Um Conto De Preto Babão

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  • Words: 3,528
  • Pages: 21
2ª Edição Eletrônica

ALCINA MARIA SILVA AZEVEDO Autora Dados Biograficos na AVLLB

Edição Eletrônica: L P Baçan Outubreo de 2009 Direitos exclusivos para língua portuguesa: Copyright © 2009 da Autora Autorizadas a reprodução e distribuição gratuita desde que sejam preservadas as características originais da obra. CONHEÇA E COLABORE COM A ACADEMIA VIRTUAL DE LETRAS LUSO-BRASILEIRA

http://www.avllb.org

ALCINA MARIA SILVA AZEVEDO

Atividades Literárias: Em 1980 – escreveu uma novela intitulada: Além do nosso mundo! Muito elogiada pelo crítico João Evangelista Ferraz, em jornal O Estado de Goiás. Esta novela fala da vida na terra e no plano espiritual, é uma história romântica que vem trazer esperança para aqueles que vivem aqui e sofrem suas frustrações, provando que a vida continua e as vezes de forma feliz. Em 1983 – participou do V.Concurso Nacional de Poesias, ganhando menção honrosa pela revista Brasília. Em 1985 – participou do V.Concurso Nacional de Poesias, ganhando PRÊMIO EDIÇÃO, sendo convidada pela mesma editora a trabalhar como Coordenadora Cultural na cidade de Campinas –SP, para Christina Oiticica (atual esposa de Paulo Coelho), que naquela época era dona dessa Editora de nome Shogun Arte no Rio de Janeiro. Escreveu durante 4 anos para o jornal O Estado de Goiás, onde possui matérias, debates, poemas publicados nesse jornal. (19821986). Tem ainda para serem publicados muitos poemas, e um livro inédito de nome: OS DESCASADOS.

PREFÁCIO Nossa história é cheia de estórias e de lendas, frutos do imaginário popular, mas sempre com um fato real como pano de fundo. Constituem os famosos "causos", contados ao pé das fogueiras e passados de geração a geração, num tempo em que a Internet, a televisão, o cinema, os videogames e outras diversões populares ainda não existiam. Essa tradição oral enriqueceu-se ao longo dos anos e foi sendo passada para o papel por escritores e preservada. Muita coisa ainda jaz por aí, guardada na memória dos nossos anciãos, esperando algum ouvido benevolente para voltar à vida. O período da escravidão, sem sombra de dúvidas, por todos os eventos registrados, é um dos repertórios mais ricos e candentes, descartado o aspecto da violência, que permeia praticamente todas as narrativas. Ocasionalmente somos brindados com a oportuna intervenção de um escritor, no caso aqui, de uma escritora, resgatando não apenas a tradição oral, mas jogando um pouco de luz em nossa memória e em nossa história. Alcina faz isso, mas inova, narrando de uma forma poética um conto onde a violência é amenizada pelo estilo acessível e conciso, com pinceladas didáticas esclarecedoras nos momentos certos. Despretenciosamente ela narra uma história de amor, enquanto introduz oportunos esclarecimentos sobre a tradição, hábitos, costumes e fatos daquela época. Um conto para ser lido e recontado, com certeza, preservando-se o tempero original da autora. L P Baçan Vice-diretor do Portal "Cá Estamos Nós" Diretor-presidente da AVLLB

INTRODUÇÃO

Quando pensei em escrever este livro, o meu intuito era levar as pessoas um pouco de conhecimento da vida dos nossos escravos, suas crenças, fetiches, porém não me baseei em nenhuma bibliografia para elaborar este romance. Apenas criei. É claro que os conhecimentos sobre crenças e fetiches, procurei pesquisar em pessoas versadas no assunto. Todo o romance transcorre em forma poética, pois senti inspiração para fazê-lo assim. Espero ser do agrado dos leitores, pois fiz com o maior carinho que tenho pelos nossos escravos, que tantas injustiças sofreram pelo homem branco.

