Mortu�rio
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Mortu�rio A todos voc�s que est�o mortos e a todos estes outros que ignoram, pois n�s fazemos parte deles, ignoramos que uma vez vivos, um dia a mais � um dia a menos. N�s os incomodamos, mais por nosso ressentimento do que propriamente pelo pesar da perda, que dela, nenhum de voc�s precisam. Estes ossos sejam testemunhas, destes ossos, que pedem a prova, da majestade da morte e da presen�a do teu reino, nesta noite, entre n�s. Estes ossos abram a tumba aos nossos ossos, para a celebra��o desta noite. Aos nossos ossos, esteja aberta a via calcinada de cr�nios, at� a pra�a das costelas. O corso pavoroso seguir�, pelas vielas dos �meros, as ruas dos r�dios e c�bitos, as avenidas dos f�mures. Cada estrada desolada percorrida at� os castelos da senhoria, castelos firmados por muralhas de tarsos e metatarsos e por torres de falangetas. Diante do umbral final, do portal de imensas arcadas dent�rias carbonizadas, no clamor dos redivivos, n�s viemos pedir moradas e abrigo, pois j� vem o dia, arrastando a vida consigo. N�s recusamos, renunciamos ao mundo dos Homens, amaldi�oamos toda a civilidade, toda a propriedade, toda a sociedade, toda a moralidade e toda a religiosidade. N�s descartamos toda a ci�ncia, toda identidade, todos os sentidos e toda a carne ou peso in�til. Primeira Esta��o: Inconsci�ncia Nossos ossos entram agora na sala do silencio, a antec�mara de nossa primeira estada. Nesta estalagem, n�s teremos a servi�o o frio, o silencio, o torpor, o isolamento, a corrup��o de todos os nossos restos mortais, lenta inexor�vel e dolorosamente. Aos que tem ataque de remorsos, apenas o grito mudo e o peso das correntes, para que n�o retornem. Aos que ainda pretendiam guardar objetos pessoais, a dor de n�o pode-los segura-los, vendo-os desmanchar lentamente. Para todos tem in�cio o Sono Infernal, donde reina absoluto Ahriman, que faz do tempo e do espa�o uma jaula, aonde apenas o completo esquecimento pode preparar e proteger da loucura. N�o se t�m pensamentos, sonhos ilus�es, sentimentos, sensibilidades. O �nico contato � com o pr�prio vazio de cada uma das almas nelas mesmas. A terr�vel espera, como um som oco, ressoa at� tirar toda a forma todo tra�o de vida ou sinal da nossa origem, at� nos esmigalhar por completo. A
dor s� se revela ao romper das cadeias. O caprichoso Ahriman revolve os fragmentos, como um carvoeiro empilhando cinzas, at� elas formarem novamente um carv�o para ser jogado de volta a tempera do Sono Infernal. Apenas quando o carv�o tornar-se um diamante � que ele devolver� o valor, conduzindo-o ent�o para a trilha que deve seguir, afora e ao pr�ximo castelo. Segunda Esta��o: Subconsci�ncia Rompido o silencio, estamos ignorantes, a segunda estadia abre-se, a escola nos recebe. Come�a a ascens�o, o retorno � consci�ncia, recobra-se a raz�o. Com a raz�o, n�s vamos resgatando a forma, de uma nuvem de part�culas, recomp�e-se o nosso esp�rito. Muito estudo e muito preparo, constante, massivo, ininterrupto. Pode-se agora sonhar, com a vida que deixamos e com a que iremos ter. N�s fazemos planos, projetos, � o momento da inoc�ncia e ingenuidade. Esperan�as s�o refeitas, j� se t�m sentimentos e sensibilidades, s�o cultivados caprichos, se estabelecem amizades e amores. Muitos se perder�o por estes sonhos e ilus�es, pois � severa a prova e n�o se tem apela��o, aos fracassados, o retorno � certo ao Sono Infernal. Respondamos, com firmeza e determina��o: o que valia eram as apar�ncias, o que justificava era o trabalho, o que busc�vamos era a estabilidade, o que acat�vamos era a ordem. Confessemos que fomos ludibriados, o que vale � o momento presente; o que justifica, n�o prova; o que se busca, se perde; o que se acata, se entrega. N�s temos muito que descobrir, caso as respostas forem satisfat�rias, nos por�o na trilha que segue at� a pr�xima morada, que estar� aberta aos que abandonarem toda a inoc�ncia e ingenuidade. Ser� preciso ser frio e calculista, para prosseguir na estrada, pois o peso de compaix�es ou miseric�rdias pode fazer ceder a ponte, n�o restando nem o Sono Infernal aos incautos. Terceira Esta��o: Consci�ncia Na hora da maturidade, n�s ficaremos totalmente c�nscios da nossa situa��o e estado. Est� no momento de tomarmos o rumo, cuidarmos de como e para onde seguiremos, por nossa conta e risco. Cada um dever� calcular e mapear as rotas que se desenrolam por todo esse imenso campan�rio. Nesta arte, os caminhos ser�o a acolhida e a amplid�o. Uma escarpada mand�bula, um abismo no desfiladeiro sem fundo, onde a queda continua apenas demonstra a vertigem que atacar� aos desorientados. Aqui se por� em pratica e se far� a mais dif�cil prova de que se aprendeu, cresceu e est� apto para fazer parte efetiva do Reino. Ao largo, dispostos, aguardamos a vinda de uma charrete, onde servos a mando da senhoria, recolhem os melhores frutos que foram curtidos pelas estepes intermin�veis. N�s somos acolhidos pelo transporte, um de cada vez. Durante o tr�nsito, aprende-se pequenas e �teis dicas, que nos preparara para o destino seguinte, ou at� um ligeiro amor, a quem a fortuna sorrir. Ainda h� muito a refinar de nossa rudeza, n�s n�o podemos pretender muito, haveremos de aprender a lutar sem precisar do uso da for�a, ossos ou m�sculos. N�s teremos que saber quais s�o as armadilhas dos vivos, que no mundo material, tentam operar for�as m�gicas, ditam regras do oculto e como devemos proceder para cur�-los de tal engenho manco. Quarta Esta��o: Superconsci�ncia Estamos dentro da universidade da morte, aqui teremos um ensino mais refinado que ir� nos preparar profissionalmente para sermos membros ativos
