Um Coraçao, Duas Paixões

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  • Words: 51,309
  • Pages: 154
Um coração, Duas Paixões

PREFÁCIO

O livro “Um coração duas Paixões, conta a história de um grande amor, que começou na infância. Por influência da mãe e por dinheiro, Ana a protagonista, casa-se com outro. O desenrolar desta história, você lendo o livro saberá, é bastante interessante. O autor consegue nos manter atento do começo ao final; e conta sobre as tradições de nossas cidades.

Heloisa N. P. N. Crespo Professora Agosto/2008

Numa pequena e típica cidade do interior, uma cidade bem pequenininha mesmo, apenas cinco ruas na vertical e seis ou sete na horizontal. Na parte de cima havia uma pracinha bem projetada, e muito bem cuidada. Uma pracinha relativamente grande para o tamanho da população mas, compatível com o tamanho da igreja que nos horários de missa comportava quase toda a população da cidade em seu interior. E logo acima da igreja, a algumas dezenas de metros um pequeno e muito bem cuidado cemitério. A cidadezinha era cercada por pequenos sítios e grandes fazendas e era exatamente essas propriedades rurais que produziam um pouco de tudo principalmente na agricultura e pecuária, e que dava empregos para a maioria dos habitantes da cidade. Todos os dias logo de manhã, antes mesmo de amanhecer o dia já se podia ver muita gente saindo de suas casas e indo para o trabalho no campo. Alguns que trabalhavam mais perto iam a pé com suas ferramentas nas costas, bornal de comida a tira colo, chapéu de palhas na cabeça e iam todos alegres conversando pitando seu cigarrão de palha com fumo de corda, assobiando ou cantarolando pela estrada afora. E outros que trabalhavam bem mais longe, iam a cavalo, outros em cima de tratores ou pequenos caminhões com bancos de madeira cobertos com encerados. Enfim, a cidadezinha ficava praticamente vazia no decorrer do dia, mas à noite depois de um exaustivo e longo dia de trabalho todos tomavam o seu bom banho, jantavam e os mais velhos normalmente ficavam em casa com seu radinho ligado ouvindo musicas sertanejas e descansando para enfrentar o dia seguinte e os mais jovens ficavam na pracinha circulando, outros batendo um papinho descontraidamente, tocando violas, cantando e outros namorando. E nos finais de semana então a festa e a alegria era geral. Pois devido ao fato da pequena cidade ficar bastante afastada dos grandes centros urbanos e ser até de difícil acesso, era difícil ver pessoas estranhas por ali e as pessoas viviam em perfeita comunhão. Era um povo alegre, feliz muito religioso e festivo. Aos domingos de manhã era sagrado todos irem a igreja fazer suas orações, se cumprimentarem e se abraçarem e em todas as festinhas, que se fazia na cidade não podia faltar à presença do tiãozinho da Ana e nem da Ana do Tiãozinho. 3

Um casalzinho conhecido e querido de todos, e ele fazia a alegria de todas as festas, porque eles sempre colaboravam com tudo que podiam. Mas, quem era Tiãozinho? Essa pessoa tão conhecida e querida por todos! E quem era Ana? Bem, não deveria ser mais infelizmente é normal ocorrer acidentes e mortes com trabalhadores nas áreas de grandes produções agrícolas, e tudo devido às más condições de transporte dos trabalhadores que se aglomeram em cima das poucas e precárias conduções existentes. E os trabalhadores levados pela necessidade, mesmo sabendo que correm riscos de vida são obrigados a se submeter, e tudo isso só acontece porque a maioria dos patrões são ambiciosos, desumanos e não tem nenhum respeito e consideração pelos trabalhadores, pelos pobres e menos favorecidos. E as autoridades também (com exceções), por serem poderosos e patrões também fazem vista grossa, se omitem ignorando os fatos. E com isso quem leva a pior é sempre o trabalhador, o pequeno, o menos favorecido. E em um desses acidentes um casal perdeu a vida deixando órfão um menino que acabaria sendo criado pela avó dona Generosa que além de ser muito pobre, era doente. E com a morte dos pais o menino que já entendia o que estava acontecendo apesar da pouca idade, ficou muito doente acarretando ainda mais a situação da avó que já vivia com dificuldade mas como os vizinhos eram muito solidários, um ajuda daqui, o outro ajuda dali e o menino foi superando o trauma e se restabelecendo. Seu nome? Sebastião! Mas todos o chamavam de Tiãozinho: ele foi crescendo um garoto forte, muito esperto, educado e querido por todos. Até que chegou a época de se matricular na escola, e ele estava muito feliz pois, ia vestir o seu uniformezinho e fazer muitos amiguinhos. Ao iniciar-se na escola, ele que era um garotinho muito esperto e conversador já fez amizade com todas as crianças da classe logo no primeiro dia de aula. Mas, não se sabe como e porque, Tiãozinho se apegou mais com uma menina de nome Ana. Ela também se apegou demais a ele, e todos os dias os dois brincavam, juntos e todos 4

percebiam que onde estava Tiãozinho estava Ana, e onde está Ana estava Tiãozinho, era sempre assim os dois brincando, ajudando e defendendo um ao outro. Tiãozinho menino muito pobre, simplezinho, todos os dias com a mesma roupinha mas, bem limpinho. Os cabelinhos muito mal cortado pela própria avó que não tinha condição de pagar um cabeleireiro mas mantinha o cabelinho curto, lavado todos os dias e bem penteadinhos. Pois a avó do Tiãozinho era uma pessoa bastante prestimosa apesar de muito pobre. E Ana ao contrário era filha de um pequeno comerciante da cidade que tinha ótima condição de vida e traziam a menina como uma princesa, sempre muito bem arrumadinha e todos achavam muito bonito a amizade, e o apego das duas crianças. Os anos foram passando, Ana e Tiãozinho foram crescendo e a amizade dos dois continuava cada dia mais intensa, e todos os dias eles eram vistos juntos na escola, na casa dela, na casa dele, ou nas festinhas. E os dois ficaram conhecidos por todos na cidade e região como Ana do Tiãozinho e Tiãozinho da Ana. Ele tinha certa dificuldade com os estudos, por mais que estudava suas notas não eram das melhores sempre repetia o ano, mas não ficava triste nem desanimado, não dava trabalho na escola para as professoras e nem em casa para a avó. Era um rapazinho muito educado, esperto e trabalhador como ninguém. E enquanto os outros garotos sonhavam e falavam em ser médicos, advogados etc. Ele só sonhava em ter um sítio, um sítio não tão grande mas, que desse para ele fazer tudo o que sonhava. E em seus trabalhos artísticos na escola ele sempre fazia os mesmos desenhos e nestes desenhos que colocava tudo aquilo que fazia parte dos seus sonhos, eram paisagens, colinas, casas nas colinas, cachoeiras, matas e animais domésticos de quase todas as espécies. E sua avó costumava dizer que estes sonhos dele era uma herança genética, visto que seu pai sempre teve os mesmos sonhos mas, nunca conseguiu realizá-los, e que ao morrer tenha talvez deixado para o filho mas, ela achava também que para Tiãozinho isto não era sonho, era plano, era projeto. Ele quando não estava na escola estava na rua fazendo serviços para uns e outros. Tudo que as pessoas pediam ele 5

estava pronto para atendê-los e sempre o mais rápido possível. Era pra dar um recado, fazer serviços de banco, carpir um quintal, enfim, além de educado, trabalhador e muito honesto, Tiãozinho da Ana era muito versátil e todo mundo que se utilizava os seus serviços lhe dava alguns trocadinhos que ele corria para casa e entregava na mão da avó. Durante o dia Tiãozinho corria pra lá e pra cá, servindo um e outro, mas a noite onde houvesse uma festinha, fosse numa residência, fosse ao pátio da igreja ou num salão comunitário, lá estavam Ana e Tiãozinho trabalhando juntos, cantando as pedras do bingo, puxando a quadrilha, dançando e ensinando as crianças dançarem ou ajudando na cozinha comunitária. Tiãozinho não gastava um tostão primeiro porque ninguém lhe cobrava nada do que ele consumia, beber ele não bebia, não fumava e não jogava e se jogava era só de brincadeira. E em todas as festas que estava era para ajudar no trabalho pelo simples prazer de ajudar. Tiãozinho que foi criado aos cuidados da avó sempre andou limpinho, os cabelos mal cortados mas sempre curtos e penteados e se vestia com muita simplicidade, mas, Ana ao contrário, era filha de um comerciante da cidade, pessoa de nível cultural, intelectual e financeiro não muito alto, mas, bem elevado para o nível de Tiãozinho. Ela era uma menina bem criada, mimada, e se vestia muito bem, e talvez esse conforto que a própria vida “ou sorte”, lhe proporcionava, fazia com que ela tivesse um bom aproveitamento na escola pois suas notas eram sempre ótimas. Mas Tiãozinho infelizmente, talvez devido às preocupações com os trabalhos e compromissos que assumia ou talvez com o futuro ou com a própria vida, ele não ia muito bem na escola. E apesar de todo esforço que fazia suas notas continuavam baixas. A vida de Tiãozinho era um eterno corre-corre, de manhã ele corria pra lá e pra cá, trabalhando para um e outro, na hora da aula ele corria em casa, tomava um banho, comia alguma coisa vestia-se rapidamente e sempre chegava correndo na sala de aula e muitas vezes atrasado. Ana e Tiãozinho eram bons amigos, para ele, Ana era a melhor amiga que alguém podia ter e para ela, ele era um amigo muito especial. E apesar da diferença social entre os dois, eles se entendiam em tudo pois tinham o 6

mesmo gosto em quase tudo. Mas, até nas divergências os dois se entendiam. Tiãozinho gostava muito de músicas country, sertaneja e coisas assim. Ana já preferia o popular, o rock clássico e coisas do gênero, mas o entendimento dos dois era tão perfeito que eles não só respeitavam o gosto um do outro como também conseguiam conciliar os gostos, porque como os dois gostavam de cantar, e cantavam em todas as festinhas na cidade, eles conseguiam agradar a todos pois em cima do palco os dois se revezavam cantando cada um no seu estilo como também duetavam principalmente nas músicas interpretadas por Tiãozinho que era mais para o lado sertanejo. E o dueto dos dois era perfeito. Enfim Ana e Tiãozinho faziam a festa e a alegria de todos. E assim os anos foram passando, Tiãozinho não tinha namorada, e Ana também não e apesar de muitos rapazes dar em cima dela, ela não se interessava por ninguém ela só queria amizade. Mas com o passar do tempo aconteceu o que ninguém esperava, uma menina de nome Laurinda que já gostava do Tiãozinho há muito tempo sem que ninguém soubesse manifestou o seu amor e o interesse por ele deixando claro pra todo mundo. Tiãozinho que nunca havia tido uma namorada começou muito timidamente a corresponder com Laurinda. E as pessoas começaram a comentar: -O Tiãozinho da Ana está namorando a Laurinda! E outros brincavam dizendo: -Mas se ele é o Tiãozinho da Ana, como pode estar namorando a Laurinda? E outros diziam: -Agora ele vai deixar de ser o Tiãozinho da Ana e passar a ser o Tiãozinho da Laurinda? Mas, de novo aconteceu o que ninguém esperava, Ana que sempre foi simplesmente uma grande e inseparável amiga de Tiãozinho, teve uma crise de ciúme e foi para cima de Laurinda fazendo-a afastar-se de Tiãozinho. E essa crise de ciúmes de Ana fez Laurinda se afastar e ao mesmo tempo despertar no Tiãozinho algo que ele nunca havia sentido antes pela Ana, então eles que sempre foram apenas bons amigos mudaram repentinamente de comportamento pois, a partir daí começou entre eles um novo sentimento que até então eles não tinham 7

consciência. Mas os pais de Ana que apesar de conhecer o menino desde pequeno, e saber que ele era trabalhador, muito honesto e amigo da filha, não concordavam de forma alguma com o namoro. Pois eles o queriam, e o tratavam muito bem mas, apenas como amigo e não como membro da família. Pois Tiãozinho era um rapaz muito simples, não foi muito bem na escola, usava nos seus passeios quase sempre a mesma roupa apesar de estar sempre impecável e decente. Ele que trabalhava para um e outro, ganhava seu dinheiro e entregava tudo na mão da avó, ninguém via gastando, pois ele era muito considerado pelas pessoas pelo fato de não beber, não fumar, não jogar a não ser por brincadeira. Tiãozinho vivia falando sobre seu sonho que todos já sabiam que era comprar um grande sítio onde ele pudesse plantar, criar e fazer nele o que bem quisesse. E outro sonho dele era construir uma casa do jeito dele num lugar bem alto onde ele pudesse contemplar o vale, a planície e a chuva no espaço. Talvez o Tiãozinho tenha tirado essa idéia do poema “No Alto da Serra”, que diz assim:

“NO ALTO DA SERRA” Não há nada mais bonito do que estar no alto da serra; Sentindo o perfume das flores, sentido o cheiro da terra, Ver as nuvens de pertinho que cai como um branco véu, Sentir a paz, a harmonia e a grande alegria de estar pertinho do céu ... Ouvir o galo cantando logo no romper da aurora, Os pássaros gorjeando, Ouvir o gado berrando e um cavalo relinchando e correndo no pasto afora. Ver o dia amanhecendo, ver o sol lá no horizonte; despontando atrás dos montes com seus raios cor de ouro, que mais parece um tesouro caindo do céu em cascata, se misturando à neblina que forma um lençol de prata, Que se aquece e se dissipa, deixando a relva 8

molhada e mostrando o verde da mata. Não há nada mais bonito do que estar no alto da serra E vendo lá na planície a chuva cair sobre a terra, Enchendo todos os rios que percorre lentamente, Umedecendo a terra, germinando as sementes. Ver o homem se preparando para cultivar o chão, E outros que já cultivaram e agora estão transportando sua grande produção. Ver o rebanho pastando, ver o dia terminado e o sol que desaparece, Deixando um clarão vermelho como uma grande chama que ao se apagar escurece. E logo surge no espaço, como uma Deusa de aço clareando a imensidão, A lua cheia e redonda mudando completamente a paisagem do sertão. Vejo no céu as estrelas, e os vaga-lumes no chão, Vejo a Lua refletindo num lago do Ribeirão, Lua, estrelas e vaga-lumes em perfeita comunhão, Mais parece um céu na Terra e outro na imensidão. Das montanhas só vejo o contorno, da cerca só vejo o mourão, Num galho seco bem alto a sombra de um gavião, E ao longe nas palhoças vejo a luz do lampião. No sertão o dia é lindo, a noite é muito mais bela, Tudo é muito colorido, mais parece uma aquarela, Tudo que há de mais lindo Deus colocou sobre a Terra. Feliz daquele que pode, viver no alto da serra. E todo mundo achava muito bonito, muito válida a idéia e o sonho do Tiãozinho mas, como realizar se ele era tão pobre, não tinha um emprego que lhe garantisse um bom salário. Pois ele vivia de fazer bicos ou seja, (trabalhando um pouquinho para 9

um, um pouquinho para outro, ganhando um trocadinho aqui, outro acolá). E os pais de Ana não aceitavam mesmo o namoro pois, eles eram comerciantes e criaram a filha como uma princesa e sonhavam para ela um casamento muito melhor com alguém que tivesse uma condição de vida muito melhor do que a deles. Portanto a diferença entre Ana e Tiãozinho quando estavam juntos era visível e notória, era o mesmo que emparelhar tijolo de barro com mármore de carrara mas, mesmo contra a vontade dos pais ela continuava namorando com ele e os dois estavam felizes e até fazendo planos para o futuro e ele sempre com as mesmas idéias comprar um grande sítio e construir uma casa num lugar bem alto, e como os dois agora estavam bastante apaixonados, ele apresentava para ela os detalhes da casa dizendo. -Que depois da casa pronta colocaria na fachada um coração bem grande de madeira envernizada e dentro dele escreveria: Tiãozinho e Ana ! Então ela ouvia os planos de dele e sabia que tudo não passava de sonhos mas, ela não estava preocupada pois tudo que queria era estar com ele. O tempo foi passando e os dois cada dia mais apaixonados, sempre juntos participando de todas as festinhas como sempre fizeram, mais com a intenção de ajudar do que se divertir mas, acabavam se divertindo muito mais do que os outros, pois eles cantavam as pedras dos bingos sempre fazendo brincadeiras, trocadilhos tornando assim o jogo muito mais divertido. Outra hora estavam dançando, o que eles faziam muito bem, e ensinando os outros a dançar. Quando chegava a época das festas juninas era os dois que marcavam a dança da quadrilha, pois enquanto ele gritava as palavras de ordem: “caminho da roça”, “a ponte quebrou”, “olha a cobra”, “meia volta”, e ela sempre sorridente ia puxando o cordão, dançando e orientando os dançarinos, e todo mundo se balançava ao som da sanfona que comia solta enquanto as bandeirolas coloridas balançavam ao sabor do vento, o forte e gostoso cheiro de quentão exalava por todo lado. A criançada corria alegremente pra lá e pra cá comendo pipocas, algodão doce, maçã do amor. Enquanto que nas barra10

quinhas, as bandejas de bolinhos caipiras e outros deliciosos salgadinhos eram fartas e a movimentação era grande: E assim os dias iam passando, Tiãozinho e Ana apaixonados, ele continuava trabalhando muito e guardando os trocados que ganhava entregando-os aos cuidados da avó que muito o amava, e do qual muito se orgulhava pelas grandes qualidades. Ana cada dia mais adiantada na escola, mais bonita, sofisticada, admirada e cortejada pelos rapazes da cidade, mas, só tinha olhos para Tiãozinho. Embora concordando com os pais que ele era muito simples, sonhador e não se dava muito bem com os estudos. Mas como todo mundo está sujeito as surpresas boas e ruins da vida, com Tiãozinho não poderia ser diferente pois, além dos pais de Ana serem totalmente contra o namoro, ainda não acreditavam que ele tivesse algum futuro. E ainda o consideravam um sonhador quando na verdade ele não tinha sonhos, mas sim, planos bons e verdadeiros, embora apenas ele próprio tivesse certeza da realização e lutava para isso. E assim era a rotina da pequena cidade de um povo muito alegre, unido, trabalhador, gentil e hospitaleiro. Cidadezinha onde tudo era motivo de festas e comemorações era casamentos, batizados, quermesses, fulana namorando com sicrano, noivados etc, sem falar nas comemorações das grandes colheitas. Mas infelizmente de vez em quando a rotina de alegria era quebrada com notícias que abalavam toda população. Era o trator que tombava em cima do operador, o caminhão ou o ônibus em péssimas condições de manutenção e com excesso de trabalhadores que perdia o freio, tombava na curva, precipitava no abismo, caia no rio matando alguns ou muitos trabalhadores e nesse dia então inevitavelmente, a tristeza, e os comentários. E o inconformismo era geral, e o sacristão passava todo o dia batendo o sino lentamente em sinal de respeito, o alto falante da igreja de hora em hora colocava uma Ave Maria tocando bem baixinho e o padre anunciava com voz suave, lentamente os nomes dos mortos demonstrando profunda tristeza pelas vidas perdidas, e depois de anunciar os nomes de cada um , ele lia pausadamente alguns pequenos trechos da bíblia na intenção de dar um pouco de conforto e minimizar o sofrimento dos 11

amigos e parentes daqueles que se foram. E após a leitura ele se calava, aumentava o som da Ave Maria e ia baixando-a lentamente, voltando a reinar o silêncio para que as pessoas pudessem fazer uma meditação e reflexão sobre tudo que ele havia dito. E nestes dias então, a agitação de Ana e Tiãozinho era muito grande porque eles eram solidários, amigos de todos, tanto na alegria quanto nos momentos de tristeza e dor, daí um dos motivos pelo qual os tornavam muito unidos e queridos por todos. Um belo dia apareceu na cidade, vindo não se sabe de onde um carro grande modelo antigo, mas todo incrementado, com rodas de liga leve, suspensão rebaixada, vidros escuros e equipado com som e parou na praça bem no centro da cidade na porta da lanchonete normalmente a mais freqüentada pelos jovens de maior poder aquisitivo. E tão logo o carro parou suas portas escancararam e dele desceu primeiro um homem moreno, bem magrinho, cabelos meio encaracolados com os primeiros sinais de calvície e de aproximadamente uns trinta e cinco anos de idade, e logo desceu ajudada por ele uma mulher bem mulata, seios grandes, cabelos alisados, usando batom de cor bem destacável, sandálias de salto, e logo que ela desceu os dois ficaram abraçados deixando claro que se tratava de namorados, amantes ou coisa assim, e apesar de ela ser bem rechonchuda demonstrando ter aproximadamente o dobro do peso dele, até que formavam um casal bem razoável. E por último aos olhares curiosos das pessoas, coisa normal nas pequenas cidades do interior, desceu o condutor do veículo, um homem de aproximadamente um metro e oitenta de altura, oitenta quilos, loiro, olhos claros, cabelos bem cheios e lisos penteados para trás usando óculos de sol com jeito mal encarado e muito entrão. E logo que desceu do carro, bateu a porta com força, espreguiçou-se escandalosamente, bocejou e juntos entraram na lanchonete, sentaram-se nas banquetas a beira do balcão e ali permaneceram por algum tempo tomando cervejas, conhaques falando muito, gesticulando e observavam tudo e todos que passavam. 12

O loirão de vez em quando deixava o copo sobre o balcão e ia até a porta, dava uma cuspida longe, ajeitava os testículos, ajeitava a fralda da camisa pra lá e pra cá e voltava em seguida para o balcão, e tudo isso sem parar de falar e gesticular com os amigos, pois apesar da belíssima aparência física, ele era um grosseirão por natureza. E numa dessas idas a porta, por acaso Ana que vinha da casa do Tiãozinho passava sozinha, distraída e como sempre muito bem arrumada, e alguém ouviu quando usando aquelas expressões sem graça ele disse: -Isto sim é que é mulher! E não aquela porcaria que tenho em casa, pra essa ai eu dou casa, comida e um milhão por mês. Depois de algum tempo saíram da lanchonete entraram novamente no carro e o loirão saiu dirigindo com uma das mãos no volante e a outra do lado de fora do veículo segurando o cigarro, e aos olhares curiosos seguiram em direção a periferia onde passaram boa parte do dia rodando e fazendo perguntas, e à tardinha desapareceram. Mais tarde veio-se saber que eles estavam procurando por um parente próximo da mulata que estava com eles e que supostamente estaria morando ali na cidade, mas ao descobrir que a informação não era verdadeira foram-se embora. Com o passar do tempo as coisas mudam e Tiãozinho não era mais um garoto, Ana não era mais uma menina e continuavam muito unidos, apaixonados, ele continuava muito responsável e trabalhando muito, porém agora com uma diferença, ele andava muito bem arrumadinho e quem comprava suas roupas, sapatos e administrava suas economias era a avó, dona Generosa porque, ele mesmo não gastava em nada, e principalmente agora que estava se preparando para a grande virada em sua vida, e nessa grande virada, estava inclusive pedir Ana em casamento, embora sabendo que teria dificuldades em obter a aprovação dos pais dela. Até então Tiãozinho não tinha tomado coragem para enfrentar os pais dela e pedi-la em casamento, e este também não era o momento adequado, porque todos estavam ocupados com os preparativos devido à festa. Fato este que atrairia muita gente principalmente de fora. Por isso todos estavam trabalhando com um mesmo objetivo, ou seja, fazer com que tudo trans13

corresse bem e que a festa fosse um sucesso, se possível maior do que os anos anteriores. Finalmente chegou o dia da grande festa! Logo pela manhã o movimento na pequena cidade já era muito grande, as pessoas iam chegando em cima de cavalos bem arriados, charretes de cores e desenhos bem variados, bicicletas, tratores com carretas, caminhões com bancos de madeiras cobertos com encerados, tratores tão empinhados de pessoas que não dava nem pra ver quem o estava dirigindo, ônibus tão empoeirados que não dava nem pra saber qual era a sua verdadeira cor. Até ai estamos falando dos trabalhadores rurais, mas, chegava também os fazendeiros com seus jeeps incrementados, camionetes quatro por quatro importadas, lindos cavalos de raça, enfim, cada um do seu jeito todos vinham para o grande acontecimento festivo do ano. Entre as muitas atrações e opções de lazer havia uma que era a mais freqüentada do começo ao fim da festa. Um grande galpão onde ficavam expostos os animais domésticos de todas as espécies trazidos pelo pessoal da região para serem vendidos, trocados ou breganhados. E as breganhas valia qualquer coisa, animais com animais, carros, rádios relógios, porque o que contava mesmo era que cada um alcançava o seu objetivo, desfazer do que estava sobrando e adquirir o que estava precisando, assim, todos se divertiam saiam satisfeitos e ainda proporcionavam uma grande atração para o público. As pessoas continuavam chegando e alguns dos colaboradores iam orientando os carros que chegavam no sentido de não se aglomerarem na região central e estacionarem nos locais mais afastados deixando o maior espaço possível para que as pessoas pudessem circular livremente. E nisso entra na cidade um carro que não deixou de chamar a atenção das pessoas, pela característica diferenciada e padrão de luxo, modelo importado, vidros escuros que muito mal se via quem estava em seu interior, e diante dos olhares curiosos o carro parou e estacionou em uma das pouquíssimas vagas ainda existente na porta de um bar, e para a surpresa de todos. Sabe quem desceu dele? -Claro, o loirão. Ele usando óculos escuros, camisa preta de mangas compridas, calça preta, sapato e cinto branco, 14

pulseirinha no braço e correntinhas de ouro no pescoço, grandes anéis nos dedos, o mesmo loirão que algum tempo atrás estivera ali procurando por um parente da sua amiga. Mas, desta vez, o que ele veio procurar? Ou será que veio só para a festa? Bom, de qualquer forma ele estava ali e desta vez sozinho. Ele deixou ali seu carrão estacionado, entrou no bar, pediu uma cerveja, antes porém um quebra gelo “cachaça”, e ficava mais na porta do bar com o copo na mão olhando pra lá e pra cá do que no balcão, parecia estar procurando algo, ou alguém. Depois de tomar algumas cervejas ele deixou o bar, deu uma cuspida, puxou um pouquinho à fralda da camisa de dentro da calça fofeando-a, ajeitou os testículos e foi caminhando tranqüilamente até as proximidades da igreja onde estavam aglomeradas as barracas, das quais ele passou uma por uma observando tudo, apalpando alguns objetos até que chegou diante de uma barraca onde estava escrito: “Standart de tiro ao alvo”. Tiros de seta, chumbo ou rolha, prêmios a sua escolha. Ele parou, olhou para dentro e arregalou os olhos, parecia ter encontrado o que estava procurando. Sabe quem estava trabalhando voluntariamente na barraca? Claro que só podia ser ela, Ana! Tiãozinho também estava fazendo seu trabalho voluntário, mas, em outro setor, assim como Laurinda e outros voluntários. O moço se aproximou da barraca, e Ana que estava de costas e distraída ajeitando os prêmios em seus devidos lugares não percebeu sua chegada, e ele ficou ali parado aproveitando a ocasião para admirá-la. De repente Ana virou-se e deixou escapar um: Ui, que susto! E com a mão no peito começou a dar risadas e nisso várias pessoas se aproximaram, então ela disse ao moço: -Me desculpe, me assustei porque realmente eu estava distraída. -Realmente você parecia estar em outra atmosfera, e eu aproveitei para ficar admirando sua beleza es cultural. -Que exagero! O senhor vai jogar? -Sim! Mas, por favor não me chame de senhor. Não combina comigo, pode parecer que sou bem mais velho. 15

-Está bem! Vou chamá-lo de você! Mas, como você se chama? -Claudio! Meu nome é Cláudio! E você? -Ana! -Muito prazer Ana. Se houvesse um concurso de beleza aqui na cidade, com certeza ninguém tiraria de você o primeiro lugar. -Que exagero, você é muito galanteador. -Talvez, mas dessa forma é que vejo você. -Obrigada, mas vai jogar o quê? Chumbinho, seta ou rolha? Porquê a seta e a rolha é ponto normal, ou seja: Acertou ganhou. Mas com chumbinho, são contados os pontos e vale para os prêmios maiores. -Bem, eu prefiro os chumbinhos, toma mais tempo e é mais emocionante! -Então pode escolher a arma e mandar chumbo no alvo. O moço então apanhou uma por uma das armas, examinou uma por uma e verificando se a mira estava correta, se o cano não estava torto até que encontrou uma e disse: -Esta é bem razoável. E com muita perícia cautelosamente começou atirar no alvo acertando-o com muita precisão demonstrando muita familiaridade com a arma e com isso acabou se transformando no alvo das atenções porque, não bastassem as pessoas que já estavam ali, muitas outras começaram a chegar atraídas pelas expressões de espanto das demais que assistiam de boca aberta o show de perícia do moço, que acabou se achando o rei da cocada preta e começou a se exibir ainda mais. E enquanto isso, apesar de haver ali muita gente, poucos estavam jogando, porque a maioria estava assistindo. E depois de ganhar vários dos melhores prêmios, alguém disse em voz alta: -Hé Ana, acho que sua barraca vai a falência hoje! Ana deu um sorriso amarelo e não disse nada, continuou atender os outros que estavam jogando. Mas, o moço também ouviu o comentário, deu um sorriso e disse: -Não, não tem perigo! Só estou passando o tempo, já me diverti bastante e vou parar agora. 16

E Ana respondeu: -Vai parar mesmo? -Sim vou! -Então escolha seus prêmios. -Não. Não vou escolhe-los, não vou levá-los. Eu só quero um deles. Não joguei pelos prêmios e tenho outro objetivo bem maior, além de passar o tempo e me divertir. -E qual é o outro objetivo? O moço sorriu e disse: -Escolha para mim entre os prêmios que ganhei o mais bonito. -Mas são todos muitos bonitos! -Eu sei disso, mas, tenho certeza de que você acha um deles mais bonito, e, eu vou confiar no seu gosto porque vou dálo de presente para a moça mais bonita desta cidade, e não quero decepciona-la. Ana apanhou aquele que no gosto dela, era realmente o mais bonito, e, antes de entregá-lo nas mãos do moço falou: -Quem será a sortuda? Ele sorriu e completou. -Eu não disse a você que se houvesse um concurso de beleza nesta cidade ninguém tirava de você o primeiro lugar? Então, este presente é para você Ana! E por favor não recuse-o senão vou ficar decepcionado. Ana vendo que não tinha alternativa, sorriu e aceitou o presente agradecendo-o com um aperto de mão. Ao pegar não mão suave de Ana, ele colocou a outra mão sobre ela e falou: -Por mim, ficaria aqui jogando o dia todo, mas eu acabaria levando a sua barraca a falência. -Não, a barraca não é minha, é da igreja e... Eu só estou fazendo um trabalho voluntário, e...Você nos deu uma boa contribuição, eu agradeço em nome da comunidade, e se não tiver nada programado para hoje a noite, nós estamos convidando a todos para o grande show e baile que acontecerá no “Principal Club” onde teremos a presença já garantida de vários cantores de gêneros bem variados, e, entre eles estará o cantor Sabá e sua “Banda Yêra” tocando e cantando forró, country, sertanejo e outros ritmos frenéticos, pois trata-se de uma banda bem 17

eclética assim como o próprio Sabá. O moço sorriu e disse: -Bem com este nome Banda Yêra, não poderia mesmo ter um estilo específico, não combina. E você vai estar lá? -Sim, com toda certeza! Eu e meu noivo! -Noivo? Quer dizer que você é noiva? -Sim, não oficialmente ainda, mas sou! -Que pena, mas noiva não é casada e... noivado pode se desmanchar a qualquer momento. -Bem, nisso você tem toda razão! Mas, não é o meu caso que sou apaixonada pelo meu noivo e vamos nos casar em breve, mas apareça lá à noite que haverá muitas lindas garotas e... uma pessoa como você, só fica sozinho se quiser, disso eu tenho certeza. -Esse elogio seu só aumentou as minhas esperanças de vêla de novo, e vou aguardar com ansiedade por esse momento. Nesse momento trazendo uma caixa de brindes para reposição chegou Tiãozinho, bem arrumado mas, com simplicidade, uma característica própria. Então Ana o abraçou e apresentou-o ao moço. -Este é Tiãozinho, meu noivo! O moço pegou em sua mão, simplesmente e disse: -Muito prazer! E pensou “Não é páreo pra mim...”, e despediu-se dizendo: -Então até mais tarde, foi um prazer. Ana e Tiãozinho continuaram juntos ali atendendo os clientes que chegavam cada vez mais, ele fornecia as munições, enquanto ela entregava os prêmios e vice-versa. À noite Ana precisou deixar o seu posto e foi substituída por Laurinda de quem apesar de ter amizade tinha muito ciúmes por saber que esta era muito apaixonada por Tiãozinho. Mas, apesar do ciúme ela se tranqüilizava ao saber que o seu eterno apaixonado Tiãozinho não tinha nenhum interesse por ela, apenas uma grande amizade e se respeitavam muito. E ao chegar em casa carregando seu lindo presente, sua mãe indagou: -Onde arranjou essa coisa tão linda? -Ganhei! -Ganhou? De quem? Do Tiãozinho? 18

-Não mãe, ganhei de um cliente lá na barraca! -Mas ganhou como? Em troca do que? Ele é conhecido? Então Ana sorrindo deu uma girada no corpo fazendo rodar a saia godê do seu lindo vestido e disse: -Não, mãe, ele não é conhecido, não é daqui, e deu este presente porque disse que sou a moça mais bonita desta cidade. Mas a mãe dela assim como o pai era muito interesseira logo começou a indagar: -Ele é bonito? É rico? Se arruma bem? Tem boa aparência? E que tanto mais ele disse a você? -Calma minha mãe, sente-se aqui que vou lhe contar tudo. E após relatar todo o ocorrido, a mãe de Ana entusiasmada falou: Pôxa minha filha, procure conhecer melhor e saber mais sobre esse moço. Faça amizade, de repente ele é o homem da sua vida, você nunca procurou conhecer outros rapazes, namorar com outro, você só pensa no Tiãozinho, Tiãozinho... Nós sabemos que ele é um bom rapaz é trabalhador, mas é um pobretão, um sonhador que não vai chegar a lugar nenhum, não pode dar a você uma vida decente, com conforto e não é isso que eu e seu pai planejamos pra você, e você sabe também que nós gostamos demais dele mas, como seu amigo, e não como marido. Seu pai sempre deixou isso bem claro e nunca vai concordar com o casamento de vocês. Ana estava irredutível e disse: Não minha mãe, eu sou apaixonada por ele e ele por mim, ele só não veio ainda me pedir em casamento porque eu pedi para dar mais um tempinho na esperança que vocês aceitem melhor a situação mas, independente de qualquer coisa, depois das festas ele virá conversar com vocês. Eu vou me casar com ele e tenho certeza que seremos muito felizes, e quem sabe se trabalhando juntos nós não consigamos comprar o sítio, e construir no alto da colina a casa como ele sempre sonha, com um grande coração de madeira envernizada na fachada escrito “Tiãozinho e Ana”. -Hé, minha filha, acho que você foi contaminada pelos sonhos mirabolantes e fantasiosos do Tiãozinho, mas, tenho certeza ou, pelo menos esperança que isso vai passar antes que você cometa uma burrada que te fará se arrepender pro resto da 19

vida. Já era noite, então Ana tomou seu belo banho, colocou um lindo vestido de noite, sapato de salto alto, e deu uma boa escovada nos seus lindos cabelos, enfim: Preparou-se lindamente para o grande show baile, e disse a sua mãe: -Vou indo na frente porque ainda é muito cedo mas preciso passar lá na barraca e falar com o Tiãozinho, espero lá a senhora e o papai está bem? -Sim! Daqui a pouco estaremos lá. Ana saiu, mas antes porem de chegar à barraca, deu uma paradinha no estúdio da igreja onde trabalhava como locutor o seu amigo Valdir N. Caputti, e ela queria dedicar ao Tiãozinho uma música que tocasse bem fundo, algo bem simples e verdadeiro. Então Valdir, entusiasmado falou: -Ah eu estava ouvindo exatamente ainda pouco um trabalho novo que acabei de receber, e que é justamente uma composição e interpretação de um dos artistas que vai se apresentar daqui a pouco no show da festa e gostei demais de todas as músicas, mas me encantei com uma delas que acredito ser exatamente o que você procura, cujo título é “Paixão”. Ana então só falou: -Vou confiar em seu bom gosto, estou lá na barraca ouvindo, e... bem, você sabe o que dizer. Passado aproximadamente uns quinze a vinte minutos quando Ana já estava na barraca juntamente com Tiãozinho e Laurinda atendendo a grande quantidade de clientes que ali se encontrava, Valdir N. interrompeu a música que tocava naquele momento e disse: -Atenção, Atenção senhoras e senhores, (e quando ele falava), atenção, atenção... todos paravam para ouvi-lo. Nós vamos atender agora um pedido muito especial, muito especial mesmo! Esta música apaixonada que vamos ouvir agora, é um pedido da Ana que dedica com muito carinho ao seu amado Tiãozinho, e o título é “Paixão”. Nesse momento, por se tratar de um casal conhecido e querido por todos, as pessoas ali presentes vibraram gritando hê ê ê ê. 20

