLHA DE SÃO PAULO, 2003)16.
tos internacionais, desrespeitando a Lei 10.167 de 27/12/2000 e, conse-
O próprio Ministro da Saúde,
qüentemente, a Constituição da Re-
mento tantas vezes criticado pelo
durante audiência pública na Co-
pública (BRASIL, 1988) quando de-
presidente e seu partido durante os
missão de Seguridade Social e Fa-
termina que a publicidade de taba-
governos anteriores. Ministros con-
mília, na Câmara dos Deputados,
co deve estar sujeita a restrições
siderados de esquerda, como os da
revelava semanas depois que foi por
legais. Assim, interesses econômi-
Saúde, do Esporte e da Casa Civil,
chantagem da FIA que o Governo
cos, políticos e midiáticos, vincu-
sucumbiram às pressões do capital
editou a Medida Provisória 118/03,
lados a pressões da Federação In-
comprometido com aquele evento
autorizando a propaganda de cigar-
ternacional de Automobilismo
esportivo. Profissionais de saúde
ros em eventos esportivos interna-
Como em outras oportunidades, a área econômica deu o tom para as políticas de saúde. Assim, o Ministério da Saúde sofreu logo no início do governo- uma intervenção da área econômica com um contingenciamento de 1,6 bilhões de reais, o maior de todos os ministérios em termos absolutos. Promessas do Ministério do Planejamento de providenciar a liberação dos recursos não apagavam o sentido da ação política de governo através dessa primeira surpresa negativa para o setor. 16 Painel do Leitor, Folha de São Paulo, 8/6/03.pA.3. 15
274 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
cionais até julho de 2005. Segundo
com os governadores que permiti-
tra a saúde, urdido pelo Presidente
o ministro, a FIA deixou claro que
ria gastar livremente 20% das recei-
e seu Ministro da Fazenda:
o Brasil seria excluído do circuito
tas, ou seja, possibilitando a des-
É importante que se diga que o SUS,
da Fórmula 1, caso a MP não fosse
vinculação dos recursos de saúde e
e mesmo os seus nobres princípios bási-
editada, permitindo que as escude-
educação nos orçamentos dos esta-
cos, não são fruto de um consenso, mas
rias tivessem a logomarca de cigar-
dos18. E o Ministro da Fazenda con-
de um longo caminho de batalhas en-
ros estampadas em seus veículos
siderava natural o pleito dos gover-
frentadas por todos aqueles que, ao lon-
durante o Grande Prêmio Brasil, re-
nadores já que a União assim pro-
go das duas últimas décadas, coloca-
alizado no dia 6 de abril de 2003,
cedia: “Se nós aplicamos a DRU
ram as questões de saúde pública aci-
em São Paulo. Diante da ameaça, o
(Desvinculação de Receitas da
ma das motivações políticas, ideológi-
Governo teria levado em considera-
União), por que seríamos contra que
cas, partidárias e corporativas (...). A
ção os empregos gerados pelo even-
eles (governadores) apliquem?” 19.
mais recente e expressiva vitória do
to, a imagem do Brasil que um GP
SUS se deu com a aprovação da emen-
projeta no exterior e a situação ju-
da 29, no ano de 2000, pelo Congresso
rídica complexa de um eventual
Nacional. A emenda vincula as recei-
rompimento de contrato.17
tas da União e de Estados e municípios
Decisões semelhantes assumidas pelo governo contra a saúde conti-
a gastos na área de saúde. Sua apro-
las relacionadas à liberação da ex-
O GOVERNO CONTINUA COMPROMETENDO AS POLÍTICAS DE SAÚDE, TAL COMO OCORREU
portação da soja transgênica, bem
DURANTE A ELABORAÇÃO DAS PROPOSTAS
nuaram a ser tomadas como aque-
como o seu plantio, à importação de pneus usados e às tentativas de
ORÇAMENTÁRIAS NOS ANOS SEGUINTES
vação foi resultado de uma ampla mobilização da sociedade civil, de parlamentares e gestores em todo o Brasil (COSTA, H., 2003, p. A 3). 20
A postura do Ministro, desta vez,
desobedecer à Emenda Constitucio-
provocava certo alento. Seu discur-
nal 29 durante a elaboração das
so enfatizava o fortalecimento da
propostas orçamentárias. Aliás, as
descentralização, a responsabilida-
manobras para desviar recursos do
de partilhada, a melhoria do aces-
SUS vinham se configurando desde
so e a qualidade do atendimento,
que o Presidente e o seu Ministro
Dessa vez, o Ministro da Saúde
não a desresponsabilização sobre o
da Fazenda discutiram um acordo
reagiu diante de mais um golpe con-
financiamento. Mas o Ministro,
O ministro disse que, apesar de ser produto das pressões da FIA, a medida provisória teria pontos positivos. Dentre eles, o dispositivo que possibilita a transmissão de mensagens gratuitas, durante os eventos esportivos, com advertências sobre os malefícios do fumo. Em seu depoimento, Humberto Costa apresentou uma série de propostas para aperfeiçoamento da MP. Ele sugeriu, por exemplo, a proibição da comercialização de produtos derivados do tabaco em estabelecimentos de livre acesso para menores de 18 anos. “A proibição atingiria pontos de venda como supermercados e mercearias e seria regulamentada pelas prefeituras no prazo máximo de dois anos”. Fonte: Agência Câmara. 18 Governo libera Estados para reduzir verbas da área social. Para conseguir o apoio dos governadores às reformas tributária e da Previdência, o presidente Luiz Inácio da Silva fechou um acordo que desobriga os Estados de aplicarem 20% de suas receitas em setores como educação e saúde. A Tarde, 1/07/03.p.1. Acordo autoriza Estados a gastar menos no social. Folha de São Paulo, 1/07/03.pA 1. 19 A Tarde, 1/07/03.p.14. Aécio defende desvinculação em Estados: “mas quando veio à tona que os Estados poderiam cortar recursos da educação e da saúde, as bancadas na Câmara ligadas às questões sociais reagiram. E em uma reunião da última quarta-feira na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT), com a presença do ministro José Dirceu (Casa Civil), essa permissão aos estados foi rechaçada”. Folha de São Paulo, 5 de junho de 2003. 20 Costa, H. Em defesa da saúde. Folha de São Paulo, 6 de julho de 2003. P.A 3. 17
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
275
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
mais uma vez, se equivocara. O
mentos do governo. Era possível
ção à saúde da população, não pa-
governo continuava comprometen-
notar esforços para a gestão parti-
recem suficientes para produzir
do as políticas de saúde, tal como
cipativa, a exemplo da antecipação
mudanças na forma de organização
ocorreu durante a elaboração das
da convocação da 12ª Conferencia
dos serviços, muito menos nas con-
propostas orçamentárias nos anos
Nacional de Saúde e a elaboração
dições de saúde e seus determinan-
seguintes. Fatos políticos importan-
do Plano Nacional de Saúde que exigiu várias reuniões e seminários no âmbito do MS. Todavia, não foi possível lograr a consolidação de um Projeto de Governo em Saúde mais “robusto”, de modo que o discurso oficial ficou limitado a algumas propostas cujo conteúdo parece re-
tes.
tes como a implementação da Reforma Psiquiátrica21, com base na Lei 10.216/2001, e a manifestação pioneira pela assinatura da Convenção Quadro contra o Tabagismo22 não chegaram a sobrepor-se aos efeitos negativos daquele “pacote de
zação da 12a. Conferência Nacional Saúde Sérgio Arouca, precedida de conferências municipais e estaduais. Pela primeira vez na história das conferências nacionais o Ministério da Saúde explicitou suas con-
abril” 23 e das manipulações ardilo-
cepções e diretrizes mediante docu-
sas dos recursos do SUS. As políti-
mento prévio contemplando dez ei-
cas de saúde executadas nos primeiros meses de gestão, apesar de coe-
O ano encerrou-se com a reali-
xos temáticos. Ainda que em alguns
rentes com o programa do candida-
... O DISCURSO OFICIAL FICOU LIMITADO A
tópicos insinuasse certo dirigismo
to, sofreram sérios constrangimen-
ALGUMAS PROPOSTAS CUJO CONTEÚDO PARECE
mento base tinha a possibilidade de
tos políticos e econômicos (MENDONÇA et al., 2005). Tal como nos governos anteriores, em que a área econômica dominava com sua política moneta-
sobre movimentos sociais, o docu-
REFLETIR MAIS UMA PREOCUPAÇÃO COM A
facilitar a discussão de grandes te-
“MARCA” E O MARKETING DO QUE COM O AVANÇO DA REFORMA SANITÁRIA
ses, talvez no sentido de evitar a reprodução das queixas e denúncias locais que chegavam às confe-
rista, enquanto a gestão da saúde
rências nacionais. Tal propósito, en-
tentava avançar nas franjas do pos-
tretanto, não foi alcançado, impon-
sível, o primeiro ano do governo
do aos relatores um trabalho insa-
Lula encontrou no Ministério da Saúde um dos poucos espaços onde a equipe dirigente procurava honrar compromissos históricos, mesmo diante das limitações orçamentárias e dos estratagemas de seg-
fletir mais uma preocupação com a “marca” e o marketing do que com o avanço da Reforma Sanitária. Algumas iniciativas, apesar de incidirem sobre aspectos importantes das carências e necessidades de aten-
no para sistematizar centenas de propostas apresentadas no evento, o que impediu, inclusive, a votação do seu relatório final. A alternativa criada foi a realização de consultas aos delegados e a aprovação
Projeto de Lei instituindo o auxílio-reabilitação psicossocial para estimular a ressocialização de pessoas com transtornos mentais egressas de longas internações. Contempla, ainda, a criação de mais 178 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) destinados a adultos, crianças e adolescentes a aos portadores de problemas mentais devidos ao álcool e outras drogas. Saúde, Brasil 87:3, junho de 2003. Assim foi lançada pelo Presidente da República, a política de saúde mental compreendendo o “incentivo-bônus” de R$ 200,00, destinado a apoiar a reintegração sócio-familiar dos pacientes com alta hospitalar (“De volta para casa”). Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes e Metas do MS para 2003 – Andamento das Ações. 10 de julho de 2003.p.13. 22 Brasil será o primeiro país a assinar a Convenção-Quadro. Veja, 10 de junho de 2003. 23 Diante da “chantagem da FIA”, a MP autoritária faz merecer a alusão ao “pacote de abril” dos tempos do General Geisel, quando o Congresso foi fechado para ser instituída a figura do “senador biônico” que alteraria a composição do colégio eleitoral para indicar o próximo general-presidente. 21
276 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
do relatório pelo Conselho Nacional
tência Psiquiátrica Hospitalar no
medicamentos essenciais27, um edi-
de Saúde meses depois.
SUS – 2004
, estimando que 15
torial analisava a economia e des-
Do ponto de vista político, cabe
mil pacientes pudessem voltar à so-
tacava a meta de inflação de 5,5%
registrar a presença do Presidente
ciedade.25 Foram implantados 218
em 2004 e 4,5% em 2005, a taxa de
da Organização Mundial da Saúde
novos centros de atenção psicosso-
câmbio flutuante, com livre movi-
(OMS), na cerimônia de abertura da
cial (CAPS) e 160 novas residências
mento de capitais, e o compromis-
Conferência, apesar da ausência do
terapêuticas, enquanto o programa
so com o superávit fiscal de 4,25%
Presidente da República e dos mi-
De Volta para a Casa devolveu 1264
do PIB28. E se havia, ainda, algu-
nistros de Estado convidados, mes-
pacientes para o convívio social. A
ma esperança entre os otimistas
mo com o rigoroso esquema de se-
relevância dessa política pode ser
quanto a uma fase dois do gover-
gurança montado, nunca visto nas
constatada pela redução de 5.519
no, o próprio presidente deu-lhes um
conferências anteriores. De última
leitos psiquiátricos entre 2003 e ju-
choque de realidade: “Não mexo na
hora, surgiu o Vice-Presidente da
nho de 2005 26.
economia, não tem volta. O cami-
24
nho está tomado e ponto final”29.
República na solenidade, tendo o
Mas, como afirmou um dos cola-
Presidente Lula só aparecido no úl-
boradores do governo Lula,
timo dia do evento para fazer o discurso do encerramento.
A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS
Embora o Ministro da Saúde te-
RESTOU PARA A SAÚDE CONFORMAR-SE
sempre há os que buscam razões,
COM AS INICIATIVAS DE GRANDE APELO
mesmo quando a irracionalidade vai
PUBLICITÁRIO, TAIS COMO O BRASIL
sendo percebida por quase todos, para
SORRIDENTE, A FARMÁCIA POPULAR E O SAMU
justificar as opções de um governo que se deseja defender (POLETTO, 2005 p.81).
nha declarado, publicamente, que
Restou para a saúde conformar-
o Ministério apoiaria as conclusões
se com as iniciativas de grande ape-
da 12a. CNS, nos anos seguintes, o
lo publicitário, tais como o Brasil
governo já não parecia ter o mesmo
Mas, no mesmo dia em que o
ímpeto para iniciar processos e pro-
Ministro da Saúde anunciava o
jetos. Uma das exceções foi a Re-
SAMU (Serviço de Atendimento Mó-
compromisso com a ampliação do
vel de Urgência). Assim, a política
forma Psiquiátrica que alcançou
atendimento e melhoria da qualida-
de saúde bucal recebeu uma priori-
novo ânimo através do Programa
de dos serviços no SUS, com o com-
dade por parte do Ministério da Saú-
Anual de Reestruturação da Assis-
bate às endemias e com o acesso a
de, com um investimento previsto
Sorridente, a Farmácia Popular e o
PTGM - 60 de janeiro de 2004 Até o final de 2004, o MS esperava expandir para 650 o número de Caps implantados no país: “A ampliação da rede será fundamental para continuar crescendo o número de atendimentos realizados nos centros. Em 2002, foram 389,8 mil. No ano passado, ultrapassou a marca de 3,69 milhões de atendimentos , quase dez vezes mais em relação ao ano anterior www.saude.gov.br Brasília 2/2/04. Radis 19 Mar/2004 - p.14. RADIS, n. 5 abril, 2004.. http://portalweb01.saude.gov.br/saude/23/06/04. http://portalweb01.saude.gov.br/saude/29/06/04. 26 Ministério da Saúde. Balanço da Saúde, janeiro de 2003 a julho de 2005. 143p. 27 Humberto Costa. Ver :Folha de São Paulo, 19/9/04. 28 Editorial Folha de São Paulo (19/9/04). 29 Frase em aspas atribuída ao Presidente Lula durante reunião com ministros na semana de 22/11/2004. Ver: Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz. Coalizão X Colisão. Isto é. No. 1834, 1o de dezembro/2004, p.37. 24 25
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
277
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
de R$ 1,3 bilhão para atendimento
O governo aprovou o Estatuto do
Escolas ao Programa Nacional de
básico e especializado. Em pouco
Idoso buscando suprimir o proces-
DST/Aids, além da educação sexu-
mais de dois anos foi duplicado o
so asilar e atuar na promoção e re-
al nas escolas, tentando prevenir
número de equipes de saúde bucal,
cuperação da sua saúde , e apre-
DST e gravidez na adolescência.35
passando de 4.261, em dezembro de
sentou a Política Nacional de Aten-
A implementação da Política Naci-
2002, para 10.628, em junho de
ção Integral à Saúde da Mulher
onal de Alimentação e Nutrição
2005. Sob a marca foram criados
(2004-2007).
Nesse particular,
contou com distribuição de suple-
137 Centros de Especialidades Odon-
cabe registrar a importância do
mentos medicamentosos de sulfa-
tológicas em 21 estados, possibili-
lançamento de duas normas técni-
tando algum acesso à cirurgia oral,
cas para o atendimento às vítimas
endodontia e periodontia.30
de violência sexual e para atenção
No caso do chamado programa
32
33
humanizada ao abortamento 34 .
to ferroso para crianças, gestantes e mulheres.36 Em relação à saúde do trabalhador, o MS tem procurado implantar a Rede Nacional de
Farmácia Popular do Brasil, trata-
Atenção Integral à Saúde do Tra-
se da concretização de um item da
balhador (RENAST), com novas uni-
campanha eleitoral, iniciado em ju-
dades de saúde do trabalhador sob
nho de 2004, com grande apelo de
gestão dos municípios e criação de
marketing, na contramão da pro-
centros colaboradores, ligados a
posta da farmácia básica que vinha sendo implantada na rede pública
...UM DOS FEITOS MAIS SIGNIFICATIVOS DA
de serviços de saúde, conforme a
GESTÃO FOI A AMPLIAÇÃO DA COBERTURA DO
política nacional de medicamentos
PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF)...
universidades, laboratórios e instituições de ensino e pesquisa 37. Finalmente, cabe mencionar ações relativas à saúde da popu-
definida desde 1998. No que se re-
lação negra, dos quilombolas, dos
fere ao SAMU, representou um in-
indígenas e dos assentados; ações
vestimento de R$ 167 milhões, com
de vigilância sanitária e controle
um repasse mensal de R$ 11,9 mi-
de doenças transmissíveis e do ta-
lhões para 275 municípios de vinte
bagismo; ciência e tecnologia;
estados e integra a Política Nacio-
Quanto à saúde da criança e do ado-
transplantes; formação de recursos
nal de Atenção às Urgências desde
lescente, o MS buscou articular o
humanos; e promoção da saúde
setembro de 2003 31.
Programa Saúde e Prevenção nas
(Brasil Saudável)38 . Porém, um dos
Balanço da Saúde, 2005.op. cit. Cabe ainda registrar a Política de Qualificação da Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde, Qualisus/Emergência, contemplando hospitais de emergência, e o credenciamento de 2.749 novos leitos de UTI até julho de 2005. op cit. 32 Jornal Folha de São Paulo (05/ 2003); Revista do Conselho Federal de Medicina (01/2003). Radis 02/2004 p. 6. http:// www.quadranews.com.br/index.php?materia=7423. 33 www.saude.gov.br Brasília, acesso em 27 de maio de 2004 34 Balanço da Saúde, 2005 op. cit. 35 http://portalweb01.saude.gov.br/saude/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=8974 acesso em 26/03/2004 36 http://portal.saude.gov.br/saude/ acesso em 04/03/04. 37 http://portal.saude.gov.br/saude acesso em 05/03/04. 38 Merece destaque, nesse particular, a formalização da Política Nacional de Promoção da Saúde no último ano do governo. Ver: Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Portaria No. 687. De 30 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Promoção da Saúde. Diário Oficial da União, No. 63, 31/3/2006. Disponível em: www.saude.gov.br/svs 39 Balanço da Saúde, 2005 op cit. 30 31
278 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
feitos mais significativos da gestão
ados 2.260 novos leitos em Unidades
ações do Ministério da Saúde, po-
foi a ampliação da cobertura do Pro-
de Tratamento Intensivo (UTIs)40.
der-se-ia dispor de uma apreciação
grama de Saúde da Família (PSF),
positiva, mesmo faltando recursos
com 22.683 equipes, em junho de
e ousadia para intervenções mais
2005 (crescimento de 31,89%) , e 39
COMENTÁRIOS FINAIS
amplas. A realização da Conferên-
atingindo 25.141 em 2006 em 5.028
cia Nacional de Saúde Sérgio Arou-
municípios, ou seja, mais da meta-
Não sendo monolíticos nem o
ca42, da III Conferência Nacional de
de da população brasileira. Apesar desse conjunto de ações produzidas pelo MS, a Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria Geral da Presidência da República, ao realizar o balanço dos 30 meses de gestão, valorizava outros aspectos privilegiando o modelo médico hegemônico:
Estado nem os governos, mas cris-
Saúde Bucal e da II Conferência Na-
talização dinâmica de correlação de
cional de Ciência, Tecnologia & Ino-
forças políticas e culturais, cabe
vação em Saúde43 indicavam o com-
ressaltar a possibilidade de produ-
promisso do gestor federal do SUS
ção de fatos políticos relevantes
com o controle social. A ampliação
A decisão política do Governo Fede-
da atenção básica através do PSF, os esforços para a formulação de políticas para a assistência hospi-
....AVALIAR A POLÍTICA DE SAÚDE NA
talar, urgências e a chamada ‘média e alta complexidade’, além da
ral de optar por mais recursos (...) fez
CONJUNTURA EXCLUSIVAMENTE PELAS AÇÕES
elaboração e aprovação do Plano
com que a saúde pública no Brasil pro-
DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, PODER-SE-IA
Nacional de Saúde e dos Pactos pela
movesse mudanças evidentes, como o setor nacional de transplantes, que conseguiu, de janeiro de2000, a maio de 2005, realizar 33.189 transplantes de
DISPOR DE UMA APRECIAÇÃO POSITIVA, MESMO FALTANDO RECURSOS E OUSADIA PARA INTERVENÇÕES MAIS AMPLAS
órgãos e tecidos (...); implantação de
Saúde,44 também podem ser consideradas intervenções relevantes para o SUS. Contudo, iniciativas como Farmácia Popular e Brasil Sorridente ,que compuseram a publicidade do
94 Serviços de atendimento Móvel de
governo na saúde, reforçam a ten-
Urgência (SAMU), envolvendo 606
mesmo por um setor não prioriza-
dência de privilegiar projetos de
municípios, com 901 ambulâncias dis-
do pelo governo41. Se fosse possí-
impacto na mídia em detrimento de
tribuídas e cobertura populacional de
vel avaliar a política de saúde na
políticas públicas comprometidas
mais de 82 milhões de pessoas (...); cri-
conjuntura exclusivamente pelas
com a radicalização da RSB. Por-
Ver; em questão. Balanço de 30 meses de governo - Parte 3 Especial Nº 14 - Brasília, 11 de outubro de 2005 Saúde não merecia destaque em publicações do governo nem no discurso dos dirigentes. Ver: em questão, Balanço - 36 meses de governo - Parte 3. No.17, 8 de fevereiro de 2006. 42 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (04/03/2002), www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (03/03/2003). 43 Brasil. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil. Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília, 2004. 306p. 44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Coordenação-Geral de Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes operacionais dos Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Ministério da Saúde: Brasília, 2006. 76p. 45 Somente no último ano de gestão foi criada por decreto presidencial, no âmbito do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), dispondo de um grupo de trabalho com representantes de vários ministérios (Decreto de 13 de março de 2006). DOU, No. 50:21, 14 de março de 2006. 40 41
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
279
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
tanto, se saúde for considerada a partir da conceituação expressa na Constituição da República, a política de saúde realizada pelo governo Lula foi desastrosa: não se avançou na ação intersetorial ; o 45
desemprego e a violência continuaram negando o direito à vida; faltam evidências de prioridade para a saúde; e o setor não foi poupado nos cortes dos gastos públicos nem no contingenciamento de verbas já garantidas pelo orçamento46. Enquanto o SUS enfrentava dificuldades, o sistema de assistência médica supletiva (SAMS) ganhou ânimo novo durante o governo Lula, crescendo 21%47. Portanto, a continuidade das políticas de ajuste macro-econômico e as reformas da previdência48 e tributária contrastam com a debilidade das políticas sociais49. Os que desde o primeiro ano de gestão tiveram a coragem de expor publicamente suas críticas foram acu-
sados de julgar “com crescente severidade o governo Lula”50, ainda mais diante da simpatia despertada por um ex-metalúrgico carismático51. Alguns consideravam a crítica precoce e precipitada, já que muitos acreditavam na chamada “fase dois” ou de reorientação do rumo do governo: “Não faz sentido dizer que o jogo acabou sugerindo que o jogo poderia ser jogado de outra maneira, quando isso não é verdade”.52
Mas a possibilidade de redefinição da política econômica já parecia, desde o início do governo, muito improvável. Seja por uma impossibilidade lógica
53
, seja pelo com-
promisso da ‘Carta aos Brasileiros’ e do Ministério da Fazenda com a sua manutenção, seja pelas indicações contidas no Plano Pluri-Anual (PPA) com a reiteração da meta de superávit primário de 4,25% até o final do governo54. Assim, desde aquela época, a análise do sociólogo Chico de Oliveira apresentava uma conclusão desconcertante: A luta foi ganha pela continuidade.
...A CONTINUIDADE DAS POLÍTICAS DE AJUSTE MACRO-ECONÔMICO E AS REFORMAS DA
A vertente da ruptura perdeu (...) Para
PREVIDÊNCIA E TRIBUTÁRIA CONTRASTAM COM
estruturado, mais claro. Talvez por isso
A DEBILIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS...
falar a verdade, o programa do Serra era melhor do que o do Lula. Mais bem ele tenha perdido 55.
No interior do governo, alguns reconheciam que a opção por uma
46 No final de 2005, a MP 261 tentou tirar R$ 1,2 bilhão da saúde para o Fome Zero, além de recursos para hospitais das Forças Armadas (11/2005), e transferiu R$ 186 milhões para o Ministério das Cidades tratar esgotos. Ver: Westin, R. Brecha na lei tira R$ 9 bi da saúde. O Estado de São Paulo, 28/11/ 2005. Ver, ainda: Entrevista: Financiamento do SUS é o grande desafio. Medicina CFM, 156:20-22, agosto/setembro/outubro 2005; Ministério da Saúde investiu apenas 5,59% de seu orçamento. Medicina CFM, 156:23, agosto/setembro/outubro 2005; 2o Encontro Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde. Palmas para a luta do MP! Radis, 39:14-17, novembro de 2005. 47 Entre 2000 e 2002 o SAMS esteve estacionado na faixa de 35 milhões de beneficiados de planos de saúde, voltando a crescer na gestão petista: 37.103.604 em 2003; 39.567.190 em 2004; e 42.452.067 em dezembro de 2005. www.ans.gov.br/portalv4/site/home/default.asp (acesso em 11/4/2006). 48 “Cadê a ‘ampla e democrática negociação’ tanto sobre reforma trabalhista como sobre reforma previdenciária?” (item 56 do Programa de Governo – Coligação Lula Presidente). Rossi, C. Folha de São Paulo, 1º de julho de 2003. P. A 2. 49 Não confundir políticas sociais com programas de assistência social (Pro poor programs) ou programas de transferência condicionada (PTC), prescritos pelos organismos internacionais, a exemplo do Bolsa Família. 50 Carta aos Petistas (Flávio Koutzii, deputado estadual, PT-RS, 29/6/03). 51 “Lula atingiu aquele estágio em que não precisa provar nada, apenas que está realmente preparado para ser o presidente que ele prometeu ser e que todos nós também queremos que ele seja”. Cony, C.H. O presidente que todos desejamos. Folha de São Paulo, 18/7/03. p. E 10. 52 Ver o cientista político Fábio Wanderley dos Reis (UFMG) na Folha de São Paulo, 8/06/03p.A.8. 53 Segundo o filósofo Paulo Arantes, “uma vez adotada a atual política macroeconômica, que não é especificamente brasileira, mas mundial, a saída é uma impossibilidade lógica (...) Não posso dizer para os mercados, para os investidores, para banco internacional, para a administração americana: ‘agora que vocês viram como sou eficiente, de absoluta confiança, que não vou fazer nenhuma irresponsabilidade na condução da política macroeconômica, agora que vocês podem acreditar definitivamente em mim, eu vou mudar”. Folha de São Paulo, 8/06/03p.A.8. 54 O Ministro Palocci “elevou a meta de superávit primário (a economia de receitas destinadas a pagar os juros da dívida) de 3,75% para 4,25% do PIB”, comprometendo-se a “manter esse patamar mínimo ao longo de todo o mandato de Lula”, apesar das divergências internas da área econômica: a ala liberal da Fazenda X intervencionistas do Planejamento (Mantega) e do Desenvolvimento (Furlan). Ver: Patú, G. Ajuste compromete “espetáculo”. Folha de São Paulo, 29 de junho de 2003, p. A.4. 55 Folha de São Paulo, 8/06/03p.A.8.
280 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
política monetarista provocava aumento do desemprego e redução da atividade econômica, mas, por falta de alternativa a tal política ou por insuficiência de poder para reformulá-la, admitiam que intervenções nas franjas do capitalismo seriam capazes de retomar o desenvolvimento do país: Lula está procurando combinar uma política macroeconômica ortodoxa com políticas mesoeconômicas que
nizados, responsabilizados pelo suposto déficit da previdência e ameaçados nos seus direitos como trabalhadores que assinaram contratos sob determinadas regras, enquanto estas eram mudadas sem a sua participação? Mesmo que as políticas sociais não apresentassem mais retrocessos e conseguissem se proteger das investidas do Banco Mundial e dos assessores da área econômica, herdados do governo FHC, contra a
lítica Econômica do Ministério da Fazenda, em abril de 2003, registrando um controle severo dos gastos públicos até o final do governo: “Uma das tarefas do governo é a execução de uma política fiscal sólida, nos próximos ano,s que traga consistência de médio e longo prazo às contas públicas, e uma melhoria da qualidade do ajuste fiscal realizado nos últimos anos (p.7)(...).No que se refere a políticas sociais, é fundamental que se
vão na direção oposta. Enquanto man-
implementem reformas que corrijam
tém juros altos e oferta de crédito ban-
grandes distorções no que tange à es-
cário restrita, o presidente promove a
trutura tributária do governo e à foca-
liberação das cooperativas de crédito e
lização e à eficácia dos programas so-
a ampliação do microcrédito. O resul-
ciais”57.
tado esperado seria a expansão de crédito a juros mais baixos para pequenos e microempresários, enquanto as empresas de maior tamanho continuariam tendo de lidar com uma política monetária restritiva. Lula aposta na vol-
COMO IMPLANTAR UMA “CARREIRA DO SUS”, QUANDO OS SERVIDORES PÚBLICOS ERAM SATANIZADOS, RESPONSABILIZADOS PELO SUPOSTO DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA...
ta do crescimento pela expansão dos pequenos, ou seja, com distribuição de renda. ( SINGLER, 2003 p.10)56
Mas se a política econômica aumentava o desemprego, produzia doenças e violências, além de comprometer os serviços públicos, como avançar no SUS, movido a gente e a recursos públicos? Como implantar uma “carreira do SUS”, quando os servidores públicos eram sata-
universalização estabelecida pela Constituição da República, a política econômica continuava produzindo desemprego, desigualdades, estagnação e vulnerabilidade externa. Esses tempos já eram anunciados no documento do Secretário de Po-
Para o governo as medidas adotadas se faziam imprescindíveis, pois considerava que pior seria o risco de uma desorganização da economia. E o presidente, que desejava um crescimento com face humana58 e anunciava, a cada ano, o espetáculo do crescimento, contentou-se por ter evitado o risco de descontrole inflacionário e ter obtido maioria parlamentar para aprovação das propostas de reformas enviadas para o Congresso Nacional, mediante uma articulação política com métodos escusos. Estes passaram a ser utilizados para manutenção da base de apoio ao
Entrevista Paul Singer. A Tarde, 9/6/03.p.10. Ministério da Fazenda. Política Econômica e Reformas Estruturais.Brasília, abril de 2003. 95p. Esta mesma equipe volta a atacar o gasto social dedicando mais de três páginas à saúde com a seguinte conclusão: “Embora a proporção de gastos com saúde destinados ao atendimento hospitalar e curativo tenham diminuído nos últimos anos, o seu nível ainda é relativamente alto” (p.33). Ver: Ministério da Fazenda. Secretaria de Política Econômica. Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002. Brasília, novembro de 2003.47p. 58 Lula quer “crescimento com face humana” .Folha de São Paulo, 3 de julho de 2003.p. B 10. Ver também: ‘Espetáculo do crescimento’ não ocorre neste ano, diz BC. Folha de São Paulo, 1/07/03 p.A 1. . 56 57
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
281
TEIXEIRA, Carmen Fontes & PAIM, Jairnilson Silva
governo e desencadearam a crise política conhecida como o escândalo do ‘mensalão’, que marcou o ano de 2005 e progrediu em 2006. 59 As reuniões do Congresso na espiral de CPIs representaram a face mais visível do espetáculo de arrogância e desprezo pelos princípios e valores republicanos60. E se a efetividade das políticas sociais é reconhecida a partir dos efeitos observados (indicadores sociais), as evidências, também, não são alentadoras:
tenção dessa situação, além dos quadros partidários que se deslumbraram com o exercício do poder e suas benesses: de um lado, os banqueiros, ínfima minoria de privilegiados, e, do outro, a massa de miseráveis que continua apostando em Lula por agradecimento às migalhas recebidas por meio das políticas assistencialistas. Melancólica a primeira experiência de gestão do Estado capitalista no Brasil por forças consideradas de esquerda. O ‘transformis-
A julgar pelo que foi realizado até
damento externo como “solução” e abrindo as portas à financeirização da economia e das contas do Estado. No pós-85, possibilitou a emergência de uma nova classe social que se estrutura sobre (...) técnicos e economistas “doublés” de banqueiros (núcleo duro do PSDB) e trabalhadores transformados em operadores de fundos de previdência (núcleo duro do PT) com controle do acesso aos fundos públicos e conhecimento do “mapa da mina (OLIVEIRA, 2003 p. 147).
agora, a política de Lula segue a das administrações anteriores (...). Ao mesmo tempo, a ênfase da atividade governamental parece ter se deslocado das políticas universalizantes e habilitadoras, como educação e saúde, para os programas assistenciais destinados
...FICA A IMPRESSÃO DE UM GOVERNO SEM FISIONOMIA, SEM COLUNA VERTEBRAL, CARACTERIZADO PELA RENDIÇÃO À POLÍTICA ECONÔMICA NEOLIBERAL E PELA
aos mais pobres, como o Bolsa-Família (ALMEIDA, 2004, p.16-17).
Do balanço mais geral, fica a impressão de um governo sem fisionomia, sem coluna vertebral, caracterizado pela rendição à política econômica neoliberal e pela implementação de um conjunto de medidas de cunho populista, configurando uma situação apoiada pelos extremos da sociedade brasileira, únicos a se beneficiarem com a manu-
IMPLEMENTAÇÃO DE UM CONJUNTO DE MEDIDAS DE CUNHO POPULISTA ...
mo’ brasileiro há tempos se apresentou como modernização conservadora, com revolução produtiva sem revolução burguesa. Recorreu à ditadura militar (1964-1985) como ‘via prussiana’, adotando o endivi-
É possível creditar a essas forças aquilo que alguns autores (COSTILLA, 2001; IVO, 2001). chamam de estatização de partidos políticos, destituição do social, reforma neoliberal do Estado e esvaziamento da democracia. O governo Lula, no continuísmo da política econômica de FHC (que tanto deplorou) e na mesmice da gestão das políticas sociais, brindou os brasileiros não com a dialética do possível, 61 mas com a dialética do menos pior. Manter e consolidar conquistas históricas permanecem como desafios, inclusive diante das modificações da equipe dirigente do Ministério da Saúde62. Ao mesmo tempo, a natureza suprapartidária do mo-
O momento da verdade. Isto é, 19 de abril de 2006, p.28-32. Menos de duas semanas antes das eleições presidenciais a sociedade brasileira viu-se surpreendida com mais um escândalo político: o chamado, pela mídia, “dossiêgate”. Ver: Sismo sob o PT. Folha de São Paulo, 25 de setembro de 2006. A2 (Editoriais). 61 Expressão utilizada por Campos (1988:189) para questionar a política de setores de esquerda que ocuparam posições de governo na Nova República. 62 Como parte das manobras realizadas com o intuito de administrar a crise e tentar levar o governo até o final, a reforma ministerial feita às pressas em 2005, contemplou a substituição do Ministro Humberto Costa, pelo Deputado Saraiva Felipe, do PMDB. Tal episódio revelou, entretanto, o esforço dos atores envolvidos com o movimento da Reforma Sanitária em continuar disputando, palmo a palmo, o terreno minado da política brasileira. Mesmo uma articulação partidária de caráter fundamentalmente fisiológico, contemplou um personagem vinculado ao projeto histórico da Reforma Sanitária. Assim, diversos atores continuam se revezando no espaço institucional, mesmo depois da saída do Ministro Saraiva Felipe, em 2006, para evitar o mal maior, no caso, a saúde voltar a ser “terra de ninguém”, presa do clientelismo, da irresponsabilidade e da corrupção endêmica. 59 60
282 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283, set./dez. 2005
A política de saúde no governo Lula e a dialética do menos pior
vimento sanitário brasileiro ainda
BRASIL, Ministério da Saúde. Dire-
ARAÚJO, Manuela Santana et al. Po-
permite pensar a Reforma Sanitária
trizes e Metas do MS para 2003 –
líticas de Saúde do Governo Lula:
como uma utopia concreta, um pro-
Andamento das Ações. 10 de julho
avaliação dos primeiros meses de
jeto civilizatório que
de 2003. p.1.
gestão. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.29, n.70, p.109-124, maio/ ago. 2005.
pretende produzir mudanças dos
BUSTAMENTE, Fernando; PORTA-
valores prevalentes na sociedade bra-
LES, Carlos. Evaluación de Políticas
sileira, tendo a saúde como eixo de
y Programas de Salud. In: OPS/CLAD.
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à
transformação e a solidariedade como
Políticas de Salud en América Lati-
razão dualista - O ornitorrinco. São
valor estruturante (CARTA DE BRASÍ-
na. Aspectos Institucionales de su
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Formulación, Implementación y
63
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63
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-2832, set./dez. 2005
283
MORONI, José Antônio
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
O direito à participação no Governo Lula
The right to participation in the Lula Government
José Antônio Moroni1
RESUMO Pretende-se analisar como o Governo Lula tratou a questão da participação, tendo como olhar especial a criação e a reformulação de
Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007
conselhos de políticas públicas nacionais, a realização de conferências nacionais e o processo participativo de debate do Plano Plurianual (PPA 2004-2007), ocorrido em 2003. A análise foca o sistema descentralizado e participativo, sem deixar de reconhecer outras formas de participação e sua importância. Procura-se trazer algumas questões para os movimentos sociais e as organizações que se propõem a interferir de forma propositiva na deliberação das políticas públicas, e, portanto, construir a participação como um direito humano fundamental. PALAVRAS-CHAVE : Participação no Poder; Conselho de Política Pública; Conferências Nacionais.
ABSTRACT This article intends to analyze how the Lula government has handled the issue of participation, especially in terms of the creation and reformulation of national public policy councils, the staging of national conferences and the participative debate process of the Multi-Year Plan 1
Filósofo; é membro do colegiado de ges-
(PPA 2004-2007) in 2003. The analysis focuses on the decentralized and
tão do Instituto de Estudos Socioeconô-
participative system, without failing to acknowledge other forms of
micos (I NESC), da executiva nacional da
participation and their importance. It looks to drawn on some issues in
Associação Brasileira de Organizações Não
relation to social movements and organizations that purposefully
Governamentais (ABONG), secretário nacio-
interfere in the resolution of public policies, and thus establish
nal do FNPP (Fórum Nacional de Partici-
participation as a fundamental human right.
pação Popular) e membro do CEBES. E-mail: [email protected]
KEYWORDS: Participation in power; Public Policy Council; National Conferences.
284 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
O direito à participação no Governo Lula
INTRODUÇÃO
A própria idéia de participação
resses dos ‘donos do poder’ que
de todos e de todas como elemento
suprimem a voz dos dominados,
Homens e mulheres sempre lu-
fundamental e constituinte do espa-
criando a ilusão de que todos têm
taram para participar da esfera pú-
ço público foi abandonada em ra-
as mesmas oportunidades e de que
blica. Assim, além da igualdade e
zão de seu potencial desestabiliza-
as desigualdades entre as pessoas
da liberdade, a demanda por parti-
dor das estruturas de dominação.
têm origem nas diferentes capaci-
cipar sempre esteve presente nas
A democracia passa a ser entendi-
dades individuais ou depende de
lutas sociais nos diferentes perío-
da apenas como um método, ou
sorte. Os mais bem-sucedidos seri-
dos da historia e de diversas for-
seja, um procedimento de escolha
am os mais capazes e talentosos.
mas. Por isso, participar significa
dos representantes por meio de elei-
Em especial nos países da Amé-
incidir politicamente nas questões
ções. Dentro dessa concepção, os
rica Latina, esta concepção de de-
regimes políticos democráticos são
mocracia e participação política li-
aqueles que seguem os procedimen-
mitada, aliada a uma igualdade
que dizem respeito à vida concreta das pessoas, mas também, nos pro-
estabelecida apenas do ponto de vis-
cessos de tomada de decisão do
ta formal, esconde uma estrutura
Estado e dos governos, o que, por sua vez, afeta sempre de uma forma ou outra a vida concreta das pessoas. Ao longo dos tempos, as ‘diferenças’ entre as pessoas e grupos sempre foram a origem das ‘desi-
A PRÓPRIA IDÉIA DE PARTICIPAÇÃO DE TODOS E DE TODAS COMO ELEMENTO FUNDAMENTAL E CONSTITUINTE DO ESPAÇO PÚBLICO FOI ABANDONADA EM RAZÃO DE SEU POTENCIAL
gualdades’, por isso, quase sempre,
DESESTABILIZADOR DAS ESTRUTURAS DE
achamos que as duas coisas são a
DOMINAÇÃO
mesma coisa. As estruturas de do-
de dominação e opressão construída historicamente e perpetrada pelo próprio Estado, que nunca foi democrático ou de fato público, mas patrimonialista ao extremo, patriarcal e, no caso brasileiro, escravocrata e burocrático.
UM POUCO DE HISTORIA DA PARTICIPAÇÃO NO BRASIL
minação e manutenção de privilégios de uma classe ou de um grupo sobre outros (status), que é a desi-
tos eleitorais e garantem certas li-
Em nosso país, sempre ocorre-
gualdade, têm como base as dife-
berdades e igualdades formais, para
ram movimentos de resistência à
renças de etnia/raça, local de nas-
que os/as ‘eleitores-clientes’ possam
dominação e à apropriação do es-
cimento ou de moradia, sexo, ori-
escolher no mercado eleitoral a pro-
paço e dos bens públicos e do pró-
entação sexual, nacionalidade, etc.
posta mais adequada às suas pre-
prio Estado por interesses privados.
e originaram formas muito diferen-
ferências racionais.
Recentemente, no final da déca-
ciadas de participação e, em mui-
Essa redução da democracia e
da de 1970 e início dos anos 80, o
tas casos, de negação do próprio
da participação política a um pro-
movimento social1 retomou a ques-
direito a participar.
cedimento formal atende aos inte-
tão da democratização do Estado,
1 Apesar de existirem vários e diversos movimentos sociais, usaremos a expressão’movimento socia’ no singular, pois não falamos de um movimento específico mas de um conjunto de ações da sociedade civil que se materializou na organização de um movimento social amplo, com características, filosofias e concepções comuns – que se denominou ‘campo democrático e popular’ –, tendo como agenda política a construção do Estado Democrático e Social e o combate a todas as formas de desigualdades.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
285
MORONI, José Antônio
debatendo a seguinte questão: Que
porando cinco dimensões: 1) formu-
Foi por ocasião da regulamenta-
mecanismos são necessários para
lação; 2) deliberação; 3) monitora-
ção dessas diretrizes constitucionais
democratizar o Estado e torná-lo de
mento; 4) avaliação; e 5) financia-
que começaram a ser estruturados
fato público? Na formulação desta
mento das políticas públicas (orça-
espaços públicos institucionais
questão estava embutida a avalia-
mento público). A Constituição de
como os conselhos de políticas pú-
ção de que a democracia represen-
1988(BRASIL, 1988) transformou
blicas e as conferências, mecanis-
tativa – via partidos e processo elei-
essas questões em diretrizes de di-
mos que concretizam os princípios
toral – não é suficiente para respon-
versas políticas, em especial as cha-
constitucionais de democratização
der às complexas necessidades da
madas políticas sociais.
e de controle social. A exceção é a
sociedade moderna e da multiplici-
O inciso II do artigo 204 da Cons-
política de saúde, que incorporou a
dade dos sujeitos políticos. Era ne-
tituição Federal (1988), que trata da
participação na sua formulação
cessário criar outros mecanismos de
política pública de assistência so-
antes da Constituição de 1988.
participação que permitissem fazer
cial, por exemplo, diz: “participa-
Vale ressaltar que na política
a expressão política desta multipli-
econômica não se criou nenhum
cidade emergir na esfera pública e,
mecanismo institucionalizado e
ao mesmo tempo, influenciar as
público de participação, assim
decisões políticas. Isso significava criar estratégias e propostas para além da garan-
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 APRESENTOU GRANDES AVANÇOS EM RELAÇÃO AOS DIREITOS
tia e efetivação de direitos civis,
SOCIAIS, APONTANDO, CLARAMENTE, PARA A
políticos, sociais, econômicos e cul-
CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO DE BEM-ESTAR
turais, permitindo e assegurando a participação popular efetiva nas
PROVEDOR DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ...
políticas públicas e em todas as
como não foi criado nenhum mecanismo participativo em arenas de decisão que definem as diretrizes do modelo de desenvolvimento brasileiro. A Constituição de 1988 apresentou grandes avanços em relação aos direitos sociais, apontando, clara-
decisões de interesse público. Por-
mente, para a construção de um
tanto, tornar a participação também
Estado de Bem-Estar provedor da
um direito humano fundamental,
universalização dos direitos soci-
fundante e estruturante dos demais
ção da população, por meio de or-
ais.2 Além disso, introduziu instru-
direitos.
ganizações representativas, na for-
mentos de democracia direta (ple-
mulação das políticas e no contro-
biscito, referendo e iniciativa popu-
No processo da Constituinte (1986-88), essas concepções políticas foram detalhadas e aprofundadas. O movimento social levou para ela, além da luta pela democratiza-
le das ações em todos os níveis” (BRASIL, 1988, p. 41). Este processo criou o que chamamos do ‘siste-
lar) – que foram regulamentados pelo Congresso Nacional de forma limitada, abrindo a possibilidade de se criarem mecanismos de democra-
ção e publicização do Estado, a ne-
ma descentralizado e participativo’
cia participativa (os conselhos de
cessidade do controle social, incor-
das diferentes políticas públicas.
políticas públicas, por exemplo).
2 Estamos utilizando como conceituação de Estado de Bem-Estar a definição apresentada por Falcão (1991). Conforme esta autora, o Estado de Bem-Estar é aquele constituído nos países de capitalismo avançado, possuindo como características: a) direitos sociais como paradigma; b) origem num pacto social e político entre Capital-Estado-Trabalho; c) configuração como agente central na reprodução social; d) gestor poderoso das políticas sociais, que são a expressão essencial do Estado.
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O direito à participação no Governo Lula
Entretanto, no que se refere à
autônoma e independente. A concep-
O presente artigo procura anali-
ordem econômica, ao sistema polí-
ção neoliberal entendia a descentra-
sar como o Governo Lula tratou a
tico (financiamento público exclu-
lização como estratégia de enfra-
questão da participação, tendo
sivo de campanha, democratização
quecimento do Estado (desregula-
como olhar especial a criação e a
dos partidos, processos eleitorais
mentação) e a participação como
reformulação de conselhos de polí-
transparentes, mecanismos que vi-
meio de repassar para a sociedade
ticas públicas nacionais, a realiza-
abilizem a participação da mulher
atribuições do Estado, sobretudo na
ção de conferências nacionais e o
na política, possibilidade de cassa-
área social.
processo participativo de debate do
ção de mandato pela população,
As mais importantes forças
Plano Plurianual (PPA 2004-2007),
etc.) e a democratização da infor-
sociais/políticas que atuaram na
ocorrido em 2003. Centramos a aná-
mação e da comunicação, dimen-
construção desse ‘modelo’ de parti-
lise do sistema descentralizado e
sões fundamentais para a constru-
cipação foram o chamado campo
participativo, o que não quer dizer
ção de um Estado democrático, a
democrático e popular, cujo princi-
que não reconheçamos outras for-
Constituição de 1988 foi extrema-
mas de participação e sua impor-
mente conservadora.
tância. Procuramos trazer algumas
Existe uma contradição entre
No Brasil, ao mesmo tempo que se
NO BRASIL, AO MESMO TEMPO QUE SE ELABORAVA UMA CONSTITUIÇÃO QUE APONTAVA PARA A CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, DO PONTO DE VISTA DA
elaborava uma Constituição que
POLÍTICA ENTRÁVAMOS NA ERA NEOLIBERAL
apontava para a construção do Es-
COM A ELEIÇÃO DE FERNANDO COLLOR DE
esse processo e o momento histórico vivido internacionalmente, marcado pela ampliação e pelo fortalecimento das políticas neoliberais.
tado de Bem-Estar Social, do ponto de vista da política entrávamos na
MELLO PARA A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
era neoliberal com a eleição de Fernando Collor de Mello para a Presi-
organizações da sociedade civil na
pal canal partidário era o Partido dos Trabalhadores (PT). Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, em 2002, criou-se a expectativa de que o chamado ‘sistema descentralizado e participativo’ fosse realmente efetivado. Esperava-se que os cidadãos e cidadãs do Brasil pudessem participar de modo ativo e cada vez mais das decisões públicas e que novos canais de participação fossem
definição das políticas, de forma
criados.
dência da República. Aqui, é importante assinalar certa coincidência dos discursos em relação à descentralização e à participação. O movimento social falava em descentralização no sentido do poder de decisão estar mais perto da população e não concentrado em ‘Brasília’, isto é, no município e não mais na União. Falava em participação das
questões para os movimentos sociais e as organizações que se propõem a interferir de forma propositiva na deliberação das políticas públicas, portanto, para construir a participação como um direito humano fundamental.