e produtivos do Reino da Morte. Mas n�o ter� apenas teoria, mas tamb�m muita pr�tica e laborat�rios, onde brincaremos com m�diuns e as demais espiritualidades e ocultismos em que os pobres imbecis acreditem, como se fossem ci�ncias exatas. N�s n�o passamos por provas terr�veis para facilitarmos a passagem dos pr�ximos calouros. Como espectros veteranos, daremos trotes nos vivos, n�o escapando nem parentes nem amigos, quanto mais parecer s�rio, mais divertido se torna. Estando plenamente senhores de nossa situa��o, j� estamos livres dessas cretinices pelas quais em vida se nomeia por ocultismo, estaremos mexendo com as verdadeiras normas do mundo desolado da morte. As profiss�es que regiremos s�o muitas e diversas, podemos tripudiar dos m�diuns e nos tornarmos mensageiros; podemos tripudiar dos vivos e darmos em fantasmas pavorosos; podemos abusar da vida e provocarmos fen�menos inexplic�veis; podemos abusar das religi�es e nos fazer passar por deuses ou dem�nios; podemos exceder os limites e arranjar uma reencarna��o. Existem muitas variantes, especialidades em algum setor, ramos de atividades lucrativas, cansativas ou com promo��o e hierarquia. De todas, preferi servir de relator, para lhes contar tudo isso. Eu denunciarei as irregularidades, destes que se apresentam como esot�ricos, publicando a fraude do que se toma por religi�o e do engano de dividir o destino das almas para Para�sos, Infernos ou Purgat�rios. Eu direi exatamente o que cada um �. Quinta Esta��o: Hiperconsci�ncia Uma vez empregados e colocados em servi�o, come�amos o trabalho de progredir a n�s mesmos e colaborar com a evolu��o da morte. A tarefa � �rdua e ingrata, n�o h� pagamento, pois aqui se almeja conquistas mais est�veis que riqueza e poder. Quer se aumentar nosso pr�prio grau de fatalidade, para merecer enfim, uma coloca��o no Grande Mausol�u. N�o se mede tal grau em rela��o individual, nem mesmo coletivo, mas o que e em que o trabalho executado realmente acrescente ou melhore nos processos da morte. O que se quer atingir n�o pode ser medido em quantidade, nem se pode exprimir em qualidade. Pretende-se refinar tudo que se refere � morte. Estranhamente, isto se verifica quando pomos em pr�tica por sobre os vivos. A vida � o laborat�rio da morte. Como pesquisador, coube-me dissec�-la. Como n�o existe material, teoria ou professores, cada um se torna doutor de alguma parte deste processo. Uma vez que se d� em processos, coube-me tom�-la como advogado, jurista e legislador. O c�digo processual da morte a cada emenda e a cada decreto virei a comentar e criticar. Eu irei com meus colegas de est�gio, discutir e definir a teoria, para que conste aos altos encargos, como andam em labor os mensageiros e executores da morte, os oper�rios de produ��o desta ind�stria bem sucedida. A vida � a mat�ria prima; os defuntos, o produto final; a renova��o, o valor de troca ao mercado. Mas, no que nos cabe, n�s n�o dependemos da mat�ria para haver produ��o ou sustentar nossa sociedade, j� que existimos sem precisar da exist�ncia. Se esta n�o houvesse, inventariamos uma qualquer, esta que se chama de vida, � apenas um de nossos prot�tipos, mas n�o o mais feliz nem o mais arrojado. Sexta Esta��o: Alterconsci�ncia N�s chegamos a um n�vel tal, que j� nos ocupamos pela sorte de terceiros, nesta trilha desolada, pela qual empregamos nosso sofrimento. Para esquecer e reviver, n�s ajudamos aos calouros rec�m chegados deste purgat�rio, que usualmente cham�vamos de vida. Suportamos por eles, dores que nos despeda�am, por estar al�m de nossas capacidades, mais antes por prazer do que pena, pois o of�cio da morte s� se realiza plenamente pela