-Ai Tiãozinho hem? Ta com tudo e não ta prosa! E ele emocionado e feliz ouvia atentamente cada palavra da música que dizia: “Se eu tiver que falar de amor, será com você. Se eu tiver que falar de paixão por alguém, será por você. Se eu tiver que mandar uma flor, ou um cartão com uma frase de amor, se eu tiver que mandar um bom-bom. Mandarei pra você. Você, já faz parte da minha vida, já reside no meu coração... Eu te amo, te quero e te adoro, paixão”. Ao terminar a musica, Tiãozinho emocionado e até um pouco constrangido diante da multidão que os aplaudiam, beijou Ana e ficou longamente abraçado com ela, enquanto que Laurinda ali ao lado, com seu grande coração e sua humildade, embora torcesse pela felicidade de Tiãozinho olhava e pensava: “Como eu gostaria que ele me abraçasse assim, seria muita felicidade”. Mais tarde, como Ana tinha muito boa aparência e um nível intelectual bastante elevado, conhecimento na área de comunicação e jornalismo, deveria estar no club antes de começar o show para recepcionar os artistas, e coordenar a entrada e tempo de permanência de cada um no palco. Logo ao se retirar, Ana deu um beijo em Tiãozinho despedindo-se pois, ele juntamente com Laurinda, teriam que ficar ali na barraca enquanto tivesse movimento, e, isso ia noite a dentro podendo até mesmo amanhecer. Ao entrar no club, Ana deparou com seus pais, senhor João Duncão e a Sra Anestezina, que já se encontravam ali sentados em uma das mesas mais próximas ao palco exatamente na fileira reservada para as pessoas de maior poder aquisitivos, ou para os metidos a rico. Antes porem de entrar no camarim, Ana deu uma parada para trocar algumas palavras com seus pais e... Enquanto conversava ouviu atrás de si: -Oi Ana, nos encontramos de novo não é? Ana virou-se rapidamente com a mão sobre o coração. -É verdade! E você conseguiu me assustar de novo. 21

-Me desculpe, não era esta a minha intenção, mas, pelo menos desta vez você não me chamou de senhor. Você parece que fica mais linda a cada minuto que passa porque, lá na barraca você já estava linda, e... agora muito mais. -Ah , mas como você é galanteador, se continuar falando assim vou acabar acreditando. -Pois pode acreditar, você é isso e muito mais, “seus cabelos são sedosos, sua pele e rosadinha, seu sorriso e como um sol brilhando de manhãzinha”. -Oh, que versos lindo e... Eu não mereço tanto. Nesse momento a Sra Anestezina que não tirava os olhos do loirão, ouvia atentamente a conversa e prestava atenção nos seus galanteios disse para a filha: -Você não vai nos apresentar o seu amigo? -Óh, me desculpe, é que eu estou tão distraída. Cláudio, este aqui e o meu pai, senhor João Duncão, e esta é minha mãe Sra. Anestezina. -Há, muito prazer senhor, muito prazer senhora, a filha de vocês é encantadora nós nos conhecemos há algumas horas, e parece que já nos conhecemos há anos. -Mamãe, este é o Cláudio, o rei do gatilho. A mãe de Ana numa expressão de espanto indagou: -Rei do gatilho? ...Porquê? E o Cláudio também olhou espantado para Ana, mas, ela explicou: -É mamãe, ele esteve lá no standart de tiro ao alvo (na barraca), e não errava um tiro sequer e... Se ele fosse levar a sério, teria levado a barraca à falência, mas ele deixou lá mesmo na barraca todos os prêmios que ganhou, pegando apenas um, assim mesmo ainda me deu de presente. -Ah, então foi ele que te deu aquele presente? Não quer sentar-se a mesa com a gente? Faça-nos companhia tem cadeira sobrando. Ana vai subir agora para coordenar os artistas durante o show, mas na hora do baile ela volta pra cá. -É verdade mamãe, mas durante a permanência do 22

artista no palco, eu posso ficar aqui com vocês, assim eu também assisto melhor o show. E o pai de Ana perguntou: -Quem vai abrir, e quem vai fechar o show? -Bem, já está tudo programado, inclusive as músicas a serem apresentadas e o tempo de permanência de cada um no palco. Nós vamos abrir com uma dupla de altíssima qualidade, que chamamos de discípulos do Sabá e se chama Werik e Wesley e vamos encerrar com chave de ouro, trazemos o Sabá com sua Banda Yêra interpretando de sua autoria: Água de Côco, O Mineiro tem Segredo, Água com Xixi, Seca Nordestina, O que é Que a Baiana Tem, e mais algumas coisas, e ai ele deixa o palco e a Banda Yêra continua no mesmo pique pra moçada dançar até o dia amanhecer. E agora vocês me dão licença porque está na minha hora, e você Cláudio, fique a vontade ai com meus pais. Ana se afastou, e com Cláudio sentado a mesa, dona Anestezina não perdeu tempo e começou logo a interrogá-lo: -O que faz você por aqui? Tem parentes? -Não senhora! Não tenho! Na verdade, estive aqui há pouco tempo com um amigo procurando uma tia da mulher dele que supostamente estaria morando aqui mas, não achamos ninguém, a informação era falsa. -E como se chama a tia da mulher do seu amigo? -Maria Mulata! Ela é meio gorda, seios grandes, cabelos compridos e bem lisos e tem cara de índia bem queimada, porque é filha de negro com índia. -Hé, realmente como aqui todos se conhecem, uma pessoa com estas características, principalmente de fora, não passaria desapercebida. E agora, você veio procurá-la novamente? -Não, não vim! Na verdade, no dia que estive aqui, vi sua filha passando e... Depois andei o dia todo por aí e não vi nenhuma moça mais bonita do que ela. Acho que foi paixão a primeira vista. -E você já disse isso a ela? -Não! Não tudo exatamente mas, o necessário para mostrar que estou muito interessado nela. Mas infelizmente não demonstrou nenhum interesse por mim além de amizade, e me 23

disse que está noiva, e ama muito o noivo, que por sinal já apresentou a mim. -Realmente, mas, ela pensa que é apaixonada por ele, são companheiros desde infância, sempre estudaram juntos, são íntimos e inseparáveis amigos, seu primeiro e único namorado, ele é um rapaz honesto e trabalhador, mas é um pobretão sonhador sem futuro e foi criado ai pela avó e não é isso que eu quero pra minha filha. -É, a senhora tem toda razão! Ela é uma princesa, e tem que ter alguém que lhe de uma vida de princesa. -E... por falar em princesa, e você o que faz na vida, é deputado? Empresário? Banqueiro? Ou vive de jogo? Ou... você é de onde? -Nossa, a senhora é rápida no gatilho, heim? Apertou e deixou sair tudo de uma só vez mas, eu vou responder todas as suas perguntas. Bem eu sou... Nisso o garçom chegou e interrompeu a conversa. -Como vai o senhor João Duncão? E A Sra Anestezina? Senhor? Vão querer tomar o que? Seu João? -Bem, eu quero uma cervejinha! -E a Senhora? -Me traga um refrigerante pouco gelado, por favor! -O senhor? -Um whisk duplo, gelo e uma soda. E quando o garçom se retirou, a mãe de Ana tentou recomeçar o interrogatório: E assim foi acontecendo, Werik e Wesley, abriram o show dando um grande espetáculo levantando a galera e depois deles veio outro mais outro, e Dona Anestezina toda vez que tentava recomeçar a conversa com Cláudio aparecia alguém para interromper, e ela não conseguia dar continuidade. -Você estava dizendo que... -Sim, eu estava dizendo pra senhora que sou... Nisso Ana chega a mesa interrompendo-os -Pelo que estou vendo vocês já ficaram amigos e o papo parece estar muito bom, estão gostando do show? -Claro, minha filha! Eu estou aqui conversando com seu amigo Cláudio ou pelo menos tentando apesar do barulho, mas 24

estou prestando atenção, agora, o seu pai que não é de falar muito, está ali no cantinho dele tomando a cervejinha e curtindo o show nos seus mínimos detalhes, e pela cara dele está gostando e muito. Com certeza depois ele vai comentar tudo com você, e com os amigos também é claro. -Então está bem, eu vou pra lá de novo porque, esta ai vai apresentar agora mesmo o seu último número, e já entra o Sabá com sua banda Yêra, e ai, o bicho vai pegar e o baile vai começar eu volto pra cá pra ficar com vocês está bem? Ana deu um beijo no rosto da mãe, outro no pai e retirouse e observando-a retirar-se Cláudio comentou: -Ela é realmente um encanto de pessoa. -E verdade! Entende agora porque a gente quer o melhor para ela? E sem falar que é a nossa única filha. ...Mas vamos voltar a falar de você! Você mora onde? -Bem na verdade, eu sou nascido numa pequena cidade no Estado do Paraná onde meu pai tinha uma fazenda, e como lá todo mundo vivia da agricultura e pecuária, com a gente não era diferente porque o meu pai criava e plantava um pouco de tudo a produção da fazenda era bem diversificada e quando a produção de um lado falhava, o outro supria e nos conseguíamos levar uma vida muito boa e éramos considerados fazendeiros ricos para os olhos da sociedade. Principalmente porque nossa fazenda empregava bastante gente. -E você também pegava no pesado? Ou era o mauricinho da família, filhinho de papai? Cláudio sorriu, vacilou, pensou antes de responder... -Não, eu não era mauricinho, e nem pegava no pesado, eu só domava e cuidava dos cavalos da fazenda, mas sempre levei uma vida de rico. Então dona Anestezina pensou: -Ah, agora entendi, é por isso que, apesar de ser muito bonito, tenta ser elegante e cavalheiro, mas deixa escapar de vez em quando que é bem grosseirão cavalar e tem hábitos feios, mas isto são coisas que pode ser corrigidos com um pouco de paciência e algumas aulas de boas maneiras. De repente os pensamentos de dona Anestezina e o papo 25

do Cláudio foram interrompidos quando apareceu no palco, Ana juntamente com Valdir N. e juntos anunciaram com bastante ênfase: -E agora para encerrar o show desta noite e dar início ao baile, vamos receber com muito carinho e muito aplauso ele,... Sabá e... sua banda Yêra. Nisso os aplausos, assobios e outros sons de manifestação de alegria e satisfação, ecoou por todo salão deixando claro que apesar do grande show que estava acontecendo até então, este momento estava sendo aguardado com grande ansiedade por todos, e o Sabá com sua banda Yêra também não deixaram por menos e entraram arrepiando, e provocando todo mundo pra dançar. Ana que já havia feito a sua parte no camarim e no palco, voltou para mesa toda feliz e sorridente pois havia feito amizade com todos os artistas inclusive a Banda Yêra, pegou autografo, ganhou C.Ds. e comentou: Esta vai ser uma noite inesquecível. E Cláudio confirmou: -Eu também acho! Cláudio estava sozinho a mesa, porque, como a maioria das pessoas, os pai de Ana não resistiram a tentação e foram dançar. Ana apanhou o copo da mãe que estava sobre a mesa e colocou um pouco de refrigerante tomou e comentou: -Pôxa, este refrigerante está quente. E Cláudio diz: -Não quer misturá-lo com um pouco de whisky? -Não, não tomo nada que contenha álcool. -Mas o whisky deixa as pessoas mais alegres. -Não, não acredito nisso, e alem do mais já sou bastante alegre por natureza, não tenho motivos para tristeza. -Bem, isto eu já percebi! E por falar em alegria, está quase todo mundo dançando, você dança comigo? Ana pensou, exitou, olhou pra lá e pra cá e viu que realmente estava todo mundo dançando, ainda bem que o salão era bastante grande, mas mesmo assim as pessoas estavam se apertando, se acotovelando e Cláudio insistiu: -E então, vamos? -Sim, vamos! Afinal dançar não pega nada. E os dois saíram dançando muito timidamente, ela na dúvida se estava fazendo a coisa certa, mas, aos poucos ela foi 26

se soltando e chegando mais perto de Cláudio que acabou fazendo um comentário: -Como você dança bem heimm! -Bondade sua, é que aqui é todo mundo conhecido, é amigo e todas as festinhas e bailinhos que tem, eu e Tiãozinho somos convidados e a gente sempre dança juntos. Os dois seguiram dançando, dançando, dançando e aos poucos Ana foi se soltando e se familiarizando com Cláudio. Mais tarde, a banda começou a tocar uma seleção de músicas romântica, e os casais foram-se aconchegando, e se deixando levar pelo clima romântico. Ana foi relaxando e se entregando e Cláudio foi se aproveitando e trazendo-a para mais pertinho de si. Dona Anestezina que enquanto dançava com o marido observava e pensava: (eles formam um casal perfeito, tomara que ele a faça esquecer o Tiãozinho...). Mas Ana de vez em quando parecia ser tocada pela consciência, lembrava do seu amado Tiãozinho e se afastava, e chegou mesmo a ponto de dizer: -Vamos parar um pouco, estou muito cansada. Cláudio sabia que não era verdade, pois Ana estava acostumada a agitação de dançar, trabalhar e fazer trabalhos comunitários, ela tinha muita energia. Mas, Cláudio fingiu acreditar dizendo: -Tem razão! Você trabalhou quase o dia todo na barraca. E assim que voltaram a mesa, os pais de Ana também foram sentar-se e fazer-lhes companhia. Nisso o garçom passou pela mesa e Ana pediu um refrigerante pouco gelado, sua mãe pediu outro, e Cláudio pediu mais um whisky soda e gelo, enquanto o pai dela não quis beber mais nada alegando que iria dormir logo e não era conveniente beber mais. Ao voltarem a mesa, talvez propositadamente, eles sentaram-se em posições diferentes ficando portanto o pai de Ana mais próximo de Cláudio e, embora ele não fosse de falar muito, resolveu soltar a língua e com o rapaz foi conversar dando continuidade onde sua esposa parou. -Enquanto dançávamos minha esposa me disse que você era domador de cavalos na fazenda do seu pai, você ainda faz isso? 27

E o seu pai ainda mora no Paraná? -Não senhor, como eu disse pra sua senhora, meu pai tinha muitos empregados e cultivava um pouco de cada coisa, portanto, quando uma cultura falhava a outra supria. Mas o meu pai se deixou levar pela conversa de outros agricultores e decidiu investir pesado em um só tipo de agricultura para exportação de toda a safra, o que era mais lucrativo e empregava muito menos mão de obra. Meu pai não pensou duas vezes, foi ao banco, levantou um grande empréstimo dando como garantia uma grande parte da propriedade, com este dinheiro meu pai indenizou todos os empregados dispensando-os depois comprou máquinas, contratou operadores e plantou o quanto pode. E quando a plantação já estava chegando na época da florada, alguns agricultores amigos do meu pai iam em nossa casa e nos ficávamos todos na grande varanda da fazenda, que era bastante alta devido ao grande porão. E ali ficávamos admirando aquela imensidão verde que parecia não ter fim, e um deles comentou: -Isto ai que vocês estão vendo deixará de ser daqui mais alguns dias uma imensidão de folhas verdes e passará a ser uma imensidão de grãos dourados como ouro que se transformara em uma imensidão de dólares, é só colher, entregar e receber. E vocês viram como dá muito menos trabalho? E o meu pai cheio de satisfação comentou: -É, o senhor tem toda razão! E assim, os dias foram passando, meu pai cada dia mais entusiasmado e todas as tardes e manhãs ao nascer e ao por do sol ele colocava sua cadeira de balanço na varanda, e ficava admirando aquela linda e rica paisagem e ficava contando os dias que faltavam para que ele pudesse ver carretas e mais carretas saindo carregadas e dólares chegando. Até que uma bela tarde, quando os grãos de ouro já despontavam na imensidão, meu pai sentou-se na varanda como de costume pra ver o pôr-do-sol e ver os raios dourados misturando-se aos grãos de ouro, mas infelizmente nesse dia não houve pôr-do-sol. As nuvens eram negras, muito negras mesmo e começou a escurecer cedo, a escuridão era tanta que não se via a imensi28

dão, não se via os grãos dourados, não se via a lavoura e tudo foi se transformando em trevas, inclusive o rosto do meu pai. Os animais pareciam estar fugindo de algo que a gente não sabia o que, procurando esconder-se nos mangueiros e currais, as galinhas se recolheram cedo abrigando seus pintinhos sob as asas, os cães não latiam, os cavalos se aglomeraram dentro de um rancho. Era uma cena de terror, porque os animais pareciam estar vendo algo de muito monstruoso e invisível aos olhos humano. Então nos entramos todos, acendemos as luzes, meu pai se fechou ficando em absoluto silêncio, assim como tudo silenciou não se ouvia o coaxar de um sapo, o cri-cri de um grilo. O silencio era assustador e podia-se até mesmo ouvir o tum-tum acelerado do coração em pânico, de repente ... de repente... bem. -Você esta bem Cláudio? Perguntou Ana percebendo que o rapaz estava emocionado e sua voz estava embargada, nisso, chegou Laurinda e interrompeu a conversa: -Oi gente, oi Ana, da licença, o Tiãozinho me pediu para dizer a você que o movimento na barraca já está bastante fraco, a maioria do povo já se foi, e nós vamos fechar a barraca e como ele não está devidamente vestido para vir aqui, quer saber se você vai passar por lá, você vai? -Não está devidamente arrumado, na verdade ele nunca está, comentou dona Anestezina. -Na verdade, não é bem assim mamãe, afinal ele esta trabalhando e a senhora sabe disso. -Está bem minha filha, não está mais aqui quem falou. -Obrigado Laurinda, vá e diga a ele que já estou indo embora e vou passar por lá sim. Laurinda se retirou, Cláudio já havia refeito de suas emoções e o pai de Ana quis retomar a conversa com Cláudio e começou: -Você disse que o silêncio era profundo e que de repente? Mas, antes mesmo que Cláudio abrisse a boca, Ana interviu. -Papai, me desculpe interromper, eu sei que vocês estão muito interessados em saber da vida do Cláudio mas, já é muito tarde, eu estou muito cansada e o Tiãozinho como vocês viram está me esperando. E vocês continuam a conversa num outro dia 29

está bem Cláudio? Você não vai ficar chateado? -Não, claro que não, primeiro porque tive uma noite esplendorosa e inesquecível com vocês, dancei com você, e você ainda disse que podemos continuar a conversa num outro dia, e isto significa que vamos estar juntos de novo não é? -Claro, claro que sim! Um amigo a mais é sempre bem vindo, e os meus pais parecem terem gostado muito de você. Bem, então boa noite pra você Cláudio, ou quase bom dia não é? E... foi um prazer muito grande conhecer e ter você partilhando a mesa conosco. -O prazer foi todo meu Ana, na verdade, eu gostaria que esta noite nunca terminasse porque, assim você nunca ia sair de perto de mim. Ana sorriu! Mas, como não tem jeito mesmo você precisa ir, só me resta desejar que tenha um bom descanso, bons sonhos e que nestes sonhos eu esteja presente porque você já está impregnada na minha mente e no meu coração. Ana sorriu novamente, mas não fez nenhum comentário e retirou-se deixando seus pais se despedirem também. Dona Anestesia se despediu primeiro. -Foi um grande prazer conhecer e desfrutar da sua companhia, apareça quando quiser. -Claro, vou aparecer muito mais logo do que a senhora imagina, vocês me fizeram lembrar da minha pequena cidade onde todo mundo é amigo ou parente, coisa típica das pequenas cidades do interior. Enfim as despedidas do pai de Ana. -Bem meu rapaz, se é amigo de nossa filha, é nosso amigo também. Espero que não demore pra voltar, e quando o fizer não se faça de arrogado, aguardo-o em minha casa onde será bem recebido, e não vejo a hora de ouvir você contar a sua história a partir de onde paramos. -Bem seu João, não é uma historia que eu conto com prazer, mas, terei o maior prazer em contá-la nos mínimos detalhes para o senhor. -Então até muito breve, sei que você também já está indo embora más, vamos para lados opostos, a sua hospedaria fica 30

pra cá, e minha casa pra lá. Enquanto os dois trocavam as ultimas palavras, foram caminhando até a saída onde já estavam Ana e sua mãe. Ana e seus pais então deram um ultimo boa noite a Cláudio e afastaram-se, e quando já estavam a uma boa distância onde teriam que dobrar a esquina, Ana disfarçadamente olhando para uma parede decorada e gesticulando com as mãos, olhou disfarçadamente pra traz e viu que Cláudio estava em pé parado no mesmo lugar olhando para ela. Ao dobrar a esquina, Ana deixou que seus pais fossem embora dizendo: -Vocês podem ir na frente, porque eu vou dar uma passada lá no Tiãozinho e já estou indo também. Ao chegar na barraca, Laurinda já havia ido embora e Tiãozinho estava sozinho todo suado guardando as mercadorias em seus devidos lugares para fechar a barraca. Ao vê-lo, Ana parecia acometida de uma crise de consciência e abraçou-o longamente bem forte como quem quer dizer: -Estou te traindo e você não merece! Tiãozinho correspondeu ao abraço e perguntou: -Tudo isso é saudade? -Sim! Senti muito a sua falta lá, acho que não sei mais ficar longe de você. -Você tem razão, eu estava sentindo sua falta aqui também. Alias, basta ficarmos longe por algumas horas, para eu sentir sua falta e saudade, não vejo a hora de podermos ficar juntos para sempre. Sonho todos os dias com nosso sítio bem arrumado, nossa casa num lugar bem alto, você do meu lado, e na fachada um coração bem grande e dentro escrito: “Tiãozinho e Ana”. Isto é tudo que eu quero na vida! E Ana ainda abraçada a ele: -E eu vou ajudá-lo a realizar este sonho! Tiãozinho não tinha maldade, era um rapaz puro, sincero, não era ciumento e se sentia ciúmes, não demonstrava e sem falar que tinha total confiança e certeza do grande amor de Ana por ele. Ele então fechou a barraca e saíram os dois abraçadinhos 31

a passos bem lentos conversando e curtindo a suave e fresca brisa da madrugada. Ao chegar na porta da casa de Ana, Tiãozinho abraçou-a, beijou-a, despedindo-se dizendo: -Vá dormir porque você está muito cansada, e daqui a pouco o dia já vai amanhecer. Como os pais de Ana moravam em um sobrado em cima da própria loja, quando Tiãozinho foi dar-lhe o ultimo beijo de despedida, ela percebeu que sua mãe estava observando-os através de uma pequena abertura na cortina. Ana então sorrindo colocou a mão na boca de Tiãozinho dizendo: -Disfarce, tem boi na linha. Ele então baixou a cabeça, virou os olhos para cima disfarçadamente e sorrindo disse: -Já entendi, bom dia pra você então. -Bom dia, um bom dia pra você também, a gente se vê mais tarde. Ana entrou, Tiãozinho afastou-se e foi para a sua casa, e ao chegar, sua avó já estava acordada, não que estivesse preocupada com ele pois, alem de saber onde ele estava, e com quem andava, ele não era motivo de preocupação. Mas, dona Generosa uma pessoa nascida e criada na roça tinha o habito de deitar e se levantar muito cedo para preparar o almoço, café, e merenda para o pessoal que sempre trabalhou na lida do campo, e ao se levantar a primeira coisa que fazia era ligar o radinho e ficar ouvindo musica sertaneja. Tiãozinho então como de habito abraçou-a deu-lhe um beijão carinhoso no rosto. E comentou: -Já em pé vó? -Sim meu filho! Deitei cedo, dormi bastante, levantei acendi o fogo e estou acabando de assar um bolão pra nós (bolão, merenda simples, barata, de grande valor nutritivo) Um alimento típico das pessoas mais simples e de baixo poder aquisitivo da roça: mistura-se um pouco de fubá, água (na falta de leite), ovo, um pouquinho de açúcar, bicarbonato (na falta de pó Royal) banha (na falta de óleo), e coloca no forno. Mas dona Generosa como a maioria das pessoas não tinha forno, então colocava sobre a chapa do fogão de lenha uma caçarola de ferro, colocava dentro dela a massa e tampava-a com uma tampa de 32

lata e bastante brasa sobre a tampa e em poucos minutos o bolão estava assado exalando um cheiro delicioso que se sentia ao longe. Depois do bolão pronto, Tiãozinho sentou-se sobre um banquinho de madeira rústica e sua avó em outro, apanharam uma boa fatia do bolão, pegaram uma caneca feita com lata de massa de tomate encheram de café bem fraquinho e doce “coisas das pessoas da roça que o utilizavam muito para tomar com bolão de fubá ou farinha principalmente de milho, portanto, não pode ser forte, não faz bem...”. Tiãozinho se fartou de café com bolão, agradeceu a avó dizendo que estava uma delicia como sempre, deu-lhe um beijo no rosto e falou: -Vó, eu já estou indo trabalhar. -Poxa meu filho, mas é tão cedo ainda... E... -Eu sei vó! Mas é que eu preciso dar uma boa adiantada no serviço lá no sitio do senhor Kibuta porque assim eu desocupo mais cedo também. Há aproximadamente um quilometro da entrada da cidade, para quem vinha de Sanroquinho havia um sitio muito grande com uma belíssima topografia ótima localização porem mal cuidado, muito sujo quase que total abandono, e o seu proprietário senhor Aaron Kibuta descendente direto de estrangeiros, muito conservador, mantinha na propriedade somente coisas muito antigas, como um casarão velho, alguns carros de bois e que já nem rodavam mais cangalhas, jacás e arreamentos da época em que as tropas eram muito utilizadas Enfim, muitas velharias inúteis das quais ele não se desfazia, dinheiro ele não tinha sobrevivia apenas com o leitinho que tirava de umas vaquinhas muito magras que possuía e que nem tratar ele tratava, era somente no pasto, e também uma pequena Hortinha que cultivava bem pertinho, quase no terreiro da sua casa, mas como estava se sentindo doente e um pouco fraco devido à idade, sem condição de cuidar dessas coisas que era o seu único meio de sobrevivência, decidiu chamar o Tiãozinho a quem ele conhecia desde menino, sabia de suas qualidades, e o queria muito bem, tanto que só o chamavam de filho, e lhe fez a seguinte proposta: 33

-Olha Tiãozinho, como eu sei que você é trabalhador e honesto, eu quero te fazer uma proposta. -Ora, pois faça senhor Kibuta. -Bem Tiãozinho, como você sabe, eu vivo sozinho, estou me sentindo meio cansado e gostaria que você fizesse uma sociedade comigo. -Sociedade? Mas como? -Espere, vou te explicar: -Nós cercamos um pedaço maior aqui perto aumentando o tamanho da horta, plantamos uma pequena capineira para alimentar as vacas e aumentar a produção de leite e você cuida de tudo. Tira o leite vende, faz queijos, venda as verduras na rua e dividimos meio a meio. E você poderá fazer tudo isso só na parte da manhã, no resto do dia você estará disponível para fazer o que quiser, só que não estou em condições de te ajudar, a única coisa que eu poderei fazer será apartar os bezerros das vacas depois do meio dia e aguar a horta a tarde porque assim eu não preciso fazer força, não ficarei totalmente parado e você não precisa vir aqui só pra fazer isso. E então você aceita? Tiãozinho que não tinha medo de serviço e não enjeitava parada olhou para o senhor Kibuta, sorriu e perguntou: -E quando é que o senhor quer que eu começo? -Bem, será que você pode começar ontem? E daí os dois deram risadas. E o Tiãozinho respondeu: -Não senhor, para ontem não dá, mas para hoje se o senhor quiser começo agora mesmo. O senhor Kibuta esticou a mão e disse: -Toque aqui sócio, deixe eu apanhar duas xícaras de café pra gente comemorar e selar a nossa sociedade. E este era o motivo pelo qual Tiãozinho precisava sair bastante cedo, para ordenhar as vacas, e colher as verduras bem fresquinhas para entregar aos clientes do dia a dia. Ana ao se despedir de Tiãozinho, entrou, e como sua mãe era contra este namoro, quis falar sobre Cláudio de quem ela achava um grade partido para a filha, mas Ana não deu trela dizendo: -Essa hora não mamãe estou muito cansada e já vou 34

dormir, deixe para amanhã tá bem? Boa noite mamãe, ou bom dia, sei lá. Quando foi por volta de sete horas da manha Ana levantou tomou seu banho e escancarou a janela do seu quarto que dava direto para a rua, e foi tomar seu café da manhã, e quando sentouse a mesa a campainha tocou, sua mãe foi atender dizendo: Pode tomar seu café que eu atendo a porta. Daí a pouco ela volta sorridente. -São flores pra você filha, e só pode ser do Cláudio ele é gentil e cavalheiro, apesar do jeito grosseirão mas, isso ele já explicou. Ela apanhou as flores das mãos da mãe sem muito entusiasmo mas, ficou encantada com a beleza do arranjo, e junto com as flores estava um bilhetinho e um pequeno cartão com os seguintes dizeres: “oi princesa, fui embora antes de amanhecer do dia, e dei sorte de encontrar uma floricultura que estava fazendo reposição das flores antes de abrir e foram muito gentis em me atender fora da hora, talvez tenham entendido o quanto isto é importante para mim”. Só fui porque o dever me chama mas voltarei em breve e não esquecerei de você um só instante. Aos seus pais um forte abraço e a você um grande... deste que muito te .....Cláudio. E no cartão assim: “ sei que estas flores são lindas mais lindas não pode haver me desculpe se não são tão lindas quanto você” “se fosse pra imensidão com toda beleza tua as estrelas se esconderiam, ficava você e a lua.” “teus cabelos são sedosos tua pele rosadinha teu sorriso é como o sol brilhando de manhãzinha” 35

“hoje o céu está nublado e a lua se escondeu mas pra que eu quero a lua se eu tenho o brilho teu?” E com isso dona Anestezina ficou toda entusiasmada e começou a alugar a cabeça de Ana. -Você está vendo? É de um homem assim que você precisa, gentil cavalheiro, situação definida e vai poder dar a você uma vida digna com todo conforto como eu e seu pai sempre sonhamos pra você. E ontem quando vocês estavam dançando eu observei e comentei com seu pai: -Olha João, veja como eles formam um casal perfeito, ele se veste muito bem, tem uma belíssima estatura, tudo bem que ele tem um jeito meio grosseirão, mas devido ao fato de ter sido criado na fazenda só no meio de peões domando cavalos, mas isso muda e... -Chega mamãe, o Tiãozinho também trabalha na roça, lida com animais, foi criado com a avó no meio da pobreza quase não tem estudo e não é um grosseirão, isto não tem nada a ver e ele também e gentil e cavalheiro do jeito dele. Ana que conhecia tudo na cidade já sabia de onde tinha vindo àquelas flores, e foi até a floricultura para ver o comentário, e ao entrar já deparou com o sorriso das amigas, e uma delas em tom de brincadeira comentou: Quem sou hem? Pra receber um grande buquê de flores logo de manhã. Mas Ana se fez de desentendida. -Não sei do que vocês estão falando, que flores? -Ah, claro que sabe! E nós também sabemos porque o loirão que estava dançando ontem com você, esteve aqui logo que abrimos para reposição das flores e disse saber que ainda não estávamos abertos ao público mas, que ficaria muito grato se vendêssemos para ele um grande e lindo buquê e que o entregássemos em sua casa assim que fosse possível porque ele tinha que viajar àquela hora, e então, um tremendo gato daquele pedindo com tanto jeito e a gente tinha certeza que era pra você, não tinha como deixar de atende-lo, você gostou? -Ah, vocês estão falando daquelas flores que mandaram 36

entregar lá em casa? Ana deu uma gargalhada: Não, não era pra mim, é que o Cláudio fez amizade com meus pais e gostou tanto deles que enviou as flores como prova da amizade. -Ahhhh, você pensa que me engana, e eu finjo que acredito. (pensou a amiga...) Ao deixar a floricultura, Ana encontrou-se com Tiãozinho que estava terminando de fazer as últimas entregas de leite, e verduras, afinal, ele era sócio do senhor Kibuta e portanto tinha mais responsabilidade, tinha compromisso com os clientes que contavam todos os dias com seus produtos, Tiãozinho estava trabalhando muito mas estava feliz, é claro que ele já estava sabendo que Ana havia dançado com Cláudio, tinha recebido flores, pois o comentário era geral mas, ele era discreto, ocultava seu ciúme e tinha plena confiança e certeza do amor de Ana. Depois que as festas acabam as pessoas vão saindo do clima festivo, do êxtase da adrenalina e voltam ao seu estado natural. E durante os dias que se seguiam a rotina da cidade voltou ao seu estado normal, mas, na primeira noite após a festa Ana entrou em seu quarto, deitou-se de costas, colocou as mãos sob a cabeça e naquele profundo silêncio ouviu o som doce e suave de uma linda melodia vindo não se sabe de onde trazido pela brisa da noite, e junto com o suave som da melodia veio o agradável e inebriante perfume de flores, e ela ficou ali totalmente imóvel paralisada, entregou-se ao seus pensamentos e deixou a mente flutuar e naquele momento apesar de estar acordada e de olhos abertos, Ana estava ali, mas sobre a cama só estava um corpo porque a mente estava lá no clube dançando com Cláudio, ouvindo suas doces palavras chamando-a de princesa, e o que ela não tinha coragem de fazer enquanto estavam dançando, ela fazia agora entregando-se de corpo e alma, jogando-se em seus braços e deixando que a apertasse, mas quando ela estava no auge da paixão, um forte barulho na rua fez com que a despertasse repentinamente e assustada. E ao despertar Ana colocou a mão nos lábios na impressão que realmente acabara de ser beijada por Cláudio. Ela sentou-se então na cama, olhou pra lá e pra cá e só percebeu que a doce e 37

suave musica que ouvia e que parecia estar vindo de tão longe, estava na verdade sendo, tocada ali bem próximo ao serviço de alto-falante da pracinha, e o suave perfume que sentia, exalava ali mesmo no seu quarto pelas flores que Cláudio lhe dera, e que sua mãe havia colocado ali e ela nem percebeu. Ana então pensou: -Mas o que é que está acontecendo comigo? E assim como um cachorro se chacoalha todo para se livrar da água ou da poeira em seus pelos Ana chacoalhou a cabeça na intenção de jogar fora aqueles pensamentos. E depois de expulsar-lhes ela lembrou-se de Tiãozinho, então sentou-se na cama encolheu as pernas, colocou as mãos no rosto, encostou nos joelhos e as lágrimas rolaram em sua face e depois de chorar bastante, ela enxugou as lágrimas com as costas das mãos deitou-se novamente, virou-se de lado, colocou a cabeça no travesseiro, deu um soluço e adormeceu. Nos dias que se seguiam ela e Tiãozinho estavam se encontrando muito pouco devido ao excesso de trabalho dele e o estudo e trabalho dela na loja do pai. E por mais que ela fugisse ou evitasse, a imagem de Cláudio não saia de sua mente principalmente porque sua mãe falava nele todos os dias insistindo em dizer que Cláudio era ótimo partido, eles formavam um par perfeito e que seria o marido ideal para ela. Quinze dias depois numa tardinha de sábado, parou na porta da casa dos pais de Ana um carro que chamou a atenção de todos pela sua beleza e por se tratar de um modelo importado, e quem desceu dele usando roupas pretas, óculos escuros, cabelos loiros cheios e penteados para trás? Claro! Não podia ser outro! Tinha que ser ele, Cláudio. E ele ao descer do carro espreguiçou-se esticou-se, ajeitou a fralda da camisa, enfiou os dedos nos cabelos levandoos para trás, nisso todos os observavam. Ana que estava chegando naquele momento deparou com ele e ficou ali parada, como que paralisada, nisso Cláudio olhou para ela e perguntou: -Não está contente em me ver? Mas antes que ela abrisse a boca sua mãe que acabava de descer as escadas do sobrado em que morava em cima da loja, 38

abriu a porta e disse: -Nossa, olha quem está aqui, que surpresa boa! Cláudio cumprimentou dona Anestezina, cumprimentou Ana e depois abriu o carro e tirou dele uma caixa de doces com lindos arranjos e um lindo buquê de flores, a caixa ele entregou para a mãe de Ana dizendo: -Estes doces são para tornar a sua vida mais doce do que já é! -Poxa que bondade a sua, se soubesse o quanto eu adoro doces e eles chegaram em boa hora, comenta dona Anestezina. Depois Cláudio segurando o buquê com a duas mãos, inclinou levemente o corpo para frente reverenciando Ana e disse: -E estas flores são para enfeitar a vida da minha princesa! Ana apanhou as flores agradeceu e disse: -São muito lindas! E Cláudio concordou. -Realmente são lindas, mas, não tanto quanto à você! Ana apanhou o cartão e guardou-o dizendo que iria ler depois. E nisso sua mãe já segurou no braço de Cláudio. -Vamos entrando o que estamos esperando? Ao entrarem, Ana pediu que Cláudio ficasse conversando com sua mãe enquanto colocava as flores no vaso, mas, também aproveitou para ler o que estava escrito no cartão. “neste mundo há nada maior que a tua beleza exceto o que eu sinto por você minha princesa”. “no jardim da minha vida muitas flores vi nascer tão lindas e perfumadas mas nada igual à você” “se com toda tua beleza no espaço for viver garanto que até a lua dará o lugar à você” “se com todo este teu brilho 39

