Toda e qualquer sociedade, em qualquer tempo e lugar, quando equaciona as quest�es da educa��o tem, como alicerce imprescind�vel, um princ�pio cuja universalidade � interior a todas as diferen�as e as torna fecundas (sejam elas diferen�as individuais, de grupos, ideol�gicas ou partid�rias), princ�pio que � condi��o de possibilidade da pr�pria exist�ncia de uma aut�ntica democracia: o respeito efectivo pela dignidade da pessoa humana. Em Portugal e durante esta legislatura, este governo do Partido Socialista � na pessoa do Senhor Primeiro-Ministro, Jos� S�crates e na pessoa dos respons�veis do Minist�rio da Educa��o por ele nomeados � tem conduzido a sua ac��o pol�tica na esfera da Educa��o assumindo comportamentos de manifesta falta de respeito pela dignidade da pessoa humana em rela��o a alunos, pais e professores. Quando o governo deste Partido (dito) Socialista considera o aluno n�o como pessoa mas como instrumento manipul�vel para c�lculos estat�sticos que permitam distorcer ou ocultar a verdade dos factos substituindo-a pelo simulacro produzido pela sua m�quina de propaganda, onde est� o respeito pela dignidade da pessoa? Como exemplo disto pode citar-se aquilo que o Dr. Alfredo Barroso (distinto militante do PS que foi Chefe da Casa Civil da Presid�ncia da Rep�blica na altura em que o Dr. M�rio Soares foi Presidente) escreveu: �Em 2008, nada menos do que 1052 escolas b�sicas conseguiram aquilo que, em 2007, s� 222 tinham conseguido. De 83 por cento de �chumbos� em 2007 desceu-se para 26 por cento em 2008. Estamos perante um esfor�o tit�nico de aprendizagem ou um caso de pura magia estat�stico-pol�tica?! Estes resultados seriam motivo de grande regozijo, se n�o pesasse sobre eles a suspeita de ter havido uma acentuada diminui��o do n�vel de exig�ncia nos exames (n�o apenas de Matem�tica) para melhorar substancialmente as estat�sticas em ano eleitoral. O nacional-porreirismo est� em marcha!� A prop�sito deste mesmo facto, Ant�nio Barreto afirmou: �Ningu�m duvida de que educar mal � t�o pernicioso quanto n�o educar. Em certo sentido, � pior. Preparar profissionais, t�cnicos, cientistas e professores num clima de complac�ncia e facilidade pode ter resultados desastrosos. As expectativas criadas n�o s�o satisfeitas. As capacidades presumidas s�o falseadas. O desperd�cio social e econ�mico � enorme. E � criada uma situa��o fict�cia onde fazer de conta se transforma em virtude. Para tranquilidade dos contempor�neos e para
desgra�a das gera��es futuras.� Alguma vez o Primeiro-Ministro e a equipa do Minist�rio da Educa��o abordaram esta quest�o com a honestidade intelectual que ela exige? Este � um exemplo, entre muitos poss�veis, que ilustra a atitude continuadamente assumida ao longo desta legislatura na �rea da Educa��o. Onde est� o respeito pela dignidade da pessoa quando o governo deste Partido (dito) Socialista n�o s� hostilizou os professores como quis colocar a popula��o contra os professores? A produ��o legislativa da equipa do Minist�rio da Educa��o [o Estatuto da Carreira Docente, o Modelo de avalia��o do desempenho, o Modelo de gest�o e administra��o escolares e o Estatuto do aluno] teve como finalidade fazer da Escola P�blica um instrumento ao servi�o da �domestica��o da sociedade�. Para tal era necess�rio convencer a opini�o p�blica de que os
professores s�o gente que n�o quer trabalhar, luta por privil�gios e � manipulada pelos sindicatos; e, ao mesmo tempo, impor um enquadramento jur�dico que enredasse a ac��o do professor numa teia burocr�tica descaracterizadora da fun��o docente. O Partido (dito) Socialista foi t�o longe nesta sua estrat�gia que na sua perspectiva n�o s�o s� os professores e os seus sindicatos a defender os seus interesses particulares, mas tamb�m todas as outras organiza��es partid�rias se situam em igual plano. E apenas o Partido (dito) Socialista, na pessoa determinada do seu Secret�rio-Geral, defendeu os interesses gerais (conferir ouvindo a entrevista que Jos� S�crates concedeu a Maria Flor Pedroso na Antena 1 da radiodifus�o em 14-09-2009). Em conclus�o, em Portugal s� quem pensa como o Primeiro-Ministro � bom portugu�s. Portanto, os professores e todos os partidos que n�o s�o o Partido (dito) Socialista s�o perigosos ignorantes