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O SISTEMA DESCENTRALIZADO Como ponto de partida, queremos fazer quatro afirmações: 1) que a democracia participativa não se reduz ao sistema descentralizado e participativo; 2) que existem outras formas legítimas de participação, sejam institucionalizadas ou não (não se pode reduzir a participação ao sistema descentralizado e participativo); 3) que a concepção de um sistema descentralizado e participativo (conselhos e conferências com
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MORONI, José Antônio
caráter deliberativo) escapa aos tra-
diferentes segmentos da população
agregando grupos sociais que pas-
dicionais mecanismos políticos de
podem ser expressadas no espaço
sam a agir como sujeitos políticos
decisão e legitimação (democracia
público de forma democrática, es-
coletivos, com perspectivas e cons-
representativa ou direta); 4) Reco-
tando associada ao modo como es-
truções próprias, reivindicando re-
nhecemos, apesar das críticas e do
tes ‘grupos’ se percebem como ci-
conhecimento, direitos, redistribui-
quadro atual do sistema, o não-es-
dadãos e cidadãs. A participação é
ção de riquezas e de poder perante
gotamento da estratégia construída
um processo educativo-pedagógico.
as estruturas de interesses domi-
pela sociedade civil do campo de-
Expressar desejos e necessidades,
nantes na sociedade e no Estado.
mocrático e popular nas últimas
construir argumentos, formular pro-
Na década de 1980 os então de-
décadas.
postas, ouvir outros pontos de vis-
nominados ‘novos sujeitos políticos’
As modalidades tradicionais do
ta, reagir, debater e chegar ao con-
– movimento negro, de mulheres,
direito de participação política –
senso são atitudes que transformam
socioambientalista, indígena, ho-
como o direito de votar e ser vota-
todos aqueles que integram proces-
mossexual, de pessoas com defici-
do, a filiação partidária, etc. – não
ência, de crianças e adolescentes,
são suficientes para a cidadania de
sem-terra, sem-tetos, etc. –, até en-
hoje. Há necessidade de se criar
tão sub-representados na política
novas modalidades de participação política, isto é, novas formas de exercer o direito fundamental do ser
AS MODALIDADES TRADICIONAIS DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA –
brasileira, juntamente com os movimentos e organizações tradicionais, se inter-relacionam para trans-
humano de “tomar parte no gover-
COMO O DIREITO DE VOTAR E SER VOTADO, A
no de seu país diretamente ou por
FILIAÇÃO PARTIDÁRIA, ETC. – NÃO SÃO
truindo processos democráticos e
SUFICIENTES PARA A CIDADANIA DE HOJE
Foi esse amplo movimento soci-
intermédio de representantes livremente escolhidos” (artigo XXI da
formar demandas em direitos, consum outro modelo de sociedade.
Declaração Universal dos Direitos
al e popular que elaborou a estra-
Humanos).
tégia de criação do sistema descen-
A participação tem valor em si
tralizado e participativo (conselhos
mesma, por isso não é instrumen-
e conferências) como instrumento de
tal de um projeto político. Podemos
sos participativos. É uma verdadei-
democratização e publicização do
dizer que a participação tem duas
ra educação republicana para o
Estado. Vale ressaltar aqui a impor-
dimensões fundamentais interliga-
exercício da cidadania, que amplia
tância que teve neste processo os
das e que interagem permanente-
um espaço público real, em que a
profissionais que atuavam no inte-
mente: a dimensão política e a pe-
construção dialogada do interesse
rior do Estado e que, em aliança
dagógica. Participação, antes de
público passa a ser o objetivo de
com esse movimento, ajudaram na
mais nada, é partilha de poder e
todos os homens e mulheres. Por
construção da estratégia política.
reconhecimento do direito a interfe-
isso, participar também é disputar
rir de maneira permanente nas de-
sentidos e significados.
Partindo destas premissas, vamos situar e analisar o sistema des-
cisões políticos (dimensão política).
A interação de homens e mulhe-
centralizado e participativo, pois
É também a maneira pela qual as
res nesse espaço público produz
entendemos que sua legitimidade
aspirações e as necessidades dos
solidariedade e identidades comuns,
está no reconhecimento da democra-
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O direito à participação no Governo Lula
CONSELHOS
cia participativa como arranjo ins-
j) Liberdade de escolha da presidên-
titucional que amplia a democracia
a) órgão público e estatal;
cia do conselho pelo próprio conse-
política e o espaço público. Por sua
b) com participação popular, por
lho;
vez, a legitimidade da democracia
meio de representação institucio-
k) Presente nas três esferas de go-
participativa fundamenta-se no re-
nal;
verno, funcionado em forma de sis-
conhecimento do direito à partici-
c) representantes da sociedade ci-
tema descentralizado.
pação, da diversidade dos sujeitos
vil eleitos em fórum próprio e pela
políticos coletivos e da importân-
própria sociedade;
mos definir ‘conselho de política
cia da construção do espaço públi-
d) com composição paritária entre
pública’ como espaço fundamental-
co de conflito/negociação. Por isso,
governo e sociedade (reconhecimen-
mente político, institucionalizado,
amplia os processos democráticos,
to da multiplicidade dos sujeitos
funcionando de forma colegiada,
não atuando em substituição ou
políticos);
autônomo, integrante do poder pú-
Com base na concepção, pode-
oposição à democracia representa-
blico, de caráter deliberativo, com-
tiva.
posto por membros do governo e da
O sistema descentralizado e participativo é um espaço essencial-
sociedade civil, com as finalidades de elaboração, deliberação e contro-
mente político, instituído por repre-
... A CONCEPÇÃO DO SISTEMA
sentações governamentais e não
DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO
governamentais, responsáveis por
(ESPECIALMENTE OS CONSELHOS E CONFERÊNCIAS) CRIADO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ESTÁ RELACIONADO À QUESTÃO DA
elaborar, deliberar e fiscalizar a implementação de políticas públicas, estando presentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional. Dessa forma, inauguram uma nova
DEMOCRATIZAÇÃO E DA
concepção de espaço público ou
PUBLICIZAÇÃO DO ESTADO
mesmo de democracia. Podemos
le da execução das políticas públi-
cipativo (especialmente os conselhos e conferências) criado na Constituição de 1988 está relacionado à questão da democratização e da publicização do Estado. Em outras palavras, é uma das possibilidades criadas para enfrentar a ausência de mecanismos eficazes de controle da população sobre os atos do Estado. O sistema descentralizado e participativo foi concebido com as seguintes características:
Na verdade, o conselho é um instrumento para a concretização do controle social – uma modalidade do direito à participação política que deve interferir efetivamente no processo decisório dos atos governamentais. Numa leitura simplificada, po-
afirmar, também, que a concepção do sistema descentralizado e parti-
cas.
demos dizer que os conselhos dese) criado por lei ou outro instrumento jurídico, portanto, espaço institucional; f) com atribuições deliberativas e de controle social; g) espaço público da relação e da interlocução entre Estado e sociedade; h) mecanismo de controle da sociedade sobre o Estado; i) com atribuições de discutir a aplicação dos recursos, isto é, do orçamento público;
locam o espaço de decisão do estatal-privado para o estatal-público, dando oportunidade à transformação dos sujeitos sociais em sujeitos políticos, em que a governabilidade é democrática e compartilhada por todos. CONFERÊNCIAS São espaços institucionais de deliberação das diretrizes gerais de uma determinada política pública. São espaços mais amplos que os
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MORONI, José Antônio
conselhos, envolvendo outros sujei-
ção, etc. Mas aqui vale a pergunta:
foram tornados desiguais. ‘Univer-
tos políticos que não estejam neces-
por si só, este processo democrati-
salizar’ significa estender a todos e
sariamente nos conselhos, por isso,
za a definição das políticas públi-
a todas a cobertura de iguais direi-
têm também caráter de mobilização
cas?
tos e, também, responsabilizá-los
social. Governo e sociedade civil, de forma paritária, por meio de suas
pela efetivação de tais direitos. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
universalização da cidadania, no
representações, deliberam de forma
Podemos afirmar que o princi-
caso brasileiro, não será alcançada
pública e transparente. Estão inse-
pal objetivo estratégico da democra-
sem a implementação de políticas
ridas no que chamamos de ‘demo-
cia participativa é a universaliza-
reparadoras dos danos causados
cracia participativa’ e do ‘sistema
ção da cidadania, portanto, a cons-
por séculos de exploração, desigual-
descentralizado e participativo’,
trução de uma democracia cotidia-
dades, preconceitos e discrimina-
construído a partir da Constituição
na. A democracia não pode ser algo
ções.
de 1988 e que permite a construção
abstrato na vida das pessoas ou, de
A construção da democracia nos
de espaços de negociação, a cons-
impõe vigilância permanente e cons-
trução de consensos e dissensos,
tante no sentido de criar mecanis-
compartilhamento de poder e a co-
mos institucionais de participação,
responsabilidade entre o Estado e a sociedade civil. As conferências na-
... O PRINCIPAL OBJETIVO ESTRATÉGICO DA
cionais são precedidas de conferências municipais/regionais e estadu-
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA É A
ais e são organizadas pelos respec-
UNIVERSALIZAÇÃO DA CIDADANIA, PORTANTO, A
tivos conselhos.
CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA COTIDIANA
com regras definidas e claras, que equacionem as pressões das maiorias sobre as minorias, ou das minorias ativistas contra as maiorias passivas. Neste sentido, esses espaços devem ter estratégias claras e eficazes com vistas a incorporar
SISTEMA DESCENTRALIZADO
indivíduos ou grupos sociais alhei-
E PARTICIPATIVO
os à participação – os chamados
A criação do sistema descentra-
‘desiludidos’ da vida social.
lizado e participativo (conselhos e conferências nas três esferas de governo e nas diferentes políticas públicas) foi – e ainda é – uma das fórmulas encontradas para que haja efetivo controle e exercício popular do poder, tendo como pressuposto a democracia participativa. Isso sig-
Da mesma forma que uma sociconcreto, apresentar apenas as elei-
edade democrática força o Estado a
ções. Deve proporcionar ao cidadão
se democratizar, o inverso também
e à cidadã a participação plena nas
tem de ser verdadeiro, pois a demo-
questões que lhes dizem respeito,
cracia exige uma postura democrá-
além de favorecer sua soberania,
tica dos cidadãos e cidadãs, seja nos
autodeterminação e autonomia.
espaços públicos ou nos privados.
A universalização da cidadania,
Um último registro: no Brasil,
exercício do direito de participação
do ponto de vista ético-político, pres-
por tradição (infelizmente temos de
política cujo pressuposto é a exis-
supõe o combate a todas as formas
reconhecer) a corrupção é uma for-
tência de outras modalidades de tal
de discriminação, a promoção da
ma de se fazer e se pensar a políti-
direito, como o direito de votar e
igualdade de condições e de opor-
ca. Em outras palavras, a corrup-
ser votado, liberdade de organiza-
tunidades entre os diferentes que
ção é o modo como o Estado bra-
nifica que é uma das formas de
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O direito à participação no Governo Lula
sileiro opera, e serve para que gru-
cas. É a despolitização da partici-
e cidadãs é o momento do voto. Esta
pos se apropriem dos recursos pú-
pação.
concepção torna o Estado privado,
blicos e do poder para defender in-
2) ‘A sociedade não está prepa-
por intermédio do partido que ga-
teresses privados. A corrupção não
rada para participar, como protago-
nha a eleição. Durante o mandato,
se caracteriza apenas por aspectos
nista, das políticas públicas’. Este
o partido decide o que fazer confor-
monetários/financeiros. Caracteriza-
mito baseia-se no preconceito do
me os interesses partidários.
se, principalmente, pelo uso do po-
saber, em que a burocracia e/ou o
4) ‘A sociedade é vista como ele-
der político em benefício de interes-
político detém o saber e a delega-
mento que dificulta a tomada de
ses privados e particulares (aqui
ção para decidir. Tal mito justifica
decisões’, seja pela questão tempo
incluído o desejo de se perpetuar no
a tutela do Estado sobre a socieda-
(demora em decidir, obrigatorieda-
poder). ‘O bem mais valioso rouba-
de civil, o que leva, por exemplo, o
de de convocar reuniões, etc.), seja
do pela corrupção é o poder de de-
Estado a não criar espaços institu-
pela questão de posicionamento crí-
cisão do povo’. Portanto, corrupção
cionalizados de participação ou a
tico diante das propostas ou da au-
e participação são formas comple-
sência delas por parte do Estado.
tamente diferentes de operar a polí-
Estes mitos, na verdade, são dis-
tica.
farces ideológicos forjados por
ALGUNS MITOS RELACIONADOS A PARTICIPAÇÃO A participação da sociedade ci-
A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NAS INSTÂNCIAS DE DECISÃO É, NA MAIORIA DAS VEZES, CERCADA DE MITOS CRIADOS PELOS DISCURSOS GOVERNAMENTAIS
vil nas instâncias de decisão é, na
no Brasil (seja este poder oriundo do poder econômico, da ocupação de um cargo burocrático ou de um cargo eletivo). Por isso, tais mitos devem ser desconstruídos com base
E DA SOCIEDADE CIVIL
maioria das vezes, cercada de mi-
aqueles que detêm o poder político
em uma concepção ampliada de democracia e da politização da par-
tos criados pelos discursos gover-
ticipação.
namentais e da sociedade civil. Vamos citar apenas quatro destes mitos que dificultam a participação:
indicar, escolher e determinar quem
1) ‘A participação por si só muda
são os representantes da sociedade
a realidade’. É um mito que despo-
nos espaços criados, assim como
litiza a participação, pois não percebe que há sujeitos políticos que não querem que as coisas mudem, não percebe a correlação de forças e, por conseqüência, não percebe
A PARTICIPAÇÃO EM NÚMEROS
não disponibilizar as informações
Não se tem levantamento atua-
(por que a ‘sociedade não vai en-
lizado e preciso do número dos con-
tender’).
selhos no Brasil, nem das organi-
3) A sociedade não pode com-
zações e pessoas envolvidas, mui-
partilhar da governabilidade, isto é,
to menos, análises mais globais da
da construção das condições políti-
efetividade destes instrumentos na
que há outras formas e interesses,
cas para tomar e implementar deci-
construção de políticas públicas. O
alguns legítimos, outros nem tan-
sões, porque o momento de partici-
que seriam hoje as políticas públi-
to, que definem também as políti-
pação da sociedade e dos cidadãos
cas sociais no Brasil, com o des-
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MORONI, José Antônio
monte do Estado em curso com as políticas neoliberais, sem a criação do sistema descentralizado e participativo? Ë uma bela pergunta a ser feita. A impossibilidade de responder a ela dificulta qualquer análise qualitativa que se queira fazer. Portanto, só podemos – e ainda de forma limitada – nos ater aos números disponíveis, mesmo que insuficientes e desatualizados. O quadro que apresentamos a seguir se refere aos conselhos municipais em dez políticas sociais e foi elaborado a partir da Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE(1999), portanto, praticamente com seis anos de defasagem. Nota-se que o mesmo se refere aos conselhos criados, não entrando na análise do funcionamento e eficácia deles. Não apresentamos dados de conselhos estaduais por não encontrá-los. QUADRO 1 – Conselhos municipais existentes em 1999
Fonte: IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros, 1999. Elaboração Luciana Jaccoud e Frederico Barbosa do IPEA
QUADRO 2 – Conselhos Nacionais existentes em 2006
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O direito à participação no Governo Lula
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O direito à participação no Governo Lula
* Conselhos criados no Governo Lula; ** Conselhos reformulados no Governo Lula Fonte: Pesquisa Realizada nos sites dos órgão dos quais os conselhos são vinculados e no Diário Oficial da União
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MORONI, José Antônio
Identificamos 64 Conselhos Na-
verno Lula (e o texto a seguir é bas-
peito apenas ao fato de o presidente
cionais, destes 13 foram criados no
tante crítico) não podemos deixar
ser operário, mas, muito mais, por
Governo Lula, e nove foram rees-
de mencionar o significativo avan-
ser oriundo do chamado lumpen
truturados neste mesmo período.
ço que tivemos neste período. No
proletariado. Isto, por si só, explica
Portanto, 42 foram criados antes do
governo anterior, os movimentos
as expectativas que se criaram nas
Governo Lula.
sociais e as organizações não go-
forças que apostaram em seu suces-
Cabe ressaltar que a distribui-
vernamentais que defendem direi-
so ou em seu fracasso, por razões
ção por área foi uma escolha do
tos eram chamados de “neobobos”
políticas, ideológicas ou de precon-
autor, que levou em conta o órgão
(isso pelo próprio presidente Fernan-
ceito.
ao qual o conselho é vinculado e
do Henrique Cardoso). Não é a toa
Analisar um governo com este
suas atribuições. Neste estudo, tor-
que foi neste período que o chama-
perfil, seja em que aspecto for, não
nou-se, às vezes, difícil diferenciar
do Terceiro Setor foi alçado a in-
é tarefa fácil, pois o Governo Lula
as atribuições entre dois conselhos,
trouxe para o interior do Estado to-
ou até onde vai o poder de um e
das as contradições e conflitos pre-
começa o poder de outro, ou mes-
sentes na sociedade brasileira. Em
mo se tem algum poder, pois mui-
seu desenho político/institucional
tos têm competências e atribuições parecidas, difusas, concorrentes e
... POR MAIS QUE POSSAMOS
há, por exemplo, um ministério que
sobrepostas, mostrando a ausência
FAZER CRÍTICAS À QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO
de uma política para esses espa-
cio e outro que promove a reforma
NO GOVERNO LULA NÃO PODEMOS DEIXAR DE
ços, que chamamos de ‘arquitetura da participação’.
MENCIONAR O SIGNIFICATIVO AVANÇO QUE
Não apresentamos dados
TIVEMOS NESTE PERÍODO
das conferências realizadas até o
cuida dos interesses do agronegóagrária e a agricultura familiar; prevalece no ministério da Fazenda e no Banco Central uma política antidesenvolvimento, mas há no governo um ministério de ‘Desenvolvi-
momento por impossibilidade de
mento’ ligado à produção e um ban-
reunir informações. Vamos traba-
co, o BNDES, para financiar o de-
lhar as conferências no capítulo a seguir e somente em relação ao
terlocutor político da sociedade ci-
senvolvimento. No que diz respeito
Governo Lula, período que permi-
vil organizada.
à participação popular, o Governo
A eleição de um líder operá-
Lula levou para seu interior setores
rio para a presidência da Repúbli-
que nunca tiveram qualquer com-
ca, oriundo de uma classe social
promisso com a participação ou que
originariamente excluída de qual-
a viam unicamente como instrumen-
quer conceito de cidadania, tendo
to para chegar ao poder e não como
migrado de uma região miserável
força capaz de provocar transforma-
para a capital econômica brasilei-
ções sociais, culturais e políticas.
Cabe registrar, de início, que por
ra, é um marco histórico em nosso
Talvez o que melhor caracterize o
mais que possamos fazer críticas
país, que repercute em âmbito in-
Governo Lula sejam suas contradi-
à questão da participação no Go-
ternacional. O marco não diz res-
ções – aqui lembradas como falta
tiu reunir informações consistentes para análise.
O LUGAR DA PARTICIPAÇÃO NO GOVERNO LULA
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O direito à participação no Governo Lula
Analisar o Governo Lula, como
populares, havia a ‘certeza’ de que
já mencionamos, é tarefa comple-
o PT (como força hegemônica na
Um governo (aqui entendido
xa, ainda mais quando esta avalia-
aliança que venceu as eleições)
como o conjunto de forças políticas
ção é feita sob a perspectiva da par-
‘usaria’, no mínimo, a participação
que o apóia e/ou constitui) que não
ticipação. Quando nos dispomos a
como elemento de pressão para as
tem um projeto de Nação, que não
analisar e avaliar um governo, in-
transformações. Algumas adminis-
tem forças ou não quer contrariar
dependentemente de ser o Governo
trações municipais tiveram a parti-
interesses e privilégios, que acredi-
Lula ou qualquer outro, uma ques-
cipação como elemento central da
ta ser possível diminuir as desigual-
tão preliminar se apresenta diante
estratégia política, priorizando a
dades sociais distribuindo o fruto
de nós: para realizar qualquer pro-
participação de setores populares na
do desenvolvimento (reedição do
cesso de avaliação é necessário ter
definição das políticas e dos orça-
‘primeiro crescer para depois dis-
uma referência. E qual é nossa re-
mentos públicos.
de um projeto de Nação e não no sentido marxista do termo.
tribuir’), por meio de políticas com-
Uma das primeiras ações do
pensatórias e focalizadas, portanto,
Governo Lula foi repensar o dese-
que não se propõe a redistribuir as
nho institucional ou a arquitetura
riquezas já produzidas, opera poli-
da participação. Se nos basearmos
ticamente como? Por intermédio dos tradicionais meios de fazer política no Brasil, que são o clientelismo, o fisiologismo e a apropriação privada da coisa pública, isto é, a negação mais completa de qualquer pro-
UMA DAS PRIMEIRAS AÇÕES DO GOVERNO LULA FOI REPENSAR O DESENHO INSTITUCIONAL OU A ARQUITETURA DA PARTICIPAÇÃO
no desenho inicial, podemos concluir duas coisas: 1) a participação era vista como estratégia de governabilidade; 2) os diferentes sujeitos políticos da participação eram reconhecidos com pesos diferencia-
cesso participativo. Mas, ao mes-
dos, com prioridade para os sujei-
mo tempo, como vamos ver no item
tos políticos da relação capital-tra-
5.2, é um governo que abriu dife-
balho. O governo e, principalmente, a
rentes e diversos processos de in-
esquerda (e aí não envolve apenas
terlocução. O Governo Lula foi eleito num
ferência se o governo foi eleito para
o PT, mas os outros partidos, as-
movimento construído ao longo de
provocar grandes transformações?
sim como boa parte da intelectuali-
décadas para mudar a forma de fa-
Nossa referência não é o passado
dade) ainda olham para a socieda-
zer e pensar a política no Brasil.
e, sim, o futuro. Por isso, nossa re-
de apenas do ponto de vista da re-
Elementos essenciais dessa transfor-
ferência para a avaliação deve ser
lação capital-trabalho. Até agora,
mação seriam a participação popu-
o que chamamos, de forma genéri-
não houve rompimento radical com
lar e o controle social. Portanto,
ca, de ‘projeto de sociedade’. Ape-
essa visão bipolar. Ao enxergarem
participação e controle social como
sar de tal projeto ser um projeto em
a sociedade apenas do ponto de vis-
elementos propulsores e fundantes
construção, ele nos dá elementos
ta da relação capital-trabalho, re-
das transformações sociais, cultu-
para essa avaliação.
conhecem como atores políticos
rais, ambientais, econômicas e políticas.
Pelo discurso e pelas experiên-
somente os empresários e os tra-
cias de algumas administrações
balhadores, pois somente eles atu-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
297
MORONI, José Antônio
am nessa relação. Aqui vale ressal-
estrutura. Portanto, não existe uma
à secretaria do Conselho de Desen-
tar que se trata dos trabalhadores e
única voz a falar por esse conjun-
volvimento Econômico e Social
trabalhadoras sindicalizados, pois
to, mas várias vozes e de lugares
(CDES)3 a interlocução com o mun-
esse olhar sobre a sociedade não
diferentes. É o que chamamos de
do empresarial e com os sindicatos.
‘enxerga’ a imensa massa de ho-
‘multiplicidade de sujeitos políti-
Por isso, o CDES é formado, em sua
mens e mulheres que estão na eco-
cos’.
grande maioria e de forma hegemô-
nomia informal.
Acostumados a lidar com o
nica, por empresários e sindicalis-
Conforme essa concepção, as
movimento sindical e com a con-
tas, além de alguns intelectuais, que
organizações e movimentos sociais
cepção de que a sociedade se orga-
são chamados de ‘personalidades’,
não são reconhecidos como sujei-
niza com base apenas nos interes-
e representantes de movimentos so-
tos políticos, mas como atores so-
ses da relação capital-trabalho, o
ciais e ONGs. Na concepção do go-
ciais ou sujeitos sociais. Portanto,
Governo Lula não conseguia e não
verno, o CDES é o espaço de diálo-
bons na mobilização e na capilari-
consegue dialogar com esse conjun-
go e de atuação essencialmente po-
dade, mas não para participar dos
lítica (“colegiado de assessoramen-
processos de tomada de decisões
to direto e imediato do presidente
políticas. Historicamente, quem
da República”), em que se discutem
trouxe para o debate político a ques-
as questões da macroeconomia e da
tão da participação foi justamente esse campo de organizações e movimentos sociais. O movimento sindical nunca teve a participação
... AS ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NÃO SÃO RECONHECIDOS COMO SUJEITOS POLÍTICOS, MAS COMO ATORES SOCIAIS OU
como estratégia política, que dirá
SUJEITOS SOCIAIS
como elemento central na construção dos processos democráticos.
agenda de desenvolvimento. Se nesse espaço estratégico, na definição do governo, não há equilíbrio mínimo entre os diferentes sujeitos políticos é porque estes mesmos sujeitos não são reconhecidos como tais. É importante ressaltar que usa-
Outro complicador dessa concep-
mos o termo ‘interlocução’ porque
ção é procurar nas organizações e
é dessa forma que esses espaços são
nos movimentos sociais a estrutura do movimento sindical – um movimento centralizado, hierarquizado e com rígida estrutura. Por sua vez, as organizações e movimentos
to de organizações e movimentos, considerado ‘muito difuso’ por não tem uma ‘central’ nem um ‘presidente’.
vistos pelo Governo Lula. Não são espaços de deliberação e controle social e, sim, de interlocução do governo com representantes da sociedade. E, na maioria das vezes,
sociais, pela própria natureza, não
Essa concepção bipolar está pre-
apresentam tal hierarquia e muito
sente no desenho institucional do
menos tal centralização. Organi-
governo, em que a interlocução com
do com quem ele quer ‘interlocu-
zam-se de forma mais descentrali-
os movimentos sociais e as organi-
tar’.
zada e mais horizontal, procuran-
zações da sociedade civil é feita pela
Há, no Governo Lula, desrespei-
do se construir mais como sujeitos
Secretaria-Geral da Presidência da
to total à autonomia da sociedade
políticos coletivos e menos como
República (SGP). Por sua vez, cabe
civil, pois na maioria dos novos
3
esta representação é pessoal e não institucional e o governo escolhen-
Um quadro com detalhes sobre os conselhos criados no Governo Lula é apresentado em outro item deste artigo.
298 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
O direito à participação no Governo Lula
espaços participativos criados e/ou
realizadas em governos anteriores,
Nacional. O PPA é elaborado a cada
reformulados quem determina a re-
quem organizava e comandava todo
quatro anos, a LDO e a LOA todos
presentação da sociedade é o Gover-
o processo era a sociedade civil. O
os anos. O PPA é essencial no pla-
no. As únicas exceções foram os
governo chegava, como se fosse um
nejamento das políticas públicas,
Conselhos das Cidades e Gestor da
espectador, e ia embora. Agora, es-
pois define em linhas gerais, as
Internet no Brasil. E isso em razão
ses espaços têm registrado qualida-
concepções, os programas, os ob-
da pressão do movimento de refor-
de e participação governamental
jetivos e as metas para os próxi-
ma urbana e das organizações que
bem diferente do que estávamos
mos quatro anos. A LDO define os
lutam por uma governança demo-
acostumados. As conferências, por
programas prioritários, as metas
crática da Internet no país. Sem fa-
exemplo, viraram verdadeiros espa-
físicas e as linhas gerais de como
lar da não-possibilidade de escolha
ços de disputas políticas.
deverá ser elaborado o orçamento
do presidente pelos próprios conse-
do próximo ano. A LOA é como e
lhos. Os presidentes são indicados
onde os recursos públicos serão
pelo Governo.
aplicados, isso é, o orçamento pú-
Na verdade, ocorreu no Governo Lula a multiplicação dos espaços de interlocução, sem que hou-
blico.
...OCORREU NO GOVERNO LULA A
vesse nenhuma política de fortale-
MULTIPLICAÇÃO DOS ESPAÇOS DE
cimento do sistema descentralizado
INTERLOCUÇÃO, SEM QUE HOUVESSE
e participativo e muito menos de ampliação dos processos democrá-
NENHUMA POLÍTICA DE FORTALECIMENTO DO
Em 2003, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) e um conjunto de redes e fóruns que constituem a Inter-Redes4 estabeleceram relação política com o governo federal para
ticos. A participação ficou reduzi-
SISTEMA DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO E
contribuir na dinâmica de partici-
da à estratégia de governabilidade
MUITO MENOS DE AMPLIAÇÃO DOS PROCESSOS
pação da sociedade civil no debate
e ao faz-de-conta, sem ter-se configurado como elemento essencial nas
sobre as orientações estratégicas
DEMOCRÁTICOS
para a construção do ‘Plano Pluri-
transformações sociais, políticas,
anual 2004-2007: um Brasil para
culturais, ambientais e econômicas. Cabe ressaltar, contudo, que ocorreram algumas mudanças po-
todos e todas’. Foram realizadas
PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO NO PPA
audiências públicas em todos os estados brasileiros e no Distrito
sitivas no Governo Lula no que diz
Federal.
respeito ao envolvimento dos agen-
A Constituição de 1988 criou o
Essa iniciativa do governo fe-
tes governamentais nos processos
processo orçamentário, que com-
deral, capitaneada pela Secretaria-
e espaços de participação, sobretu-
preende três peças: PPA (plano plu-
geral da Presidência, revestiu-se de
do os conselhos e as conferências.
rianual), LDO (lei de diretrizes or-
especial relevância, pois instalou
Houve mudança de postura do atu-
çamentárias) e LOA (lei orçamentá-
a possibilidade de debate entre go-
al governo em relação aos gover-
ria anual), elaborados pelo Execu-
verno e redes, articulações e movi-
nos anteriores. Nas conferências
tivo e aprovado pelo Congresso
mentos da sociedade civil sobre as
A Inter-Redes: Direitos e Política é um espaço de articulação de redes e fóruns de organizações da sociedade civil brasileira que atuam, de diversas formas e com diversos temas, para o fortalecimento da esfera pública, a promoção de direitos e a proposição de políticas.
4
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
299
MORONI, José Antônio
diretrizes para um novo modelo de
de vigência do PPA. Definição esta
• Elaboração de indicadores
desenvolvimento brasileiro, social-
questionada em todo o processo de
desagregados por gênero, raça, et-
mente justo e ambientalmente sus-
participação no PPA.
nia, rural, urbano, etc., permitin-
tentável, que também possibilitas-
Além disso, nenhum dos acor-
do acompanhamento mais qualita-
se aprofundar as estruturas demo-
dos firmados com a Secretaria-ge-
cráticas de controle social sobre o
tivo do impacto real das políticas
ral da Presidência durante o processo
processo orçamentário e sobre os
públicas por parte da sociedade ci-
de consulta, até momento, não fo-
recursos públicos.
vil.
ram cumpridos. São eles:
A expectativa era de que a parceria do momento inicial de debate se tornasse efetiva, com o acompanhamento do PPA, para dar continuidade à abertura desse espaço de
• Formação de grupo de trabalho paritário entre governo e sociedade civil para acompanhar o monitoramento do PPA 2004-2007;
Um estudo realizado pela InterRedes demonstrou que, do fruto da participação, o Plano Plurianual incorporou questões periféricas, que ajudavam a desenhar melhor
participação cidadã e permitir que
os megaobjetivos das orientações
a sociedade civil organizada, desa-
estratégicas do governo para o PPA,
fiada no primeiro momento, pudesse participar do monitoramento da implementação do PPA e dos processos de revisão anual, assim como da elaboração de uma política de participação e de controle social do processo orçamentário federal. Após os debates em todo o país e o envio do Projeto de Lei do PPA
... DO FRUTO DA PARTICIPAÇÃO, O PLANO PLURIANUAL INCORPOROU QUESTÕES PERIFÉRICAS, QUE AJUDAVAM A DESENHAR
mas nada que viesse a mudar a lógica das políticas – a principal demanda das organizações nas audiências estaduais. Contudo, o mais grave foi a to-
MELHOR OS MEGAOBJETIVOS DAS ORIENTAÇÕES
tal falta de continuidade do proces-
ESTRATÉGICAS DO GOVERNO PARA O PPA,
so. Havia um compromisso políti-
MAS NADA QUE VIESSE A MUDAR A LÓGICA DAS POLÍTICAS ...
ao Legislativo, diversas organizações e redes acompanharam a tra-
co de continuidade, inclusive corrigindo os erros do processo inicial (pouco tempo para os debates, objeto de discussão limitado, pou-
mitação do PPA no Congresso Nacional e constataram que o rico pro-
• Construção, com a sociedade
cesso participativo de consulta não
civil, dos mecanismos e da meto-
foi sequer tema de debate no con-
dologia de participação nos proces-
junto do governo e muito menos no
so orçamentários;
co espaço para a expressão da sociedade civil, processo centralizado no governo, etc.) para ampliar a participação e os temas tratados. Assim, verificamos que esse
Congresso Nacional. O que mono-
• Acesso às informações sobre
polizou a atenção dos parlamenta-
a execução física e financeira do
res e da mídia foi a insistência do
PPA, especificamente a disponibili-
governo e da base governista no
dade on-line, para qualquer cida-
contribuições da sociedade civil
Congresso em manter, a todo o cus-
dão, dos dados do Sistema Integra-
não foram consideradas nem exis-
to, o compromisso de superávit pri-
do de Administração Financeira (SI-
tiu qualquer estratégia de governo
mário de 4,25% do Produto Interno
AFI)
e do Sistema de Informações
para criar e aprofundar, de fato,
Bruto (PIB) durante os quatro anos
Gerais e de Planejamento (SIGPLAN);
espaços institucionais de participa-
300 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
processo foi um verdadeiro ‘espetáculo’ da participação, em que as
O direito à participação no Governo Lula
CONSELHOS
ção popular em áreas estratégicas para a efetivação de direitos no país, como o orçamento e o planejamento públicos e, principalmente, o ‘modelo de desenvolvimento’. Hoje, após muitas idas e vindas e longos períodos de total silêncio,
No total foram criados 13 novos Conselhos Nacionais. Como demonstramos antes (item 3), esses conselhos foram criados com concepções diferentes da do movimento social que construiu a estratégia política de construção do sistema descentralizado e participativo nas diferentes políticas. Além de criar novos conselhos nacionais, o Governo Lula reformulou nove conselhos nacionais, adaptando as novas exigências legais e/ou políticas.
a Secretaria-geral voltou a procurar as organizações para retomar a
QUADRO 3 – Conselhos Nacionais criados no Governo Lula
discussão sobre os acordos não cumpridos desde 2003. Uma grande contribuição deste processo foi o de chamar a atenção para uma peça essencial no planejamento das políticas públicas que é o PPA. Isso teve e ainda tem desdobramentos na elaboração dos PPAs estaduais e municipais. Até 2003, a grande maioria das organizações não sabia do que se tratava, e os PPA eram elaborados por ‘escritórios de consultorias’. Este mérito o Governo Lula tem.
A PARTICIPAÇÃO NO GOVERNO LULA EM NÚMEROS
Fonte: Quadro sistematizado pela autor com base no quadro 2
QUADRO 4 – Conselhos Nacionais reformulados no Governo Lula
Se olharmos unicamente na perspectiva numérica e de quantidade, vamos ver que no Governo Lula houve grande avanço na criação de espaços de participação (conselhos, conferências, etc.) e de interlocução. Fonte: Quadro sistematizado pela autor com base no quadro 2
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
301
MORONI, José Antônio
CONFERÊNCIAS No total, foram realizadas no
QUADRO 5 – Conferências Nacionais/Internacionais realizadas no Governo Lula
Governo Lula 40 Conferências Nacionais (já incluídas as que vão se realizar ate o final do mandato) e três Conferências Internacionais. Segundo dados oficiais do governo federal, ao final do ciclo de conferências nacionais 2003/2006, mais de dois milhões de brasileiros e brasileiras participaram das conferências municipais, regionais, estaduais e nacional. Isso sem contar com os estudantes que participaram das conferências infanto-juvenis de meio ambiente. Vale ressaltar que das 37 conferências nacionais, 15 foram realizadas pela primeira vez, e a de Direitos Humanos foi a primeira vez convocada pelo Executivo. Conferências realizadas pela primeira vez: meio ambiente (versão adulta e infanto-juvenil); aqüicultura e pesca; cidades; medicamentos e assistência farmacêutica; terra e água; arranjos produtivos locais; políticas para as mulheres; esporte; cultura; promoção da igualdade racial; povos indígenas; direitos da pessoa com deficiência; direitos da pessoa idosa; econômica solidária e educação profissional e tecnológica.
* Soma dos participantes das etapas municipais, estaduais e nacional; ** Soma dos participantes das etapas estaduais e nacional; *** Não foi convocada pelo Executivo e sim pelo Congresso Nacional e Fórum de Entidades Não Governamentais (FNEDH). Fonte: Informativo Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República, 2006.
302 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
O direito à participação no Governo Lula
DESAFIOS QUE DEVEMOS ENFRENTAR
3. resgatar o papel de mobili-
multiplicidade dos sujeitos políticos
zação social das conferências. As
e de suas ‘causas’ não levem à frag-
conferências foram pensadas com
mentação total da luta política.
Como organizações da socieda-
um espaço ampliado dos conse-
5. reconhecer outras formas de
de civil que defendemos a partici-
lhos, nas quais se envolveriam
organização. Como, nesses proces-
pação como Direito Humano, pre-
outros sujeitos políticos e de diálo-
sos, agregar outros sujeitos políti-
cisamos enfrentar alguns desafios:
go com a população que não parti-
cos, que possuem novas e criativas
1. reconstruir a arquitetura da
cipa em organizações e movimen-
formas de organização, na maioria
participação, embora isso não sig-
tos. Resgatar este papel das confe-
das vezes não institucionalizadas.
nifique repensar apenas o sistema
rências significa ter estratégias po-
Olhar e enxergar estes novos atores
descentralizado e participativo (os
líticas de mobilização e comunica-
e articular esses processos partici-
conselhos e as conferências). Preci-
ção com a população de modo ge-
pativos são um grande desafio para
samos repensar os processos demo-
ral.
as organizações e movimentos.
cráticos, o desenho da democracia
6. recolocar a questão da Re-
e a maneira de conjugar a demo-
forma do Estado. Precisamos defi-
cracia representativa, a democracia
nir melhor que Estado queremos, o
participativa e a democracia direta. Enfim, uma verdadeira reforma do sistema político brasileiro, portanto, do poder. 2. resgatar o papel político dos conselhos. Os conselhos ainda são mecanismos, não os únicos, de participação. Porém, não como se apre-
PRECISAMOS REPENSAR OS PROCESSOS DEMOCRÁTICOS, O DESENHO DA DEMOCRACIA E A MANEIRA DE CONJUGAR A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A DEMOCRACIA DIRETA
papel e como exercer o controle público do Estado. Aqui, é fundamental a luta pelo acesso universal às informações públicas. Não poderemos pensar nenhum tipo de controle social e de controle público do Estado se este Estado não for público. E isto envolve um projeto
sentam hoje, em sua maioria sem
maior, que é a definição de projeto
espaço para o debate político, a de-
e projetos de sociedade.
liberação e o controle social, caracterizando-se como espaços formais
4. respeitar a multiplicidade
ou de faz-de-conta de participação.
dos sujeitos políticos. Estabelecer
Isso reflete a maneira como são
comunicação e relação política en-
escolhidos os representantes da so-
tre os diferentes espaços – conse-
O sistema descentralizado e par-
ciedade civil, que não se vêem en-
lhos e conferências –, que até ago-
ticipativo é um instituto político não
quanto representação da sociedade
ra têm permanecido estanques, ver-
tradicional de gestão de políticas
civil, mas como representação de
ticais, fragmentados e sem ligação.
públicas, voltado para a democra-
interesses da sua organização. Sem
Como a Conferência das Cidades,
tização do Estado e da sociedade,
falar que, em muitos casos, os pro-
por exemplo, comunica-se com a
podendo impulsionar mudanças
cessos de eleição desta representa-
questão da criança, com a questão
culturais, econômicas e políticas
ção não ficam em nada devendo aos
de segurança, com a questão do
que nos aproximam mais da utópi-
métodos tão criticados na democra-
meio ambiente? O desafio é o como
ca radicalidade democrática. Até
cia representativa.
o reconhecimento da riqueza da
agora, temos como integrantes des-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
303
MORONI, José Antônio
te sistema os conselhos e as confe-
REFERÊNCIAS
Participação Social - Informativo
rências. O desafio é como incorporar outras formas de participação neste sistema, como por exemplo, as ouvidorias, consultas públicas e formas não institucionalizadas de organizações da sociedade civil. Não consideramos os conselhos espaços únicos nem exclusivos, mas importantes e estratégicos para serem ocupados pela sociedade civil organizada e comprometida efetivamente com as transformações políticas, econômicas e sociais. Os conselhos são mecanismos limitados para operar essas transformações. Porém, para a realidade brasileira, são mecanismos que podem provocar mudanças substantivas na relação Estado-sociedade.
Especial da Secretaria-Geral da PreBOBBIO, Norberto. O futuro da de-
sidência da República, abril 2006.
mocracia. Rio e Janeiro: Paz e Ter-
www.brasil.gov.br
ra, 1986. FALCÃO, Maria do Carmo. A seguridade na travessia do Estado assistencial brasileiro In: SPOSATI, Aldaiza et al. Os direitos (dos desassistidos) sociais. 2a ed. São Paulo: Cortez, 1991. MORONI. Jose Antonio. Participamos e daí?, artigo para o Observatório da Cidadania. Disponível em: www.ibase.org.br. Acesso em 12 de dezembro de 2006.
Estes mecanismos podem contribuir
MORONI, Jose Antonio e CICONE-
com a construção/consolidação de
LLO, Alexandre, Participação, Avan-
uma cultura política contra-hegemô-
çamos?, Cadernos da ABONG, 2005
nica, por meio da prática da socialização da política e da distribui-
RAICHELIS, Raquel. A construção
ção do poder.
da esfera pública no âmbito da po-
Não se deve desistir do processo
lítica de assistência social. 1997.
de implementação desses mecanis-
325f. Tese (Doutorado em Serviço
mos de participação democrática,
Social) PUC, São Paulo, 1997.
apesar do pouco avanço em direção a transformar em poder de fato
SOUZA FILHO, R. Rumo à democra-
o poder legal que esses espaços
cia
participativos possuem.
169f.Dissertação (Mestrado em Ser-
participativa.
1996.
E a pergunta que não temos
viço Social) Universidade Federal do
como responder, agora, é: Qual o
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.
impacto do Governo Lula neste pro-
Mimeo,.
cesso todo. Isso é uma incógnita e com certeza ‘nada será como antes’.
304 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 284-304, set./dez. 2005
Proteção social em um mundo globalizado
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Proteção social em um mundo globalizado1 Social Protection in a Globalized World
Sonia Fleury2
Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007
RESUMO Neste artigo, procura-se tratar as seguintes questões: Quais as alterações nos padrões de proteção social e na saúde que estão em curso em face à globalização?; Que contradições foram introduzidas por estas mudanças no âmbito da proteção social?; Que potencialidades são geradas em decorrência deste processo? Por meio da análise das transformações da proteção social em um mundo globalizado, apontam-se as principais tensões e contradições neste campo, mas também as novas energias e potencialidades de geração de uma cidadania integral e emancipatória. PALAVRAS-CHAVE: Proteção Social; Cidadania; Globalização.
ABSTRACT In this paper the author addresses the following questions: What changes to the patterns of social and health care protection are underway in light of globalization?; What contradictions have been introduced by such changes into the context of social protection?; What potentialities have emerged as a result of this process? By analyzing the transformations to social protection in a globalized world, the main tensions and contradictions in this field are identified, as are the new powers and capacities to generate an integral and emancipative citizenship. 1
Doutora em Ciência Política; professora
KEY-WORDS:Social Protection, Citizenship, Globalized World.
da EBAPE/FGV e presidente do CEBES, eleita em 2007. Email: [email protected]
Conferência pronunciada no 8° CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA – ABRASCO, 21 a 25 de agosto de 2006 1
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
305
305
FLEURY, Sonia
Neste artigo, procura-se tratar as
Neste contexto de profunda
a polêmica sobre o crescimento po-
seguintes questões: Quais as
transformação social, a proteção
pulacional em Malthus (1983)
alterações nos padrões de proteção
social deixa de ser parte das rela-
referência)e Marx (1980) – um ad-
social e na saúde que estão em cur-
ções tradicionais entre desiguais,
vogando que o número crescente de
so em face à globalização?; Que
quando senhores protegiam e tute-
pobres era fruto do ritmo de cresci-
contradições foram introduzidas por
lavam servos leais ou entre iguais,
mento desproporcional da popula-
estas mudanças no âmbito da pro-
no interior das corporações, para se
ção em relação ao crescimento da
teção social?; Que potencialidades
colocar como uma questão social a
riqueza, enquanto o outro demons-
são geradas em decorrência deste
ser resolvida nos marcos de uma
trava que era a mesma lógica da
processo?
nova sociedade que se fundava com
acumulação capitalista que produ-
Para tratar a primeira questão,
base nos valores de liberdade e
zia uma superpopulação relativa.
partimos da constatação de que a
igualdade genérica dos indivíduos.
As Leis dos Pobres, as profissões no campo social, as instituições para
emergência e consolidação dos sis-
o cuidado da população são todos
temas de proteção social se deram
instrumentos produzidos em respos-
em um contexto radicalmente dife-
ta à questão colocada pela pobreza
rente do atual, que chamamos genericamente de ‘globalização’. Os diferentes modelos de proteção so-
... A PROTEÇÃO SOCIAL DEIXA DE SER PARTE
urbana. Além da perda dos vínculos de
DAS RELAÇÕES TRADICIONAIS ENTRE DESIGUAIS
tutela, a necessidade de uma políti-
mo contexto socioeconômico, carac-
(...) PARA SE COLOCAR COMO UMA QUESTÃO
ca de proteção social decorre tam-
terizado pelos processos de Moder-
bém da dissolução das relações so-
SOCIAL A SER RESOLVIDA NOS MARCOS DE UMA
ciais de solidariedade existentes no
NOVA SOCIEDADE
interior das famílias e das comuni-
cial foram originários de um mes-
nização, Democratização e Desenvolvimento Industrial. A modernização
dades, e sua substituição por vín-
social diz respeito à complexifica-
culos formais entre os indivíduos e
ção da estrutura social, que foi
o Estado. Estes novos vínculos, abs-
acompanhada também por uma es-
tratos e impessoais, em base à igual-
pecialização funcional. A democra-
Libertos dos laços de tutela, os
dade natural entre os indivíduos,
tização incluiu o reconhecimento de
indivíduos perderam seus vínculos
foram o substrato da emergência do
atores políticos coletivos e a aber-
de proteção social e a pobreza emer-
elemento civil da cidadania.
tura do sistema político competiti-
giu como questão social, isto é,
O rompimento das relações de
vo para a participação política das
como ameaça à coesão social. Uma
solidariedade orgânica no seio da
massas. O processo de desenvolvi-
questão social, quando se coloca,
comunidade requer a construção de
mento industrial em unidades fabris
politiza o tema e requer, por conse-
uma mediação entre os indivíduos
alterou a estrutura produtiva e au-
guinte, uma intervenção política.
dispersos no mercado e o poder po-
mentou a produção de riquezas,
Para seu enquadramento são desen-
lítico, o Estado, capaz de assegurar
gerando processos concomitantes de
volvidos novos conhecimentos, no-
a reconstrução, com base neste cons-
urbanização e de organização soci-
vas tecnologias, surgem novas pro-
truto político igualitário – a cida-
al.
fissões e instituições. Basta lembrar
dania –, de uma integração mecâni-
306 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
Proteção social em um mundo globalizado
ca na comunidade nacional. A co-
burocrática; o domínio das técnicas
sim, aprofundar a democracia de
munidade se reconstrói como nação,
administrativas de gestão.
massas.
se identifica pelo pertencimento a
Este foi o ponto de partida bri-
Em resumo, as condições de
um legado de valores compartilha-
lhantemente analisado por T.H. Mar-
emergência dos sistemas de prote-
dos e a um patrimônio civilizatório
shall (1967), quando propôs o para-
ção social foram dadas por vários
comum.
doxo do desenvolvimento da cida-
fatores, como: o fortalecimento da
A necessidade de novas bases
dania, um princípio igualitário e
autoridade pública; a construção de
para o estabelecimento da ação co-
individualista, no contexto de uma
uma ordem política baseada no prin-
letiva solidária encontra sua condi-
economia de mercado, baseada na
cipio da igualdade; a existência de
ção material na própria produção
desigualdade de classe, desigualda-
um ator político protagonista, a
coletiva nas fábricas e na reprodu-
de esta baseada na condição de pro-
classe trabalhadora, organicamen-
ção cada vez mais interdependente,
priedade, em face à construção do
te orientada por uma ideologia soli-
nas cidades. A emergência da clas-
Estado-nação.
dária e uma prática política reformadora; e a expansão da cidadania
se trabalhadora como ator protago-
e inclusão dos direitos sociais como
nista é fruto desta produção e reprodução coletivizadas, da organi-
forma de integração e preservação da coesão social.
zação de classe com base em prin-
... CONTRADIÇÃO ENTRE IGUALDADE FORMAL E
cípios de solidariedade e na luta
DESIGUALDADE REAL É O MOTOR DAS LUTAS
so de modernização, democratiza-
SOCIAIS QUE TERMINAM POR CONFORMAR O
ção e desenvolvimento industrial
política que se trava para a transformação da igualdade legal em igualdade substantiva. Se a demanda teve o operariado industrial como seu porta-voz central, a resposta à questão social foi
ESCOPO DA CONDIÇÃO DE CIDADANIA COM A INTRODUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E, ASSIM,
foram profundas e complexas, em âmbitos como o territorial (a cidade passa a ser o espaço da diversidade e também o da igualdade dos cida-
APROFUNDAR A DEMOCRACIA DE MASSAS
dãos, materializando territorialmen-
dada, fundamentalmente, pelo Esta-
te a democracia); o social (gerando
do, por meio das políticas públicas. As transformações nas formas pro-
As conseqüências deste proces-
reconhecimento e integração, partiA possibilidade de compreender
cipação e legitimação do exercício
a cidadania só se completa quando
do poder, distribuição da riqueza e
entendemos que a negação real do
concentração dos meios de produ-
princípio igualitário que estrutura
ção; o cultural (definição de um
a nova ordem jurídica e política leva
novo padrão civilizatório com base
à existência de uma contradição
em valores de igualdade, liberdade
persistente. Esta contradição entre
e autonomia dos indivíduos e em
tatal. Assim, ocorreram: a subordi-
igualdade formal e desigualdade
certos pactos sociais sobre direitos
nação dos interesses privados ao
real é o motor das lutas sociais que
e dignidade humana); a política (am-
interesse público; a construção de
terminam por conformar o escopo
pliação do direito de participação no
um aparelho estatal unificado e de
da condição de cidadania com a in-
processo eleitoral e inclusão dos
uma organização hierárquica e
trodução dos direitos sociais e, as-
direitos sociais); o institucional
dutivas e nas relações sociais foram acompanhadas, ou mesmo antecedidas, pela construção de uma autoridade pública central no âmbito do território nacional, pela concentração e centralização do poder es-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
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307
FLEURY, Sonia
(transformação do aparato estatal de
a cidadania transcender o território
uso intensivo das tecnologias de in-
um estado mínimo e repressor a um
nacional, e ainda pela existência, no
formação.