dor que se toma e � alheia. O grau de coragem n�o � para lan�ar-nos mais rapidamente ao Grande Mausol�u, mas tanto para adiar quanto para abandon�-los, no momento em que mais ser�amos necess�rios. Pois a� est� a auto-gest�o da morte: ao perecer o que j� se encontrava falecido. Assim, aos poucos, juntam-se mais ossos e acrescentam-se degraus nesta jornada, pequenos cacos de almas que, ao serem dilaceradas por n�s, levam um pouco de n�s para o processo, acrescentando nossas leis e aumentando os obst�culos, com nossa crueldade. Por quanto mais nos espalharmos pelo terreno, mais ainda nos realizamos e evitamos a �ltima esta��o, pois aqui � que se sente o prazer de trabalhar, s� pelo trabalhar e pelo de dar trabalho. Mas � por nossa pr�pria influencia mal�fica e fatal, que somo mais arrastados, com tanta mais velocidade quanto nos apegamos. Quando cremos estar firmemente arraigados, enraizados, nossas pr�prias ra�zes volatilizam e a explos�o nos projeta. S�tima Esta��o: Transconci�ncia Elevados pelo que nos devia manter firmes no lugar, n�s vemos toda a plan�cie qual vis�o de um trapezista a todo o circo, sendo que a n�s, nos vem a vis�o deste circo que se tornou a vida. N�s vemos em completo que a Morte � a m�e da vida, que como crian�a pequena arrisca pequenos passos, mas logo regressa ao que protege e prov�. Que a morte � ainda pequena e irm� mais velha da vida, mas j� sabe andar e falar. A morte ser� herdeira da Morte, pois s�o autogeradas e auto-suficientes no talento que tem de se perpetuarem ao se extinguirem, a morte se mata para permanecer morta para n�o morrer. A Morte � a morte que morreu quando n�o se matar. Entre elas, a vida vai sem ir, como um brinquedo entre a m�e e a filha, que nesse movimento ilude-se de que est� viva e prevalece sobre a morte. A vida s� � viva porque n�o sabe que n�o vive, n�o sabe que � natimorta e todo seu vigor vem desta ignor�ncia. Tal como um pequeno cometa irriquieto em �rbita, entre uma estrela gigante vermelha e uma estrela an� branca. Todo seu movimento � criado pela for�a gravitacional que existe entre as estrelas. O Grande Mausol�u Eis a antec�mara do pr�prio corpo da Morte, onde j� se sente a emana��o de uma energia forte e primordial de onde os esp�ritos de todas as coisas tiveram origem. Uma ternura filial e uma excita��o sexual conturba nossa pequena alma em meio a tal imensid�o e pot�ncia. Cada fresta exala sabedoria, a cada metro acumulam-se enciclop�dias, cada ossada alinhada, linha de for�as c�smicas que fazem brilhar as �rbitas vazias dos cr�nios com um fogo f�tuo, mapeando esse cosmos da Morte. N�s t�nhamos apenas come�ado a sair da pequena �rbita da morte, estamos iniciando na escalada final at� os limites desse cosmo. N�s temos que encontrar a passagem at� as cinco salas, onde teremos que galgar os doze degraus de cada uma, at� tocar enfim o cora��o da Morte que se encontra na mente e na fronteira da elipse mais imposs�vel e absurda. Este � um jogo que requer habilidade, intelig�ncia e probabilidade, onde a combina��o correta de ossos e medulas, v�o abrir pequenas escotilhas nas quais, combinadas em uma ordem, v�o originar um portal � pr�xima dimens�o, um outro n�vel energ�tico maior e mais amplo, dentro deste incr�vel �tomo da Morte. Na diferen�a de uma costela h� uma curva de acelera��o, que vai rachar o cr�nio no parietal, nos levando � caixa do pr�ximo cr�nio. Primeira Sala: A C�pula Aqui a promiscuidade � uma crian�a ing�nua, daqui � gerado todo o esp�rito
da sacanagem, bem porque a morte � a maior realiza��o sexual, todo ponto de penetra��o corresponde a uma decomposi��o, todo fruto deste ventre � seu pai. O mais perfeito incesto e estupro, matric�dio e filic�dio. Toda carne e sangue, quando existente, em sua fun��o, esta n�o � outra que n�o a contempla��o do prazer de tornar carne e sangue uma perpetua��o do prazer. Aqui o prazer � carne e o gozo � sangue, o que era resultado, � a causa; o que era a causa, um resultado surrealista, a vida � uma conseq��ncia desta orgia da morte. Todo o amante da senhoria, � uma oferenda em imola��o, trucidando-se para os peda�os tornarem-se o esperma que vai purificar o ventre e enraizar� como feto, um incr�vel feto natimorto que ir� parir-se, como um esporo que vive do seu fungo como parasita. Mais ainda com a ajuda de Belchanan, a expulsar do ninho os pequenos e gorando os ovos frescos, num fratric�dio e genoc�dio que s� multiplica a prole. Adquirindo a pel�cula protetora, como um v�rus infecto pronto a aumentar as chagas, n�s sa�mos do colo, arrastando conosco uma trilha de hemorragia, deixando a lembran�a na forma de uma gangrena. Com nossas presas e mand�bulas, for�amos nossa passagem, uma nova sevicia para deliciar nossa senhoria, que aperta em nossa volta seu doce �nus, um longo t�nel pulsante, por onde evadiremos, provocando nossa defeca��o. Segunda Sala: A Digest�o O capricho da senhoria faz com que a fuga acabe nos tragando mais para seu intimo, nos emulsionando no suco g�strico, at� formar um bolo digestivo, como penas de aves no est�mago do crocodilo, prontos para serem regurgitadas. Com grande repulsa, vemo-nos sendo repostas as carnes e os ossos, tornando nossa forma nessa miser�vel humana. Mas isto � feito apenas para decantar ainda mais nossa ess�ncia, de forma que constantes reformas e demoli��es seguem-se, at� que se triture toda sobra ou consci�ncia humana. Desta vez, n�s estamos � merc� das contra��es estomacais e das mar�s enzim�ticas, sofrendo os mais diversos processos em cada parte desta parede viva viscosa, repicando de um canto a outro, sendo esticados, picados, amassados, estirados, assados, estuporados