vivesse na imensidão a noite seria dia não teria escuridão” Ana voltou para a sala onde sua mãe e Cláudio conversavam entusiasmadamente e agradeceu: -Muito obrigada pelas flores e pelos lindos poemas! -Não, não são poemas, são palavras que brotam do meu coração para dizer exatamente o que penso e o que sinto por você. -E você é sempre assim? Romântico e de bem com a vida? -Bem, eu descobri que a... “primavera é o mês das flores do perfume e da paixão fiz da vida primavera no outono, inverno e verão” E nesse instante o senhor João Duncão também já havia encerrado suas atividades e entrou cumprimentando alegremente o rapaz. -Que prazer em vê-lo e recebê-lo em minha casa como passou daquele dia? Como foi a viagem? -Bem, muito bem! Mas, contando os minutos para voltar mas agora que já vi vocês, se me derem licença vou até a hospedaria reservar um quarto, tomar um bom banho pra relaxar e se por acaso não forem sair e não me acharem inconveniente virei conversar um pouco com vocês, estão de acordo? -Claro que sim! Será um grande prazer! Respondeu a mãe de Ana. E além do mais, nós temos um assunto pendente, o João esta ansioso para saber o que aconteceu com seu pai e a grande colheita dos grãos de ouro. Ana então agradeceu mais uma vez pelas lindas flores e Cláudio se retirou. -Você viu minha filha? Que cavalheiro, que gentil, que postura e... -Claro que vi mamãe! Não sou cega. E tenho certeza que se a senhora fosse solteira, casava-se com ele hoje mesmo não é? -Não fale besteiras minha filha, eu só quero o melhor pra 40

você e, principalmente evitar que cometa uma grande besteira casando-se com Tiãozinho que é um pobretão. Portanto você tem em suas mãos um príncipe e um plebeu, espero que tenha inteligência o bastante para saber de que lado ficar. -Bem mamãe, saber de que lado ficar eu sei, é só a senhora me dizer quem é o príncipe e quem é o plebeu. Mais tarde quando todos já haviam tomado seu banho, Ana estava em sua escrivaninha fazendo algumas anotações e contabilizando algumas coisas da loja, seu pai na cozinha com o radio ligado bem baixinho ouvindo musica sertaneja e sua mãe assando um bolo, nisso a campainha tocou e dona Anestezina gritou da cozinha: -Ana, vai atender a porta porque eu não posso sair daqui! Ela foi até a janela, olhou para baixo e lá estava ele, Cláudio! -Espere um pouquinho que já estou indo abrir a porta. Mas ela não desceu do jeito que estava, primeiro passou um batom bem leve, deu uma escovada rápida nos cabelos, ajeitou a roupa no corpo, deu uma virada pra lá e outra pra cá na frente do espelho para conferir e desceu as escadas com bastante rapidez. Ela abriu a porta e... -Desculpe se demorei um pouco para atender a porta. -Não, não precisa pedir desculpas, primeiro porque a demora não foi tanto assim, e pra ver você linda assim eu ficaria aqui em pé na porta quanto tempo fosse necessário. -Entre por favor, meus pais estão lá em cima. Cláudio passou pela porta mas antes de subir as escadas deu uma parada, inclinou um pouquinho a cabeça para cima, fechou os olhos e inspirou com suavidade o ar e comentou: -Não sei o que é que está mais gostoso nesta casa, se é a sua suave fragrância ou o delicioso bolo que sua mãe está assando. Ana cruzou os braços, olhou pra ele e perguntou: -Como você sabe que minha mãe está assando bolo? -Bem, primeiro porque assar bolos é coisa de mãe, a minha vivia assando bolos, e este cheiro gostoso eu estou sentindo desde que sai da hospedaria e através deste cheiro até um cego viria a sua casa sem medo de errar. -Está bem, chega de conversa e vamos subir para conferir isso. Nisso, a mãe de Ana dissimulada, fingindo não saber quem 41

estava ali gritou: -Quem está ai filha? -É o Cláudio mamãe e já estamos subindo. O corredor da escada era um pouco estreito e os dois subiram bem coladinhos, um ao outro e com os passos tão bem sincronizados que colocavam e tiravam os pés dos degraus ao mesmo tempo de uma forma tão cadenciada que acabou provocando risos nos dois, como duas crianças que acabara de descobrir uma nova brincadeira. Dona Anestezina ao ver os dois sorrindo veio depressa ao encontro. -Que bom que você veio e me desculpe se não fui atendêlo é que eu estou... -Já sei! Está com bolo no forno e não pode deixar porque queima. -Como sabe disso, Ana falou? -Não senhora, Ana não falou nada, primeiro fui criado na roça e minha mãe fazia isso todo dia e eu tenho muita saudade e o cheiro do seu bolo está indo a quilômetros daqui. -Nossa, mas como é exagerado! Comentou Ana. -E além do mais, eu tenho um faro invejável! Ana olhou pra mãe, e a mãe olhou para ele, e ele olhou para as duas e perguntou: -Eu disse alguma coisa errada? Falei alguma besteira? -Não, nenhuma besteira vindo de você, disse Ana. É que quem tem faro é cachorro e... eu acho que você tem olfato, ou estou enganada? Nisso Cláudio ficou sério e meio cabisbaixo, dona Anestezina ficou parada e sem graça olhando para Ana e só então depois de fazer um pouco de suspense ela deu uma risada e disse: -Ah gente, foi só uma brincadeira, é normal as pessoas confundirem ou trocar as palavras de vez quando. E todos riram! Nisso, o senhor Duncão deixou o que estava fazendo e veio para a sala juntar-se a eles. E cumprimentando-o novamente. -Como vai Cláudio? -ô, senhor João, como passou daquele dia? -Bem, muito bem graças a deus! Vamos sentar, fique a 42

vontade, daqui a pouquinho vamos nos sentar na cozinha, tomar um bom café com bolo e... Nesse instante interrompendo bruscamente a conversa dos dois, a mãe de Ana sai correndo dizendo: -Ai gente, dá licença, esqueci do bolo no forno. Ana, seu pai e Cláudio sentaram-se no sofá e enquanto conversavam sobre: Como vai a vida, e os negócios, como estão?..etc Os minutos se passaram, e dona Anestezina voltou a sala toda sorridente dizendo: -Viram só? Eu fiquei aqui distraída com vocês e quase que meu bolo queimou e vocês nem me falaram nada. -Desculpe mamãe, mas eu acho que dessa vez o faro do Cláudio falhou! Todos riram, pois Cláudio já estava mais ambientado e familiarizado no clima das brincadeiras de Ana, ela era uma moça espirituosa, alegre, de bem com a vida nunca teve dificuldades (principalmente financeira), sempre foi tratada com muito mimo, muito carinho. Foi sempre muito cortejada, nunca sofreu uma rejeição ou decepção, pois só teve um único namorado que a ama de verdade e a respeitava. Portanto, como ela mesma costuma dizer: -Sou feliz, sou de bem com a vida e não tenho motivos para tristeza. -E então gente, vamos ficar aqui batendo papo e deixar o café e o bolo esfriar? Ou vamos pra cozinha? -Venha papai, vamos Cláudio o convite da mamãe veio em boa hora porque o cheiro do café aguçou o meu apetite. -É Ana, você tem razão! O convite da sua mãe é irrecusável. Será que vamos poder conversar durante o café? -Óra, porque está pergunta Cláudio? Bem, é que se o bolo for feito de trigo, dá pra conversar enquanto se come, mas, se for de fubá como minha mãe as vezes fazia só com fubá, água, açúcar, banha e bicarbonato, “o chamado bolão”, é falar com a boca cheia e jogar farelo no rosto dos outros. Isto é, se não engasgar antes. Ana inclinou a cabeça levemente para o lado, olhando para ele e sorrindo disse: 43

-Muito engraçadinho não? E na mesa sentaram-se então dona Anestezina ao lado do marido e Ana ao lado de Cláudio. Coincidência? Ou idéia da mãe de Ana? Bem isso não importa, o importante é que todos estavam com bastante apetite e devoraram o bolo quase todo. Cláudio satisfeito agradeceu, elogiou e depois comentou, com certa emoção: -Éh... de repente eu sentado aqui na mesa tomando café com vocês me veio na lembrança a reunião da família, sentados a mesa lá em nossa fazenda no Paraná, e são boas, muito boas lembranças, inesquecíveis lembranças. -É, realmente é! Expressou o pai de Ana. E por falar em família Cláudio, conte-nos sobre aquela noite tenebrosa, sobre a lavoura e sobre seus pais. -Está bem senhor João! Como eu estava contando pra vocês, meu pai estava feliz, a família toda estava feliz, era só uma questão de dias para a grande colheita dos grãos dourados. Era só colher, entregar e receber em dólares, pagar tudo que devia e ainda sobrava dinheiro e sementes para o próximo plantio que já seria livre de despesas, portanto lucro absoluto. Mas naquela fatídica tarde como eu disse a vocês o tempo se transformou em trevas, trevas absolutas e assustadora. E então nós nos recolhemos trancamos toda casa e entramos num silêncio profundo e aterrador. De repente naquele profundo silencio tivemos a impressão que alguém havia jogado uma pedra sobre o telhado, mas logo bateu outra, e mais outra, e foi aumentando a seqüência até que desabou de uma forma ensurdecedora. E o barulho de água não se ouvia, era puro granizo, meu pai sem dizer uma só palavra levantou-se de onde estava sentado e deu sinal para que nós o acompanhássemos. Então fomos todos para o porão da casa descendo através de uma pequena escada, e ali não havia luz, a lamparina não parava acesa e a escuridão e o barulho era ensurdecedor era tão assustador que nós ficamos todos agarrados um ao outro junto com nossa mãe que... coitada, mais parecia uma galinha protegendo seus pintinhos sob as asas disposta a dar a própria vida por 44

eles e a gente só conseguia ver isso na sua expressão porque a seqüência de raios intensos que entrava pelas frestas nos permitia. Depois de algum tempo que eu não sei precisar, os granizos pararam de cair, o barulho já era menos ensurdecedor, os raios já não eram mais tão intensos e tão seqüenciados mas a chuva caia torrencialmente e o vento também havia cessado e portanto já se podia acender uma lamparina. E foi o que minha mãe fez, acendeu uma delas que deixou ali com a gente e uma outra para ela e falou: -Fique aqui, que eu vou dar uma olhada lá em cima. Quando ela acabou de subir as escadas e deu os primeiros passos já percebeu que havia grandes goteiras por toda a casa, e portanto tudo estava absolutamente ensopado, exceto uma grande canastra (baú) revestida de couro cru onde minha mãe guardava os cobertores, lençóis e travesseiros reservados para as visitas, e com estas guarnições nós tivemos condições de passar a noite quase que confortavelmente no porão. O meu pai se ajeitou num canto, mais sentado do que deitado e não conseguia dormir relaxadamente, somente cochilava e conseguia ouvir cada vez que o galo cantava. E quando o dia começou amanhecer nós nos despertamos como de costume e já se ouvia os pássaros gorjeando alegremente em volta da casa, o gado mugindo, o cacarejar das galinhas libertando seus pintinhos, o relinchar de alguns cavalos e o agradável som emitidos por outros animais domésticos e campestres. Enfim, os animais pareciam estar em festa, e tudo indicava que já estava nascendo um novo e lindo dia e que logo começaria no horizonte surgir por de trás nos montes um lindo sol com seus raios cor de ouro pra dizer: O mundo é lindo, a vida é bela, estamos vivos e (a vida continua....) Meus pais se levantaram, e subiram a pequena escada, e nós não deixamos por menos e fomos atrás, e com todos ajudando, num instante o fogão de lenha já estava a todo vapor e não demorou nada o cheiro de café já exalava por toda a casa, e nós sentamos em volta de uma grande mesa de madeira no meio da 45

grande cozinha onde tinha o café numa grande chaleira, bolão de fubá, leite, queijo e manteiga tudo feito em casa mesmo. -Poxa Cláudio, você falando assim, tenho até a impressão de estar vendo a sua casa, sua família... -Não interrompa o Cláudio minha filha, deixe ele contar toda a historia primeiro, depois nós faremos os comentários e as perguntas. -Está bem, mamãe, desculpe! Me desculpe Cláudio, continue. -Não tem problema! Mas como eu estava dizendo: Enquanto tomávamos nosso desjejum o dia acabou de amanhecer, não (totalmente é claro!) mas o suficiente para que pudéssemos ver tudo o que estava acontecendo lá fora. Então todos juntos deixamos a mesa e fomos para a varanda para ver o que não queríamos, e o que nunca gostaríamos de ter visto. E ali enquanto todos nós olhávamos para a imensidão, meu pai trancou os lábios, avermelhou os olhos e parecia estar fazendo uma grande força para segurar algo como uma bola que vinha rasgando-o por dentro dilacerando-lhe o coração e a garganta. De repente, essa grande bola ganhou força e o meu pai foi vencido soltando um soluço, um gemido assustador e lagrimas não pingavam, elas jorravam banhando sua face. Minha mãe o apanhou pelo braço, sentou-o numa cadeira, e ficou ali abraçada acariciando-o enquanto dizia: -Chore meu velho, chore bastante que vai te fazer bem! E nós ficamos ali do lado chorando também porque nunca tínhamos visto nosso pai chorar e ele parecendo sentir vergonha disso, colocava as mãos no rosto para ocultar. E depois de chorar bastante ali amparado pela minha mãe, ele parou de chorar e ficou só soluçando. E ai então ele levantou a cabeça com os olhos inchados, rosto molhado, deu uns tapinhas carinhosos no braço da minha mãe e falou: -Obrigado! Muito obrigado minha velha, desculpe meus filhos, em seguida levantou-se e voltou a ficar em pé na varanda observando a imensidão e com um dos braços sobre o pescoço da minha mãe desabafou: -Eh meus filhos, a tempestade se foi, o pesadelo e o sonho 46

também acabou, não há mais grãos de ouro, não há mais colheita, não haverá mais dólares e a tempestade que vou enfrentar daqui pra frente será com certeza bem maior do que esta que devastou toda nossa lavoura. E o meu pai dizia com amargura na voz estas palavras, olhando aquela imensidão onde já não se via um pé de planta em pé, não se via uma folha verde, pois no lugar da lavoura só havia gelo, uma grossa camada de gelo, o granizo que havia caído durante a tempestade ainda estava todo ali esperando o sol se aquecer para começar a derreter. Enquanto Cláudio com a voz um pouco embargada narrava o triste fato ocorrido com sua família, Ana e seus pais ouviam silenciosamente prestando atenção em cada palavra, e a narrativa acabou causando comoção pois, todos estavam com os olhos lacrimejantes. O pai de Ana comentou com profundo pesar: -Eh, eu posso imaginar o que o seu pai sentiu naquele momento. -Ainda bem que pelo que você esta nos contando, ele tinha uma grande mulher ao lado dele principalmente naquele momento de tão grande aflição. Comentou dona Anestezina. -A senhora tem toda razão dona Anestezina, minha mãe era uma grande mulher, companheira do meu pai em todo momento e pau pra toda obra. -O seu pai falou que a tempestade que viria a seguir era bem pior do que esta que devastou a lavoura de vocês, o que ele queria dizer? Perguntou Ana. -Bem Ana, ele se referia as promissórias, duplicatas, hipotecas as quais ele teria que vender tudo (ou quase...) que tínhamos para honrar os compromissos, principalmente com os bancos porque, levado pela sua inexperiência, ele não fez seguros de nada e a perda era total. -Mas, todos os agricultores tiveram perda total ou só vocês? -Bem Ana, logo de manhã, chegou em casa vários agricultores da região para nos prestar solidariedade e ajudar principalmente para retelhar a casa porque a maioria das telhas estavam quebradas, daí o motivo de tantas goteiras, e através dos vizinhos ficamos sabendo que claro, todos foram atingidos pela tempestade mas, em proporção bem menores, ninguém teve prejuízo total somente meu pai, porque a tempestade 47

incidiu com maior intensidade aquela região beneficiada talvez pela topografia, geografia ou qualquer outro motivo que só os meteorologistas podem explicar. Mas como disse os animais com muito entusiasmo e alegria naquela manhã. A tempestade se foi, mais um dia está nascendo, logo surgirá no horizonte os primeiros raios de sol, teremos um novo e lindo dia, estamos vivos (a vida continua). E minha mãe conformada desabafou: -Não adiante chorar em cima do leite derramado e nem procurar explicações para o que esta perdido, vamos juntar os cacos e erguer a cabeça e partir pra luta. -Poxa, sua mãe era mesmo uma guerreira heim? Comentou Ana. -Sim! Minha mãe não se abatia por nada, exceto, quando acontecia algo errado com meu pai e com a gente. Pra minha mãe, o que realmente tinha valor, era a família. E falando assim, Cláudio olhou para o relógio e espantado falou: -Poxa, não pensei que já fosse tão tarde, as horas passaram e eu nem me dei conta. É que como eu disse a vocês, apesar de estarmos falando de fatos tão desagradáveis, esta reunião de família em volta da mesa com café e bolo ainda mais na cozinha me trouxe tantas e boas recordações que acabou me prendendo e me fazendo esquecer que vocês estão cansados e precisam dormir. E agora se me deram licença eu agradeço muito pela hospitalidade de vocês, muito obrigado pelo café com bolo, pela atenção e pela amizade. E eu vou indo! -Não precisa agradecer Cláudio, disse o pai de Ana, foi um prazer recebê-lo em nossa casa, e alem do mais, nós queremos que volte outras vezes porque pelo que vejo você ainda tem muito que nos contar, estou certa? -Sim, O senhor está certo! E eu voltarei com maior prazer. -Então porque você não vem almoçar conosco amanhã? Nós vamos almoçar no sítio a convite da minha sobrinha e você será nosso convidado, tenho certeza que eles vão gostar muito e você passa o dia com a gente. 48

E então você aceita? -Bem senhora Anestezina, será que não é incômodo e um pouco inconveniente, afinal eles não me conhecem! -Claro que não, ou eu não o teria convidado. -É mesmo Cláudio, minha esposa tem razão, como você já viveu na roça, com certeza vai gostar e sentir muito à vontade lá. -Bem senhor João, o convite de vocês e irrecusável mas... -Mas o que Cláudio? Você chegando lá junto conosco já será recebido como se fosse da família porque, aqui é assim, se está freqüentando a casa já e amigo, e se é amigo já e da família, portanto você já é da família disse Ana. -Então está bem! Diante de todo este argumento eu aceito com o maior prazer o convite e fico muito feliz em saber que faço parte da família. Ana cruzou os braços inclinou a cabeça levemente para o lado e olhou para ele com aquela expressão de quem quer dizer: -Convencido, não precisa exagerar. E ele se despediu. -Então estamos combinados! Ok -Boa noite dona Anestezina, seu João e mais uma vez obrigado por tudo! -Boa noite Cláudio! Ana vai acompanhá-lo até a porta. Ao descer as escadas, Cláudio e Ana o fizeram lado a lado com os passos sincronizados e ele sorrindo solfejava a marcha nupcial e ela talvez sem se dar conta entrou na brincadeira. No dia seguinte como combinados saíram os quatro no carro do rapaz em direção ao sítio, mas, na saída da cidade Cláudio deu uma paradinha porque Ana fez questão de mostrarlhe o casarão mais antigo da cidade, uma obra que realmente valia a pena de se admirar. E ao olhar para o lindo casarão Ana numa expressão de espanto comentou: -Olha mamãe, que absurdo, a parede está pichada e pelo que sei aqui na cidade nunca teve pichadores, que tipo de gente é capaz de cometer uma coisa assim? -Ah minha filha, eu esqueci de contar pra você, eu já sabia, isto ai foi feito na noite da festa porque vieram muita gente de fora e infelizmente veio também esses vândalos e desqualificados. -Vocês têm razão! Disse Cláudio. 49

O pichador é um indivíduo de péssimo gosto, sem nenhum dom artístico, sem criatividade que sai por ai na calada da noite desrespeitando e danificando propriedades alheias e que além de causar enormes prejuízos, deixa a cidade com aspecto de submundo e terra sem lei. Submundo pela horrível aparência e sem lei pela notória e total impunidade a esses vândalos desqualificados. -Poxa Cláudio, nunca vi uma pessoa fazer uma crítica tão dura e verdadeira de uma forma tão poética e, estou de pleno acordo com tudo que você disse: comentou Ana. -Bem Ana, qualquer pessoa mesmo pobre e analfabeta pode ser asseada, educada e civilizada. Pois estas qualidades não dependem: Nem de estudos, e nem de dinheiro. Já que existem milhares de pessoas ricas e estudadas que não possuem estas qualidades. Enfim, depois de admirarem aquela linda obra arquitetônica e manifestarem indignação pelo vandalismo e omissão das autoridades, entraram no carro e seguiram o destino. Ao chegar no sitio a alegria foi geral, Cláudio foi apresentado pelos pais de Ana e foi muito bem recebido e num instante se familiarizou, demonstrou ter realmente muito a ver com a vida no campo e muita intimidade com os animais. Demonstrou saber tudo sobre roça inclusive na hora de selar um cavalo mas, demonstrou também estar totalmente fora de forma. Durante a permanência no sítio Ana e Cláudio não se separaram subiam morro, desciam morro, foram pescar, andaram a cavalo, riram, brincaram, atiraram mamonas um no outro e ele demonstrou carinho e muito cuidado com ela: Cuidado pra não escorregar, cuidado pra não cair, deixe que eu pego pra você, deixe que eu faço pra você, e na hora do almoço os dois se sentaram lado a lado e Cláudio mais uma vez mostrou além de almoçar bem, ser muito bom de copo também, e tomou durante o almoço mais de meia garrafa de pinga de alambique (cachaça). E não ficou nem um pouco de fogo mas, vermelho como um peru e brincalhão. Depois foram a uma pedreira, num ponto bastante alto onde a visão panorâmica era deslumbrante paradisíaca, e muito romântica, e o difícil acesso acabou facilitando ainda mais a aproximação dos dois que tiveram que subir segurando um no 50

outro, puxando pela mão e eles foram se tornando mais íntimos, ao chegar no topo, o clima romântico favoreceu para que Cláudio soltasse sua língua poetisa e olhando para Ana declamou: “Fico tonto só de ver, em você tanta beleza Como pode uma plebéia, ser mais linda que a princesa.” -Ana sorrindo disse: Assim eu fico até sem jeito com tantas palavras lindas e tantos elogios. E ao vela sorrindo, ele prosseguiu: “Teu sorriso me cativa, me faz feliz e contente Quem dera eu pudesse ver, teu sorriso eternamente. Cláudio segurando em suas mãos, puxou-a para si e se aproximou de seus lábios para beijá-la mas, antes que o beijo consumasse, alguém gritou lá em baixo: -Ana, seus pais estão chamando para ir embora. -Está bem! Espere ai que nós vamos com você! E os dois desceram segurando-se um no outro, rindo bastante e ele tomando todos os cuidados para ela não cair. O clima era de romance e Ana, ao que tudo indicava, já estava enfeitiçada pelo loirão e a única coisa que estava faltando para selar realmente este fato era o beijo que foi interrompido, mas isto era só uma questão de tempo. Esse dia foi memorável, inesquecível e de muito progresso na conquista de Cláudio que praticamente já havia capturado sua presa. E depois de passar o dia no sítio, voltaram para casa todos felizes porque, Ana se divertiu muito, o pai adorava passar um dia no sítio pescando, Cláudio já tinha Ana praticamente presa em sua armadilha, e dona Anestezina com o sorriso lá nas orelhas por achar que havia conseguido o seu objetivo: jogar Ana pra cima do Cláudio para afastá-la do “pobretão Tiãozinho”, ao chegarem na casa de Ana, Cláudio não quis entrar, mas, prometeu que iria a hospedaria tomar um banho, se trocar e voltaria e dona Anestezina então recomendou: -Vá e volte logo pra tomar café conosco, vou preparar a mesa e ficaremos aguardando você. 51

E assim foi feito, Cláudio saiu feliz fez tudo o que tinha que fazer e a noitinha voltou e quando chegou nem precisou apertar a campainha Ana já estava na janela linda como uma princesa e viu a sua chegada e quando ele desceu do carro, olhou para cima e ela falou: A porta esta destrancada abra-a e suba. -Mas você não vai me ajudar a subir? Perguntou Cláudio sorrindo. -Não! Não vou! Depois eu te ajudo a descer, respondeu Ana. Nisso ele levou as mãos na maçaneta girou-a, mas não conseguiu abrir, pois a porta estava trancada. Ele olhou para cima mas Ana já não estava mais na janela. Ele encostou–se no umbral da porta e ao invés de apertar a campainha, ficou ali aguardando e quando Ana percebeu que ele não subiu, foi até a janela e sorrindo perguntou: -Não acredito, você não vai subir? -Vou! Se você destrancar a porta porque eu não consegui abrir. Ana desceu as escadas correndo e Cláudio percebeu isso pelo barulho do sapato, ela abriu com rapidez e... -Me desculpe Cláudio, acho que enquanto eu tomava banho meu pai trancou-a. -Não tem problema! Você não precisa pedir desculpas. O importante é que veio abrir e me ajudar a subir as escadas. Ela então fechou a porta, e quando virou-se já deparou com ele em sua frente deixando-a totalmente desarmada. Ele segurou suas mãos, esticou os braços, olhou-a de cima a baixo admirando sua beleza e disse: -Como você está linda! Ou melhor, como você é linda. Depois olhando em seguida em seus olhos proferiu as seguintes palavras: “Cada vez que eu te vejo Meu coração bate forte Você me deixa hipertenso E a hipertensão leva a morte”. Depois puxou-a para si e beijou-a longamente e ela não ofereceu nenhuma resistência entregando-se totalmente, depois do beijo, ela ficou ali ainda abraçada a ele paralisada, com a cabeça encostada em sei peito parecia ter entrado em 52

transe, e só se despertou quando ouviu a voz de sua mãe falando lá em cima: -Vocês não vão subir? O café vai esfriar. E os dois subiram as escadas em silêncio, Ana toda sem jeito parecia ter cometido o maior dos pecados, sentaram-se a mesa onde estava exposto um bule de café bem quentinho e cheiroso, bolo, queijo, manteiga caseira e outras delicias. E Cláudio como sempre não deixou por menos e elogiou dizendo: -Poxa, vocês capricharam mesmo heim? Isto não é um café, é um banquete! Será que eu mereço tanto? -Claro que merece! Confirmou a mãe de Ana. E além do mais, eu só fiz o café, quem preparou a mesa foi a Ana. Não foi Ana? E Ana com a voz um pouco trêmula confirmou: -Sim mamãe! ...Foi... Foi eu! -Eh, dona Anestezina, a sua filha já me prendeu pelo coração, e vai me prender pelo estômago também. Enfim, novamente todos reunidos a mesa tomaram café, Ana ficou o tempo todo em silêncio, apenas respondia o que lhe era perguntado, mas, como eles tinham assunto pendente, o pai dela reiniciou o interrogatório: -Você nos dizia outro dia que seu pai perdeu tudo com a tempestade não foi? E como foi que ele se reergueu? Vocês replantaram tudo? -Não seu João! Meu pai não tinha mais recursos financeiros para isso, não tinha mais condição psicológica e nem coragem de fazer outro empréstimo, não tinha mais o que hipotecar e nem estimulo. E mesmo que conseguisse replantar, estaria correndo o risco de perder tudo de novo e mesmo que conseguisse colher, não seria antes do vencimento das promissórias, duplicatas, etc. Bom, sem falar que os credores eram verdadeiros abutres insaciáveis daqueles que ficam esperando e torcendo para que sua presa caia, para que possam festejar e devorá-la banqueteando-se mesmo antes dela sucumbir-se. Pessoas que se enriquecem em cima da desgraça dos outros. Ao proferir estas palavras Cláudio demonstrou certa revolta e muita amargura na voz, mas continuou narrando sua historia sem ser interrompido por Ana e seus pais que o ouviam 53

em silêncio. Então com a força, a coragem e o conformismo da minha mãe, ali mostrando para ele que não adiantava chorar em cima do leite derramado e dizendo: -Nós não perdemos nada meu velho, estamos aqui vivos, nossos filhos lindos e com saúde, esta sim, é a nossa maior riqueza. E o meu pai então diante do argumento dela levantou a cabeça, abraçou-se a ela e concordou: -Você tem razão minha velha, que bobagem a minha! A nossa maior riqueza é a nossa família, nossos filhos lindos, saudáveis, honestos e trabalhadores, o resto é o resto. E daí, ficamos por ali mesmo cultivando pequenos pedaços, plantando aos poucos com a força dos braços porque as maquinas usadas em pequenos trabalhos haviam sido vendidas para dar lugar as grandes. E como todo mundo já sabia que havíamos perdido tudo e que meu pai estava enterrado em dividas quando íamos a cidade já não éramos vistos e nem tratados como fazendeiros e a gente até sentia a frieza de algumas pessoas e amigos (ou falsos amigos) com os quais mantínhamos uma forte ligação, mas também, não demorou muito as aves de rapina começaram a aparecer para pilhar, saquear, banquetear e saciar-se pegando tudo que possuíamos. Alguns chegavam discretamente, disfarçadamente mas, acompanhados na maioria das vezes de seu advogado portando pasta tipo 007 contendo todos os documentos que lhes garantia o direito de pegar o seu quinhão. -Mas, porque vinham todos quase ao mesmo tempo? Alguns disfarçadamente e outros descaradamente? Perguntou Ana: -Simples, respondeu Cláudio! Como sabiam que a dívida era grande e a quantidade de credores também, eles temiam que meu pai pagasse os primeiros que chegasse e não sobrasse mais nada para os últimos, por isso caíram em cima do meu pai como Urubus. E alguns até faziam propostas indecentes na tentativa de comprar algumas maquinas e animais fazendo ofertas que até mesmo meu pai que era um homem muito calmo e Educado chegou a perder a paciência e responder para um deles: (olha moço, acho que o senhor está equivocado, porque, eu estou mesmo atolado em dividas mas, não estou passando 54

fome, e vou pagar cada centavo que devo e sem precisar aceitar ofertas como a sua. E agora se puder deixar a minha propriedade (que ainda é minha), eu agradeço. Todas as vezes que Cláudio falava desse episodio ocorrido com a sua família, dava para se notar uma brusca mudança no seu semblante, amargura em sua voz e uma certa revolta. Então Ana para minimizar sua amargura o interrompeu: -Olha Cláudio, se você não quiser falar mais a respeito disso, nos mudamos de assunto! -Não Ana, não se chega a conclusão de que dois mais dois são quatro se você para no dois mais... Por isso eu preciso concluir. E como eu estava dizendo: Já não havia mais saída mesmo, então meu pai foi se desfazendo de tudo, e... enquanto foi as escrituras das terras e as maquinas, nós não estávamos sentindo tanto, mas quando ele começou a se desfazer dos animais domésticos, principalmente aqueles que nasceram ali na fazenda pelas mãos da gente, criados ali fazendo parte do nosso dia a dia, nos beneficiando com seus trabalhos, nos alimentando com seus produtos, principalmente as vacas de leite, toda a família chorava. E o que mais doía na gente era ver que aqueles animais que sempre foram tratados com tanto carinho, estavam sendo agora chicoteados por estranhos por insistirem em permanecer ali. Até que vencidos pelos chicotes, eles pegavam a estrada e mesmo ao longe ainda davam uma paradinha e olhavam para trás, e alguns ainda insistiam em voltar mas o estalar dos reios e chicotes acabavam por vencer e eles seguiam o seu destino sem entender nada, enquanto que nós ficávamos ali parados com os olhos em lágrimas, o coração apertado observando-os até sumir ao longo da estrada. Pois, nós sabíamos que era o fim! O adeus, aqueles a gente não via mais, nunca mais. Ainda me lembro que naquela agitação toda, e na preocupação meu pai esqueceu e deixou vencer uma duplicata de uma das maquinas que havia comprado, então meu pai precisava ir até a cidade de Bebúns onde havia um escritório representante 55

daquelas maquinas, e ele me levou junto, e quando entramos naquele grande e luxuoso escritório com tantos funcionários, lindas mulheres e em vez de me sentir bem, me senti mal principalmente quando olhei lá no canto e vi uma grande e luxuosa escrivaninha, tapetes no chão, uma cadeira giratória e nela sentado o gerente parecendo um pachá, encostado confortavelmente com as mãos na nuca girando pra lá e pra cá, conversando dando risadas, contando anedotas sem nenhuma graça, com outros três grandes empresários que estavam ali sentados com ele em volta da mesa tomando cafezinho servidos por belas secretárias e dando longas tragadas em seus cigarros enquanto que meu pai e eu ficamos ali mais de uma hora sentados aguardando a boa vontade para ele nos atender como se fossemos pedir esmolas. Depois de bastante tempo então os três foram-se embora e uma secretária autorizou que nós falássemos com ele e ao aproximarmos da mesa o gerente na mesma posição em que estava e girando a cadeira falou com meu pai: -Como vai seu Jonatan? -Ah, vamos indo como Deus quer não é? E creio que o senhor já soube da tragédia que nos abateu e do grande prejuízo que tivemos! E o gerente com cara de pouco caso, como se diz: (e o que eu tenho com isso...) respondeu: -É seu Jonatan, aqui nós somos informados de tudo mas, a vida é assim mesmo num dia se ganha e no outro se perde, não se pode ganhar sempre. Então eu olhei pra cara dele e pensei: (... e vocês, será que perdem?) -Mas em que posso servi-lo seu Jonatan? Veio pagar a promissória? -Sim senhor! Mas, como sabe que vim para isso? -Bem, é que como a promissória já venceu, eu deduzi que o senhor fosse aparecer por aqui porque, como o juro é diário, quanto mais dias passar maior será o valor. -Quer dizer que já tem juros? -Sim, seu Jonatan! Infelizmente são normas da casa. -Mas não dá para perdoar este juros? 56