Estado Ampliado, responsável pelos
seu interior do Estado nacional, de
As mudanças que acompanham
direitos cidadãos e pela garantia de
discriminações de classe, etnia e
esta desterritorialização dos merca-
benefícios e serviços sociais); e o
raça, gênero e idade e, no seu exte-
dos e da produção vão ter efeitos
econômico (desmercantilização da
rior, pela possibilidade de convivên-
sociopolíticos de grandes dimen-
reprodução da força de trabalho,
cia com o colonialismo;
sões, já que a construção da moder-
socialização dos custos desta repro-
• A proteção social institucio-
nidade envolvia o casamento entre
dução, produção capitalista estatal-
nalizada nos Estado do Bem-estar
o mercado, o Estado e a cidadania,
mente regulada, gerando condições
Social contribuiu para minar os va-
com base no reconhecimento políti-
para o ciclo virtuoso do capitalis-
lores libertários, a dimensão coleti-
co de um povo e o exercício da au-
mo, no qual a maior geração da ri-
vista e solidária – fatores necessá-
toridade sobre um território.
queza representava também melho-
rios à manutenção de uma cidada-
Enquanto o trabalho havia sido
res condições de sua redistribuição).
nia ativa –, ao transformar a condi-
a categoria organizadora da socie-
O desenvolvimento dos sistemas
ção de cidadania em uma pauta de
dade industrial, nesta nova fase ele
benefícios individuais;
perde tal centralidade. O trabalho já
de proteção social expressa este conjunto de transformações, e a expan-
• As transformações, econômi-
não se associa ao crescimento de
são dos direitos sociais por meio de
cas, sociais, tecnológicas e culturais
forma irreversível e a economia pas-
modalidades institucionais distintas
provocaram mudanças demográfi-
sa a crescer eliminando trabalho de
é conseqüência das diferenças nas
cas profundas, relativas ao cresci-
forma intermitente ou permanente,
relações existentes, em cada socie-
mento populacional, expectativa de
gerando uma nova estrutura do
dade, entre Estado e sociedade, e,
vida, padrão de morbimortalidade,
mercado de trabalho. Estas transfor-
dentro desta última, variações acer-
custos de insumos e tecnologias in-
mações na estrutura e relações de
ca da correlação de forças e valores
corporados aos cuidados sociais.
trabalho ficaram caracterizadas pela
No último quarto do século XX,
denominada ‘flexibilização do traba-
Os limites a esta expansão tam-
assistimos à crise do padrão de de-
lho’ e também pela necessidade de
bém são conhecidos e podem ser lis-
senvolvimento capitalista. Esta cri-
os indivíduos investirem em sua
tados:
se permitiu gerar, cumulativamen-
condição pessoal de ‘empregabilida-
• A capacidade de inclusão so-
te, acumulação e redistribuição nas
de’.
cial e de redistribuição por meio de
sociedades capitalistas desenvolvi-
A vida dos indivíduos, a sua in-
políticas sociais tem seu limite últi-
das, ao mesmo tempo que a econo-
serção social, seus mecanismos de
mo na dinâmica de acumulação ca-
mia mundial se transformava em
proteção social deixam de estar as-
pitalista, mediada pela correlação de
uma economia cada vez mais glo-
sociados à sua inserção laboral. Isto
forças sociais e pela institucionali-
balizada. Isto é, onde os processos
tem um enorme impacto na organi-
dade existente;
de produção e circulação de capital
zação e no financiamento da prote-
• O processo de modernização
e mercadorias estavam cada vez
ção social, baseada em uma incor-
e expansão dos valores iluministas
mais conectados, com a liberaliza-
poração maciça de trabalhadores
e das instituições democráticas es-
ção dos mercados e a interconexão
jovens que sustentariam os depen-
teve limitado pela incapacidade de
entre etapas produtivas, por meio do
dentes e os idosos beneficiários do
prevalecentes.
308 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
Proteção social em um mundo globalizado
sistema. Portanto, uma crise de fi-
e conseqüente redução da sua atua-
tando o conhecimento da população
nanciamento da proteção social tor-
ção em todos os domínios da pro-
sobre suas condições de saúde. No-
na-se inexorável.
dução e da reprodução social.
vos padrões de desigualdade foram
Por outro lado, os Estado nacio-
Um duplo movimento de deslo-
resultantes dos fluxos migratórios
nais, que foram o fiador dos direi-
camento do poder se processou, des-
dos países do Sul para os do Norte,
tos relativos à proteção social, são
de o nível central estatal até os ní-
drenando profissionais e cientistas
enfraquecidos em sua autoridade
veis subnacionais, e, desde a dimen-
altamente capacitados por um lado,
diante do surgimento e/ou fortaleci-
são estatal para a societária. Novos
e uma massa de mão-de-obra sem
mento dos poderes supranacionais
arranjos entre Estado, mercado e
qualificações por outro. Neste últi-
e do aumento do poder das empre-
comunidade foram estabelecidos,
mo caso, tais grupos de imigrantes
sas transnacionais e do capital fi-
seja por meio de processos de pri-
permanecem sem direitos à proteção
nanceiro, favorecidos pela elevada
vatização e descentralização, seja
social, mesmo em países onde exis-
mobilidade e volatilidade dos inves-
pela rearticulação entre as organi-
te o Welfare State.
timentos propiciados pela tecnolo-
Essa mobilidade populacional
gia informacional, que permite o
criou, por outro lado, enormes po-
imediato deslocamento de um país
tencialidades de conexões reais ou
a outro. Os Estados nacionais pre-
virtuais entre indivíduos e organi-
cisaram se adequar a uma conjuntura de ajuste fiscal e redução de seu aparato, aumentar sua capacidade de regulação do mercado, in-
UM DUPLO MOVIMENTO DE DESLOCAMENTO DO PODER SE PROCESSOU, DESDE O NÍVEL CENTRAL ESTATAL ATÉ OS NÍVEIS
serir-se de forma estratégica no ce-
SUBNACIONAIS, E, DESDE A DIMENSÃO ESTATAL
nário político e econômico interna-
PARA A SOCIETÁRIA
cional.
zações em pontos diferentes do planeta. Este novo tipo de coletivismo difere, em muito, do coletivismo da sociedade industrial, em que os indivíduos pertenciam a grupos, classes e organizações. No momento atual, cada um, sejam indivíduos ou
Neste cenário, deixa de existir a
organizações, vinculam-se a nume-
polarização ideológica entre EUA e
rosas redes das quais se sentem per-
URSS, permitindo a consolidação do
tencendo enquanto estão ligados,
poder econômico imperial do primei-
zações não governamentais, as em-
podendo desligar-se a qualquer
ro. Assiste-se a uma reorganização
presas e os governos. A estrutura
momento. As identidades, portanto,
do cenário internacional em blocos
hierárquica que caracterizou o Es-
são muito mais complexas e volá-
regionais, mas, diferentemente da
tado e suas políticas sociais vem
teis, porém, são também muito mais
polarização da Guerra Fria, o que
sendo substituída por novos arran-
capazes de coletar informações e
está em jogo são opções para forta-
jos reticulares, com a participação
criar novas conexões.
lecer o poderio econômico e não
de diferentes parceiros.
Toda a lógica do pensamento li-
A globalização implicou em um
beral assentou-se em um reforço do
Essa mudança na geografia do
processo de circulação de capital,
individualismo, que se bem rompe
poder vem embasada no predomí-
informações, mercadorias e pesso-
com a homogeneização implícita nas
nio da ideologia liberal que propug-
as, aumentando a circulação de en-
políticas e organizações coletivistas,
na pela redução do papel do Estado
fermidades, mas também, aumen-
o que poderia anunciar uma pers-
mais confrontações ideológicas.
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FLEURY, Sonia
pectiva libertadora, não chega a ser
Trata-se, portanto, de uma dis-
sociais, cujos aumentos são insufi-
emancipadora, pois termina por re-
puta ideológica que se trava no cam-
cientes para garantir proteção soci-
duzir-se a um individualismo nega-
po da saúde sobre concepções da
al universal de qualidade.
tivo, um hedonismo egóico. A bus-
sociedade que queremos. A conjun-
A convivência de políticas soci-
ca individual do prazer – o ideal do
tura atual na América Latina mos-
ais universalistas com sistemas fo-
sofrimento zero e da felicidade total
tra um cenário de contradições e
calizados de combate à pobreza não
–, elevados à condição de norma social, tornam possíveis todos os tipos de experimentações do prazer, até mesmo a reinvenção do eu, sua produção e seu consumo. O corpo passa a ser absolutizado como expressão do eu, um corpo que não é natural, mas uma criação do indivíduo por meio de ginásticas, tatu-
algumas tendências que afetam o campo das políticas de proteção social. É inegável que a região vive, pela primeira vez e de forma difundida em quase todos os países e por cerca de um quarto de século, em regimes eleitorais competitivos que são a base institucional da democracia.
tem sido capaz de incluir os excluídos na comunidade política daqueles que possuem direitos sociais. A financeirização das políticas sociais se deu por meio da explosão dos seguros de aposentadorias e de saúde, eliminando possíveis laços de solidariedade entre aqueles que participam dos sistemas de proteção social. A individualização
agens e cirurgias plásticas.
dos riscos ocorre nas duas pontas
A fisiocultura, para além dos
A CONVIVÊNCIA DE POLÍTICAS SOCIAIS
das políticas sociais: seja para a
pressão desta perspectiva egocêntri-
UNIVERSALISTAS COM SISTEMAS FOCALIZADOS
ção por meio dos seguros privados,
ca; tende à perversão, pois a busca
DE COMBATE À POBREZA NÃO TEM SIDO CAPAZ
seja para os pobres que recebem
benefícios da promoção à saúde individual, pode ser vista como ex-
individual do prazer sem a interme-
DE INCLUIR OS EXCLUÍDOS...
diação da normatividade social é
classe média que alcança a prote-
bolsas e outros benefícios assistenciais.
perversa, pois o outro é destituído
A insegurança deixa de ser vista
da condição de sujeito e passa a ser
como uma condição coletiva e pas-
objeto do meu prazer. Esta é a base
sa a ser um risco individual. Da mesma forma, a proteção social
da perversão: a relação objetal. A este fenômeno social denomino Sín-
No entanto, persistem as desigual-
passa a ser para os indivíduos e não
drome de Michael Jackson.
dades injustas entre as nações e in-
para coletivos e grupos sociais.
Pensar a saúde como ausência
tranações, apresentando condições
A perda da centralidade do tra-
de sofrimento e busca do prazer nos
sociais e de saúde incompatíveis
balho, acentuada em nossos países
distancia da perspectiva solidária e
com o padrão nacional de acumu-
pela escassez do trabalho formal,
emancipadora da saúde como valor
lação de riquezas e domínio tecno-
não foi capaz de alterar os vínculos
universal e como núcleo subversi-
lógico.
existentes entre benefícios sociais e
vo da estrutura social. Em outros
A drenagem de recursos financei-
termos, como projeto civilizatório
ros no sentido Sul-Norte, por meio
que requer a radicalização da de-
do pagamento dos serviços da dívi-
A desmontagem do aparato esta-
mocracia por meio da ação coleti-
da tem acarretado uma escassez de
tal, das carreiras públicas e da inte-
va.
recursos para a área das políticas
ligência estatal ocorreu concomitan-
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contribuições, perpetuando assim a exclusão social.
Proteção social em um mundo globalizado
temente ao fortalecimento sem regu-
uma lógica da ‘guetização’, na qual
nacional e inclusão na esfera públi-
lação do mercado de serviços soci-
ricos e pobres se fecham em guetos
ca. A nossa questão social aparece
ais, quando os interesses privados
intransponíveis, em uma cidade que
como sendo a exclusão e seus efei-
predominam sobre os interesses
nada guarda do ideal democrático
tos sobre a sociabilidade deteriora-
públicos.
de ser o espaço do ‘encontro das di-
da.
As conseqüências deste proces-
ferenças’, igualadas na condição
A exclusão não pode ser confun-
so contraditório de democratização
política da cidadania. Ao contrário,
dida com um grau a mais na desi-
sem inclusão social tem sido o au-
a cidade passa a ser a expressão da
gualdade por tratar-se de fenômeno
mento da discrepância entre a de-
incapacidade de coesionar socieda-
de natureza distinta, que implica em
mocracia eleitoral e a democracia
des tão profundamente injustas e
transformar a diferença em uma
substantiva, entre os novos textos
excludentes. A violência urbana
norma social que sanciona o impe-
constitucionais e as políticas reais.
aflora como o sintoma da desagre-
dimento do outro partilhar da comu-
Governos eleitos democratica-
gação social. O aumento da intole-
nidade, de pertencer à mesma esfe-
mente que não cumprem suas pro-
ra pública onde os cidadãos, igua-
messas de campanha e parlamentos
lados politicamente, podem estabe-
que são incapazes de defender algo
lecer trocas simbólicas.
mais que seus próprios interesses
Este outro – favelado, mulher,
são os elementos causadores do de-
homossexual, negro, idoso, índio,
sencanto com a política. Se, por um lado, assiste-se a uma tendência de anomia social, caracterizada pela consciência comum da irrelevância
A NOSSA QUESTÃO SOCIAL APARECE COMO SENDO A EXCLUSÃO E SEUS EFEITOS SOBRE A SOCIABILIDADE DETERIORADA
muçulmano, ou até mesmo o pobre – é visto como algo a ser eliminado, não para ser incorporado sequer na condição de dominado.
da política, por outro, assistimos a
Isto leva a uma fratura sociopo-
inumeráveis crises de governabili-
lítica que se manifesta como convi-
dade, com o povo nas ruas, por sen-
vência, em uma mesma sociedade,
tir a incapacidade dos seus interes-
de um híbrido institucional, uma
ses serem representados pelos governantes. Esta ocupação da rua como espaço público denota a volta do povo como categoria política na região e também a emergência de lideranças populistas que se apresentam como representantes das massas inorgânicas, em detrimento da institucionalidade democrática recém conquistada.
rância com a diferença, a visão do outro como potencial ameaça, a ausência de uma ética pública, a visão do governo como corrompido e incapaz de assegurar condições de segurança, reforçam o individualismo e corrompem a dimensão cívica da cidadania. Em resumo, esta é a nossa questão social, ou seja, aquela que pode ser o analisador da perda dos vín-
institucionalidade para os que estão incluídos e outra para os excluídos. Basta ver como o Estado está ausente dos territórios marginais, ou mesmo como a insidiosa diferença se manifesta na diferença de acolhimento e qualidade dos serviços públicos. Uma democracia com exclusão retira legitimidade da ordem política, pois o poder político não é naci-
As grandes metrópoles da região
culos sociais capazes de coesionar
onal, já que não incorpora a popu-
são reorganizadas de acordo com
a comunidade, gerando integração
lação na comunidade nacional; não
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
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311
FLEURY, Sonia
é democrática, pois o exercício do
segmentação e a desigualdade pois
Em todos os três casos, houve
poder não se baseia em um princí-
não permite mecanismos solidários;
aumento da cobertura, embora os
pio de justiça e igualdade; não é re-
• Um modelo público univer-
três sistemas tenham sido incapa-
publicano, pois o Estado é patrimô-
sal, estabelecido no Brasil na Cons-
zes de eliminar as desigualdades,
nio das elites e está a seu serviço.
tituição Federal de 1988, implanta-
seja porque seu desenho já compor-
No âmbito das políticas sociais,
do de forma descentralizada e parti-
tava uma lógica diferencial, seja pela
a dualidade institucional se repro-
cipativa, carecendo, no entanto, de
incapacidade de construir uma éti-
duz na dicotomia entre políticas de
recursos financeiros capazes de al-
ca do cuidado e as condições hu-
integração (de caráter universal) e
terar a lógica da oferta curativa e
manas, gerenciais e materiais para
políticas de inclusão (dirigidas a
altamente concentrada da rede de
assegurar igualdade de acesso e
grupos focais). Neste último caso,
serviços. Tal sistema convive com
utilização de serviços de qualidade.
por não incorporar os benefícios
um mercado de seguros de saúde
Diante destas experiências de li-
sociais à condição dos direitos de
para onde migrou a classe média;
mitada eficácia para assegurar a
cidadania, introduz-se a contradição
proteção social e a garantia do di-
entre a redução da desigualdade
reito à saúde nos perguntamos
econômica por meio de um meca-
quais são as tendências e potencia-
nismo que reafirma a diferença de status político, além de disciplinar o cotidiano dos assistidos. No campo das políticas de saúde, assistimos a um movimento reformador importante na região, em
NO CAMPO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE, ASSISTIMOS A UM MOVIMENTO REFORMADOR IMPORTANTE NA REGIÃO, EM BUSCA DA SUPERAÇÃO DOS ELEVADOS NÍVEIS DE EXCLUSÃO AO DIREITO À SAÚDE...
busca da superação dos elevados
lidades que se apresentam neste cenário de globalização. Como procuramos mostrar, são complexos os efeitos dos processos atuais de reorganização das lógicas produtiva e reprodutiva, gerando ambivalências e contradições em relação à inclusão social.
níveis de exclusão ao direito à saúde, estratificação dos benefícios e
Novas e renovadas dinâmicas de
instituições para os incluídos, irra-
exclusão convivem com aquelas que
cionalidade e superposição institu-
Um modelo de seguro, es-
já fazem parte da nossa história na-
tabelecido na Colômbia com a Lei
cional. Por outro lado, há uma ten-
100, de 1993, que se pretende plural
são crescente entre o limitado invó-
por comportar instituições públicas
lucro nacional da cidadania e as
• Um modelo de mercado, es-
e privadas, competitivas com base
potencialidades geradas pela circu-
tabelecido pela reforma no Chile em
na demanda de serviços. Criou tam-
lação de informações e o aumento
1980, o qual assume a dualidade
bém um mecanismo solidário de in-
das expectativas em relação à pro-
institucional como seu princípio de
clusão progressiva dos pobres na
teção social. As migrações questio-
estruturação: os que podem vão ao
condição de assegurados, porém não
nam o nacionalismo da cidadania;
mercado de seguros, e o Estado pro-
foi capaz de universalizar ou reduzir
os direitos humanos se impõem
tege os remanescentes no sistema
as diferenças entre os dois tipos de
como universais e desterritorializa-
público. Tal modelo aumentou a
seguros.
dos, os poderes nacionais se su-
cional e má qualidade da atenção. São experimentados três modelos de reforma:
•
312 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
Proteção social em um mundo globalizado
bordinam a estratégias regionais. A
ficar padrões normativos de domi-
individual, para se colocar como
perda do referente nacional mostra
nação.
prática social transformadora, pois
a existência de uma sociedade cada
Trata-se de repensar as políticas
a autonomia é mediada social e ins-
vez mais policêntrica, descentrada
sociais a partir da centralidade do
titucionalmente, requerendo a acei-
e descentralizada.
cidadão-usuário e não do predomi-
tação e reconhecimento do outro (al-
Ainda que estes fenômenos pos-
no da lógica da burocracia e das
teridade) e das interdependências
sam ser vistos como ameaças à co-
especializações profissionais. En-
mútuas.
esão social, porque geram identida-
fim, trata-se de pensar em condições
A revolução dos excluídos nesta
des competitivas, também é certo
de igualdade complexa e de cidada-
perspectiva emancipadora tem sido
que fortalecem o poder local, seja
nia diferenciada.
uma revolução molecular, que per-
ele o poder público ou a sociedade
A possibilidade de emancipação
mite formular os dramas cotidianos
local, gerando novas condições de
é cada vez mais decorrente da com-
em uma linguagem pública dos di-
governança local, potencialmente
preensão do lugar desta singulari-
reitos. Ao contrário dos modelos de
mais favorável à inovação social.
proteção social que tiveram como
Desta forma, existe a possibilidade
ator central a classe trabalhadora,
de reconciliar a cidadania com a
o novo desenho das políticas e mo-
comunidade, resgatando a noção de
delos de proteção não é fruto de uma
cidadania ativa, por meio de processos de deliberação e co-gestão. A tensão entre o local, o nacio-
EXISTE A POSSIBILIDADE DE RECONCILIAR A
ação coletiva organicamente direci-
CIDADANIA COM A COMUNIDADE, RESGATANDO
falam dos pobres e excluídos como
nal e o global impõem a busca de
A NOÇÃO DE CIDADANIA ATIVA, POR MEIO DE
uma nova territorialidade para a
PROCESSOS DE DELIBERAÇÃO E CO-GESTÃO
cidadania, já que direitos distintos
onada. Ao contrário, enquanto todos um lugar vazio de poder, estamos deixando de reconhecer o intenso movimento molecular de adensa-
passam a ser reivindicados em ní-
mento da esfera pública e da cida-
vel também diferenciado, como os
dania que se processa de forma in-
direitos humanos e ambientais cada
visível e subterrânea. Restaria pen-
vez mais globalizados, os direitos
sar como as políticas públicas po-
sociais e políticos em âmbito nacio-
dade no contexto social e, a partir
nal e os de participação e delibera-
daí, gerar condições para a recons-
leculares, sem correr o risco de que-
ção restringidos ao nível local.
trução de auto-imagens e hetero-
rer discipliná-los ou cooptá-los.
dem favorecer estes processos mo-
Outra tensão presente é relativa
imagens deterioradas pelas políticas
As novas formas organização em
à igualdade implícita na condição
universais normalizadoras. Lingua-
forma de redes de políticas impõem
de cidadania e as reivindicações
gens simbólicas que remetem à uni-
desafios quanto a uma gestão com-
atuais de respeito às diferenças. As
versalidade, como a arte e o traba-
partilhada, mais democrática porque
diferenças são afirmadas não como
lho corporal, se colocam como pos-
mais capilar, diversa e plural. Bus-
incapacidades, mas como singula-
sibilidade de construção de sujeitos
car mobilizar recursos e coordenar
ridades que não podem ser desca-
autônomos e emancipados. A auto-
interdependências passa a ser o
racterizadas por meio de políticas
nomia deixa de ser pensada em ter-
grande desafio da gestão. No entan-
homogêneas, que terminam por rei-
mos liberais, do cálculo utilitário
to, não há como diluir o papel do
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313
313
FLEURY, Sonia
Estado nesta nova forma reticular
MALTHUS, T.R. Ensaio sobre a po-
de sociabilidade e organização. Há
pulação. São Paulo: Abril Cultura,
que ter em conta o papel do Estado
1983. (Coleção Os Economistas).
como mediador dos conflitos, especialmente os distributivos, o que
MARSHALL, Theodor H. Cidadania,
requer fortalecer sua institucionali-
Classe Social e Status. Rio de Janei-
dade e os princípios de transparên-
ro:
Zahar
Editores,
1967.
cia, mérito e imparcialidade de sua burocracia.
MARX, Karl. O Capital. Rio de Ja-
A combinação de estruturas bu-
neiro: Civilização Brasileira, 1980.
rocráticas com formas reticulares, da responsabilização e regulação com a co-gestão, a democracia representativa com a deliberativa, estes são os novos desafios para construção de uma proteção social que seja capaz de ampliar a esfera pública, por meio do reconhecimento, participação e redistribuição. O fracasso em um destes elementos será o fracasso da democracia entre nós. As potencialidades, no entanto, são tão grandes quanto os desafios que estão colocados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição, 1988. Dispõe sobre a Constituição da Republica Federativa do Brasil. DOU-I, Brasília-DF, 126(191-A):1-32, 5 out.1988. CONGRESSO MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA, 11.; CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA, 8., 2006, Rio de Janeiro.
314 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 305-314, set./dez. 2005
Saúde, Desenvolvimento e Globalização
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Saúde, Desenvolvimento e Globalização Health, Development and Globalization.
Edmundo Gallo 1 Janice Dornelles de Castro2 Joseane Carvalho Costa 3 Vivian Studart4 Sandra Willecke5 Recebido: Mar./2006 Aprovado: Jun./2007
RESUMO Uma das principais questões da atualidade é a articulação entre saúde e desenvolvimento. Como alcançar o desenvolvimento soberano e sustentável com crescimento e justiça social?. O objetivo desse artigo é, através da revisão bibliográfica, identificar estudos que analisaram o setor enquanto pólo dinâmico de desenvolvimento, gerador de renda e capaz de propiciar a integração regional e entre países, contribuindo para a revisão da visão da saúde enquanto uma atividade que apenas traz elevados custos para a sociedade. Abordando a discussão da saúde, desenvolvimento e globalização buscando um novo sentido, e assim construindo uma nova
Pesquisador Adjunto e Coordenador de Programas e Projetos Estratégicos da Fiocruz Brasília, Vice-presidente do Cebes (1989/1990), Conselheiro Editorial do Cebes. 1
concepção de desenvolvimento que deve considerar a garantia das necessidades sociais básicas.
E-mail: [email protected]
PALAVRAS –CHAVE: Saúde Global, Economia da Saúde, Desenvolvimento.
2 Doutora em saúde coletiva – Unicamp, Pesquisadora visitante da Fiocruz, diretoria da Associação Brasileira de Economia da Saúde.
ABSTRACT
E-mail: [email protected]
One of the main contemporary issues is regarding the relationship bePhD em Ciências – Professora pesquisadora da Universidade Federal do Pará – Assessora da Coordenação de Programas e Projetos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz/Brasília.
tween health and development. How can sovereign and sustainable deve-
E-mail: [email protected]
sector as a dynamic center for development and income, capable of gene-
3
4 Gerente de Projeto, Assessora Técnica da Fiocruz, Especialista em Saúde Pública – ENSP/Fiocruz, Mestranda em Saúde Pública – ENSP/Fiocruz.
E-mail: [email protected]
lopment be achieved with growth and social justice? This article aims to identify through a bibliographical review studies which examine the health rating regional and international integration, contributing to revise the vision of health as an activity that only brings about high costs for the society. The discussion of health, development and globalization is approached in order to establish a new meaning and therefore build a new con-
5
Analista em C&TSP da Fiocruz, Mestre em Políticas e Gestão Públicas – UFRN e Analista em Relações Internacionais
cept of development, which must consider ensuring basic social needs.
E-mail: [email protected]
KEYWORDS: Global Health, Health Economics, Development.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
315
GALLO, Edmundo et al
APRESENTAÇÃO
segundo destaca a saúde na totali-
Ao longo dos tempos, a teoria
dade de seu complexo produtivo,
econômica tem evoluído na sua con-
Este artigo pretende identifi-
valorizando-a como fator de desen-
cepção de desenvolvimento. O libe-
car como os conceitos de desenvol-
volvimento pelo elevado grau de
ralismo de Adam Smith afirma que
vimento e globalização foram abor-
inovação, lucratividade e emprega-
são os interesses individuais reali-
dados pela política de saúde, espe-
bilidade do setor, com potencial eco-
zados livremente no mercado, har-
cialmente em sua relação com as
nômico e tecnológico para incremen-
monizados pela “mão invisível”,
políticas econômica, externa e de
tar a integração regional. (GADE-
que levariam a sociedade ao está-
desenvolvimento regional, propon-
LHA, 2003, 2006; GALLO et al, 2004,
gio de bem–estar. A riqueza das
do uma abordagem teórico-concei-
2005; BRASIL, 2004; CASTRO,2004;
nações depende do trabalho produ-
tual que possibilite analisar e des-
FERLA,2004).
tivo, capaz de produzir excedente de
tacar o seu potencial de contribui-
No Brasil, o desenvolvimento as-
valor sobre o custo de reprodução
ção para um projeto global contra-
sumiu principalmente a característi-
da mão de obra. A divisão do tra-
hegemônico em uma perspectiva
balho é a força dinâmica deste pro-
multipolar e solidária. Para alcan-
cesso e depende da extensão dos
çar este objetivo, o texto foi organizado iniciando pela apresentação do
NO BRASIL, O DESENVOLVIMENTO ASSUMIU
mercados interno e externo Para Marx, o desenvolvimento
pensamento de alguns autores so-
PRINCIPALMENTE A CARACTERÍSTICA DE
capitalista ocorre por meio de ciclos
bre o desenvolvimento econômico e
CRESCIMENTO ECONÔMICO, DETERMINANDO
e crises periódicas. O progresso téc-
as possíveis articulações deste conceito com a questão da saúde, se-
ELEVADOS ÍNDICES DE URBANIZAÇÃO E
guido de um breve panorama da
INDUSTRIALIZAÇÃO, MAS TAMBÉM CRIANDO
relação entre desenvolvimento e
ENORMES DESIGUALDADES ENTRE AS REGIÕES
saúde no Brasil, continuando na discussão das relações entre Saúde
E EM RELAÇÃO À DISTRIBUIÇÃO DA RENDA
nico libera trabalhadores e aumenta a taxa de exploração, elevando a taxa de lucro. Mas reduz a demanda por trabalho e, em longo prazo, reduz a taxa de lucro, pois aumenta a parcela de capital constante na
e Globalização e, por fim, apresen-
composição orgânica do capital, o
tando o contexto atual do setor saú-
que diminui a capacidade de extra-
de no Brasil e seus desafios.
SAÚDE E DESENVOLVIMENTO Existem alguns argumentos que defendem a importância do setor
ca de crescimento econômico, deter-
ir mais-valia, traduzindo-se em cri-
minando elevados índices de urba-
ses de subconsumo e crises de des-
nização e industrialização, mas
proporção entre consumo e produ-
também criando enormes desigualdades entre as regiões e em relação à distribuição da renda. O impacto na saúde se refletiu
ção. (SOUZA, 2005; HUNT,1981). Keynes centra a sua análise na abordagem macroeconômica do pleno emprego, nos fatores de crescimento dos investimentos e seus
saúde para o desenvolvimento: o
em investimentos maciços em infra-
primeiro salienta sua importância
estrutura assistencial (obras e equi-
Focaliza na demanda efetiva, reali-
para o desenvolvimento humano
pamentos), marcadamente desigual
zando uma análise estática e de
com eqüidade e justiça social, e o
entre e inter-regiões.
curto prazo. As pessoas não gastam
316 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
impactos sobre a renda e emprego.
Saúde, Desenvolvimento e Globalização
toda sua renda em consumo e, ne-
da da periferia (BIELSCHOWSKY, 2000,
produção e emprego. É importante
cessariamente, não investem o que
p. 22).
o papel do empresário inovador e
não é consumido, parte da renda
do crédito. Distingue crescimento de
“vaza”, sai da esfera da economia
Portanto, os processos de cres-
desenvolvimento. O crescimento
(poupança, impostos, importação),
cimento, emprego e distribuição de
decorre de combinações antigas dos
impedindo o pleno emprego. Com a
renda na periferia são distintos da-
meios de produção, trabalho e re-
crise de 1930, ganha força esta abor-
queles dos países centrais, exigin-
cursos naturais, é um processo de
dagem, que coloca ênfase no inves-
do a industrialização para superar
adaptação. O desenvolvimento é
timento como motor do crescimen-
o subdesenvolvimento e a pobreza.
produzido pelas variáveis inova-
to. Mediante seu efeito multiplica-
Mas as economias periféricas têm
ções e instituições; é um fenômeno
dor, o governo influencia o nível de
estruturas pouco diversificadas e
novo, desloca o ponto de equilíbrio
emprego pelo uso de política fiscal
tecnologicamente heterogêneas, le-
para um novo patamar, baseia-se
(gastos públicos, tributação, em-
vando à tese da tendência à deterio-
na função empresarial, inovações
préstimos), política monetária
tecnológicas e crédito. Mas existem
(emissão ou controle de moeda, fi-
falhas de mercado, como retornos
xação da taxa de juros) e política
crescentes à escala e às externali-
cambial. Assim, o governo age so-
dades, que levam a falhas de de-
bre as expectativas dos empresári-
OS PROCESSOS DE CRESCIMENTO, EMPREGO E
os influenciando o nível de investi-
DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA PERIFERIA SÃO
cia imperfeita, o governo procura
mento. (SOUZA, 2005; HUNT,1981).
DISTINTOS DAQUELES DOS PAÍSES CENTRAIS,
intervir através de impostos, ofer-
volvimentista latino-americano, da
EXIGINDO A INDUSTRIALIZAÇÃO PARA SUPERAR
monopólios, nacionalizando indús-
CEPAL – Comissão Econômica para
O SUBDESENVOLVIMENTO E A POBREZA
Há também o paradigma desen-
manda efetiva. Onde há concorrên-
tando bens públicos, regulando trias, criando leis antitruste. Mas as
Americana Latina e Caribe, cujo
falhas de mercado são substituídas
principal idealizador foi Raul Pre-
por falhas de governo, o bem-estar
bish. Para os cepalinos existe um
reduz-se em vez de aumentar, os
padrão específico de inserção inter-
recursos públicos são mal gastos,
nacional, de oposição entre centro
ração dos termos de trocas entre
há desperdício e redução de eficiên-
e periferia, sendo a última, produ-
centro e periferia.
cia global. O empresário, por sua
Schumpeter, como os clássicos,
vez, está sempre tentando romper o
enfatiza o lado da oferta na expli-
equilíbrio, ao introduzir inovação
(...) bens e serviços com demanda
cação do crescimento econômico.
geradora de lucro puro e, portanto,
internacional pouco dinâmica, e impor-
Identifica, nos novos produtos e pro-
de imperfeições de mercado. Chama-
tadora de bens e serviços com deman-
cessos, o motor do crescimento, pois
se a este processo de destruição cri-
da doméstica em rápida expansão, e
sempre haverá demanda para estes
adora (SOUZA, 2005; HUNT,1981,
absorvedora de padrões de consumo e
bens. Assim, investimentos em má-
CASTRO,2002).
tecnologias adequadas ao centro, mas
quinas e capacitação tecnológica
Sen (2000), por sua vez, intro-
freqüentemente inadequadas à dispo-
dinamizam a economia ao gerar
duz a idéia de desenvolvimento
nibilidade de recursos e ao nível de ren-
efeitos de encadeamento sobre a
como liberdade, acredita que o cres-
tora de
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
317
GALLO, Edmundo et al
cimento do Produto Nacional Bruto
rantia das necessidades sociais bá-
produção, segundo Offe (1984),
(PNB) ou da renda per capita, pode
sicas, mais vinculadas à garantia
pressupõe a existência de indivídu-
ser um meio importante de expan-
do bem-estar social, articulado ao
os “livres”, despojados dos meios
dir as liberdades dos cidadãos, mas
crescimento econômico sustentável
de produção e dispostos a vender a
depende também de condições soci-
com eqüidade e justiça social.
sua força de trabalho no mercado.
ais e econômicas, como serviços de
Porém este processo não é espontâ-
saúde e educação, e dos direitos
neo. É importante a ação do Esta-
DESENVOLVIMENTO E SAÚDE NO BRASIL
civis, como a liberdade de participar. Afirma que a industrialização, a modernização ou o progresso tecnológico podem contribuir para o desenvolvimento, mas que este
do, no sentido de organizar o contexto social, para o desenvolvimento e reprodução da acumulação ca-
A formação de um sistema de
pitalista (O’DONNEL, 1980).
atenção à saúde foi concomitante à
É neste contexto que o Estado
transformação da forma de organi-
brasileiro implementou as primei-
(...) requer que se removam as prin-
ras políticas sociais (GALLO, 1993).
cipais fontes de privação de liberdade:
As principais políticas de saúde foram o saneamento básico dos por-
pobreza, tirania, carência de oportu-
tos e dos núcleos urbanos e as cam-
nidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos servi-
A FORMAÇÃO DE UM SISTEMA
panhas de vacinação de cunho im-
ços públicos e intolerância ou interfe-
DE ATENÇÃO À SAÚDE FOI CONCOMITANTE À
rias pioneiras foram a garantia de
rência excessiva dos Estados repressi-
TRANSFORMAÇÃO DA FORMA
vos. (SEN, 2000, p.18).
DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
positivo. As políticas previdenciábenefícios e auxílios viabilizados pelo Estado e por algumas empresas privadas. O desenvolvimento
A partir destas abordagens, pode-
destas políticas possibilitou a imi-
se assumir que o conceito de desen-
gração, a consolidação dos núcle-
volvimento, aplicado à saúde, deve
os urbanos e a criação do mercado
necessariamente levar em conside-
de trabalho, favorecendo a integra-
ração a dimensão da justiça social,
zação da produção, a qual corres-
ção da economia brasileira no mer-
do acesso à educação, à saúde, à
pondeu à primeira etapa de desen-
cado mundial e viabilizando a acu-
água, ao saneamento e à terra, mas
volvimento capitalista. Ou seja,
mulação e reprodução do capital
também deve considerar o seu po-
quando a economia, escravocrata
(OFFE,1984).
tencial econômico, a inovação e a
produtora de algodão e açúcar para
Com o golpe militar de 1964,
intervenção do governo conduzindo
exportação, deu lugar à lavoura
modificou-se a relação entre o Es-
o processo de desenvolvimento, que
cafeeira exportadora com base na
tado e as classes sociais, constitu-
terá como conseqüência a geração
mão-de-obra assalariada, tornou-se
indo-se novas alianças entre a bu-
de consumo, emprego, lucro e dis-
necessário organizar o mercado de
rocracia civil e militar, o capital
tribuição de renda.. Assim, emerge
trabalho e criar condições para via-
nacional e o capital estrangeiro. O
uma nova concepção de desenvol-
bilizar a acumulação cafeeira. A
Estado brasileiro deste período ti-
vimento que deve considerar a ga-
forma capitalista de organizar a
nha como característica a autono-
318 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
Saúde, Desenvolvimento e Globalização
mia da sua dimensão política em
so aos serviços de saúde deve ser
ga os setores envolvidos com a pres-
relação à dimensão econômica e
igualitário, universal e integral.
tação de serviços de saúde. Segun-
social (MARTINS, 1985), em função
O Estado brasileiro, portanto,
do o autor, é este último grupo que
da inexistência de mecanismos de
atuou e continua atuando como
confere organicidade ao complexo,
representação democrática que limi-
principal financiador das políticas
sendo seu motriz; ou seja, a sua
tasse sua ação, tornando-se cada
de saúde no país desde a sua for-
contração ou expansão impacta di-
vez mais autônomo, criando inte-
mação. Apesar disso, não logrou
retamente nos outros setores. Gallo
resses burocráticos próprios e esta-
induzir o desenvolvimento susten-
et al (2005) ampliam este conceito
belecendo um novo padrão neo-cor-
tável e continuado, dinamizando a
para complexo produtivo, acrescen-
porativo onde eram privilegiados os
economia, a partir dos investimen-
tando as cadeias produtivas de ci-
grupos dominantes, e a maioria da
tos realizados nesta área. Isso ocor-
ência e tecnologia e de formação de
sociedade era excluída da partici-
re, principalmente, porque não se
força de trabalho como outras di-
pação.
considerou a dinâmica do comple-
mensões do CPS.
Nesse contexto, foi novamente
Estas abordagens acreditam no
reformulado o sistema de saúde: a
potencial de dinamismo e inovação
gerência financeira foi centralizada
da área social para o desenvolvi-
no Estado; foram excluídos da participação os trabalhadores e patrões;
O ESTADO BRASILEIRO (...) ATUOU E
mento. É necessário, no entanto, que o Estado articule os diversos seto-
aumentou-se e unificou-se a contri-
CONTINUA ATUANDO COMO PRINCIPAL
buição, crescendo a disponibilida-
FINANCIADOR DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO
políticas sociais, situação que não
de de recursos. A política do Esta-
PAÍS DESDE A SUA FORMAÇÃO. APESAR DISSO,
ocorre no Brasil (BRASIL, 2004).
trabalhadores e patrões e de defesa
NÃO LOGROU INDUZIR O DESENVOLVIMENTO
entre a política de saúde e uma po-
de interesses burocráticos próprios
SUSTENTÁVEL...
do de exclusão da participação dos
(MARTINS, 1984) permitiu o desen-
res do complexo produtivo com as
Aqui assistimos a “...desarticulação lítica para o desenvolvimento das indústrias do setor” (GADELHA,
volvimento de um modelo de assis-
2003;), ou seja, o SUS é uma políti-
tência em que se privilegiavam os
ca social bem- sucedida e que de-
interesses das classes dominantes,
xo produtivo da saúde (CPS) na for-
termina, contraditoriamente, mai-
ao mesmo tempo em que se ampli-
mulação das políticas de investi-
or dependência das importações,
ava o poder da burocracia estatal.
mento setorial.
pois não foram criadas as condições
Novas transformações importan-
Conforme Gadelha (2003), o com-
para a produção interna dos insu-
tes ocorreram a partir de 1988 com
plexo industrial da saúde é compos-
mos necessários para o seu funcio-
a aprovação da Constituição Fede-
to por três grandes grupos de ativi-
namento, refletindo a incapacidade
ral e da Lei Orgânica da Saúde em
dades: do primeiro, fazem parte as
das políticas de saúde de induzirem
1990 (Lei 8.080 de 19 de setembro
indústrias de base química e bio-
o desenvolvimento (GALLO & COE-
1990). A nova Constituição estabe-
tecnológica; do segundo grupo, as
LHO, 2005).
lece em seu art.196 que “A saúde é
atividades de base física, mecâni-
É nesta conjuntura que se colo-
direito de todos e dever do Esta-
ca, eletrônica e de materiais; e, por
ca uma grande questão, também
do...” (BRASIL, 1988) e que o aces-
fim, há um terceiro grupo que agre-
apontada na agenda política mun-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
319
GALLO, Edmundo et al
dial: como alcançar o desenvolvi-
hegemônica internacional, como,
tanto política (saúde e seguridade),
mento soberano e sustentável com
por exemplo, na discussão sobre a
quanto técnico-operacional (Sistema
crescimento e justiça social? Este é
função do Estado no desenvolvimen-
Único de Saúde).
um dos principais desafios coloca-
to econômico e social e sobre a ga-
dos para as sociedades na atuali-
rantia dos direitos sociais.
Há, portanto, um background que habilita a saúde a ser uma das
dade, e para responder a ele, torna-
A área da saúde no Brasil – mes-
áreas de ponta para fortalecer a pro-
se necessário articular as políticas
mo em uma conjuntura política e
posta da política externa, qual seja,
de saúde e desenvolvimento, consi-
econômica adversa, interna e exter-
a de colocar o Brasil como um in-
derando o contexto da globalização.
namente, nos anos 80 e 90 – conse-
terlocutor importante no cenário
guiu realizar uma reforma no se-
internacional, tendo como perspec-
tor, incluindo, na Constituição Fe-
tiva a solidariedade, a diversidade
deral de 1988, a criação da Seguri-
e a justiça social, promovendo uma
dade Social, em uma perspectiva
nova relação entre Estado e Socie-
SAÚDE E GLOBALIZAÇÃO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
dade. A política externa do Brasil passou, paulatinamente, a tratar a saúde como uma questão relevante (GALLO et. al., 2005; GOVERNO FEDERAL, 2005; MERCOSUL, SGT-11, 2003, 2004;19 e 2005; MERCOSUL,
A ÁREA DA SAÚDE NO BRASIL – MESMO EM UMA CONJUNTURA POLÍTICA E ECONÔMICA
CONTEXTO ATUAL DO SETOR SAÚDE NO BRASIL O setor saúde é dotado de espe-
GMC, 2005), demandando que a for-
ADVERSA, INTERNA E EXTERNAMENTE, NOS
cificidades decorrentes de sua apro-
mulação e implementação da polí-
ANOS 80 E 90 – CONSEGUIU REALIZAR
ximação com os problemas reais ou
tica de saúde se alinhem às suas
UMA REFORMA NO SETOR ...
potenciais da população, que con-
diretrizes, de modo a possibilitar a
dicionam a identificação de temas
construção da segunda mão dessa
prioritários para pesquisa científi-
via entre política externa e política
ca, desenvolvimento tecnológico e
de saúde no Brasil (TREVAS, 2005;
institucional ,e a conseqüente necescontrária à lógica da maioria dos
sidade de sistematização e incorpo-
Atualmente as prioridades da
países. Além de avançar sob o pon-
ração dos novos conhecimentos e
política externa são duas: (a) a in-
to de vista ideológico e doutriná-
tecnologias ao Sistema Único de
tegração da América do Sul, tendo
rio, também foi possível transfor-
Saúde (SUS).
como base o Mercosul; (b) o aumen-
mar esta perspectiva em um siste-
Este setor vem se deparando
to das exportações e da inserção
ma operacional com um conjunto
com uma série de desafios, impos-
política e econômica do Brasil no
de experiências positivas importan-
tos principalmente pelas modifica-
cenário internacional, tendo por
tes: o Sistema Único de Saúde - SUS.
ções nas condições de vida da po-
base a integração. Algumas ques-
Esta característica reforça o argu-
pulação. A despeito das importan-
tões colocadas pela política exter-
mento de que a saúde seja um dos
tes conquistas na área da saúde re-
na brasileira muitas vezes não es-
vetores importantes da política ex-
gistradas nas últimas décadas, ain-
tão em consonância com a agenda
terna, portadora de uma Agenda
da persistem iniqüidades e novas
GALLO & COSTA, op. cit.).
320 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
Saúde, Desenvolvimento e Globalização
dificuldades surgem no esforço de
se amplia em virtude da distribui-
protocolos clínicos e gerenciais e
prover o acesso universal, equâni-
ção diferenciada dos riscos e agra-
ferramentas de tecnologia da infor-
me e integral às ações e aos servi-
vos nos diversos grupos da popu-
mação, entre outras. Destaca-se,
ços de promoção, proteção e recu-
laçãoe e desigualdade que se expres-
também, a integralidade como um
peração da saúde, princípios que
sa nas diferenças observadas nas
dos principais aspectos da política
norteiam o funcionamento do SUS
taxas e coeficientes das regiões do
de humanização da atenção à saú-
(BLOOM, 2005; DRACHLER, 2003;
país, ou entre regiões do mesmo
de, entendida tanto do ponto de vis-
PELEGRINI, 2005).
estado. Por outro lado, a ampliação
ta da articulação das ações de pro-
O quadro sanitário prevalente do
do acesso às medidas de controle e
moção, prevenção e recuperação,
país é diversificado e reflete a pre-
aos serviços de saúde, associada ao
quanto do ponto de vista da conti-
sença de diferentes perfis epidemi-
desenvolvimento de novas tecnolo-
nuidade do cuidado.
ológicos: coexistem enfermidades
gias, promoveu o aumento na ex-
Este contexto tem demandado
infecciosas e parasitárias, caracte-
pectativa de vida e, por conseguin-
insumos estratégicos para o siste-
rísticas de países em desenvolvimen-
ma, que são oriundos dos distintos
to, e as doenças crônicas, como as
segmentos do complexo produtivo
cardiovasculares e neoplasias, típi-
da saúde. Essa demanda, entretan-
cas dos países desenvolvidos. Ainda nesse contexto, interagem aspectos associados à migração para os grandes centros urbanos, cujo contingente populacional passa a viver
...O APROFUNDAMENTO DA DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS GEROU DEMANDAS POR COMPETÊNCIAS DE GESTÃO NOVAS E
to, não tem sido utilizada como política de indução ao desenvolvimento e à integração regional. Investimentos crescentes em unidades de saúde e equipamentos, por exem-
nas periferias, sem infra-estrutura
DIFERENCIADAS DAS DISTINTAS
plo, têm sido realizados sem que
necessária de saneamento e habita-
ESFERAS DE GOVERNO
haja uma mobilização articulada do
ção.
CPS, redundando em ineficiência e
Observa-se a importância cres-
desperdício de recursos financeiros
cente das chamadas causas exter-
e, principalmente, em ineficácia so-
nas, expressão da violência social
cial e em baixo impacto no desen-
em suas mais diversas formas, e
te, o envelhecimento da população,
volvimento e integração (BRASIL,
das doenças crônicas não-transmis-
demandando ações e serviços espe-
2004, GALLO & COELHO, 2005).
síveis, ao lado da re-emergência e
cíficos (COHEN, 2005; PRESTON et.
permanência de doenças infecciosas
al, 2001; FERLA, 2004).