e demais formas de se preparar uma refei��o. Finalmente, depois de n�s ermos coalhados e coados, come�amos a ser assimilados pelas art�rias, que mais se parecem com um labirinto, formado por corais cortantes, nem aqui h� tr�guas. Ainda iremos ser atacados por anticorpos e demais mecanismos de prote��o org�nica, mas sempre numa vers�o adequada ao Mausol�u. Ent�o, as veias s�o como catacumbas, os anticorpos s�o seus habitantes; a sala de digest�o � uma sala de necr�psia liderada por a�ougueiros, mas ao todo, uma boa c�mara de tortura de um calabou�o frio e cruel. Tudo para nos aperfei�oar, tal como o ferro � laborado at� obter a�o temperado, resistente e afiado. Terceira Sala: O Efl�vio Tragados atrav�s dessas cavernas intrincadas, n�s somos arremessados para a forja do Fogo Negro, que consome toda alma, todo o esp�rito de qualquer coisa existente. Na medida que dilui, tamb�m reconstr�i, com fa�scas de sua pr�pria ess�ncia. Da mesma forma que num tonel de vinho, onde n�s seriamos os bagos de uva, subimos e descemos, somos esmagados e rasgados, batidos e cozidos e postos a fermentar. N�s passamos de estado s�lido a gasoso e de gasoso a s�lido, em intervalos de tempo extremamente curtos, a fim de atingirmos o grau de excel�ncia que s� um vinho tinto consegue. Imensas p�s continuam a revolver, enquanto nosso plasma flutua pelo tonel, adquirindo cor e volume, ou cristalizando ao agarrar-se aos pequenos postes ou paredes da tina, enquanto a fermenta��o n�o nos arrancar pela
evapora��o. N�s estamos prontos para ser engarrafados, sendo as garrafas formadas pelos cristais que produzimos, at� criar uma pele lisa e sem defeitos, como uma perola de jade cobrindo um diamante bruto. Por nossa cromografia, n�s seremos catalogados, alguns ainda ter�o que ir a busca de cascas melhores, outro ser�o quebrados imediatamente por terem ultrapassado a camada que lhe cabia. Lentamente, as bolas de gude v�o sendo empilhadas � esquerda, � direita, ao fundo, � frente, � cima e a baixo, at� completar todo um grado. Cada grade e espa�o, nas posi��es e dire��es certas, como a ordena��o at�mica de uma folha, onde aos bocados s�o formadas camadas, para cada camada formar um tecido, que no conjunto resulta em um organismo. Quarta Sala: A Moagem Implacavelmente, as engrenagens fecham-se sobre n�s, os dentes dela pressionam-nos, nos dilaceram com suas brocas, somos triturados pelos rotores at� pulverizar a m�nima poeira, s� restando uma poeira t�o fina que nem mesmo um coador reteria. Ainda seremos centrifugados, para que todo peso possa ser processado, apenas o que for uma fra��o, mas sem peso, ainda que s�lido, ser� retido por uma grade felpuda de penas, com mais fiapos que galhos em uma floresta. O l�tex graxoso da grade nos escorre de volta a engrenagem e a centrifuga��o, para que o �leo resultante de nossa moagem possa lubrificar o engenho. O segundo �leo, obtido da terceira moagem, ser� usado como comburente desta m�quina, esta que gera toda a for�a que move a morte. Pois a morte � sustentada pela Morte, atrav�s da moagem da Morte sobre a morte. A morte pode ser a cabe�a, mas a Morte � a m�quina que gira a cabe�a. O que ceifam, � o produto delas, mais para experi�ncias cientificas que propriamente para alimenta��o ou necessidade. Elas s�o capazes de se parirem e manterem-se, sem precisar de vida ou de qualquer outro prot�tipo ou substituto. A vida, ou qualquer coisa semelhante, s� cabe em si, enquanto as senhorias s�o c�smicas. Atrav�s da v�lvula de escape deste motor de extrusora, n�s sa�mos, um pouco fuliginosos, mas n�s estamos aptos a seguirmos a subida. Quinta Sala: A Coroa Do alto da Morte, n�s vemos com do�ura como a morte brinca com a vida, adormecida em sua pr�pria ilus�o de que a morte � uma fun��o da vida, quando na verdade a morte se basta, visto que n�o � nascida e j� est� falecida, � sua pr�pria nega��o e justificativa. J� a vida depende do movimento din�mico do jogo que a morte lhe imp�e e de pobres objetos e de pequenos atos, para se satisfazer de si e exclamar a si: estou viva! Uma miser�vel tentativa, procurando mais se convencer que se provar. J� a Morte � o p�tio, o palco da morte e sua pantomima, trazendo a vida como uma marionete, para um pequeno espet�culo de ventriloquismo. O que parece se mover, se acha vivo, mas n�o � esperto; o que parece se expressar, se acha eloq�ente, mas n�o � leg�vel; o que parece dominar, se acha reinante, mas n�o � poderoso. Quando a morte se cansar do brinquedo, simplesmente come�ar� outro, tirado de sua imagina��o e o pr�ximo boneco se sentira t�o cheio de vida quanto o anterior e elegera a si como exemplo de realidade, esquecendo que a coroa do real lhe � confiada pela morte, coberta de realeza com um peda�o do manto da senhoria, a Morte. De sua varanda, n�s vemos o que ela v� e consente, deste planalto abrem-se mais outros caminhos, que se estendem por todo o Reino das Trevas. Os Doze Pontos da Antec�mara: 1. Todo principio est� no fim de algo.