-Bem, eu não posso fazer nada, mas, se o senhor quiser tentar negociar, é só dar um pulo até a cidade de Guaracearapiroca onde fica o nosso escritório central, e lá o senhor conversa com a gerente titular ou a substituta que são duas irmãs, Urina e Aurina, e o que as elas decidirem esta decidido. -Poxa, mas daqui de Bebuns até Guaracearapiroca são setenta quilômetros. -Eu sei disso! Mas, se o senhor for aqui por dentro passando pela cidadezinha de Bebedores , corta o caminho pela metade. -Eu sei disso! Mas a estrada para Bebedores esta péssima, quase intransitável, e daí o molho vai ficar mais caro do que o peixe e não vai compensar. -Bem seu Jonatan, então eu não posso fazer nada para te ajudar. Logo meu pai parou, pensou e comentou: -Bem moço! Para quem já perdeu o cavalo e a cela não adianta nada tentar recuperar as ferraduras. Vendo que não valia a pena ficar se humilhando mais do que já estava, meu pai pagou a promissória com os juros e voltamos para casa. E no caminho, ele tentava não demonstrar, mas estava triste, abatido e um tanto humilhado, e me disse assim: -Hé meu filho, procure lutar e progredir porque: Quando se está por cima até o delegado te respeita, mas quando se está por baixo até o auxiliar dele te pisa. E ao chegar em casa meu pai reuniu a família e nos comunicou o seguinte: -Bem minha velha e meus filhos, infelizmente por inexperiência minha, excesso de confiança, ambição ou falta de sorte nós perdemos tudo, só sobrou esta casa com este pequeno terreno em volta dela e estes poucos animais que para nos tem um valor inestimável, mas comercialmente eles não têm valor algum (o meu pai se referia a uma vaquinha que praticamente criou todos nós com seu generoso leite, um cavalo velho já arrastando o casco, mas que foi um grande herói de todos os momentos em que se precisava sair a galope para buscar a parteira, um médico, um remédio, levar três ou quatro crianças de uma só vez na escola, os cachorros nossos eternos amigos e companheiros, as galinhas nascidas e criadas ali em nosso terreiro e graças a elas 57

nunca faltou em casa uma mistura tais como ovos e frangos sempre a mão e em quantidade e outros animais...) E então ele continuou: -E estes animais mesmo sem ter nenhum valor comercial terão que ser vendidos juntos com a casa porque, não há mais condição de ficarmos aqui e seja lá para onde a gente for não da pra levar nada, exceto os objetos pessoais. Naquele momento eu olhei disfarçadamente para minha mãe e percebi que ela estava fazendo força para não chorar mas, mesmo com a voz embargada e um pouco trêmula perguntou: -E para onde vamos? -Para bem longe minha velha! Só sei que aqui não dá para ficar, primeiro apesar de ter pago tudo e todos, não devo um centavo a ninguém mas, tenho certeza que nossos filhos não serão tratados como antes, e eu também não tenho ânimo para ficar aqui, e se ficar teremos que trabalhar para os outros, e se é para trabalhar para os outros, então que seja longe daqui. -E quando vamos? -Bem minha velha, eu acredito que dentro de uma, no máximo duas semanas tudo estará resolvido e então nós partiremos. -E você já sabe exatamente para onde vamos e o que vamos fazer? -Sim! Vamos apanhar nossas malas e daqui vamos direto para São Gerão dos Caboclinhos, onde ficaremos uns três dias com meu irmão que há muito tempo não vejo e depois de São Gerão dos Caboclinhos nós vamos também passar um dia com as minhas irmãs, lá em São Tomé do Pau Caído, e um dia com a outra irmã em São Joaquim da Mata Seca que fica ali bem pertinho, há poucos quilômetros e depois vamos pra capital, e ai, só deus sabe quando vou ver meus irmãos de novo. -E o que vamos fazer na capital meu pai? -Bem meu filho, vocês vão arranjar emprego e eu vou fazer a única coisa que sei sem ser trabalhar na roça, vou montar uma oficina e trabalhar de mecânico, não sou eu que sempre fiz a manutenção dos carros e das maquinas para nós e para os vizinhos? No dia seguinte bem cedinho não vi quando minha mãe se levantou, mas me despertei com o crepitar do fogo no fogão de 58

lenha e o barulho da colher mexendo o café dentro do bule, então me levantei, mas, nisso minha mãe já estava lá fora, só que ela não imaginava que alguém fosse no terreiro aquela hora, já que havia deixado todos na cama e até se levantar e tomar café demorava um pouquinho. Mas eu estava observando-a ha algum tempo por isso me levantei e fui até ela, e quando cheguei vi que estava jogando milho para as galinhas e com o rosto todo molhado de lágrimas. Meu coração cortou ao ver minha mãe daquele jeito, justamente ela que sempre foi uma guerreira e vinha segurando as barras e eu sem poder fazer nada. Ai então abracei-a longamente bem forte e fiz lhe uma promessa de ganhar dinheiro na cidade, voltar e comprar tudo de novo e trazê-los de volta. E ela me disse: -Não meu filho, não pense em mim e no seu pai, pense apenas em vocês sejam honestos e procure trabalhar e progredir por vocês porque eu não estou preocupada comigo mas com vocês e só estou chorando porque sei que vou sentir muitas saudades da nossa casa, dos nossos animais que criamos com tanto carinho que até parecia fazer parte da família, vou sentir muita saudade do meu monjolo, do moinho, do paiol, do meu fogão a lenha e das minhas panelinhas de ferro. E mesmo que você consiga comprar de novo esta fazenda, nada disso vai estar mais aqui, principalmente nossos animais. E com estas palavras da minha mãe com o rosto molhado de lágrimas eu senti que ela estava realmente se despedindo de tudo para sempre, pois para ela aquele era um adeus, mas para mim não! Enfim, dez dias depois com muita tristeza e lágrimas, nós nos despedimos de tudo aquilo que nos era tão caro e valioso e partimos para o novo destino. Três dias em São Gerão dos Caboclinhos, outro em São Tome do Pau Caído e um em São Joaquim da Mata Seca e dali partimos para a capital aonde depois de horas e horas de viagem finalmente chegamos, um tanto exausto é claro. Enquanto Claudio falava e os outros só ouviam, ninguém se deu conta do tempo. Nisso, o relógio de parede de dona Anestezina soou dez 59

badaladas, horário já considerado tarde em um lugar onde a maioria das pessoas trabalha no campo e se levantam muito cedo. Então Cláudio olhou em seu relógio para confirmar a hora e falou num tom de espanto: -Nossa gente, já é tarde heimm! E eu estou aqui falando sozinho enchendo a cabeça de vocês com minhas lamúrias e eu sei que vocês vão levantar cedo e eu também preciso ir porque o dever me chama. -Não Cláudio, você só falou sozinho porque não queríamos interrompe-lo e não são lamúrias, é uma história fantástica e triste e nos fazemos questão de conhecer nos mínimos detalhes. -Está certo senhora Anestezina! É muita bondade de vocês. Prometo que quando eu voltar, continuaremos de onde parei e agora se me derem licença vou indo, boa noite pra vocêS, muito obrigado por tudo e foi um prazer passar o dia com vocês, alias, foi um dia inesquecível. -Não precisa agradecer Cláudio! Foi um prazer para nos também tê-lo em nossa companhia espero que volte logo para nos contar o resto da sua historia. -Sim senhor João! Terei prazer e motivos de sobra para voltar o mais breve possível. Cláudio fez este comentário e sorrindo olhou para Ana, e se despediu de novo. -Então boa noite para todos e até breve. Você me acompanha ate a porta Ana? -Sim! Claro que sim! Ana e Cláudio desceram as escadas lentamente e com passos cadenciados. E ao chegar em baixo, ele segurou suas mãos, puxou-a para si e perguntou: -Eu tenho que ir mesmo? Não tem outro jeito? Ah como eu gostaria de nunca precisar sair de perto de você mas, o dever me espera e eu tenho que ir, com o coração doendo, mas tenho que ir. Depois puxou-a para si novamente apertou-a em seu peito beijou-a longamente e poetizou: “Nos teus lábios tem o mel, No teu hálito o perfume No teu peito um coração, No meu paixão e ciúmes!. 60

E depois de poetizar deu um ultimo beijo e partiu. E por mais que ele expressasse as mais lindas e poéticas palavras e a beijasse, Ana não se soltava, não correspondia, não retribuía, ela parecia sentir-se enfeitiçada por ele, mas estava dividida e não conseguia sentir por ele aquele mesmo amor, a mesma paixão e o mesmo carinho que tinha por Tiãozinho a quem ela julgava ser o seu verdadeiro amor. Depois que Cláudio se foi Ana começou a pensar em Tiãozinho que a dias não via porque ele estava entrando de cabeça no trabalho correndo atrás do seu objetivo. Naquela noite Ana deitou-se e apesar de estar bem cansada, não conseguia dormir, ela virava na cama pra lá e pra cá, de um lado ela via Cláudio e do outro Tiãozinho. Então ela acendeu a luz, sentou-se na cama e começou a chorar, pois estava totalmente dividida, depois levantou-se passou uma água no rosto, tomou um copo de leite e deitou-se novamente decidida a ir logo pela manha ver Tiãozinho para abraçá-lo, beijá-lo apertá-lo e com ele sentir e expressar o clima do verdadeiro amor. Quando foi de manhã Ana levantou-se, se arrumou e foi tomar o desjejum e depois voltou ao seu quarto para dar um ultimo retoque no cabelo e abrir a janela para arejar. E ao abrir já deparou com Lucilianda a menina da floricultura olhando para ela e sorrindo segurando um lindo cesto de flores. A florista sorrindo disse: -Bom dia Ana, e deu uma levantadinha no cesto dizendo: -São pra você! -Esta bem espere um pouquinho já vou descer -Quem esta ai minha filha? -É Lucilianda mamãe, a florista. Ana apanhou as flores e perguntou: -Não me diga que Cláudio esteve lá de madrugada novamente só para comprar flores para os meus pais. -Não Ana! Ele não foi de madrugada! Ontem antes de vir para sua casa ele esteve lá na loja e pediu que entregasse as flores para você logo que se levantasse, por isso estou de plantão, você gostou? -Sim, são muito lindas! 61

-Pois é, ele disse que estas flores são parecidas com você. Que romântico heimmm. -É verdade, mas é só brincadeira dele, é que ele fez muita amizade com a minha família, por isso brinca muito comigo também. “Eh, você pensa que me engana e a gente finge que acredita”, pensou Lucilianda! Ana agradeceu a florista e entrou na casa, sua mãe curiosa já a aguardava com ansiedade na sala para ver as flores e o cartão. Ana deu o cesto para a mãe segurar e apanhou o cartão, que anexado a ele havia um pequeno pedacinho de papel de caderno escrito apenas: Ana meu grande... Fui. Ela olhou para mãe e sorriu, e a mãe curiosa disse: -E agora leia o cartão. -Calma mamãe que pressa. Ana já sabia que o pequeno cartão estava pleno de frases poéticas. Então diante da mãe ela leu pausadamente. Ao receber estas flores de perfume inebriante. Lembrarás de quem te ama e não te esquece um só instante. Para mim tu és um frasco com a fragrância mais bela. No teu hálito eu sinto a brisa da primavera. Se acaso sentir saudades e vontade de me ver Estarei no pôr do sol e em cada amanhecer. Quando o sol estiver nascendo olhe bem para o horizonte Sou eu o primeiro raio a surgir de trás dos montes Sou eu o primeiro raio com esplendor e beleza Para iluminar a vida da minha linda princesa Te... Cláudio -Ta vendo minha filha, esse moço trata você como uma princesa, e não é todo dia que se vê um homem assim. Bonito, belíssima estatura física, carinhoso, romântico, situação finan62

ceira definida, acho que você acertou a sorte grande! -Credo mamãe, acho que a senhora está apaixonada por ele e não percebe. -Não fale besteiras minha filha, amo seu pai, sou muito feliz com ele e só estou preocupada com você e seu futuro. Naquele dia então mais tarde, Ana foi até o sítio ver Tiãozinho a quem não via à vários dias, e ao vê-lo, ela abraçou, beijou e comentou: -Eu estava morrendo de saudade. -Eu também mas, como você pode ver, estou até o pescoço de serviço e quase não da para eu sair. Ana percebeu que Tiãozinho estava mais magro e queimado do sol, o seu cabelo um pouco grande e perguntou: -Mas você precisa trabalhar tanto assim? -Claro, muito mais! Senão não realizo meu sonho, não atinjo o meu objetivo e não construo o castelo para minha princesa. Ana abraçou o novamente, apertou-o e não conseguiu conter as lágrimas. Ele então enxugou-a carinhosamente e comentou: Quero ver minha princesa feliz e sorrindo, e não chorando. -E a noite o que é que você esta fazendo já que não sai de casa? Bem Ana, eu ganhei uns livros, achei-os muito interessante e a noite deito em minha cama e fico lendo porque assim aprimoro meus conhecimentos melhoro meu nível cultural e intelectual porque assim quando meu castelo estiver pronto, eu estarei ao nível da minha princesa. -Poxa, Tiãozinho, você esta até falando mais bonito! E assim os dias foram passando e todos os finais de semana Cláudio vinha na casa de Ana, e em um desses dias o senhor João Duncão disse a Cláudio: -Você ainda não nos contou, o que foram fazer na capital? -Bem senhor João, quando chegamos na capital meu pai comprou uma casa pequena com um terreno bastante amplo e deu sorte de montar ali sua oficina justamente onde havia escassez de profissionais neste ramo, e então os serviços começaram a aparecer de imediato, e quando nós vimos que o negócio estava dando certo meu pai teve a idéia de contratar alguns funcionários, e eu trabalhava como corretor pegando serviços 63

nas agências de automóveis, nas seguradoras e chegou ao ponto que era tanto serviço que o nosso amplo terreno ficou pequeno. Daí nós pensávamos em comprar um terreno maior num outro lugar e montar mais uma oficina ou mudarmos dali. Mas um amigo conversando comigo e me aconselhou dizendo: Porque em vez de ampliar a oficina você não muda o sistema para outro bem mais lucrativo? E menos escravizantes? -Mas como assim? -Bem, já é tempo de vocês pararem de trabalhar tanto para os outros, com aquele compromisso de entrar serviço e fazer correndo para satisfazer o cliente e trabalhar para vocês mesmo. Vocês vão ganhar muito mais dinheiro se comprarem carros batidos e reformar, comprar carros das segurados das financeiras que clientes não pagam a financeira toma de volta e é só vocês pegarem esses carros, trazer para a oficina dar uma garibada (ou tapeada), e aí você aluga um ponto comercial grande e monta uma pequena agência de automóvel com estes veículos, assim vocês estarão trabalhando pra vocês mesmo, isentando-se de clientes chatos e ganhando muito mais dinheiro. Enfim, diante dos argumentos do meu amigo eu fiquei convencido de que realmente era uma grande idéia mas mesmo assim eu disse a ele: -Só tem um probleminha! Primeiro, convencer meu pai que este é um bom negócio. Segundo, não sei onde e nem como comprar carros batidos. -Bem, esta segunda parte, você pode deixar comigo porque eu tenho um amigo que trabalha como guincheiro e com certeza vai arrumar carros pra você comprar todos os dias e por bagatela. -Bem, então está ótimo! Eu vou agora mesmo conversar com meu pai. E assim eu fiz, mas de forma alguma meu pai aceitou alegando que já havia dado um pulo errado uma vez e isto lhe custou muito caro, e que era muito melhor continuar do jeito que estava porque era muito mais garantido e falou: -Em time que está ganhando não se mexe e nós já tivemos o desprazer de provar isso. Então relutei muito com meu pai, insisti mas não consegui convence-lo mas, com muito esforço e conversa dizendo a ele 64

que eu não estava satisfeito ali na oficina com o que estava fazendo, e que eu era jovem e tinha o direito de seguir meu próprio caminho e tinha também muita vontade de progredir. Então meu pai me respondeu: Está bem meu filho! Está muito bem! Se é assim que você quer, eu não tenho o direito de mantê-lo aqui contra sua vontade, mas você insiste tanto nesta sua idéia, a única coisa que posso fazer e dar a você sua parte na herança para que monte o seu negocio, e vai a luta e progrida. Então agradeci meu pai pela compreensão e colaboração e pedi a ele mais um favor: -Bem papai, tem só mais um pequeno problema, eu não tenho condição mesmo com este dinheiro que o senhor vai me dar, montar no momento uma oficina, e gostaria que o senhor me cedesse um espaço aqui na sua porque assim eu só tenho que comprar algumas poucas ferramentas e o que faltar usaremos temporariamente as suas. -Está bem meu filho, vou ceder pra você o espaço separado e empresto as ferramentas mas, não vou poder trabalhar pra você porque tenho meus clientes fiéis que me garantem e não posso deixa-los na mão. -Está bem papai! Vou usar este barracão do lado, comprar as ferramentas e contratar funileiros, pintores e mecânicos. Mas como o senhor é muito experiente no ramo, eu gostaria que desse uma olhada nos trabalhos que tiverem sendo feitos, e na hora que o senhor estiver sem cliente dar uma mãozinha. E como eu não vou ter tempo para ficar aqui, o senhor cuida dos empregados para mim está bem? -Sim meu filho! Está bem! O que é que um pai e uma mãe não fazem para ajudar um filho! Depois ele me deu um abraço bem apertado, uns tapinhas nas costas, chorou e me desejou boa sorte. Trinta dias depois eu já estava com minha loja aberta, e com uma boa quantidade de carros, para quem estava apenas começando, e quase todos os dias minha mãe ia na loja me ver e levar para mim seus deliciosos bolões de fubá, bolinhos de chuva, canjica, as vezes chegava na hora do almoço com uma grande tigela cheia de canjiquinha com suam de porco, rabada 65

de boi com arroz, feijão com carne seca, angu com torresmo, farinha de milho mexido com ovos e outras delicias que só sabe fazer quem nasceu e se criou na roça. E ela ficava toda feliz e orgulhosa dentro da minha loja e dizia: -Poxa meu filho que bom que você acertou o passo, eu vou rezar muito por você. E eu dizia: -É minha mãe, eu fiz uma promessa e vou cumprir, progredir bastante, comprar novamente a fazenda e devolver a vocês. -Deus te ouça meu filho! Seis meses depois minha mãe faleceu e, mais dois meses depois dela meu pai também se foi. Então continuei tocando a agência e a oficina sozinho, e desisti de cumprir a promessa de comprar novamente a fazenda que foi nossa já que eu ia compra-la por causa deles. -Ah, então é por isso que cada dia você está com um carro diferente! -Sim, senhora Anestezina! São carros da minha agência, portanto, são de minha propriedade. -Mas você já me confidenciou que também sente muita saudade da fazenda e sendo assim, porque não comprá-la para você mesmo? -Não Ana! Primeiro porque só teria graça se os meus pais estivessem lá, portanto só me resta sentir saudades mas, para matar a minha saudade, você pode não acreditar mas... Eu acho que encontrei a solução lá no estúdio da igreja com seu amigo Valdir N.Caputti. -Como assim? -Bem Ana, eu estive lá conversando com ele e curiosamente vi sobre a mezinha alguns trabalhos de um daqueles artistas que se apresentam no show aqui no dia da festa. E por acaso o título de uma das músicas me chamou muito a atenção “Retrato do meu Passado”, e então eu quis ouvir a música, claro que não tem exatamente tudo a ver comigo mas, me deu uma ótima idéia que vou por em prática imediatamente. A música diz o seguinte: “Retrato do Meu Passado” 66

Com nove anos de idade eu deixei minha terra, Minas Gerais, Deixei porque foi preciso deixar minha terra e acompanhar os meus pais, Que venderam nossa fazenda com tudo que tinha, também os animais, Para ir fazer tratamento em outro estado, E não voltamos mais. Sempre sonhei em comprar novamente a fazenda, que foi dos meus pais Mas o dinheiro não dava e a saudade aumentava, cada dia mais Mandei pintar um retrato com os detalhes iguais Com tudo aquilo que tinha em nossa fazenda, Em Minas Gerais Minha fazenda tem, um metro quadrado Mas nela eu vejo, Meu carro de boi, meu cavalo e meu gado Minha fazenda tem um metro quadrado Mas nela eu vejo meu pai, minha história e o meu passado Hoje a fazenda que vejo está resumida Num pequeno quadro Numa parede da sala de frente pra porta pendurado E quando alguém me pergunta se sou um sertanejo apaixonado Eu digo: Sou um sertanejo! E este quadro e a historia do meu passado. Então como vocês podem ver, a historia é linda, não tem tudo exatamente a ver comigo mas tem uma boa parte e me deu uma ótima idéia, vou contratar um bom pintor, passar a ele todos o detalhes e depois do quadro pintado, tiro cópias e coloco o original na sala da minha casa, uma cópia no escritório e outro na agência para chamar a atenção. E aguçar a curiosidade dos clientes. E para gerar maior curiosidade ainda mando escrever nele “Retrato do meu passado”. E então, o que acham? Os três aplaudiram a idéia e Ana fez o seguinte comentário: -Que ótimo, assim você vai estar matando vários coelhos com uma cajadada só, que é retratar o seu passado, chamar a 67

atenção e aguçar a curiosidade das pessoas, e sem falar na belíssima obra de arte que será este quadro além de estar homenageando o seu idealizador, parabéns pela idéia. Bem, agora toda a família já conhecia a vida de Cláudio, e ele já havia conquistado a confiança e a amizade e a simpatia de todos e o amor de Ana, que apesar de ainda estar com o coração dividido, sua mãe certamente não teria dificuldade em resolver este pequeno empecilho. E com isso, bastou mais umas pouquíssimas vezes que Cláudio veio a casa de Ana para total controle da situação o suficiente para pedi-la em casamento. E ao fazê-lo, Ana pediu alguns dias para dar a resposta porque precisava conversar com Tiãozinho que ultimamente não estava tendo muito tempo para ela e principalmente por não ter acesso ao interior da casa devido ao fato dos pais não aceitarem o namoro dos dois. Finalmente vencida pelo feitiço de Cláudio e os argumentos da mãe, Ana foi conversar com Tiãozinho mas, parecia que em segredo havia um diabinho de um lado e um anjo do outro que a deixava ainda mais dividida ou confusa do que já estava. O diabinho dizia: “Termine logo com este pobretão sonhador e corra para os braços do seu príncipe...” E do outro lado: “Ana não faça isso, Tiãozinho é o seu único, grande e verdadeiro amor, não será ele o seu verdadeiro príncipe?” Mas Ana, começou a pensar nos argumentos da mãe: -Pense bem filha, o Tiãozinho nunca vai sair daquela vidinha que está levando. Agora enterrado o tempo todo no sítio do senhor Kibuta, mais parecendo um bicho entocado. Portanto pense bem que tipo de vida ele vai te oferecer. -Eu sei mamãe! Mas, ele esta estudando e lutando para melhorar principalmente financeiramente para me oferecer uma vida digna. -Bobagem minha filha, ele sempre foi e sempre será um sonhador e só você mesma acredita nos delírios dele. Pois sabe muito bem que ninguém fica rico vivendo de fazer bicos como 68

ele faz. E ultimamente ele está pior ainda, eu sempre encontro com ele na rua magro, queimado do sol, vestido de qualquer jeito entregando leite e verduras, e nem sair de casa para passear ele sai mais. E com Cláudio não, você vai ter um marido apresentável, lindo, casa e conforto, carros chiques todo dia, empregados, secretárias. Portanto minha filha, se você deixar escapar esta chance, vai se arrepender para o resto da vida. Ana chegou ao sítio tão bem arrumada que parecia uma princesa, e lá estava Tiãozinho todo desengonçado, suado tratando das vacas. Então ele deixou o que estava fazendo e os dois se abraçaram misturando a deliciosa fragrância de Ana com seu cheiro de suor, animais e relvas. Ele muito honesto simples e consciente de tudo que fazia, sem nenhum constrangimento disse para Ana: -Me desculpe por receber você assim e por não estar tendo tempo para ir vê-la, é que estou fazendo isto por nós mesmo. Então Ana aproveitou o momento para, sem muitos rodeios fazer o que tinha que ser feito porque quanto mais demorasse, mais difícil e doloroso seria. Ela atacou logo: -Bem Tiãozinho, eu estou aqui com meu coração em brasas, pois você sabe o quanto eu sempre te amei, e creio que nunca vou deixar de te amar, mas, a vida muitas vezes nos leva por caminhos que não é aquele que pensamos, traçamos, escolhemos e sonhamos, você entende? -Sim Ana! Entendo! Mas, o que você quer dizer com isto? -Bem Tiãozinho, é que você está aqui sofrendo, trabalhando tanto para atingir o seu objetivo, que é realizar um sonho seu... -Não Ana, eu não estou sofrendo! Muito pelo contrario, estou feliz porque assim eu tenho certeza de que estou cada dia mais perto de chegar onde eu quero. -Eu sei disso Tiãozinho! Mas, como você mesmo sabe, meus pais nunca aceitaram o nosso namoro e como o Cláudio me pediu em casamento e os meus pais simpatizaram muito com ele, acho que vai tornar tudo muito mais fácil. E como eu disse a você, parece que a vida traçou pra mim um outro caminho e eu 69

tenho certeza que de alguma forma o seu também será traçado. -Não Ana, a vida não traçou outro caminho pra você, mas o dinheiro sim! Porque se eu tivesse dinheiro com certeza ninguém ia desviar nosso caminho e muito menos nos separar. Mas se é isto que você quer ou seus pais, eu vou sofrer muito, mas vou continuar correndo atrás do meu objetivo e somente Deus vai desviar-me do meu caminho. Mais mesmo com sua decisão, vou continuar esperando por você que sempre foi meu único amor, única namorada e você sabe disso e a razão da minha luta. Portanto, não vou dar a guerra por perdida e vou ficar te esperando, tenho certeza que você vai pensar melhor e vai voltar para mim e o seu nome vai ficar para sempre escrito no meu coração. Tiãozinho, era muito educado, compreensivo, muito firme em sua fé, e em seus objetivos, e assim sendo só lhe restou aceitar o forte abraço e o beijo de despedida de Ana e dizer: -Estarei sempre aqui e vou continuar te esperando! E assim foi feito, Ana agora estava livre para assumir de vez o compromisso com Cláudio, e o fez imediatamente. Inclusive oficializando o noivado e marcando o casamento que seria realizado noventa dias depois. A notícia se espalhou como um rastilho de pólvora e todo mundo comentavam a mesma coisa: -... A Ana do Tiãozinho vai se casar com o loirão! -Mas como? E o Tiãozinho como é que vai ficar? -Coitado do Tiãozinho deve estar sofrendo muito. -Será que ela vai continuar como Ana do Tiãozinho? E ele como sempre foi chamado Tiãozinho da Ana? -Será que mesmo ela se casando com outro ele vai continuar sonhando em comprar uma fazenda, construir uma casa num lugar bem alto e colocar na fachada o nome Tiãozinho e ...? Ana? Ou ...?? Enfim, apesar de Ana ter sido sempre uma pessoa muito querida na cidade, tudo indicava que seu casamento com Cláudio teria meia dúzia de pessoas presentes, ou seja, somente os parentes dela e dele porque toda vida as pessoas esperavam e torciam por assistirem um dia em grande estilo a união oficial de Ana e Tiãozinho e portanto, estavam todos decepcionados porque para quem estava acompanhando a historio dos dois 70

estavam interpretando este acontecimento como um “Falso Happy End”. Mas Tiãozinho tinha tanta confiança e certeza do amor de Ana que isto lhe dava esperanças de que tudo aquilo não ia dar em nada, e ela ia voltar para ele mas, no entanto quando faltava apenas uma semana para o casamento, ele na sua pureza, honestidade e simplicidade foi discretamente a casa dela para contar o que havia ouvido a respeito de Cláudio. Mas, não encontrando Ana, foi atendido por sua mãe que como sempre o recebeu muito mal. -O que você quer aqui Tiãozinho, você não sabe que Ana vai se casar daqui uma semana? E você veio fazer o que? Tentar atrapalhar? -Não senhora Anestezina! A senhora assim como todo mundo sabe o quanto eu amo sua filha, e tudo que quero na vida e que seja muito feliz mesmo que isto custe a minha felicidade. Mas, se eu viesse atrapalhar o casamento dela com o loirão, eu estaria na verdade atrapalhando apenas os planos da senhora, não é verdade? -Bem, isso não importa! E o que você veio fazer aqui então? -Bem, senhora Anestezina, eu não queria falar nada mas, estou fazendo por Ana, é que outro dia eu estava fazendo uma entrega lá na lanchonete, e lá estavam várias pessoas de fora visitando a cidade e nisso o loirão passou e eu ouvi quando uma senhora olhando-o passar perguntou ao marido: -Este ai não é o fulano de tal? -Sim! É ele mesmo! Mas, o que será que ele está fazendo aqui? -Sei lá, eu só sei que este cara não vale nada. Tiãozinho acabou de falar e dona Anestezina já virou bicho com ele: -Credo Tiãozinho, você está me saindo um belo fofoqueiro, hem! Que coisa mais feia, eu sabia que você ia tentar atrapalhar o casamento da minha filha, mas não com uma fofoca absurda dessas, pois Cláudio já nos contou cada passo da sua vida e portanto é honesto, íntegro, de boa família e muito bem intencionado. Tenho certeza que fará minha filha muito feliz porque ele a trata como uma princesa. E você por favor, tenha um pouco de dignidade e não ponha mais os pés aqui porque eu 71

odeio pessoas fofoqueiras e invejosas. E eu sei que muita gente nem vem ao casamento porque estão morrendo de inveja da minha filha. Tiãozinho todo sem jeito, pediu desculpas dizendo: -Eu só vim fazer o que julguei ser a minha obrigação e retirou-se. Uma semana depois finalmente o dia do casamento. E logo pela manha entrou na cidade uma fileira de carros de luxo. Na frente ele, (Cláudio) e atrás seus amigos convidados e entre os convidados dele havia um delegado, vereador e uns dois deputados, empresários, ex-policiais e outros. E também o casal que havia estado com ele na primeira vez que esteve ali. E como já se previa, Ana como noiva estava muito linda e formando realmente um belíssimo casal com Cláudio mas, sua expressão não era de alegria e muito menos de felicidade. As pessoas ficaram observando de longe disfarçadamente, dona Anestezina não escondia sua expressão de alegria, de satisfação e de vencedora. Tiãozinho por sua vez, não deu as cara nas ruas, recolheuse com sua amargura, dor tristeza (e que tristeza...), e quem estava fazendo as entregas no lugar dele era Laurintia, a irmã de Laurinda, pessoas muito devotadas a Tiãozinho. Quando foi a tardezinha, mediante um buzinaço, aquela fila de carros deixava a cidade com o carro de Cláudio na frente buzinando, arrastando latas e fitas e levando Ana que, segundo dizem, não sorria e quando fazia era forçado e amarelo. Depois que Ana partiu com seu marido e seus convidados, a cidade entrou num profundo silêncio que nem mesmo o serviço de alto falantes da pracinha funcionou. Parecia que num gesto de solidariedade, todos queriam partilhar com Tiãozinho a sua dor e tristeza. Durante os dias que se seguiam Tiãozinho não era visto na rua. Ele ficava o tempo todo no sitio onde sua avó dona Generosa ia vê-lo e confortá-lo todos os dias. E as entregas que eram feitas por ele, estava agora a cargo de Laurintia com o irmão e as vezes por Laurinda, mas todos os dias, todo mundo perguntavam por ele. Mas ele estava mergulhado na sua tristeza, na sua dor e no trabalho tentando esquecer Ana. 72

E com isso emagreceu tanto, mas tanto que quem o via tinha a impressão de que ele não sobreviveria por muito tempo. Então o doutor Kibich-Ôchotta um médico muito respeitado na cidade e muito solidário, ao tomar conhecimento disso procurou-o imediatamente fez um diagnostico e tranqüilizou a todos dizendo: Podem ficar tranqüilos porque apesar de estar parecendo um esqueleto humano ambulante, ele é forte e não tem nenhuma doença e por sinal não perdeu um só dia de trabalho e nem vai perder isto ai chama-se apaixonite aguda, a pessoa vai definhando aos poucos e morrem mesmo, mas, eu vou dar a ele muitas vitaminas, conselhos e pedir para que sua inseparável amiga Laurinda, e a Laurintia e dona Generosa, e mais algumas pessoas não o deixem sozinho pelo menos por uns sessenta a noventa dias até passar a tormenta na cabeça dele e logo depois disso ele começara a voltar ao normal. E assim o tempo foi passando, dona Anestezina que aos primeiros dias após o casamento andava toda sorridente feliz e vangloriando-se do grande partido encontrado pela filha, estava agora preocupada e morrendo de saudade, porque nunca tivera a sua filha ausente por um dia sequer, até que trinta dias se passaram e uma carta chegou dizendo: -Mamãe, estou muito bem, sou tratada como uma rainha, mas não temos parada o Cláudio viaja muito e onde ele vai me leva com ele, e eu já estou morrendo de saudades de vocês (todos vocês sem exceção) ela se referia ao Tiãozinho, dona Anestezina chorou ao ler a carta mas ficou feliz e saiu pela rua dizendo a todos que a filha havia escrito e que estava muito bem e muito feliz. E assim seis meses se passaram e Tiãozinho já havia superado a fase mais difícil, os remédios e as vitaminas que o Dr. Kibich-Ôchotta havia passado para ele e também havia surtido grande efeito pois, ele já estava com sua saúde e seu físico normal ou ainda bem melhor que antes, e também recuperou o animo, voltou a fazer as entregas, já se divertia um pouco muito timidamente claro, porque onde ele ia lembrava Ana, tudo que fazia lembrava Ana e todos que se aproximavam dele dava a impressão que ia falar de Ana. 73

E nesse meio tempo, o senhor Kibuta que a tempo já não andava muito bem de saúde, estava agora se sentindo ainda pior e recebeu a presença do seu único filho que apesar de querer muito bem o pai, preferiu ir embora para bem distante morar com um tio e raramente vinha ali onde aos dez anos de idade perdeu sua adorada mãe, e portanto mesmo sendo amigo e colega de infância de Tiãozinho e tendo muito carinho pelo seu amado pai, não gostava dali pois, este lugar lhe trazia tristes recordações. E então começou a argumentar com o pai dizendo: -Papai o senhor está doente não tem mais condições de cuidar disto aqui eu não venho para cá de jeito nenhum o senhor sabe que aqui me da tristeza porque vejo minha mãe em todo canto principalmente olhando aqui tudo que era dela e o senhor em vez de dar fim em tudo, fica preservando do mesmo jeito que ela deixou e eu não quero mais o senhor longe de mim já senti demais a sua falta. E ao falar assim, o rapaz chorou muito abraçado com o pai que também não conseguiu conter as lágrimas e os três choraram juntos, o senhor Kibuta, o filho e o Tiãozinho que era como da família também já que foi amigo de infância do rapaz, conheceu muito sua mãe, era muito querido por eles e estava ali vivendo junto aquele momento de uma triste decisão. E o rapaz continuou: -Venda isto aqui papai o senhor não precisa disso, não tem condição de cuidar e eu também não quero nem saber eu só quero é levar o senhor embora comigo, é a única coisa que quero daqui. Então o senhor Kibuta chorou bastante abraçado ao filho depois passou a ponta da camisa nos olhos enxugando-os mais ou menos e falou: -Eh meu filho, você tem toda razão! Quando você foi embora eu sofri muito mas não tive coragem de abandonar esta fazenda com tudo que sua mãe amava, pois eu tinha a impressão que deixando tudo aqui estaria abandonando ela também mas você esta me fazendo ver que tudo isto é ilusão e como não tenho mesmo muito tempo de vida quero aproveitar o tempo que me resta junto com meu filho, meu único filho. -Que ótimo papai! Então eu vou embora amanha cedo e o 74

senhor resolva tudo o mais depressa possível e comunique-se comigo que virei imediatamente busca-lo mas, por favor venda tudo por qualquer preço pra não demorar. -Está bem meu filho! No máximo dez a vinte dias tudo estará resolvido. No dia seguinte antes mesmo do dia amanhecer o filho do senhor Kibuta partiu com um abraço bem forte e carinhoso no pai, e quando ia saindo já deparou com Tiãozinho que começava a trabalhar muito cedo e então aproveitou para se despedir dizendo: Muito obrigado pela companhia e o carinho que você tem pelo meu pai, pois ele gosta demais de você. Mais tarde o senhor Kibuta percebeu que Tiãozinho estava muito triste e perguntou-lhe: -Porque está triste Tiãozinho. -Bem senhor Kibuta, parece que vou ficar sem meu sócio, amigo e sem emprego não é? -Não Tiãozinho! Você não vai perder o amigo porque onde quer que eu vá nós continuaremos sendo amigos. Pois você estará sempre no meu coração como um bom e fiel amigo, companheiro e quase um filho. E... Quanto ao resto, nos vamos conversar agora, sentese aqui e diga uma coisa, eu sei que você desde pequeno sempre trabalhou muito e sempre ganhou um dinheirinho, eu nunca vi você gastar nada, você me disse que todo dinheiro que ganha entrega na mão da sua avó. E que todo mês ela vai na casa da irmã em Sanroquinho e coloca o seu dinheiro na poupança estou certo? Você já sabe ou pelo menos tem idéia de quanto você tem? -Não senhor Kibuta, não exatamente! Mais ainda outro dia minha avó me perguntou porque eu não tirava um pouco do dinheiro da poupança para comprar um bom pedaço de terra já que gosto tanto de plantar e criar. -E o que você respondeu a ela? -Bem eu disse que isto é a coisa que mais quero mas, que ainda não está na hora. Primeiro porque ainda não sei o que dá para comprar, e segundo que eu não queria deixar o senhor na mão. -Quer dizer que alem de tudo você ainda estava preocupado comigo? -Sim senhor Kibuta! Esta sociedade que o senhor fez 75

comigo, é coisa de pai para filho, e o senhor só fez isso para me ajudar ou pensa que estava me enganando! -Não Tiãozinho, também não é bem assim eu sabia que te ajudando, estaria ajudando a mim também e não me arrependo nem um pouco porque a sua presença aqui me fez bem. Mas agora vamos ao que interessa, você quer comprar minha fazenda? Eu ficarei muito feliz em vender para você com tudo que tem dentro dela, eu vou tirar só minhas roupas, o resto será seu para fazer o que quiser. -Ufa, o senhor me pegou de surpresa!!! Bem, como eu disse ao senhor, não sei exatamente quanto tenho guardado, mas minha avó conversando comigo num outro dia, me deu uma idéia mais ou menos. Portanto, dependendo de quanto o senhor pedir eu vejo se dá ou não. -Está certo Tiãozinho! Já que não vou mais precisar disto aqui, meu filho também não quer saber, eu gosto de você como um filho, vou vender por menos da metade do preço. Mas, com uma condição, vamos colocar na escritura o verdadeiro valor e ninguém precisa saber que vendi a você por menos da metade do preço está certo? -Sim senhor Kibuta! Mas por quê? -Porque assim valoriza mais a propriedade e mostra também o teu grande valor e ninguém vai mais te subestimar e achar que é apenas um sonhador. Nesse momento as lágrimas rolaram na face de Tiãozinho. Então o senhor Kibuta apanhou um lápis, um pedacinho de papel, marcou nele o valor e disse ao Tiãozinho: -Veja, o valor mínimo da propriedade é este aqui, mas, eu vou vender pra você por este aqui, está bom? Tiãozinho arregalou os olhos numa expressão de espanto e respondeu: -Poxa vida senhor Kibuta, ela vale tudo isso? E o senhor está me vendendo por menos da metade. E eu não imaginei que a sua fazenda valesse tanto! Apesar de ser muito boa. -Não Tiãozinho, há uma coisa que você não sabe, esta fazenda não é só o que você está vendo aqui. Aquela parte lá depois da cerca beirando a estrada que vai para Sanroquinho até o meio da Serra também e da fazenda, portanto, é só tirar a 76

cerca e emendar tudo. Eu a separei há muitos anos porque não usava mesmo, e nem tinha como cuidar. -Eh senhor Kibuta, eu nem posso acreditar que isto esteja acontecendo, pois o que o senhor está me fazendo, e um presente. E nesse preço que o senhor está pedindo eu nem vou precisar consultar o saldo com minha avó, nós fechamos o negócio agora mesmo. E se o senhor quiser, amanhã mesmo eu com minha avó vamos a Sanroquinho, trazemos o dinheiro e fechamos definitivamente o negócio. -Nada disso, vamos hoje mesmo ao cartório, passamos a escritura e amanhã você vai a Sanroquinho e lá mesmo deposita o dinheiro na minha conta está certo? -Bem, se o senhor confia tanto assim em mim eu não tenho nem palavras para agradecer e... Então está feito. -Bem Tiãozinho, acho que ninguém nesta cidade é mais digno de confiança do que você. Depois seu Kibuta esticou o braço pegou na mão do Tiãozinho e falou: -Então está feito! Toque aqui fazendeiro. E agora me dê um abraço e vamos tomar um café pra comemorar. Os dois tomaram o café, deram mais um abraço e o senhor Kibuta falou: Agora vai Tiãozinho, de a notícia pra sua avó, porque eu sei que você está doido para fazer isso, e depois vá direto para o cartório porque eu apanho os documentos e nós nos encontramos lá está bem? Tiãozinho saiu dali com tanta pressa, tanta vontade de chegar em casa que quase não sentia o chão, a felicidade era tanta que ele flutuava. E ao entrar na casa e ver a avó ele abriu os braços o quanto pode e com o rosto banhado em lágrimas e um grande sorriso no rosto disse: Me de um abraço vó, um grande abraço mesmo. E a avó espantada perguntou: -Mas o que é isso meu filho? Você está rindo ou esta chorando? -Eu estou rindo e chorando de alegria, de felicidade minha avó! Pois eu agora sou um fazendeiro. Então ela lhe deu um abraço e ele a apertou bastante e falou: 77