O enfrentamento desses problemas, visando à qualificação da
e parasitárias – se não como causa
Além disso, o aprofundamento
atenção e da gestão, exige estreita
de óbito, como morbidade detecta-
da descentralização do SUS gerou
sintonia entre as políticas externa,
da pelo sistema de vigilância epi-
demandas por competências de ges-
de saúde, de ciência e tecnologia,
demiológica e pelos registros de
tão novas e diferenciadas das dis-
de desenvolvimento e de integração
consulta ambulatorial e hospitalar
tintas esferas de governo, tais como:
nacional, ampliando o foco que atu-
– configurando, assim, um “mosai-
regulação de serviços, gestão estra-
almente está centralizado na assis-
co epidemiológico” de grande com-
tégica, monitoramento e avaliação,
tência, a fim de abranger o CPS
plexidade. Complexidade esta que
sistema de custos, implantação de
como um todo.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
321
GALLO, Edmundo et al
As recentes políticas de investi-
A globalização traz para a agen-
potencial contribuição do setor para
mento setorial têm procurado ado-
da dois grandes desafios: o desen-
o desenvolvimento. Um segundo
tar o conceito de desenvolvimento
volvimento soberano e sustentável,
argumento é que a saúde, pensada
aqui discutido, buscando, na defi-
que pressupõe crescimento com jus-
no contexto do Complexo Produti-
nição de suas prioridades, articu-
tiça social e manejo adequado do
vo, pode vir a ser um dos instru-
lar as distintas dimensões do CPS,
ambiente; e a construção do poder
mentos fundamentais de desenvol-
assim como atender às necessida-
global multipolar, em contraposição
vimento, assim como um dos prin-
des de enfrentamento de agravos
à hegemonia unipolar hoje preva-
prioritários e das desigualdades in-
lente.
cipais motores da integração regio-
tra e inter-regionais (BRASIL 2003,
Quanto ao primeiro desafio, o do
2004 e 2005; GALLO & COELHO,
desenvolvimento soberano e susten-
2005, DRACHLER ,2003, PELEGRI-
tável, vale rever dois argumentos
NI, 2005). Entretanto, ainda não há
relativos à importância do setor
uma agenda estratégica claramen-
econômica e tecnológica. Em outras palavras, independentemente de ser positivo ter uma política de saúde adequada, seu impacto também é estruturante tanto
te definida que sirva de suporte à
na perspectiva econômica, quanto
tomada de decisões.
DESAFIOS PARA UMA AGENDA DE SAÚDE E DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO
nal em função de sua importância
na tecnológica. É pouco provável
... INDEPENDENTEMENTE DE SER POSITIVO TER UMA POLÍTICA DE SAÚDE ADEQUADA, SEU
que um país alcance o desenvolvi-
IMPACTO TAMBÉM É ESTRUTURANT
regional e o desenvolvimento do
E TANTO NA PERSPECTIVA ECONÔMICA,
Mercosul ou da América do Sul se-
A definição de variáveis relevan-
QUANTO NA TECNOLÓGICA
tes e seu comportamento provável,
mento científico-tecnológico e, também, que o processo de integração
jam alcançadosa, sem que se considere a importância que o segmen-
em longo prazo, é condição sine qua
to tem, econômica e produtivamen-
non para a elaboração dos cenári-
te, e o seu impacto no desenvolvi-
os que contextualizarão as diferen-
mento. O segundo desafio - um projeto
tes alternativas de desenvolvimen-
saúde já apontados: em primeiro
to nacional e de integração regio-
lugar, o argumento tradicional que
nal, e também para a adoção de
destaca a saúde como um elemento
medidas governamentais, sociais e
central do desenvolvimento huma-
articula-se ao primeiro através das
empreendedoras em Saúde. Nesse
no, da eqüidade e da justiça social.
categorias desenvolvimento e mul-
sentido, busca-se situar esta discus-
Este sempre foi um dos pilares do
tipolaridade. Com efeito, o gap en-
são no contexto da globalização,
discurso do movimento sanitário
tre quaisquer indicadores de quali-
tendo como referencial dois eixos:
para justificar a importância da
dade de vida de países desenvolvi-
(a) o projeto de desenvolvimento
política de saúde: é um direito hu-
dos, em desenvolvimento e pouco
nacional e (b) o projeto de integra-
mano e é justo. Embora esse argu-
desenvolvidos, vis-à-vis a eficácia
ção regional (Mercosul, América do
mento seja correto, deve-se lembrar
da tecnologia disponível (combate
Sul e Eixo Sul-Sul).
que é insuficiente para mostrar a
a doenças, fome, escassez de água,
322 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
de integração regional (Mercosul, América do Sul e Eixo Sul-Sul) –
Saúde, Desenvolvimento e Globalização
entre outras) tem demonstrado a ne-
CONCLUSÕES
dutivos”, portanto sujeitos ao ajuste fiscal e às restrições orçamentá-
cessidade de atitudes globais mais efetivas para redução de iniqüida-
Saúde e Economia têm estabe-
rio-financeiras daí decorrentes. Nes-
des (SACHS, 2005; United Nations
lecido um diálogo inacabado no
te contexto, a saúde é tratada numa
Millennium Project, 2000 e 2005).
que refere à questão do desenvol-
dimensão estrita.
Pode-se afirmar que o Brasil está
vimento, incluindo-se o papel do Es-
No entanto, é possível tratar esta
inserido em um contexto de oportu-
tado e também sua articulação ao
questão de forma mais abrangente
processo de integração regional da
e em toda sua complexidade, con-
América do Sul. A tradição sanita-
siderando os diversos setores da
rista sempre abordou a questão do
economia e políticas institucionais
desenvolvimento a partir do olhar
envolvidos. Assim poderão ser ela-
dos determinantes sociais da saú-
boradas políticas intersetoriais ar-
de e sua relação com o capitalismo
ticuladas e direcionadas às várias
nidades devido a sua posição geopolítica, sua base tecnológica e produtiva, sua biodiversidade, geodiversidade e, no que se refere à saúde, sua estrutura jurídico-organizacional, sua experiência operacional
dimensões da produção da saúde
e sua articulação tecnopolítica.
que constituem o Complexo Produ-
Desta forma, considerando que
tivo da Saúde. Nessa perspectiva, a
a saúde se caracteriza enquanto
CONSIDERANDO QUE A SAÚDE SE CARACTERIZA
tomada de decisões deverá conside-
produção histórica – seja como con-
ENQUANTO PRODUÇÃO HISTÓRICA (...) O
rar a dinâmica da estrutura técni-
ceituação (discurso teórico), seja como possibilidade concreta de
PRIMEIRO GRANDE DESAFIO EM RELAÇÃO À
apropriação e de transformação em
INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL É
uma política (discurso prático)
ENTENDER QUAL O SIGNIFICADO DA SAÚDE
(GALLO, 1995) – o primeiro grande
PARA SEUS POVOS ...
desafio em relação à integração da
co-produtiva, pensando conjuntamente nas reformas institucionais do setor; em mecanismos de financiamento público e privado da atenção à saúde; no mercado de trabalho da área; na pesquisa e desen-
América do Sul é entender qual o
volvimento tecnológico; no desen-
significado da saúde para seus po-
volvimento industrial farmacêutico, farmoquímico, biotecnológico, imu-
vos - o que é mais complexo que o olhar particular de cada país - e qual a sua importância no âmbito da globalização. Ou seja, faz-se necessário entender como os estados naci-
enquanto forma de dominação; já a
nobiológico e de equipamentos mé-
teoria econômica liberal encarou o
dico-hospitalares, em um contexto
setor saúde como espaço de merca-
que avalie as conjunturas nacional
do de baixa regulação e elevados
e internacional.
gastos, considerando a área sem
Geopoliticamente, a perspectiva
possibilidades de inovação e de ge-
de utilização da saúde como um
rar desenvolvimento. O reflexo para
dos instrumentos de integração sul-
a política de saúde é o impacto ne-
americana foi adotada pelo gover-
ção uma determinada conjuntura
gativo na sustentabilidade dos in-
no brasileiro. Ações intersetoriais do
global. Esse seria o primeiro passo
vestimentos e a inclusão dos recur-
Ministério da Saúde, Ministério das
para a consolidação de uma agen-
sos da área no conjunto dos inves-
Relações Exteriores, Subchefia de
da estratégica comum.
timentos considerados “não- pro-
Assuntos Federativos e Ministério da
onais tematizam a saúde, e que ações tencionam adotar dentro deste contexto, levando em considera-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 315-326, set./dez. 2005
323
GALLO, Edmundo et al
Integração foram desenvolvidas,
CPS da América do Sul são possibi-
CASTRO, J. D; FERLA, A.; PELEGRI-
destacando-se a implantação do Sis-
lidades de caminhar para uma in-
NI, M. L. M. Os sistemas de saúde
tema Integrado de Saúde das Fron-
tegração efetiva dos países da re-
da Argentina, do Brasil, do Para-
teiras (SIS-Fronteiras) e a inflexão
gião, construindo as bases para um
guai e do Uruguai: organização de
na Agenda do Sub-Grupo de Traba-
Complexo Produtivo Regional vol-
estratégias de integração. Assem-
lho da Saúde do Mercosul (SGT-11),
tado para o desenvolvimento na
bléia Legislativa do Estado do Rio
que passou a investir em uma pers-
perspectiva aqui apresentada.
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SIS-Fronteiras em uma perspectiva
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metodologia para selecionar indica-
de integração real entre países; o
onal e Planejamento Regional. Pla-
dores de desigualdade em saúde
SGT-11 do Mercosul voltado para
no de Ação do GT de Programas
visando definir prioridades de polí-
uma agenda de integração concre-
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ticas públicas no Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.8 n.2
ta, especialmente na área de serviços; a coordenação das ações junto
BRASIL. Ministério da Saúde. Dire-
a organismos internacionais; polí-
toria de investimentos e projetos
ticas de investimento integradas às
estratégicos - Diretrizes de Investi-
FERLA, A.; CASTRO, J. D.; PELEGRI-
políticas industrial e externa; a in-
mentos em Saúde. Brasília: Minis-
NI, M. L. M. Racionalização dos
tensificação de parcerias com ór-
tério da Saúde. 2004.
recursos e organização de estraté-
gãos, que não somente os da saú-
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gias de integração nos fluxos inter-
de, em torno de projetos de desen-
______. Política Nacional de Ciên-
fronteiras entre os sistemas de saú-
volvimento regional voltados para
cia, tecnologia e Investimentos em
de da Argentina, do Brasil, do Para-
a integração; e a definição de uma
Saúde. Brasília: Ministério da Saú-
guai e do Uruguai: uma análise pre-
Agenda estratégica para integrar os
de. 2003.
liminar a partir da economia da saú-
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Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia1 Development and Health: in search of a new Utopia
Carlos Augusto Grabois Gadelha1
Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007
RESUMO Procura-se contribuir para uma reflexão teórica e política que subsidie a construção de uma nova agenda que permita atualizar os grandes objetivos da Reforma Sanitária brasileira no contexto contemporâneo de uma globalização fortemente assimétrica, de revolução tecnológica e de (re)colocação da situação de dependência e de atraso no campo da saúde. Discute-se as bases de um novo pacto político, social e econômico, pensando-se a retomada da perspectiva de se construir um Estado de BemEstar contemporâneo, que recupere as antigas promessas jamais implementadas e que enfrente os novos desafios para articular a saúde com um novo padrão de desenvolvimento do Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Reforma Sanitária; Complexo Produtivo e Industrial da Saúde; Globalização e Saúde.
ABSTRACT This article intends to contribute to a theoretical and political reflection to help form a new agenda enabling the main objectives of the Brazilian Health Care Reform to be revised in the contemporary context of a strongly asymmetrical globalization, a technological revolution and the (re)establishment of a state of dependence and retrogression in the field of health. The bases of a new political, social and economic pact are discussed with a view to readopting the stance to build a modern Welfare State, which would recover former promises that were never fulfilled and confront new challenges in order to organize health care with a new pattern of development in the country.
KEYWORDS: Sanitary Reform; Productive and industrial organization of health care; Globalization and Health 1
Carlos Augusto Grabois Gadelha
Vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Email: [email protected]
Este artigo constitui uma edição modificada da palestra proferida no dia 01/06/2007 no Encontro de Conjuntura e Saúde, promovido pelo Observatório de Conjuntura em Saúde da ENSP e pelo CEBES, com a finalidade de subsidiar o debate sobre o tema “Saúde e Desenvolvimento”. Apesar das idéias apresentadas serem de responsabilidade exclusiva do autor, é importante destacar a contribuição importante proveniente das atividades de pesquisa desenvolvidas com Cristiane Quental, Cristiani Vieira Machado, José Maldonado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista. 1
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
327
GADELHA, Carlos Augusto Grabois
A despeito de minha trajetória
encontrar barreiras intransponíveis
mia e das relações de poder vigen-
acadêmica recente estar ligada ao
ligadas ao nosso próprio padrão de
tes.
desenvolvimento teórico do tema do
desenvolvimento.
Esta perspectiva, a um só tem-
complexo industrial e da inovação
Em síntese, estamos numa fase
po teórica e política, parte (e procu-
em saúde, vou inserir este enfoque
em que, seguindo a perspectiva do
ra avançar) na concepção de que a
onde, de fato, ele se situa: na recu-
CEBES nesta sua nova etapa, se bus-
saúde constitui uma condição de
peração contemporânea de uma
ca motivar o debate e contribuir
cidadania, sendo parte inerente do
abordagem estruturalista e de eco-
para a revitalização do movimento
próprio conceito do desenvolvimen-
nomia política para pensar a inser-
sanitário e de uma visão crítica de
to. Não há país que possa ser con-
ção da saúde no padrão nacional
nosso país, sob o prisma da econo-
siderado como desenvolvido com a
de desenvolvimento. O objetivo cen-
mia política, não sendo pertinente
saúde precária. Nesta direção, não
tral é o de contribuir para a cons-
dar uma ‘receita’ simples e fechada
se torna necessário nenhum víncu-
trução de uma nova agenda que
para uma questão complexa do pon-
lo entre saúde e crescimento econô-
permita atualizar os grandes obje-
mico para justificar as ações uni-
tivos da reforma sanitária brasilei-
versalizantes e o gasto em saúde.
ra no contexto contemporâneo de
Isto permite ‘limpar um pouco o
uma globalização fortemente assi-
terreno’ para quem está discutindo
métrica, de revolução tecnológica e
a relação entre saúde, desenvolvi-
de (re)colocação da situação de de-
NÃO HÁ PAÍS QUE POSSA
pendência e de atraso no campo da
SER CONSIDERADO COMO
saúde. Esta perspectiva abrangente tor-
DESENVOLVIDO COM A SAÚDE PRECÁRIA
mento e estrutura econômica, procurando superar falsos e perniciosos dilemas entre uma dimensão econômica restrita e uma visão
na necessário avançar no debate
ampla da saúde como um direito,
mesmo que de modo ainda explo-
que constitui uma premissa, inclu-
ratório, pouco estruturado e com
sive ética, para pensar o desenvol-
idéias em construção e, portanto, in-
vimento.
conclusas. Todavia, entendo que ou
Para ilustrar o debate contempo-
a saúde enfrenta de frente o tema
to de vista teórico, político e insti-
râneo, dominado pela literatura eco-
nacional ou os limites do avanço
tucional.
nômica neoclássica, e apresentar a
da reforma sanitária continuarão a
As implicações desta perspecti-
forma limitada com a qual o tema
ser recolocados a cada momento de
va são enormes e impõem a neces-
saúde e desenvolvimento vem sen-
nossa história. É como se tivésse-
sidade de avançarmos na visão in-
do trabalhado pelas escolas hege-
mos chegado a um limite em que o
tersetorial da saúde, o que remete
mônicas, proponho uma visita a
país enfrenta os novos e velhos fa-
para a ampliação do escopo de nos-
alguns textos muito recentes que
tores que reproduzem um círculo
so pensamento, superando o âmbi-
tratam do tema de modo convenci-
vicioso entre dependência, atraso,
to específico, se bem que estratégi-
onal. Este trabalho incorpora, ex-
iniqüidade e uma estrutura econô-
co, da seguridade social, para tam-
plicita ou implicitamente, a saúde
mica pouco dinâmica. Os objetivos
bém incorporar a dinâmica e padrão
numa função de produção econômi-
‘setoriais’ para a saúde parecem
de transformação de nossa econo-
ca, relacionando-a como um fator
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Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia
explicativo, de maior ou menor in-
te, favorece o capital humano. Por
fosse tão funcional assim para o
tensidade, para a evolução da ren-
fim, seríamos aceitos não mais
crescimento econômico. E se os pa-
da per capita e, portanto, para o cres-
como ‘dinossauros’ da intervenção
íses pudessem crescer – como os
cimento econômico.
do Estado, mas como propulsores
casos da China ou da Índia ilustram
Este olhar panorâmico da litera-
do próprio desenvolvimento, desde
– com condições sanitárias perver-
tura recente, a meu juízo, fortalece
que nos ativéssemos a práticas efi-
sas? Ficaríamos desanimados e
o desconforto com a tradição mais
cientes e voltadas para esforços fo-
mais uma vez ‘de pires na mão’,
recente do tratamento do tema saú-
calizados nos mais necessitados e
solicitando uma lei (tupiniquim)
de e desenvolvimento pelos econo-
que não podem exercer sua liber-
dos pobres para a uma ajuda hu-
mistas. Esta tradição foi muito re-
dade em situações de vida tão pre-
manitária, ao menos para a aten-
forçada com os trabalhos de Amar-
cárias.
ção básica focalizada? O segundo
tya Sen, premiado com o Nobel de
Todavia, os termos desta percep-
risco, também grave, era de que
Economia, de que havia uma rela-
ção embutiam dois riscos que pas-
passássemos a ver o processo de de-
ção indissociável entre saúde e de-
senvolvimento como suave, sem
senvolvimento, a partir de sua re-
conflitos, sem mudanças estrutu-
lação com a própria liberdade hu-
rais, bastando que aos esforços do
mana sempre associada, na tradi-
investimento em capital físico se
ção liberal, à liberdade do exercício da escolha pelos indivíduos. No âmbito da saúde, a empol-
.. OLHAR PANORÂMICO DA LITERATURA RECENTE (...) FORTALECE O DESCONFORTO
gação foi grande e começam a sur-
COM A TRADIÇÃO MAIS RECENTE DO
gir numerosos trabalhos teóricos e
TRATAMENTO DO TEMA SAÚDE E
com forte base estatística e econométrica que incorporam a saúde da
DESENVOLVIMENTO PELOS ECONOMISTAS
acrescentasse um esforço no investimento social, e na saúde, em particular. Bastava um ‘empurrãozinho’ e os países se desenvolveriam e haveria uma grande convergência global, não fazendo mais qualquer sentido se falar em periferia, em
função de crescimento, seja como
assimetrias estruturais e em depen-
expectativa de vida, capital huma-
dência. Na boa tradição liberal, o
no, mortalidade infantil, entre ou-
mercado livre e o gasto compensa-
tras possibilidades. Parecia, enfim,
savam despercebidos por diversos
tório eficiente do Estado seriam su-
que os economistas tinham desper-
autores da área da saúde preocu-
ficientes para um padrão de inter-
tado e fizeram um ‘eureca’ para a
pados com a transformação social,
venção e de desenvolvimento sua-
área da saúde, evidenciando sua
em geral compartilhando uma vi-
ve denominado por Amartya Sen
relação com o desenvolvimento.
são política de esquerda, que em-
(2004), citando Adam Smith (o gran-
Como desdobramento, a saúde pas-
barcavam, inadvertidamente, numa
de economista liberal), como GALA
sa a ser vista como algo positivo
visão liberal da economia de mer-
(getting by with little assistance –
porque aumenta produtividade e
cado.
‘ir levando com uma pequena aju-
gera desenvolvimento econômico,
O primeiro risco refere-se à pos-
da’). Despolitizavam-se o desenvol-
não como um segmento da estrutu-
sibilidade de que começassem a
vimento e os bloqueios estruturais
ra econômica, mas apenas como
aparecer estudos com fortes ‘evidên-
que, infelizmente, não deixam de
uma área social que, indiretamen-
cias’ estatísticas de que a saúde não
afligir a periferia capitalista.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
329
GADELHA, Carlos Augusto Grabois
A literatura recente parece evi-
acentua. Provavelmente, muitos
Todavia, a despeito destes estu-
denciar estes riscos associados a
destes países estão vacinando, tem
dos recentes, o relatório produzido
esta visão liberal mais avançada (de
ajuda multilateral, conseguem im-
pela Organização Mundial da Saú-
corte ‘iluminista’) sobre a saúde e
plementar alguns programas de
de (WHO, 2001), cujo próprio título
desenvolvimento, que tanto animou
atenção básica, mas continuam po-
já indica a perspectiva adotada –
aqueles comprometidos com as re-
bres e subdesenvolvidos.
“Macroeconomia e saúde: investin-
formas sociais. Visitando alguns
Ainda nesta vertente ‘pouco oti-
do na saúde para o desenvolvimen-
artigos muito recentes de institui-
mista’, Weil (2006), num artigo em
to econômico” – continua a ser uma
ções acadêmicas ou internacionais
que agradece a colaboração de pes-
referência para o tema que, de cer-
muito respeitadas, o risco começa-
quisadores e instituições também
ta forma, poderia fornecer um alí-
va a aparecer. Deaton (2006), da
internacionalmente renomadas – Ha-
vio. Enfatiza que a saúde é um fim
Universidade de Princeton, questio-
vard, MIT, Banco Mundial, entre
em si e que, além disto, é um fator
na a relação entre a taxa de cresci-
muitas outras – efetua estimativas
favorável ao desenvolvimento eco-
mento econômico e as condições de
nômico. Neste aspecto, ressalta,
saúde, utilizando a mortalidade in-
sobretudo, regiões com condições
fantil como indicador. Conclui que,
de saúde explosivas, como a epide-
na realidade, é a educação e o contexto institucional geral que determinam tanto a taxa de crescimento quanto as condições de saúde, não havendo uma relação direta entre ambas.
A LITERATURA RECENTE PARECE EVIDENCIAR (...) RISCOS ASSOCIADOS A (...) VISÃO LIBERAL MAIS AVANÇADA (...) SOBRE A SAÚDE E DESENVOLVIMENTO, QUE TANTO ANIMOU
mia da AIDS na África Subsaariana, indicando que a carga de doenças relacionadas a esta doença é de tal envergadura que limita qualquer possibilidade de crescimento econômico e de desenvolvimento.
Um segundo artigo de autores
AQUELES COMPROMETIDOS
Esta percepção é seguida em um
do renomado MIT – instituto ameri-
COM AS REFORMAS SOCIAIS
trabalho muito recente, deste ano,
cano de excelência na área de Eco-
elaborado para o FMI. Os autores
nomia (Acemoglu & Johnson, 2006)
(HSIAO & HELLER, 2007) são da
– não encontrou nenhuma evidên-
Escola de Saúde Pública de Harvard
cia de que um aumento da expectativa de vida gera crescimento da renda per capita. Além disso, o que é importante, os autores observaram que a convergência na expectativa de vida entre os países é muito maior do que a convergência
econômicas que indicam que se forem eliminadas as diferenças nas condições de saúde entre os países, a variação (variância) da renda per capita se reduz em apenas 10%. E mais, com esta eliminação da dife-
e do próprio FMI, e voltam a enfatizar a questão do impacto da AIDS na África na economia, como se a região fosse desenvolvida antes desta doença ou tivesse alguma trajetória de desenvolvimento abortada. Este texto possui aspectos curiosos,
na renda per capita. Ou seja, os
rença das condições de saúde, a re-
países atrasados estão com a saú-
lação entre o PIB per capita entre
os macroeconomistas entendam o
de um pouquinho melhor em ter-
os 10% mais ricos e os 10% mais
que é a saúde. No receituário, colo-
mos relativos, mas a distância eco-
pobres cai de 20,5 para 17,9, o que
ca-se claramente a questão do en-
nômica se mantém ou mesmo se
é muito pouco.
frentamento das falhas de mercado,
330 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
constituindo um manual para que
Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia
que, por sua abrangência na área,
o combate a doenças de alto impac-
que transborda para nosso contex-
a tornam muito peculiar. Além dis-
to epidemiológico como a malária
to, a relação entre saúde e desen-
so, ao contrário de outros bens es-
e a AIDS.
volvimento acaba se reduzindo à
senciais, como educação, habitação
O que surpreende nestes textos é
visão de que a saúde deve ser apoi-
e alimentação, as pessoas possuem
como a agenda liberal dominante,
ada por ser um elemento constitu-
riscos e elevadas incertezas sobre o
se estudada com cuidado, tem inú-
tivo dos direitos sociais ou indivi-
futuro, decorrentes das doenças e
meros pontos de convergência com
duais básicos, ou se também gera
do envelhecimento, justificando o
a forma como o tema saúde e de-
um efeito indireto sobre o cresci-
estabelecimento de sistemas de pro-
senvolvimento – ou a relação entre
mento econômico, decorrente ape-
teção social. Por fim, neste manual
saúde e economia – vem sendo tra-
nas de sua dimensão social, impli-
aponta-se que a saúde constitui um
balhado no Brasil. Falhas de mer-
cando na melhoria das condições de
valor intrínseco para as pessoas e
cado, tecnologias de baixo custo e
vida dos trabalhadores e do ambi-
para os países.
complexidade (justificando inclusi-
ente geral para os investimentos.
Ou seja, até organismos consi-
Nesta segunda vertente, decerto, a
derados como conservadores, como
justificativa do gasto se torna mais
o FMI e representantes da hegemo-
robusta ou generosa ao incorporar
nia liberal, concordam em associar
... ENTRAMOS NA ARMADILHA DE RESTRINGIR
e justificar a saúde como uma área
O DEBATE SOBRE SAÚDE E DESENVOLVIMENTO
peculiar, cuja intervenção, focalizada, se justifica em função das falhas de mercado, do risco e da própria cidadania, além de seu impacto nas condições mais elementares
À DIMENSÃO DOS GASTOS REQUERIDOS E AO TAMANHO DO ESTADO E DO MERCADO NO PROVIMENTO DE BENS E SERVIÇOS E NO FINANCIAMENTO ...
de trabalho de certas populações e
a saúde como fator indireto de crescimento, em analogia ao que ocorre na educação. Com este referencial, entramos na armadilha de restringir o debate sobre saúde e desenvolvimento à dimensão dos gastos requeridos e ao tamanho do Estado e do Merca-
regiões. Nesta direção, também con-
do no provimento de bens e servi-
cordam com o papel distributivo do
ços e no financiamento. A agenda
Estado com foco nos mais pobres
estrutural que envolve o padrão
ou nas populações mais vulnerá-
ve o foco na atenção primária), o
nacional de desenvolvimento, a con-
veis, adicionalmente a um esforço
foco prioritário no contexto local ou
centração regional e pessoal da ren-
para tornar os gastos mais eficien-
no município e mesmo saúde um
da e a fragilidade de nossa base
tes, considerando o problema geral
direito individual são, pelo menos,
produtiva em saúde fica subsumi-
do financiamento na saúde fruto das
questões compatíveis com o ideá-
da nesta agenda ‘macro’ extrema-
mudanças demográficas e nos pa-
rio liberal dos países, instituições
mente empobrecedora, se bem que
drões epidemiológicos, entre outros
acadêmicas e organismos interna-
todos nós estejamos na luta por um
fatores. Com relação à questão tec-
cionais que fazem parte do núcleo
financiamento e um papel do Esta-
nológica, fator também central para
central da hegemonia capitalista
do compatíveis com as necessida-
o aumento dos gastos, os autores
mundial.
des de saúde como elementos essen-
propõe a utilização de tecnologias
Retomando o tema em debate, no
de baixo custo e complexidade para
escopo dos paradigmas dominantes,
ciais à consolidação de um sistema de proteção social no Brasil.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
331
GADELHA, Carlos Augusto Grabois
Belluzo (2006), ironizando a
nos termos atuais, do conhecimen-
Esta visão remete para a neces-
questão do tratamento do Estado e
to e do aprendizado, dissociados
sidade de reconstrução de nossa
do Mercado como simples alterna-
das necessidades locais.
visão sobre saúde e sobre a agenda
tivas descoladas de suas conexões
É neste campo que se dá o corte
de reforma. Pensar saúde não ape-
políticas e econômicas e sociais, faz
entre uma visão liberal e o pensa-
nas como ausência de doença e sim
o seguinte comentário que eviden-
mento desenvolvimentista em seus
como qualidade de vida – uma per-
cia o empobrecimento do debate
diversos matizes políticos e ideoló-
cepção arraigada no campo da saú-
advindo dos paradigmas dominan-
gicos. Para esta perspectiva, o tema
de coletiva –, remete para seguinte
tes em economia e, no nosso caso,
‘saúde e desenvolvimento’ deve ser
pergunta: pode-se dizer que um país
na economia da saúde:
trabalhado a partir das necessida-
e um povo pobre, dependente, desi-
des de mudanças estruturais pro-
gual, sem acesso a conhecimento,
fundas em nossa sociedade, econo-
com condições precárias de traba-
mia e política. É desta visão que se
lho e sem capacidade de aprendiza-
[...] como o senhor prefere, mais Estado ou mais mercado? Desconfio que
do, mas que venha elevando sua ex-
algumas teorias serviriam melhor como
pectativa de vida, é saudável? Eu
um guia de instrução para garçons de
acho que não. A agenda de saúde
restaurantes baratos (BELLUZZO 2006, apud VIANA et al., 2007, p.11)
Assim sendo, sugiro que a gente
A AGENDA DE SAÚDE TEM QUE SAIR DE UMA DISCUSSÃO INTRÍNSECA, INSULADA E INTRA-
não embarque nestas vertentes que
SETORIAL E ENTRAR NA DISCUSSÃO DO PADRÃO
incorporam a saúde como um fator genérico nas funções econômicas de
DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
tem que sair de uma discussão intrínseca, insulada e intra-setorial e entrar na discussão do padrão do desenvolvimento brasileiro. Ou seja, a saúde como qualidade de vida implica pensar em sua conexão estrutural com o desenvolvimento eco-
produção, se distinguindo apenas
nômico, a equidade, a sustentabili-
na forma, mais ou menos favorá-
dade ambiental e a mobilização
vel, em que a relacionam com o
política da sociedade. A saúde, nes-
crescimento econômico.
ta perspectiva, se torna parte endó-
A idéia central apresentada neste trabalho é que necessitamos repensar a saúde, retomando e atualizando uma agenda estruturalista que privilegia os fatores histórico-
torna relevante e diferenciador a necessidade de uma economia política da saúde. A grande referência neste contexto estruturalista é Cel-
gena de discussão de um modelo econômico de desenvolvimento. Aceitando esta perspectiva, proponho que, em vez de se trabalhar
so Furtado, numa (re)leitura atua-
o tema saúde de modo analitica-
lizada, uma vez que seus trabalhos
mente insulado e ver os nexos que
apontam tanto para as dimensões
tem com o crescimento econômico,
vista e colonial e a conformação de
relacionadas aos limites da estru-
procuremos associá-lo com a pró-
uma sociedade desigual – e nossa
tura produtiva quanto para a desi-
pria estratégia de desenvolvimento
inserção internacional e sua relação
gualdade pessoal e regional como
econômico-social brasileiro, à luz
com uma difusão extremamente
marca estrutural da sociedade bra-
de nossa história recente. A trajetó-
assimétrica do progresso técnico e,
sileira.
ria do desenvolvimento brasileiro no
estruturais que caracterizam nossa sociedade – nosso passado escra-
332 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia
período 1930/1980 foi uma trajetó-
zar o pensamento desenvolvimentis-
nização política e da própria socie-
ria de forte substituição de impor-
ta, a partir de Celso Furtado (2007),
dade.
tação que engendrou uma das mai-
mas que são importantes para a
2. A magnitude e a orientação
ores taxas de crescimento do mun-
nova perspectiva proposta para pen-
das inovações e da difusão do pro-
do, sendo a maior em alguns sub-
sar saúde e desenvolvimento.
gresso técnico estão na raiz dos
períodos. Duas grandes críticas ao
1. A evolução do sistema capi-
modelos nacionais de desenvolvi-
modelo de desenvolvimento adota-
talista brasileiro se associa a uma
mento. De um lado, as relações de
do se colocaram (ambas presentes
contradição entre a modernização
dependência e a hierarquização eco-
nos trabalhos de Furtado). Primei-
do sistema produtivo e a margina-
nômica e de poder entre os países
ro, a desigualdade social e regio-
lização social, caracterizando um
estão associadas, no presente, a
nal se manteve ou mesmo se acir-
padrão de desenvolvimento dual
quem detém (ou não) os conheci-
rou. Segundo, não houve uma ca-
(ALBUQUERQUE, 2007). O padrão tec-
mentos produtivos essenciais aos
pacitação tecnológica endógena ao
nológico é descolado da demanda
paradigmas tecnológicos dominan-
longo desse período. Como diriam
tes no mundo contemporâneo (tec-
os estruturalistas clássicos, o capi-
nologias de informação em bens e
talismo brasileiro não conseguia se
serviços, biotecnologia, química
sustentar sobre seus próprios pés, sendo excludente do ponto de vista social e dependente do ponto de vista do conhecimento e de sua capacidade de inovação. No âmbito da economia política está havendo todo um processo, pelo menos na academia, de recu-
NO ÂMBITO DA ECONOMIA POLÍTICA ESTÁ HAVENDO TODO UM PROCESSO, PELO MENOS NA ACADEMIA, DE RECUPERAÇÃO DO
fina, novos materiais, equipamentos, etc.). De outro lado, a transposição direta deste padrão tecnológico-produtivo, para os países da periferia, desdobra a dualidade veri-
PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA EM
ficada na arena internacional para
NOVAS BASES....
dentro das sociedades locais, reforçando a situação da desigualdade
peração do pensamento desenvolvi-
no acesso e no descompasso entre
mentista em novas bases, conside-
a estrutura da oferta e da demanda
rando as especificidades do mundo
da sociedade. Em países como o
contemporâneo. Esta preocupação
geral da sociedade, havendo uma
Brasil, esta dinâmica das inovações
se mostra totalmente compatível
estrutura produtiva funcional e ade-
e do conhecimento se acentuam e
com a tradição estruturalista que
quada para a péssima distribuição
se mostram funcionais para um ní-
refuta ou qualifica a adoção de
de renda do país. Isto causa o que
vel de desigualdade da renda mui-
modelos gerais que desconsideram
Furtado (2007) denominava como
to perverso.
o momento e a experiência históri-
um processo de causação circular
É nesta perspectiva analítica que
ca de cada processo nacional de
em que a base produtiva reforça a
se coloca a capacidade de aprendi-
desenvolvimento.2
má distribuição de renda, tendo ain-
zado e de inovação em âmbito pro-
Indicarei algumas idéias, que
da, segundo minha percepção, um
dutivo como fatores críticos para o
obviamente estão longe de sinteti-
impacto negativo no nível de orga-
desenvolvimento. Apesar do modis-
2 Tomou-se como base os artigos que constam da coletânea recente organizada por Saboia e Carvalho (2007), intitulada “Celso Furtado e o século XXI” (vide bibliografia).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
333
GADELHA, Carlos Augusto Grabois
mo que o tema envolve, não se está
farmacêutica competitiva, exporta-
ciação no sistema produtivo, gerado
discutindo inovação porque é boni-
dora, tendo, como detalhe, um povo
pela introdução de inovações tecnoló-
to, porque é moderno ou mesmo
pobre e uma sociedade estratifica-
gicas (FURTADO, 1964, apud GUI-
porque as empresas que lideram o
da e excludente e um sistema de
LLÉN, 2007, p. 143)
mercado mundial são intensivas em
saúde muito inferior ao brasileiro.
conhecimento e inovação. O que se
Definitivamente, ou a inovação está
Isto posto, o desenvolvimento
está discutindo é a dinâmica e os
incorporada na mudança do padrão
econômico constitui um processo de
rumos de um novo padrão de de-
de desenvolvimento ou perde o sen-
mudança social e envolve uma di-
senvolvimento brasileiro, remeten-
tido na perspectiva adotada.
ferenciação brutal da estrutura pro-
do, necessariamente, para pensar-
A seguinte citação de Celso Fur-
dutiva. É nesta dimensão que se
mos qual o padrão tecnológico e
tado (2007) evidencia esta percep-
coloca o tema do complexo produ-
quais os rumos e necessidades de
ção da inovação como um proces-
tivo ou industrial da saúde.3 Em
transformação na base produtiva
substância, o que se está apontan-
que uma sociedade dinâmica e me-
do é a necessidade de uma mudan-
nos desigual requer. Era esta a
ça profunda na estrutura econômi-
questão central de corte estruturalista! O avanço do Brasil no desenvolvimento com equidade envolve uma grande diferenciação do sistema produtivo (o que caracteriza a inovação) e uma forte expansão do mercado interno de massa (tema ‘dinossáurico’ para o pensamento liberal),
O AVANÇO DO BRASIL NO DESENVOLVIMENTO
ca brasileira que permita, median-
COM EQUIDADE ENVOLVE UMA GRANDE
adensar o tecido produtivo e direci-
DIFERENCIAÇÃO DO SISTEMA PRODUTIVO (...)
oná-lo para compatibilizar a estru-
E UMA FORTE EXPANSÃO DO MERCADO INTERNO DE MASSA (...) INCORPORANDO SEGMENTOS ENORMES DA POPULAÇÃO QUE ESTÃO EXCLUÍDOS
incorporando segmentos enormes
te intenso processo de inovação,
tura de oferta com a demanda social de saúde. Aqui chegamos a uma visão alternativa do vínculo entre saúde e desenvolvimento. A saúde possui uma dupla dimensão na sua rela-
da população que estão excluídos.
ção com o desenvolvimento. Numa
É óbvio que esta base nacional pode
primeira vertente, e concordando
ser uma alavanca para as exporta-
so de transformação econômica e
com o ‘consenso’ já mencionado, é
ções, o que é crítico para a autono-
social:
parte do sistema de proteção soci-
mia das políticas nacionais, inclu-
al, constituindo um direito de cida-
sive na saúde. Todavia, é necessá-
o desenvolvimento econômico pode
dania inerente ao próprio conceito
rio colocar estas dimensões em seu
ser definido como processo de mudan-
de desenvolvimento. Numa segun-
devido lugar, caso contrário conti-
ça social pelo qual o crescente número
da vertente, a base produtiva em
nuaremos repetindo ‘como papagai-
de necessidades humanas, pré-existen-
saúde – de bens e serviços – consti-
os’ que a Índia é um exemplo a ser
tes ou criadas pela própria mudança,
tui um conjunto de setores de ativi-
seguido, possuindo uma indústria
são satisfeitas através de uma diferen-
dade econômica que geram cresci-
O conceito de Complexo Industrial da Saúde (GADELHA, 2003), de fato, envolvia também a área de serviços, uma vez que esta passa a seguir o padrão industrial. Todavia, para evitar as confusões recorrentes, adotou-se o conceito de Complexo Produtivo para indicar a base de produção de bens e serviços e o de Complexo Industrial para os segmentos industriais que fazem parte do primeiro. Observe-se que são as atividades de serviços que estruturam todo o Complexo.
3
334 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia
mento e possuem uma participação
vamos no país parece estar, em gran-
o de pensar, articular e implemen-
expressiva no PIB e no emprego
de parte, descolado das necessida-
tar, a um só tempo, os princípios
(respectivamente, em torno de 8% e
des do Sistema de Saúde ou repro-
constitucionais de universalização,
de 10% nos empregos formais qua-
duzindo a desigualdade em seu in-
de equidade e de integralidade do
lificados) que podem representar
terior.
sistema de saúde com uma trans-
uma diferenciação profunda da es-
Assim sendo, as idéias que per-
formação profunda da base produ-
trutura produtiva brasileira. Esta
meiam a noção de Complexo Pro-
tiva, tendo o Complexo da Saúde
diferenciação, que representa um
dutivo da Saúde constituem um es-
como um elo forte e estratégico da
enorme esforço de inovação, é fun-
forço para costurar o elo saúde-de-
economia brasileira. Esta transfor-
damental para viabilizar o consu-
senvolvimento, retomando uma
mação implica elevar o peso dos
mo social de massa de bens e ser-
perspectiva estruturalista contempo-
segmentos produtivos de bens e
viços, contribuindo para dotar o
rânea que incorpora os dois gran-
serviços de saúde que atendem às
país de uma base produtiva ade-
des pontos frágeis de nosso modelo
demandas sociais e que incorporam
quada para uma sociedade mais equânime. Nesta direção, os anos 1990 foram uma tragédia para nossa base produtiva e de inovação em saúde em um duplo sentido. Por um lado, nos tornamos mais dependentes nos segmentos de maior densidade de conhecimento, com o déficit comer-
grande potencial de inovação e de
O DESAFIO QUE SE COLOCA PARA UM APROFUNDAMENTO DA REFORMA SANITÁRIA (...) É O DE PENSAR, ARTICULAR E IMPLEMENTAR (...) OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE UNIVERSALIZAÇÃO, DE
cial saltando de US$ 700 milhões
EQUIDADE E DE INTEGRALIDADE DO SISTEMA DE
no final dos anos 80 para mais de
SAÚDE COM UMA TRANSFORMAÇÃO PROFUNDA
US$ 4 bilhões no presente (GADELHA, 2006). Se incorporarmos outros seg-
transformação nos novos paradigmas tecnológicos. Com isto, supera-se o tratamento ‘insulado’ e setorial da saúde e o debate (restrito) em torno de sua funcionalidade para o crescimento, inserindo a área de modo endógeno no debate político sobre o padrão de desenvolvimento desejado para nosso país. Esta perspectiva pode implicar tanto na simplifica-
DA BASE PRODUTIVA
ção de diversas tecnologias utiliza-
mentos ainda não trabalhados no
das no sistema quanto em sua com-
complexo (intermediários da cadeia
de desenvolvimento: uma estrutu-
plexificação, chamando a atenção
produtiva farmacêutica, por exem-
ra produtiva pouco densa em co-
para não cairmos nas ‘armadilhas’
plo) e os pagamentos pela transfe-
nhecimento – agora a assimetria
da tecnologia apropriada, da con-
rência de tecnologia em saúde, che-
não é mais entre indústria e agri-
centração dos esforços apenas na
ga-se a um grau de dependência em
cultura, mas sim entre atividades
atenção básica e nos produtos tro-
torno de US$ 6 bilhões. Isto é uma
densas em conhecimento e ativida-
picais ou negligenciados (reconhe-
questão de saúde ao tornar nossa
des sem grande valor agregado – e
cendo-se, obviamente, a importân-
política social estruturalmente vul-
um sistema econômico e social de-
cia de todas estas áreas). Para ser-
nerável, uma vez que as assimetri-
sigual e excludente.
mos coerentes com os princípios do
as no conhecimento e na inovação
O desafio que se coloca para um
Sistema Único de Saúde (SUS) e com
não se revertem de modo fácil! Por
aprofundamento da Reforma Sani-
os requerimentos dos novos para-
outro lado, o que produzimos e ino-
tária em bases contemporâneas é
digmas tecnológicos, a definição
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
335
GADELHA, Carlos Augusto Grabois
das tecnologias estratégicas para o
zando a agenda, a escala macror-
que a divisão digital) entre os paí-
Brasil não pode permitir a segmen-
regional se mostra totalmente insu-
ses e as regiões. A saúde também
tação entre práticas sofisticadas e
ficiente para uma política nacional
tem a ver com esta questão. Todos
adequadas para alguns e práticas
de regionalização da saúde associ-
os novos paradigmas tecnológicos
‘simples’ para a maioria de nossa
ada ao desenvolvimento. A desi-
que marcam a nova assimetria glo-
população.
gualdade é, de fato, observada nas
bal se expressam de modo impor-
Esta dimensão que associa o eco-
macrorregiões – nas quais a situa-
tante na área, com destaque para a
nômico, o social e o político – ou
ção crítica são o Norte e o Nordes-
biotecnologia, a química fina, os
seja, a dimensão de economia polí-
te, mas também é gritante no inte-
novos materiais, a eletrônica e todo
tica – se aplica tanto para pensar-
rior dos estados e das regiões de-
conjunto, pouco ressaltado, de prá-
mos a desigualdade de renda entre
senvolvidas e esta situação não
ticas médicas nos serviços, altamen-
as pessoas quanto para o desenvol-
muda sem uma visão e indução
te intensivas em conhecimento, e
vimento regional (mais uma vez,
nacional. Ou será que o noroeste
com vínculos precários com uma
esta questão estava na agenda prio-
fluminense, o Vale do Ribeira, o oes-
nova estratégia de desenvolvimen-
ritária de Celso Furtado). Se pensar-
te do Paraná, o Vale do Jequitinho-
to centrada na equidade.
mos a regionalização da saúde a par-
nha e a metade sul do Rio Grande
Para dar uma idéia da dimensão
tir configuração da rede do serviço
do Sul ficam no Norte e no Nordes-
desta questão, a saúde é a área
de saúde no território brasileiro,
te? Se saúde está relacionada ao de-
mundial que concentra os maiores
cuja estrutura de oferta ‘congela’ o
senvolvimento da forma estrutural
esforços em pesquisa e desenvolvi-
padrão desigual da atenção à saú-
proposta, a dimensão territorial se
mento do mundo, em conjunto com
de, coloca-se a necessidade de se pen-
mostra crítica e endógena ao padrão
o Complexo Industrial Militar. O le-
sar uma estruturação da base pro-
nacional, sendo ponto de partida e
vantamento efetuado pelo Fórum de
dutiva de serviços que não seja re-
um dos elementos-chave de sua
Pesquisa Global em Saúde indica
produtora de desigualdades. Mais
transformação.
que ela responde isoladamente por
4
uma vez, ‘por dentro’ da questão
Voltando à dimensão mais ge-
20% de toda despesa mundial com
geral do desenvolvimento (em sua
ral das questões colocadas na agen-
pesquisa e desenvolvimento tecno-
dimensão territorial) a saúde ‘mos-
da nacional de desenvolvimento,
lógico (US$ 135 bilhões em valores
tra sua face’ como parte do modelo
avançar em saúde é também enfren-
atualizados), sendo que apenas en-
histórico adotado.
tar o hiato da sociedade do conhe-
tre 3% e 4% são realizadas nos paí-
Não somos apenas atrasados
cimento. Há autores brasileiros,
ses de média e baixa renda per ca-
frente aos países desenvolvidos, so-
como José Cassiolato e Helena Las-
pita. Ou seja, a questão geral que
mos um país com desigualdades
tres Instituto de Economia da UFRJ,
divide hoje as nações entre o mun-
regionais internas das mais expres-
que indagam se estamos na socie-
do desenvolvido e os ‘outros mun-
sivas do mundo. Isto implica em
dade do conhecimento ou na socie-
dos’ se expressa de forma ultra re-
alterar, via política de investimen-
dade da ignorância, porque há uma
levante na área da saúde, eviden-
tos, a estruturação espacial de nos-
grande divisão nos potenciais de
ciando que somos parte não autô-
sa base produtiva. E mais, atuali-
aprendizado (muito mais forte do
noma de um determinado modelo.
O tema da regionalização da saúde está sendo trabalhado com mais detalhe num artigo em conjunto com Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista, fruto de um trabalho efetuado para o CGEE e para o Ministério do Planejamento sobre 4
336 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia
Do ponto de vista da organiza-
existem e se refletem na saúde, tan-
das por novas utopias e projetos de
ção política da sociedade para um
to em sua dimensão política e soci-
país. Na realidade, após a crise do
novo modelo, que necessariamente
al quanto em sua dimensão econô-
padrão de desenvolvimento do pós-
envolve interesses e lutas por po-
mica. Mais ainda, no âmbito de um
guerra e das experiências neolibe-
der na relação entre as pessoas e
novo modelo de desenvolvimento,
riais na política nacional, o momen-
grupos sociais e no território, a saú-
a saúde constitui uma das ativida-
to se mostra adequado para se re-
de também possui um vínculo in-
des em que é possível – se bem que
colocar as bases de um novo pacto
trínseco. A organização política da
não necessariamente – articular a
político, social e econômico, pensan-
saúde tanto reflete e reforça as de-
busca de equidade social e regio-
do-se a retomada da perspectiva de
sigualdades existentes quanto cons-
nal com o dinamismo econômico no
se construir um Estado de Bem-Es-
titui um espaço estratégico de for-
longo prazo, que caracterizam o
tar contemporâneo no Brasil, que re-
talecimento da organização da so-
cupere as antigas promessas jamais
ciedade, sendo notório seu potenci-
implementadas e que enfrente os
al para gerar participação democrá-
novos desafios.
tica e arranjos sociais com potencial transformador. Concluindo, articular saúde e desenvolvimento ‘pra valer’ remete para a necessidade de pensar o pa-
Este texto de Celso Furtado
... ARTICULAR SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ‘PRA VALER’ REMETE PARA A NECESSIDADE DE
drão geral de desenvolvimento bra-
PENSAR O PADRÃO GERAL DE
sileiro e como ele se expressa e se
DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO E COMO ELE SE
reproduz no âmbito da saúde. Isto não constitui uma perda de foco sobre o tema saúde, mas sim reco-
(2004, apud SABOIA, 2007) permite expressar, com seu brilhantismo, a perspectiva adotada: Forçar um país que ainda não atendeu às necessidades mínimas de grande parte da população a paralisar seto-
EXPRESSA E SE REPRODUZ
res mais modernos em economia, a con-
NO ÂMBITO DA SAÚDE
gelar investimentos em áreas básicas
nhecer que somos parte de um de-
como saúde, educação, para que se cum-
terminado sistema capitalista, de
pram metas de ajustamentos de balan-
um país periférico e dependente e
ça de pagamento impostas por benefi-
com uma estrutura social e econô-
processo de desenvolvimento de um
ciários das altas taxas de juros, é algo
mica desigual e com fragilidades
ponto de vista substantivo.
que escapa a qualquer racionalidade
estruturais marcantes.