2. O que promove a vida � a d�diva da morte. 3. Todo saber consiste em ignorar. 4. Ao que escandaliza, que perten�a ao escandalizado. 5. Um c�rculo � um falso quadrado. 6. Um ponto � uma falsa referencia. 7. As diretrizes s�o insuficientes aos vetores. 8. Condutas foram feitas para serem conduzidas, n�o condutoras. 9. Toda lei � o absurdo da Justi�a, que s� se mant�m pela for�a. 10. A democracia � o regime de coer��o pela maioria. 11. Uma pessoa tem mais faces que uma moeda, mas n�o vale tanto. 12. O que salva n�o alivia, mais vale o prazer do alivio perpetuo. As Doze Pedras da Copula: 1. A felicidade de uma flor � ser ceifada. 2. Toda flor deve campear seu ceifador. 3. N�o se entregue ao que n�o conseguir lhe tomar. 4. N�o se pede ao que se quer, se rouba. 5. Deve se fincar firme o mour�o no vale, para o rio fluir. 6. Apenas o que se ganha, deve ser pago. 7. Dobre o vinco e vinque o dobr�o. 8. Um passeio da agulha em torno do disco s� rodeia seu alvo. 9. O maior obst�culo est� em n�o se aceitar em outro. 10. Deve ser resgatado o pouco algo do tudo que existir no todo. 11. N�o se ganha o premio por velocidade ou pela realiza��o, mas no que se recuperar de si. 12. A tenta��o s� existe enquanto houver segredo. As Doze Farpas da Digest�o 1. O que completa, se esvai; o que alimenta, se aproveita. 2. Mais que necessidade, quer se preencher uma aus�ncia. 3. O que conta � a presen�a e o fazer presente. 4. Seu peso � o que o torna sublime. 5. A absten��o � um homic�dio suicida. 6. E? o exagero que faz o melhor recheio no peru. 7. O digesto ignora o palato. 8. N�o � a gordura que incomoda, mas a magreza que inibe. 9. O prato � redondo e ningu�m reclama. 10. Um gordo economiza em dobro o que um magro gasta em qu�druplo. 11. Uma pedra tem mais chances de sobrevier do que um galho, num vendaval. 12. Se o caso � est�tica e boa forma, o que � mais perfeito que o c�rculo? Os Doze Pregos do Efl�vio 1. Nem tudo que paira no v�cuo � �ter. 2. Oxig�nio tamb�m � alucin�geno. 3. O cora��o � o maior traficante desta droga. 4. O c�rebro � seu principal dependente. 5. Os poros s�o nossas panelas de press�o. 6. Os m�sculos s�o brutos, os nervos s�o nervosos. 7. A coluna vertebral � uma central de telex. 8. Os olhos v�em tudo, menos o que devia ser visto. 9. Os ouvidos est�o desquitados, dormem em lados separados. 10. E?a boca que fala ou � a l�ngua que d� nos dentes? 11. O nariz � o que sobrou da boca, ouvidos e olhos. 12. O c�rebro, apesar da intelig�ncia, n�o superou seu complexo de ap�ndice.
As Doze Alavancas da Moagem 1. Nem tudo que vai aos dentes � para ser mordido. 2. A l�ngua � o mestre de cerim�nias deste sal�o. 3. Castanholas s�o tocadas, por causa de uma castanha. 4. Todo creme � um vinho para a l�ngua. 5. Sorver sopas e outros caldos quentes. 6. A satisfa��o est� em encontrar o tempero e o recheio, onde n�o h�. 7. Que se de algum sangue aos nossos fieis caninos. 8. Um fosso aguarda a entrada dos convidados em ceia. 9. Um c�u � guardado por uma arcada, mas � na adega o para�so. 10. Se ao que deseja, se morde, ao que se ama, se devore. 11. Todo vermelho e verde se acabam no marrom. 12. Algo de dentro pede algo de fora, uma vez integrados, se desassociam. As Doze P�rolas da Coroa 1. Duas cabe�as podem ser coroadas, o ouro faz a festa no c�u, o couro faz a festa na terra. 2. Nem todo couro se d� por ouro. 3. Coroa de ouro � larga, coroa de couro � estreita. 4. Coroa de ouro d� poder, coroa de couro d� prazer. 5. Por ouro se senta, ao couro tamb�m. 6. No trono de ouro cabe a realeza, no trono de couro cabe o cetro. 7. Tem que se dar muito no couro para se chegar ao ouro. 8. Muito ouro faz a riqueza, pouco couro faz a tristeza. 9. Um anel de couro no dedo certo � melhor que um anel de ouro no dedo errado. 10. O couro alheio sempre � mais dourado. 11. H� ouro que se utiliza para o couro e couro para se curtir o ouro. 12. Na bolsa cabe muito ouro, mas � a de couro que mais se deseja abrir. Paramentos para a realiza��o do Mortu�rio 1. Ser� necess�rio um local, que seja pr�ximo de cemit�rio ou terrenos relacionados com a morte, ou que j� tenha sido um espa�o utilizado para tal fim. O local deve ser aprontado de tal forma que seja poss�vel a sensa��o f�sica de cada uma das etapas, come�ando pela entrada de servi�o e terminando na entrada social. O propriet�rio ou respons�vel deve ser o guia e nada mais que isso. 2. Al�m do guia, dois convidados, de sexos opostos, entrar�o e passar�o pelas treze etapas. Encontrar�o em cada etapa, dois provadores, de sexos opostos, que ir�o representar a especialidade da etapa, at� que os convidados cheguem � senhoria, cujo par � o guia. A senhoria ser� nomeada pelos treze pares e ser� a representante da Morte e tomara apenas o guia como seu par. Ao guia cabe a entrada de servi�o, � senhoria cabe a entrada social e mais a nenhum outro. Tais cargos s� poder�o ser trocados nas reuni�es entre os componentes, a serem realizadas em noite de lua nova, que deve acontecer em local separado ao dedicado aos processos normais. Que seja em um por�o, ou na falta, no s�t�o e vice-versa. 3. Em absoluto devem existir hierarquias ou comandos entre os componentes, visto que suas compet�ncias s� consistem enquanto representantes em suas respectivas etapas, ou seja, n�o s�o a pessoa que representam ou a etapa. Manter-se no que lhe foi confiado � essencial ao sucesso de todo o processo. Portanto, vestes que diferenciem ou ressaltem o grau e a import�ncia, est�o fora de quest�o, devem ser descartadas estas ou outras formas de gradua��o e posi��o.
