UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP Letras no Antigo Regime de Portugal Prof. Dr. Marcelo Laschat Tiago Marcondes Valente 102.149
Em Funções e significado do episódio da “Ilha Dos Amores” na estrutura de “Os Lusíadas”, Vítor Manuel Aguiar e Silva nos apresenta sua análise de um dos mais conhecidos episódios da epopeia camoniana, no qual Vasco da Gama e sua tripulação, após chegarem ao destino de sua viagem, Calicut, concluírem sua missão e iniciarem o retorno às terras lusitanas, são recompensados por Vênus com uma ilha, de atmosfera paradisíaca e utópica, repleta de belezas naturais e habitada por belas ninfas. Na primeira parte do texto, o autor dedica-se ao debate acerca da localização exata da ilha descrita por Camões. Enquanto parte dos estudiosos busca por referências e detalhes que possam assegurar uma possível indicação geográfica, a outra parte, que inclui Silva, crê que a produção literária “foge da dependência imediata de referentes reais” (p. 133), ou seja, o discurso literário, tratando-se de uma obra ficcional, dispensa uma justificativa ou um referente verídico, ainda que deva ser verossímil, para as ações, relações e localizações de seus personagens. Tal argumento não descarta a possibilidade do discurso poético trazer referências, direta ou indiretamente, a diferentes textos como indica Silva, enumerando possíveis fontes de inspiração para o episódio de Camões. Entretanto, o autor ressalta que a compreensão de uma obra deve, além da buscar e analisar essas fontes textuais,
abranger um estudo que parte do aspecto de literariedade do texto, chegando até suas relações com outras produções culturais. Em seguida, Aguiar e Silva aborda o conceito de lócus amoenus, termo utilizado para caracterizar um local paradisíaco, na maior parte das vezes, rico em natureza. Segundo o autor, na Ilha dos Amores, o amor age como uma força que une o mundo sensível e o inteligível, corrigindo “os desvios, erros e vícios perturbadores da lei que deve imperar no mundo” (p. 136), listados por Camões em alguns versos, como em “Vê que aqueles que devem à pobreza / Amor divino, e ao povo caridade, / Amam somente mandos e riqueza [...]” (CAMÕES, 1572. IX, 28). Além disso, o amor e a união entre os portugueses e as ninfas concedidas por Vênus como reconhecimento pela virtuosidade dos heróis lusitanos, tem como finalidade unir ambos os mundos, elevando os nautas ao nível divino e as ninfas ao terreno, o que gera algo elevado, imortal, uma “geração de homens novos” (p. 138). O episódio analisado por Aguiar e Silva ainda traz a conhecida passagem da máquina do mundo, momento no qual a ascensão dos lusíadas ao nível divino se conclui, quando a ninfa Tétis oferece a Vasco da Gama uma esfera que lhe revela todos os segredos do mundo. Segredos esses, que devem ser transmitidos ao resto da Nação lusitana, contemplando “o que não pode a vã ciência / dos errados e míseros mortais” (CAMÕES, 1572. X, 76). Por fim, Aguiar e Silva relaciona a obra camoniana com os acontecimentos históricos que antecedem e precedem a publicação da epopeia, concluindo sua análise que, ainda que demande certa bagagem e total atenção do leitor, traz uma infinidade de referências e interpretações, a partir de uma leitura bastante minuciosa da viagem lusitana.