Talvez a gente esteja numa fase
Compreende-se que esses beneficiários
Com esta perspectiva, podemos
de construção de uma nova utopia
defendam seus interesses. O que não se
entrar no debate nacional sobre o
sobre um novo modelo de desenvol-
compreende é como nós mesmos não de-
desenvolvimento não como pedin-
vimento. As novas propostas sobre
fendamos com idêntico empenho o di-
tes, que, em troca, dizem, ‘saúde é
o desenvolvimento estão muito ca-
reito de desenvolver o País... A experi-
bom para o crescimento e no final
ladas ou tímidas. Sabemos que tudo
ência nos ensinou amplamente que, se
vai dar retorno’. Ao contrário, pro-
isto aqui é muito difícil, distante,
não se atacam de frente os problemas
põe-se assumir que somos parte
mas é preciso. Torna-se necessário
fundamentais, o esforço de acumula-
deste processo e as perspectivas de
que as energias mobilizadoras da
ção tende a reproduzir, agravado, o
transformação nacional também
sociedade brasileira sejam motiva-
mau-desenvolvimento. Em contrapar-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 327-338, set./dez. 2005
337
GADELHA, Carlos Augusto Grabois
tida, se conseguirmos satisfazer essa
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ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação To regulate the EC nº 29, to improve the management model and realize the universality with integrality, equity and participation.
Nelson Rodrigues dos Santos1
RESUMO Este artigo aborda o significado do PLP 01/2003, substitutivo “Guilherme Menezes” de regulamentação da EC-29 de propor o atrelamento indivi-
Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007
sível entre a imprescindível elevação do financiamento federal e cumprimento do estadual e municipal, ao imprescindível salto de qualidade nos modelos de gestão, gerência e estrutura dos gastos. Por fim, formula-se uma proposta viabilizadora, com atenuação na prática, do impacto financeiro nos gastos federais. PALAVRAS-CHAVE: Financiamento Público em saúde, Gestão Pública em Saúde e Política Pública em Saúde.
ABSTRACT This paper discusses the significance of Bill n.º 1/2003, known as the “Guilherme Menezes” replacement of the EC-29 regulation, which proposes an indivisible binding between the essential rise in federal government funding and the compliance of state and city governments, and the indispensable improvement in the quality of the management systems, administration and structure for spending. In conclusion, a proposal is formu1
Professor colaborador do Departamento
de Medicina Preventiva e Social da UNI-
lated which would attenuate the practical financial impact this would have on federal spending.
CAMP e Ex-assessor do Gabinete do Ministro da Saúde.
KEYWORDS: Public Funding in Health Care, Public Administration of Health
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Care; Public Policy in Health Care
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
339
SANTOS, Nelson Rodrigues dos
APRESENTAÇÃO
seqüenciar medidas desvinculatóri-
mento mínimo de 30% do OSS, sufi-
as e restritivas no âmbito do SUS,
ciente para avançar na sua efetiva-
Este texto é uma exposição de
do Orçamento da Seguridade Social
ção, tendo como base de cálculo o
motivos com a pretensão de subsi-
(OSS) e da própria Seguridade Soci-
crescimento populacional, a incor-
diar, com consistência e didática, as
al.
poração tecnológica, a correção in-
discussões para fundamentação da
O PRIMEIRO LADO DO CONFLI-
flacionária da saúde, e as mudan-
votação da regulamentação da
TO – é a conquista da sociedade bra-
Emenda Constitucional n.29 (EC-29),
sileira que se mobilizou na Assem-
O SEGUNDO LADO DO CONFLITO
que trata do financiamento do Sis-
bléia Nacional Constituinte (1987/
– é o grave subfinanciamento que
tema Único de Saúde (SUS). Pouco
1988), garantindo no Capítulo da
vem levando os Gestores dos SUS à
inova e mais consolida as aborda-
Seguridade Social os direitos soci-
exaustão, principalmente os estadu-
gens amplamente debatidas desde
ais à saúde, previdência e assistên-
ais e municipais. A retração do in-
a aprovação da EC-29 no ano de
cia social, e aprovou orçamento
vestimento em saúde por parte do
ças dos modelos de gestão.
2000, em parte referida nos docu-
governo federal implica em maior
mentos de apoio apresentados a se-
aporte de recursos por parte dos
guir, em ordem cronológica, que por
estados e municípios para o setor
si inferem o exaustivo e perseveran-
saúde. O dilema do financiamento
te esforço da sociedade em busca
se agrava com a atenção universal:
do direito social à saúde. A inovação, exposta na última parte, consta de proposta de atenuação do im-
A FRAGILIDADE DO BRASIL SE REVELA AO COMPARARMOS OS GASTOS PÚBLICOS COM SAÚDE COM OUTROS PAÍSES
pacto financeiro na atual situação
mais de 75% da população brasileira usuária exclusiva do SUS, e menos de 25%, usuários não exclusivos, consumidores de planos priva-
macroeconômica da União, sem re-
dos de saúde, que utilizam os ser-
dução dos montantes previstos na
viços do SUS em imunizações, ações
proposta de regulamentação, dos
de vigilância epidemiológica e sa-
quais depende a própria construção
nitária, exames e tratamentos mais
do SUS.
sofisticados e de alto custo, como
O CONFLITO
suficiente para assegurar a realiza-
transplantes, terapia renal substitu-
ção dos mesmos, aos moldes das
tiva, controle e tratamento de HIV/
sociedades mais desenvolvidas e
AIDS, medicamentos de alto custo,
civilizadas, reconhecendo a neces-
entre outros.
Foi estabelecido no momento em
sidade de sua implementação gra-
A fragilidade do Brasil se revela
que a área econômica do Governo
dativa, com prioridades e etapas a
ao compararmos os gastos públi-
Federal definiu, a partir de 1990, não
serem pactuadas. Assim, ficaram
cos com saúde com outros países.
destinar ao Sistema Único de Saú-
consagrados para o SUS, os princí-
Nossos U$ 150 a 200 por habitante-
de, o mínimo de 30% dos recursos
pios da Universalidade, Eqüidade e
ano correspondem por volta da me-
do Orçamento da Seguridade Soci-
Integralidade, Descentralização,
tade do que gasta a Argentina, Uru-
al, conforme indicado no ADCT da
Regionalização e Participação, e
guai, Costa Rica e Panamá, e pouco
Constituição Federal, e, a seguir,
também, a indicação do financia-
mais de 10% em relação ao Canadá,
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Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
países europeus, Japão, Austrália e
e) a desobrigação da esfera fe-
tre 1995 e 2005, caiu de US$ 85,7
outros, cuja média é de US$ 1.400
deral do cálculo da contrapartida
para US$ 77,4 per capita, a soma
públicos por habitante-ano. Nestes
baseada em % sobre a base orça-
das contrapartidas estaduais e mu-
países, os recursos públicos signi-
mentária, critério imposto aos es-
nicipais, entre 2000 e 2005, cresceu
ficam no mínimo 70% dos gastos
tados (mínimo de 12%) e municípi-
de US$ 44,1 para US$ 75,5 per ca-
totais com saúde, enquanto aqui
os (mínimo de 15%) por ocasião da
pita;
não ultrapassam 45%, correspon-
negociação para a aprovação da EC-
dendo a somente 3,2% do PIB. Da-
29 em 2000;
deral no financiamento do SUS caiu
dos da Organização Mundial de Saú-
f) a tenaz resistência da área eco-
de mostram que os serviços públi-
nômica, desde 2003, à discussão e
cos de saúde representam um gas-
aprovação pelo Congresso Nacional
to entre 6 e 8% do PIB nos países
da regulamentação da EC-29.
com melhores sistemas de saúde,
seguintes pontos: a) a não-implementação da Seguridade Social preconizada na Constituição, com a efetivação de 30% do OSS para a saúde;
... ACONTECEU A DESASTROSA PRECARIZAÇÃO DA GESTÃO DO PESSOAL DE SAÚDE (...), SENDO QUASE TUDO SUBSTITUÍDO POR
ríodo; somente entre 2000 e 2004,
d) aconteceu a desastrosa precarização da gestão do pessoal de saúde no ingresso e carreira pública, na remuneração, na capacitação e distribuição com base nas necessidades e direitos de saúde da po-
POSSIBILIDADES E INTERESSES DE CADA
pulação, sendo quase tudo substi-
MOMENTO ...
e ao sabor das possibilidades e in-
tuído por terceirizações aleatórias teresses de cada momento, e do
fonte do OSS (recolhimento em fo-
mercado, redundando altíssima e
lha) em 1993, quebrando o SUS e mo ao FAT/MT;
39,3% para 50,4%, neste mesmo pe-
TERCEIRIZAÇÕES ALEATÓRIAS E AO SABOR DAS
b) a retirada arbitrária da maior
obrigando o MS contrair emprésti-
estaduais e municipais cresceu de
10%;
cial à Saúde.
1990 até o momento, se revela nos
2004, a soma das contrapartidas
saúde reduziram-se em cerca de
Estado no Brasil com o Direito So-
no Federal com o setor saúde, de
de 63,8% para 49,6% entre 1995 e
os gastos relativos federais com
revelando o tênue compromisso do
O baixo compromisso do Gover-
c) enquanto a contrapartida fe-
Do baixo compromisso acima pontuado vem decorrendo:
incontrolável rotatividade de pessoal técnico e especialmente de nível superior, concentrada na medicina
c) retirada de outras fontes do
a) enquanto a relação das recei-
especializada assistencial, no su-
MS, em 1996, quando a CPMF foi
tas correntes da União com o PIB,
porte técnico da gestão e até nos
aprovada para o SUS, mas utiliza-
entre 1995 e 2004, cresceu de 19,7%
poucos médicos generalistas ade-
da para outros fins;
para 26,7%, nesse mesmo prazo, a
quadamente preparados. No Minis-
d) a prática da área econômica
relação do gasto do MS com as des-
tério da Saúde restam pouco mais
de impor o tríplice contingenciamen-
pesas correntes caiu de 8,12 para
de 25% de servidores no quadro do
to na execução orçamentária do MS:
7,2%, tendência que prossegue;
pessoal, concentrados nas ativida-
no empenho, na liberação e na liquidação/restos a pagar;
b) enquanto a contrapartida fe-
des burocráticas e administrativas,
deral no financiamento do SUS, en-
sendo o restante, o festival da mas-
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341
SANTOS, Nelson Rodrigues dos
sa de cargos de comissão e confi-
- 150 milhões de vacinas,
res de AIDS, no Programa Nacional
ança, e técnicos terceirizados, fra-
- 12 mil transplantes,
de Imunização (PNI), nos transplan-
gilizando o desenvolvimento da
- 1,3 milhão de tomografias,
tes de tecidos e órgãos, na redução
missão institucional e influenciando negativamente a composição do quadro do pessoal das secretarias estaduais e municipais.
- 23 milhões de ações de vigilância sanitária, etc. Gestores, prestadores de serviços e trabalhadores de saúde “tiram água das pedras” e fazem aconte-
CONSEQÜÊNCIAS NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS a) Os gestores do SUS e traba-
cer a política pública de maior inclusão social existente no Brasil. Muitas experiências e projetos exitosos são mostrados nacionalmen-
lhadores de saúde tentam efetivar a
fase na municipalização, e mesmo premidos pela incontornável pressão de demanda, apresentam sur-
GESTORES, PRESTADORES DE SERVIÇOS E TRABALHADORES DE SAÚDE “ TIRAM ÁGUA DE PEDRA” E FAZEM ACONTECER A POLÍTICA PÚBLICA DE MAIOR INCLUSÃO SOCIAL ...
- 360 milhões de exames,
aquém do necessário para efetivação de serviços de qualidade, isto é, bem abaixo do custo do serviço, o mesmo acontecendo com mais de
repasses federais aos estados e municípios permanecem limitados por tetos financeiros muito baixos, e historicamente dispersos em quase 130 fragmentos negociados um a um, cuja revisão aconteceu só
ção do Pacto pela Vida 2006;
- 1,3 bilhão de atendimentos básicos,
- 212 milhões de ações odontológicas,
pelos serviços de saúde estão bem
cos de Financiamento, após a cria-
a produção de 2006:
- 600 milhões de consultas,
b) os valores remuneratórios
agora com a implantação dos Blo-
preendente eficiência, como atesta
- 1,2 bilhão de procedimentos especializados,
as patologias, etc.
predominante de pagamento); os
a produtividade, a produção e a
cípio da descentralização com ên-
custo, na desospitalização de vári-
pagamento por produção (forma
versalidade, elevando como nunca
base no pleno cumprimento do prin-
cimento de medicamentos de alto
90% dos procedimentos da tabela de
qualquer custo o princípio da uni-
cobertura das ações e serviços, com
da mortalidade infantil, no forne-
c) os trabalhadores de saúde e te, sendo a maioria de caráter local
os prestadores de serviços, freqüen-
ou municipal, não conseguindo
temente valem-se de ‘táticas de so-
aplicação/sustentabilidade regio-
brevivência’, que vão desde baixa
nal, estadual e na maioria dos mu-
assiduidade, descumprimento de
nicípios. Em situações especiais,
jornadas, alta rotatividade empre-
quando são alocados recursos mi-
gatícia, até a multiplicação de dis-
nimamente suficientes e contínuos,
torções da oferta de serviços, gera-
- 11 milhões de ultra-sonografias,
o SUS revela de pronto sua compe-
da por interesses de mercado, como
- 11,8 milhões de internações,
tência e qualidade e mostra resul-
pagamentos ‘por fora’ e ‘segunda
- 3,1 milhões de cirurgias, sendo 141 mil cirurgias cardíacas,
tados surpreendentes como na aten-
porta’ em hospitais públicos terciá-
ção integral à saúde dos portado-
rios para particulares e planos
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Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
privados; a situação real explica es-
do subfinanciamento, da precariza-
sas táticas mas não as justifica en-
ção do trabalho e da exaustão dos
quanto mais uma subversão do di-
gestores;
reito do usuário à saúde;
O SIGNIFICADO DO SUBSTITUTIVO “GUILHERME MENEZES” NA REGULAMENTAÇÃO DE EC-29
f) a produção de serviços apre-
d) os próprios gestores são mui-
sentada carrega inaceitáveis percen-
a) Incorpora os PLP n.01/2003 do
tas vezes compelidos a ‘táticas de
tuais de ações evitáveis e desneces-
Dep. Roberto Gouveia, n.159/2004
sobrevivência’, nada financiando
sárias, conseqüência de modelo ina-
do Dep. Geraldo Rezende e n.181/
além do mínimo (União e estados), ou mesmo descumprindo o mínimo (a maior parte dos estados), desonerando-se ao desviar demandas
dequado, centrado nas urgências do atendimento em detrimento da proteção contra riscos e danos à saúde
(municípios vizinhos, município-
e diagnóstico precoce das doenças,
estado e estado-município). Outro
porcentuais estes agravados pela
importante fator de oneração do SUS
res, pagamento de inativos e outros. A última e crescente oneração sobre o SUS é a demanda de consumi-
b) Aprimorado e aprovado nas Comissões da Câmara dos Deputados: Seguridade Social e Família em 11.08.04, Finanças e Tributação em Cidadania em 29.09.05;
despesas como Bolsa-Família na tação, planos privados de servido-
últimos apensados ao primeiro;
10.11.04, e Constituição, Justiça e
é a inclusão nos Fundos de Saúde, União, saneamento básico, alimen-
2004, do Dep. Rafael Guerra, os dois
... A ESTRUTURAÇÃO DOS MODELOS DE ATENÇÃO E DE GESTÃO NA SAÚDE, COM BASE NAS NECESSIDADES E DIREITOS DA POPULAÇÃO,
c) Contempla o igualamento dos critérios de cálculo das contrapartidas das três esferas de Governo no financiamento do SUS, conforme estampado no art.6, § 2º e 3º da EC-
ESTÁ SENDO SUBSTITUÍDA PELO
29, incorporados no Art. 198 da
de por serviços do SUS, principal-
INCREMENTALISMO DA PRODUTIVIDADE EM
Constituição, que explicita inequi-
mente de alta complexidade, não
ASSISTÊNCIA A DEMANDA ESPONTÂNEA
dores dos planos privados de saú-
restituídos pelas operadoras e sem
a ser definido em Lei Complemen-
cípios da integralidade e equidade; também aqui se explica, mas não
baixa resolutividade, estrutura de
se justifica, essas subversões do
trabalho deficiente, baixa capacita-
direito do usuário à saúde;
ção profissional e conduta ética
delo assistencial centrado na regionalização, indutora da integralidade regulada com equidade, economia de escala, melhoria do acesso
três esferas, de porcentuais para cálculo, no caso da esfera federal,
qualquer regramento à luz dos prin-
e) o desafio de construir o mo-
vocadamente a prescrição para as
duvidosa; g) em regra, a estruturação dos modelos de atenção e de gestão na saúde, com base nas necessidades
tar (ver art. 5º ao 10º do PLP); d) Dispõe criteriosamente sobre o rateio dos recursos repassados, com base nas necessidades da população e nos princípios da integralidade, eqüidade e regionalização, e sobre o planejamento ascendente, metas e custos (ver art. 17º a 27º);
e da eficiência, tem sua implanta-
e direitos da população, está sendo
e) Amplia e aprofunda os meca-
ção ainda incipiente frente às gra-
substituída pelo incrementalismo
nismos de avaliação, controle e fis-
ves barreiras do papel indutor do
da produtividade em assistência a
calização, aclarando os papéis dos
Estado e as crises não superadas
demanda espontânea.
conselhos de saúde, do Legislativo,
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SANTOS, Nelson Rodrigues dos
dos Tribunais de Contas e do Minis-
confiabilidades e pactuações de oti-
Saneamento, Trabalho, Meio Ambi-
tério Público (ver art. 28º a 37º);
mização dos gastos entre as três
ente, Infra-estrutura do Desenvolvi-
f) Regulamenta e aclara a apli-
esferas de Governo e delas com a
mento e outras.
cação dos art. 2º ao 7º da Lei
sociedade, incluindo resgate dos
n.8080/90, tornando inequívoco o
recursos crescentes, ao contrário da
que são serviços públicos de saúde
atual imposição de ‘Teto’ aos recur-
financiados pelos orçamentos públi-
sos mínimos legais. É a proposta
cos, e o que são serviços referentes
que mais garante a reversão da re-
a fatores determinantes e condicio-
tração dos gastos federais, referida
nantes da saúde (saneamento, ali-
na Parte II – O Conflito.
A ATUAL SITUAÇÃO MACROECONÔMICA DA NAÇÃO E O MEMORIAL DAS SECRETARIAS ESTADUAIS DE FAZENDA (CONFAZ) Os secretários estaduais de Fa-
mentação, serviço social, planos
i) Apesar de ainda insuficiente,
zenda, organizados no CONFAZ, divul-
privados de servidores, pagamento
este acréscimo pode causar uma
garam em fevereiro de 2007 memo-
de inativos, etc.) de responsabilida-
primeira impressão de ‘além do es-
rial propondo alterações no Substi-
de orçamentária de outros setores,
tutivo “Guilherme Menezes”, basi-
mas que vêm onerando crescente-
camente na:
mente o SUS e tergiversando a interpretação da Lei n.8080/1990 (ver art. 2º ao 4º); g) Reconhece e define as comissões Intergestores Tripartite e Bipartites, e o Sistema de Informações dos Orçamentos Públicos de Saúde (ver art. 25º a 37º e 40º);
• redução da contrapartida es-
OS SECRETÁRIOS ESTADUAIS DE FAZENDA, ORGANIZADOS NO CONFAZ, DIVULGARAM EM FEVEREIRO DE 2007 MEMORIAL PROPONDO ALTERAÇÕES NO SUBSTITUTIVO “GUILHERME MENEZES”...
tadual no financiamento do SUS de 12 para 10% de produto da arrecadação dos impostos, conforme disposto na EC-29, • e a inclusão de nove serviços vinculados a outros setores, para serem remunerados pelo SUS (ex.:
h) Estimativas da aplicação em
saneamento, inativos, planos priva-
2007, dos 10% da receita federal
dos de servidores, entidades priva-
bruta, sem aplicar a DRU, e sem
das de pesquisa, serviço social,
contingenciamentos, estão por vol-
hospitais universitários, edificações
ta de R$ 65,24 bilhões, que repre-
perado ou cabível’, devido à insidi-
de unidades de saúde privadas, saú-
sentam R$ 19,5 bilhões a mais que
osa e paulatina redução das expec-
de penitenciária, etc.), todos eles
os R$ 45,80 bilhões aprovados no
tativas, desde 1990, imposta e in-
orçamentados nos respectivos seto-
orçamento de 2007. Este acréscimo,
trojetada nos formadores de opinião,
res por determinação constitucional,
vertido para US$ per capita, signi-
pela área econômica e o ‘marketing’
da Lei n.8080/90 e legislação espe-
ficará a evolução da atual faixa de
mercadológico, ao descolar cresci-
cífica.
US$ 150/200 per capita, para a de
mento dos orçamentos públicos de
Antes de me posicionar sobre esta
US$ 250/300, ainda insuficiente
saúde, do crescimento das receitas
proposta e encaminhar uma saída,
para a viabilização do SUS, mas
públicas correntes brutas. O que,
é importante contextualizá-la:
apontando, junto aos demais avan-
desastrosamente aconteceu com
a) a partir de 1990 foi organiza-
ços constantes na regulamentação,
outras políticas públicas: Educa-
da a ‘financeirização dos orçamen-
para novo patamar de esperanças,
ção, Habitação, Segurança Pública,
tos públicos’, constando de:
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Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
• pronunciada elevação da ar-
o crescimento geométrico da dívida
to produtivo, o rendimento médio
recadação e receita federal, inclu-
pública, e justificado pela corrente
real dos trabalhadores cai continu-
indo a recentralização federal da
monetarista da área econômica do
amente, assim como cai a porcen-
arrecadação nas três esferas, hoje
Governo, como de curtíssimo pra-
tagem da massa salarial na forma-
próxima ao nível pré-constitucional;
zo, para golpear a inflação. O cres-
ção da renda nacional; tudo presi-
• desvinculação de 20% das re-
cimento e fortalecimento de uma
dido pela permanência pouco justi-
‘nova classe’ de credores/rentistas
ficada e debatida, aberta e demo-
• tríplice contingenciamento na
da crescente dívida pública, cujos
craticamente, de taxa de juros por
execução orçamentária dos setores
juros anuais estão por volta de R$
volta do dobro da praticada nos
sociais e de infra-estrutura;
170 bilhões, vêm perpetuando esse
países desenvolvidos e em desenvol-
• retração da contrapartida fe-
modelo e já concentram o seu usu-
vimento, e taxa de crescimento anu-
deral no financiamento de políticas
fruto: 75% desses juros vão para 20
al do PIB por volta da metade da
públicas;
mil famílias de credores/rentistas.
verificada nesses países.
ceitas da União (DRU);
• redução dos gastos com a fo-
d) Se for observado somente o
lha de servidores; • terceirizações aleatórias; • estagnação ou retração dos orçamentos na área social e de infra-estrutura; • retração do campo das responsabilidades de Estado; • ‘Cláusula pétrea’, vínculo sem discussão, no pagamento dos juros, taxas de risco e do refinanciamento
comportamento dos governos, des-
SE FOR OBSERVADO SOMENTE O COMPORTAMENTO DOS GOVERNOS, DESDE 1990 (...)ELES VÊM OPERANDO COM PODER DISCRICIONÁRIO AUTO-INVESTIDO, AO LARGO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL CONSCIENTE, DA SOCIEDADE E DO PRÓPRIO LEGISLATIVO
da dívida pública;
de 1990, sem olhar para a Sociedade, o Estado e a Nação, eles vêm operando com poder discricionário auto-investido, ao largo da participação social consciente, da sociedade e do próprio Legislativo. e) A ‘financeirização dos orçamentos públicos’ no bojo deste modelo vem levando os governadores e prefeitos, ano a ano, a crescente
• aplicação inflexível da Lei de
instabilidade e tensão imposta pela
Responsabilidade Fiscal no tocante
limitação orçamentária ao exercício
à folha de servidores dos setores
c) A corrente monetarista da área
das responsabilidades de governo
sociais em expansão com a descen-
econômica assume a hegemonia,
para com o processo produtivo e
tralização, e transferência de res-
tornando os governos reféns do cres-
direitos sociais das respectivas po-
ponsabilidades federais e estaduais,
cimento, também hegemônico, do
pulações. É a crise na governança
sem regulamentação nem revisão.
capital financeiro. A Nação, envol-
e na governabilidade no conceito
b) A ‘financeirização dos orça-
vida nesse modelo, vive o desloca-
das Ciências Políticas. É o sufoco
mentos públicos’ ocorreu no bojo da
mento ininterrupto de recursos bili-
sem saídas legais ou com pseudo-
adoção pela União, a partir de 1990,
onários do processo produtivo e dos
saídas informais, irregulares ou
do modelo de ajuste da pressão in-
direitos sociais, para a acumulação
mesmo ilegais, como as ‘táticas de
flacionária, concentrado na intensa
financeira e bancária: no setor em-
sobrevivência’ e as desonerações
e contínua elevação da taxa de ju-
presarial, as aplicações financeiras
exemplificadas na Parte III (itens c
ros, sem qualquer proteção contra
vêm ganhando longe do investimen-
e d). A proposta do memorial dos
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SANTOS, Nelson Rodrigues dos
secretários de Fazenda insere-se nes-
os Exmos. Governadores, a inicia-
Ambiente e outros, e dos setores
se contexto, exacerbando além do
tiva de convocação de uma oficina
sociais entre si.
que até agora vem sendo feito, a tí-
analítica e propositiva entre o CON-
tulo de sobrevivência e desonera-
FAZ,
ção. É a autofagia entre as unida-
Secretários Estaduais de Saúde) e o
des institucionais e orçamentárias
CONASEMS (Conselho Nacional de Se-
de um ‘varejo’ duramente sucatea-
cretárias Municipais de Saúde), com
do por um ‘atacado’ até agora frio,
participação dos presidentes das
inclemente e todo poderoso. O me-
comissões de saúde das Assembléi-
morial é estruturalmente equivoca-
as Legislativas, dos presidentes dos
do: não soluciona, por si, as travas
Conselhos dos Secretários Munici-
Seguem os passos dados na for-
na governança e governabilidade, e
pais de Saúde (COSEMS), dos presi-
mulação, e a proposta, apenas es-
avança no aniquilamento do SUS.
dentes dos Conselhos Estaduais de
quematizada, deixa o necessário
o CONASS (Conselho Nacional de
UMA PROPOSTA X ESTRATÉGICA NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS FEDERAIS CORRESPONDENTES À DIFERENÇA ENTRE OS CÁLCULOS PRÉ E PÓS-REGULAMENTAÇÃO
A proposta de encaminhamento
aclaramento e detalhamento para a
de uma saída ao memorial do CON-
riqueza da participação dos deba-
deve estar na lógica de um en-
tes, por ex., o conceito e prática de
caminhamento maior de saídas para
‘Integralidade Regulada’ e de ‘Re-
FAZ
a governança e governabilidade dos estados, DF e municípios, e para a própria União, calcadas em profunda, ampla e democrática revisão, pela Sociedade e Nação, da sua re-
O MEMORIAL É ESTRUTURALMENTE EQUIVOCADO: NÃO SOLUCIONA, POR SI, AS TRAVAS NA GOVERNANÇA E GOVERNABILIDADE, E AVANÇA NO ANIQUILAMENTO DO SUS
gionalização Cooperativa e Solidária’: a) se o subfinanciamento e precarização da gestão do pessoal de saúde vêm levando às conseqüên-
lação com o Estado, reapropriando-
cias negativas exemplificadas na
o para si, como começava a acon-
Parte III, a reversão dessas duas
tecer nos anos 1980. Apenas come-
causas, ainda que gradativa, deve-
çava!
rá incidir estrategicamente no res-
Elementos estruturais constari-
gate da equidade, integralidade e
am na base dessa revisão, como o
Saúde, de representantes da Asso-
regionalização para o centro da
sistema Tributário e Fiscal, a pro-
ciação dos Membros dos Tribunais
construção dos novos modelos, isto
teção da dívida pública contra ju-
de Contas (ATRICON) e da Associação
é, para a estrutura básica da cons-
ros altos, a queda dos juros, as Leis
Brasileira de Economia de Saúde
trução do SUS. Sendo que a descen-
da Responsabilidade Fiscal e Soci-
(ABRES)
tralização /municipalização avan-
al, a desprecarização da gestão dos
Esta oficina (ou seminário) de-
çaram bastante, está mais que na
servidores públicos, a precedência
veria ser adequadamente prepara-
hora de serem orientadas pela regi-
das políticas públicas e dos valo-
da, com documentos prévios enco-
onalização. Sendo que a universa-
res e direitos sociais sobre os indi-
mendados. Na seqüência, eventos
lização avançou bastante, está mais
viduais e outros.
similares deveriam ser organizados
que na hora de ser qualificada pela
Voltando ao memorial do CONFAZ,
com os setores Educação, Assistên-
equidade, integralidade regulada e
propomos que seja instada perante
cia Social, Cultura e Lazer, Meio
resolutividade. Com pena de ser se-
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Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
guido e consolidado um outro rumo
atenção integral à saúde e respecti-
gresso, capacitação, carreira, fixa-
para um outro modelo, que não o
vos custos, conforme dispõe o subs-
ção dos profissionais e remunera-
do SUS;
titutivo Guilherme Menezes;
ção mista (fixa e por desempenho/
b) assunção pelos gestores, tra-
• valor de remuneração XXX de
balhadores de saúde, usuários e
todos os serviços preventivos e cu-
• investimento estratégico obe-
prestadores de serviços, da constru-
rativos não inferior aos respectivos
decendo o Plano Diretor de Regiona-
ção da regionalização (sistemas de
custos;
lização, universalizando o acesso à
resultados das equipes);
redes regionalizadas), enquanto eixo
• autonomia gerencial para as
capacidade instalada e de profissio-
aglutinador da construção da equi-
unidades hospitalares mais comple-
nais subordinando-se à diferencia-
dade e integralidade. A equidade
xas e para distritos sanitários;
ções entre as regiões em função da
intermunicipal na Região, articula-
• contratos de gestão para cum-
da nas pactuações intermunicipais
primento de metas, desempenho e
• adoção dos preceitos da pro-
e dos municípios com o estado; a
resultados, definidos, realizados e
dução em escala, otimizando a re-
diretriz da equidade;
equidade inter-regional, sob respon-
lação custo/qualidade/efetividade,
sabilidade maior da Bipartite e do
balizada pela construção da equi-
estado e a equidade interestadual,
dade;
sob a responsabilidade maior da
• propiciamento de condições para a qualificação da Atenção Pri-
situações limítrofes interestaduais;
... CONSTRUÇÃO DA REGIONALIZAÇÃO (SISTEMA DE REDES REGIONALIZADAS), ENQUANTO EIXO
c) este processo deve viabilizar-
AGLUTINADOR DA CONSTRUÇÃO DA EQUIDADE E
com base nas necessidades da po-
Tripartite e da União. Sob a mesma lógica deverão ser equacionadas as
se de acordo com o tamanho e perfil populacional, distribuição de capa-
mária, objetivando resolutividade de no mínimo 80% das necessidades, pulação, agregando o pronto-aten-
INTEGRIDADE
dimento contínuo, tornando-a refe-
cidade instalada e dos profissionais
rência para acesso garantido aos
de saúde, as vias de acesso e os atu-
serviços de média e alta complexi-
ais fluxos de demandas, e em arti-
dade e centro de organização da rede
culação com os processos de territorialização das cadeias produtivas
avaliados sob lógica publicista, fi-
de bens e serviços, e não de forma
cando a remuneração por produção,
setorial isolada. Não deve, por isso,
forma excepcional e residual;
depender dos limites administrativos
• Gestão Colegiada da Região
das Diretorias Regionais das Secre-
Sanitária: deve ser pública gover-
tarias Estaduais de Saúde;
namental (estadual/municipal) com-
d) o modelo de gestão almejado
partilhada, composta pelos di-
em cada região sanitária deve con-
retores das Diretorias Regionais e
templar basicamente:
os Secretários Municipais de Saúde
• planejamento ascendente do
da Região Sanitária;
local ao regional, com metas quali-
• desprecarização da gestão do
quantitativas e de resultados da
pessoal de Saúde, incluindo o in-
de serviços; • participação efetiva da sociedade através dos Conselhos de Saúde na definição e aprovação das prioridades e etapas perante os limites do financiamento; • resgate dos valores e práticas da solidariedade e humanização das relações com os usuários; • definição e assunção da responsabilidade sanitária em todos os níveis da prestação de serviços, além dos entes federados.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
347
SANTOS, Nelson Rodrigues dos
e) No processo de novo patamar de financiamento, da desprecariza-
CNS, resultando o “Pacto pela Vida
dutiva do complexo econômico-in-
em Defesa do SUS e de Gestão”;
dustrial da Saúde, com potência de
ção da gestão do pessoal e da cons-
h) a proposta de aplicação dos
induzir os investimentos privados
trução dos novos modelos, será ina-
recursos referentes à diferença en-
e reverter o grande déficit acumu-
bdicável a construção de nova rela-
tre os cálculos pré e pós-regulamen-
lado desde os anos 1990.
ção do SUS, em todos os níveis, com
tação é a de:
i) os cronogramas de implanta-
a saúde suplementar (mercado de
• maior parte destinada à apli-
ção e/ou implementação das Regi-
planos privados de saúde), com ên-
cação parcelada em gastos orienta-
ões Sanitárias, com as respectivas
fase no regramento da demanda dos
dos por metas estratégicas, com
etapas, prioridades, requisitos com-
respectivos consumidores aos ser-
direcionalidade e aceleração do pro-
prováveis, tanto das atividades –
viços do SUS, de média e principal-
cesso da Regionalização Cooperati-
meio como finalísticas, articuladas
va e Solidária;
entre si –, assim como as alterna-
mente alta complexidade e custos,
tivas da intervenção no processo
com vistas ao efetivo cumprimento
ocorrerá simultaneamente em todas
dos princípios e diretrizes da equi-
as regiões, ou seqüencial por re-
dade, integralidade e regionalização, em substituição à hoje predominante desoneração das operadoras dos planos privados; f) o processo da regionalização
...AOS CRONOGRAMAS DE IMPLEMENTAÇÃO E/ OU IMPLEMENTAÇÃO DAS REGIÕES SANITÁRIAS, DEVERÃO CORRESPONDER
dos serviços de saúde variará ine-
CRONOGRAMAS DE LIBERAÇÃO DOS
xoravelmente na forma e velocida-
RESPECTIVOS RECURSOS PARA O FUNDO
de, de acordo com as realidades his-
NACIONAL DE SAÚDE ...
tóricas populacionais, socioeconômicas, culturais, epidemiológicas e
das formulações e pactuações na Tripartite, nas Bipartites e Bipartites regionais, e discutidas nos respectivos conselhos e plenárias regionais de saúde. j) aos cronogramas de implantação e/ou implementação das Regiões Sanitárias, deverão corresponder cronogramas de liberação
de capacidade instalada, em cada
dos respectivos recursos para o
região, estado e macrorregião do território nacional;
gião, serão objetos, entre outros,
Fundo Nacional de Saúde, justifi• outra parte destinada à apli-
cados pela Tripartite e executados
cação imediata conforme disposto
pelo MS-MPOG. O montante dos re-
nos planos e orçamentos de cada
nas pactuações genéricas no âmbi-
cursos ainda não liberados (saldo),
ente federado, com prioridades e
to nacional sobre a regionalização,
não deverá ser objeto de contingen-
etapas pactuadas na Tripartite e
e das Bipartites em cada estado,
ciamentos e estornos, inclusive ao
Bipartites, incluindo as situações
final do ano fiscal. Possível acumu-
com autonomia de pactuações de
mais graves de desassistência, epi-
lação (saldo) findo o processo da
diretrizes nos respectivos territóri-
demias, retorno de endemias e de-
regionalização, deverá ser destina-
os, tudo discutido e legitimado nos
sarticulação do sistema, e a
do à continuidade da elevação dos
g) já se encontram estabelecidas as responsabilidades da Tripartite,
respectivos conselhos de saúde. O
• outra parte destinada aos in-
recursos públicos per capita anu-
eixo básico desse processo foi cons-
vestimentos públicos estratégicos
ais para o SUS, objetivando alcan-
truído em 2006 pela Tripartite e
na ciência/tecnologia e cadeia pro-
çar patamar correspondente à pelo
348 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
menos a metade da média dos per
eles garantindo equitativamente as
de e direito de cada cidadão e da
capita públicos vigentes nos países
condições mínimas imprescindíveis
coletividade, mas com regulação
mais desenvolvidos, como Canadá
ao usufruto da dignidade do ser
pactuada com a sociedade das ten-
e países europeus (por volta de U$
humano e dos direitos sociais espe-
dências e pressões de utilização ili-
700 por habitante-ano);
lhados em nossa Constituição: Edu-
mitada de ações e serviços evitá-
k) esta proposta, assim como o
cação Saúde, Trabalho, Moradia,
veis, supérfluos e desnecessários.
debate sobre os gastos do SUS, in-
Lazer, Segurança, Previdência Soci-
cluindo os adicionais com a apro-
al, Proteção à Maternidade e Infân-
IV – A elevada competência al-
vação da regulamentação da EC-29,
cia e Assistência aos Desamparados.
cançada na gestão de sistemas nos
deve se dar com a participação dos
Como nas sociedades mais desen-
17 anos do SUS, com estabelecimen-
Conselhos de Saúde e da sociedade
volvidas, são garantias constituci-
to da direção única em cada esfera
organizada, em especial, com as
onais do exercício da cidadania: o
de governo, da gestão pactuada en-
representações dos usuários, sendo
Sistema de Proteção Social que ofe-
tre as três esferas (Tripartite e Bi-
que na questão da regionalização
rece patamar básico digno de aten-
partites), da descentralização radi-
não deverão deixar de ser valoriza-
ção aos direitos sociais, e a Renda
cal de competências, da criação dos
dos, fóruns ou plenárias regionais
que o complementa de acordo com
Fundos de Saúde e repasses Fundo
de saúde. A consciência coletiva das
o estrato social.
a Fundo, dos Conselhos de Saúde e de respeitável vanguarda na gestão
necessidades e direitos à saúde ampliará em um valor a mais: “a mi-
II – O Sistema Único de Saúde
estadual e municipal, pouco se es-
nha região, que está social e legal-
está legalmente compelido a buscar
tendeu à gestão e gerência cotidia-
mente obrigada a proteger minha
integração e sinergismo permanen-
nas das unidades prestadoras de
saúde e a da coletividade regional,
tes com os setores governamentais
serviços, das simples às complexas.
com atenção integral, equitativa e
responsáveis pelos fatores determi-
Apesar da grande elevação da pro-
universal”.
nantes e condicionantes da saúde no
dutividade e produção, permanecem
âmbito das políticas públicas, espe-
inaceitáveis proporções de desper-
lhados em nossa Lei Orgânica da
dícios com ações e serviços evitá-
Saúde: Alimentação, Moradia, Sane-
veis, supérfluos e desnecessários,
amento Básico, Meio Ambiente, Tra-
conseqüentes à impossibilidade de
balho, Renda, Educação, Transpor-
reverter a atual lógica da oferta de
te, Lazer e Acesso aos Bens e Servi-
serviços onde pesam os interesses
ços Essenciais. Da mesma maneira,
de ‘sobrevivência’ de profissionais
a Seguridade Social consagrada na
de saúde, prestadores de serviços e
Constituição.
industria de medicamentos e outros
ANEXO ENCAMINHAMENTOS DE APOIO ÀS ARTICULAÇÕES E NEGOCIAÇÕES SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA EC-29
insumos, secundarizando as neces-
I – O projeto da Reforma Sanitária Brasileira insere-se no projeto
III – A oferta e utilização de ser-
sidades e direitos da população. Por
social maior civilizatório que defi-
viços públicos integrais de saúde,
sua vez, este peso depende direta-
ne e configura o Estado democráti-
preventivos e curativos, deve-se re-
mente do grave subfinanciamento
co subordinado por igual ao conjun-
alizar em patamar mínimo impres-
público (per capita público menor
to dos segmentos da sociedade, a
cindível correspondente à dignida-
do que em vários países da Améri-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
349
SANTOS, Nelson Rodrigues dos
ca Latina e pouco mais de 10% da
VI – O principal elo de extensão
ços, em cada município, em cada
média dos países desenvolvidos), e
da competência alcançada na ges-
região, em cada estado e ao nível
do baixíssimo nível da remuneração
tão de sistemas, para a construção
nacional, por meio dos Conselhos de
e gestão do trabalho do pessoal de
de novos modelos de gestão e ge-
Saúde e da relação direta Governo-
saúde, o que tem colocado, em re-
rência das unidades prestadoras de
Sociedade.
gra, os gestores estaduais, e princi-
serviços, será o último espaço da
Um outro desafio inadiável para
palmente os municipais de saúde,
gestão sistêmica ainda não priori-
a gestão do SUS, a ser tratado no
em verdadeiro estrangulamento.
zado e assumido na prática, que é
primeiro plano das negociações da
o da diretriz Constitucional da Re-
regulamentação da EC-29, é a deci-
V – É de constatação inequívo-
gionalização, mas já reconhecido no
siva questão da cadeia produtiva do
ca, o esgotamento da viabilidade de
recente Pacto de Gestão como seu
complexo econômico-industrial da
solução única: somente com a im-
maior eixo estruturante. Por meio
Saúde, portadora de grande déficit
deste e outros elos, os gestores do
acumulado desde os anos 1990, de
SUS e os Conselhos de Saúde nas
investimentos estratégicos gerado-
prescindível elevação do financiamento público, ou só com a imprescindível reversão dos desperdícios gerados pela lógica predominante da oferta de serviços. Tornam-se imprescindíveis e inadiáveis posicionamentos enfáticos e terminantes por uma regulamentação da EC-29 estruturalmente voltada para o atrelamento da retomada do rumo para o financiamento suficiente, à retomada do rumo para as inadiáveis transformações e impactos nos modelos de gestão e gerência das unidades prestadoras de serviços, voltando definitivamente sua lógica
três esferas de Governo estão frente a frente com desafios inadiáveis, tais como: implantação e implementação das Regiões Sanitárias, planejamento ascendente de metas qualiquantitativas da oferta de ações e serviços de saúde integrais e equitativos, em cada realidade regional e microrregional, os custos de cada meta com base nos recursos materiais e humanos minimamente necessários, remuneração do cumprimento das metas com valores não inferiores aos custos, autonomia
res de riqueza, emprego e sustentação da política pública de saúde. VII – As questões e proposições constantes nos encaminhamentos anteriores vêm sendo profunda e coerentemente debatidas e formuladas pelo Congresso Nacional, na elaboração do PL substitutivo do Dep. Guilherme Menezes, nos anteprojetos do Sen. Tião Viana e Marconi Perilo, e pelo Governo, na elaboração do Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, aprovado na Tripartite e no Conselho Nacional de
gerencial das unidades governamen-
Saúde, assim como o anteprojeto de
tais, indicadores objetivos para
Lei da criação de Fundações Esta-
acompanhamento da eficiência, de-
na saúde da população, para o de-
tais, com elaboração conduzida pelo
sempenho das equipes e resultados
sempenho das equipes de saúde e
Ministério do Planejamento e enri-
para a população, contratos de ges-
para a efetiva participação da soci-
quecida por respeitáveis especialis-
tão e participação efetiva da socie-
tas em gestão, gerência e Direito
edade na definição das prioridades
dade organizada na definição de
Sanitário. A proposição mais com-
e etapas da oferta de serviços, pe-
prioridades e etapas, perante a fini-
pleta debatida e legitimada no mo-
rante a finitude dos recursos aloca-
tude dos recursos alocados, em
mento é o substitutivo “Guilherme
dos.
cada unidade prestadora de servi-
Menezes” do PLP n.01/03, aprimo-
para a centralidade dos direitos do usuário cidadão, para os resultados
350 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
Regulamentar a EC-29, avançar o modelo de gestão e realizar a universalidade com integralidade, equidade e participação
rado e aprovado nas três comissões
vinculados ao cumprimento, pelas
ação em Saúde Coletiva, Centro Bra-
obrigatórias da Câmara dos Depu-
três esferas de Governo, do que são
sileiro de Estudos de Saúde, 2005.
tados: além de garantir a reversão
e não são os serviços de saúde fi-
da retração dos gastos federais,
nanciados pelo SUS, a constar na
______. Reflexões atualizadas so-
iguala os critérios de cálculo entre
regulamentação, além da disponibi-
bre a urgência da tramitação do
as três esferas de Governo e respal-
lização pela União, dos restos a pa-
Projeto de Lei Complementar da EC-
da a construção do SUS, mantendo,
gar acumulados em anos anteriores
29. Rio de Janeiro: Associação Bra-
na sua formulação, todas as pon-
e dos recursos contingenciados em
sileira de Pós-Graduação em Saú-
tes com as outras propostas com
2007. A aplicação dos recursos re-
de Coletiva, Centro Brasileiro de Es-
vistas a negociações e consolidação
feridos neste item permanece tam-
tudos de Saúde, 2004.
no Congresso Nacional.
bém atrelada ao disposto nos enca-
VIII – Caso as atuais caracterís-
minhamentos V, VI e VII deste Ane-
BRASIL. Constituição, 1988. Emen-
xo.
da Constitucional 29, de 13 Setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35,
ticas macroeconômicas e relações de forças políticas e sociais forem
X – Deve constar também na re-
156, 160, 167 e 198 da Constitui-
desfavoráveis na negociação da re-
gulamentação, a avaliação sistemá-
ção Federal e acrescenta artigo ao
gulamentação e imponham a conti-
tica a cada cinco anos, com as revi-
Ato das Disposições Constitucionais
nuidade do cálculo segundo a vari-
sões que se fizerem necessárias, e
Transitórias, para assegurar os re-
ação nominal do PIB, deverão ser
com interação (mútua adequação)
cursos mínimos para o financia-
construídas outras alternativas de
com o PPA.
mento das ações e serviços públicos de saúde. Disponível em: < ht-
negociação, entre as quais a de pactuar um acréscimo anual além da
XI – Devem ser identificadas,
tps://www.planalto.gov.br/cci-
variação nominal do PIB, correspon-
desde já, junto aos conselhos de saú-
vil_03/constituicao/emendas/emc/
dente a um porcentual do PIB, ten-
de, as repercussões concretas na
emc29.htm> .Acesso em: 14.05.06
do já havido a proposta de 0,25%
atenção às necessidades e direitos
no mínimo. Este acréscimo poderá
da população, no curto e médio pra-
______. Conselho Nacional de Saú-
ser prorrogado ou revisto após pe-
zo, assim como imediata ampliação
de. Parâmetros Consensuais sobre
ríodos não inferiores a quatro anos,
da informação e participação para
a Implementação e Regulamenta-
ou ainda substituído pela alternati-
a opinião pública em geral.
ção da EC-29 – CNS, SIOPS, CAS/SE-
va original conforme dispõe o subs-
NADO,
titutivo “Guilherme Menezes”. De
CONASEMS. Brasília, DF: [s. n.], 2001.
qualquer modo, deve ser observa-
CSSF/CD, MP, ATRICON, CONASS,
REFERÊNCIAS
do o atrelamento disposto nos en-
______. Ministério da Fazenda. Me-
caminhamentos V, VI e VII deste
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚ-
morial das Secretarias Estaduais
Anexo.
DE COLETIVA Reafirmando compro-
da Fazenda. Brasília, DF: CONFAZ,
missos pela saúde dos brasileiros:
2007.
IX – Há que se considerar tam-
lançamento do fórum da reforma
bém a disponibilização de aproxi-
sanitária brasileira. Rio de Janeiro:
______. Ministério da Saúde. Car-
madamente R$ 5 bilhões anuais,
Associação Brasileira de Pós-Gradu-
ta de Brasília: manifesto aprovado
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
351
SANTOS, Nelson Rodrigues dos
pelos 800 participantes da 8º Sim-
regulamentação da EC-29, PLP n.
pósio sobre Política Nacional de Saú-
01/2003, mar/2007.
de, 2005. FLEURY, S. O PAC e a Saúde. Bole______. Portaria MS n. 399, de 02
tim CEBES, n.3, fev. 2007.
de fevereiro de 2006. Pacto pela
FÓRUM Saúde e democracia: uma
Vida, em Defesa do SUS e de Ges-
visão de futuro para o Brasil. Bra-
tão. Brasília, DF: MS, CONASS, CONA-
sília, DF: CONASS, 2006.
SEMS, 2006.
MENDES, A. Financiamento da saúquando
as
tensões
CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa.
de:
Reforma política e sanitária: a sus-
permanecem...São Paulo: [s. n.],
tentabilidade do sus em questão?.
2006.
Ciênc. saúde coletiva., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, 2007. Dispo-
______. De olho nos recursos fede-
nível em:
rais do SUS. São Paulo: [s. n.],
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
2006.
81232007000200002&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 02 mar. 2007. Pré-
MENEZES, G. Redação final, incor-
publicação.
porando os PLP: 159/04 do Dep. Geraldo Rezende e 181/04 do Dep. Ra-
CARVALHO, G. O gasto com saúde
fael Guerra, Brasília, DF: [s. n.], jun.
no Brasil em 2006. São Paulo: [s.
2004.
n.], 2007. Disponível em:
SANTOS, L. O que financiar com os
gasto.com.saude.2006.pdf> Acesso
recursos da saúde? São Paulo: [s.
em: 13.05.06.
n.], 2006.