-Eu sabia minha avó que apesar de tudo que me aconteceu Deus está sempre iluminando nosso caminho e daqui pra frente nossa vida vai mudar e eu vou poder dar uma vida bem melhor pra senhora. Sente-se aqui que eu vou te contar tudo rapidinho porque o senhor Kibuta vai estar me esperando no cartório. Depois que Tiãozinho relatou tudo para a avó, ela também o abraçou, chorou muito de felicidade dizendo: Você merece meu filho, e Deus sabe disso! Quanto ao dar a mim mais conforto meu filho não precisa se preocupar, a minha maior alegria e o meu maior conforto sempre foi a sua felicidade e eu estou muito feliz por você. -A senhora entendeu então vovó! Se alguém perguntar pra senhora por quanto eu comprei a fazenda, diga que foi por este preço que mostrei pra senhora, está bem? É um segredo nosso, a pedido do senhor Kibuta! E agora eu preciso ir e daqui a pouco estou de volta e com as escrituras. Enfim, tudo resolvido no cartório, Tiãozinho de posse da escritura da fazenda foi para casa, e ao chegar mostrou-a para avó que muito feliz e eufórica disse: -Olha meu filho, já que está tudo resolvido mesmo, e é cedo ainda, porque não vamos hoje mesmo pra Sanroquinho? Assim nós contamos a novidade pra sua tia avó, resolvemos já o problema do dinheiro do senhor Kibuta e amanhã mesmo voltamos, assim já fica tudo resolvido hoje mesmo. -Claro minha avó, eu também estou eufórico demais pra ficar aqui parado e nem vou mesmo conseguir dormir esta noite. E a senhora está certa vamos pra lá agora mesmo, assim resolvemos tudo hoje. E assim foi feito, Tiãozinho e avó partiram imediatamente para Sanroquinho. Quando foi a tardezinha após o expediente de trabalho, um dos funcionários do cartório foi até a lanchonete tomar sua costumeira cervejinha antes de ir para casa, e como naquele horário havia bastante gente ali ele comentou: -Vocês estão sabendo que a fazenda do senhor Kibuta foi vendida? -Vendida? A fazenda do senhor Kibuta? Não acredito? 78

Vendida pra quem? -Vocês não vão acreditar se eu falar! Mas, até a escritura já foi passada e paga a vista, portanto ela agora tem outro proprietário. -Mas quem é esse novo fazendeiro da região? É conhecido? -Sim! Muito conhecido! Segurem-se que eu vou falar... É o Tiãozinho da Ana! Nisso todos olharam para ele ao mesmo tempo e... -Tiãozinho da Ana??? É brincadeira sua! -Não, não é brincadeira! Esta esquecendo que trabalho no cartório? Pois é! Comprou e pagou à vista. A notícia se espalhou como um rastilho de pólvora e todo mundo comentava: -Mas quem diria heim? -E quem podia imaginar que ele tivesse tanto dinheiro? -Claro, ele nunca foi de gastar, sempre foi muito seguro! -Lógico, ele sempre foi muito trabalhador e é merecedor! -Quem diria heim? E todo mundo achava que a idéia de virar fazendeiro fosse só um delírio dele! Enfim cada um expressa o que sentia, felicidade por ele, critica, inveja, carinho, lagrima de alegria, mas, quem quase caiu dura e ficou até sem palavras foi dona Anestezina, que ultimamente andava muito preocupada, pois em seis meses só recebeu três cartas da filha e assim mesmo muito fazia, principalmente para uma moça de nível intelectual e cultural elevado, inteligente, expressiva, nunca saiu de perto dos pais, casouse com um milionário, portanto tinha motivos de sobra para escrever uma carta bem expansiva, eufórica, cheia de novidades e escrevê-las com muito mais freqüência. Bom, pelo menos era isso que dona Anestezina gostaria de poder exibir para o povo da cidade, uma carta da filha, mas não uma carta vazia e fria. E ela começou então a ficar preocupada e arrependida: E começou a questionar-se: -Será que minha filha está feliz? Será que está bem? Terei eu feito a coisa certa separando-a do Tiãozinho que ao que tudo indica está progredindo muito e realizando seus projetos quando eu o julgava apenas um sonhador? Ou minha filha se casou apenas para fazer minha vontade e revoltou-se comigo? 79

Dona Anestezina chorava em silêncio, pois seu orgulho e sua arrogância não permitiam que fizesse de outra forma. E somente agora ela começava a cair em si que só tinha uma única filha e que deveria fazer tudo para mantê-la ao seio da família, ou pelo menos por perto. E sem falar que Ana não estava fazendo nada de errado, apenas era, ou melhor, foi apaixonada por um rapaz de origem muito humilde, mas, de ótimo caráter. Ao voltar de Sanroquinho Tiãozinho foi muito abraçado, parabenizado, elogiado e muitos diziam: -Estamos felizes por você! Você merece. E ao chegar em casa com sua avó, ele ajoelhou-se e agradeceu a Deus por tanta bondade e por proporcionar-lhe tanta felicidade que estava sentindo naquele momento. Depois abraçou a avó agradecendo-a por estar sempre ao seu lado apoiando-o e guardando todo dinheirinho que ele ganhava a duras penas. Pois ele sabia que a avó muitas vezes passava até necessidades, mas não gastava aquele dinheiro por saber que ele tinha sonhos a realizar e dependia do dinheiro para isso. Cinco dias depois o senhor Kibuta já estava com as malas prontas e seu filho já estava ali para levá-lo. Mas antes, porém o senhor Kibuta aproveitou a presença do filho com o carro para levá-lo a um ponto mais alto da cidade onde se podia ver e mostrar ao Tiãozinho toda a cerca que circundava a propriedade (a fazenda...) já que Tiãozinho como a maioria das pessoas desconhecia. Antes de partir, o senhor Kibuta deu uma última olhada em tudo, passou a mão na cabeça de uma das vaquinhas magras, que já não estavam tão magras depois que Tiãozinho começou a cuidar e tratar melhor. Depois abraçou e apertou Tiãozinho e partiu consciente que estava fazendo a coisa certa. Pois em nenhum momento mostrou-se triste ou arrependido. Apesar de ter tirado o dinheiro do banco para comprar a fazenda, Tiãozinho não estava desfalcado e ainda tinha uma boa reserva. Então ele contratou temporariamente algumas pessoas, retirou tudo que havia dentro da casa do senhor Kibuta, e colocou cuidadosamente no porão até ver o que fazer com tudo, fez 80

uma limpeza geral, pintou toda ela por dentro, retirou tudo que havia em volta, refez as cercas e pintou os mourões, batentes, tábuas, podou algumas arvores, comprou móveis novos, porque era ali que ia viver agora com sua avó, pois aquela grande casa que o senhor Kibuta fez questão de por muito tempo manter sua característica assustadora e com aparência de propriedade abandonada, sem vida e sem brilho estava agora parecendo um parque, uma área de lazer e o que não faltava o dia todo por ali era pessoas para Admira-la, fazer comentários, cumprimentar e parabenizar o seu novo proprietário. E a partir de então, as pessoas já começaram naturalmente a chamá-la de “fazenda do Tiãozinho da Ana”, ele agora não tinha mais sócio e tudo que produzia e vendia era só dele, portanto, já estava ganhando mais dinheiro e também não fazia entregas na rua e deixou este trabalho a cargo do irmão de Laurinda. Nos últimos tempos Tiãozinho quase não saia mais de casa, somente trabalhava muito e a noite pegava seus livros e ficava lendo até tarde na intenção de aprimorar seus conhecimentos, melhorar seu nível cultural e intelectual e para tornarse merecedor da admiração e respeito dos pais da sua amada Ana. E com essas leituras, ele aprendeu muito de como se comportar em determinados lugares, momentos e situações. E também aprendeu, onde e como comprar, vender e adquiriu um grande conhecimento em administração de empresas. Enfim tudo que aprendeu lhe seria muito útil daqui pra frente. Logo ele comprou mais vacas e de muito melhor qualidade aumentando assim a produção de leite, separou e cercou mais um grande pedaço da terra aumentando também a produção de legumes e verduras e com isso criou empregos para Laurintia, o pai, o irmão e a própria Laurinda, inseparável amiga e companheira de todos os momentos que agora tinha cargo especial de secretaria administrativa. Depois de algum tempo, Tiãozinho sentiu que tinha necessidade de um bom trator com equipamentos para melhorar ainda mais a produção na fazenda e um caminhão para escoá-la levando seus produtos para outras cidades. Mas para comprar esses veículos tinha que ir ate a cidade de Cachoeira das Pororocas, uma cidade de aproximadamente cento e cinqüenta mil habitantes que ficava a uns cento e vinte 81

quilômetros dali. Ele então não pensou duas vezes principalmente agora que já sabia e podia se vestir melhor, portanto vestiu-se bem, colocou gravata, pegou sua pasta tipo 007, que dava a ele aparência de executivo deixando todo mundo de boca aberta e foi para Cachoeira das Pororocas, e lá chegando não teve nenhuma dificuldade em localizar a loja onde foi muito bem recebido e tratado pelo gerente, belas secretárias com direito a cafezinho, propostas de financiamentos, etc. Mas ele que nunca gastou dinheiro e muito menos comprou fiado em sua vida estava um tanto receoso porque pelos cálculos que fez viu que não dava para comprar tudo que precisava a vista e não tinha coragem de fazer financiamentos por melhor que fosse as propostas da loja. Ele então apanhou o orçamento com validade para sessenta dias, agradeceu ao gerente prometendo pensar bem no assunto e dentro deste prazo iria voltar a loja para comprar nem que fosse só o trator do qual necessitava mais. Ao sair da loja, quis andar um pouco pela cidade para conhecer e ver as novidades das vitrines das lojas antes de voltar para casa. E ao passar diante de uma grande loja de artigos masculinos e femininos, algo que lhe era bastante familiar chamou sua atenção, pois dentro das luxuosas vitrines junto com as sofisticadas roupas e calçados estavam uma velha cangalha, em outra uma canga equipada com seus canzis e brochas e outra onde havia apenas artigos country, uma velha cela também toda equipada. Ele curioso pensou: -Mas o que estão fazendo estas coisas ai? Será pra vender? Nisso uma das funcionárias, super simpática e gentil, que depois veio saber que era a gerente da loja, aproximou-se dele e perguntou: -Você deseja alguma coisa? Posso ajudá-lo? -Bem, na verdade eu estou admirando a loja, os artigos que parecem ser de altíssima qualidade, mas, o que é que está fazendo aqueles objetos ali na vitrine? São para vender? -Mas do que você está falando? -Estou me referindo a velha cangalha, a canga e a cela! A moça muito simpática riu e respondeu: -Ah sim, você se referiu aquelas antiguidades, são obje82

tos de decoração: -E onde vocês arranjam isso? Vocês compram? -Sim compramos e pagamos caro! -Poxa moça, eu tenho um porão cheio dessas e outras coisas antigas, e não sabia que tinha tanto valor. Aliás, nem sei onde e para quem vender. -Bem, se é como você esta me dizendo, deve haver lá uma fortuna em antiguidades e você não sabe. Mas se você quiser, eu tenho um amigo que é especialista em avaliar, comprar e vender antiguidades e obras de arte e é uma pessoa honestíssima. -Que ótimo, e como é que faço para falar com ele? -Bem, se você quiser sentar e tomar um cafezinho, eu ligo para ele que tem um escritório aqui bem pertinho e num instante ele estará aqui, ok? -Sim, está ótimo! Mas vamos fazer o seguinte, eu estou mesmo precisando comprar sapatos, e enquanto aguardo eu vou escolhendo, está bem? -Sim, está bem! Fique a vontade que eu vou telefonar, e se precisar de mim estou ali as suas ordens. Algum tempinho depois, Tiãozinho já havia escolhido o sapato que ao embrulhálo a moça comentou: -Você tem bom gosto, este sapato além de ser muito bonito e muito bom. Nisso chegou o marchand que deu dois beijinhos no rosto da amiga e perguntou: -Você quer falar comigo? -Não, eu não! Mas, quero te apresentar a uma pessoa. -Moço este aqui é Jean Pierre o marchand! -Jean Pierre? Marchand? -Sim! O mercador que veio conversar com você. -Ah, sim! Muito prazer, Tiãozinho. -Ah, o seu nome é Tiãozinho? Interferiu a moça. O meu é Zuleika, mas sou chamada de Zú, me desculpe por não ter me apresentado antes, mas agora que já nos conhecemos vamos aos negócios, diga ao Jean Pierre o que você tem lá em sua propriedade. -Bem seu Jean Pierre, eu estava dizendo ai a Zú... que tenho um porão cheio de coisas antigas e ela disse que você comercializa esses objetos. 83

-Sim! É minha especialidade! Mas, o que exatamente você tem lá? -Bem, eu tenho Cangas, cangalhas, Jacás, Celas, Lampiões, Quadros e... -Não, não precisa falar mais nada... O que você falou foi o suficiente. E eu vou lá avaliar tudo pra você sem nenhum compromisso e se der nos fazemos negócio também, está bem? Onde é que você mora? -Eu moro na cidade de Nossa Senhora da Inteligência já ouviu falar? -Sim, claro! É uma cidade bem pequena que vive exclusivamente da pecuária e agricultura e fica à alguns cento e poucos quilômetros daqui, não é isso? -Sim, Isso mesmo! -Bem, então não percamos tempo, eu tenho um caminhãozinho baú e nós vamos com ele porque se fizermos negócios eu já trago a mercadoria e ganho a viagem, bem pensado? -Sim claro! Muito bem pensado! Disse Tiãozinho, que no mesmo instante agradeceu a Zuleika prometendo voltar outras vezes e partiram. Ao chegarem na fazenda já era noite e dona Generosa esperava por Tiãozinho com a janta pronta, e como os dois chegaram cansados e com muito apetite nada podia ser melhor naquele momento. Após o jantar os dois foram para o porão da casa e Jean Pierre ficou abismado com tudo que viu. Pois além dos objetos que Tiãozinho já havia citado, ainda havia muitos outros tais como, quadros, imagens, máquinas, panelas de ferro, lampiões que pertenceram aos avós e bisavós da esposa do senhor Kibuta. Então Jean Pierre apanhou uma prancheta e foi analisando, avaliando e anotando ali peça por peça e no final somou tudo e expressou um: Ufa!!! Finalmente! E entregou-o ao Tiãozinho que numa expressão de espanto enfatizou: -Ufa digo eu! Tudo isso? E você me compra tudo por este preço? -Não Tiãozinho! Eu sou um Marchand, realmente mas, no 84

momento não estou com cacife para dispor deste valor. E você pode trazer outros avaliadores mas, se achar que a minha avaliação está boa pra você. Eu ligo amanhã cedo para outro Marchand amigo meu e juntos compraremos toda sua mercadoria. -Não, não vou trazer mais ninguém! E sua proposta me é satisfatória e eu prefiro vender tudo pra você, mas, só tem uma pequena coisa, há uma caixinha de musica cuja musica tem seu titulo em inglês que traduzida para o português é mais ou menos “Você é a luz da minha vida”. E eu gostaria de excluí-la da venda. -Sem problemas! Dou-a de presente a você porque tenho cert6eza que a esta reservando para alguém muito especial estou certo? -Não sei! Só Deus sabe! Respondeu Tiãozinho. E depois de tudo praticamente resolvido e cansados foram dormir. No dia seguinte, Jean Pierre se despertou com o gorjear dos pássaros, o relinchar dos cavalos, o mugir do gado e outros sons característicos do campo emitidos pela grande variedade de animais. E ao se levantar abriu a janela respirou o delicioso ar da manhã que trazia consigo o cheiro da relva e a deliciosa fragrância de flores do campo. Ao chegar na cozinha percebeu que Tiãozinho e sua avó já haviam se levantado à muito tempo e estavam ali num papo muito gostoso e aguardando-o para tomar café juntos. -Bom dia dona Generosa, bom dia Tiãozinho. -Bom dia Jean Pierre! Você dormiu bem? -Não Tiãozinho! Eu não dormi, eu simplesmente desmaiei! Pois à muito tempo não tenho uma noite tão agradável e um despertar com tanta expressão de alegria, de felicidade. Pois no bom sentido eu invejo você, você vive num paraíso. O que pode faltar aqui? Veja esta mesa! Isto não é um café, é um banquete, tem café, leite, queijo, manteiga, tudo caseiro, pois lá do quarto eu estava sentindo o delicioso cheiro do café, e deste delicioso bolo. -Não, Não é bolo! É bolão de fubá, só que agora que a situação melhorou, minha avó está podendo usar os ingredientes certos porque temos com fartura graças a Deus. E quanto a sua 85

pergunta de: O que é que pode faltar aqui! Eu só posso dizer a você que com ajuda da minha querida avó eu venho trabalhando desde criança e juntando cuidadosamente elo por elo para formar a corrente da minha felicidade, mas, infelizmente o elo principal, o elo que deveria fechar esta corrente se perdeu. E eu não sei mais de que forma esta corrente será fechada, mas de qualquer forma continuo trabalhando e correndo atrás do meu objetivo que e completar a corrente. -Mas, este elo principal está perdido para sempre? -Prefiro não falar sobre isto! -E a caixinha de musica é para quem? -Não sei, só Deus sabe! -Bem, e agora vamos tomar o café porque esta mesa farta está me aguçando o apetite. Depois de se fartarem então, Jean Pierre agradeceu dona Generosa, deu uma volta com Tiãozinho em volta da fazenda admirando e elogiando tudo. Conheceu alguns amigos do Tiãozinho, entre eles Laurinda, Laurintia, o pai a mãe e o irmão, e depois foram para o telefone e o banco resolver o pequeno detalhe que faltava para fechar definitivamente o negócio. Quando foi por volta de dez horas o negócio já estava fechado e o dinheiro também na conta do Tiãozinho. Então carregaram cuidadosamente o caminhãozinho baú e na hora de Jean Pierre partir Tiãozinho falou: -Se não for incomodo para você e puder me dar uma carona, vou com você até Cachoeira das Pororocas, porque deixei lá um negócio pendente. Na despedida deu um abraço e beijo na avó que lhe desejou uma boa viagem, boa sorte e Deus te acompanhe. Jean Pierre também agradeceu e se despediu e ouviu de dona Generosa: Sempre haverá pra você e para os seus um cantinho muito especial em nossa casa, nossa mesa e em nosso coração, apareça que será um grande prazer para nós. Os dois partiram. E ao chegar na cidade a primeira coisa que Tiãozinho fez foi agradecer a Zuleika comunicando-a que fizera negócios com Jean Pierre e que ficaram muito amigos, e que não perdoaria se ela não aparecesse para fazer uma visita e passar uns dias em 86

sua casa lá em Nossa Senhora da Inteligência. No dia seguinte era sábado e a maioria das pessoas não trabalhava, mas, quem o fazia era somente até as onze horas ou meio dia. E depois ficavam ali pela praça, lanchonete, barzinhos, enfim, ficavam todos por ali na pequena cidade. Quando foi por volta das duas horas da tarde entrou na cidade chamando a atenção de todo mundo Tiãozinho de cabelos muito bem cortados, barba raspada, usando camisa social de mangas compridas e gravata conduzindo uma linda caminhonete (usada claro...) mas muito linda, e atrás um caminhão zero que ele havia comprado, carregado com equipamentos para beneficiar a terra, e mais atrás um outro caminhão de transportadora trazendo o trator que também havia comprado. E por ser conhecido de todos e muito querido passou bem devagarzinho acenando, cumprimentando a todos que gritavam batiam palmas, pois, ele agora além de fazendeiro, empresário e criar muitos empregos surpreendeu todo mundo e acabou virando uma celebridade. E assim dois anos se passaram, e Tiãozinho tinha que ir pelo menos uma vez por mês na capital pois, ele tinha compromisso com uma grande empresa para quem fornecia uma grande quantidade de ovos e frangos que apesar de ser produzido em sua propriedade quem determinava as regras de manuseio, higiene e rastreamento dos produtos era a empresa que enviava técnicos para acompanhar. Nestes dois anos que se passaram, Ana não voltou a cidade e dona Anestezina recebia raramente cartas da filha e mesmo assim muito fazia para uma filha única e que nunca saiu do seio da família. E isto deixava dona Anestezina preocupada e pensativa: Porque minha filha não diz exatamente onde está? Como está? Quando vem? Porque não vem? Não pergunta de ninguém, não diz se está grávida ou se já ganhou neném, não nos convida para ir a sua casa, só diz que esta tudo bem, que é muito amada e tratada como uma rainha e que está com muita saudade. -Será que ela foi embora magoada comigo? Será que pensando na felicidade da minha filha não tornei-a infeliz? Será que não precipitei em afastá-la do Tiãozinho? Porque, errar em 87

subestimá-lo eu tenho certeza que errei. E com todos estes pensamentos martelando dia e noite o cérebro de dona Anestezina, ela acabou por perder um pouco da sua postura arrogante e já falava menos, saía pouco e evitava comentar sobre a filha, principalmente porque muitas pessoas sempre perguntavam e ela que com profunda tristeza não tinha o que falar. Até que um dia foi a padaria pela manhã e lá encontrou-se com uma velha amiga e conversando queixou-se com muita tristeza da ausência da filha e também da falta de uma carta, com uma comunicação mais esclarecedora. E enquanto ela conversava com a amiga estava ali do lado esperando para ser atendida, a dona Zenaide uma senhora bem de idade e conhecida por todos como “Dona Zena”. Mas, a maioria a chamava de “Mãe Zena” pois ela era a parteira, a rezadeira, a benzedeira e a curadeira da cidade, principalmente para os mais pobres. E seus remédios a base de raízes, folhas, cascas e mel, etc. Eram quase sempre infalíveis. E todo mundo acreditava nos seus poderes espirituais, por ela ser uma pessoa muito simples, humilde, religiosa, experiente e nunca aceitar nada, absolutamente nada como pagamento pelo que fazia. Era caridade mesmo! Ao ouvir a conversa angustiada de dona Anestezina, Mãe Zena se aproximou e falou: -Desculpe dona Anestezina, eu não pude deixar de ouvir a conversa da senhora, mas, a senhora pode me mostrar uma carta da sua filha? -O que é isso dona Zena? Carta é uma coisa pessoal, íntima, e a gente não mostra para os outros. -Não se preocupe dona Anestezina, não vou ler a sua carta, eu não sei ler. Então a amiga interviu dizendo: -É verdade dona Anestezina, ela não sabe ler! E de a carta pra ela. Mãe Zena pegou a carta, olhou-a de cima abaixo depois fechou os olhos e começou a passar com suavidade os dedos sobre as letras como se estivesse procurando alguma coisa. Depois abriu os olhos, fechou a carta com muita tranqüilidade, 88

entregou-a a dona Anestezina e disse-lhe: -Não se queixe da sua filha, nem reclame das poucas palavras que ela coloca nas cartas, não pense mal dela, apenas reze por ela porque a coitada está sofrendo muito e precisando de ajuda. Nisso dona Anestezina, deixou repentinamente que sua arrogância viesse a tona, levantando a cabeça e com jeito autoritário atacou a velha senhora dizendo: -Credo Dona Zena, como a senhora é negativa, pessimista, e... -Êpa, pode parar dona Anestezina, interviu a amiga! Abaixe sua crista e respeite a Mãe Zena que é uma senhora de idade, respeitada por todos e não faz outra coisa senão ajudar todo mundo. E se ela diz que isso está acontecendo, é porque está, portanto, faça exatamente o que ela mandou e vamos rezar pela tua filha. Mas, Mãe Zena que sempre teve o dom de entender, perdoar e nunca se preocupou com a arrogância e petulância das pessoas como dona Anestezina simplesmente retirou-se sem dizer mais nada. Dona Anestezina chegou em casa, comentou com o marido exatamente o que tinha ouvido da mãe Zena, e o marido simplesmente respondeu: -Eh, infelizmente tudo faz sentido! Há algum tempo já venho suspeitando disso mas não tinha coragem de comentar com você. Primeiro, para não deixar você preocupada, e segundo, eu não queria admitir pra mim mesmo que isto possa estar acontecendo, mas como você ouviu isso da Mãe Zena, pelo que sei esta senhora tem uma força espiritual muito grande e todos respeitam e acreditavam no que ela faz ou fala. Portanto se você for analisar bem, nossa filha sempre foi muito amada, feliz e tratada com muito mimo, conforto e carinho e nos amava também e não tem motivos para nos desprezar assim. -Éh João, você tem razão! Na última vez que Tiãozinho esteve aqui e eu o maltratei e o chamei de fofoqueiro colocando-o pra correr, ele me disse que ouviu alguém dizendo que o Cláudio não valia nada e que era uma pessoa da pior espécie, 89

será que nós nos enganamos com ele? Será que está maltratando nossa filha? -Não, não está! Com certeza porque nossa filha é muito inteligente para se deixar levar e, se tivesse acontecendo alguma coisa errado ela vinha embora ou nos comunicava. -Tomara que você tenha razão! Mas, eu continuo achando que algo está errado e... mãe Zena não falou estas coisas por acaso. E como já havia se passado dois anos assim, dona Anestezina já estava em desespero de saudades e preocupação com a filha, e nessas alturas toda cidade estava achando muito estranho Ana ficar todo este tempo sem voltar ao lugar onde nasceu, criou-se e deixou muitos amigos. E portanto não tinha motivo para isso afinal, ela podia pensar pelo menos nos pais que estavam sofrendo muito com a sua ausência. E então vendo a grande preocupação das pessoas. Mãe Zena entrou em ação e procurou por dona Anestezina dizendo: -Me desculpe se vim aborrecer a senhora mas como estão todos preocupados com sua filha por gostarem muito dela, eu não quero deixar eles alarmados mas como eu disse a senhora da outra vez vou repetir agora: Sua filha está sofrendo muito e não tem como comunicar com a senhora, portanto a única coisa que podemos e devemos fazer e unir todo mundo numa corrente de oração para ela. Dona Anestezina começou a chorar e admitiu: -Éh Mãe Zena, a primeira vez que ouvi isto da senhora cheguei a sentir raiva, mas, agora vejo que a senhora tem toda razão, não há outra explicação para o sumiço e as cartas vazias da minha filha. -Não se preocupe dona Anestezina porque sua filha (apesar de ser sua filha) é uma moça de coração bom, humilde e muito carinhosa e por isso, tenho certeza que nossas orações serão ouvidas e atendidas e muito em breve a senhora terá notícias dela. E assim foi feito, toda a cidade unida orando por Ana. Vinte dias depois dona Anestezina recebeu uma carta da filha e ao ler a carta com pouquíssimas palavras ela chorou muito, chorou de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Porque a carta dizia simplesmente: 90

“... mamãe e papai, venha me buscar o mais depressa possível pelo amor de Deus, não tenho condição física e nem financeira para ir embora sozinha. Estou esperando ansiosamente por vocês na casa de uma amiga no endereço abaixo e não vejo a hora de abraçá-los, beijos da sua filha querida, Ana...” Dona Anestezina entrou em desespero e queria buscar a filha na mesma hora, mas infelizmente o seu esposo João Duncão era um homem muito caseiro, não estava acostumado a viajar e só dirigia por ali mesmo e então no desespero ela falou com várias pessoas que dirigiam e tinham carros, mas o problema era o mesmo para todos, aqueles que dirigiam e estavam acostumados com estradas e grandes cidades estavam todos viajando. Nisso alguém deu a idéia: -Só tem uma pessoa aqui no momento que tem ido constantemente para a capital e, portanto tenho certeza que com o coração que ele tem, vai atender prontamente o seu pedido e vai partir agora mesmo. -Mas, de quem você está falando? Diga logo! Pelo amor de Deus. -Tiãozinho! Estou falando do Tiãozinho. É o único que vai entender e atender a sua necessidade prontamente. Dona Anestezina já com os olhos inchados de chorar baixou a cabeça, pensou um pouco, depois ergueu-se engoliu o seu orgulho e disse: Acho que você tem razão! Vou lá agora mesmo falar com ele. Então ela e o marido pegaram o carro e foram até a fazenda do Tiãozinho que ficou muito surpreso ao vê-los pois jamais imaginava ver em sua propriedade dona Anestezina e o marido, mas enfim são voltas que o mundo dá. Tiãozinho embora surpreso os recebeu muito bem e convidou-os para entrar. Mas dona Anestezina agradeceu pelo convite e chorando falou a ele: -Eu estou aqui como uma mãe desesperada e precisando de ajuda e acho que neste momento só você pode nos ajudar. E falando assim pegou a carta da filha e mostrou a ele, que num 91

piscar de olho leu aquelas poucas linhas e expressou: -Meu Deus! Ela não merecia isso! E a lágrima rolou em seus olhos, principalmente quando leu o endereço... (Rua Risca Faca, 1771, São Gedeão do Cafungá). -A senhora tem toda razão, e fez muito bem em me procurar, nós vamos pra lá imediatamente, a senhora só me dá alguns minutos para trocar de roupas. -Não... Vamos fazer o seguinte... enquanto você se troca nos vamos nos trocar também e esperamos por você lá em casa está bem? E desde já muito obrigado Tiãozinho, por você atender o meu pedido. -Não precisa agradecer dona Anestezina, faço de coração e estou fazendo pela Ana. Enfim, em menos de uma hora depois, Tiãozinho e os pais de Ana deixaram a cidade com destino a capital. E no final do dia todo mundo já comentavam que Ana estava em apuros, e que Tiãozinho havia saído de viagem com os pais dela para socorrê-la. Depois de algumas horas de viagem eles finalmente chegaram a capital. Cansados e apreensivos e dona Anestezina super tensa mas, de uma certa forma feliz por saber que estava ali bem pertinho da filha e que iria vê-la a qualquer momento. E o senhor João Duncão que quase nunca saia de sua pequena e pacata cidade, estava nervoso de ver tantos prédios e tantos carros. Mas também estavam admirados de ver a desenvoltura do Tiãozinho no transito. Depois de atravessar o centro e rodar bastante margeando a cidade Tiãozinho parou em um posto de gasolina, apanhou o envelope e perguntou a um funcionário: -Por favor, o senhor pode me informar onde fica o bairro São Gedeão do Cafungá? -Bem, o senhor siga em frente por esta rua até não encontrar mais nenhuma casa, depois ande mais uns trêis quilômetros mais ou manos de estrada de terra que o senhor vai ver na beira da estrada uma favela com aproximadamente uns cinqüenta barracos é um bairrinho chamado Fura Tripa, vire a esquerda, passe beirando os barracos que logo na frente começa uma rua que segue margeando um riozinho e chama-se, Rua do Rio Fedido, que é uma rua bastante longa, no final dessa rua o 92

senhor já vai ver a sua direita na encosta do morro o bairro São Gedeão do Cafungá. Quanto a essa Rua Risca Faca, o senhor não vai ter nenhuma dificuldade para achá-la porque quando chegarem lá vão perceber de longe que bem no centro do bairro há um bar com toldo amarelo bem grande com letras azuis escrita: “Bar dos Kossassakos é de propriedade de dois irmãos japoneses bastante antigos ali. E sem falar que é muito freqüentado por aposentados, pessoas que sabem de tudo. Tiãozinho muito habilidoso no volante não teve nenhuma dificuldade em chegar até o bar dos Kossassakos porque o toldo com o letreiro era realmente visível de longe, e ao chegar no bar, os três desceram para tomar uma água, um refrigerante e dar uma esticada nas pernas. Dona Anestezina muito nervosa, ansiosa e desesperada para ver e abraçar a filha que não a via a tanto tempo, e sabia que agora era só uma questão de minutos, pois a filha estava por ali bem pertinho. E então os três entram no bar e foram muito bem recebidos e servidos por um dos irmãos Kossassakos e dona Anestezina enquanto tomava sua água sem perder tempo já perguntou: -O senhor sabe onde fica a Rua Risca Faca? -Sim! A senhora desce esta rua aqui do lado até na baixada, e lá no pé do morro vire a direita e ali já começa esta rua. -E porque este lugar tem nomes tão estranhos? Como risca faca, fura tripa, e... O japonês deu risada e quando foi responder a pergunta sua atenção foi interrompida por um veículo da funerária que nesse momento passava em frente ao seu estabelecimento seguido por vários outros veículos, e depois que todos os veículos se foram, ele retomou o assunto: -Quer dizer que vocês não são daqui? -Não senhor, somos de muito longe. -Bem, esses nomes estranhos é que quando este bairro estava apenas começando a única rua habitada aqui era exatamente esta que vocês estão procurando, assim mesmo era somente barracos de madeiras, papelão, latas, etc. Ou aliás, lá no final da rua ainda é assim todos os dias tem 93

brigas, tem facadas, tem viaturas, tem ambulâncias, tanto aqui na Rua Risca Faca quanto no bairro Fura Tripa, que vocês passaram por ele. E este carro funerário que acabou de passar provavelmente veio da rua Risca Faca. Dona Anestezina pensou...”Meu Deus, o que minha filha está fazendo num lugar deste?”. -O senhor conhece a senhora Andorina? -Sim senhora! Aqui no bairro todos a conhecem! Ela é uma senhora idosa muito caridosa que cuida das pessoas doentes, abandonadas e desamparadas. Dona Anestezina sentiu um frio na espinha ao ouvir estas palavras do senhor Kossassako. -E o senhor sabe se ela mora no começo ou no final da rua? -Sim senhora! A rua é bastante comprida e ela mora mais ou menos no meio. Dona Anestezina com as mãos trêmulas agradeceu ao senhor Kossassako, entraram no carro e foram procurar a senhora Andorina. E não tiveram nenhuma dificuldade em localizar a casa de nº 1771, que ficava no fundo de um terreno de aproximadamente dez metros de frente por quarenta de fundos que por sinal um pouco rompante ou (seja meio morro). Dona Anestezina trêmula, super nervosa bateu palma, e teve a impressão que sua filha ia aparecer na porta (para sua felicidade). Mas quem apareceu foi uma senhora de idade que ao se aproximar olhou bem para os três e falou: -A senhora deve ser a dona Anestezina! E dona Anestezina já chorando respondeu: -Sim! E a senhora é a senhora Andorina? -Sou eu mesma! E Deus ouviu minhas preces! -Onde está minha filha? Como é que ela está? Porque ainda não apareceu na porta? -Calma senhora, vamos entrar que eu te explico tudo. Logo que entrarem, sentaram-se em um grande sofá velho que ficava em um rancho na frente da casa, e ao sentar-se, dona Anestezina muito apavorada perguntou de novo: -Onde está minha filha? -Calma dona Anestezina, sua filha não está aqui se vocês 94

tivessem chegado um pouquinho antes teriam encontrado-a! -Não esta aqui? Onde ela está então? -Bem eu creio que vocês acabaram de encontrar com ela! Como? Quando? Onde, que não vimos? -Sim! Eu sei que vocês não viram, pois ela estava dentro de um carro da funerária. Ao ouvir isso dona Anestezina perdeu o sentido e amontoou-se no velho sofá. E a senhora imediatamente tratou de reanimá-la esfregando-lhe o pulso, mas como isso não estava resolvendo, ela foi buscar álcool enquanto Tiãozinho e o senhor João Duncão ficavam abanando-a, dando tapinhas no rosto e chamando-a pelo nome. Ao despertar dona Anestezina começou a chorar e dizer: -Ó meu Deus, porque não me destes a chance de pelo menos chegar um pouco antes para ver minha filha viva? Será que eu mereço um castigo tão grande assim? Acho que Deus me castigou por causa do meu orgulho e da minha ambição. Porque levar minha filha? E com estas palavras os três começaram a chorar. Nisso dona Andorina voltou com o copo de álcool na mão e perguntou: -Mas porque vocês estão chorando? Do que estão falando? -Estou reclamando por Deus não ter permitido que eu chegasse um pouquinho antes para que eu pudesse ver minha filha viva, pelo menos isso. -Credo dona Anestezina, vire esta boca pra lá, sua filha está viva e está bem, o pior já passou. -Mas a senhora disse que ela estava naquele carro da funerária! E tinha um monte de carros acompanhando, e aquilo não é um cortejo fúnebre? -Não dona Anestezina, vocês entenderam mal, e com razão é claro, porque vocês não são daqui. É que aqui quando ligamos para o hospital dizendo que é uma emergência porque a pessoa está muito mal, e eles já sabem que se trata de pessoas pobres, então mandam o veículo que estiver disponível, às vezes ambulância caindo aos pedaços, viaturas da polícia, camburão peruas velhas do corpo de bombeiros ou (muito comum...) como vocês viram, no caso de Ana veio um veículo fúnebre. 95