4. Em havendo tais condi��es e entendidas as disposi��es, seguem-se os materiais que devem constar no local, a fim de celebrar o Mortu�rio: uma �nfora de vinho tinto, uma �nfora de sangue (animal,humano ou artificial), treze manuscritos (cartas dos provadores) e as salas devem ter apenas um piso acolchoado, para executar as tarefas que cada etapa exige. Ser� da compet�ncia dos provadores o que ir� constar em seus manuscritos, apenas devem ser respeitados os princ�pios das Trevas. Aos que desejarem, siga-se a literatura profana aqui contida ou em outros trechos de outros cadernos existentes no livro, mas adapta��es e aperfei�oamentos ser�o prefer�veis. 5. Os candidatos devem responder, caso sejam perguntas; comentar, caso sejam frases; executar, caso sejam servi�os. Ao que, se for satisfat�rio, receber�o sua paga em vinho, sangue e carne, abrindo a pr�xima etapa. Em caso contrario, o guia os retirar� do local pela porta lateral, os conduzindo de volta ao meio dos vivos, ao meio social donde provieram. Aos que conclu�rem o curso, completado o processo, a senhoria lhes entregar� o livro de sua prova��o, onde consta o que aprenderam e suas respostas diante da morte. Os candidatos ser�o confiados, um ao outro, pela morte, at� que a dana��o os corrompam para sempre. Agora, como parte da Morte, acrescentar�o a cada noite, um pensamento ao seu livro pessoal, que ser� aberto nas reuni�es do Mortu�rio, momento no qual participar�o das elei��es, modifica��es e melhorias do processo. 6. Para a consagra��o do grupo original e de outros tantos que deste forem sendo formados, h� que ser providenciado todos estes materiais e que o conjunto se ponha em exame, na primeira noite de lua nova em que pretendem, a partir desta, darem prosseguimento ao empenho de celebrar o Mortu�rio. 7. Estes procedimentos n�o devem seguir como um ritual rotineiro e est�ril, n�o deve ser tomado como forma de cren�a ou religi�o, n�o deve ser encarado como obriga��o ou dever. Todo processo visa n�o a salva��o, mas a perdi��o; n�o a diviniza��o do Homem, mas a sua degrada��o; n�o a integra��o em uma entidade absurda, mas a diversifica��o dentre op��es de destino, no Reino das Trevas. 8. Que a inten��o dos celebrantes seja a de trilhar pelos corredores da morte, atrav�s do cemit�rio, para se conhecer suas linhas e se tirar o melhor proveito do saber que a morte pode nos brindar. Que a inten��o dos celebrantes seja a de acabar com as ilus�es ou fantasias, desmascarar a face dos que se aproveitam da vulnerabilidade e ingenuidade humanas, que tentam manipular a humanidade em beneficio de seus prop�sitos pol�ticos, sociais ou religiosos. Que a inten��o dos celebrantes seja a de devolver o g�nero humano ao seu lugar merecido, sua fun��o primordial, da qual vem sendo afastado por interesses de duvidosa bondade. 9. Este e outros livros que ir�o registrar a hist�ria de todos os grupos de celebrantes do Mortu�rio n�o s�o uma regra, nem deve se constituir como exemplo aos futuros grupos. As linhas existem, cabem aos grupos o que se deve escrever nelas, de como estes espa�os ser�o preenchidos dependera apenas dos atos que tomarem diante da constante quest�o que a Morte oferece aos que se dedicam a conhece-la. 10. Das anota��es de cada grupo, se fizer necess�rio, ser�o elaborados regras, mas o grupo deve sempre prevalecer e um grupo n�o pode delimitar os campos dos outros grupos. As regras nascem, vivem e morrem pelo grupo e s� subsistem por ele. Feliz do grupo que melhor se aproximar dos princ�pios das Trevas ou da Morte, mas a que ponto se aproximou que fique ciente pelo grupo, aos outros, que se esforcem para se aproximarem da sabedoria da Morte. 11. Os grupos, que quiserem trocar experi�ncias em prol do processo, devem proceder a seus apontamentos deste congresso separadamente, para evitar influ�ncias, semelhan�as, repeti��es ou s�nteses. Isso prejudica a evolu��o do processo e dos grupos, que come�ar�o a ficarem est�ticos,
acomodados e pregui�osos, pondo a perder todo o trabalho acumulado. 12. Todo grupo deve ser aut�nomo e deve responder pelo que for necess�rio, uma vez que estamos nos instalando numa sociedade que aprova apenas o otimismo, o comodismo, o conformismo, o positivismo, a felicidade, a alegria, a vida e o Imp�rio das Luzes em suas diversas faces. 