______. Saúde: o tudo para todos que sonhamos e o tudo que nos impingem os que lucram com ela. São Paulo: [s. n.], 2004. Disponbível em: . Acesso em : 02.02.2007. ______. Aumento de recursos possível para a saúde se for aprovada a
352 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 339-352, set./dez. 2005
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
1
Notes on the decentralization process of health care
Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato2 Recebido: Jun./2006 Aprovado: Jul./2007
RESUMO O artigo discute aspectos que estariam indicando o esgotamento do modelo de descentralização até aqui adotado na área de saúde. Argumentase que o modelo indutor de adesão dos entes subnacionais, através do privilégio ao financiamento, esgotou suas possibilidades de estimular a responsabilidade desses entes na construção de sistemas baseados nos princípios do SUS, de estimular a democratização e de alterar as formas tradicionais de intermediação de interesses na provisão de serviços, o que
Este trabalho contou com o apoio dos alunos e pesquisadores Anne Carolina de Melo Santos, Assis Mafort Olverney,Maria Gabriela Monteiro e Thais Soares, participantes da pesquisa Municipalização da saúde: inovação na gestão e democracia local no Brasil, realizada pelo Programa de Estudos da Esfera Pública – PEEP da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, sob coordenação da Profa. Sonia Fleury. 1
tem comprometido a construção de um sistema de saúde baseado nas necessidades sociais da população. PALAVRAS-CHAVE: Descentralização, Política de Saúde, Sistema Único de Saúde
ABSTRACT This article discusses aspects that would suggest the exhaustion of the decentralization model adopted up to now in the area of health. It is argued that the model to encourage adherence by subnational entities, by means of offering privileges regarding funding, has exhausted the possibilities of stimulating responsibility amongst such entities to construct systems based
Socióloga, Mestre em Administração Pública e Doutora em Saúde Pública. Professora do Programa de Estudos Pós- Graduados da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Núcleo de Avaliação de Políticas – NAP/ UFF. 2
on the principles of the Unified Health System, of stimulating democratization and of altering the traditional forms of intermediating interests in service provision. As a result this has compromised the construction of a health care system based on the population’s social needs. KEY-WORDS: Decentralization, Health Policy, Unified Health System
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
353
353
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa
INTRODUÇÃO
cia setorial, e que novas estratégias
Operacional Básica 01 de 1996 (NOB
deveriam ser pensadas.
96), é majoritariamente tratado como
A descentralização do setor saú-
o ponto positivo de impulso à des-
de no Brasil encontra-se hoje em um
centralização, embora haja autores
AUTONOMIA DOS NÍVEIS DE GOVERNO
ponto que pode ser considerado dilemático, já que aparentemente os esforços da estrutura político-admi-
que considerem que a NOB 96 feriu a autonomia de gestão dos municípios ao privilegiar o financiamento
nistrativa do setor não estão sendo
O primeiro ponto diz respeito à
dos programas de saúde da família
suficientes para completar a descen-
responsabilidade partilhada entre
e de agentes comunitários da saúde
tralização como prevista na Consti-
níveis de governo com alto grau de
(SILVA, EGYIDIO e SOUZA, 1999). De
tuição e, em especial, na Lei 8080.
autonomia. O caráter solidário da
fato, os incentivos dados à adesão
E, nesse sentido, pode ser questio-
descentralização como proposta na
dos municípios têm como premissa
nado o potencial da descentraliza-
legislação do SUS vai de encontro
a solidariedade aos princípios do
Processo democrático
ção intrasetorial como estimulado-
SUS, mas sempre estiveram forte-
ra de inovações que permitam aden-
mente pautados nas escolhas dos
sar a esfera pública, consolidar o
órgãos centrais de gestão por meio
poder democrático local e garantir
de incentivos financeiros. Assim,
os objetivos da universalização da assistência à saúde, princípios presentes na reforma sanitária brasileira.
A DESCENTRALIZAÇÃO DO SETOR SAÚDE NO BRASIL ENCONTRA-SE HOJE EM UM PONTO
Levantamos alguns pontos que ao nosso ver expressam esse dilema, com o objetivo de contribuir
houve uma potente adesão onde esta implicava baixos custos e, ao contrário, onde havia necessidade de uma ação própria do ente de gover-
QUE PODE SER CONSIDERADO
no, em especial com aporte signifi-
DILEMÁTICO ...
cativo de recursos, a adesão não
para o debate sobre os rumos da
aconteceu. O resultado foi que a NOB 96 tor-
descentralização.
nou-se fundamental para a estraté-
O que chamamos aqui de dile-
ao cálculo que municípios e esta-
gia de saúde da família, tanto pela
ma se expressa pelo cruzamento de
dos fazem para aderir ou não aos
expansão da cobertura em si, como
um conjunto de variáveis que se re-
preceitos da descentralização. O pro-
pelo desenvolvimento e difusão de
ferem tanto ao processo de condu-
cesso de adesão voluntária, base da
uma tecnologia de gestão da aten-
ção da descentralização desenvolvi-
descentralização democrática nos
ção básica. Contudo, avançou-se
da no setor, quanto por característi-
preceitos do SUS, não significa, con-
pouco na autogestão dos sistemas
cas institucionais que compõem o
tudo, benefícios certos a estados e
de saúde, segundo os princípios do
cenário da descentralização. Nossa
municípios. Em verdade, como já
SUS. Assim, gerir o SUS, ‘segundo
hipótese é que o conjunto dessas
demonstrou Arretche (2000), há um
os princípios do SUS’, com os in-
variáveis demonstra um esgotamen-
cálculo razoável na adesão, sempre
centivos financeiros repassados pelo
to do modelo até aqui adotado de
pesado entre custos e benefícios. O
governo federal, não tem compen-
descentralização, tanto no que toca
processo de descentralização pelas
sado. Em março de 2006, apenas
aos objetivos do SUS quanto à bus-
Normas Operacionais, em especial
7,7% dos municípios estavam habi-
ca do aprofundamento da democra-
aquele deslanchado pela Norma
litados em gestão plena do sistema
354 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
pela NOB 96 (implantada em 1998),
regional foi outro fator apontado
sistema de saúde. Este impulso con-
e apenas 4,6% habilitados pela Nor-
como importante para a não adesão
solidou um formato de descentrali-
ma Operacional da Assistência à
às NOBs. De fato, também em mar-
zação que não oferecia estímulos à
Saúde - NOAS.
ço de 2006, havia estados onde a
integração entre as estruturas de
Outro fator que chama a atenção
habilitação na condição de gestão
municípios, dificultando o aprovei-
é que aparentemente a adesão tem
plena do sistema alcançava 45% dos
tamento racional de recursos e o
dependido de estímulos para além
municípios, enquanto que, em ou-
ordenamento hierárquico das bases
dos incentivos regulares, o que pode
tro extremo, há um estado onde ape-
de serviços de uma região e/ou es-
ser plenamente legítimo, mas de-
nas 0,45% dos municípios estavam
tado. O processo de implementação
monstra uma fragilidade tanto des-
habilitados.
da NOAS, que tinha como objetivo a
ses incentivos como da disposição
A regionalização, um dos nós da
regionalização, e possuía desenho
dos entes subnacionais em assumir
reforma sanitária e do SUS, também
bastante apropriado, demonstra a
de vez o SUS. A distribuição das
encontra na autonomia um fator
preponderância da autonomia dos
habilitações por estado mostra que
municípios e estados na adesão ao
, em alguns deles, nenhum municí-
processo de descentralização, já que
pio tinha se habilitado à NOB 96 e
ela não se concretizou nem parcial-
todos se habilitaram à NOAS. Há
mente.
outros onde todos os municípios se habilitaram à NOB 96, mas nenhum à NOAS. Este último caso é até acei-
A REGIONALIZAÇÃO, UM DOS NÓS DA REFORMA SANITÁRIA E DO SUS, TAMBÉM
tável, já que a NOAS supõe intera-
ENCONTRA NA AUTONOMIA UM FATOR
ção com outros municípios e a par-
COMPLICADOR QUE NÃO FOI RESOLVIDO PELA
ticipação dos estados, o que extrapola a iniciativa municipal. Mesmo
O papel limitador das NOBs sobre outros fatores institucionais intra e extra sistema de saúde, como aqui a autonomia dos entes federados na condução do SUS, limita as possibilidades de atuação através de
DESCENTRALIZAÇÃO
mecanismos como esse. Esse apren-
assim, municípios ,em gestão ple-
dizado contribuiu para que na nova
na do sistema na NOB 96, já teriam
estratégia de impulso ao SUS, cha-
a experiência de gestão, contratação
mada Pacto pela Saúde, as NOBs
e regulação de serviços que lhes
complicador que não foi resolvido
tenham sido eliminadas. Curiosa-
daria arcabouço para estimular as
pela descentralização, já que esta
mente, na leitura da Portaria 399 até
parcerias pela regionalização, até
teria favorecido de forma desequili-
agora editada para normatização
porque são poucos os municípios do
brada a dinâmica intramunicipal,
dessa nova estratégia (que chama a
país que possuem auto-suficiência
em prejuízo da relação entre muni-
atenção por ser mais orientadora do
de rede, sendo que maioria requer
cípios com a participação dos esta-
que normatizadora), fica evidente
serviços para além dos seus limites
dos. O formato da estratégia de des-
que a realização dos objetivos do
municipais. Já no primeiro caso fica
centralização, adotado até o final da
SUS e da Reforma Sanitária reque-
claro que houve um estímulo espe-
década de noventa, privilegiou a
rem a solidariedade dos entes naci-
cífico, provavelmente dos estados,
formação de bases isoladas e a ges-
onais aos princípios e objetivos do
o que reforça a preponderância da
tão da dinâmica intramunicipal
SUS e que, além disso, supõe uma
autonomia, seja na direção de ade-
como expressão do caráter munici-
profunda interdepen-dência entre
rir ao SUS, ou não. A diversidade
palista que orientou a reforma do
esses entes, o que pode encontrar
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
355
355
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa
limites na autonomia de estados e
dos entraves ao crescimento do pa-
como passíveis de fazer parte desse
municípios.
pel prescrito dos Conselhos. De fato,
jogo.
A autonomia foi um dos precei-
a baixa interferência desses na con-
Estudo recente de Santos Junior
tos fundamentais da Constituição de
dução do SUS aparece sempre nas
et al (2004) sobre conselhos de di-
88, como mecanismo de aprofundar
reivindicações dos movimentos, e
versas áreas sociais, em diferentes
a democracia e gerar eficácia, em
mesmo como “a” solução para a
regiões metropolitanas, demonstra
especial das políticas sociais. Mas,
resolução dos graves problemas da
que os conselheiros têm em geral
muitos dos avanços do SUS só pu-
saúde e do SUS. O contraditório aqui
escolaridade, acesso à informação
deram ser alcançados por impedi-
é que, apesar da valorização do pa-
e participação política bem superi-
mentos a essa autonomia, caso das
pel dos Conselhos nas bases sociais
ores à média do país. Suas recla-
NOBs e, em especial, da indução de
e atores institucionais do SUS, a
mações versam sobre o que pode ser
ações de assistência através de re-
descentralização priorizou mecanis-
atribuído à baixa disposição dos
cursos carimbados. Ao revés, o
mos de gestão do sistema que, ao
governos em prover os elementos
avanço que é requerido ao SUS hoje,
necessários ao exercício do contro-
no sentido da concretização da uni-
le social - como acesso à informa-
versalização com qualidade da atenção, depende da adesão autônoma dos entes, que têm ampla autonomia para não aderirem.
PROCESSO DEMOCRÁTICO
... APESAR DA VALORIZAÇÃO DO PAPEL DOS CONSELHOS NAS BASES SOCIAIS E ATORES INSTITUCIONAIS DO SUS, A
ção para fisca-lização e decisão, divulgação, infra-estrutura, etc. -, e que poderiam estimular a capacidade decisória dos conselhos. Apesar do estímulo aos Conselhos, a políti-
DESCENTRALIZAÇÃO PRIORIZOU MECANISMOS
ca setorial ao máximo desenvolveu
DE GESTÃO DO SISTEMA QUE (.....)
estratégia de capacitação para con-
FAVORECERAM INSTÂNCIAS ONDE ELES ESTIVERAM FORA.
A democracia foi um fator impulsi-
selheiros, que se bem é funda-mental, não toca no problema central, que é a baixa disposição, mesmo no
onador das demandas pelo direito à
setor mais organizado da área soci-
saúde, calcada na bem-sucedida
al, de contagiar práticas associati-
articulação entre democracia e saú-
invés de fortaleceram o controle so-
vas. Nesse sentido, faltaria à des-
de. De novo a descentralização apre-
cial, favoreceram instâncias onde
centralização - e aí pensando ape-
sentou mecanismos importantes,
eles estiveram fora. A CIT e CIBs fo-
nas na saúde, embora esta devesse
entre eles as instâncias de pactua-
ram fundamentais na condução da
ser uma estratégia geral para a área
ção, o estímulo induzido à forma-
descentralização, e boa parte do de-
social -, gerar uma política de “in-
ção dos conselhos e à participação
senvolvimento do sistema esteve
centivo à associação cívica” (SAN-
e controle social através dos Conse-
dirigida pelo Ministério em conso-
TOS JUNIOR ET AL, 2004).
lhos. Desnecessário apontar os
nância com elas. Apesar de serem
Sem dúvida, a área de saúde é a
avanços nesses aspectos, mas sim
instâncias de pactuação, onde a ne-
mais propensa a esse tipo de estra-
apontar possíveis entraves.
gociação é a pauta, em oposição à
tégia e isso poderia gerar o adensa-
Principalmente os estudos sobre
tradição centralizadora e autoritá-
mento da reforma para as próximas
Conselhos têm apontado o baixo
ria da política de saúde, o fato é que
gerações, com impactos positivos
associativismo no Brasil como um
os conselhos jamais foram vistos
em outras áreas, como já tem sido
356 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
demonstrado pela replicação do
tralizada do SUS, pelo empenho na
tos levantados, e a portaria 399 in-
modelo único e descentralizado do
condução mais transparente e asso-
dica a implementação de “projeto
SUS.
ciada aos Conselhos na defesa e
permanente de mobilização social”.
Os Conselhos de Saúde são críti-
aprovação de legislações que impo-
Ainda não há indicação sobre a es-
cos também ao papel das Comissões
nham mais compromissos dos en-
tratégia para isso, mas curiosamente
Intergestores, pela possibilidade de
tes responsáveis pelo SUS. Tanto no
um dos principais elementos do
assumirem competências que são
nível federal como nos demais, essa
novo pacto, a criação dos Colegia-
deles, enfraquecendo o controle so-
arena é tratada de forma utilitarista
dos de Gestão Regional, não conta
cial. Salientam que as Comissões
pelos executivos, tanto em condições
com a participação de setores soci-
acabam decidindo políticas públi-
de maioria quanto de minoria. A
ais, mas somente representantes
cas, gerando confusão e comprome-
visão recorrente de que o processo
governamentais, assim como nas
tendo o caráter deliberativo dos Con-
legislativo é comandado pelo exe-
comissões intergestores regionais. A
selhos. Destacam que as Comissões
cu-tivo é contradita pelo estudo de
questão aqui é em que essas ins-
não são formas de democracia par-
tâncias se diferenciariam das comis-
ticipativa e que, portanto, o papel-
sões bipartites que pactuaram a re-
delas não pode ser confundido com
gionalização pela NOAS, com os li-
o dos Conselhos de Saúde, já que
mites conhecidos de efetividade. Os
elas foram criadas apenas para faos gestores, tendo seus representan-
COMISSÕES NÃO SÃO FORMAS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA (......) DELAS
tes indicados pelo Poder Executivo.
NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM O DOS
cilitar a execução e a relação entre
Há hoje um esgotamento das instâncias de pactuação para o aprofun-
colegiados de gestão e as comissões intergestores regionais poderiam seruma boa experiência de associação com conselhos.
CONSELHOS DE SAÚDE ... POLÍTICA ECONÔMICA RESTRITIVA
damento do SUS, embora sigam sendo fundamentais na definição da distribuição de recursos entre estados e no processo de condução das
São já bem conhecidas as restri-
habilitações. Seu papel se restringe
Rodrigues e Zauli (2002), que apon-
ções financeiras à ampliação dos
ao patamar a partir do qual prova-
tam que, exatamente na área de saú-
investimentos nas áreas de saúde e
velmente se encontram as soluções,
de, há um potencial bastante signi-
social, decorrentes da política eco-
que estariam além de mecanismos
ficativo do legislativo nacional na
nômica que vem sendo adotada nos
técnicos que exigem negociação,
aprovação de leis. Segundo os au-
últimos governos. Embora sempre
mas sim em decisões políticas de
tores, a predominância do executi-
retorne ao debate a velha discussão
adesão ao SUS como política de es-
vo na saúde se dá principalmente
sobre se o problema é de falta de
tado, não só do nível federal, mas
pelo recurso às medidas provisóri-
recursos ou de má gestão, em espe-
também de todos os estados e mu-
as, que no período estudado por eles
cial quando a demanda por recur-
nicípios.
não foram, em sua maioria, trans-
sos ganha força momentânea, ne-
formadas em leis.
nhum setor social, nem o próprio
O âmbito legislativo é outra arena que poderia ser mais utilizada
Na edição do novo Pacto pela
governo, negam hoje a necessidade
pelo processo de construção descen-
Saúde, a participação é um dos pon-
de mais investimentos, embora para
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
357
357
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa
o governo federal isto nunca seja
não é de otimização de recursos e
evitar o desvio dos recursos agre-
obviamente associado às suas op-
sim de utilização intensiva de pro-
gados pela EC 29 com ações que não
ções de política econômica. Do pon-
cedimentos. Afora isso, a baixíssi-
as de saúde. A contenção de recur-
to de vista da descentralização, e em
ma interferência da maior parte dos
sos e a falta de prioridade à imple-
especial agora com o requerido re-
municípios no controle dos serviços
mentação do SUS como previsto leva
forço para a regionalização, a ques-
de 2º e 3º níveis, com a conseqüen-
a situações curiosas. A vinculação
tão dos recursos volta à tona. Um
te baixa relação com a atenção bá-
de recursos e agora a especificação
dos principais problemas para a
sica, gera a reprodução não só da
do que são ações de saúde restrin-
implementação da NOAS foi a pac-
carência de recursos, pela tendên-
gem a realização de planejamentos
tuação dos recursos necessários
cia ‘natural’ de utilização pelos pro-
integrados para a solução de pro-
para a compensação entre municí-
vedores de todos os recursos dispo-
blemas sociais e limitam um dos
pios para a prestação de serviços.
níveis, como a não realização dos
preceitos centrais da reforma, que é
Municípios pequenos com tetos fi-
objetivos de um sistema que mini-
a vinculação das medidas de aten-
nanceiros muito baixos não podem
ção à saúde aos problemas sociais.
arcar com o pagamento de certos
E há o risco de que seja fortalecida
procedimentos para outros municí-
a produção de serviços, pela pres-
pios que prestam serviços a munícipes seus, principalmente os de maior complexidade. Isso gera problemas para os dois e, portanto, para a regionalização, já que muni-
UM DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA NOAS FOI A PACTUAÇÃO DOS RECURSOS NECESSÁRIOS PARA A
são dos provedores e da própria demanda. Além disso, é bastante provável que os governos se empenhem em cumprir a lei e se restrinjam aos patamares exigidos. Os municípios
cípios com melhor capacidade sa-
COMPENSAÇÃO ENTRE MUNICÍPIOS PARA A
do norte do estado do Rio de Janei-
bem que vão ter que arcar com aten-
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
ro, por exemplo, que arrecadam
dimentos de outros municípios, e
vultosos recursos com os royalties
podem preferir optar pela não ade-
do petróleo - recursos que não são
são, já que contam também com re-
considerados no cálculo da EC 29 -,
cursos escassos.
limitam-se aos patamares da emen-
Se a realidade da maioria dos municípios é de baixa arrecadação,
mamente evite ser um mero prove-
da, embora apresentem situações de
dor de procedimentos de cura.
saúde bastante precárias (CALIL,
a restrição de recursos pode limitar
Atualmente, a mobilização ocor-
a descentralização à atenção bási-
re pela aprovação do projeto de lei
ca, já que o repasse aí é fundo a
complementar nº 01/2003 que regu-
fundo e conta com recursos agrega-
lamenta a Emenda Constitucio-nal
dos por ação complementar, quase
nº 29. O projeto já foi aprovado em
totalmente financiados por recursos
todas as comissões da Câmara dos
federais. A integralidade da atenção
Deputados, faltando apenas a vota-
fica prejudicada sem a injeção de
ção no Plenário da Casa para que
Os problemas da adesão dos en-
novos recursos, já que a rede ainda
seja encaminhado ao Senado Fede-
tes federados aos objetivos do SUS,
não é suficiente, sendo ainda depen-
ral. O projeto de lei regulamenta as
através da descentralização, encon-
dente do setor privado, cuja lógica
ações e serviços de saúde e permite
tra limites em formas tradicionais
358 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
2006).
FORMAS TRADICIONAIS DE NTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES E A APROPRIAÇÃO PERSONALISTA DOS RECURSOS
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
de intermediação de interesses, em
controle sobre elas. Essas práticas
nifica um claro avanço no processo
especial o clientelismo, assim como
podem conduzir o processo de con-
de descentralização e implementa-
no personalismo que marca as rela-
solidação do SUS a postergar inves-
ção do SUS, através de iniciativas
ções sociais no Brasil. A interseção
timentos em serviços públicos, be-
da própria gestão municipal, indo
dessas formas de intermediação com
neficiar a produção de serviços ofe-
além das diretrizes federais/estadu-
a apropriação patrimonial do esta-
recidos por prestadores da rede de
ais. Já em outros, observa-se a im-
do facilita a corrupção, na medida
relações dos gestores ou dificultar
plantação de progra-mas e experi-
em que obscurece as ações dos go-
a interação com outros governos.
ências formuladas exclusivamente
vernos. Embora os mecanismos de
O SUS gerou inúmeras inovações
no nível federal/estadual, que são
gestão e a legislação criem restri-
favoráveis a processos mais trans-
incorporadas pela gestão municipal
ções a esses fatores, são pouco efi-
parentes de gestão, mas deve-se in-
como uma maneira de injetar recur-
cientes em alterá-las como prepon-
vestigar até onde isso tem dependi-
sos externos – principalmente do
derantes nas relações entre os dife-
do da disposição dos próprios ges-
nível federal – no município (GERS-
rentes interesses existentes na are-
CHMAN, 2001). Ou seja, dada a per-
na decisória, em especial no nível
manência de inúmeros sistemas lo-
local.
cais onde as mudanças se resumem
Os estudos na área de saúde têm dado pouca atenção a esses aspectos, embora muitas das conclusões sobre a ineficiência e inefetividade das políticas sejam ao fim e ao cabo atribuídas a eles. Em especial no
OS PROBLEMAS DA ADESÃO DOS ENTES FEDERADOS AOS OBJETIVOS DO SUS, ATRAVÉS DA DESCENTRALIZAÇÃO, ENCONTRA
básica através do Programa Saúde da Família, há que se conhecer o quanto essas mudanças são resultado da descentralização por si, ou
LIMITES EM FORMAS TRADICIONAIS DE
nível local, as relações entre forne-
INTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES, EM ESPECIAL
cedores, governos, profissionais e
O CLIENTELISMO ...
prestadores de serviços são em gran-
quase à incorporação da atenção
se ocorreram onde ela foi assumida como proposta específica de governos. Em outras palavras, deve-se procurar investigar mais como es-
de medida decididas por relações
sas relações tradicionais conseguem
pessoais, envolvendo ou não corrup-
prevalecer às inovações e às inicia-
ção. No plano da prestação de ser-
tores e seu compromis-so com os
tivas de adensamento do SUS, para
viços, permanecem práticas antigas
princípios do sistema. A descentra-
que se possa tentar reduzi-las.
de favorecimento de prestadores pri-
lização através das NOBs foi respon-
vados através da relação pessoal
sável pela criação de espaços de
que, em geral, os gestores de saúde
negociação e de pactuação de inte-
guardam com os profissionais da
resse na área de saúde e contribuiu
área, ou pela própria posição que
para a emergência e fortalecimento
esses gestores têm como prestado-
de novos atores, por meio da incor-
No primeiro item já abordamos
res.
poração de inúmeros centros de po-
as questões relativas à autonomia
der na arena decisória da política
dos entes federados. Aqui cabe des-
(VIANNA et al, 2002).
tacar os problemas decorrentes de
Os Conselhos deveriam ser as instâncias de controle desses proce-
NÍVEL FEDERAL COMO INDUTOR DE POLÍTICAS
dimentos, mas muitas vezes parti-
Em alguns municípios, o tipo de
uma descentralização com forte in-
lham dessas relações ou não têm
inovação gerencial incorporada sig-
dução do nível federal. Se esta in-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
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359
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa
dução foi favorável à iniciativa da
tes’ e garantidos pelos incentivos’
às ações de transferência fundo a
atenção básica através do Pro-gra-
(2002, p.171). Na verdade, não há
fundo ou privilegiar ações não pri-
ma Saúde da Família, ela gerou in-
indícios de que a indução por incen-
oritárias para sua população ape-
centivos que nem sempre corres-pon-
tivos financeiros impeça a definição
nas para favorecer interesses de
diam às necessidades dos sistemas
livre dos sistemas pelos municípi-
determinados prestadores.
municipais. Já que o sucesso da es-
os. Ou seja, o problema é menos da
tratégia do Programa Saúde da Fa-
tutela na adoção de programas atra-
mília depende da integração com os
vés do financiamento e mais da fal-
outros níveis de atenção, e na medi-
ta de mecanismos que estimulem,
da em que os incentivos são dirigi-
auxiliem e induzam os municípios
dos desde o nível federal, o risco
à responsabilidade de construir seus
A descentralização trouxe uma am-
seria compro-meter a integralidade
sistemas. Segundo Vianna et al
pliação considerável da rede de ser-
do sistema.
(2002), o esforço permanente do go-
viços e a expansão da rede de aten-
ESTRUTURA DE PROVISÃO DO SETOR
O fato de os incentivos terem se
ção primária, com ampliação da
tornado uma prática constante do
oferta pública. Entretanto, a mesma
Ministério da Saúde, a partir de
expansão não é verificada nas ba-
1998, e dos municípios serem es-ti-
ses especializadas de serviços devido à ausência de investimentos pú-
Mendes (2002), um fato preocupan-
A VINCULAÇÃO DOS RECURSOS AOS PROGRAMAS INCENTIVADOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE NÃO PERMITE O
te. A vinculação dos recursos aos
REDIRECIONAMENTO PARA OUTROS FINS NA
tico, cirurgia, etc. A demanda por
programas incentiva-dos pelo Minis-
ÁREA DA SAÚDE ...
mulados a incorporar os progra-mas que lhes acrescentam receita financeira é, na opinião de Marques e
tério da Saúde não permite o redire-
blicos para a ampliação do número de leitos hospitalares, terapia intensiva, de serviços de apoio diagnósestes serviços especia-lizados é direcionada, então, ao setor privado e
cionamento para outros fins na área
para municípios de maior capacida-
da saúde, em um contexto no qual
de de oferta de serviços especializa-
os municípios enfrentam situações
dos. Para Monnerat et all (2002), o
em que falta o necessário até mes-
verno central pela indução e regu-
predomínio da oferta privada de ser-
mo para manter sua rede de unida-
lação do processo de descentraliza-
viços reduz a capacidade do gestor
de básica, quanto mais para os de-
ção pode ter pouco impacto nos in-
público de regulação de mercado, o
mais serviços de atenção à saúde.
dicadores de oferta e acesso aos ser-
que somado à ausência de uma es-
Isso seria, segundo Marques e Men-
viços, tendo em vista os agudos con-
tratégia de hierarquização em rede
des, ‘o reflexo da política tutelada
flitos de ordem federativa num con-
das bases de serviços resulta em
da descen-tralização, que ao incen-
texto de restrição fiscal e de infortu-
baixa capacidade resolutiva e inefi-
tivar a despesa em determinados
nada herança de desigualdades eco-
ciência na alocação de recursos.
progra-mas, impede que os municí-
nô-micas e sociais.
Vianna et al (2002), numa avali-
pios definam livremente sua políti-
Essa indução dirigida também
ação comparativa das capacidades
ca de saúde, introduzindo o para-
pode facilitar os mecanismos levan-
dos municípios em Gestão Plena do
doxo da existência da ‘pobreza’ em
tados no item anterior, já que os
Sistema Municipal de Saúde, de-
um quadro de recursos ‘abundan-
gestores podem se limitar à adesão
monstram que houve significativa
360 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
evolução, entre os anos de 1998 e
Mesmo no caso da regulação de pro-
regulação. Como lembram Matos e
2000, tanto no que se refere à apren-
vedores realizada pela União, os
Pompeu, um mesmo prestador pode
dizagem institucional, quanto na
poucos estudos existentes apontam
relacionar-se com os três níveis de
melhoria do padrão de provisão de
uma insuficiência estatal e uma la-
gestão do SUS sem ter contrato com
serviços com a diversificação da
cuna a ser necessariamente exerci-
nenhum deles (2003:639).
oferta. No entanto, os autores con-
da. Para Matos e Pompeu, ‘não se
A Portaria 399 do Pacto em
cluem que esse fortalecimento ins-
desenvolveu a capacidade de forma-
Defesa do SUS indica mudança ao
titucional das bases locais de orga-
lização contratual de serviços pri-
menos parcial nessa relação, ao es-
nização do SUS na Gestão Plena não
vados de saúde por parte do setor
tabelecer que cada provedor deverá
garante a equidade, em virtude de
público. ... Compra-se o que o pres-
responder a somente um gestor. Con-
ausência de relações intermunicipais
tador oferece, em detrimento de ser-
tudo, isso não garante mudança na
institucionalizadas.
viços que se coadunam com as re-
regulação desses prestadores.
É relevante o fato de que mesmo
A descentralização alcançou,
os municípios com mais autonomia
portanto, alterar a estrutura insti-
e maior conjunto de serviços espe-
tucional de muitos sistemas locais,
cializados apresentem significativas
em especial os de gestão plena, mas
dificuldades de articulação dos ser-
não alcançou alterar a forma de or-
viços de forma a ampliar a integra-
A CONSTRUÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA
lidade e racionalizar recursos eco-
CONSISTENTE DE REGULAÇÃO DO SETOR
nômicos e financeiros. Um aspecto central aí é a relação com o merca-
ganização da rede e sua otimização, pela falência dos mecanismos de
PRIVADO ADQUIRE UM CONTORNO DE MAIOR
regionalização, pelas restrições orçamentárias, que impediram uma
do de provedores de bens e servi-
COMPLEXIDADE À MEDIDA QUE O PROCESSO DE
maior ampliação das redes própri-
ços. Embora tenha se ampliado nos
DESCENTRALIZAÇÃO SE APROFUNDA.
as, e permanece dependente da lógi-
últimos anos a oferta de unidades
ca de oferta do setor privado. Essa
públicas, a rede especializada per-
dependência reduz a capacidade de
manece sendo majoritariamente pri-
regulação do gestor público, o que,
vada.
somado à ausência de hierarquiza-
Na ausência de uma estratégia consistente de regulação que possi-
ais necessidades da população’
ção, resulta em baixa capacidade
(2003: 637).
resolutiva e baixa eficiência na alo-
bilite aos entes estatais ordenar a
A construção de uma estratégia
oferta e integrá-la às políticas locais
consistente de regulação do setor
As relações entre o setor público
e regionais de saúde, a fragmenta-
privado adquire um contorno de
e o privado ao nível local precisam
ção induz à irracionalidade de gas-
maior complexidade à medida que
ser melhor investigadas e sistema-
tos, multiplicação de procedimentos,
o processo de descentralização se
tizadas. Embora sejam em linhas
aquisição indevida de bens, incor-
aprofunda. Isto porque se ampliam
gerais conhecidas, o próprio proces-
poração tecnológica inade-quada,
a divisão de competências e as res-
so de descentralização gerou novas
entre outros. A literatura sobre des-
ponsabilidades sobre os provedores,
regulamentações que demanda-
centralização da política de saúde
podendo levar a indefinições ou
mtambém dos prestadores novas
tem negligenciado este aspecto, uma
ações superpostas, em virtude da
formas de intermediação com o se-
vez que os estudos são escassos.
atual ausência de uma estratégia de
tor público. Do mesmo modo, são
cação de recursos.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
361
361
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa
pouco conhecidas as formas de pres-
nância, pelas razões já exploradas,
sustentada de inovações nos siste-
tação de serviços, compra e venda
de um modelo assistencial curati-
mas locais de saúde.
de produtos pelo setor de insumos,
vo. A estratégia do Programa Saúde
Bodstein (2002) qualifica a ado-
equipamentos e fármacos, também
da Família é apontada como o prin-
ção do Programa Saúde da Família
totalmente controladas pelo setor
cipal mecanismo de alteração desse
como um poderoso mecanismo de
privado.
modelo. De fato, a expansão da es-
indução utilizado pelo governo fe-
Um último ponto aqui diz res-
tratégia através do Piso da Atenção
deral para priorizar a atenção bási-
peito ao problema dos recursos hu-
Básica – PAB transformou significa-
ca. Marques e Mendes (2002) acre-
manos, até hoje sem uma política
tivamente o formato de transferên-
ditam que um de seus aspectos po-
nacional implementada, e ponto des-
cia de recursos aos sistemas locais
sitivos é sua potência como meca-
considerado pelo processo de des-
e regionais, trouxe uma série de ino-
nismo de promoção da saúde e pre-
centralização. A carência, a falta de
vações importantes, não só por es-
venção de doenças. Porém, questio-
incentivo, os baixos salários e a fle-
tabelecer um simples fator de incen-
nam se o Programa está de fato al-
xibilização das formas de contrata-
terando o modelo assistencial e se
ção têm gerado baixa adesão dos
tem garantido, de forma sistemáti-
profissionais aos objetivos do SUS,
ca, o acesso de sua clientela aos
contribuindo para a baixa qualida-
níveis de maior complexidade da
de e desumanização dos serviços.
saúde, ou mesmo a desejada uni-
... O PRÓPRIO PROCESSO DE
Poucos sistemas locais e estaduais empreenderam planos de carreiras e salários para a saúde e a maioria tem privilegiado a contratação de
DESCENTRALIZAÇÃO GEROU NOVAS REGULAMENTAÇÕES QUE DEMANDAM ...
versalização da cobertura. Na verdade, o fato de o Programa Saúde da Família estar direcionado a populações pobres pode ser um fator
serviços sem concurso ou através
limitador para seu sucesso como
de cooperativas. A existência de es-
estratégia de mudança do modelo
trutura funcional sólida é pré-requi-
assistencial prevalecente, e não há
sito para a efetividade dos sistemas
ainda diretriz clara no sentido de que
sociais. Contudo, as restrições or-
ele alcance os setores médios da
çamentárias e os impedimentos da
tivo à prevenção, mas principalmen-
população, apesar de seu inequívo-
lei de responsa-bilidade fiscal têm
te por instituir um impulso para a
co potencial de expansão de cober-
impedido a formação dessa estru-
redefinição do modelo de atenção do
tura. A falta de relação com os ní-
tura.
SUS e para o desenvolvimento de
veis mais complexos de atenção,
programas inovadores (COSTA E PIN-
realidade da maioria dos municípi-
TO, 2002). Para estes mesmos auto-
os pela forma de gestão em que se
res, a nova estratégia dissociou a
inserem, pode contribuir para essa
produção do faturamento, rompen-
limitação.
FORMAS DE ENFRENTAMENTO DAS NECESSIDADES DE SAÚDE
do com a lógica de pagamento por
A entrada do Programa Saúde da
Alguns aspectos cruciais da re-
volume de produção, que perpetua-
Família nos grandes centros vem
forma sanitária foram timidamente
va a estrutura de serviços distorci-
apontar para a necessidade de que
enfrentados pelo processo de descen-
da transmitida pelo modelo anteri-
seja revista a relação da área de
tralização. Um deles é a predomi-
or e dificultava a implementação
saúde com outras áreas sociais.
362 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
Apontamentos sobre o processo de descentralização na saúde
Esse é outro aspecto da reforma sa-
- a pactuação, via instâncias in-
ações e sua resolutividade. Em ou-
nitária que tem merecido pouca
tergestoras, alcançou seu limite
tras palavras, a descentralização
atenção, e que pode comprometer
com as limitações decorrentes da
privilegia níveis de governo, quan-
seu objetivo de pensar e tratar a saú-
indução através do financiamento,
do os problemas de saúde e sua so-
de como questão social. A descen-
e elas tendem a se transformar em
lução são territoriais - locais e re-
tralização, apesar de estimular prá-
burocracias técnicas com baixo im-
gionais;
ticas inovadoras em sistemas mu-
pacto na alteração do sistema, além
- as necessidades de saúde e sua
nicipais, onde há espaço efetivo
de disputarem espaço com o controle
articulação com as necessidades
para ações intersetoriais, pode , na
social;
sociais permanecem fora da agenda
verdade, haver dificultado a integra-
- os Conselhos de Saúde encon-
da descentralização. Embora no Bra-
ção entre políticas, ao induzir práti-
tram-se estagnados em sua função
sil tenhamos uma visão bastante
cas determinadas vinculadas a in-
ao interior do SUS, após o período
avançada da questão social, os sis-
centivos financeiros e não alcançar
de sua institucionalização, em es-
temas de políticas sociais, e o de
alterar o modelo centrado na pro-
saúde entre eles, têm cada vez mais
dutividade de serviços curativos. As
se voltado para políticas setoriais,
inovações nesse sentido devem ser
o que faz com que prevaleça na saú-
investigadas, já que a premência de
de um modelo assistencial curativo
um sistema integrado de proteção
de baixa resolutividade, com o ris-
social só é de fato visível no enfren-
... SUPÕE-SE QUE O MODELO DE
tamento da questão social ao nível
DESCENTRALIZAÇÃO ADOTADO ATÉ ENTÃO
local.
co de termos, em breve, estacionados os indicadores básicos de saúde, quando o impacto da estratégia
ESTEJA ESGOTADO ...
de extensão de cobertura via Programa Saúde da Família tiver se esgo-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tado; - as possibilidades de expansão
Procurou-se aqui, mais do que
do sistema esbarram nas restrições
apontar de novo os avanços conhe-
financeiras do modelo econômico
cidos do processo de descentraliza-
pecial por terem sido tratados como
ção, indicar alguns possíveis pon-
vigente, não havendo mais espaço
mecanismos acessórios, e não como
para o modelo, até aqui bem suce-
tos de estrangulamento. Como dito,
centrais no processo de consolida-
dido, de definição de critérios de dis-
supõe-se que o modelo de descen-
ção do SUS;
tribuição de recursos escassos.
tralização adotado até então esteja
- a interdependência entre níveis
Todos os aspectos levantados
esgotado, em especial pelos seguin-
de governo, base na constituição de
merecem ser aprofundados também
tes aspectos:
um sistema nacional e único, esbar-
sob a perspectiva do federalismo
- a indução, via incentivos finan-
ra nos limites municipais e estadu-
brasileiro. Estudo de Stepan (1999)
ceiros, ao mesmo tempo em que fere
ais, que são preservados pelo finan-
demonstra que o Brasil estaria no
a autonomia local, limita a respon-
ciamento induzido, impedindo prá-
limite do continuum entre federalis-
sabilização sobre a condução pró-
ticas de gestão regional fundamen-
mos que estimulam ou restringem
pria dos sistemas de saúde e a possi-
tais para a expansão da universali-
a participação do conjunto dos ci-
bilidade de inovações significativas;
zação, para a integralidade das
dadãos da pólis, situando-se no pólo
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
363
363
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa
de maior restrição (most demos-
cial. Um balanço da década de 1990.
democracia: federações que restrin-
constraining) e, no seu entender, as
Ciência e saúde coletiva, Rio de Ja-
gem ou ampliam o poder do Demos.
instituições federativas são funda-
neiro, v. 6, n. 2, .p. 417. 2001.
Dados, vol. 42, no 2, Rio de Janeiro,
mentais para a conformação das
1999.
políticas públicas. A descentraliza-
MARQUES, R. M.; MENDES, A. A
ção encontra limites nessa estrutu-
política de incentivos do Ministério
VIANNA et al. Mudanças Significa-
ra federativa; contudo, esse aspecto
da Saúde para a atenção básica: uma
tivas no Processo de Descentraliza-
tem sido tratado como secundário
ameaça à autonomia dos gestores
ção do Sistema de Saúde no Brasil.
pelas
municipais e ao princípio da inte-
Cadernos de Saúde Pública, v. 18,
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supl, p. 139-151. 2002
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4, p. 907-923. 2002.
van; Fase. 2004.
G E R S C H M A N , S .
STEPAN, A. Para uma nova análise
Municipalização e inovação geren-
comparativa do federalismo e da
364 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 353-364, set./dez. 2005
A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde1 The current situation and prospects of universal health systems
Hans-Ulrich Deppe2
Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007
RESUMO Há alguns anos, os diferentes sistemas universais de saúde estão sob grande pressão do modelo econômico neoliberal. A competição global, desregulamentação, privatização e comercialização têm fortes impactos na maioria dos sistemas de saúde públicos sem fins de lucro. A questão é se os sistemas universais podem resistir e/ou se adaptar a esta pressão, ou se têm que mudar estruturalmente.
PALAVRAS-CHAVE: Sistemas Universais de Saúde; Globalização e Saúde; Saúde Pública e Mercado.
ABSTRACT For some years the various universal health care systems have suffered great pressure from the neoliberal economic model. Global competition, deregulation, privatization and commercialization have had a strong impact on most the public health systems without profitable ends. The question is whether the universal systems can bear and/or adapt to such pressure, or whether they need to undergo structural changes. Professor de Sociologia Médica e Medicina Social, com doutorado no exterior; J.W. Goethe-Universidade de Frankfurt /Alemanha. Email:[email protected] 2
KEYWORDS: Universal Health Systems; Globalization and Health; Public Health Care and the Market. Conferência proferida no 11º Congresso Mundial de Saúde Pública, 21-25 de agosto, 2006, Rio de Janeiro. Tradução de Heliete Vaitsman. 1
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005
365
DEPPE, Hans-Ulrich
1. Ao falarmos sobre a situação
Essas condições associam-se com
forma irresponsável. A pobreza au-
atual dos sistemas universais de saú-
freqüência à privatização da propri-
mentou em muitas partes do mundo.
de, devemos falar sobre a situação
edade pública. (Em fevereiro,
Isso também se aplica à presta-
atual das sociedades em que se inse-
estive na Turquia, onde soube
ção de serviços de saúde, um setor
que o governo turco recebeu do
social que é, em geral, controlado e
Banco Mundial e do FMI um cré-
subsidiado pelo Estado. A dissemina-
dito de 10 bilhões de dólares,
ção e a aplicação irrefletida e descon-
com a obrigação de privatizar as
trolada de leis e instrumentos econô-
1.600 policlínicas públicas do
micos a circunstâncias e problemas
país e sua previdência social
não econômicos é descrita como “eco-
pública.) O mercado e a compe-
nomização”. Sob as condições espe-
tição regulamentarão cada vez
cíficas do modelo econômico neolibe-
mais as relações sociais, com
ral ora dominante, trata-se de uma
rem os sistemas de saúde. Hoje, praticamente todos os países enfrentam processos de globalização, desregulamentação e privatização – de diferentes intensidades e em níveis distintos. Isso é o que chamamos de ‘onda neoliberal’! O setor público – em especial o da universalização da saúde – se vê muito confrontado, em
comercialização. Neste contexto, acre-
cada país, com essas novas circuns-
dito ser útil acentuar que o neolibera-
tâncias.
lismo é apenas um modelo – uma
Globalização – a expansão inter-
construção – e não uma condição fí-
nacional da acumulação de capital –
sica. A pessoa ideal que participa des-
A QUESTÃO SOCIAL É
se processo neoliberal é reduzida a
Nas duas últimas décadas, o proces-
MARGINALIZADA NA AGENDA POLÍTICA
naturalmente egoísta que maximiza
so de acumulação de capital ganhou
E NEGLIGENCIADA DE FORMA
um impulso importante no mundo
IRRESPONSÁVEL
é um conceito amorfo. Alguns autores falam de um novo imperialismo.
inteiro devido ao colapso dos Esta-
globalização é o capital financeiro – apoiado por instituições financeiras globais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comér-
constitui uma crítica geral à economia, mas a negação de sua onipotênuma influência excessiva dos princí-
das forças produtivas, impulsionado área mais agressiva no processo de
seus próprios benefícios. Isso não
cia. Não se trata apenas de apontar
dos socialistas e ao desenvolvimento pela tecnologia microeletrônica. A
um homo economicus, um indivíduo
pios econômicos, porém de verificar uma visão baseada em c a t e g o -
se as ferramentas implementadas são
r i a s d a gestão empresarial pe-
apropriadas às circunstâncias. Sob as
netrando e ordenando todos os
exigências hegemônicas do capital,
nichos sociais. Como o principal
dos mercados e da competição, a so-
objetivo da gestão empresarial é ob-
ciedade é reduzida a uma mera soci-
ter lucros, uma de suas conseqüênci-
edade de mercado. Portanto, é uma
as é o crescimento da instabilidade e
questão importante saber que mode-
cio. Este setor determina, entretanto,
da polarização social em escala mun-
lo econômico específico forma a base
como serão estruturados e como de-
dial – não apenas entre os países ri-
da estrutura de poder criada pelo de-
vem agir os outros setores da socie-
cos e os em desenvolvimento, mas
senvolvimento histórico. A atual cir-
dade, para que utilizem como instru-
também no interior dos países ricos.
cunstância levantou questões funda-
mentos essenciais créditos financeiros
A questão social é marginalizada na
mentais a respeito das estruturas bá-
com condições especiais.
agenda política e negligenciada de
sicas dos sistemas de saúde e, tam-
366 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005
A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde
bém, a respeito das adaptações tec-
dinheiro, mais do que jamais houve,
de política de saúde está mudando.
nocráticas de tais estruturas às situ-
sobretudo nos países ricos, por outro
Ele muda da compensação tradicio-
ações nacionais. Preocupam-nos, fun-
lado não há dinheiro suficiente para
nal de um risco social, que tem raí-
damentalmente, o desenvolvimento e
as necessidades básicas da atenção à
zes nacionais e recebe financiamento
a renovação da relação entre saúde,
saúde. Trata-se, sobretudo, de uma
coletivo, para um fator de respaldo à
medicina e sociedade.
questão de distribuição e devemos
acumulação de capital privado glo-
Os sistemas de atenção à saúde
reconhecer – mesmo na ciência – que
bal. A solidariedade na atenção à saú-
não são construções sociais isoladas.
esta é uma questão de decisão social
de é solapada por interesses indivi-
Têm raízes profundas na estrutura, na
e poder político. Quase todos os siste-
duais. É um processo de reindividua-
cultura e na história de suas socieda-
mas de saúde são considerados ‘ca-
lização e comercialização.
des. São uma precondição para a paz
ros demais’. Foi disseminado o mito
Sabemos, todavia, que os países
social no interior de sociedades con-
da ‘explosão de custos’. Os custos
que mais avançaram na transforma-
traditórias. Em oposição à globaliza-
para a saúde são vistos unicamente
ção neoliberal de seus sistemas de
ção crescente do capital, os sistemas
saúde não são necessariamente os
de saúde têm vínculos sólidos com
‘melhores’. Os Estados Unidos – onde
os Estados nacionais. A transforma-
se desenvolveu o modelo neoliberal –
ção desses sistemas envolve mais do
são o exemplo preferencial, mas não
que meras transformações tecnológi-
único, desta regra. Os EUA têm os
cas. A transformação estrutural dos sistemas de saúde sempre é o resultado de lutas sociais e políticas – especialmente nas crises sociais e polí-
O SISTEMA DE SAÚDE É O ESPELHO DA SOCIEDADE, REFLETINDO SUA HISTÓRIA E SEU CARÁTER
gastos mais elevados em saúde, em comparação com o Produto Interno Bruto e a renda per capita, e seus custos de administração são extrema-
ticas. Isso significa que é preciso en-
mente elevados. A tecnologia médica
trar numa disputa por um sistema de
é bastante avançada, porém isso não
atenção à saúde especial. Em muitas
se reflete nos indicadores de saúde.
partes do mundo, os sistemas de saú-
Além disso, a disseminação da pobre-
de passaram por mudanças estrutu-
za social nos EUA aumenta a iniqüi-
rais após revoluções e guerras, a der-
como uma carga para o desenvolvi-
dade social da prestação de serviços
rota de ditaduras fascistas e milita-
mento econômico – à medida que são
de saúde. Lá, cerca de 43 milhões de
res ou o colapso dos países socialis-
uma questão relevante para a posi-
pessoas não têm cobertura do siste-
tas. A disputa pelo sistema de saúde
ção do capital na competição econô-
ma de saúde; um número ainda mai-
não é uma ação isolada, mas uma
mica global. Atualmente, a política de
or tem cobertura insuficiente pelos
luta permanente. O sistema de saúde
saúde é bastante pressionada a obter
seguros de saúde; e, enquanto isso,
é o espelho da sociedade, refletindo
recursos financeiros adicionais. A si-
continua a crescer o total de pessoas
sua história e seu caráter.
tuação mais comum é que os custos
sem qualquer seguro e com cobertu-
Há, na atualidade, uma preocu-
da atenção à saúde sejam cortados. A
ra insuficiente.
pação com os custos ascendentes de
economização dos temas sociais e
todos os sistemas de saúde. É incrí-
médicos chegou nesse meio tempo ao
2. Neste cenário, são necessários
vel: se por um lado há na Terra tanto
limite da autodestruição. O conceito
alguns esclarecimentos e comentári-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005
367
DEPPE, Hans-Ulrich
os acerca dos sistemas de atenção
existe sistema de saúde no mundo que
doença, ou o tipo de tratamento ade-
universal à saúde.
seja organizado exclusivamente com
quado a ela. À doença não correspon-
A atenção universal à saúde ca-
base em princípios mercadológicos.
de a regulamentação individual iso-
racteriza um sistema de saúde em que
Isso se deve, entre outras, às seguin-
lada, já que ela é um risco de vida
todos os residentes de determinado
tes peculiaridades:
coletivo.
país têm acesso a cuidados de saúde,
• A saúde é um bem existencial.