E como aqui todo mundo é pobre, não pode pagar e nem exigir nada, e muito menos recusar o que tem, estamos todos acostumados com estas cenas. -Mas, e aquela fila acompanhando? -Bem, é que a rua que sobe é um pouco estreita e ninguém conseguia ultrapassar. -O meu Deus que alívio, me perdoe por blasfemar contra o senhor e... obrigado por proteger minha filha. A senhora disse que a minha filha está bem, mas como pode estar bem, se foi socorrida com emergência? O que é que ela tem? E o marido dela onde está? Nós podemos ir vê-la agora mesmo? -Calma dona Anestezina, tome um copo de água com açúcar para acalmar que vou responder todas as suas perguntas, está bem? Primeiro, sua filha esteve entre a vida e a morte, na UTI (unidade de tratamento intensivo), que inclusive os médicos não davam esperanças de vida para ela. E não havia como comunicar-se com a família (no caso vocês) porque não sabíamos nada a respeito dela, muito menos o endereço mas, assim que pode, a primeira coisa que fez foi escrever aquelas poucas linhas que nós colocamos com urgência no correio, e sabíamos que vocês iam chegar a qualquer momento, inclusive ela que a toda hora, cada barulho que ouvia, cada carro que parava na rua ela pensava que era vocês e eu tenho que ficar o tempo todo perto dela tentando acalmá-la. Porque se deixar ela nem quer ficar na cama, quer ficar aqui no rancho ou lá na rua esperando por vocês. -E se ela está bem agora porque foi levada com urgência para o hospital? -Sim dona Anestezina! O medico passou um remédio para ela e pediu para observássemos que se o rosto ficasse inchado e houvesse queda de pressão, era para levá-la imediatamente para o hospital, mas, que ficássemos tranqüilos porque não é nada grave muito pelo contrário: É um bom sinal. Mas ela deverá ficar até amanhã e não pode receber visitas. Portanto, a senhora trate de se acalmar porque só vamos vê-la amanhã, e como eu já disse o pior já passou e ela está muito bem apesar de tudo, está certo? 96

Sim, senhora Andorina! Mas, me diga uma coisa, o que houve de tão grave com minha filha? Como é a vida dela? E o marido onde está? -Marido? A quem a senhora se refere? -Ora, eu me refiro ao Cláudio, quem mais poderia ser? -Cláudio? Ah a senhora se refere ao Claudião? Nisso dona Anestezina, seu João e Tiãozinho, olham espantados um para o outro e já perceberam que algo estava muito errado. -Claudião? Mas o que a senhora quer dizer com isso? -Eu quero dizer a vocês que esse Cláudio a quem vocês se referem é muito conhecido como Claudião, bonito, galanteador, conquistador, gentil e cavalheiro quando quer, mas, já destruiu a vida de muitas moças bonitas, ingênuas, de boa família e... A sua filha Ana foi uma delas. Enfim, esse Cláudio não valia nada era uma pessoa da pior espécie. Dona Anestezina olhou para o Tiãozinho e pensou: “Meu Deus, não é que ele estava certo!”, e eu o chamei de fofoqueiro”. A senhora disse que ele era isso, era aquilo, mas porque era e não é mais? -Bem senhora Anestezina, o que a senhora sabe a respeito do Claudião? Ou Cláudio? -Eu sei que ele é de uma família muito boa, honesta, trabalhadora, tinha uma fazenda no Paraná e ele cuidava dos cavalos da fazenda. Mas perderam tudo e vieram pra capital montaram uma oficina mecânica e se deram muito bem. Depois Cláudio montou uma agência de automóveis e ficou rico de novo, depois perdeu os pais e continuou tocando tudo sozinho.Eu sei também que tinha um bom relacionamento com pessoas importantes, tais como vereadores, deputados, empresários, autoridades e outros, que por sinal estiveram alguns deles em minha casa. Não é isso? -Sim! Senhora Anestezina! É exatamente tudo isso que a senhora falou! Até aí ele não mentiu em nada pra vocês! Mas... ele falou como os pais dele morreram? Nisso os três arregalaram os olhos e olharam para dona Andorina numa expressão de espanto e dona Anestezina indagou: 97

Mas o que ele teve a ver com a morte dos pais? -Tudo, tudo a ver! Se não fosse por ele os pais ainda estariam vivos com certeza. Mas eu vou contar tudo pra vocês. ...Então como vocês já sabem, o pai de Claudião assim que chegou a capital montou sua oficina e como ele era muito trabalhador, caprichoso e honestíssimo, num instante criou uma grande clientela e estava progredindo bastante com seu negócio. Claudião era ambicioso demais e nunca foi de pegar no pesado ele queria tudo rápido e sem precisar trabalhar, e com isso aproveitava da simplicidade e ingenuidade e da confiança que o pai tinha nele para fazer na oficina muitas coisas. ilegais e ganhar um dinheiro fácil por fora. E com isso ele foi se relacionando com pessoas do meio, de comportamento duvidoso. Primeiro veio um ex-policial para quem ele fez umas remarcações de chassis. Depois um delegado que queria dar um carro de presente pra namorada, depois através destes veio um vereador muito influente na cidade e propôs a ele a idéia de montar a agência e depois que montou a agência os negócios foram se expandindo muito porque ai já entrou guincheiros, despachantes, funcionários de seguradoras, puxadores de carros (ladrões), mecânicos, pintores, funileiros e outros. E a quadrilha ficou grande e poderosa demais. E em nenhum momento o pai de Cláudio, senhor Jonatan na sua santa inocência desconfiava do filho, e muito menos podia imaginar que tudo era feito ali na sua barba, e na sua oficina pelos funcionários do filho. A mãe então coitada, ficava toda orgulhosa de ver seu filho progredindo tanto e se relacionando com pessoas importantes, porque para ela a maior riqueza e felicidade era a família. E ela não deixava de ir na loja quase todos os dias levar para o filho as coisas de que ele gostava. Quando foi um belo dia o senhor Jonatan levantou-se de manhã sentou-se para tomar o seu café e sua esposa percebeu que ele estava muito quieto o que não era o seu normal pois, o senhor Jonatan apesar de tudo que passou, era uma pessoa alegre, de bem com a vida e não tinha motivos para tristezas então sua esposa perguntou: -O que você tem meu velho? 98

-Não sei! Sinceramente não sei! Só sei que o dia está lindo, as coisas estão tudo caminhando bem mas eu estou me sentindo como naquela tarde em que desabou a tempestade na nossa fazenda, parece que o mundo está se fechando pra mim. -Não é nada meu velho, é só impressão sua, você está é muito cansado, desde que chegamos aqui você se enfiou naquela oficina só trabalhando e se preocupando com os clientes e não pensa em você. Tire uns dias para descansar que você vai se sentir bem melhor, e essa tempestade que está se formando sobre você vai desaparecer, você vai ver. -É minha velha, acho que você tem razão! Eu devo estar mesmo muito cansado e precisando me distrair um pouco. Depois dessa injeção de ânimo da esposa, o seu Jonatan agradeceu-a, fez-lhe um carinho e foi para oficina onde os funcionários do Cláudio já estavam trabalhando a todo vapor, em um dos carros que havia chegado ali no dia anterior e a clientela tinha muita pressa. Quando foi por volta das dez horas a tempestade que o senhor Jonatan pressentia desabou, só que desta vez não foi uma tempestade mandada por Deus, não foi uma tempestade de chuva nem granizo, mas uma tempestade demoníaca com muitas viaturas e um bando de policiais armados de metralhadoras, revólveres de grosso calibre que chegaram com tudo disparando tiros para cima gritando e fazendo todos encostarem na parede chutes na bunda e algemando todo mundo. O senhor Jonatan que não estava entendendo nada, ficou ali parado, teso, duro, olhando até que um policial truculento chegou nele com muita grosseria dizendo: -E você também seu vagabundo, encoste ai na parede, mão na cabeça. O seu Jonatan na sua santa inocência tentou argumentar e virou-se dizendo: -Calma moço, deve estar havendo algum engano, aqui nos somos uma família de trabalhadores. Mas o policial com sua ruindade estupidez e maldade nata, disse: -Você está me achando com cara de otário? E virou-o com tudo dando-lhe um soco batendo-o com o nariz na parede que no mesmo instante seu rosto se banhou de 99

sangue, depois algemou e jogou-o na viatura como se fosse um lixo qualquer. Sua esposa vendo aquela cena, violenta, triste justamente com seu marido, um homem de idade, trabalhador, honestíssimo, não agüentou e teve um enfarte. E quando ela caiu aproximou-se dela um cidadão de terno e gravata (era um juiz) e mandou que a colocassem em uma viatura e a levassem para o pronto socorro. -Coitado dos pais de Cláudio, eles não mereciam isso, que judiação! Comentou dona Anestezina. -A senhora tem razão, eles não mereciam nem em sonho quanto mais na realidade. Depois que todos foram levados para a prisão, e ela levada para o hospital (pronto socorro) o juiz chamou um dos oficiais e disse: -Este carro preto aí é o meu que foi roubado ontem, e como vocês podem ver, eles agem muito rápido porque está quase todo adulterado. E portanto, quase pronto para ser vendido em qualquer agência. E garanto a vocês que o despachante da quadrilha também já está com os documentos frios prontinhos. A quadrilha já vinha sendo investigada a algum tempo e desta vez deram azar em roubar justamente o carro de um juiz e que estava equipado com rastreador. Nesse meio tempo, alguém já se comunicou imediatamente com Cláudio que rapidinho mandou retirar da agência e esconder os veículos mais comprometedores e depois deixou a agencia na mão de outro e desapareceu sem deixar rastros, antes porem de desaparecer ligou para o irmão Cleber (engenheiro agrônomo) e a irmã Jonatéia (advogada), que também jamais suspeitaram do irmão. Enquanto isso lá na UTI do hospital os médicos lutavam na tentativa de salvar a vida da senhora Dorotéia mãe de Cláudio, mas ela parecia não querer mais viver, e de fato: Dois dias depois seu coração parou para sempre. E no sepultamento estavam presentes muitos vizinhos que a queriam muito bem, clientes da oficina do senhor Jonatan que estavam alem de multo triste, chocados, indignados e certos de que algo estava muito errado porque o senhor Jonatan era um homem acima de qualquer suspeita. 100

E este mesmo cidadão acima de qualquer suspeita só conseguiu com muito esforço de bons advogados, acompanhar o sepultamento da esposa algemado e acompanhado de perto por policiais. E juntos com ele estavam o filho Cleber e a filha Jonatéia. Seu Jonatan estava cabisbaixo, abatido, muito triste, parecia que estava preso a um ano, e depois do sepultamento ele e os filhos choraram muito e Cleber comentou: -É papai, só faltou o Cláudio aqui! E isto é uma confissão de culpa. -É verdade meu filho! A esta hora ele já deve estar muito longe daqui, e os empregados dele já confessaram para a polícia tudo que faziam, disseram também que trabalhavam para o Cláudio e que há muita gente envolvida no esquema, inclusive autoridades de alto escalão, só que eles não conhecem e não sabem os nomes porque eles agem por fora. E disseram também que Cláudio recomendava todo dia para não deixar eu perceber nada porque senão o esquema ia por água abaixo. -Quem diria em papai! Que o Cláudio, justamente: ele que sempre foi muito querido, teve uma vida boa, rapaz de boa aparência pudesse acabar com a vida da mamãe e transformar a vida do senhor neste inferno, mas não se preocupe meu pai, já que os rapazes confessaram tudo e inocentaram o senhor, eu já vou juntar aos outros advogados e mandar soltar o senhor imediatamente. -Obrigado minha filha! Muito obrigado! Mas, para mim já não faz nenhuma diferença ser solto ou continuar preso, "na verdade o senhor Jonatan já estava morto por dentro" prova disto é que por mais que sua filha Jonatéia e outros advogados tenham lutado para provar sua inocência, ele ainda ficou trinta dias preso principalmente por causa da burocracia. Esses trinta dias para ele foi como trinta anos e ele saiu abatido, magro, com olheiras e parecendo muito mais velho, e ao voltar para casa que ficava ali mesmo dentro do terreno da oficina, sua tristeza era tão grande que a todo momento ele via aquela cena horrível que ele jamais pensou em presenciar em sua vida, e muito menos ser ele um dos envolvidos. Pois aquela cena dos policiais gritando, atirando, batendo nele sem motivos 101

e a esposa enfartando e caindo sem que ele pudesse ajuda-Ia e conforta-la como um bom e eterno companheiro ficou tão impregnada em seu cérebro que ele só agüentou viver mais uns sessenta dias. Trinta dias na prisão e trinta dias após ser posto em liberdade. Pois seu Jonatan morreu totalmente envelhecido, esquelético, irreconhecível, e isto não teria acontecido se a sua velha companheira, e guerreira estivesse ali, para confortá-Io mas, como ela não estava, nada mais interessava, a vida já não tinha mais nenhum sentido para ele e por isso se entregou totalmente. Algum tempo depois Cláudio reapareceu, muniu-se de bons advogados e foi até a delegacia se defender das acusações que pesavam sobre ele, e como ele não foi preso em flagrante, tinha influencia com pessoas influentes e com muito dinheiro para gastar, a justiça alegou que as provas contra ele eram insuficientes e ele continuou em liberdade, como se nada tivesse acontecido. Inclusive reabrir a oficina que estava interditada e lacrada. E como a agência dele ficou muito manjada, ele abriu outra bem maior e com outro nome do outro lado da cidade. E foi exatamente nesse meio tempo que ele desaparecia todo fim de semana e ninguém sabia para onde, até que um dia ele apareceu com uma linda jovem que mais parecia uma princesa bem arrumada de maneira muito discreta jeito de menina de família, muito boa, simples e pura. Depois viemos a saber que era uma moça do interior e que se chamava Ana. -Meu Deus, a senhora esta falando da minha filha! -Sim, estou falando de sua filha! A infeliz, a vítima, desse conquistador, até destruidor que destruiu os próprios pais, imagine o resto! -Mas, e aquelas palavras bonitas, e poéticas que ele falava e escrevia para minha filha? -Bem, como eu já disse pra senhora, ele era gentil, cavalheiro e educado quando lhe era conveniente. Sabia perfeitamente esconder o rabo e os chifres, e mostrar-se um anjo. Quanto às palavras poéticas, ele vivia com livros de 102

poesias e frases filosóficas na mão decorando tudo por isso ele tinha tudo na ponta da língua, era uma das suas armas. -Meu Deus, quer dizer que aqueles cartões que ele preenchia... ? -Sim senhora! Tudo era retirado do livro, poesias, palavra, versos, etc. -E a senhora conhecia uma tal de Maria Mulata? -Maria Mulata? Claro! E quem não conheceu aquilo? Maria Mulata era amante do Manezão Boca de Sapo, e era exatamente os dois que roubavam os carros para o Claudião, esse Manezão Boca de Sapo era um crioulão de quase dois metros de altura, praticante de halterofilismo, muito bocudo e feio, daí o apelido. Boca de Sapo, era o braço direito e uma espécie de segurança do Cláudião, e quando a polícia deu o fecha na oficina do senhor Jonatan e prendeu parte da quadrilha o Manezão foi citado por eles como membro da quadrilha, mas também não havia provas contra ele, principalmente porque ele tinha uma academia que na verdade era só de fachada, mas ele alegou que sobrevivia dela. E logo naqueles dias, Maria Mulata descobriu que Manezão estava tendo um caso com a Zizinha Calça Froxa, cujo marido estava preso por tráfego de drogas e outras coisas. Ela então extremamente ciumenta e sangue ruim virou bicho e ameaçou entregar Manezão e toda quadrilha para a polícia e contar tudo ao marido da Zizinha. E o Manezão sabendo exatamente como ela era e tinha certeza que cumpriria a ameaça, passou ordem para que o carioquinha com sua esposa Rênca e mais alguns homens levassem-na para bem longe e acabassem com ela. Só que ela conseguiu fugir antes que a pegassem e desde então ela vinha sendo procurada para ser eliminada. E o próprio Claudião sabia que se a polícia pusesse as mãos nela, todos rodavam porque ela sabia demais e tinha provas contra todos eles. Mas porque a senhora perguntou se eu a conhecia! Dona Anestezina? -Bem senhora Andorina, é que a primeira vez que Cláudio esteve lá na minha cidade, ele estava acompanhado de um casal 103

de amigos e disse que estava procurando pela tia da amiga dele e se chamava Maria Mulata, e reviraram toda a periferia procurando por ela. -É como eu disse pra senhora, o Claudião era um dos maiores interessados em encontra-Ia e eliminá-la por isso procurava-a por todos os lados e levava com ele aquele casal, Carioquinha e Rênca, encarregados de fazer o serviço sujo. Depois que Claudião se casou com Ana ele fazia de tudo para que ela não descobrisse seus podres mas, mesmo assim ela estranhava suas atitudes, seu comportamento, suas amizades e principalmente pelo fato das pessoas o chamarem de Claudião e ele nunca conversava com ninguém perto dela, vivia cochichando com um e outro, sempre evitando que ela conversasse com os outros enfim, chegou ao ponto que ela começou até a fazer perguntas, e ele não respondia, não explicava e depois começavam a discutir e ele deu nela uma grande surra dizendo: -Isto é pra você deixar de ser intrometida portanto, fique no seu canto cega, surda e muda, porque senão da próxima vez vai ser muito pior! E depois disso Claudião mandou vigia-Ia o tempo todo. Inclusive a própria Rênca ficava o tempo todo vigiando para que ela não falasse com estranhos e nem escrevesse pra ninguém. Ela só podia escrever para a família o que ele autorizava e quem levava a carta no correio era um dos seus homens. -Meu Deus, então era por isso que as cartas dela só continha meia dúzia de linhas e diziam sempre as mesmas coisas, e a Mãe Zena tinha toda razão, pois ela viu isto ao pegar a carta da minha filha. E pensar que minha filha sempre foi uma menina boa, tranqüila, responsável, nunca me deu trabalho, nunca precisou tomar um tapa sequer e agora está apanhando de um cafajeste e sem merecer. -Pois é dona Anestezina, nos sabemos perfeitamente que ela não merece isto mas, as vezes os filhos pagam pelos erros dos pais, não é verdade? Mas... deixe pra lá! Mas como eu estava dizendo pra vocês: Seis meses se passaram e tudo parecia muito tranqüilo 104

para Claudião e ninguém entendia o motivo' da sua tranqüilidade, mas, ele não sabia que lá no bairro Fura Tripa havia um policial infiltrado na cola de uma filha da Maria Mulata tentando descobrir seu paradeiro, e nessa campana conseguiu descobrir que Maria Mulata havia sido encontrada e morta por Rênca e Carioquinha a mando do Claudião que deu dinheiro para os dois desaparecerem por uns tempos e ficar de bico calado. E o policial perguntou: Se você está sabendo de tudo isso porque não denunciou os três? -Não denunciei por vários motivos: Primeiro, eu não gostava mesmo da minha mãe que só me fazia mal. Segundo, não tenho provas. Terceiro, trata-se de uma quadrilha perigosa e não pensariam duas vezes em me eliminar também. Quarto, não sei onde anda Rênca e Carioquinha. E o único meio de colocar o Claudião na cadeia é encontrá-los e fazê-los confessar. Quinze dias depois dessas informações a policia conseguiu localizar e prender Rênca e Carioquinha que estavam morando em uma favela numa cidade do litoral. Carioquinha tentou negar tudo mas, Rênca não conseguiu segurar e confessou o crime e confirmou ser o Claudião o mandante. E com base nestas informações Claudião não teve como escapar. E ao ser preso, mandou recado para Manezão Boca de Sapo que cuidasse de Ana até que ele saísse da cadeia o que seria logo, e que a mantivesse longe de estranhos e que não mantivesse contato com a família. Manezão então já mal intencionado e aproveitando o ensejo, obedeceu as ordens do chefe e apoderou-se da casa obrigando Ana a aceitá-lo como marido. E foi ai que começou o maior sofrimento dela. Pois não só tinha medo dele mas também tinha nojo porque ela era meiga e sensível, bom coração, delicada e linda. Ele feio, asqueroso e os dois juntos nem se podia comparar com a bela e a fera mas, a santa e o demônio. Ana então vendo que não tinha mesmo outra saída, teve que sucumbir-se tomando-se escrava e prisioneira dele. Depois ele a levou para um barraco bem no meio da favela onde todos a 105

vigiavam. Mas mesmo assim conseguiu fazer amizade com uma vizinha que alem de ficar gostando muito, tinha pena dela, a ponto de correr o risco para ajudá-la. E com isso ela conseguiu escrever uma carta escondida contando aos pais tudo que estava acontecendo com ela e entregou para a filha da vizinha colocar no correio, mas antes de chegar no correio, a menina foi interceptada por um dos homens do Manezão que apanhou a carta e entregou na mão do chefe. Nesse dia então Ana tomou uma surra que ficou três dias tomando arnica e banho de sal e a menina foi atropelada. Mas, alguém a socorreu e ela conseguiu salvar-se depois de vinte dias internada no hospital. E logo depois do atropelamento um dos homens chegou ate a mãe dela e disse: -Isto é só um aviso pra quem se mete com Manezão, da próxima vez poderá ser bem pior. Dona Anestezina e seu marido choravam muito ao ouvir dona Andorina narrar com detalhes o triste episodio vivido por Ana. Nisso Tiãozinho que só ouvia resolveu se manifestar e arriscar uma pergunta: -Desculpe senhora... Andorina, mas, como é que a senhora sabe de tudo isso e com tantos detalhes? -Bem meu jovem, como você pode ver, eu sou uma pessoa de idade, e tenho logo ali no outro quarteirão uma casa bem grande que mais parece um barracão e ali eu abrigo crianças abandonadas, pessoas desamparadas, mulheres espancadas e fugitivas de maridos violentos e pessoas que vivem longe dos familiares que saem do hospital e não tem para onde ir até se recuperar como e o caso de Ana. Só que em casos como o de Ana que são mais graves e que precisam de cuidados especiais, eu trago aqui para casa onde há mais privacidade e eu posso cuidar melhor. E como eu faço isto á muitos anos, eu tenho que ouvir tudo de todos que vem aqui portanto sou uma espécie de psicóloga e as informações detalhadas são muito importante para que eu possa ajudá-los e todos confiam em mim, e sendo assim eu passo a ser o amparo e a confidente dessas pessoas sofredoras e vitimas das conseqüências da vida, por isso sei de quase tudo que acontece na comunidade. 106

Sei quem estuprou, quem foi estuprada, quem roubou, quem foi roubado, quem nasceu e quem abortou, e sei também que: se você não tem provas concretas para denunciar alguém, não o faça ou o tiro sai pela culatra. E como foi que minha filha conseguiu se livrar dessa gente, vir parar em sua casa e comunicar-se conosco? Perguntou seu João Duncão. Bem seu João, a cinco meses atrás a sua filha entrou em desespero porque descobriu que estava grávida do Manezão Boca de Sapo, justamente a pessoa de quem ela sentia nojo e ódio. E ter um filho daquele individuo seria para ela o fim e não podia acontecer de forma alguma. Então ela começou a tomar remédios de todo quanto era jeito na tentativa de abortar, o que ela chamava de "coisa indesejável e abominável", e com tantos remédios ela ficou muitos dias de cama. Então, a tal vizinha que tinha pena dela mas nada podia fazer para ajudá-la mandou me chamar. Fui para lá imediatamente. E quando cheguei me assustei porque vi praticamente um defunto sobre a cama, Ana não tinha cor parecia um boneco de cera, sua voz quase não dava para se ouvir e não tinha forças nem para se virar na cama. Então preparei imediatamente um composto de ervas que já levei na minha sacola e coloquei aos pouquinhos em sua boca até tomar tudo para cortar os efeitos dos remédios. E todos os dias eu ia até lá levar remédios e vitaminas em forma de sucos para restabelecer suas forças. Uma semana depois ela já estava mais rosada, com mais forças e já conseguia se levantar sozinha mas, a cria ruim mesmo ela não conseguiu botar para fora apesar de todo remédio. E infelizmente apesar de ela estar bem melhor, nós não podíamos conversar porque sempre tinha alguém por perto vigiando a mando do Manezão. E vendo que ela não precisava mais dos meus cuidados "entre aspas" eu me despedi aconselhando-a a não fazer mais nenhuma besteira e se precisasse de mim era só chamar. Então ela respondeu: -Eu prefiro morrer do que ter esta cria ruim. E eu respondi: 107

-Como eu já te disse, não faça nenhuma besteira porque é bem capaz de você morrer e essa cria ruim continuar viva aí na sua barriga. Não esqueça que isto aí que você está gerando, é um Boca de Sapo (um filhote de satanás), depois ela me abraçou e agradeceu e cochichou no meu ouvido: -Me ajude pelo amor de Deus! E eu respondi: -Reze minha filha, reze bastante, eu tenho certeza que Deus vai ouvir suas preces, e alem do mais, não há mal que dure para sempre. Enquanto dona Andorina falava dona Anestezina e o marido choravam muito, e Tiãozinho com os olhos lacrimejantes comentou: -Meu Deus, Ana não merecia passar por isso jamais em sua vida! Pois ela é uma pessoa boa e que só sabe fazer o bem. -É meu filho! Mas as pessoas muito boas, passam por sérias aprovações, mas Deus não as desamparam jamais você sabe? -Sim senhora Andorina! Tenho certeza e prova disso. Dona Anestezina sentiu estas palavras entrar como uma faca em seu coração por lembrar que foi a única responsável pelo sofrimento do Tiãozinho e agora da sua filha Ana. Mas como eu estava contando: -A gravidez de Ana chegou até os ouvidos de Claudião lá na prisão, e ele não gostou nem um pouco porque considerou quebra do código de honra entre eles dizendo: -Eu deixei Ana com ele para cuidar até eu sair da cadeia, e não aproveitar dela e muito menos fazer um filho nela. E a cada dia que passava Claudião ficava mais irado. Mas quando foi a trinta dias atrás ele e mais outros vários companheiros conseguiram fugir da prisão no meio da noite roubaram um perua Kombi e foram diretos para casa onde ele sabia que Manezão estava mantendo Ana. Ao chegarem no barraco a ira de Cláudio ficou tão grande quando viu Ana com a barriga grande que mesmo ela não tendo culpa ele partiu pra cima dela de murros e pontapés tanto no rosto quanto na barriga que chegou a quebrar vários dentes dela. Naquele momento ele não sabia se estava com mais ódio do Manezão Boca de Sapo, da Ana ou do filho que estava na barriga dela. 108

Quando Ana estava encolhida num canto toda sangrando e gemendo de dor, o Manezão que havia sido avisado por um cupicha, entrou e falou para o Claudião: -Calma aí parceiro, vamos conversar! Mas Claudião irado como estava e rápido como um raio tirou da cinta o revolver que havia usado para fugir da prisão e respondeu: -Não sou seu parceiro e não tenho conversa com traidor, e descarregou o revolver na cabeça do Manezão sem errar um só tiro que seus miolos se espalharam por todo teto do barraco, (não foi a toa que um dia Ana o chamou de rei do gatilho). Quando Manezão caiu praticamente sem cabeça, seu cupicha aproveitou que o revolver de Cláudio estava descarregado e mandou bala para cima dele. Mas quando o rapaz deu o primeiro e certeiro tiro Claudião foi caindo se apoiando em Ana, em seguida ele deu mais dois mirando na cabeça e um deles acertou em cheio mas o outro acertou a barriga de Ana, que também caiu instantaneamente junto com Cláudio. Quando o cupicha viu que Claudião já estava morto, foi saindo de ré porque sabia que os companheiros que haviam fugido da cadeia com Cláudio estavam todos armados. Então ele apontando a arma dizia: -Se um de vocês se mexer ou tentar me seguir eu mato todos. Mas quando ele abriu a porta uma surpresa desagradável o aguardava, o barraco estava todo cercado por policiais, e ele ouviu quando alguém gritou: -Polícia.., solte a arma e ponha as mãos na cabeça e vire bem devagar. Ele não teve alternativa, soltou a arma e virou-se lentamente, mas quando ficou de frente para a policia os companheiros de Claudião o balearam pelas costas e já começaram a atirar nos policiais que eram muitos e revidaram transformando aquele local num campo de guerra, um verdadeiro inferno. Mas, que durou apenas alguns minutos depois silenciou os tiros e os policiais entraram no barraco onde já não havia mais ninguém vivo para contar a história todos caídos: ou seja toda a quadrilha foi detonada. Manezão Boca de sapo, estava irreconhecível sua cabeça desintegrou-se, Claudião era sangue da cabeça aos pés. Nisso alguém gritou: 109

Encoste a ambulância aqui depressa tem uma moça viva e está grávida. Ana estava meio sentada, meio deitada sangrando muito, inclusive a boca e agonizando, Cláudio caído com a cabeça em cima de sua barriga. Então um policial tirou Claudião de cima dela empurrando-o com os pés, nisso os médicos já chegaram, prestaram ali mesmo os primeiros socorros e colocando-a na maca e saíram do barraco desviando-se dos vários cadáveres espalhados pelo chão. Depois que Ana foi socorrida e os cadáveres retirados, os policiais acompanhados por um juiz foram recolhendo tudo que podia para ser usado como provas de crimes, já que se tratava de uma grande e poderosa quadrilha que vinha sendo investigada a muito tempo, mesmo antes da prisão que acabou envolvendo o senhor Jonatan pai de Claudião que foi o mais prejudicado. E com a morte destes laranjas, a justiça já conseguiu provas o suficiente para colocar na cadeia vários figurões, inclusive todos aqueles que estiveram na casa de vocês já estão atrás das grades, e a quadrilha toda foi desmantelada. E com isso nosso bairro São Gedeão do cafungá já ficou mais tranqüilo, mais silencioso, livre do satanás Boca de Sapo. E o povo desta rua está fazendo um abaixo assinado para a prefeitura tirar o nome de risca faca e colocar Rua da Paz. -Que Ótimo! Mas.. Agora por favor a senhora estava falando da minha filha, continue. -Áh é verdade, me desculpe é que eu fiquei tão empolgada ao falar nesta sensação de paz que até perdi o fio da meada. Mas Ana ao chegar no hospital foi diagnosticada imediatamente e constatado que a bala do tiro que ela levou estava alojada na cabeça do bebê. E ela tinha que ser operada com urgência e com as complicações todas da surra que levou, logo em seguida o tiro, a anestesia a cirurgia, o fato de ela estar debilitada e sem vontade de viver a levaram a entrar em coma e os médicos não davam clinicamente um por cento de vida a ela. Mais desde quando ela entrou no hospital os médicos me deram passe livre e eu ia todos os dias conversar no ouvido dela e eu dizia bem baixinho: 110

Ana acorde, seu pesadelo acabou, você agora esta livre de tudo e de todos e seus pais precisam de você, reaja Ana aperte minha mão. E isto eu fazia todos os dias e quando as enfermeiras entravam me perguntavam: -A senhora não se cansa de falar sozinha? -Não estou falando sozinha, eu tenho certeza que ela vai acabar me ouvindo. -Deus te ouça! Mas, é só por um milagre mesmo. -Concordo com vocês, mas milagres acontecem principalmente com quem merece, e ela merece e Deus sabe disso. E assim continuei fazendo todos os dias, conversando com ela alisando seu rosto, seus cabelos, apertando sua mão e rezando aos pés da cama. Até que na semana passada eu cheguei lá segurei em sua mão, cheguei bem pertinho do ouvido e falei: -Bom dia Ana! Você já dormiu demais e eu vim te buscar vamos pra casa? Eu sou sua amiga Andorina, se você tiver me ouvindo aperte minha mão. Então eu senti que a mão dela apertou a minha muito de leve e eu tomei um choque, fiquei surpresa e falei: Ana você está me ouvindo! Confirme pra mim aperte minha mão de novo duas vezes. E ela o fez com mais força ainda daí eu comecei a alisar o rosto dela e chorar, chorei muito de alegria, de felicidade e agradeci a Deus por devolver a vida a ela e proporcionar a mim aquele momento de tanta emoção e satisfação. E na certeza que ela estava me ouvindo eu comecei a repetir as palavras: -Reaja Ana, o pesadelo acabou, você está livre, totalmente livre, não está mais grávida, não existe mais Manezão Boca de Sapo nem Claudião, estão todos mortos, e você vai poder voltar pra casa dos seus pais. Pra sua casa de onde você nunca deveria ter saído, é só você sair desta cama, reaja Ana, o dia lá fora está lindo e esperando por você. E ela apertou minha mão de novo com mais força ainda e uma lágrima correu dos olhos dela. Eu sai dali correndo e chorando de alegria para avisar os médicos que espantados e cheios de satisfação foram todos constatar o fato e disseram: -Agora a senhora pode ter certeza que milagres acontecem, e ela esta fora de perigo. 111

E assim ela foi aos poucos recuperando a força muscular, a cútis foi ficando mais rosada e foi soltando a voz que começou tão fraquinha que mal a gente ouvia. E daí quando já estava melhor me pediu para que escrevesse a vocês pedindo para que viessem busca-Ia. Mas eu não concordei dizendo a ela: -Não Ana, eu sei como você está se sentindo e morrendo de saudades dos seus pais, mas, quem ficou todo esse tempo sem vê-los pode ficar mais uns dias. Se você escrever hoje eu tenho certeza que amanha eles estarão aqui e prontos para levar você embora, e você ainda não está bem, está muito fraca ainda, não teve alta ainda e não vai poder viajar. Portanto fique tranqüila, calma porque eu vou estar com você o tempo todo e assim que os médicos derem alta a você, nós escrevemos pra seus pais e tenho certeza que no dia seguinte eles estarão aqui para leva-Ia e você pronta para partir certo? -Sim! Senhora Andorina! A senhora tem toda razão! É isso mesmo que vai acontecer, eu vou esperar os médicos me liberar primeiro. E é isto ai a historia da sua filha dona Anestezina, uma historia de sofrimento e dor. Mas, felizmente tudo acabou e amanhã mesmo a senhora poderá abraçá-la, beijá-la e apertá-la em seus braços (com muito cuidado é claro porque está muito ferida e levá-la para casa e nunca mais deixá-la sair, principalmente na companhia de um falso príncipe. Dona Anestezina com os olhos inchados de chorar comentou: -Meu Deus, pensar que por mais um pouquinho minha única filha poderia ter sido morta e enterrada e eu nunca mais ia vê-la. E pensar também que eu sou a única responsável por tudo Isso. -Bem gente, eu sei que vocês estão muito cansados, precisam de um lugar bastante confortável para descansar principalmente porque terão amanhã uma longa viagem pela frente. E como vocês podem ver, eu não tenho aqui o conforto que vocês precisam, o conforto que tenho aqui e para pessoas doentes e..., por isso vou mandar vocês para uma hospedaria muito confortável e cem por cento familiar que fica logo ali em cima encostada ao bar dos Kossassakos. E vou dar um bilhetinho para vocês entregarem lá, porque assim vocês vão passar uma 112

noite confortável e estejam aqui amanhã de manhã. E por favor, estou hospedando vocês lá como se fossem minha própria casa esta bem? Portanto tenho certeza que serão muito bem tratados e por favor: não falem em dinheiro lá porque vão ficar bravos. Ao chegarem na hospedaria, foram recebidos por uma jovem muito simpática, sorridente, a quem dona Anestezina entregou o bilhete, a jovem o leu e comentou: -Áh, vocês são da família da Ana! Que maravilha! Venham vou mostrar seus aposentos. Olhe, aqui tem chinelos, roupões, sabonetes e outras coisas que poderão precisar. E por favor enquanto vocês tomam banho nós preparamos o jantar pra vocês esta bem? E assim foi feito, eles tomaram banho e foram jantar, e alem de cansados, eles estavam realmente com muita fome e como a comida estava muito boa fartaram-se, ao sair da mesa dona Anestezina elogiou o jantar, agradeceu a linda jovem e comentou: -Você lembra muito minha filha Ana, sempre linda, sorridente, feliz e de bem com a vida, como você se chama? -Ana, Eu também me chamo Ana! E sei que pareço com sua filha em muitas coisas. Inclusive também sou apaixonada um rapaz muito simples e humilde, mas muito bom, assim como ela também foi, alias ainda é. Só peço a Deus que eu nunca tenha que passar nem um terço do que ela passou, por conta disso. Acho que eu não suportaria tanto. E creio que a senhora Andorina tenha poupado a senhora dos detalhes sórdidos. Dona Anestezina toda sem jeito olhou para o Tiãozinho, que ficava o tempo todo calado. Depois levantaram se da mesa agradeceram a moça e fizeram elogios a comida. E ao irem para seus aposentos. Dona Anestezina perguntou: -Você não quer ir para o nosso quarto conversar um pouco até a comida fazer digestão Tiãozinho? -Não senhora Anestezina! Multo Obrigado! É que estou lendo um livro do escritor Sabá intitulado "Manezão e a Maldita Fortuna" e estou doido para ver o final da história. 113