13. Uma vez que tomamos a morte como uma d�diva e a maior experi�ncia sexual, em seu maior �pice de �xtase, nada que nos possam fazer nos redimir� aos prop�sitos escusos do Imp�rio das Luzes. Pois, se este se construiu sobre um m�rtir, para se permitir martirizar seus advers�rios, pelo peso dos cad�veres de suas vitimas ele vir� a ruir, dando vit�ria �s Trevas, nosso maior desejo, objetivo e vingan�a. Anota��es do autor Existem muitos deuses �nicos e muitas verdades absolutas, a cada religi�o cabe um absurdo, levado pela ilus�o de seu l�der. Uma pessoa se torna l�der apenas depois de ter tido algum contato com a morte, a cada toque, pela pessoa, conduz a uma experi�ncia e a um saber. Mas parece que n�o aprenderam a li��o, pois at� agora todos t�m tentado negar a fonte de sua inspira��o e se deixado levar pela ilus�o de grandeza e de proximidade aos deuses, que s�o mais seus pr�prios pesadelos paternais, inflados. Por este temor, pela culpa diante de seu pr�prio tribunal, inaugura regras de conduta a todos quantos conseguir tragar a este engodo, a fim de promover e divulgar estes caminhos a salva��o, estas verdades que interessam para esta religi�o e este deus, a fim de que estes mesmos subsistam. Ent�o, � muito mais os deuses que dependem dos homens, que estes deles. Uma regra s� existe se houver for�a para que seja observada e embora sejam os homens que fabriquem diariamente seu futuro, estas regras s�o constitu�das para que os homens saibam o que devem fabricar para alcan�ar tal futuro linear, ao inv�s de um prov�vel, din�mico e mais produtivo. S�o os homens que fazem as leis, estas devem existir em beneficio de todos e cada um, n�o deveria ser um instrumento de condicionamento, s�o os homens que devem projetar, decidir os rumos e edificar este futuro. Os homens n�o deveriam aguardar este futuro incerto, sem garantias, que � usado como uma amea�a ao presente. S�o os homens que se fazem � imagem dos seus deuses, porque estes s�o eles mesmos, na forma da perfei��o que imaginaram ser a mais absoluta, n�o s�o estas entidades que se conformaram em gente para se expandir. Que necessidade teria um ser absoluto e perfeito de se degradar a tal ponto, se n�o se bastasse em si e se n�o fosse t�o prefeito? O que viria a realizar que n�o fosse o seu pr�prio si e com que prop�sito, se n�o haveria admiradores? Por que se diminuiria a uma forma carnal e t�o imperfeita se n�o necessitasse dela para que se enxergasse e se entenderia como criador e deus? Se tal criatura � seu pr�prio corpo, como poderia cometer alguma culpa, se sta n�o tivesse antes sido desejada e cometida pelo criador? Por que se daria o trabalho de formar sexos diferenciados, s� para depois proibir o coito, por ser imoral? Por que se daria o trabalho de criar tantas coisas, para que nem todas pudessem ser desfrutadas? Como poderia aumentar o numero de adeptos, se proibiu a fornica��o? Como, de uma s� semente, poderia vir toda uma floresta diversificada? Se foi pela criatura que a morte veio ao mundo, ent�o tal criatura � divina ou ser� que a morte j� existia, contemporaneamente a este deus? Ent�o, seja qual for nossa origem, ela tem um momento �nico: o de fugir da morte, acreditando em algo supremo e imortal, proibindo-se de fazer certas coisas que acredita ser uma ofensa ao seu deus, fazendo outras que acredita colocar-se pr�ximo dele e portanto, mais longe da morte. Inventam-se or�culos, energias, c�rculos existenciais, f�rmulas de magias, tudo mais que o sonho e a fantasia puder dispor, para satisfazer
essa ilus�ria fuga do que � verdadeiramente imortal, por n�o ter sequer nascido e merecidamente divinal, por ter sido a raz�o de ser da exist�ncia das religi�es e sua fonte de inspira��o. Eis que estas s�o as verdadeiras cascas que nos envolvem e nos sufocam: s�o todas as religi�es, as crendices, as ilus�es e as fantasias criadas pela nossa mente infantil, mas que d� uma seriedade quase cientifica a tais absurdos, chamados de esoterismo e ocultismo. Se estiver oculto, � porque tem vergonha de aparecer; se for externo, n�o nos pertence nem nos diz respeito, que naveguemos nossa barca, ent�o. Se h� uma fun��o ao Homem, esta � a raz�o; se h� uma religi�o, esta � o labor; se devermos realizar um culto, que este seja o do sexo. Devemos nos colocar, fazer e tomar o que nos cabe, sem procurar coisas estrangeiras nem ocultar nada. Todo movimento tem sua l�gica, todo fazer tem uma raz�o, cabe aos mestres e artes�os indicarem como, mas n�o o que fazer. Eis toda a necessidade humana: esta s� v� real e ativa quando se expande em um objeto percept�vel aos sentimentos, � das sensa��es e necessidades que nasce a realidade e tamb�m o desejo, a id�ia e a fantasia. N�s somos uma maquina org�nica, movida a sensa��o, necessidade e desejo, n�s n�o seremos felizes em nada mais, se n�o formos satisfeitos de alguma forma e nisso toda religi�o falha, pois o alivio � ilus�rio e a salva��o, apenas uma promessa sem fiador. A confian�a deve residir em n�s e no que fazemos, qualquer outra tentativa � fugaz e em v�o. N�o celebramos a morte para neg�-la, mas para torn�-la bem vinda. N�o a consideramos uma casualidade ou tristeza, embora inconvenientemente todas as religi�es comemorem a morte, mas a considerando uma fase, uma reden��o, uma entrada a outro mundo. N�s consideramos a morte todo este sistema complexo que ocorre ao fenecer um ser vivente. Se considerarmos como vida o que somos, o que fazemos e todas as prova��es que passamos, n�o podemos aceitar ent�o haver uma vida ap�s a morte, j� que os relatos (se forem confi�veis) falam de um lugar sem sofrimentos ou esfor�os. Na verdade, a morte � o espa�o no qual a vida se desloca, a vida � movimento, que se conduz pelos princ�pios da in�rcia, a��o e