• A soberania do consumidor do
independentemente da condição mé-
É um valor de uso, que em nossas
dica que apresentem. Neste caso, a
sociedades é coletivo e público (simi-
• O paciente que procura trata-
medicina é orientada para a necessi-
lar ao ar, à água potável, à educa-
mento é confrontado com o monopó-
dade – aquilo que é necessário do
ção, à segurança no trânsito e à se-
lio do saber médico, o que gera o do-
ponto de vista médico. A maioria dos
gurança jurídica). A atenção à saúde
mínio da oferta.
sistemas universais de saúde é finan-
é uma necessidade social. E a orga-
• A procura do paciente por as-
ciada principalmente pelas arrecada-
nização social da atenção à saúde
sistência médica é, fundamentalmen-
sistema de saúde é muito limitada.
ções tributárias, a exemplo da Dina-
te, não específica. É a competência de
marca, Suécia e Canadá. Se os siste-
um especialista que primeiro define e
mas universais de saúde são financi-
especifica a procura. Há uma diferença essencial entre a competência e a
política fiscal nacional e a quem ela
A ATENÇÃO À SAÚDE É UMA NECESSIDADE SOCIAL. E A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA ATENÇÃO
favorece ou discrimina. Devemos ob-
À SAÚDE DEVE SER ORIENTADA PARA ESSA
grande poder discricional na determi-
servar se essa política baseia-se em
NECESSIDADE - NÃO PARA OUTROS OBJETIVOS
nação de indicações, bem como de
palda privilégios. Outros países, como
E INTERESSES DETERMINADOS PELO MERCADO
Podemos imaginar o que significa
a Alemanha, a França e o Japão têm
E POR LUCROS
ados sobretudo por impostos, devemos observar qual é a estrutura da
princípios de solidariedade ou se res-
informação do médico e do paciente. Os profissionais médicos têm um
medidas diagnósticas e terapêuticas. médicos serem empresários ou trabalharem cumprindo esse papel.
um sistema de saúde universal em que a atenção à saúde é financiada
• E, por último, mas não menos
por contribuições privadas e públicas.
importante: o paciente se encontra
Os sistemas universais variam no to-
deve ser orientada para essa necessi-
numa posição vulnerável de incerte-
cante à cobertura dos serviços, que
dade – não para outros objetivos e in-
za, fraqueza, dependência e necessi-
pode ser completa, parcial ou inexis-
teresses determinados pelo mercado
dade, não raro associada ao medo e
tente.
e por lucros.
à vergonha.
• O indivíduo não pode decidir
Essa breve descrição da relação
3. Com base em tais considerações
renunciar à doença – como pode fa-
entre mercado e paciente demonstra
e fatos, é importante repensar alguns
zer em relação aos bens de consumo.
que a proteção pública é necessária.
princípios básicos de como a socie-
• O paciente não sabe quando e
Tudo indica que os mecanismos da
por que ficará doente, nem sabe que
oferta e procura não se aplicam à pres-
Saúde ou doença não podem ado-
doença o acometerá no futuro. O pa-
tação dos serviços de saúde. O siste-
tar totalmente o caráter de produto.
ciente não tem a capacidade de deter-
ma de atenção à saúde é, por conse-
Nossas pesquisas mostram que não
minar a duração e o momento de sua
guinte, um exemplo da teoria do fra-
dade lida com a doença e a saúde.
368 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005
A situação atual e as perspectivas dos sistemas universais de saúde
casso do mercado em economia. As
de maneira sarcástica, porém argu-
Qual é, com base em pesquisas
competências distributivas do merca-
ta, de acordo com a perspectiva mi-
teóricas e empíricas, minha mensa-
do são, neste caso, insuficientes. O
croeconômica e de racionalidade da
gem?
mercado é uma força cega sem orien-
gestão empresarial, serviços de saú-
Esse conjunto de problemas leva
tação e é preciso dar-lhe direções e
de ineficazes ou até mesmo causado-
à conclusão de que uma sociedade
objetivos. O Estado, representação
res de riscos podem produzir os mes-
deve ter setores protegidos, orienta-
democrática da sociedade, tem, des-
mos lucros que serviços eficazes e
dos para o bem-estar comum, que não
se modo, responsabilidades importan-
úteis.
podem ser confiados à força cega do mercado nem ao poder desregulamen-
tes, devendo ser políticas as decisões 5. Na atualidade, os Sistemas Uni-
tador da competição. Acredito profun-
versais de Atenção à Saúde sofrem
damente que há em nossas socieda-
4. No âmbito dos modelos econô-
enorme pressão. Em quase todas as
des setores relevantes que não devem
micos atuais, há diferenças entre a
áreas do sistema de saúde, busca-se
ser privatizados nem comercializados,
sobre os rumos a tomar.
racionalidade microeconômica e a
pois isso irá contrariar e destruir os
racionalidade macroeconômica. O que
valores humanos e sociais dessas
mais interessa aos negócios não é
mesmas sociedades. Devemos respei-
necessariamente o que melhor atende
tar e manter áreas em que a comuni-
à economia como um todo. Com efeito, os interesses das duas dimensões costumam ser contraditórios, o que se mostra especialmente em casos como a proteção ambiental ou a indústria atômica. A atual expansão da
cação e a cooperação não sejam co-
O LUCRO ECONÔMICO TENDE A SUPRIMIR A NECESSIDADE MÉDICA, QUE DEVERIA SER O PRINCIPAL CRITÉRIO PARA O TRABALHO DOS MÉDICOS
mercializadas e os serviços não tenham caráter de produto. Tais setores protegidos relacionamse à maneira de tratar os grupos vulneráveis (crianças, idosos, pacientes
racionalidade microeconômica traz
psiquiátricos, etc.), e a objetivos so-
consigo, com freqüência, um enorme
ciais vulneráveis, tais como solidari-
desperdício de recursos da socieda-
edade e eqüidade, ou a estruturas de
de. A empresa singular evita os cus-
comunicação vulneráveis – em espe-
tos sociais associados, até que a so-
com grande afã a possibilidade de
cial aquelas com base em confiança,
ciedade intervém nos aspectos macro-
aplicação de esquemas mercadológi-
como a relação médico-paciente. Es-
econômicos, sociais ou ecológicos.
cos auto-reguladores, competição eco-
ses setores sociais protegidos consti-
Pode-se observar esse fenômeno até
nômica e marcos microeconômicos.
tuem, sem dúvida, o alicerce de um
mesmo no sistema de atenção à saú-
Assim, o lucro econômico tende a
modelo social humano. Tal qualida-
de. Por exemplo, a transferência de
suprimir a necessidade médica, que
de deve ser aceita e conquistar de novo
custos do setor ambulatorial para o
deveria ser o principal critério para o
a hegemonia na sociedade civil. A
hospitalar pode ser vantajosa para
trabalho dos médicos. Trata-se de uma
quantidade, a magnitude e a exten-
determinada instituição, embora seja
mudança do tradicional paradigma
são de tal rede de segurança voltada
mais dispendiosa se analisada de
médico, que passa da atenção a uma
para o bem-estar dependem das for-
uma perspectiva mais ampla. Como
necessidade para atenção como cam-
ças vivas das organizações políticas
observam os economistas da saúde,
po de acumulação de capital.
e movimentos sociais de massa que
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005
369
DEPPE, Hans-Ulrich
articulam a disposição e a consciência da população. De maneira nenhuma os campos da doença e da saúde são fenômenos periféricos ou marginais à sociedade. Com efeito, o direito à saúde é um direito humano. Às vezes, a instrumentalização cínica de valores sociais básicos por interesses privados disfarçados conduz à errônea suposição de que o desrespeito aos direitos humanos é o que lhes dá significado. Acredito, contudo, que não se devem comercializar os direitos humanos; eles não se prestam a ser objeto de marketing, sob pena de ter seu significado destruído. E isso vale para a saúde em geral – o que se formula como palavra de ordem política e científica: Saúde não é mercadoria! Saúde não está à venda!
370 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 365-370, set./dez. 2005
Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações From state reform to the reform of federal hospital administration: some considerations
Lenir Santos1
RESUMO O presente trabalho tece considerações a respeito da Reforma Administrativa do Estado inconclusa a partir da EC19/98. Estuda dois institutos
Recebido: Dez./2006 Aprovado: Mar./2007
ali previstos que são: a possibilidade de o Estado criar fundações públicas de direito privado a partir de uma autorização legislativa – art. 37, XIX, e o contrato de autonomia previsto no art. 37, § 8º da CF. Propõe-se, ainda, criar um regime administrativo para essas fundações que permita maior agilidade e resultados qualitativos, além de estabelecer um liame com os hospitais públicos que poderiam, de maneira mais consentânea com o bem protegido que é a vida humana, serem mais efetivos e eficientes ao adotarem esse modelo jurídico fundacional. PALAVRAS-CHAVE: Saúde pública; administração pública; fundação estatal.
ABSTRACT This paper offers some considerations regarding the unfinished State Administration Reform based on EC19/98. It studies two institutes set forth therein, which are: the possibility of the State creating public foundations under civil law based on legislative authorization - art. 37, XIX, and the contract of autonomy set forth in art. 37, § 8º of the Federal Constitution. A proposal is also made for the creation of an administrative regime for these foundations that allow greater agility and qualitative Advogada, especialista em direito sani-
results, besides establishing a connection with the public hospitals that
tário Membro do Instituto de Direito Sani-
could, in a manner that is more coherent with protecting human life, be
tário Aplicado – IDISA
more effective and efficient by adopting this legal model as a basis.
1
www.idisa.org.br E-mail: [email protected]
KEYWORDS: Public health; public administration; state foundations.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005
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SANTOS, Lenir
INTRODUÇÃO
do pela inovação tecnológica e práticas empreendedoras.
A consagração do direito à saú-
A administração pública tem
de na Carta Constitucional de 1988
baixa capacidade operacional, fra-
foi uma conquista da sociedade bra-
co poder decisório, controles essen-
sileira no campo dos direitos soci-
cialmente formais e sem qualidade
ais, tendo sido o resultado da luta
e influências políticas externas. As-
A CRISE DO ESTADO E A SUA REFORMA
pacitar profissionais para gerir a
moderna e humana; esses serviços,
complexidade de um sistema hos-
muitas vezes, tem alto custo e bai-
É importante lembrar que a crise do Estado e a necessidade de sua reforma surgiram, na realidade, nos anos 80, nos países centrais. Foi a crise do Estado-Providência ou do Estado de Bem-Estar Social. Era necessário diminuir custos sociais (porque nesses países o Estado sempre investiu muito em serviços públicos de saúde, educação, habitação etc.), combater a ineficiência pública e os excessos e rever o tamanho do Estado. No Brasil, a crise do Estado surgiu nos anos 90 e não foi a do Estado-Providência, porque ele nunca chegou a existir. O próprio direito à saúde, bem como a garantia de outros direitos sociais, são conquistas mais recentes, datada de 1988, com a Constituição-cidadã. A crise do Estado no nosso país foi muito mais uma crise de gestão e de qualidade, sem se esquecer que o Estado nunca deixou de tentar minimizar os custos da Constituição de 88 com os direitos sociais, muitos deles de caráter universal e gratuito, oneroso, pois, para os cofres públicos. A intenção de enxugar o tamanho do Estado sempre esteve presente, e se iniciaria com a transferência dos serviços não exclusivos, como saúde, educação, cultu-
pitalar que está fortemente marca-
xo resultado.
ra, para entidades privadas1.
empreendida pelos ideólogos da Reforma Sanitária durante muitos anos antes. O direito à saúde, como direito público subjetivo, implica na garantia pelo Estado da adoção de políticas públicas que evitem o risco de
sim, a finalidade da administração passou a ser os meios e seus processos e não os fins. Tal contexto se reflete na gestão hospitalar pública dificultando uma política de incorporação tecnológica, informati-
agravo à saúde, devendo ser consideradas, nesse contexto, todas as condicionantes da saúde, como meio ambiente saudável, renda, trabalho, saneamento, alimentação, educação bem como a garantia de ações e serviços de saúde que promovam, protejam e recuperem a
NA MAIORIA DOS HOSPITAIS PÚBLICOS FALTA GESTÃO CAPAZ, EFICIENTE, MODERNA E HUMANA; ESSES SERVIÇOS, MUITAS VEZES, TEM ALTO CUSTO E BAIXO RESULTADO
saúde individual e coletiva. Para a garantia dessas ações e serviços temos o Sistema Único de Saúde. Dentre os serviços que incumbem aos órgãos e entidades que compõem o Sistema Único de Saúde es-
zação, modernização administrati-
tão os serviços hospitalares, hoje,
va e gestão de recursos humanos
um dos problemas do sistema público de saúde, principalmente no que se refere a sua gestão que não se modernizou nem conseguiu ca-
comprometidos com o serviço público. Na maioria dos hospitais públicos falta gestão capaz, eficiente,
Pregava-se nos anos 90, a transferência para o setor público não estatal dos serviços não exclusivos do Estado, transformando entes públicos em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, com autorização para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo. Propunha-se uma diminuição do tamanho do Estado, com o fim de provê-lo de maior eficiência e como as organizações sociais seriam diversas geraria entre elas saudável competição (Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado).
1
372 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005
Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações
Contudo, a Reforma Bresseriana
de servidor no serviço público.Na
aprimoramento da eficiência, eficá-
dos anos 902 visou muito mais le-
maioria das vezes, infelizmente,
cia e efetividade, em consonância
var para o Terceiro Setor, sob regu-
somente as entidades e órgãos pú-
com o previsto no Plano Diretor da
lação estatal, a realização de servi-
blicos que atuaram com entidades
Reforma do Estado”(BRASIL,
ços públicos, ao invés de introdu-
paralelas conseguiram manter qua-
2005b). Essas medidas tinham por
zir modernos processos de gestão
lidade nesses serviços3. Foi a era das
objetivo adequar o Poder Público ao
no interior da administração públi-
fundações de apoio, das cooperati-
acordo que seria firmado com o
ca, eivada de problemas já identifi-
vas de trabalhadores, das terceiri-
Fundo Monetário Internacional –
cáveis, como excesso de controles,
zações ilegais etc.; o próprio TCU,
FMI (ajuste fiscal 5.7.99). A medida
ineficiência, limitados resultados e,
no recente Relatório - Acórdão 1193/
mais importante, no que diz respei-
ainda, inadequada gestão de recur-
2006-Plenário reconheceu que o
to à saúde pública, foi a redução
sos humanos, baixos salários,
imobilismo e as amarras da admi-
do gasto com a folha salarial de
amarras burocráticas desqualifica-
nistração pública empurrou o ges-
todo o funcionalismo, fator que con-
das, não capacitação de servidores
tribuiu para a baixa expressiva no
e fraco engajamento com a quali-
quantitativo de profissionais da
dade dos serviços executados.
...A REFORMA BRESSERIANA DOS ANOS 90 VISOU MUITO MAIS LEVAR PARA O TERCEIRO SETOR, SOB REGULAÇÃO ESTATAL, A REALIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, AO INVÉS
área da saúde nos hospitais públi-
assegurasse os mínimos direitos
DE INTRODUZIR MODERNOS PROCESSOS DE
los Estados; o descalabro de con-
capazes de garantir a sobrevivên-
GESTÃO NO INTERIOR DA ADMINISTRAÇÃO
tratações de consultores por orga-
PÚBLICA...
administração pública federal, em
Não se pensou em reestruturar o Estado, com bem assevera Adriana da Costa Ricardo Shier, com a intenção de adequá-lo, tornando-o uma “instituição que efetivamente
cia digna dos cidadãos; ao invés, preferiu-se, mais uma vez na histo-
cos federais, situados no Município do Rio de Janeiro”. (BRASIL, 2005b). O Governo FHC arrochou os salários dos servidores públicos federais, no que foi acompanhado pe-
nismos internacionais para atuar na
ria, conceder tal tarefa ao merca-
funções, desde as mais singelas às
do, à iniciativa privada. Optou-se
de maior complexidade, com pro-
pela diminuição do Estado em re-
tor público para aliar-se a mecanis-
fissionais com mais de 10 anos atu-
lação ao atendimento de demandas
mos externos ao Estado para viabi-
ando mediante contrato de consul-
sociais.”(SHIER, 2002 , p. 136)
lizar-se: “13. Exposto este quadro,
toria (que levou o Ministério Públi-
Isso tudo levou a administração
percebe-se que há exaustão do mo-
co a realizar Termo de Ajuste de
pública a buscar mecanismos pa-
delo jurídico adotado para essas
Conduta com o governo federal para
ralelos ao Estado para se safar da
unidades, situadas na órbita da
a realização de concurso público),
imobilidade burocrática, dos baixos
Administração Direta, que impossi-
tudo isso reforçou os desvios já exis-
salários e da retração de ingresso
bilita a adoção de mecanismos de
tentes na administração pública e
Em 1995, foi lançado pelo Ministro Bresser Pereira, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o qual, buscou, na realidade, criar figuras novas no Terceiro Setor, as quais deveriam se transformar em espaço público não estatal. Foram criadas pelas Leis ns. 9637/98 e 9790/99 as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ao lado das Agencias Executivas. 2
3 A que preço essas entidades paralelas ajudaram a gerir o serviço público de maneira mais eficaz? Estamos em plena crise da Fundação Zerbini, tida como modelo de eficiência, modelo de gestão ao custo de uma dívida de mais de R$250 milhões de reais, conforme veiculado pela imprensa nesses últimos meses (VERBA, 2006).
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SANTOS, Lenir
ocasionou uma paralisia na moder-
ções essencialmente não exclusivas
implementadas e que serão objeto
nização do serviço público, com
(SANTOS, 1998).
deste trabalho. Visava a EC 19
graves conseqüências para a população usuária.
amortecer o endurecimento da adConcluindo, a Reforma do Esta-
ministração pública.
Não podemos negar que a Re-
do do final dos anos 90 somente
forma do Estado nos dias de hoje
cuidou de retirar do Estado ativi-
não poderá deixar de considerar o
dades consideradas não exclusivas
Terceiro Setor como um espaço de
e transpassá-las para o Terceiro Se-
interesse público fora do Estado,
tor, principalmente as da área da
complementar ao Estado, mas não
saúde, sem, contudo, trazer para si
A Reforma Administrativa – EC
substitutivo dele. Mas não podemos
a discussão de uma reforma admi-
19/98 – trouxe, dentre outras, al-
nos esquecer que também o Tercei-
nistrativa que desse conta de me-
gumas inovações, como: a) térmi-
A REFORMA ADMINISTRATIVA DA EC 19/98
ro Setor, na saúde, tem suas maze-
no do regime jurídico único, possi-
las, falta de eficiência, qualidade,
bilitando à administração a escolha
modernização, precisando, também,
do regime da CLT e não apenas o
se qualificar. Boaventura Souza Santos repor4
ta a esse tema ao afirmar que a substituição e a complementaridade entre o Terceiro Setor e o Estado, quando se funda na discussão entre as funções do Estado exclusivas e as não exclusivas, devendo o Es-
...A REFORMA DO ESTADO DO FINAL DOS ANOS 90 SOMENTE CUIDOU DE RETIRAR DO ESTADO ATIVIDADES CONSIDERADAS NÃO EXCLUSIVAS E TRANSPASSÁ-LAS PARA O TERCEIRO SETOR, PRINCIPALMENTE AS DA ÁREA DA SAÚDE...
estatutário; b) garantia de estabilidade apenas aos servidores detentores de cargo público efetivo provido por meio de concurso; c) garantia de os órgãos e entes da administração pública, direta e indireta, gozarem de maior autonomia gerencial, orçamentária e financei-
tado ser substituído em tudo aqui-
ra mediante contrato firmado entre
lo que não for de sua exclusividade é altamente problemática, principal-
lhorar o emperramento da máqui-
mente pelo fato de que
na pública, com alargamento dos horizontes de sua gestão.
os administradores e o poder público; d) criação de fundação governamental de direito privado, mediante autorização legislativa.
(...)nenhuma das funções do Esta-
Não obstante a pouca atenção
do foi originalmente exclusiva dele; a
aos melhoramentos internos da ad-
Vamos nos deter apenas ‘no con-
exclusividade do exercício de funções
ministração pública, a EC 19/98 –
trato de autonomia’, mencionado no
foi sempre o resultado da luta política.
Reforma Administrativa - introdu-
§ 8º do art. 37 e na ‘fundação go-
Não havendo funções essencialmente
ziu algumas inovações no Texto
vernamental de direito privado’, pre-
exclusivas não há, por implicação, fun-
Constitucional, as quais não foram
vista no inciso XIX do art. 37 da CF,
4 A Reinvenção Solidária e Participativa do Estado – Boaventura Souza Santos – artigo publicado pelo Seminário Internacional Sociedade e a Reforma do Estado. (SANTOS, 1998).
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Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações
denominada doravante de ‘fundação
Entretanto, o contrato de gestão
da Fundação das Pioneiras Sociais,
estatal’5, instrumentos que podem
tem sido um instrumento muito mais
o do Grupo Hospitalar Conceição,
modernizar a gestão da saúde.
de controle das organizações soci-
cuidam tão somente da fixação de
ais ou de fixação de responsabili-
metas, avaliação de desempenho e
dades e metas públicas do que de
outros compromissos, sem flexibi-
expansão da autonomia dos entes e
lização da gestão.
DO CONTRATO DE AUTONOMIA
órgãos públicos.
Nos últimos anos a administra-
O contrato de gestão não amplia
O contrato do § 8º do art. 37 tem
a autonomia, mas sim, especifica
por objeto o ‘alargamento da auto-
metas e responsabilidades, critéri-
nomia’ como meio para se alcan-
os de avaliação do ente público ou
ção pública vem abrindo espaço
çar a melhoria da gestão de órgão
privado, sem, contudo, conferir
para “atuações administrativas ins-
ou ente público e fixação clara de
maior autonomia gerencial, finan-
trumentalizadas por técnicas contra-
responsabilidades do administrador
ceira ou patrimonial, muitas vezes,
tuais, decorrentes de consenso, acor-
essenciais para a obtenção de resul-
do, cooperação, parcerias firmados
tados qualitativos na prestação de
entre a Administração e particulares ou entre órgãos públicos e entidades estatais” (MEDAUAR, 2005). Tanto que o contrato de gestão – que surgiu nos anos 90, no Governo Collor, pelo Decreto 137/916 – tem sido amplamente utilizado no âmbito da administração pública nas
O CONTRATO DE GESTÃO NÃO AMPLIA A AUTONOMIA, MAS SIM, ESPECIFICA METAS E RESPONSABILIDADES, CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO ENTE PÚBLICO OU PRIVADO, SEM, CONTUDO, CONFERIR MAIOR AUTONOMIA GERENCIAL, FINANCEIRA OU PATRIMONIAL...
relações que mantém com as Orga-
serviços públicos. O § 8º do art. 37 da CF que reza que mediante contrato a ser firmado entre o Poder Público e seus administradores poderão ser ampliadas as autonomias gerencial, orçamentária e financeira de entidades e órgãos da administração direta e indireta, devendo a lei definir o prazo de duração do contrato; os con-
nizações Sociais, com o Serviço
troles e critérios de avaliação de
Social Autônomo, com as agências
desempenho, direitos, obrigações e
reguladoras, agências executivas e
público; já o contrato de gestão uti-
responsabilidades de seus dirigen-
com empresas estatais.
lizado pela administração, como o
tes e remuneração de pessoal.
7
Em abril de 2005, a pedido de dirigentes do Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, ente federal, realizei estudos para transformar aquelas entidades em fundação governamental de direito privado. Em outubro do mesmo ano, apresentei o resultado dos estudos numa oficina de trabalho organizada pelo Ministério do Planejamento, Projeto EuroBrasil 2006, Secretaria de Gestão, para discutir novas formas de gestão hospitalar. A partir daí, tanto o Ministério do Planejamento quanto o Ministério da Saúde decidiram aprofundar os estudos sobre o modelo de Fundação Governamental de direito privado (Fundação Estatal) proposta por mim para o Grupo Hospitalar Conceição, criando grupos de trabalho. Também venho participando, informalmente, como colaboradora, do grupo de trabalho do Ministério do Planejamento, Secretaria de Gestão, composto por Sábado Girard e Valéria Alpino Bigonha Salgado.
5
O Decreto 137/91 definia o contrato de gestão como “instrumento do Programa de Gestão das Empresas Estatais – PGE, no qual se estipulam compromissos reciprocamente assumidos entre a União e a Empresa”. Esse contrato objetivava o aumento da eficiência e competitividade das empresas estatais. 6
Abrindo um parêntese, as Agências executivas, criadas pelo art. 51 e 52 da Lei 9.649/98 são autarquias e fundações públicas que podem, por decreto do Presidente da República, ser qualificadas como agência executiva desde que tenham plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional e celebre contrato de gestão com o Ministério supervisor, gozando, assim, de maior autonomia. Entretanto, nenhum decreto pode ultrapassar os limites da lei que criou o ente qualificado como agencia executiva, garantindo-lhe autonomia maior que a lei que a o criou. Decreto presidencial não pode expandir limites legais. As flexibilidades devem estar previstas em lei, como acontece com a Lei 8.666 que ampliou o valor percentual de dispensa de licitação para as agências executivas.
7
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SANTOS, Lenir
Vê-se, desde logo, a diferença
ras de responsabilização pelo con-
nho para o órgão ou entidade, a sua
entre o contrato de gestão e o con-
trato de autonomia. Reza o citado
duração, controles, critérios de ava-
trato mencionado no § 8º do art. 37
Decreto-lei que
liação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos
‘o qual claramente refere-se à am-
dirigentes e remuneração de pesso-
pliação de autonomia gerencial, fi-
(...) se por um lado, a administra-
nanceira e orçamentária de uma das
ção e gestão obedecem a regras funda-
partes contratante’.
mentais que são comuns a todas as es-
A lei que dispuser sobre o con-
Não há, ainda, no nosso país,
colas, o certo é que, por outro lado, a
trato de autonomia, há que disci-
lei definindo o ‘contrato de autono-
configuração da autonomia determi-
plinar todos esses elementos e con-
mia’. No direito Português, o Decre-
na que se parta de situações concretas
ferir aos administradores públicos
to-Lei nº 115-/988, de 4 de maio,
distinguindo os projectos educativos e
de órgãos (por não serem dotados
aprova o regime de autonomia, ad-
as escolas que estejam mais aptas a as-
de personalidade jurídica própria)
ministrativa e de gestão dos esta-
sumir, em grau mais elevado, essa au-
poderes para firmar o contrato com o Poder Público ou ‘uma competên-
belecimentos públicos de educação pré-escolar, ensinos básico e secundário. O contrato de autonomia português é definido como
O CONTRATO DE AUTONOMIA – UM CONTRATO INUSUAL NA ADMINISTRAÇÃO – DEVERÁ FIXAR METAS DE DESEMPENHO PARA O
o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação, a administra-
ÓRGÃO OU ENTIDADE, A SUA DURAÇÃO,
ção municipal e, eventualmente, outros
CONTROLES, CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE
parceiros interessados, através do qual
DESEMPENHO, DIREITOS, OBRIGAÇÕES E
se definem objectivos e se fixam as condições que viabilizam o desenvolvimen-
al.
RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES E REMUNERAÇÃO DE PESSOAL
to do projecto educativo apresentado pelos órgãos de administração e gestão
cia especial’, no dizer de Silva (2007) (...) que lhes permita celebrar o contrato, que talvez não passe de uma espécie de acordo-programa. Ainda, conforme o ilustre professor, a Constituição criou uma forma de contrato administrativo inusitado entre administradores de orgãos do poder público com o próprio poder público, cabendo ao legislador ordinário disciplinar a matéria.
de uma escola ou de um agrupamento
tonomia, cabendo ao Estado a respon-
de escolas (BRASIL, 1998).
sabilidade de garantir a compensação
Tal lei poderá inovar garantindo
exigida pela desigualdade de situações
ao administrador que firmar o con-
(BRASIL, 1998)9.
trato de autonomia, dentre direitos
Sua finalidade é melhorar o desempenho do serviço público de
e responsabilidades mencionados no
educação mediante uma série de
O contrato de autonomia – um
texto constitucional, a sua perma-
autonomias e permitir que a admi-
contrato inusual na administração
nência frente ao órgão (mandato),
nistração pública adote regras cla-
– deverá fixar metas de desempe-
por um determinado prazo, que pode
8
Alterado pela Lei Portuguesa 24/99.
O contrato de autonomia português prevê duas fases do processo de desenvolvimento da autonomia, conforme negociação prévia entre a escola e a administração pública. Na primeira fase, concede-se gestão flexível do currículo, adoção de normas próprias sobre horários, tempos letivos, intervenção no processo de seleção de pessoal, gestão e execução orçamentária, possibilidade de autofinanciamento e gestão de outras receitas.
9
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Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações
ser o do contrato; poderá, ainda, no
Sem adentrar nesse campo com
privado como pelo direito público,
tocante às responsabilidades, impe-
maior profundidade, como diversos
conforme a lei dispuser, passaremos
dir a ocupação daquele administra-
autores já o fizeram exaustivamen-
a demonstrar que hoje, as funda-
dor de outros cargos de direção, por
te, podemos dizer de maneira sinté-
ções estatais regidas pelo direito
determinado período, no caso de des-
tica que a doutrina se divide entre
privado podem ser um modelo de
cumprimento injustificado do con-
os que entendem que as fundações
entidade governamental com maior
trato, com prejuizo publico.
instituídas pelo Poder Público po-
autonomia e de grande utilidade para a prestação de serviços públi-
Poderá, ainda, vincular as ques-
dem ser de direito privado ou pú-
tões relativas a remuneração de
blico, conforme dispuser a lei auto-
pessoal à economia de recursos or-
rizativa10 e aqueles que advogam
çamentários, os quais poderão ser
que todas as fundações quando ins-
destinados ao pagamento de prêmio
tituídas pelo Poder Público sempre
de produtividade ao seu pessoal,
serão de direito público. Há, ainda,
conforme disposto no art. 39, § 7º
cial, ‘em especial, os serviços de saúde’. O inciso XIX do art. 37 da Consespecífica poderá ser criada autar-
var ao disciplinar esse dispositivo
quia e autorizada a instituição de
constitucional, criando um novo
empresa pública, sociedade de eco-
NÃO É DE HOJE A DISCUSSÃO
modelo de contrato administrativo órgãos e entes públicos.
seja, serviços públicos da área so-
tituição reza que “somente por lei
da CF. O legislador haverá de ino-
que garanta melhor desempenho aos
cos não exclusivos do Estado, ou
nomia mista e de fundação, caben-
QUE SE TRAVA NO MUNDO JURÍDICO SOB A PERSONALIDADE JURÍDICA DAS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO ESTADO
DA FUNDAÇÃO ESTATAL COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO
do à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. (BRASIL, 1988). Antes da EC 19/98 a redação desse dispositivo constitucional mencionava que “somente por lei específica poderá ser ‘criada autarquia e fundações
Não é de hoje a discussão que
públicas’ (grifo nosso)”. A EC 19 fez
se trava no mundo jurídico sob a
duas alterações no texto anterior,
personalidade jurídica das funda-
administrativistas, como Meirelles
incluindo ao lado da empresa pú-
ções instituídas pelo Estado. A Cons-
(1998), que sempre defendeu a fun-
blica e da sociedade de economia
tituição mencionou as fundações
dação estatal como de direito pri-
mista as fundações, as quais, do-
públicas em vários dispositivos,
vado.
ravante, dependem apenas de lei
tendo causado mais confusão do
Entendendo que a melhor dou-
autorizativa e não de lei instituido-
que solução para os díspares enten-
trina está com aqueles que admi-
ra, tendo ainda, retirado da expres-
dimentos sobre a personalidade ju-
tem fundações governamentais ou
são fundação a qualificação “publi-
rídica das fundações.
estatais regidas tanto pelo direito
ca”. (BRASIL, 1998).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Odete Medauar, Jose dos Santos Carvalho Filho, Carlos Ari Sundfeld entendem que as fundações instituídas pelo Poder Público podem ser de direito publico ou de direito privado, conforme dispuser a lei autorizativa; Celso Antonio Bandeira de Mello defende posição antagônica entendendo que as fundações instituídas pelo Poder Público sempre serão de direito publico. O entendimento do STF é de que tanto pode haver fundação governamental de direito público como de direito privado, dependendo de como a lei autorizativa ordenou a sua criação. (RE nº 101.126-RJ, Relator o Min Moreira Alves - RTJ 113/314; Ellen Gracie – Agravo em RE 219.900-1 RS 2002; e Eros Roberto Grau – MS 24.427-5 - 2006). 10
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SANTOS, Lenir
Três são as novidades dessa re-
ada em virtude de autorização legisla-
da fundação para o desenvolvimento
gra constitucional – em relação ao
tiva, para o desenvolvimento de ativi-
de atividades que não exijam execução
texto original – (a) criação de fun-
dades que não exijam execução por ór-
por órgão ou entidade de direito
dação por lei autorizativa; (b) su-
gão ou entidade de direito público, com
publico”(BRASIL, 1967).
pressão da expressão “pública” que
autonomia administrativa, patrimô-
acompanhava a fundação; e (c) ne-
nio próprio gerido pelos respectivos ór-
Desse modo, somente atividades
cessidade de lei complementar dis-
gãos de direção e funcionamento cus-
que não exijam poder de autorida-
pondo sobre o campo de atuação
teado por recursos da União e de ou-
de, ou seja, pessoa jurídica de di-
das fundações.
tras fontes” (BRASIL, 1967).
reito público, podem ser objeto da
A Constituição ao afirmar que as
Como tal dispositivo refere-se às fun-
fundação estatal de direito privado.
fundações somente necessitam de lei
dações estatais de direito privado, en-
Na área da saúde, excluída a vigi-
autorizativa, cabendo ao Executivo
quanto nova lei complementar não for
lância sanitária e outras atividades
a sua instituição, reconheceu a pos-
editada, vigora a lei ordinária anteri-
que exijam função de autoridade,
sibilidade de essas entidades, ao
poderão ser criadas fundações es-
serem criadas pelo Estado, gozarem
tatais. Na área hospitalar seria de
de personalidade jurídica de direito
todo conveniente a adoção do mo-
privado, ou seja, ser instituída de acordo com o regime do Código Ci-
delo diante do esgotamento dos
A CONSTITUIÇÃO AO AFIRMAR QUE AS
modelos utilizados atualmente.
vil (mediante escritura pública re-
FUNDAÇÕES SOMENTE NECESSITAM DE LEI
gistrada no Cartório competente e
AUTORIZATIVA (...)RECONHECEU A
regida pelos seus estatutos aprovados por decreto). Quanto à necessidade de lei complementar dispondo sobre o campo
Resolvidas as questões mais polêmicas sobre as fundações (ou-
POSSIBILIDADE DE ESSAS ENTIDADES (...),
tras podem existir, mas todas pacificadas12), gostaríamos de destacar
GOZAREM DE PERSONALIDADE JURÍDICA DE
de modo prático as vantagens des-
DIREITO PRIVADO ...
de serviços de saúde, em especial,
de atuação das fundações estatais, enquanto tal lei não for editada, re-
se modelo estatal para a prestação os hospitalares.
cepcionado está o art. 5º, IV, do De-
‘As fundações estatais13 na área
creto-lei 200/67:
da saúde federal’ podem ter as seor, recepcionada pela Constituição ,
guintes características14 (algumas
“Art. 5º.
com força de lei complementar; assim,
específicas e outras comuns a ou-
11
IV – Fundação Pública – a entidade
no tocante ao seu campo de atuação
tras áreas que não a da saúde, lem-
dotada de personalidade jurídica de
prevalece a regra do Decreto-lei acima
brando, ainda que outras esferas de
direito privado, sem fins lucrativos, cri-
citado: “somente poderá ser instituí-
governo também podem instituir
11 Nem seria necessário demonstrar que diversas leis ordinárias foram recepcionadas pela Constituição com força de lei complementar, sendo os exemplos mais clássicos, o Código Tributário Nacional (lei ordinária enquanto a Constituição exige lei complementar para matérias tributárias) e a Lei 4.320/64 que dispõe sobre finanças públicas, também lei ordinária enquanto a Constituição preconiza lei complementar.
Como o disposto no parág. único do art. 62 do Código Civil que menciona “assistência” dentre os campos de atividades das fundações, devendo ser entendido que a assistência ali mencionada é lato sensu e não strictu sensu.
12
13 Participei das discussões sobre a elaboração de um projeto de lei complementar, no Ministério do Planejamento, Secretaria de Modernização da Gestão dispondo sobre o campo de atuação das fundações estatais. 14 Características fundadas no modelo instituído para a transformação dos hospitais do Grupo Hospitalar Conceição e dos hospitais e institutos federais situados no Rio de Janeiro, em estudo, pelo Grupo de Trabalho aqui mencionado, nota de rodapé 9.
378 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005
Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações
fundações estatais, com as adapta-
ços, podendo a ‘lei federal’ que a
11. sujeitar-se ao controle dos
ções necessárias quanto à compe-
criar, instituir outras modalidades
conselhos de saúde, conforme situ-
tência federal para legislar sobre
de disputa pública, conforme ocor-
ação geográfica e vinculação gover-
certos temas nem sempre ao alcan-
reu com o pregão público que nas-
namental.
ce do Estado e Município, como é o
ceu no âmbito de uma lei especifi-
Ressalte-se, ainda, que:
caso das normas gerais sobre lici-
ca, a que criou a Anatel. Advoga-se
a) a imunidade tributária previs-
tação):
que a fundação estatal federal da
ta na Constituição para as fundações
1. gozar de autonomia adminis-
saúde realize licitação sob a moda-
instituídas pelo poder público alcan-
trativa, financeira, patrimonial e
lidade do pregão e da consulta pu-
ça a fundação estatal (art. 150, § 2º
orçamentária não devendo ter orça-
blica, está ultima conforme vier a
da CF) (Lembramos que o art. 150,
mento público, mas sim ser uma
ser explicitada em lei especifica, po-
VI,c, da CF, alcança, ainda, as enti-
prestadora de serviços para o Mi-
dendo, ainda, contar com regula-
dades privadas sem finalidades lu-
nistério da Saúde com o qual firma-
mento próprio, em razão do dispos-
crativas das aréas de educação e
rá contrato de gestão;
to no art. 119 da Lei 8666/93 (BRA-
assistência social, latu sensu);
2. ter em sua estrutura organi-
b) a Lei de Responsabilidade Fis-
SIL, 1993).
zacional (sistema de governança)
7. submeter-se ao regime finan-
cal (Lei Complementar 101/2000) só
um conselho curador e uma direto-
ceiro (contabilidade) das empresas
terá incidência sobre a fundação
ria executiva, com mandato, o qual
estatais (Lei 6.404, 15.12.76) e não
estatal se a mesma receber recur-
poderá ser encerrado antes do seu
o da Lei 4.230/64 (BRASIL, 1964)
término, no caso de descumprimento do contrato de gestão;
8. submeter-se, quanto ao regime de pessoal, à CLT, com ingresso
sos públicos para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital (entidade dependente). Quando suas rendas advie-
3. ter receitas advindas do con-
mediante concurso público; plano de
trato de gestão e outros contratos
carreira e salários, dissídios, gestão
firmados com o poder público, ve-
de pessoal e reajustes próprios; ter
dados contratos que cerceiem ou
limites de contratação de pessoal
inibam a universalidade do acesso
previsto em lei ou nos seus estatu-
dos serviços de saúde (gratuidade e
dirá sobre a fundação, como regra
tos;
geral (lembramos que a LRF adotou
igualdade);
rem de serviços prestados a órgãos ou entidades do SUS, em especial, do Ministério da Saúde, conforme contrato de gestão, a LRF não inci-
9. submeter-se ao regime especi-
4. reger-se pelo disposto na lei
como principio para a sua aplicabi-
al de penhora previsto no Código de
que autorizar a sua instituição e
lidade às entidades públicas de di-
Processo Civil para as entidades es-
reito privado, a sua dependência fi-
tatais (art. 678) quanto aos seus bens
nanceira). O Professor Carlos Ari
e rendas.
Sundfeld, no Parecer mencionado
pelos seus estatutos baixados por ato do Executivo; 5. sujeitar-se aos controles dos Tribunal de Contas da União e do Ministério da Saúde; 6. submeter-se a regime à lei de
10. inserir-se no sistema loco-regional, sendo entidade integrante do SUS, com observações de todos os
licitação e contratos quanto ao seu
seus princípios, diretrizes e regra-
regime de compras de bens e servi-
mentos.
anteriormente, destaca que “As fundações governamentais privadas ‘que recebam do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio ou de capital’ devem, contudo,
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005
379
SANTOS, Lenir
ser entendidas como fundações de-
controle social exercido pelos con-
ço prestado; adequação dos recur-
pendentes, à semelhança do que
selhos de saúde, prestadora de ser-
sos aos resultados que se preten-
ocorre com as empresas estatais na
viços universalizados e responsa-
dem – ‘será um instrumento ino-
mesma situação (lei complementar
bilidade explícita de seus dirigen-
vador de gestão pública, em espe-
n. 101, de 2000 – Lei de Responsa-
tes no contrato de gestão; recursos
cial para a área da saúde’.
bilidade Fiscal, art. 1º, § 3º,I, b c/c
humanos comprometidos, os quais
Finalizando, podemos afirmar
art. 2º, II)” – (FIOCRUZ, 200?).
deverão (é o que se advoga) ter par-
que existe hoje possibilidade, ain-
c) poderão ser firmados contra-
te de seus vencimentos atrelados ao
da não explorada, no âmbito da ad-
tos com o Estado e Município (as
desempenho identificado com a qua-
ministração pública direta e indi-
fundações estatais federais), no âm-
lidade dos serviços prestados, tudo
reta, de promoção de uma reforma
bito da regionalização, além de po-
em nome do interesse público.
da gestão, com sua modernização,
der ter outras rendas advindas de
sem que se tenha o olhar apenas
serviços voltados para a pesquisa
voltado para o Terceiro Setor, des-
científica e formação de pessoal,
qualificando-se a administração
para os hospitais que tiverem essa
pública como ineficiente e incapaz
finalidade, também.
sem, contudo, introduzir no seu in-
A FUNDAÇÃ O ESTATAL E O CONTRATO DE CONCLUSÃO A Fundação Estatal é hoje sem dúvida, o melhor instrumento de gestão hospitalar (‘e para outras
GESTÃO SÃO MODELOS QUE POSSIBILITAM MODERNIZAR O ESTADO ACABANDO COM A VISÃO DOS ANOS 90 DE QUE ISSO SOMENTE SERIA POSSÍVEL ‘FORA’ DO ESTADO ...
terior instrumentos inovadores da gestão pública. A fundação estatal e o contrato de gestão são modelos que possibilitam modernizar o Estado acabando com a visão dos anos 90 de que isso somente seria possível ‘fora’ do Estado, como se
áreas da saúde pública, como tam-
o Estado pudesse ser ‘substituído’
bém para a educação, cultura, meio
pelo setor privado ao invés de ‘com-
ambiente, turismo, assistência so-
plementado’ em algumas ações e
cial da União, dos Estados e dos
Por outro lado, se o ‘contrato de
Municípios’) dada a sua caracterís-
autonomia’ observar princípios
Sem que se resolva ‘internamen-
tica de ser uma entidade integrante
como: subordinação da autonomia
te’ os problemas do Estado, o sim-
da administração pública indireta,
aos objetivos do serviço público e
ples transpasse de serviços públi-
com autonomia administrativa, fi-
à qualidade de sua prestação; com-
cos para o Terceiro Setor levará con-
nanceira, orçamentária e patrimo-
promisso dos órgãos e entes públi-
sigo as mazelas não eliminadas da
nial.
cos na gestão de um serviço de qua-
área pública e, num espaço curto
A Fundação estatal, como enti-
lidade; consagração do controle so-
de tempo, perderemos a ilusão de
dade hospitalar da administração
cial; reforço da responsabilização
que o setor privado poderá ‘substi-
pública federal, será uma entidade
dos dirigentes públicos mediante o
tuir’ o setor público, com qualida-
integrante do SUS, com inserção
desenvolvimento de instrumentos de
de, eficiência e economicidade, tão
loco-regional, hierarquizada, com
avaliação do desempenho do servi-
apregoadas nos últimos anos.
380 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005
serviços, quando e se necessário.
Da reforma do Estado à reforma da gestão hospitalar federal: algumas considerações
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 371-381, set./dez. 2005
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DOCUMENTOS / DOCUMENTS
O lugar estratégico da gestão na conquista do SUS pra valer The strategic place of management in the attainment of a genuine Unified Health System
Embora o financiamento seja o tema predominante na atual discussão acerca dos dilemas do sistema público de saúde no país, ele não representa o único problema a impedir que tenhamos um SUS pra valer: humanizado, integral e de qualidade. Outro obstáculo importante consiste na falta de um projeto político claro para o setor. Afinal, o que o SUS persegue hoje? Quais são as estratégias adotadas para esse fim? O que é tomado como prioritário nessa política? Estas são questões que precisam ser levadas a público, aprofundadas e debatidas junto à sociedade. Somente assim tal política poderá ganhar maior legitimidade. Somente assim ela poderá contar com ampla base de sustentação, envolvendo cidadãos, usuários, profissionais da saúde e gestores do sistema. Somente assim esse projeto tornar-seá politicamente viável. Dentre a lista de questões estratégicas a enfrentar, é preciso dar destaque também ao problema da gestão da saúde. Não obstante, o debate que a questão tem suscitado, sua importância em relação ao SUS segue ainda mal reconhecida. De modo geral, a falta de capacidade gerencial acaba sendo remetida à esfera da prestação de serviços, ao âmbito dos serviços de saúde, quando o problema em verdade perpassa todos os níveis do nosso sistema de saúde. Basta lembrar o quanto estamos longe do Ministério Único da Saúde (MUS) e as conseqüências negativas dessa desarticulação interna do Ministério da Saúde ou, ainda, se reportar às dificuldades gerenciais comumente observadas em nossas secretarias estaduais e municipais. Vale assinalar, também, que os problemas gerenciais se manifestam nos mais diversos domínios das organizações públicas de saúde: no planejamento, na gestão das pessoas, na gestão de materiais, na gestão financeira, na gestão da clínica etc. Outro aspecto a indicar a falta de entendimento sobre tal questão é que, ao contrário do que acontece com a temática do financiamento, raras vezes se estabelece uma clara relação de causa-e-efeito entre o mau gerenciamento do sistema e os resultados alcançados pelo SUS. Os problemas da ineficiência, da má qualidade do atendimento, da insuficiente transparência ou da falta de democracia, todos eles dizem respeito e encontram raiz na forma como o SUS é gerido. Caso não logremos estabelecer outro modo de geri-lo, caso não sejam adotados outro modelo e novas práticas de gestão, esses problemas não encontrarão efetiva solução. Neste sentido, o CEBES tem procurado se apropriar e debater a proposta de criação de fundações estatais para hospitais públicos. Diante da complexidade do tema e necessidade de aprofundamento de várias de suas dimensões, o CEBES não definiu uma posição favorável ou contrária a este projeto. Antes de tudo, queremos discutir mais! Não se trata apenas de encampar ou descartar a alternativa proposta e sim viabilizar a realização de debates francos e abertos com a sociedade brasileira. Quase 20 anos após a aprovação da Constituição de 1988, é preciso encarar de vez a tarefa de traduzir os princípios do SUS, em efetivos direitos à saúde.