e prejudicam gravemente a P�tria atrasando a �Modernidade� requentada do Primeiro-Ministro. A falsa consci�ncia e a m�-f� tanto do PrimeiroMinistro como da equipa do Minist�rio da Educa��o est�o muito bem resumidas nesta afirma��o da Ministra da Educa��o em entrevista ao Di�rio Econ�mico de 31 de Agosto: �Todos os partidos est�o a comprar a paz com os professores por um pre�o que o pa�s n�o pode pagar�. Mas s�o os professores pessoas depravadas de cuja honestidade e compet�ncia se deva desconfiar? Como pode a Ministra da Educa��o concluir que os professores t�m como �nico e primordial objectivo das suas vidas fazer guerra contra o governo, porque pretendem impor os seus interesses corporativos acima do Bem Comum sem o que n�o haver� paz? Foi esta �domestica��o da sociedade� que o Professor Jos� Gil t�o lucidamente denunciou: �No processo de domestica��o da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da Educa��o representam muito mais do que simples tra�os psicol�gicos. S�o t�cnicas terr�veis de domina��o, de castra��o e de esmagamento, e de fabrica��o de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo t�o eficaz, �a desactiva��o da ac��o�. � a n�oinscri��o elevada ao estatuto sofisticado de uma t�cnica pol�tica, � maneira de certos processos psic�ticos.� Os professores cometeram a aleivosia de n�o se deixarem instrumentalizar. N�o permitiram que uma maioria absoluta os corrompesse destruindo-lhes a raz�o cr�tica. A luta persistente dos professores (individualmente, atrav�s dos sindicatos e dos movimentos
independentes) p�s a nu toda a falsidade de um discurso pol�tico que os queria colonizar aprisionando-os num espa�o representativo que se pode definir como falsa consci�ncia. Esta falsa consci�ncia desenvolve-a o Primeiro-Ministro e a equipa do Minist�rio da Educa��o utilizando um mecanismo de defesa a que Freud chamou a � recusa da realidade� (Verleugnung �modo de defesa que consiste numa recusa pelo indiv�duo de reconhecer a realidade de uma percep��o traumatizante�, �a recusa da percep��o de um facto que se imp�e no mundo exterior�1 ). Este espa�o representativo, estruturado como falsa consci�ncia, a que o governo deste Partido (dito) Socialista chama �Modernidade� � verdadeiramente uma regress�o ao �tempo� anterior � distin��o entre o imagin�rio e o simb�lico por meio da subordina��o compulsiva do exerc�cio l�gico do pensamento ao mecanismo da �recusa da realidade� (Verleugnung). Num tal espa�o representativo a �perfei��o� da mentira delimita o cen�rio da apar�ncia de verdade alimentando assim a ilus�o de que esse espa�o n�o tem exterioridade. De uma penada se nega a alteridade alienando a raz�o nas ilus�es da consci�ncia especular. � nesta confus�o entre 1 J. Laplanche, J.-B. Pontalis � Vocabul�rio da Psican�lise. Lisboa, Moraes Editores, 1975, pg. 373 e 562
verdade e ilus�o meticulosamente urdida por este Partido (dito) Socialista que assenta a sua estrat�gia de coloniza��o das consci�ncias e das institui��es, recorrendo mesmo a processos de persegui��o pidesca dos cidad�os de que infelizmente j� nos foram dados alguns tristes exemplos ao longo desta legislatura: se n�o vos submeteis por convic��o (ou por oportunismo), sereis subjugados pelo medo (ou pelo castigo)! Express�o inequ�voca desta falsa consci�ncia � o modo como o Primeiro-Ministro estabelece a rela��o entre o universal e o particular quando fala dos professores [basta ouvir a j� referida entrevista que ele concedeu a Maria Flor Pedroso na Antena 1 da radiodifus�o em 14-092009]: O Primeiro-Ministro estabelece a� a distin��o entre interesses gerais e interesses particulares da seguinte forma: eu, Jos� S�crates, Primeiro-Ministro, defendo os interesses gerais e os professores defendem interesses particulares. Reparemos que nesta forma de raciocinar h� algo mais grave do que simplesmente afirmar que os professores se op�em a este governo do Partido Socialista, porque n�o querem ser avaliados ou porque defendem interesses corporativos; o muito grave nesta forma de raciocinar � o erro de l�gica (que os alunos do Ensino Secund�rio estudam quando d�o L�gica no 11� ano nas aulas de Filosofia) com base no qual a fal�cia manique�sta do Primeiro-Ministro revela a m�-f� da sua actua��o pol�tica