rea��o, derivando ou causando outros movimentos ou vidas, mas sempre o movimento das coisas, n�o o seu estado. O estado das coisas � a rela��o em que o movimento est� para o espa�o: se o ignora, se o sente ou se o aceita. Enquanto o ignora, o movimento � continuo; quando o sente, j� se retarda e quando o aceita, se estagna. Analogicamente semelhantes aos estados f�sicos: s�lido, l�quido ou gasoso. Em havendo energia, volta-se ao gasoso, em se deixando inalterado, tende-se ao s�lido. A �nica energia que fornece tal diferencial � a energia vital contida no pr�prio ser e em mais lugar nenhum. Esta energia n�o depende de sorte, magias de qualquer tipo, apenas da vontade interior do individuo, toda pessoa s� depende de si, para tentar alcan�ar algo mais de seu momento din�mico. Entretanto, todo esfor�o s� permanece na dinamicidade, fora disto est� condenado ao fracasso e ao esquecimento, mesmo o maior realizador n�o tem valor para a morte e � por isso que apostamos na morte e no seu processo: para obter o perp�tuo. N�o estamos, com isso, querendo estimular ou apoiar o suic�dio e o homic�dio, considerando as conota��es prejudiciais que tais palavras t�m na fun��o jur�dica, social e religiosa. N�s queremos apenas nos colocar diante de um fato mais real que a realidade, mais tangente que a vida, que � a morte. N�o se torna a morte mais branda ignorando-a, mas podemos transform�-la numa amiga e companheira, se tentarmos entend�-la, escut�-la. Ao inv�s de encar�-la como problema, a entendemos como solu��o, como fonte de toda a sabedoria e o �pice do �xtase da maior experi�ncia que se poderia sentir. Ela foi a noiva de todo mission�rio que se fez l�der religioso, sendo enganada e usada, roubada de sua sabedoria, cujo poder foi mal utilizado por todos esses profetas, para o beneficio e
ascens�o destes como redentores. Ela foi utilizada, para fundar as cren�as que esses mission�rios representam, para arrastar os cr�dulos, por essa pseudo-autoridade divina. N�o queremos liderar, salvar ou aliviar as pessoas de seus tormentos, iremos vivencia-los e saudar a perdi��o. Celebrando o Mortu�rio, aprendemos que cabe apenas � dona da sabedoria toda a divindade e cabe � senhoria todo poder que tais divindades alegam ter. E? entendendo a morte e seus processos, que tudo fica mais claro e simples, sendo at� mais f�cil descobrir as respostas que ainda n�o tenham solu��o. Por estes e outros tantos motivos que nos esfor�aremos para que seja escrito a Ceticese, coment�rios do ceticismo para as outras cren�as. Na ingenuidade que merecerem, a mesma quantidade de s�tira, at� a desmoraliza��o total dessas monstruosidades. Nenhuma cren�a resiste ante o questionamento s�rio e profundo, visto que s�o feitas de ilus�es, de fr�geis filosofias e verdades superficiais. Se fizer necess�rio, tal critica deve existir dentro dos grupos, j� que almejamos o aperfei�oamento pela pratica e corre��es nas diretrizes. N�o � uma diretriz que nos faria merecedores da perfei��o, mas este esmero n�s juntamos aos peda�os, atrav�s de tentativas e erros, para juntar a seq��ncia correta que pode nos elucidar todos os mist�rios que se pretenda desencantar. O que se celebra, visa antes experimentar toda a d�diva da morte que cultu�-la, deixando tal experi�ncia aberta aos que desejarem ter contato com a fonte de toda a sabedoria. Ao grupo, seu motor de evolu��o ser� o constante questionamento, que sejam levantadas toda esp�cie de d�vida e que se achem respostas adequadas, vindas da pr�pria experi�ncia do grupo junto � morte. N�s somos como universit�rios, numa imensa e intermin�vel faculdade, onde a morte � a reitora e principal mat�ria de ensino. Nessa academia, est� prevista a participa��o ativa do corpo de alunos, na melhoria do curr�culo geral. No que me cabe como escritor do profano, tento deixar, na medida do poss�vel, tantos textos quantos se fizerem necess�rios, para auxiliar aos que ousarem entrar nesta rota. As linhas est�o a�, mas as palavras est�o soltas em meio ao campo, como sinais de um mapa cartogr�fico. Os sinais est�o muito sutis ou muito evidentes, ao que me coube evidenciar enquanto minha capacidade permitiu. No entanto, est� longe da discuss�o ter terminado e o comp�ndio de meus cadernos n�o pode constituir na mensagem definitiva das Trevas aos seres inteligentes deste planeta, pois isso o suporia sagrado ou verdadeiro. O que estas obras s�o, em qualquer caso, verdadeiramente sacr�legas. Eu quero, antes de tudo, instaurar a d�vida e o questionamento, porque sei que � atrav�s da busca que se chega a conclus�es e, das conclus�es, se conquista a evolu��o. Ainda somos muito infantis, apesar da intelig�ncia. Tudo o que nos faz t�o especiais estamos usando de forma a nos ofender. Com a maturidade e a conquista da raz�o, passaremos a mudar tal quadro e j� n�o ser� t�o f�cil nos iludir com crendices ou nos enganar com promessas. Ai sim, eu acreditarei num futuro durado para a humanidade, um para�so que ser� constru�do em terra por nossas m�os, sem depender de nada ou ningu�m.