-Ah que ótimo! Então quando acabar de ler você me empresta que eu quero ler também. E eu te empresto outro que já li que tem o nome de "A Vaquinha Feia" e é deste mesmo escritor, você já leu? -Não senhora! Não li ainda! Mas já ouvi falar a respeito e tenho certeza que vou gostar de ler este também. -Então está bem! Boa noite Tiãozinho, e bom sono. -Boa noite senhora Anestezina, boa noite seu João, e quem acordar primeiro chama o outro está bem? -Sim! Está bem! No dia seguinte quando foi por volta das seis horas, os três se levantaram quase que simultaneamente, e até tomarem o café já estava dando sete horas ou um pouquinho mais. Tiãozinho então antes de se levantar da mesa do café falou com a moça: -Você pode ver a conta pra mim por favor? -Conta? Que conta? Você está querendo arranjar confusão com dona Andorina? Porque eu não quero! Pois ela só mandou vocês pra cá porque queria que tivessem mais conforto e se sentissem em casa. Portanto se vocês pagarem ela vai tomar como desfeita certo? -Então está bem! Disse Tiãozinho! Só nos resta agradecer e esperar que apareçam um dia lá no meu humilde sítio em Nossa Senhora da Inteligência, onde terei o maior prazer em recebê-los. Ao chegarem na casa de dona Andorina antes mesmo de Tiãozinho parar o carro dona Anestezina deu um grito: -Minha filha! E o carro mal havia parado ela desceu correndo e o seu marido também. Ana estava lá na varanda em desespero pois sabia que era só uma questão de minutos para ver, abraçar e ir embora com os pais. Dona Anestezina e o marido correram pra abraçar a filha e choraram como nunca na vida, depois sentaram-se cuidadosamente no sofá e não falavam mais nada apenas soluçavam enquanto acariciavam a filha. Depois de um longo e profundo silêncio, dona Anestezina perguntou: -Mas, como foi que você veio tão cedo? 114

Antes de Ana responder dona Andorina respondeu: -Ela chegou faz uns vinte minutos, segundo o enfermeiro que acompanhou-a até aqui, só não trouxeram antes porque não tinha condução. Pois disse ele que ela passou a noite toda pedindo pra vir embora, porque os pais estavam aqui esperando por ela. Tiãozinho que preferia não entrar mesmo, ficou o tempo todo lá na rua encostado no carro, e os pais de Ana de tão empolgados com a filha, até esqueceram dele, até que a própria Ana se tocou e falou pra mãe: -Ô mãe, mande o motorista entrar coitado, esta sozinho lá na rua. -É mesmo minha filha! Que falha minha! Fiquei! Tão feliz ao te ver que até esqueci dele: Entre aqui Tiãozinho faz o favor. -Como é que se chama o motorista mamãe? -Tiãozinho! Ele se chama Tiãozinho minha filha, aliás aquele é o Tiãozinho! -Mas que Tiãozinho minha mãe? -Qual mais minha filha? Aquele é o seu Tiãozinho. -Não, não pode ser! Nisso ele chegou perto, e como estava elegantemente vestido e muito educado, cumprimentou: -Como vai Ana, bom dia senhora Andorina, como passou de ontem? -Bem graças a Deus! Quer dizer então que você é o tal de Tiãozinho? Mas... -Eu sei senhora Andorina! Mas, eu sou o mesmo Tiãozinho que sempre fui, só que lutei e cheguei onde pretendia chegar. E hoje não preciso trabalhar tanto quanto antes e posso me arrumar melhor. Mas, como eu já disse: Sou o mesmo de sempre. Nisso Ana toda trêmula, sem jeito, envergonhada e... Mais pálida do que já estava, olhou bem para ele e falou: -Estou muito feliz em vê-lo Tiãozinho, mas confesso que estou surpresa com a sua transformação. Pois eu não o teria reconhecido. -Esta transformação sempre fez parte dos meus projetos Ana, pena que poucos acreditavam e você não teve a paciência de esperar para ver mas... 115

Isso não Importa mais faz parte do passado. E agora se vocês quiserem ir embora: Não quero apressar vocês mas, quanto mais cedo sairmos daqui, mais cedo chegaremos lá estou certo? -Sim! Está certinho! E eu não vejo a hora de estar em casa, respondeu dona Anestezina. Então todos se despediram da senhora Andorina agradecendo-a pela hospitalidade e convidando-a para aparecer em suas casas. Ana abraçou-a agradecendo-a por tudo e chorando muito. -Eu não tenho palavras para agradecer e se eu trabalhasse a vida inteira pra senhora ainda ficaria devendo. -Não minha filha! Você está enganada! Você não me deve nada, e eu só tenho que agradecer a Deus por me dar esta oportunidade, este momento raro e a felicidade de estar vendo você viva voltando para sua casa, seus pais e tudo aquilo que você sempre amou de verdade e... Por favor: Não deixe de me escrever de vez em quando e me contar tudo de bom que estiver acontecendo com você esta bem? -Vamos embora então minha filha! -Sim mamãe, vamos. -A senhora Andorina pode pegar a bagagem dela por favor? -Sim senhora Anestezina! Já está aqui! -Mas como? O que é isto? Uma sacolinha de supermercado? -Sim dona Anestezina! Infelizmente isto é tudo que ela tem pra levar: Uma escova de dente, um sabonete, um creme dental e meia dúzia de roupas de baixo e este vestido que dei para ela sair do hospital. -Mas... e as roupas que ela usava? -Bem, as roupas que o fulano lá (nem é bom falar mais o nome dele) a obrigava usar pra chamar a atenção e servir aos seus propósitos nos queimamos tudo porque tenho certeza absoluta que sua filha jamais usaria aquilo ou qualquer coisa parecido com aquilo. -É minha filha, o pesadelo acabou vamos pra casa esquecer tudo e recomeçar a vida. Ana mais parecia uma prisioneira de guerra, a Impressão que se tinha era que ela havia passado todo esse tempo num campo de concentração. Sua aparência era horrível: Magra, pálida, desdentada, devido aos murros que 116

levou, cabelos arredios e sem vida, cheia de olheiras e hematomas totalmente envelhecida pelo sofrimento. Então amparada pelos pais meio encolhida devido a cirurgia na barriga ela caminhava lentamente em direção ao carro e Tiãozinho ia na frente levando a sua bagagem (uma sacolinha de supermercado) depois ela deu mais um abraço carinhoso na senhora Andorina entrou com bastante dificuldade no carro e partiram. Por vários quilômetros ninguém trocou uma só palavra. No banco da frente o senhor João Duncão e atrás Ana deitada no colo da mãe dormia como um bebê recém nascido acariciada pela mãe que parecia ter acabado de sair da maternidade e não via a hora de chegar em casa, colocá-lo em seu berço e ficar admirando-o. Se bem que depois de tudo que passou Ana podia se considerar que nasceu de novo e estava fraquinha, sensível, necessitada de cuidados carinhos e aconchego. Depois de rodarem bastante Tiãozinho perguntou: -Vocês querem dar uma paradinha para descansar um pouco ou comer alguma coisa? -Não Tiãozinho! Só se você quiser ou se Ana pedir porque ela está dormindo profundamente acho que e por causa dos remédios que esta tomando e por mim nós só vamos parar quando chegarmos em casa; o que eu não vejo a hora. Finalmente depois de rodar quilômetros sem parar e faltava menos de um quilometro para chegar dona Anestezina chorando de felicidade começou a acordar a filha dizendo: -Filha, acorde, acorde minha filha. Ana então se despertou olhou pra lá e pra cá reconhecendo o lugar e começou a chorar também dizendo: -Eu não acredito que estou aqui de novo mamãe. Não acredito que estou de volta pra minha casa, para os meus pais, pros meus amigos pois eu pensei que nunca mais ia conseguir voltar e isso estava me matando cada dia um pouco, e agora vendo tudo isto aqui de novo tenho a impressão que estou sonhando, e se estou sonhando, não quero acordar mais... A senhora tem certeza que me acordou? Então dona Anestezina abraçada a filha, deu-lhe um beijo na cabeça e respondeu: 117

-Sim minha filha! Agora você pode ter certeza que está acordada depois de um longo pesadelo. -É mamãe! A senhora tem toda razão! Foi um longo pesadelo, mas, foi só um pesadelo. E só a alegria de estar aqui de novo já está me fazendo sentir bem melhor e tenho certeza que em pouco tempo vou me recuperar, me restabelecer e esquecer tudo. Finalmente adentraram no perímetro urbano e a ansiedade de chegar era tão grande que a impressão que se sentia, era que o carro corria sozinho, sem controle, mas não era, o Tiãozinho sem perceber estava com o pé pesado e pisando fundo o que não era o seu normal. Ao entrarem na cidade não havia muita gente pois, era meio de semana, meio do dia e maioria das pessoas estavam nos campos trabalhando. Mas, as poucas pessoas que se encontravam na cidade ficavam nas calçadas paradas vendo Ana chegar. E a manifestação de alegria das pessoas era grande todos olhavam, acenavam, batiam palmas, gritavam: -Seja bem vinda Ana! Estamos felizes por você Ana! Ao chegarem na casa, Tiãozinho parou o carro bem na porta para facilitar, e para evitar aglomeração de pessoas em cima da Ana, o seu pai desceu rapidinho abriu a porta da casa e junto com a esposa foi amparar a filha para descer do carro e subir muito cuidadosamente as escadas. Depois que passou Ana para dentro da porta e o pai ficou amparando-a dona Anestezina agradeceu as pessoas que 'estavam ali tentando ver Ana dizendo: Muito obrigado pelo carinho de vocês mas, Ana não esta em condições de falar com vocês agora esta bem? Ela esta muito cansada e sentindo dor e vai pra cama agora! Depois virou-se para o Tiãozinho: -Vamos entrar Tiãozinho. -Não senhora Anestezina! Estou muito cansado também e doido pra chegar em casa, pra ver minha avó e tomar um belo banho. E... acredito que minha missão já está cumprida I Não é mesmo? -Sim Tiãozinho! Cumprida e multo bem cumprida! E eu nem sei como pagar ou agradecer porque; o que você fez justo na hora que a gente mais precisou não tem preço. E minha casa 118

estará sempre aberta pra você, e nos estaremos sempre a sua disposição está certo? -Muito obrigado dona Anestezina! Eu só fiz a minha obrigação. E a senhora não precisa me agradecer. Nisso Ana que aguardava sua mãe para ajuda-Ia a subir as escadas se manifestou: -Você não vai mesmo entrar um pouquinho Tiãozinho? E conversar um pouquinho comigo? Até agora não trocamos uma só palavra, eu dormi muito. -Não Ana! Estou morrendo de saudade da minha avó e doido pra tomar um banho. -Você vem aqui mais tarde pra gente conversar um pouco? Vai me fazer muito bem! Tiãozinho deu uma de desentendido e não respondeu nada apenas despediu-se dizendo: -Até logo seu João, dona Anestezina, tchau Ana estimo suas melhoras, e se precisarem de mim qualquer hora do dia ou da noite já sabem onde me encontrarem. E retirou-se. Tiãozinho chegou em casa e a primeira pessoa que viu foi a sua fiel e inseparável escudeira Laurinda que já perguntou: -Como foi de viagem? Como está Ana? E depois que ele respondeu suas perguntas ela falou: -Então entre porque você deve estar muito cansado e sua avó está preocupada com você deixe o carro aqui mesmo que eu o guardo pra você. Tiãozinho agradeceu Laurinda e entrou. Ao entrar já deparou com a avó que velo ao seu encontro. Então ele abraçou-a, beijou-a e disse: -Não pergunte nada porque não vou responder está bem? Sei que a senhora está curiosíssima, tem mil perguntas pra fazer por isso vou tomar um bom banho pra relaxar, e depois vou comer alguma coisa porque estou com multa fome e enquanto comemos vou contar tudo que a senhora quer saber está bem? Depois que Tiãozinho tomou seu banho, seu café e narrou para a avó tudo que havia acontecido com Ana. Dona Generosa com os olhos cheios de lágrimas enfatizou: Meu Deus! Ela não merecia isso! Ana é uma moça tão boa, de coração tão grande, será que ela tinha que pagar tão caro por um erro que na verdade nem era dela? Mas dos pais, mais ainda da mãe! 119

-É vovó, a senhora tem toda razão! Ela só escapou por milagre. Talvez seja devido a estas grandes qualidades que ela possui, que Deus tenha colocado em sua vida um anjo chamado dona Andorina, uma pessoa que eu quero ter o maior prazer de receber um dia aqui na nossa casa. Nisso Laurinda entrou e Interrompeu a conversa. -Da licença, Tiãozinho, o Valdir N. mandou perguntar se dá pra você dar uma chegada lá no estúdio da igreja hoje a noite por volta das sete e trinta a oito horas? -Sim Laurinda! Mande dizer a ele que estarei lá neste horário. Quando foi a noite que todo mundo já havia deixado seus trabalhos e voltado para casa, o alvoroço era geral, todos falavam do retorno de Ana, mas, ninguém sabia como ela estava porque ninguém falava, e ela não estava recebendo ninguém. Quando foi por volta de sete e trinta, Tiãozinho passava pelo centro da cidade para chegar até o estúdio e todos tentavam cercá-lo perguntando: -Como é que esta Ana? O que ouve com ela? Você a encontrou fácil? Vocês vão voltar a namorar? E ele sorrindo só respondia: -Fiquem tranqüilos, ela está bem. E muito em breve vocês vão vê-la e todas as suas perguntas serão respondidas. Tiãozinho chegou no estúdio e Valdir N. já havia combinado com o locutor do serviço de alto falantes da praça para ficar fora do ar enquanto Tiãozinho permanecesse no estúdio da igreja. E quando Tiãozinho acabou de entrar no estúdio Valdir N. interrompeu a música que estava tocando, aumentou o volume e começou: -Atenção senhoras e senhores! Atenção!!! Hoje é um dia muito especial para nós, e estamos multo felizes por saber que nossa querida e grande amiga Ana está de volta. E sei que está nos ouvindo, seja bem vinda Ana, nos te amamos multo e nunca deixamos de te amar. E sei também que todos estão curiosos para saber do seu estado de saúde, e para tranqüilidade de todos eu convidei para vir até aqui em nosso estúdio e falar alguma coisa a respeito para nós... ...O nosso grande e querido amigo que vamos receber 120

com muito carinho... ele... Tiãozinho da Ana. -Boa noite Tiãozinho e muito obrigado por ter atendido ao meu convite... muito bem Tiãozinho, nós sabemos que você com sua bondade, e seu grande coração atendeu prontamente o pedido de dona Anestezina, uma mãe desesperada e foi a capital buscar sua filha Ana para a felicidade de todos nós. E como está todo mundo clamando por notícias, eu creio que você é a única pessoa no momento pra nos dar alguns esclarecimentos. -Bem Valdir, eu não tenho muito o que falar porque ontem quando chegamos a capital, e localizamos a casa onde Ana estava hospedada, ela havia ido para o hospital receber medicação. E só saiu hoje de manhã. E quando chegou na hospedaria nós já a colocamos no carro e viemos embora. Não houve tempo para conversarmos. -Mas... E durante a viagem, vocês não conversaram? Não, não trocamos uma só palavra, porque alem de estar muito fraca, debilitada, falando muito pouco e com dificuldade, dormiu durante toda a viagem sob o efeito dos remédios. -Mas o que houve com ela realmente? -Bem, como eu já disse sei muito pouca coisa a respeito, mas me parece que ela sofreu um acidente bastante grave e que a deixou hospitalizada por vários dias inclusive em coma. E só escapou por um milagre. -E o marido dela o que ouve com ele? -Bem, pelo que estou sabendo morreu na mesma hora. E... eu quero aproveitar e dizer para todos que apesar de tudo que aconteceu, ela, esta muito bem. A prova disso é que ela entrou, saiu do carro e subiu as escadas de sua casa andando, com dificuldade é claro, mas está bem. Só que ainda não pode sair na rua e nem receber visitas, enquanto não melhorar um pouco mas, ela ama todos vocês, está muito feliz por estar de volta e acredito que em poucos dias estará ai pelas ruas respondendo todas as sua perguntas. Esta bem? -Bem gente, então é Isso ai, graças a Deus e ao nosso querido Tiãozinho agora sabemos que a Ana está bem apesar de tudo e que nos ama assim como nós também a amamos e também estamos muito felizes com a sua volta. E como sabemos que 121

ela está nos ouvindo eu vou dedicar toda nossa programação a ela... E agora Tiãozinho muito obrigado pelos seus esclarecimentos e eu vou te fazer uma pergunta bastante indiscreta. Mas é uma coisa que todos querem saber. Se não quiser responder não tem problema deixe em suspense. Tiãozinho, Ana agora está viúva, vocês vão voltar a namorar? ... Não precisa responder... E agora escolha uma música bem bonita que eu vou colocar pra tocar. Tiãozinho apanhou um CD que por coincidência continha a musica de título "Paixão" que Ana havia dedicado a ele no dia que conheceu Cláudio. E nesse mesmo CD havia uma música do mesmo compositor cujo título era "Anjo Protetor", então Valdir N. apanhou o CD e anunciou: -Bem gente a musica que Tiãozinho escolheu é muito bonita, ele teve bom gosto espero que vocês também gostem e se gostarem podem pedir quantas vezes quiserem que tocaremos com o maior prazer. Tiãozinho quer dedicá-la a alguém? ... Não? Só ouvir?..OK! Então pra vocês... "Anjo Protetor" "Anjo Protetor" Se dependesse de mim, não haveria tristeza em sua vida A sua estrada seria sempre florida, Felicidade pra você Não tinha fim. Porque... Seria... Eu Aquela estrada pela qual você caminha A brisa mansa que assopra com carinho Teu lindo rosto enrubescido pelo sol Seria eu... a flor mais linda a nascer no seu jardim e o perfume exalado dessa flor enfim, Me impregnando no teu corpo sedutor Seria eu... O teu amigo, o teu amante, o teu amor Porque te amo tanto que noites e dias, Ah, eu seria o seu anjo protetor. Se dependesse de mim... Se dependesse de mim. 122

Quando a música terminou o Valdir N. comentou: -E isso ai gente, vocês acabaram de ouvir "Anjo Protetor". É uma musica linda e que diz muita coisa. Tiãozinho não dedicou a ninguém, mas nem precisava está dado o recado. Muito obrigado mais uma vez Tiãozinho por atender o meu convite e você sabe que pode contar sempre com a gente. No dia seguinte logo pela manha Tiãozinho foi surpreendido pela Inesperada visita de dona Anestezina, que chegou dizendo: -Me desculpe se estou Incomodando ou atrapalhando você logo cedo. -Não senhora! Absolutamente! Vamos entrar por favor. A Ana não está bem? -Não Tiãozinho! Não é nada disso! Ana está muito bem graças a Deus, dormiu como um anjo e acordou feliz, sorridente, me abraçou e disse: -Como eu estou feliz mamãe, como eu gostaria de levantar daqui agora e abraçar todo mundo desta cidade assim como estou fazendo agora com a senhora. Mas como não posso fazer por favor, vá até a casa do Tiãozinho e diga a ele que estou bem, que eu gostaria de agradecer por tudo que ele fez e que se ele não quiser me perdoar eu vou entender, mas pra ele não se afastar de mim. E peça pra dona Generosa e a mãe Zena para vir até aqui porque não agüento mais de saudades delas. .Hã... eu quero aproveitar para parabenizá-lo pela belíssima e muito Inteligente entrevista que você deu ontem viu? Soube se sair muito bem! E Ana pediu para agradecê-lo pela música. -Mas... Eu não mandei a musica para ela! -Não mandou? Anjo Protetor? Nem precisava dizer que era pra ela! Todo mundo entendeu. Bom gente, e agora se vocês me derem licença eu já vou indo porque não quero deixar minha filha sozinha, principalmente depois de tanto tempo longe. Então Tiãozinho muito obrigada mais uma vez por tudo. E... espero que você vá fazer uma visitinha para Ana ela vai ficar multo feliz e talvez até se recupere mais depressa. E a senhora dona Generosa, vai lá? 123

-Claro, hoje mesmo! Primeiro porque Ana sempre foi uma menina muito boa de dentro da minha casa e mesmo a gente sendo muito pobre ela nunca nos desprezou, nunca fez pouco caso de ninguém e estou morrendo de saudades dela. E assim os dias foram passando, Ana foi aos poucos se recuperando e Tiãozinho não ia vê-la mas, todos os dias mandava Laurinda ou Laurintia. Para saber como ela estava. E Ana perguntava: -Porque ele não vem me ver? E elas sorrindo respondiam: -É que ele não tem tempo. Mas Ana sabia que não era verdade. Trinta dias depois Ana já estava bem melhor e sua mãe a levou ao dentista para ver o que se podia fazer para resolver o problema das falhas nos dentes. E ao sair do dentista Ana resolveu fazer uma surpresa e conhecer a fazenda do Tiãozinho. E ao chegar e descer do carro, Ana olhou pra lá e pra cá e ficou deslumbrada com a beleza e os cuidados da propriedade. E ela balbuciou: Meu Deus como é lindo, isto aqui é um pequeno paraíso. Como Tiãozinho é caprichoso, ele transformou tudo aqui. Depois ela fechou os olhos e inspirou com bastante suavidade o delicioso perfume de flores do campo. Nisso Tiãozinho se aproximou e ela nem se deu conta. -Que surpresa boa ver você aqui! -UIII, que susto! Diz Ana virando-se rapidamente. -Pois é, já que a montanha não vai a Maomé, Maomé, vai a montanha. Faz trinta dias que você manda a Laurinda e Laurintia todos os dias saber como eu estou, eu fico muito agradecida por isso é claro mas, você mesmo não foi nem uma vez, por isso eu vim aqui, fiz mal? -Não! Claro que não! Estou multo feliz em ver que você já está bem melhor de saúde e aparentemente também, porque, pelo jeito que estava quando fui te buscar, acho que está se recuperando bem depressa. E eu só tenho que ficar feliz com isso. -Obrigada Tiãozinho, eu sei que você está falando isso de 124

coração, te conheço o suficiente pra saber o quanto você é bom e sincero. E só o fato de você ter atendido o pedido da minha mãe prontamente para me buscar já é uma grande prova disso. E como até agora não tive oportunidade para agradecer, eu vim aqui para isso. E também para olhar bem pra você e conhecer o novo Tiãozinho, quer dizer; novo por fora só porque por dentro é aquele mesmo coração generoso. E... devo dizer que você está multo elegante.(...ele estava trajando calça jeans de ótima qualidade, camisa de mangas compridas dobradas no punho, um chapéu tipo cowboy já um pouquinho surrado, cinturão com fivela e um belo par de batinas...) Nisso chegou Laurinda muito bem arrumada também, mas com simplicidade, um tanto enciumada mas sempre procurava não dar demonstração disso. E sorridente falou: -Com licença, bom dia Ana, como vai você? -Bem Laurinda! Muito bem graças a Deus! E estou cada dia melhor, e até aproveitei hoje para vir agradecer o Tiãozinho pessoalmente. -Ah... que ótimo! Então chegou em uma boa hora, eu acabei de passar um café e dona Generosa acabou de tirar do forno um bolão de fubá do jeitinho que vocês gostam, vamos entrar antes que esfrie tudo! -Bem Laurinda, o seu convite veio em boa hora, eu não só estou com muita saudade como jamais dispensaria o seu café e o bolão de dona Generosa. E..., você também mudou bastante Laurinda! Está multo mais bonita. Tiãozinho então passou o braço sobre o pescoço de Laurinda puxando-a para si, deu-lhe um beijo carinhoso na cabeça e falou: -Laurinda agora é minha secretária, cuida de toda a parte financeira, ajuda minha avó em tudo inclusive fazendo-lhe companhia quando não estou e é como sempre a minha fiel escudeira. E agora vamos tomar o seu delicioso café com bolão. E ao entrarem, Tiãozinho o fez abraçado com Laurinda que por se contentar com pouco, ficou toda feliz. E Ana toda enciumada. Laurinda sempre foi apaixonada por Tiãozinho, desde 125

menina, e todo mundo sabia disso, mas se contentava apenas em ficar perto dele, e ter sua amizade porque apesar de tudo, Ana continuava impregnada em seu coração. E ele continuava sendo o "Tiãozinho da Ana". Ana entrou e foi recebida com muita alegria por dona Generosa que apesar de tudo, a queria muito bem, principalmente porque Ana sempre freqüentou sua casa e sempre foi muito companheira do Tiãozinho. Ao vê-la, dona Generosa toda sorridente abriu os braços e falou: -Que maravilha! Que surpresa boa! Acho que hoje eu posso te abraçar bem apertada não posso? -Claro, dona Generosa! Eu ainda sinto um pouco de dor mas... apertar um pouquinho não tem problema. E eu estou mesmo precisando que alguém me de um abraço apertado e sincero, isso está me fazendo falta, "ao pronunciar estas palavras ela olhou para Tiãozinho". E ai ela e dona Generosa deram uma risadona e se abraçaram, se chacoalharam e enquanto elas riam lágrimas rolaram na face de Ana, que estava feliz demais. Laurinda e Tiãozinho não gargalharam mas, deram um sorriso amarelo. Após o café Ana comentou com Tiãozinho que gostaria de dar uma voltinha para conhecer a propriedade pela qual estava encantada. E ele então prontamente respondeu: -Claro! Com o maior prazer! É claro que não vou poder te mostrar a propriedade toda porque é um pouco grande pra você percorrer a pé, e pelo que sei você não está em condição de andar a cavalo estou certo? -Sim! Absolutamente certo. Mas por enquanto eu gostaria de conhecer aqui em volta da casa porque já vi que é muito lindo e tem muitas flores, frutos e pássaros, está bem? -Sim! Está bem! Vamos lá então. Os dois saíram caminhando lentamente e ele só a acompanhava deixando-a bem a vontade para ver e tocar em tudo que quisesse ou pudesse, e ela ficou admirada com a grande variedade de frutas e de animais domésticos tudo muito bem cuidados e separados. E ela perguntou: -Quem é que cuida de tudo isso com tanto carinho? 126

-Minha avó, Laurinda e o pai dela e o irmão. Principalmente minha avó porque isto sempre foi um sonho dela, e ela não comentava a respeito porque com a vida pobre que sempre levou, não acreditava que isto pudesse acontecer. E você mesma é prova que ninguém nunca acreditou em mim não é verdade? Ana ficou em silêncio. Depois de andarem pra lá e pra cá admirando tudo, ela quis se aproximar de uma arvore bastante frondosa que estava toda florida, mas para chegar até ela, o caminho era um pouco íngreme e Tiãozinho precisou ajudá-la, e fez aquele trejeito segurando em sua mão demonstrando carinho e preocupação com sua segurança. Ao chegar em cima ela olhou tudo em volta e comentou: Como isto aqui é lindo, é um pequeno paraíso! ... É Tiãozinho! Você venceu! Realmente você venceu e chegou onde você queria e merecidamente. Depois olhando para ele bem de pertinho falou: -Se a minha vida fosse um filme Tiãozinho, eu voltava a fita, cortava ela bem naquele dia em que conheci... aquele.., príncipe das trevas, queimava esta fita e recomeçava dali. Mas Infelizmente não há como. O que está feito, está feito. Sei que errei, errei feio, mas, paguei caro, muito caro pelo meu erro que quase me custou até a vida. E ainda não sei até quando vou continuar pagando. -Não se preocupe Ana, o importante é que você esta de volta para este povo que te ama multo, para seus pais, está recuperando sua saúde, minha casa está de portas abertas pra você e minha avó te ama muito e você já teve prova disso. -Sim! Eu sei de tudo isso! Mas... -E você meu anjo protetor, eu gostei muito da música que você me mandou. -Mas eu não mandei música nenhuma pra você! -Não precisava mesmo dizer que era pra mim, todo mundo entendeu a mensagem. E eu sei que se dependesse de você, não haveria tristeza em minha vida, pois você sempre foi e seria o meu anjo protetor. ... Mas você disse que sua casa estará sempre de portas abertas pra mim e eu fico muito feliz e agradecida por Isso, mas, 127

e o seu coração, está de portas abertas também? -Sim Ana Meu coração sempre esteve e sempre estará de portas abertas pra você! -Pois então prove! Ana fechou os olhos e foi aproximando os lábios para que ele a beijasse. E eles chegaram a encostar os lábios mas ele afastou-se sem beijá-la dizendo: Me desculpe Ana, mas, não podemos, você agora e uma mulher viúva e eu quero respeitar sua viuvez. -Não Tiãozinho, eu não me considero nem mesmo casada quanto mais viúva, eu só vou me considerar viúva se um dia você morrer primeiro do que eu. Porque apesar de tudo que houve eu não deixei de pensar em você um só dia, e assim vai ser enquanto eu viver. ... E se você acabou de dizer que seu coração está aberto para mim, porque não quer me beijar? Porque disse que não podemos? Ou você está apaixonado por outra? -Não Ana, eu não estou apaixonado por ninguém. E se eu dissesse que meu coração continua aberto pra você, é porque continua! Mas não dessa forma. Você foi minha primeira namorada, minha primeira e única paixão. Minha grande amiga e companheira e isso não pode mudar. Mas, este espaço que você ocupava no meu coração e que era exclusivamente seu está ainda muito machucado, dolorido, traumatizado e com certeza todas as vezes que você tentar entrar ele vai fechar e talvez ele até abra para outra pessoa, o que antes era impossível. -Não tem problema Tiãozinho, não posso condená-lo por isso, sei que sou a única culpada, sei também que seu coração é bom, é generosa, mas, também não é de ferro. Vou ficar sempre por perto como uma boa amiga, companheira e fiel escudeira quem sabe o dia que esta ferida cicatrizar, este espaço do seu coração abra novamente para mim, e eu não vou pensar duas vezes para entrar e nunca mais sair. E assim os dias foram passando, Ana foi se recuperando totalmente, dia sim, dia não ela estava na casa do Tiãozinho sempre torcendo para que a ferida cicatrizasse e o coração de dele se abrisse novamente para ela. 128

Tiãozinho mudou um pouco seus projetos e em vez de construir a casa no alto da colina como sempre planejou, preferiu construir na entrada de sua fazenda, que era muito bonita, um arco bem grande, e nele pendurado um grande coração de madeira envernizada e dentro dele escreveu: ''Tiãozinho e..." E estas reticências criou na cidade um grande comentário, polêmica e discussão. Muitos apostavam que o nome de Ana ia substituir esses pontinhos, outros achavam que ela não merecia por que traiu, trocou-o por outro e o fez sofrer muito. -Ana não merece o Tiãozinho, pois enquanto ele estava lutando para progredir e dar a ela uma vida digna, ela o abandonou. -É, mas ela já pagou por Isso e pagou muito caro. -Bem, eu acho que o importante é que ela voltou porque quebrou a cara. -Isso eu também concordo! Quebrou literalmente e só está querendo voltar pra ele porque ele ficou rico. -Credo gente, como vocês são maldosos, todos nós sabemos que ela o ama desde que eram crianças e nunca deixou de amá-lo. E ela só o trocou por outro por causa da pressão dos pais. E tenho certeza que o nome dela vai substituir aquelas reticências... -Querem apostar? Pois ele sempre foi e sempre será o Tiãozinho da Ana, e ela nunca deixara de ser a Ana do Tiãozinho. ...E assim o tempo foi passando, a polêmica continuava, Ana sempre por perto do Tiãozinho e freqüentando sua casa cada vez mais. E lá no portão de entrada continuava criando polêmica e a expectativa o grande coração de madeira escrito “Tiãozinho e..." Até que um dia, dona Generosa chamou o neto e disse: -Meu filho, você só me deu alegria e felicidade e tudo que quero na vida é te ver feliz. E como eu já não sou muito nova e não sei até quando Deus vai me dar vida, eu gostaria antes de partir desta vida, ver você casado e se possível ver a carinha dos meus bisnetos. Acho que já está na hora de você tomar uma decisão na vida, casar-se e ter uma esposa pra cuidar de você e 129

te dar filhos. -Éh vovó, acho que a senhora tem toda razão! Não posso passar minha vida toda enrolado. E além do mais eu também venho pensando nisso à vários dias. -E o que é que falta pra você tomar esta decisão? Você tem a Ana por quem você sempre foi apaixonado! E está ai a disposição novamente. E tem a Laurinda que sempre foi uma fiel companheira, Amiga, nunca arranjou um namorado porque sempre foi apaixonada por você. Basta estalar os dedos para qualquer uma das duas hoje, que amanhã estará casado. -E a senhora tem alguma preferência por uma delas vovó? -Não meu filho' Claro que não! Pra mim as duas são como filhas. Sempre freqüentaram nossa casa mesmo quando nossa casinha era bem humilde. E não compete a mim dar palpite e nem interferir. O que estiver bom pra você, está ótimo pra mim, e o coração é seu e tudo que quero é sua felicidade. Está certo vovó! A senhora está certíssima! Vou resolver este assunto hoje mesmo, ou seja, hoje mesmo eu fico noivo e até à tarde tudo estará resolvido. Tiãozinho passou o dia todo por ali em volta da fazenda mexendo com uma coisa e outra e Ana nesse dia não apareceu. Quando foi à tarde ele tomou seu banho, se arrumou bem deu um beijo na avó e falou: -Quero que a senhora me faça um grande favor! -Chame amanhã bem cedo a Laurinda e a Laurintia para ajudar a preparar um grande almoço de noivado está bem? Vou oficializar o meu noivado e marcar o casamento para daqui à sessenta dias. -Sim meu filho! Está bem! É para quantas pessoas? -Umas dez, vinte pessoas! Quer dizer que você decidiu mesmo? E vai mesmo ficar noivo? -Sim vovó! Já tomei a decisão! -E onde você vai agora tão chique assim? -Vou falar com Ana vovó. Ana? Você disse... Ana? -Sim a senhora ouviu bem, eu disse Ana! Depois pegou seu carro e foi para o centro da cidade 130

encontrar-se com Ana com quem conversou demoradamente. Quando foi no dia seguinte logo cedo dona generosa, Laurinda, Laurintia e mais algumas pessoas trabalhavam nos preparativos do grande almoço que por volta das onze e trinta deveria estar na mesa e dona Generosa comentava: -Vamos caprichar o máximo possível porque Ana eu sei que não tem luxo, mas, os pais dela são muito enjoados. Quando foi por volta das onze horas, que o almoço já estava pronto só faltando colocar na mesa, dona generosa comentou: -Gente, vamos arrumar depressa porque é já que a noiva e os convidados estão chegando e nós precisamos nos arrumar também esta certo? Nisso Laurinda tirou o avental e falou com dona generosa: -Bem dona Generosa creio que já ajudei bastante não é? Agora vou deixar por conta de vocês e vou pra casa! -Está bem minha filha, você ajudou muito! Se você não quiser participar do almoço eu vou entender. Laurinda retirou-se e dona Generosa com os outros colocaram o almoço na mesa e foram se arrumarem. Depois que o almoço já estava sobre a mesa Tiãozinho foi até o quarto, apanhou de dentro do guarda roupas a caixinha de musica que havia excluído da venda dos objetos vendidos ao marchand Jean Pierre, antes porem de colocá-la sobre a mesa resolveu testá-la para ver se estava em perfeita condição de funcionamento e aproveitou para ouvir antes de dar para sua futura esposa como presente de noivado a música que traduzida para o português seria mais ou menos assim: "Você é a luz da minha vida". Tiãozinho ouviu emocionado a música até o fim, ou seja, até terminar a corda. Depois colocou-a sobre a mesa perto da dedeira onde a noiva deveria sentar-se. Quando deu onze e trinta minutos dona Generosa já estava pronta, Laurintia o irmão, os pais e outros convidados já estavam ali. E dona Generosa nervosa olhava pela janela e dizia: 131