face a todos aqueles que ousam discordar dele: a L�gica ensina-nos que o universal (interesses gerais) n�o � exterior ao particular (interesses particulares), mas o PrimeiroMinistro afirma (com a infalibilidade papal que o caracteriza) que o particular est� ao lado ou abaixo do universal. Pois bem, quando penso o universal como exterior ao particular (deixaria de ser universal no exacto momento em que algo lhe fosse exterior!), estou a reduzi-lo ao estatuto de particular ao lado dos outros particulares ao mesmo tempo que pretendo enganar o meu interlocutor convencendo-o da minha superioridade ao defender contra ele interesses gerais que afinal a L�gica desmascara como sendo efectivamente t�o particulares como aqueles que ele diz serem os meus, muito embora dizendo-se gerais. A este consciente e premeditado erro de l�gica, pr�tica habitual do actual Secret�rio-Geral do Partido (dito) Socialista, acrescenta-se algo n�o menos revelador: - ao longo destes quatro anos, tanto o Primeiro-Ministro como a equipa do Minist�rio da Educa��o por ele nomeada, sempre que foram confrontados com uma interpela��o cr�tica reagiram menorizando o interlocutor quando n�o diabolizando-o. O interlocutor n�o existe como pessoa; o
outro n�o � sujeito do agir, n�o sabe pensar; o outro � mercadoria do qual apenas me interessa o seu valor de troca no mercado do poder, � uma coisa que deve submeter-se � verdade da qual sou �nico detentor e que eu generosamente lhe imponho para o desalienar �dos pequenos nadas� e lhe ensinar �as quest�es de subst�ncia pol�tica� [conferir com a �li��o� de teoria pol�tica do Secret�rio Geral do Partido (dito) Socialista na j� referida entrevista � Radiodifus�o, Antena 1, onde al�m de ouvirmos o seu discurso de �nico detentor da verdade � tipo monarca absoluto no Ancien R�gime - constatamos a sua indisfar��vel m�-educa��o e irrita��o face �quilo que ele dogmaticamente decidiu ser a ignor�ncia dos outros]. O medo de ser posto em quest�o (directamente proporcional � sua arrog�ncia) levou Jos� S�crates e a Ministra da Educa��o a decretarem que a maioria absoluta � o equivalente do dogma da infalibilidade, raz�o pela qual nunca exerceram a reversibilidade operat�ria que lhes permitisse ver mais al�m da unilateralidade da sua consci�ncia. A sua postura de princ�pio � afirma��o solipsista de uma consci�ncia amarrada �s suas projec��es. Isto revela uma falta de maturidade preocupante em pessoas que desempenham fun��es de governa��o. Como pode algu�m com maturidade
colocar-se, face ao seu interlocutor, na atitude: discordas de mim, logo n�o tens raz�o? Como pode algu�m com maturidade estreitar o espa�o da inter-locu��o negando ao outro o seu lugar de sujeito? Como pode algu�m com maturidade apresentar-se como dono da verdade e evitar o salutar e fecundo confronto de posi��es, reificando-o? Onde est� aqui o respeito pela dignidade da pessoa?
A �cegueira� que a equipa do Minist�rio da Educa��o e o Primeiro-Ministro t�m procurado impor-nos como atmosfera de uma democracia menor � corol�rio da falsa consci�ncia com que nos quiseram e querem colonizar. S�crates foi eleito e eleito por maioria absoluta, mas isso apenas significa que foi eleito democraticamente; ainda n�o significa que ele seja democrata. S� a sua pr�tica pol�tica no dia-a-dia ao longo da legislatura � que mostra se � ou n�o democrata. [Na Hist�ria, h� alguns cru�is exemplos de quem tenha sido eleito democraticamente e tenha usado contra a democracia o poder que a elei��o lhe conferiu.] E que nos mostraram estes quatro anos de maioria absoluta do Partido do qual o PrimeiroMinistro � Secret�rio-Geral? A maioria absoluta foi assumida por S�crates n�o como base s�lida para servir os portugueses, mas como falso crit�rio da verdade legitimador de um, muitas vezes, perverso exerc�cio do poder, como se o poder da maioria absoluta fosse criador do Direito, como se o poder da maioria absoluta pudesse destruir o poder da Raz�o Cr�tica. N�o bastaram quatro anos para compreender a qualidade da democracia que S�crates defende? N�o bastaram quatro anos para compreender que S�crates substituiu a dignidade da pessoa humana pela idolatria do poder? Porto, 19 de Setembro de 2009 Jos� Jorge Teixeira Mendon�a (professor de Filosofia)