382 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 382-384, set./dez. 2005
DOCUMENTOS / DOCUMENTS
Para tanto, consideramos que: 1. Há um amplo consenso sobre a necessidade de melhorar a gestão dos serviços de saúde e que a atenção hospitalar é ponto crítico do SUS. São numerosas as evidências de que o modelo atual de gestão de nossos serviços de saúde encontra-se em crise. Contudo, os desafios para transformar as disposições favoráveis a mudanças em ações efetivas requerem medidas adicionais: a definição do perfil assistencial destas unidades e a ampliação de seus compromissos com as diretrizes do SUS, por meio de ações programadas. O que implica o alargamento e o aumento de resolutividade das portas de entrada do sistema (o nível básico de atenção) e a reinserção qualificada dos hospitais em redes de serviços efetivamente universais, regionalizadas, hierarquizadas e de qualidade. 2. É essencial impedir que os hospitais tenham sua gestão comprometida por barganhas políticas, o que requer exigir a profissionalização da gestão e a criação de carreira de gestor para os dirigentes. 3. A política de gestão deve ser articulada a um projeto de fortalecimento do SUS, de profunda revisão dos modelos de atenção, formas e valores de remuneração de todos os seus níveis de atenção. 4. Os problemas de gestão das unidades públicas de saúde, relativos à baixa qualificação técnica dos dirigentes, não são nenhum segredo. O uso de tecnologias e ferramentas de gestão em saúde disponíveis é limitado e/ou mal empregado pelos gestores. O mais grave da situação presente é que o poder decisório/discricionário que esses dirigentes têm em mãos é muito reduzido – em certos casos, a gestão fica a depender, basicamente, de sua capacidade de liderança e de negociação política, seja perante suas autoridades superiores, seja junto ao corpo de funcionários da organização. Talvez, portanto, não seja mera coincidência que pouco hoje lhes seja cobrado. 5. É preciso aumentar o montante de recursos necessários ao investimento, à manutenção de redes físicas, aquisição e reparo de equipamentos e qualificação de pessoal. Além disso, uma proposta voltada para ampliar a autonomia da gestão deve vir acompanhada de maior grau de responsabilização dos dirigentes. O que implica a observância de um duplo compromisso: dotar o gestor de poder para, dentro das regras definidas pelo Estado, contratar e demitir pessoal e realizar compras e investimentos em obras e equipamentos e, avaliar, de maneira sistemática, a execução das metas definidas pelas instâncias de controle social, pactuação e gestão do SUS. 6. O desafio é estabelecer, no âmbito da administração pública, um modelo que a um só tempo outorgue autonomia de gestão das unidades hospitalares e fortaleça a coordenação das redes de serviços de saúde, nas quais se inscrevem essas unidades, e que, ao mesmo tempo, contemple a instauração de um sistema de responsabilização de seus dirigentes por resultados alcançados, coerentes com os princípios do SUS. 7. A complexidade e as tensões envolvidas com o tema requerem a convocação de amplo debate com a sociedade civil, organizada em todos os níveis. Para articular esforços em torno das reais mudanças, é imprescindível contar com todos os setores e segmentos que, ao longo de quase duas décadas, defenderam com tenacidade o SUS. A fratura
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, 382-384, set./dez. 2005
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DOCUMENTOS / DOCUMENTS
entre os propositores das mudanças e as entidades de representação dos servidores públicos é indesejável e deve ser evitada. Trata-se de atualizar, para o enfrentamento dos novos desafios, entre os quais a mudança do modelo de gestão, a ampla coalizão que logrou resistir ao desmonte do SUS por mais de duas décadas. 8. As dimensões do Projeto de Fundações Estatais, tais como: 1) a adequação jurídico-legal de seu formato aos objetivos propostos; 2) os custos atuais dos estabelecimentos públicos, os custos de transição, os custos previstos para a operação das unidades pelas fundações e as repercussões orçamentárias da alteração do modelo; 3) a definição dos papéis do controle social e instâncias de gestão do SUS, dada a responsabilização dessas unidades pela cobertura de populações-território definidas; 4) a permeabilidade do modelo à necessidade de incentivar a capacitação, a dedicação exclusiva, a remuneração adequada e o compromisso dos servidores públicos com o SUS, requerem o debate com as mais diversas entidades da sociedade civil e com representante do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE (CEBES) 13 de junho de 2007
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DOCUMENTOS / DOCUMENTS
O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade1
An Effective Unified Health System: universal, humanized and of high quality
Neste ano, mais uma vez a população brasileira vai ser chamada escolher seus dirigentes, reafirmando novamente a democracia eleitoral. No entanto, este é o momento de transitarmos desde uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democrático, o que só existirá quando forem apresentadas opções concretas de radicalização do processo de desenvolvimento nacional. Isso significa um padrão de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autônomo e soberano, voltado para a geração de emprego, a distribuição de renda e a garantia dos direitos de cidadania. A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupação dos últimos governos, com resultados positivos em relação ao controle inflacionário e ao manejo da dívida. Estes foram fruto tanto de políticas públicas que abriram novos mercados para exportações, reduziram a dívida externa atrelada à variação cambial e alongaram os prazos de seu pagamento, quanto do dinamismo do setor produtivo nacional, que conseguiu se reciclar e tornarse competitivo no mercado internacional. No entanto, os governos tornaram-se prisioneiros dos instrumentos de sua política monetária, o que acarretou a consolidação de um padrão de capitalismo financeiro que, apesar de dinâmico e inserido na economia globalizada e no comércio internacional, produz e reproduz a concentração da renda. Isso se dá, principalmente, pela manutenção de taxas elevadíssimas de juros, drenando as riquezas produzidas pela população para o Estado, por meio da elevação incessante da carga tributária, e pelo Estado para o setor financeiro nacional e internacional, com o pagamento de juros. Esse padrão é o resultado da política neoliberal implantada desde a década de 90, com conseqüências irreversíveis e/ou altamente deletérias para a sociedade, face à efetuada transferência de responsabilidades governamentais e do patrimônio público para mãos privadas, ao desmantelamento da inteligência e das carreiras do Estado, às restrições orçamentárias para as políticas sociais universais e à ameaça permanente de desvinculação das receitas constitucionais a elas destinadas. A população brasileira está cada vez mais consciente da distância entre as propostas eleitorais e as realizações dos governantes, e exige que a democracia seja mais do que um jogo político: é preciso que a democracia se traduza em medidas concretas, voltadas para o pleno emprego, a redução das desigualdades salariais e regionais, além de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal, humanizada e de qualidade. Mais do que nunca, a sociedade sabe que isso só ocorrerá se aprofundarmos os mecanismos de participação, controle e transparência na gestão pública, fortalecendo os instrumentos de democracia direta, como a iniciativa popular legislativa, os orçamentos participativos, os conselhos gestores e os fóruns deliberativos. No entanto, é preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos às áreas sociais e avancem para aumentar a transparência e a participação Documento-base em discussão com a Frente Parlamentar da Saúde.
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social na definição e implementação das políticas macroeconômicas, pois sabemos que estes são fatores condicionantes do êxito na democratização da política de saúde. Setorialmente, também temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional. Mais do que isso, sabe-se que é possível, com as condições técnicas, políticas e econômicas que temos hoje no país, dar o salto que falta para termos um SUS pra valer: UNIVERSAL, HUMANIZADO, DE QUALIDADE.
A REFORMA SANITÁRIA E O SUS O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de um longo processo deconstrução política e institucional nomeado Reforma Sanitária, voltado para a transformação das condições de saúde e de atenção à saúde da população brasileira, gestado a partir da década de 70, quando vivíamos sob a ditadura militar. Mais do que um arranjo institucional, o processo da Reforma Sanitária brasileira é um projeto civilizatório, ou seja, pretende produzir mudanças dos valores prevalentes na sociedade brasileira, tendo a saúde como eixo de transformação e a solidariedade como valor estruturante. Da mesma forma, o projeto do SUS é uma política de construção da democracia que visa à ampliação da esfera pública, à inclusão social e à redução das desigualdade. Se a Reforma Sanitária é a expressão do nosso desejo de transformação social, sua materialização institucional no SUS é a resultante do enfrentamento desta proposta com as contingências que se apresentaram nessa trajetória. Em outras palavras, expressa a correlação de forças existente em uma conjuntura particular. Originalmente uma idéia e um ideário de um grupo de intelectuais, a proposta se desenvolveu na transição democrática, congregando entidades representativas dos gestores, profissionais da saúde e movimentos sociais que, articulados na Plenária Nacional de Entidades de Saúde, conseguiu influenciar o processo constituinte e plasmar na Constituição Brasileira de 1988 (CF/88) o texto aprovado na 8a Conferência Nacional de Saúde que garante que “Saúde é um Direito de Todos e um Dever do Estado”. Em outras palavras, a saúde passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania. A partir de então, iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitária em que, ao mesmo tempo, era necessário prosseguir elaborando o referencial teórico e estratégico e começar a construir os métodos e instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). CEBES, ABRASCO, CONASS, o CONASEMS, a Rede UNIDA, ABRES, AMPASA, parlamentares, entidades representadas nos Conselhos de Saúde, a Frente Parlamentar da Saúde e outros têm liderado o debate e concentrado esforços para a concretização do projeto da Reforma Sanitária. Ao incluir a saúde como um direito constitucional da cidadania no capítulo da Seguridade Social, avançamos na concretização da democracia, fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiça, cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais. Mesmo coincidindo com o governo Collor e o início da implantação das propostas neoliberais de ajuste do Estado, a construção do SUS foi realizada na contramão das políticas econômicas, configurando, juntamente com a atuação do Ministério Público, alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democráticos inscritos na CF/88. No âmbito da reforma do Estado, o SUS desenvolveu um projeto de reforma democrática que se caracterizou pela introdução de um modelo de pacto federativo baseado na descentralização do poder para os níveis subnacionais e para a participação e controle social. Como conseqüência, ocorreu uma ousada municipalização do setor Saúde. Foram criados Conselhos de Saúde, com caráter deliberativo, em todos os municípios e estados nos quais os re-
386 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 385-396, set./dez. 2005
DOCUMENTOS / DOCUMENTS
presentantes dos usuários ocupam 50% dos assentos. Foram instituídos os Fundos de Saúde, substituindo os convênios que regiam as relações entre as três esferas governamentais. A criação das Comissões Bipartites (CIB), nos estados, e a Tripartite (CIT), no nível nacional, estabeleceu o espaço para o desenvolvimento de relações cooperativas entre os entes governamentais. O modelo de pacto federativo do SUS mostrou-se altamente adequado à realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais. Em um país com tais características só será democrático o poder exercido de forma pactuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiões como o principal problema a ser superado. Por isso, esse modelo do SUS está sendo expandido e reinterpretado para a área de Assistência Social (SUAS) e também para a área de Segurança (SUSP). O êxito da descentralização pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base técnica da gestão pública em saúde nos níveis local, regional e central. Também, a rede de atenção básica teve grande expansão, a partir de 1998, ampliando enormemente o acesso das populações antes excluídas. O sistema universal e descentralizado permite que o país realize um dos maiores programas públicos de imunizações do planeta e um programa de controle da AIDS mundialmente reconhecido. Esses resultados constituem os esforços de milhares de trabalhadores da saúde, de todos os níveis e especialidades de formação, para concretizar o direito à saúde no cotidiano da população brasileira. Entretanto, tendo sido implementado em condições adversas, da década de 90 até hoje o SUS enfrentou obstáculos que marcaram sua configuração como Sistema Nacional de Saúde, entre os quais os mais graves seriam: a não implementação do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos mecanismos de financiamento e gestão; o drástico subfinanciamento desde a sua criação; a profunda precarização das relações, remunerações e condições de trabalho dos trabalhadores da saúde; a insignificância de mudanças estruturantes nos modelos de atenção à saúde e de gestão do sistema; o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimento das soluções que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de saúde. Por isso, apesar dos referidos e reconhecidos avanços na produção, produtividade e inclusão, muito pouco se avançou na efetivação da integralidade, da igualdade, e só recentemente retomamos a questão da regionalização. Sabemos que não será possível seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenção e de gestão em saúde. Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Saúde têm conseguido participar com efetividade e assim influir na formulação de políticas e estratégias do SUS. Estão inalteradas, ou crescentes, as doenças do perfil epidemiológico contemporâneo, previsíveis mas não prevenidas, as doenças agravadas pela ausência de intervenções oportunas e precoces, as mortes evitáveis e os altíssimos percentuais de exames diagnósticos, tratamentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessários e de baixa qualidade, apesar dos conhecimentos e técnicas já disponíveis. Por outro lado, entre os problemas enfrentados encontram-se aspectos relacionados com o funcionamento do mercado em saúde no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a saúde é um bem público. Ressaltemse as importantes dificuldades vigentes na relação com o setor privado suplementar, seja na regulação das condições de trabalho profissional, seja na produção de serviços e na garantia das coberturas contratadas. É também notória a luta por democratizar o acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais. Ambos os problemas deverão ser enfrentados de forma mais vigorosa, transparente e contínua.
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Ainda está por ser reconhecido o impacto do setor Saúde – que movimenta parcela considerável do PIB na geração de empregos, produção científica e tecnológica, aumento da produtividade do trabalho, redução do absenteísmo – na economia brasileira. Os governos terão que deixar de falar da saúde como gasto e passar a encarar o investimento que estão fazendo, além da melhoria da qualidade de vida da população. No entanto, não se pode esperar que o setor Saúde seja capaz de responder à demanda crescente de atenção provocada por uma sociedade desigual, injusta e cada dia mais violenta, cuja sociabilidade se encontra rompida e na qual o outro é visto como uma ameaça. As conseqüências são a perda da coesão social, expressa não apenas em milhares de mortes e internações, mas também no sofrimento mental, na insegurança e no desalento, que seriam evitáveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiça social. O SUS universal, cujo melhor exemplo é o programa de AIDS –cartão de visitas de diversos governos –, convive com avaliações negativas sobre o acesso e as condições indignas do atendimento efetuado pela rede de serviços de saúde. A desfiguração da Seguridade Social, o adiamento sine die de direitos básicos de cidadania e o deslocamento das políticas sociais em direção a programas de transferência de rendas, cujos efeitos redistributivos não incidem especificamente sobre as condições que produzem os principais problemas de saúde dos brasileiros, retardam a melhoria dos padrões de saúde e qualidade de vida. A organização do SUS deve pautar-se pela aproximação dos indicadores de saúde, pelo menos, àqueles verificados na economia. É imprescindível ao desenvolvimento alcançar padrões de saúde compatíveis com o progresso científico-tecnológico, cultural e político. Os impasses antepostos ao SUS universal, humanizado e de qualidade exigem a reposição do usuário-cidadão como o centro das formulações e operacionalização das políticas e ações de saúde. É essa a premissa que orienta a reinvenção de modelos e alternativas de gestão para superar a crise dos sistemas públicos. A subordinação dos problemas e necessidades de saúde da população a interesses econômicos das indústrias de equipamentos e insumos, de prestadores de serviços, de burocracias governamentais ou corporativos, por vezes opostos aos da garantia da atenção oportuna respeitosa, reflete-se no cotidiano da assistência à saúde. Os brasileiros em busca de assistência e cuidados à saúde na rede do SUS são submetidos a filas que se formam desde a madrugada para pegar senhas, passam por triagens, aguardam horas em locais de espera, freqüentemente desconfortáveis, e necessitam, quase sempre, percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de realização de exames e obtenção de medicamentos. A lógica que deve orientar a organização dos serviços de atenção e atuação dos profissionais da saúde é a de tornar mais fácil a vida do cidadão usuário, no usufruto de seus direitos. Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoção da saúde, do acolhimento, dos direitos à decisão sobre alternativas terapêuticas, dos compromissos de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistência e cuidados.
ESTRATÉGIAS PROGRAMÁTICAS Romper o insulamento do setor Saúde É sabido que melhores níveis de saúde não serão alcançados se as transformações não ultrapassarem o setor Saúde, envolvendo outras áreas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdência Social, Assistência Social, Educação, Segurança Alimentar, Habitação, Urbanização, Saneamento e Meio Ambiente, Segurança Pública, Emprego e Renda).
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Para tanto, é necessário que os três níveis de governo deixem de operar em termos exclusivamente setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral. O governo nacional, o Congresso e a Justiça têm que se responsabilizar por implementar os mecanismos que garantam a existência real da Seguridade Social, com a implantação do orçamento deste setor, a convocação da Conferência Nacional da Seguridade e a criação de fóruns de deliberação conjunta da Previdência, Saúde e Assistência Social. Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestão e passar a atuar de forma transversal, criando instâncias intersetoriais de políticas, implantando a gestão em redes e garantindo maior eficácia e efetividade na redistribuição da renda e no acesso aos benefícios sociais. É preciso construir canais de interação com a mídia que nos permitam divulgar nossa concepção ampliada de saúde. Um esforço nesse sentido deve ser realizado pelos gestores, parlamentares, acadêmicos e militantes da Reforma Sanitária para retomar espaços de debate, divulgação e difusão de concepções sobre saúde e criar novas possibilidades de comunicação. No âmbito internacional devem ser intensificados os esforços para ampliar o intercâmbio de experiências e o debate em torno da defesa dos sistemas universais. A divulgação e o debate sobre o SUS, considerado um modelo avançado de sistema de saúde na América Latina, nos fóruns internacionais contribui para sua consolidação e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democráticas e inclusivas.
Estabelecer responsabilidades sanitárias e direitos dos cidadãos usuários As necessidades que a população apresenta de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, de acordo com a realidade de cada região e microrregião, com base nas características demográficas, socioeconômicas e epidemiológicas da população, devem presidir o planejamento estratégico de cada município e a programação local das atividades. Sua divulgação deverá ser feita para a população usuária e suas entidades representativas de maneira a contribuir para a formação da consciência das necessidades e dos direitos, e a permitir o controle popular e representativo. A responsabilidade sanitária de cada ente governamental, de cada serviço e dos trabalhadores da saúde deve ser normalizada e regulamentada, assim como os direitos e deveres do cidadão usuário do SUS. A qualidade dos serviços prestados deve ser cobrada de cada um dos profissionais e dirigentes do setor. Mesmo sabendo que temos condições muito limitadas em termos financeiros e operacionais, os gestores e profissionais deverão ser responsabilizados por prestar o melhor cuidado possível dentro dessas condições. Isso só se tornará realidade quando metas forem estabelecidas, parâmetros definidos e se a população conhecer e compartilhar estas metas, assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobrança. A responsabilidade sanitária deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho, garantindo condições de produção que preservem a saúde do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho.
Intensificar a participação e controle social Os Conselhos e as Conferências municipais, estaduais e nacional de Saúde são as modalidades de participação fortemente disseminadas no país, fazendo parte da dinâmica política da área da saúde. Entretanto, é necessário
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revitalizar tais fóruns no sentido de viabilizar relações sociais mais igualitárias entre os atores sociais que deles participam. É sabido que principalmente gestores, mas, em menor medida, também prestadores de serviços e profissionais da saúde dispõem de maiores recursos de poder do que usuários e controlam a agenda de debates desses fóruns. É necessário ampliar a capacitação de conselheiros e democratizar a formulação da agenda da saúde. Esforços devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos, incentivando uma relação mais constante e transparente com seus representados. Também, deverá ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulação e acompanhamento das políticas de saúdepara superar os obstáculos antepostos de diferentes naturezas. Por outro lado, um conjunto de mecanismos inovadores de participação e de controle social não se generalizou no sistema. É o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares. Apenas as unidades próprias do SUS, nas três esferas de governo, têm apresentado experiências nesse sentido, sendo que na área hospitalar elas são dramaticamente escassas. Outros mecanismos de participação individual, tais como ouvidorias, disque saúde, pesquisas sistemáticas de satisfação de usuários, carecem também de generalização no contexto do sistema. Unidades de serviços privadas que são financiadas com recursos públicos não dispõem de mecanismos de participação ou de controle social, além dos exercidos pelo Ministério da Saúde ou Ministério Público. É necessário definir quais seriam os mecanismos básicos indispensáveis para a democratização da gestão do sistema e constituir instrumentos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de saúde próprias e financiadas pelo SUS, levando em conta que a prestação de serviços de saúde, especialmente quando financiados por recursos públicos, é uma concessão que o Poder Executivo faz para o exercício de um dever de Estado. Gestores do SUS, Ministério Público e Poder Legislativo precisam criar espaços para viabilizar ações cooperativas e coordenadas. Compete ao Ministério da Saúde induzir a coordenação horizontal dessas instâncias estatais.
Aumentar a cobertura e a resolutividade e mudar radicalmente o modelo de atenção à saúde A sustentabilidade político-econômica do SUS e sua legitimidade dependem da promoção de mudança radical do modelo de atenção, pois a qualidade e a resolutividade das ações e serviços de saúde possibilitarão ao SUS tornarse patrimônio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais. Uma mudança radical do modelo de atenção à saúde envolve não apenas priorizar a atenção primária e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades, mas, principalmente, concentrar-se no usuário-cidadão como um ser humano integral, abandonando a fragmentação do cuidado que transforma as pessoas em órgãos, sistemas ou pedaços de gente doentes. As práticas interativas, mais holísticas, devem estar disponíveis como alternativas de cuidado à saúde. A humanização do cuidado, que envolve desde o respeito na recepção e no atendimento até a limpeza e conforto dos ambientes dos serviços de saúde, deve orientar todas as intervenções. A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde deve ser amplamente divulgada e sua implantação acompanhada pelos órgãos gestores e de controle social, visando à sua avaliação e a eventuais aprimoramentos. E os servidores públicos devem estar comprometidos com o resultado de suas ações no cuidado das pessoas. Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de ações e cuidados à saúde, é necessário expandir e organizar redes de serviços de saúde articuladas. As unidades básicas, acolhedoras, de qualidade e resolutivas nas suas ações integrais, preventivas e curativas, baseadas nas necessidades e demandas da população, devem articular-se aos
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demais níveis do sistema local de saúde com garantias de referência e contra-referência. Nesse sentido, é imprescindível articular atividades de saúde coletiva com ações de assistência clínica nos serviços de atenção básica, estabelecer esses serviços como porta de entrada dos sistemas locais de saúde, equipar e expandir os serviços de urgência e emergência e de referência, implantar centrais de marcação de consultas, exames e internação e o Cartão SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento. A formação de microrregiões ou consórcios sob responsabilidade dos municípios e dos estados deve pautar-se pela coordenação, programação e oferta de recursos para promover, prevenir e tratar problemas de saúde. A ampliação e a garantia de investimentos na estruturação de redes articuladas e territorializadas são essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviços prestados. A execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, deve se traduzir na garantia do acesso universal da como no controle da segurança, eficácia e qualidade dos produtos e na promoção do seu uso racional. A política nacional de medicamentos não se restringe à aquisição e à distribuição; envolve todas as atividades relacionadas à garantia do acesso da população àqueles essenciais, incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento científico e tecnológico e produção.
Formar e valorizar os trabalhadores da saúde Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que dificultam a combinação das imprescindíveis agilidade e eficiência da gestão com a vinculação regular dos trabalhadores ao SUS, de modo a evitar não apenas a burocratização mas também a precarização, privatização e terceirização das relações de trabalho do SUS. Trata-se de enfrentar esses problemas inadiáveis com a formulação e implementação de políticas articuladas entre os setores da saúde e educação, para assegurar que a oferta (distribuição e abertura de cursos e programas e o respectivo número de vagas) de formação técnica, de graduação e de especialização na área da saúde corresponda às necessidades do SUS e da população, superando os desequilíbrios regionais e intra-regionais e as determinações do mercado. A par das políticas de corte nacional, é preciso responsabilizar as três esferas, de acordo com suas competências e possibilidades, pela efetivação de políticas que favoreçam a interiorização do trabalho em saúde com qualidade, bem como assegurar a autonomia dos municípios, DF e estados para criar mecanismos de atração e fixação de equipes de saúde em todos os níveis do sistema. Medidas voltadas para a formação, a educação permanente e a fixação das equipes de profissionais da saúde com base nas necessidades e direitos da população têm papel crucial na implementação do conjunto dos princípios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenção à saúde e de gestão. A redução dos cargos de confiança para a gestão em saúde, nas três esferas de governo, e sua substituição por quadros técnicos e administrativos de carreira são necessárias à estabilização e qualificação da gestão do SUS. Por outro lado, trata-se de um meio de evitar que a gestão da saúde seja usada como moeda para garantia de governabilidade. O provimento de cargos de direção deve obedecer a critérios objetivos e compatíveis com os requerimentos de capacitação e habilitação específicos. Esse conjunto de proposições concentra-se em torno da adoção de políticas públicas de gestão do trabalho (municipais, estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais, assegurem o caráter público do ingresso e estabeleçam carreiras no SUS, que possibilitem a progressão associada não somente ao tempo de trabalho e quali-
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ficação, mas também aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profissionais e das equipes com a melhoria da saúde da população.
Aprofundar o modelo de gestão No início deste ano os gestores dos três níveis de governo pactuaram em defesa da vida, do SUS e da gestão. Por meio desse instrumento, comprometem-se a fazer avançar a Reforma Sanitária desenvolvendo ações articuladas, repolitizando a saúde e promovendo a cidadania. Retomou-se a ênfase na diretriz constitucional da regionalização. Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissões Bipartites para pactuar as estratégias da regionalização nos estados, com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissão Tripartite; promover a criação de Comissões Intergestores regionais e microrregionais; resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestão entre os entes federados para promover a descentralização solidária e cooperativa do sistema de saúde. É necessário cumprir cabalmente esse acordo em prol da população brasileira. A definição de prioridades e metas é um componente imprescindível para o planejamento efetivo e a responsabilização por seu cumprimento. Para aprofundar o modelo de gestão do SUS, tanto para os serviços de administração direta quanto para os contratados, é necessário estabelecer a coresponsabilização por meio de contratos de gestão e de financiamento misto que estabeleçam as metas sanitárias a serem cumpridas. Isso envolve, necessariamente, realizar uma reforma administrativa que atenda às especificidades dos princípios e das organizações do SUS e lhes permita agilidade e eficiência de suas decisões, sob a égide da ética e da responsabilidade pública. Todas as unidades públicas de saúde, das mais simples às mais complexas, deverão usufruir de autonomia gerencial, desenvolver modalidades de gestão participativa, colegiada ou co-gestão, com trabalhadores da saúde e outras representações da comunidade, e definir metas quali-quantitativas em interação com os objetivos municipais e regionais, por meio de contratos de metas ou de gestão.
Aumentar a transparência e controle dos gastos As decisões da política de alocação de recursos e os critérios dos gastos devem ser transparentes e passíveis de controle pela população, e visar ao acesso igualitário aos serviços de qualidade em todos os níveis do sistema. As compras realizadas pelo setor público deverão ser feitas de forma a impedir a corrupção em todos as esferas e níveis governamentais, utilizando os instrumentos tecnológicos disponíveis para realizar pregões que possam ser acompanhados pelo público. A definição de parâmetros técnicos e financeiros deve permitir que a sociedade e autoridades públicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais. Um trabalho mais afinado com a Procuradoria Geral da União e com os Tribunais de Contas será necessário para criar mecanismos que impeçam os tipos de corrupção já detectados na área da saúde. Torna-se necessário criar uma instância que congregue gestores públicos, Procuradoria, Tribunais, Ministério Público, Legislativo e organizações da sociedade civil para desenvolver políticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupção, prevaricação ou malversação dos recursos públicos em saúde.
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Ampliar a capacidade de regulação do Estado As diversas áreas do setor Saúde – e suas derivações para setores desde a Educação até a mídia – integram o complexo produtivo da saúde. Sob ta acepção resgata-se o significado econômico e produtivo das ações e produtos ligados ao atendimento em saúde, considerando a estreita relação entre dois pólos: (1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros, medicamentos e fármacos, sangue e hemoderivados, reagentes e kits diagnósticos, equipamentos médicos e cirúrgicos; (2) um outro, da produção de ações de saúde pelos agentes públicos e privados (filantrópicos e lucrativos). É inescapável admitir que o não reconhecimento da influência dos fatores de mercado na saúde elimina um importante elemento de análise e de formulação das políticas, especialmente na definição de prioridades de incorporação de inovações (produtos e processos) e na importância da influência dos agentes econômicos sobre a oferta de serviços de saúde. Dado que a saúde é um bem de relevância pública, as relações público-privado devem ser objeto permanente de regulação estatal, no sentido da preservação dos direitos dos usuários do SUS e dos consumidores de planos e seguros de saúde. Além disso, o poder público deve atuar na regulação da reorientação das demandas dos planos e seguros para os serviços especializados do SUS e na eliminação das interferências das empresas privadas no sistema público. A fragmentação e a segmentação vigentes no sistema nacional de saúde exigem a explicitação do montante de recursos públicos envolvidos com o financiamento de planos e seguros de saúde, bem como dos interesses conflitantes derivados da acumulação de postos gerenciais e administrativos por profissionais da saúde com “dupla militância”. Aprofundar a construção de convivência das instituições públicas e privadas, em função das necessidades e direitos da população usuária e sob a égide do princípio constitucional que estabelece o caráter complementar dos serviços privados de saúde, é uma tarefa inadiável. Os serviços privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se públicos fossem. Adicionalmente, é preciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviços, as que comercializam planos de saúde, bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de saúde para seus empregados, a participaremdecisivamente dos esforços para a construção de sistemas regionalizados, voltados para o atendimento das necessidades e direitos da população. A instituição de regras claras sobre o “trânsito privado-público de pacientes” deve fortalecer a rede de serviços do SUS como a “única porta de entrada” para a admissão nos serviços públicos, quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de saúde, quer para o acesso a medicamentos. Para enfrentar a tendência à segmentação é preciso convocar a entidades sindicais, empresariais e de profissionais da saúde para empreender novos compromissos em torno da saúde. O estabelecimento de tabelas de remuneração de procedimentos que sejam compatíveis com os gastos dos profissionais e dos serviços e assegurem a qualidade da assistência prestada é essencial. A institucionalização do plano de saúde universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalização da descrença do próprio governo na universalização da saúde. Os recursos envolvidos e programados para financiar os planos de saúde de funcionários públicos devem ser canalizados para melhorar a qualidade de atenção à saúde nos serviços do SUS. A adoção de critérios de ingresso nos serviços de saúde vinculados ao SUS baseados nas condições clínicas e necessidades de saúde, e não na capacidade de pagamento, e a exigência da observância dos mesmos padrões
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assistenciais de casos com diagnóstico similar para todos os brasileiros são essenciais ao reordenamento das relações entre o público e o privado e à garantia do acesso e da qualidade da assistência.
Superar a insegurança e o subfinanciamento As políticas sociais encontram-se permanentemente ameaçadas de terem seus recursos ainda mais reduzidos, gerando uma situação de insegurança que impede a efetividade e eficácia de seu planejamento e execução. A forma mais corriqueira, embora muito prejudicial à gestão social, é o permanente contingenciamento dos orçamentos públicos para atender aos ditames do superávit primário estabelecido pela área econômica, ou até mesmo superá-lo. Além de prejudicial, essa prática corrói a própria democracia, ao transformar o orçamento público em uma peça de ficção. Outra maneira de subverter os ditames constitucionais sobre os recursos a serem alocados na área social é a introdução constante de outras despesas de programas governamentais considerados prioritários dentro dos orçamentos para os quais há recursos constitucionais definidos, como o da Saúde. Isso ocorre em função da não regulamentação da E.C. nº 29. Uma outra maneira de retirar recursos da área social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada é a DRU – Desvinculação das Receitas da União, que, a pretexto de dar maior flexibilidade ao governo central, retira 20% dos recursos constitucionalmente destinados à área social. A DRU está em vigor até 2007 e temos que exigir que o governo, desde agora, crie mecanismos substitutivos dessa fonte espúria. O momento das eleições é importante para pactuarmos com os candidatos a eliminação e substituição da DRU. Em diferentes momentos, setores governamentais ou elites econômicas da sociedade civil têm se posicionado em relação à necessidade de dar ainda maior flexibilidade orçamentária ao governo, desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a área social. Apoiados por organismos internacionais, são, a cada momento, lançados balões de ensaio nesse sentido. A alegação é de que esses recursos são necessários para zerar o déficit nominal, quando, então, sobrarão recursos para a área social. A sociedade brasileira conhece essa lógica e sabe que não existe flexibilidade para o pagamento de juros da dívida e que esses recursos desviados das suas vinculações constitucionais jamais retornariam. Por isso não permitiremos a desvinculação, e este compromisso deverá ser assumido publicamente pelos candidatos comprometidos com a democracia social. Outra ameaça constante é relativa à redução ou eliminação de benefícios sociais, vistos como causadores do alegado desequilíbrio financeiro da Previdência Social. É preciso que este debate seja feito de forma séria e não como sempre, sob a ameaça da espada do déficit e crise. É preciso fazer um debate aberto e transparente: há dados que questionam o déficit, apontando a apropriação das receitas sociais para outros fins e a evasão de contribuições. O debate sobre os benefícios previdenciários não pode ser restrito à dimensão contábil, prescindindo do princípio maior que subordina a Previdência aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiça social. Ao invés de desvincular os benefícios previdenciários do salário mínimo, é preciso desvincular os benefícios sociais da capacidade contributiva de cada indivíduo. Só assim, com a socialização dos custos da proteção social, estaremos permitindo que se realize uma redistribuição de renda via políticas sociais que garantem direitos universais. Para tanto, é necessário rever o enfoque desta discussão, passando a buscar fontes que financiem a inclusão previdenciária de milhões de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda não tem amparo legal.
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Em relação ao financiamento da saúde, observamos: * Acentuada retração da contrapartida federal, quando cotejada com o crescimento das contrapartidas estaduais e municipais, tanto em termos das porcentagens no total do financiamento público como em dólares per capita. Ainda que os recursos destinados à saúde representem um percentual considerado alto no orçamento, ele é totalmente insuficiente face às necessidades da população. * O Brasil gasta muito pouco com saúde. O total do financiamento público vem oscilando entre 125 e 150 dólares per capita ao ano, enquanto no Canadá, países europeus, Japão, Austrália e outros, a média do financiamento público é de US$ 1.400,00 per capita, na Argentina é US$ 362,00 e no Uruguai, US$ 304,00. * O Projeto de Lei Complementar nº 01/2003, que regulamenta a E.C. nº 29/2000, foi exaustivamente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil, representativas dos usuários, dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, dos gestores nas três esferas de governo, dos profissionais da saúde, dos prestadores de serviços. Esse debate se deu nas Conferências e Conselhos de Saúde, por mais de dois anos, e finalmente nas Comissões da Seguridade Social e Família, de Finanças e Tributação e da Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. É preciso, pois, que governo e oposição se comprometam a aprová-lo. * Fruto desse consenso é a proposta de estabelecer a contrapartida federal para a Saúde em 10% da receita bruta da União, o que corresponde a um acréscimo de aproximadamente R$ 10 bilhões, ou US$ 30,00 per capita, ao ano. Ainda que gritantemente insuficiente e aquém das referências internacionais citadas, significa um importante passo, porque atrela essa contrapartida a uma base orçamentária, da mesma maneira com que foi definida para os estados e municípios, dispõe sobre o que são serviços de saúde financiados pelo SUS e o que não são serviços de saúde, e orienta os gastos e as prestações de contas com base no referencial da Eqüidade, Integralidade e Eficiência.
A SAÚDE UNIVERSAL, HUMANIZADA E DE QUALIDADE COMO POLÍTICA DE ESTADO Essas estratégias programáticas representam as pontes a serem construídas para fazermos a transição entre o SUS existente, reconhecendo-se seus avanços e limites, e para o SUS pra valer: Universal, Humanizado e de Qualidade. Hoje, é plenamente factível e necessário ampliar a garantia do direito à saúde. As eleições que se aproximam repõem a saúde na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos. Nossa intenção é abrir este debate de forma ampla, com todos os partidos políticos, de forma a alcançar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas. A luta pela democratização da saúde sempre foi suprapartidária e permitiu a construção de uma ampla e sólida coalizão reformadora que tem dado sustentação ao processo da Reforma Sanitária. Uma vez mais, estas forças comprometidas com o avanço da democracia por meio da implementação da Reforma Sanitária reafirmam a necessidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programáticas acima enunciadas. Elas foram fruto de uma ampla discussão entre várias entidades, e seu delineamento nasceu da experiência acumulada pelo movimento da Reforma Sanitária em todas as suas
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frentes de trabalho: nas organizações e entidades de profissionais e usuários, nas universidades, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário etc. Sabemos que é possível, hoje, atender a população em um SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade. Para chegarmos a isso é necessária a firme vontade política dos nossos líderes de assumir o compromisso social com nossas propostas. Temos certeza que, dessa forma, estaremos todos construindo uma sociedade mais justa e democrática, o que transcende a mera perspectiva setorial, possibilitando o avanço em direção a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz. Este é um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer: não serão toleradas omissões.
Rio de Janeiro, julho de 2006.
Abrasco - www.abrasco.org.br cebes - [email protected] Abres - www.abres.fea.usp.br Rede UNIDA - www.redeunida.org.br Ampasa - www.ampasa.org.br
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A Identidade do CEBES1 The identity of CEBES
Reafirmamos os princípios expressos na Plataforma da Refundação do CEBES, e entendemos que este é um processo que apenas iniciamos, mas que já nos reposiciona na cena política de forma a poder participar da construção coletiva de uma direção política para a saúde e para a democracia brasileira. Entendemos que a identidade coletiva que nos agrega é a de uma instituição comprometida com o socialismo e, portanto com a radicalização da democracia, o que requer participar da construção de uma nova correlação de forças na sociedade brasileira e também mundial, que permita um real deslocamento do poder em direção aos setores dominados e excluídos. Entendemos que a democracia eleitoral e a defesa do estado de direito são imprescindíveis para permitir a aglutinação de forças e a construção de novos sujeitos políticos. No entanto, nossa perspectiva socialista vai além da democracia formal e requer uma verdadeira transformação nas relações de poder, o que não ocorreu com a mudança de regime político. O CEBES tem suas origens no movimento social de luta contra a ditadura e pela democracia, e seu lugar sempre foi o de pensar esta construção social a partir da democratização da saúde. Não sendo uma ONG nem um movimento social típicos, o CEBES se identificou sempre com um lugar da sociedade civil de onde se possa pensar criticamente a saúde e a sociedade brasileira e, desde esta análise de conjuntura, construir estratégias políticas transformadoras, difundi-las e buscar agrupar forças sociais capazes de impulsionar este processo de transformação. Para tanto, conta com pouco recursos, não sendo um partido ou um grupo acadêmico de produção de conhecimentos, mas considera fundamental usar os conhecimentos e saberes para demarcar este lugar de um pensamento de esquerda, que tensione o espectro político mais tradicional e cobre mudanças institucionais e societárias. Por não ser um grupo de origem corporativa o discurso do CEBES deve cobrar a universalidade, reivindicando um projeto coletivo de reforma sanitária que transcenda interesses, que, embora justos são particularistas, exigindo a transformação da democracia atual em uma democracia substantiva.
AUTONOMIA E INSERÇÃO O desafio atual é o de manter-se como uma organização autônoma, desvinculada do Estado, ao mesmo tempo em que buscamos inserir nossas bandeiras na arena política, conquistando aliados dentro e fora do Estado.
1ª. Reunião de Planejamento Estratégico no Sítio Pedras Negras em 28 / 04 / 2007. PARTICIPANTES: Ana Costa; Ary Carvalho de Miranda; Assis Mafort; Francisco Braga; Fuad Zamot (consultor); Lenaura Lobato; Ligia Bahia; Lígia Giovanella; Luciana Sucupira; Luiz Neves; Maria Gabriela Monteiro; Mario Scheffer; Paulo Amarante; e Sonia Fleury. 1
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A preservação da autonomia necessária é difícil, na medida em que necessitamos de apoios políticos e materiais de órgãos estatais, para estruturarmos uma base material minimamente eficiente e que assegure a eficácia de nossas ações. No entanto, consideramos que esta relação de apoio não pode se configurar como dependência política e temos convicção que seremos capazes de enfrentar este desafio. Por outro lado, é importante reconhecer que nossos companheiros alcançaram chegar aos núcleos decisórios governamentais e que é nosso dever apoiá-los e criar condições de sustentabilidade das medidas políticas que consolidem a reforma sanitária. Mas, por mantermos a autonomia entre sociedade civil e Estado, temos que enfrentar as dificuldades inerentes à permanente postura crítica que é necessária para fazer a reforma avançar. As condições para tanto são mais favoráveis agora que em outros momentos anteriores, considerando o fato de termos como dirigente do Ministério da Saúde um companheiro que coloca nossas posições no seio do debate político. Em pouco tempo, sua gestão foi capaz de reinserir a saúde como tema da sociedade (aborto, bebida, prevenção), do governo (soberania em relação a multinacionais, separação Igreja e Estado, saúde como investimento) e em relação ao mercado (patentes, preços de monopólio), para mencionar alguns aspectos. Somos solidários e apoiamos estas iniciativas, mas reconhecemos que os limites para algumas das propostas encaminhadas serão dados pela base de sustentação e orientação ideológica e econômica deste governo. Por isto, nossa autonomia será imprescindível para inserir nossos interesses e também para cobrar posições governamentais em relação a pontos nevrálgicos, nos quais a universalização da saúde seja ameaçada por medidas econômicas que sigam retirando recursos da saúde – como a preservação da DRU, seja por medidas reformadoras que signifiquem redução de benefícios para a população mais pobre – como algumas medidas propostas na reforma previdenciária -, seja ainda pela ausência de uma proposta coerente de reforma do Estado na qual se defina uma política para o funcionalismo público que assegure carreiras dignas e combata clientelismo, corrupção e troca de favores , em detrimento da saúde da população. Nossa capacidade de inserção de nossas estratégias na arena pública não depende de nossa adesão ao governo, mas de nossa capacidade de fortalecer alianças na sociedade civil que garantam sustentabilidade às propostas que defendemos. Neste sentido, vemos como imprescindível nossa articulação mais orgânica com a rede de organizações, movimentos e partidos políticos que possam revitalizar a sociedade civil em torno das questões sanitárias.
ESTRATEGIAS: UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO Consideramos que só poderemos ganhar o apoio da população para a defesa do sistema de saúde se conseguirmos que ele funcione pra valer, de forma humanizada e sem discriminações, com ações que sejam eficazes e efetivas no acesso e utilização dos serviços. Portanto, temos claro que a construção, cotidiana e permanente, de um SUS de qualidade é nosso ponto focal. Desde esta trincheira podemos lutar para que a democracia seja aprofundada. Enfrentar a desigualdade no acesso e atendimento, a drenagem de recursos públicos para o setor privado, a necessidade de melhorar a qualidade do atendimento e de colocar o usuário cidadão como o centro do SUS; esta é nossa bandeira.
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Para tanto, devemos manter o instrumento permanente da análise de conjuntura política, por meio do qual podemos analisar o campo de lutas, os atores e suas arenas e estratégias. Desta forma, estaremos em melhores condições para definir nossas alianças, escalonar prioridades em relação a manifestações e participações do CEBES, não permitir que a organização seja usada para apoio a causas que sejam ou particulares ou confrontem com nosso ideário, impedir o aparelhamento político e partidário dos núcleos e espaços do CEBES, atuar em conjunto com outras forças sociais para dar a direção política da saúde na perspectiva da radicalização da reforma e da democracia. Em cada espaço que ocuparmos temos a obrigação de exercer a crítica a instituições e normas que, mesmo que tenhamos sido favoráveis a sua criação, demonstrem sua inoperância ou desvirtuamento na conjuntura atual. Revisitar os mecanismos decisores e participativos, repensar as relações entre instâncias governamentais, discutir a articulação da saúde com outras políticas públicas, em especial na perspectiva de efetivação da Seguridade Social, são nossos objetivos estratégicos. Particularmente, neste ano devemos dar prioridade a nossa participação no Congresso da ABRASCO, ALAMES e IHPS, marcando nossa presença política, divulgando nossa plataforma e estratégia e construindo uma rede de alianças sólidas com outros atores sociais.Para tanto, precisamos fortalecer nossa linha de comunicação, com a retomada da Revista Saúde em Debate, da coleção de livros, fortalecimento do boletim e desenvolvimento de uma página eletrônica que permita nossa interação com os associados e simpatizantes. Outra ação estratégica se concentra na discussão sobre a metodologia e o temário da XIII Conferência Nacional de Saúde. Vamos discutir o que ocorreu até aqui com este poderoso instrumento de formação da vontade política, com vistas a seu aprimoramento e melhoria da sua eficácia. Este são os compromissos atuais do CEBES, aos quais se ajunta a necessidade de resgatar a história da reforma sanitária, desde a perspectiva das lutas da sociedade civil organizada, da qual o CEBES é partícipe e detentor de um enorme acervo que necessita resgatar e divulgar. Consideramos que estamos no caminho correto pois estamos sendo capazes de desenvolver um trabalho de equipe, criar espaços de interlocução com outro atores, participar nas várias frentes onde a sociedade civil se representa – como o Conselho Nacional de Saúde, aglutinar pessoas de diferentes formações, posições e gerações em torno do debate da conjuntura, nos posicionarmos em relação a temas controversos, enfim ampliar a esfera pública comunicacional no campo da saúde. Estamos certos que este é apenas um começo e que muito mais poderá e deverá ser feito, na medida em que formos capazes de mobilizar mais energias e recursos para ampliação do escopo da democracia atual.
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TEMPORÃO, ENTREVISTAJosé/ Gomes INTERVIEW
CEBES entrevista José Gomes Temporão, ministro da Saúde1 CEBES interviews José Gomes Temporão, the Health Minister
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o ano passado, a atual Diretoria Nacional assumiu a entidade com uma proposta que ficou conhecida como ‘Refundação do CEBES’. Uma proposta que não se restringe a nós, mas que tem como objetivo a retomada do movimento da Reforma Sanitária brasileira. Afinal, em 2006, o CEBES e a revista Saúde em Debate completaram 30 anos, com uma contribuição indiscutível para a construção do pensamento e das práticas críticas e transformadoras em saúde neste país. A Refundação é a reafirmação do projeto plural e não partidário do CEBES, projeto este comprometido com a construção da democracia e da saúde enquanto um processo instituinte de permanente reinvenção da sociedade. Dentre os muitos projetos da Diretoria no contexto da Refundação, julgamos importante resgatar e preservar a história do próprio CEBES, o que gostaríamos de ter feito ainda quando contávamos com a companhia de David Capistrano, um de seus fundadores, Eric Jenner Rosas, Sergio Arouca e mesmo com Eleutério Rodrigues dentre muitos outros companheiros. Afinal, apesar de todas as crises, das numerosas dificuldades, foram editados 71 números da Saúde em Debate e 40 da Divulgação, além de vários títulos de livros e documentos. Denominamos este projeto de ‘Memória do CEBES’ e é com muito otimismo que damos início a ele entrevistando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, cebiano de primeira hora, presidente nacional no período 1981-83, e membro da Diretoria Nacional em várias gestões. O ministro Temporão fala da importância do CEBES
no início de sua formação médica e política, de suas vivências como sanitarista e de suas metas e projetos, estratégias e obstáculos à frente do Ministério da Saúde. Fala, ainda, da 13ª Conferência Nacional de Saúde e das fundações estatais de direito privado. Mas, o melhor é ouvir tudo do próprio ministro. Sonia Fleury – Você pode imaginar nossa satisfação em recebê-lo aqui, um ministro cebiano! Com esta entrevista, inauguramos o Projeto Memória do CEBES. Fale sobre sua experiência no CEBES, e o que você acha que a mesma agregou à sua trajetória política e profissional? José Gomes Temporão – Primeiro, queria agradecer o convite e manifestar minha alegria de estar aqui nesse debate com os companheiros cebianos. Tudo começou quando eu estudava medicina na UFRJ. No início do segundo ano, eu tinha um amigo, o Gerson, um ginecologista, que me convidou para trabalhar em Nova Iguaçu, na Maternidade Nossa Senhora de Fátima. Eu dava plantão com ele nos domingos. Gerson foi o primeiro médico que conheci que me mostrou como se dá a relação médico-paciente. Não foi na faculdade que aprendi isso, foi lá na Baixada. Comecei a aprender muita coisa com ele. Naquela época, eu não tinha muita idéia do que ia fazer; achava que ia fazer clínica médica. Vivíamos na ditadura. Então, havia aquele clima complicado na faculdade, também. Ali, na Baixada, eu tinha um contato muito próximo com a situação social – que já conhecia desde a época que trabalhei no
A entrevista foi gravada nos estúdios do Canal Saúde, no dia 7 de julho de 2007, cujo vídeo comporá o acervo histórico do Projeto Memória do CEBES. Excelente oportunidade para agradecer à generosidade e à competência técnica de todos os profissionais do Canal Saúde e do Centro de Documentação da ENSP (CEDOC), que participaram da gravação. Pelo CEBES, participaram Sonia Fleury, Ligia Bahia, Francisco Braga, Luiz Antonio Neves, Lenaura Lobato e Paulo Amarante.
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ASSOCIE-SE AO CEBES E RECEBA AS NOSSAS REVISTAS O CEBES tem duas linhas editoriais. a revista Saúde em Debate, que o associado recebe quadrimestralmente em abril, agosto e dezembro, e a Divulgação em Saúde para Debate, cuja edição tem caráter temático, sem periodicidade regular.
QUEM SOMOS Desde a sua criação em 1976 o CEBES tem como centro de seu projeto a luta pela democratização da saúde e da sociedade. Nesses 30 anos, como centro de estudos que aglutina profissionais e estudantes, seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta, em movimentos sociais, nas instituições ou no parlamento. Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado em fortalecer seu modelo democrático e pluralista de organização; em orientar sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir nas políticas e nas práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e a formulação teórica sobre as questões de saúde; e, em contribuir para a consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma sociedade mais justa. A produção editorial do CEBES é resultado do trabalho coletivo. Estamos certos que continuará assim, graças a seu apoio e participação. A ficha abaixo é para você tornar-se sócio ou oferecer a um amigo! Basta enviar a taxa de associação (anuidade) de R$ 150,00 (institucional), R$ 100 (profissional) ou R$ 50,00 (estudante) em cheque nominal e cruzado, junto com a ficha devidamente preenchida, em carta registrada, ou solicitar, nos telefones ou e-mail abaixo.
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SAÚDE EM DEBATE Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), voltada para a área de Saúde Pública e Saúde Coletiva, publicada quadrimestralmente em abril, agosto e dezembro, é distribuída a todos os associados em situação regular com a tesouraria do CEBES. Aceita trabalhos inéditos sob forma de artigos originais, artigos de opinião, artigos de revisão ou de atualização, relatos de casos e resenhas de livros de interesse acadêmico, político e social. Os textos enviados para publicação são de total e exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desde que identificada a fonte e a autoria. A publicação dos trabalhos está condicionada a pareceres de membros do Conselho Editorial e do quadro de Pareceristas Ad-Hoc (através do sistema duplo cego). Eventuais sugestões de modificações da estrutura ou do conteúdo, por parte da Editoria, serão previamente acordadas com os autores. Não serão admitidos acréscimos ou modificações depois que os trabalhos forem entregues para a composição.
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e) as referências bibliográficas no corpo do texto, deverão ser apresentadas entre parênteses em caixa alta seguidas do ano e, se possível, da página. Ex.: (MIRANDA NETTO, 1986; TESTA, 2000, p. 15). 5. Referências Bibliográficas deverão ser apresentadas no final do artigo, observando-se a norma da ABNT NBR 6023: 2000 (disponível em bibliotecas). Exs.: CARVALHO, Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Estado. In.: FLEURY, Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde e democracia: a luta do CEBES. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112. COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo M.; JACOBI, Pedro. Participação popular e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do município de São Paulo. Saúde em Debate, Londrina (PR), n. 38, 1993. p. 90-93. DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991. 111p.
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