-Meu Deus, o almoço está na mesa esfriando, os convidados estão todos aqui e a noiva com a família não aparecem. Será que aconteceu alguma coisa? -Não vovó, não aconteceu nada! As noivas gostam mesmo de fazer surpresa. Portanto, vamos ficar todos aqui perto da mesa que com certeza ela já esta chegando. Nisso, quando todos os convidados já estavam próximos da mesa Laurinda apareceu na porta e dona Generosa muito feliz comentou: Que bom que você voltou para almoçar com a gente! Minha filha, e como você está linda com este vestido. Acho que você vai estar mais linda do que a noiva. Laurinda deu um sorriso e ficou parada ali mesma. Tiãozinho então foi até ela, abraçou-a e sorrindo falou: Não vovó a senhora está enganada! Ela não vai estar mais linda do que a noiva... porque ela é a noiva. -Noiva??? Todos ficaram surpresos inclusive os pais dela. -Mas.. Laurinda é a noiva? Desde quando? E como ela não falou nada? -Ô meu filho, você não foi ontem a noite falar com a Ana? -Sim vovó! Fui! Ontem depois que a senhora e eu conversamos, eu disse que ia tomar uma decisão ontem mesmo e... -Então meu filho, você disse que ia tomar uma decisão ontem mesmo, saiu para conversar com a Ana e voltou dizendo que já havia acertado tudo e que ia oficializar o noivado hoje, e agora você diz que está noivo da Laurinda! É claro que estamos surpresos e felizes mas, não estou entendendo nada. -Bem vovó, ontem depois que nós conversamos eu decidi fazer o que deveria ter feito a muito tempo, mas, como a senhora mesma costuma dizer: -Tudo tem seu tempo e sua hora. Então procurei por Laurinda conversei bastante com ela e a pedi em casamento, e como ela aceitou, eu pedi que não comentasse com ninguém e acertamos todos os detalhes. E depois fui procurar a Ana e comunicar a ela sobre a decisão que tomei apesar de não dever a ela nenhuma satisfação. E agora só falta os pais dela estarem de 132

acordo, a senhora abençoar nossa união, e eu então declaro oficializado nosso noivado e casaremos daqui a sessenta dias. E então, estão de acordo? Então os pais de Laurinda, começaram a chorar e: -Claro minha filha, estamos muito surpresos mas, claro que estamos de acordo e estamos muito feliz por você. E dona Generosa também chorando abraçou Laurinda apertou-a dizendo: -Ô minha filha, que surpresa boa, claro que eu abençôo a união de vocês e tenho certeza que Deus já abençoou e vocês vão ser muito felizes. Depois que todos manifestaram sua surpresa alegria e se mostraram estarem todos de pleno acordo, Tiãozinho apanhou a caixinha de música, deu cordas e a musica começou a tocar, entregou nas mãos de Laurinda dizendo: -Este é o meu presente de noivado pra você. E ela ouvindo a música e sorrindo e com os olhos cheios de lágrimas não conseguiu ler na caixinha o titulo da musica que estava em inglês. E ela pediu: -Você pode traduzir para mim, Tiãozinho? -Sim, posso "Você é a luz da minha vida". E daí todos explodindo de felicidade e com os olhos lacrimejantes aplaudiram, abraçaram os dois com votos de muita felicidade. No dia seguinte o comentário era geral, uma verdadeira bomba com estilhaços para todo lado. -Tiãozinho da Ana, ficou noivo de Laurinda? -Noivo de Laurinda? Tiãozinho da Ana? Tem certeza? Deve ser alguma brincadeira! Não, não é brincadeira não! Teve até um almoço muito especial para a oficialização do noivado com direito a presente e tudo. E o casamento vai ser daqui a sessenta dias. -Coitada da Ana, como será que está se sentindo heim? Será que ela já está sabendo? -Sim! Claro! Ela foi à primeira pessoa a saber. Pelo que estou sabendo Tiãozinho a procurou, conversou bastante com ela e comunicou que ficaria noivo de Laurinda e se casaria em sessenta dias. 133

Quem diria heim? Tiãozinho da Ana se casando com Laurinda. -É verdade! Todo mundo sabe que Laurinda sempre foi apaixonada por ele, e olha, que ela é uma menina linda e muito boa pessoa, e não faltava rapaz querendo namorar com ela, mas, ela nunca quis saber de ninguém. E sabendo da paixão do Tiãozinho pela Ana, ninguém acreditava que ela tivesse alguma chance. -É verdade! E... não comparando mal, Laurinda me faz lembrar aquele, cavalo azarão que vai sempre correndo por fora sem nenhuma chance de vencer e ninguém aposta nele, até que uma hora o favorito cai e quebra a perna e ele passa na frente derrubando todos os apostadores. -É, você comparou bem! O azarão venceu! E quem apostou no favorito perdeu. -Bem, a gente sabe também que. Ana fez o Tiãozinho sofrer muito o coitado só não morreu porque é muito forte e não se entregou, não fez nenhuma besteira, e até deu a volta por cima. E a Laurinda ficou o tempo todo ali junto dele dando o maior apoio em tudo e nunca pediu nada em troca. Portanto, não só acho que ela esta tendo a chance que merece mas também vai ser uma ótima esposa e grande companheira para ele. ...Enfim, cada um fazia o seu comentário, uns a favor de Ana outros a favor de Laurinda, mas de uma coisa todos tinham certeza: Primeiro: Tiãozinho não fez por vingança, ele não era vingativo! Segundo: Tiãozinho ia se entregar de corpo e alma para Laurinda, ia fazê-la muito feliz mas, seu coração ia continuar pertencendo a Ana, seu primeiro e único amor. Os sessenta dias que antecediam o casamento passavam rápido Laurinda quando passava pela rua era cumprimentada por todos, parabenizada e só andava sorrindo transbordando de felicidade. Ana ao contrario estava triste, mas, não decepcionada porque segundo ela mesma: Fez por merecer e ainda comentava: Dizem que chumbo trocado não dói, mas é mentira, porque está doendo muito. E...é claro que estou sentindo muito perde-lo mas mesmo assim devo ficar feliz porque para quem esteve praticamente 134

morta, eu estou de volta para os meus pais, meus amigos, estou recuperando minha saúde e na verdade, não estou totalmente perdendo o TIãozinho porque antes de ficar noivo ele sentou-se do meu lado e conversou comigo dizendo que continuaremos amigos e companheiros como sempre fomos. E eu resumi da seguinte forma: Como eu e Laurinda desde meninas sempre corremos lado a lado do Tiãozinho: Eu sempre como a favorita e ela como a azarona, eu vacilei e ela passou na frente. Portanto ela assumiu o meu lugar e eu assumi o lugar dela, ou seja: Vou me contentar com a amizade dele e ficar correndo por fora e desejar toda felicidade do mundo para os dois, assim como eu sei e tenho certeza que mesmo sofrendo, era o jeito que Laurinda pensava. Finalmente o dia do casamento chegou, era domingo, e como ninguém trabalhava todos podiam assistir ao casamento. Laurinda estava radiante, linda, serena transbordando de felicidade, vestida com muita simplicidade mas com muito bom gosto. E ela fez questão que seu vestido não fosse muito longo, porque queria descer do carro a pelo menos duzentos metros antes da igreja e caminhar por entre a multidão que os aplaudiam, felicitavam parabenizavam e se emocionavam. Tiãozinho também estava elegantíssimo, pois entre as coisas que ele procurou e se empenhou em aprender foi vestir-se adequadamente em cada ocasião. A cerimônia foi um pouco longa mas não cansativa, houve momentos de reflexão, emoção, risos e enfim: "...Eu os declaro marido e mulher" Na saída da igreja houve uma grande aglomeração e tumulto porque já na porta para surpresa de Tiãozinho estavam esperando para abraçá-Io o marchand Jean Pierre, Zuleika (zú), Mãe Zena, dona Anestezina e o senhor João Duncão, entre outros. Dona Anestezina abraçou Laurinda apertou-a e disse: -Você venceu com paciência honestidade e dignidade e vai ser muito feliz. E depois abraçou Tiãozinho dizendo: 135

-Eu te desejo de coração Tiãozinho, toda felicidade do mundo porque você merece, e espero que você me perdoe por todo mal que fiz a você e a minha filha. -Não dona Anestezina! Eu não tenho nada que perdoar, Deus escreve certo por linhas tortas e nada acontece sem que ele queira, e tenho certeza que Ana também ainda vai ser muito feliz, ela é uma pessoa boa e Deus vê isso. Quanto a senhora, nunca é tarde para mudar e tenho certeza que já esta mudando. Depois dos cumprimentos na porta da igreja, os noivos saíram caminhando lentamente acenando e jogando beijos para todos, até chegarem onde o carro os aguardava para conduzi-los até a casa do Tiãozinho onde seria servido um almoço para os parentes, padrinhos e convidados. Antes de entrar no carro Tiãozinho olhou disfarçadamente para casa de Ana e percebeu que ela os observava através de uma pequena abertura na cortina. E em seu quarto enquanto curtia a sua grande dor Ana pensava: "...Meu Deus, esta festa era para ser minha!..Como fui ingênua em trocar o grande amor do Tiãozinho por aquele príncipe das trevas..." Quando minha mãe mandou usar a inteligência e escolher entre o príncipe e o plebeu, acho que não fui inteligente o suficiente para saber que o Tiãozinho era o meu único e verdadeiro príncipe. No entanto, enquanto Laurinda está desfrutando ao lado dele desta grande festa que era para ser minha, eu quase tive foi um funeral. A partir desta data todos já sabiam que o Tiãozinho da Ana era agora Tiãozinho da Laurinda. E sabiam também que no portal de entrada da fazenda havia um grande coração onde estava escrito Tiãozinho e... Que passaria ser agora Tiãozinho e Laurinda! Mas Laurinda não aceitou dizendo: -Não Tiãozinho, por favor eu gostaria que você deixasse lá só o seu nome. Mas apague os pontinhos. -Mas porque não colocar lá o seu nome? -Porque o que eu quero é estar ao seu lado, e ser feliz o 136

resto não faz diferença e eu estou feliz demais pra me preocupar com esses detalhes. Laurinda sabia que aquele coração de madeira havia sido idealizado por Tiãozinho para colocar o nome de Ana e não o dela. E mesmo que escrevesse “Laurinda” naquele coração de madeira, no coração dele estava escrito Ana, sempre seria Ana. E ela não estava preocupada com isso, pois estava feliz demais e sabia que Tiãozinho era fiel, honesto, bom, carinhoso, ótimo marido e tinha um grande coração, o suficiente para que ela tivesse o seu espaço garantido mesmo sabendo que Ana nunca ia deixar de ocupar a outra parte. Durante uns trinta dias após o casamento Ana quase não saia na rua porque queria evitar em ouvir os comentários. Mas aos poucos ela foi se conformando, se soltando e acabou se encontrando com Laurinda e dona Generosa, a quem ela abraçou, apertou e beijo carinhosamente como sempre fez e demonstrando muita alegria em vê-las. -Como vai Ana, você sumiu lá de casa e eu já estava com muita saudade. -Não Dona Generosa! Nem pense que vou me afastar da sua casa! Não tenho motivos para isso, eu só estou dando um tempinho para a poeira assentar. E a senhora sabe muito bem que eu fui praticamente criada dentro da sua casa, comendo seus bolões de fubá não é verdade? Portanto a senhora para mim não foi só uma grande amiga, mas, uma outra mãe, aquela mãe confidente com quem a filha revela seus segredinhos. Ao dizer isso as duas deram risadas se abraçaram novamente. Depois Ana virou-se para Laurinda a abraçando-a. -E você Laurinda , como está? E como vai a vida de casada? -Vai bem Ana!. Muito bem graças a Deus! -E o Tiãozinho como é que ele está? Trabalhando como sempre? -É, você disse bem! Como sempre ele está trabalhando! Mas é como ele sempre diz, se não trabalhar também vai fazer o que? Ficar a toa vendo o tempo passar? E além do mais ele está fazendo o que gosta não é verdade? -É, verdade Laurinda! Tiãozinho sempre foi muito traba137

lhador e responsável, nós sabemos disso, afinal, fomos criados todos juntos não é verdade? E ele não poderia ter escolhido ninguém melhor que você para ser a esposa e companheira dele. Afinal você sempre foi muito honesta, trabalhadora e esteve do lado dele nos momentos que ele mais precisou. Por isso tenho certeza que vocês vão ser muito felizes juntos. Ele merece ser feliz, muito feliz e você também. -É Ana, nós nos conhecemos desde criança, fomos colegas de escola, eu fui a primeira menina a manifestar paixão pelo Tiãozinho e você sabe muito bem disso, só que embora tenha me tratado com muito carinho e respeito, e nunca desprezou meu amor, ele sempre foi apaixonado por você, e isto não é segredo pra ninguém. E eu poderia viver toda minha vida me contentando só com a amizade e que ele sempre demonstrou por mim. -Eu sei disso Laurinda! Você sempre foi a fiel escudeira dele e ele sempre te quis bem, e é claro eu sempre tive um pouco de ciúmes mas, você sempre foi uma menina muito direita e Tiãozinho um bom caráter e respeitador, eu sabia que vocês se respeitavam e isto me dava segurança, mas as posições se inverteram e como Deus escreve certo por linhas tortas... tinha que ser assim e tudo que temos que fazer é aceitar. -Bem Ana, eu sei que suas palavras e suas felicitações são de coração e eu só tenho que agradecer e desejar que você também seja muito feliz. E assim o tempo foi passando, Ana não deixou de freqüentar a casa de dona Generosa que a queria muito bem, não perdeu a amizade de Laurinda, não deixou de estar sempre por perto de Tiãozinho como uma grande amiga e fiel escudeira, assim como a Laurinda sempre foi, e Laurinda embora tivesse um pouco de ciúmes não se preocupava porque conhecia o caráter de Ana e Tiãozinho e sabia que eles se respeitavam. Embora fossem ainda apaixonados um pelo outro. Dez meses depois de casados e para felicidade de Dona Generosa, Tiãozinho e Laurinda mostraram que não perderam tempo e ela deu a luz de gêmeos, duas meninas que receberam os nomes de Cristiane e Cristiene, e o que não faltava era pessoas para paparicá-las o dia todo: A bisavó coruja Dona Generosa, Ana que ia todos os dias 138

dar banhos e trocar as fraldinhas, dar mamadeiras. Pois Ana era a tia perfeita, paciente, carinhosa e sentia prazer em estar ali cuidando das meninas e da própria Laurinda. Mãe Zena também sempre que precisava estava presente preparando os chazinhos de hortelã, erva cidreira, erva doce. Se dependesse da Mãe Zena com certeza as meninas nunca teriam aqueles probleminhas de dor de barriga, ouvido, quebrante, mal olhado, bucho virado ou outras coisas assim. Na véspera do batizado Tiãozinho viajou, pois havia feito uma promessa e foi cumprir, viajou horas sem parar para buscar o seu grande amigo e ex-sócio, ex-patrão, senhor Kibuta para ser padrinho de uma das meninas. Quando o senhor Kibuta chegou não conteve a emoção de estar ali onde viveu por tantos anos e ver que tudo estava mudado para melhor e chorou de felicidade. E com isso ele fez questão de passar uma semana ali curtindo a afilhada, o compadre Tiãozinho e a comadre Laurinda. Rever os amigos e passear pela fazenda, coisa que ele nunca fazia antes quando morava ali. O senhor Kibuta estava feliz demais admirando cada canto da propriedade, cada detalhe e teve a impressão que os pássaros cantavam com mais alegria, com mais entusiasmo, os animais domésticos pareciam ter uma expressão de alegria completamente diferente daquelas vaquinhas magras e aqueles burrinhos crinudos magros e feios com os quais ele fez sociedade com Tiãozinho. E claro que Tiãozinho também não desfez destes animais, ele fez questão de preservá-los e mantê-los ali no sitio porem, dando-lhes o mesmo carinho e a mesma qualidade de tratamento que dava aos outros animais de qualidade muito superior. E foi vendo isso tudo, que o senhor Kibuta chorou de felicidade e reafirmou pra si mesmo a certeza de ter feito a coisa certa ao passar a propriedade que lhe era tão cara, ao Tiãozinho (agora compadre Tiãozinho). E assim o tempo foi passando e o sítio de Tiãozinho era um ninho de felicidade. Laurinda nunca foi tão feliz em sua vida, Dona Generosa o tempo todo curtindo as bisnetinhas, Ana que agora era a fiel escudeira também se sentia muito feliz mesmo sendo ela agora o azarão correndo por fora, pois ela que um dia foi a favorita e jogou tudo pro alto e quase perdeu a vida, estava 139

contente e muito feliz com sua posição. Dois anos depois do nascimento das gêmeas Cristiane e Cristiene Laurinda deu a luz a um menino que recebeu o nome de Crisóstomo e com isso Tiãozinho e Laurinda se sentiam realizados, duas lindas meninas e um lindo garoto. Vinte e três anos se passaram e só então as gêmeas que vinham se dedicando inteiramente aos estudos resolveram namorar sério. E por coincidência com dois irmãos, gêmeos que estudaram com elas na mesma escola. Como os dois irmãos também de família muito boa e primavam muito pela moral e bom costume, não demorou para ficarem noivos e marcarem o casamento que por coincidência seria exatamente no dia em que Laurinda e Tiãozinho completaram vinte e cinco anos de casados. E daí tiveram a idéia do casal comemorar as bodas de prata em grande estilo com a mãe vestida de noiva entrando na igreja junto com as duas filhas e o pai com os genros e assim fariam uma só festa e comemoravam tudo de uma só vez. Depois de tudo combinado e acertado, Tiãozinho como pai das noivas tinha que dar a festa mas, como ele estava comemorando sua bodas de prata e o casamento das duas filhas ao mesmo tempo, tinha que ser muito mais que uma simples festa. E foi aí que entrou o pai dos noivos que também estava muito feliz com o casamento dos filhos e propôs ao Tiãozinho: -Que tal a gente dividir as despesas e fazer uma festa inesquecível pra todo mundo? -Sim! A idéia é ótima! Mas, o que o senhor tem em mente? -Bem, você tem um barracão onde guarda as maquinas e os tratores e fazemos nele uma grande churrascada, com arroz, maionese e bebidas pra todo mundo que chegar, e eu só estou te propondo isso, porque o meu irmão deu um boi para cada um dos noivos, minha irmã também deu dois exclusivamente para isso e o padrinho deles se prontificou em nos dar quanto for necessário de arroz, verduras e legumes. E portanto eu e você só vamos entrar com as bebidas. Quer dizer que eu vou fazer uma festa para comemorar o casamento das minhas duas filhas e mais a minha bodas de prata e vou entrar só com as bebidas? 140

Que ótimo! Então eu vou convidar somente as pessoas que não bebem!... E com isso os dois consogros deram uma boa gargalhada e apertaram as mãos, e tudo ficou acertado. Finalmente chegou o grande dia, o acontecimento do Ano em Nossa Senhora da Inteligência, o povo estava em peso na cidade aguardando a chegada dos noivos. Na hora de se vestirem, Cristiane e Cristiene estavam super nervosas mas, a tia Ana que ajudou a cuidar delas desde o nascimento estava ali para ajudá-las e acalmá-las. Depois das meninas prontas, Ana viu que Laurinda também estava toda enrolada com os botões do vestido, a grinalda, a maquiagem. E então Ana começou a brincar: -Ô noiva enrolada, nunca vi nada igual, até parece que é a primeira vez que vai se casar e é a primeira vez que vai chegar perto do noivo. Enfim..., num instante Ana ajeitou o vestido, os cabelos, e a grinalda de Laurinda. Depois de prontas então Laurinda virou-se para Ana e perguntou: -Como é que eu estou? -Linda Laurinda! Você está linda...! Tão linda quanto no dia do seu casamento vinte e cinco anos atrás. Laurinda deu um abraço em Ana e: -Obrigada Ana, muito obrigada pela sua amizade sincera, por me ajudar e cuidar os meus filhos e por me deixar ser feliz. -Não Laurinda, você não tem nada do que me agradecer! Eu estou fazendo o mesmo que você faria por mim. Quando eu estava namorando com o Tiãozinho você estava sempre por perto ajudando a ele e ajudando a mim. Muitas vezes você levava recados dele para mim ou viceversa e nunca interviu no nosso namoro e sempre se respeitaram. Quando estávamos na escola, nós três éramos amigos, e com o tempo você manifestou sua paixão por ele e com isso despertou o ciúme em mim que acabei descobrindo que também era apaixonada por ele, no entanto, você não brigou, não perdeu a amizade comigo e nem com ele, nunca fez nada para nos 141

atrapalhar ou para no separar, abriu mão da sua felicidade para que eu fosse feliz, só que joguei minha chance fora e você soube aproveitar a sua sem forçar a barra. Portanto você merece ser feliz e eu compartilho da sua felicidade. E é por isso que eu digo que você não tem nada que me agradecer. E quem tem o que agradecer sou eu, por você continuar aceitando a minha amizade, permitindo que eu ajude a cuidar dos seus filhos, uma coisa que faço de coração porque amo-os como se fossem meus próprios filhos. Quanto ao Tiãozinho você sabe tão bem quanto eu que ele é honesto, bom caráter e te ama muito, e eu não meço esforço para ajudar vocês porque quando eu mais precisei, Tiãozinho não pensou duas vezes e foi de coração aberto me ajudar atendendo prontamente ao pedido dos meus pais, que tanto o magoaram. Eu sei Ana! Nós nos conhecemos o suficiente para eu saber que suas palavras são tão sinceras assim como sua amizade. E agora vamos porque senão os noivos desistem e depois onde é que a gente vai arranjar outro heim? As duas deram risadas e foram-se! A cerimônia foi linda, emocionante, e na saída da igreja ia na frente caminhando entre a multidão Tiãozinho e Laurinda acompanhados pelas filhas Cristiane e Cristiene e com os respectivos maridos. E logo atrás os padrinhos e parentes mais próximos, e mais atrás a multidão que os acompanhavam até a casa do Tiãozinho para os comes e bebes que não tinha hora para acabar. Foi uma festa inesquecível e não tinha quem não fizesse um comentário: -As noivas estavam lindas! -Laurinda nem parecia ser a mãe das noivas, pois elas mais pareciam irmãs! -O Tiãozinho então estava radiante parecia um menino. Enfim uma festa para não ser esquecida jamais. Dez meses depois Cristiane ganhou neném, um lindo garoto, e vinte dias depois Cristiene ganhou uma menina, Tiãozinho e Laurinda estavam felizes, orgulhosos e brincalhões sentindo aquela sensação de ser vovô e vovó tão cedo que até mesmo Ana se divertia ao chamar Tiãozinho de vovô. Certo dia 142

Ana observou que de vez em quando enquanto conversavam Laurinda interrompia a conversa e colocava as duas mãos na cabeça. Apertava e queixava-se de tontura e dor. E Ana então indagou: -Desde quando está sentindo esta tontura? -Á bastante tempo Ana, mas sempre muito fraquinha. Só que ultimamente está dando com mais freqüência. -E o Tiãozinho já está sabendo disso? Você já falou com ele sobre isso? -Não Ana! Não falei nada! Porque isso não é nada! -Não Laurinda, você não pode ficar assim de jeito nenhum nós vamos falar com ele agora mesmo e vamos procurar um médico e fazer alguns exames pra saber o que você tem. -Não Ana, não fale nada para ele, eu já estou tomando alguns remédios por minha conta e tenho certeza que vai melhorar. -Está bem Laurinda! Quem tem que falar com ele é você, mas, se você não melhorar em uma semana e não falar com ele eu mesma vou falar e vamos te levar ao médico nem que seja na marra, está bem? -Está bem Ana! E... obrigada por se preocupar comigo. Uma semana se passou, e Ana cobrou Laurinda: E então você, melhorou? -Ô...! Claro que sim! Eu não disse a você que não era nada! E que o chá ia dar resultado? -Ufa! Ainda bem, graças a Deus! Que susto você me deu. Alguns dias depois Ana descobriu que Laurinda havia mentido porque num belo domingo, logo após o almoço em família Laurinda desmaiou e foi amparada pela família que insistiram em levá-la ao médico mas, ela não aceitou alegando que era apenas alguma coisa pesada que havia comido e que não fez muito bem. No dia seguinte Ana ficou sabendo e foi imediatamente falar com Tiãozinho. -Eu soube que Laurinda teve um desmaio ontem? -Sim Ana! É verdade! Nós queríamos levá-la ao médico, mas ela não quis. Disse que não era nada somente alguma coisa que havia comido e não lhe fez bem. -Não Tiãozinho, não é verdade! Ela me fez prometer que 143

não ia contar nada pra você mas, não tem jeito. Outro dia ela sentiu mal, me disse que não era nada, e uma semana depois eu perguntei se ela havia melhorado e ela mentiu dizendo que sim. Portanto Tiãozinho, vamos levá-la ao médico nem que seja na marra, porque ela esta com problema muito sério, e com certeza está sabendo. Então Ana e Tiãozinho se aproximaram de Laurinda: -Sinto muito Laurinda! Mas como eu soube que você teve um desmaio ontem, eu conclui que mentiu para mim, por isso rompi com nosso trato e contei tudo ao Tiãozinho e agora vamos leva-la ao médico queira você ou não. -Não Ana! Eu não preciso ir ao médico para saber o que eu tenho! Eu sinto muito ter mentido e ocultado isso de você. -Quer dizer que você está doente mesmo? A quanto tempo? -Há algum tempo já! -E você já sabe o que tem? Sim Tiãozinho! Eu sei o que tenho! -E é grave? Muito grave? -Sim é grave, muito grave!!! Digamos... irreversível. E porque não nos contou para que pudéssemos ajudá-la? -Não Ana, quando eu soube já não havia mais chance de fazer nada. E como mais nada podia ser feito; eu fiz a única coisa que podia; ficar quieta, continuar alegre e curtir cada momento de felicidade, agradecer a Deus por tudo que ele me deu: Meu marido, meus filhos meus amigos, e... Enfim, por me fazer ver que ele escreve certo por linhas tortas. Nessas alturas, Ana e Tiãozinho começaram a chorar abraçados a Laurinda, na beira da cama. E Ana comentava com profunda dor: -É Laurinda, eu faria qualquer coisa para reverter a sua situação, eu daria minha vida pra você continuar viva, pois depois de tudo que passei, e tive minha vida por um fio, eu me sinto muito feliz na minha condição de azarão e viveria o resto da minha vida assim principalmente porque quando eu era a favorita você resignou-se na sua condição de azarão com muita dignidade. -É Ana uma coisa eu tenho certeza absoluta: -Toda vida só existiu eu e você revezando no páreo, portanto: Você será o último azarão. 144

E assim os dias foram passando, e Ana quase não ia mais pra casa dos seus pais era o tempo todo cuidando da amiga, dando remédios, carinho e conforto. Era o mesmo que uma mãe cuidando da sua filha, e assim o fez até a amiga dar o seu último suspiro, deitada em seu colo segurando a sua mão. Após a partida de Laurinda, Ana voltou para a casa dos seus pais, onde quase não aparecia desde que começou a cuidar da amiga Laurinda. Mas os filhos de Laurinda a procuravam constantemente porque ela sempre foi como uma segunda mãe ou: -A titia preferida, e o próprio Tiãozinho reclamava a sua ausência dizendo: -Ana, você sumiu, lá de casa, não há razão pra isso, desde que Laurinda se foi você não voltou mais lá. Tiãozinho eu sei! Eu sempre freqüentei a sua casa pela amizade e o carinho que eu tinha por sua mãe, por Laurinda e pelas crianças. E por você! Também é claro! Mas, não fica bem eu continuar freqüentando a sua casa agora que você esta viúvo. O que as pessoas não vão pensar? -É Ana, você tem toda razão! Eu não havia pensado nisso. E assim se passou um ano após a morte Laurinda, ate que num belo domingo em que Tiãozinho fazia aniversário, as filhas fizeram um grande almoço na casa dele para comemorar e convidaram Ana, que também sempre fez parte da família. E na hora de sentarem-se a mesa, baixou um clima de tristeza pela ausência de Laurinda. Mas Cristiane procurou levantar o astral dizendo: -Gente, nada de tristeza por favor, mamãe ficou doente e escondeu de nós até o ultimo momento para evitar tristeza pois ela só queria nos ver a7legres, sorrindo e felizes. Portanto, vai continuar assim está bem? -É gente! É isso mesmo! Cristiane tem toda razão! Comentou Cristiene. Depois do almoço então num clima bastante alegre foram cortar um pequeno porém, bem enfeitado bolo que Ana havia levado para não chegar de mãos abanando, depois de mais de um ano, sem voltar ali. Ao cortarem o bolo e desejarem feliz aniversário, todos 145

abraçaram Tiãozinho e Ana não fez diferente e abraçou..e longa mente desejando a ele toda felicidade do mundo e que ele vivesse cem anos. Nisso Cristiene e Crisóstomo, emparelharam-se e Cristiane a mais faladeira (ou mais comunicativa). Falou: -Papai, eu, Cristiene e Crisóstomo estivemos conversando e tomamos a decisão de falar com o senhor um assunto muito sério, e tem que ser agora. Nisso Ana mudou de cor, ficou toda sem jeito e Tiãozinho amarelo, não conseguia soltar a voz direito gaguejou e: -Pois então fale minha filha. -Bem papai, além do senhor ter sido pra nós o melhor pai do mundo, nós sabemos que o senhor amou muito a mamãe, respeitou foi carinhoso com ela até o fim da vida, e a fez muito feliz. Mas nós sabemos que o senhor e a tia Ana, embora tenham se dado o respeito sempre foram apaixonados um pelo outro desde criança. Mamãe antes de morrer nos falou sobre isso, e nos contou toda a história nos mínimos detalhes o que não é segredo pra ninguém nesta cidade. E já que a mamãe se foi, e já faz um ano, porquê é que vocês não se casam e vão ser felizes e viver o grande amor de vocês? A tia Ana é viúva, o senhor está viúvo, novo, cheio de saúde, já carregou com muita dignidade sua cruz até o calvário que foi cuidar da mamãe e criar a gente. Portanto, vocês dois estão livres e merecem ser felizes, não foi sempre isso que a mamãe pregou? Que fossemos felizes? Então! -Bem meus filhos, se vocês pensam assim, e nos apóiam, claro que estou um tanto sem jeito e não sei nem o que dizer ou responder mas, de qualquer forma eu agradeço muito pelo apoio, pela compreensão e o carinho de vocês e além do mais Ana e eu nunca falamos a respeito disso. -Há papai deixa de bobagem, tia Ana sempre fez parte da nossa família mesmo, ajudando a gente, a mamãe, o senhor e pelo que a mamãe nos contou o senhor dividiu o seu coração em dois e uma parte sempre pertenceu a tia Ana. -Está bem minha filha! Eu e sua tia Ana vamos conversar a respeito disso e qualquer decisão que tomarmos eu comunico 146

com vocês está bem? Mais tarde Tiãozinho e Ana saíram caminhando lentamente conversando por entre as árvores e flores e quando se deram conta estavam segurando nas mãos um do outro. Então os dois pararam, encostaram no imenso tronco de uma grande árvore frondosa e florida. E segurando suas mãos e olhando em seus olhos Tiãozinho perguntou: -O que você acha da idéia de meus filhos Ana? -Nada tenho a dizer Tiãozinho! Sou sua, inteiramente sua e minha vida te pertence desde que nos conhecemos, portanto, faça de mim o que você quiser. -Está bem Ana, então vamos pensar só nas coisas boas, nos bons momentos e na felicidade que vamos ter juntos. E as coisas ruins que aconteceram nós passamos a considerar como algumas noites mal dormidas e um pesadelo do qual despertamos sem nenhum trauma ou seqüelas, está bem? Apagamos tudo então? -Sim meu amor! Apagamos para sempre E agora que você reabriu o seu coração para mim vou entrar pra nunca mais sair e vou fechar pra ninguém mais entrar. Ou seja; quem está fora não entra e quem esta dentro não sai. E então Ana passou os braços no pescoço dele, fechou os olhos e ele abraçou e beijou-a longamente. E este beijo foi a fagulha que faltava para reacender e com muito mais força uma paixão que vinha sendo contida e controlada a tanto tempo. E ali os dois permaneceram por mais um tempo trocando longos beijos e matando um desejo contido a tanto tempo. E depois Ana comentou: -Você se lembra da primeira vez que eu estive aqui com você neste mesmo lugar? Eu estava ardendo de paixão por você, quase implorando para que me abraçasse e me perdoasse e você se afastou castigando me duramente? -Não, não me lembro, não mesmo! Nós combinamos esquecer o passado lembra-se? -Sim, claro! Mas, eu não estou reclamando, só estou querendo dizer que valeu a pena esperar por tanto tempo e que o desejo que eu estava sentindo naquele momento ficou contido até hoje. Por isso eu quero tirar o atraso portanto, não me censure por estar indo com tanta sede ao pote. -Não, não a censuro! Eu também estava desejando isso. 147

Depois de saciarem-se com longos beijos ardentes, os dois saíram dali não mais de mãos dadas apenas, mas, abraçadinhos como dois adolescentes que acabara de descobrir sua primeira paixão. Depois disso, Tiãozinho comunicou aos filhos que havia aceitado a sugestão deles, havia acertado tudo com Ana e que se casariam dentro de três meses. E mais uma vez Tiãozinho da Ana e Ana do Tiãozinho voltaram a ser motivos de comentários por toda cidade. Três meses depois, todo povo de Nossa Senhora da Inteligência se mobilizavam para assistirem mais um grande espetáculo promovido, e protagonizado, por Tiãozinho da Ana cujo personagem mais uma vez era ele mesmo, só que desta vez Tiãozinho não quis festa e nem muito luxo. Tudo que ele queria era um casamento simples e rápido, embora o povo da cidade e os pais de Ana quisessem diferente. Mas Ana concordou plenamente em fazer a vontade do seu amado. No dia do casamento então Ana pediu para que o carro que a conduzia parasse direto na porta da igreja, onde ela desceu trajando um vestido quase comum, cor de rosa e uma grinalda com um pequeno véu na cabeça apenas para dar um toque de noiva. Mas apesar da simplicidade ela estava muito linda, feliz radiante. Claro que não ia haver uma grande festa de casamento para ela mas, o seu coração estava em festa e isto era o que importava. Após a cerimônia Ana e Tiãozinho foram para frente da igreja onde receberam os cumprimentos de amigos, parentes e saíram caminhando por entre a multidão que lhes atiravam pétalas de flores, arroz e gritavam, "viva os noivos", saudandoos e felicitando-os "viva os noivos" e isso foi até no final da rua na saída da cidade onde eles entraram no carro e partiram para uma longa viagem com destino a felicidade. E antes de partirem, sem que percebessem alguém escreveu com letras bem grandes na traseira do carro: Um grande amor não morre, apenas adormece. Fim 148

LINDO MUNDO IMUNDO Às vezes fico pensando e tentando entender porque é que tanta gente só pensa em enriquecer acumulando riqueza sem sequer saber pra que. Se achando tão importante e tão cheia de poder, Se nada daqui levamos e muito menos gastamos tudo antes de morrer. E morrer é o fim de todos, não tem por onde fugir, ninguém fica pra semente, ninguém fica sempre aqui. O poder e a riqueza nada podem impedir, porque a morte é igual pra todos, temos que admitir. Morre o rico, morre o pobre, o preto e o branco também. Morre o plebeu, morre o rei com todo poder que tem. E quando ambos viram pó ninguém sabe quem é quem. Morre aquele que cura e também quem é curado, morre aquele que condena e também o condenado, morre aquele que manda, e também morre o mandado. Morre o forte, morre o fraco, quem bateu, e quem foi malhado, morre aquele que rouba e aquele que foi roubado, morre aquele em terra se acha o dono do mundo, morre o bom trabalhador, também morre o vagabundo. Morre o simples soldado, o general e o coronel, com toda a sua arrogância cada um no seu papel, com estrelas ou sem estrelas vão para o repouso eterno sabe-se lá, para o céu? Ou para o fundo do inferno! Morre o padre, morre o bispo, morre o papa e os pastores também morre o pai de santo com todos seus seguidores, cada um com sua crença, sua fé e seus amores, pois todos se dizem crentes, fervorosos e tementes cada um prega de um jeito (claro), ninguém e perfeito! Mas são todos pecadores! Na terra nada é pra sempre e os mistérios são profundos pois um dia partiremos, sem saber para onde iremos e tudo aqui deixaremos, sei que contas prestaremos de tudo o que fizemos...Neste lindo mundo imundo. 149

Biografia resumida SEBASTIÃO PAULINO DOS SANTOS (SABÁ) Nasceu em 09 de maio de 1.949 em Olímpio Noronha, ex -distrito de Cristina, Minas Gerais. Filho de Joaquim Paulino dos Santos (Jáque), comerciante. E de Conceição Guedes dos Santos (lavradora). Aos 10 anos de idade perdeu o pai e atirou-se de cabeça na vida, sozinho, sem contar com ninguém, mas, sempre com dignidade e honestidade. Foi lavrador, carreiro, tropeiro, leiteiro, locutor de parque de diversão, palhaço de circo de variedades, toureiro (Tiririca) peão de rodeio (Tiririca), garçom, barman, atuou em peças teatrais, vendedor, camelô, caldeireiro, operador de ponte rolante, segurança de banco, técnico em eletrônica, fotógrafo, taxista, caminhoneiro, motorista de ônibus e cabeleireiro. E hoje com única intenção de mostrar o seu trabalho, vem dando uma de declamador para mostrar os seus poemas e poesias gravando-os em cd's e fitas cassetes vendendo-as ao público. E para mostrar suas letras e músicas, viu-se obrigado a dar uma de cantor (ou cantador) interpretando-as ele próprio, gravando-as em cd's fazendo um trabalho independente, vendendo ao público e entregando alguns exemplares em algumas emissoras de rádio contando com a colaboração e boa vontade dos radialistas e programadores para ajudar na divulgação o que é muito difícil, quando se está por baixo. Sabá, sem dúvida é um iluminado.

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Colaboração & Design Cass Comunicação Visual Rua Francisco de Barros,115 – Centro - Taubaté/SP Fone: (12) 3026-7977 Email: [email protected] Impressão Center Gráfica e Editora Ltda. Rua Dr. Souza Alves, 778 - Centro - Taubaté/SP Fone: (12) 3633-1001 Email: [email protected] Contato Rua Tarcísio Gonçalves Dias, nº 12 Jd. Ana Rosa – Taubaté - CEP12.071-080 Fone: (12) 3602-1917 Cel.: (12) 9771-6577 e-mail: [email protected] Orkut: [email protected] SEBASTIÃO PAULINO DOS SANTOS (SABÁ)

CONHEÇA OUTRAS OBRAS LITERÁRIAS DO “SABÁ” 01) 02) 03) 04) 05) 06)

Manezão e a Maldita Fortuna A Vaquinha Feia Jothaiá, A Esperança de um Mundo Melhor A Vingança Silenciosa Poemas, Poesias e Pensamentos As Ribombuchas do Monsieur Paulin (Pôlan) - cómedia

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