Alcina Maria Silva Azevedo

UM CONTO DE PRETO BABÃO UMA FORMA POÉTICA DE CONTAR HISTÓRIAS

Nasceu no cativeiro mais um filho de escravo, cujo chorar vinha trazer uma esperança para aquela gente que também chorava, mas que naquele instante cantava, dentro do batuque dos seus atabaques saudando aquele nascimento. Era mais ou menos assim: — AngáOxalá! (1) Oxalá meu Pai Angá! — Angá (2) na pinda de preto i si preto vai pená... — Angá na pinda (3) de preto, o moleque vai angá... E assim em suas danças e batuques, vibravam em alegria, saudando o novo escravo que lá nascia, benzendo-o com água benta e suas ervas perfumadas com cheiro de mata, quando de repente , todos apavorados saíram correndo pois entrara no recinto, o Coronel João de Castro, chicote nas mãos, gritando: — Calem a boca cambada! Ou mato todos vocês! Acabem com essa bagunça! Vamos! E chicoteando alguns, que ainda não haviam tido tempo de se esconder, pergunta: — Quem começou tudo isso? Eles, cobrindo os rostos com as mãos, afastam-se assustados e negam-se a falar... O coronel chegou-se ao negrinho recém-nascido e

gritou: — Falem! Ou essa criança será chicoteada! Imediatamente apresentou-se o dono da idéia, Preto Babão, que foi levado ao tronco e, chicoteado covardemente, apenas por ter tido o sonho de homenagear aquele ser, que acabara de nascer, e já tanta confusão estava a trazer. Preto Babão, lá no tronco, com seu corpo cortado a chicote, gemia de dor, e dizia: "um dia, preto Babão vai sê gente!"

Alguns dos escravos fugiam e, levavam sua cumbuca de água ao preto Babão para que ele não morresse de sede. E assim era a vida dos nossos escravos... que a nada tinham direito... Raiou outro dia, correntes nas pernas, chegando ao duro trabalho, pois que suas merendas, eram apenas um regalo de mandioca no ralo, atiradas ao chão. O chicote cantava... as correntes gritavam! Arrastando no chão a mandioca ralada, que todos buscavam, atiradas ao chão! O senhor de engenho, as vezes aparecia, fazia sua vistoria e partia. E o preto nascido de ventre sofrido, não sabia o que a sorte lhe determinava. Crescia bonito lábios da cor da fruta! Olhos negros, como a noite, dentes alvos, sempre a mostra. Corpo forte e danado! Não se ligava à tristeza, não conhecia o passado...

Sua mãe se preocupava, e para a Virgem implorava toda sua proteção. Sempre cheio de amuletos, confeccionados por pretos, que colocavam em seu pescoço e diziam: — Você será um dia, o nosso protetor! Era considerado o mascote da sorte, o anjo que veio livrar da morte e trazer harmonia, aquela gente que tanto sofria...

O sol queimava nas pernas dos regaços, e levavam suas águas para as cachoeiras, quando o preto Babão, descendo na correnteza, procurava peixes para o seu sinhozinho. E assim cantava enquanto pescava: "Sua Sinhá não sabe comê peixe com espinho... tenho que pegá de mansinho, o peixe que vem prá morte, e prá que ele não sinta o corte do afiado do facão..." E assim era sempre o carinho, que tinha o preto Babão, que tudo sempre fazia usando o bom coração. A Sinhá ficava doida pelos peixes que ele trazia, e que Nhá Zefa temperava com sal e nós moscada e muito manjericão! hummm! Só que os pretos não comiam. Pois essas coisas eram feitas prá gente! E negro não era gente!? Assim é que pensavam os nossos homens do passado e, muito sangue foi derramado, para que tudo tomasse um novo riscado. Enquanto isso crescia... o preto moço bonito, com lábios da cor da fruta. Como escravo no trabalho, era o braço mais forte do cativeiro, trazendo no corpo inteiro, as marcas das chibatadas, mas ele nunca

gemia, e sempre sempre sorria.

A Sinházinha tão faceira, ficava horas inteiras a olhar aquele preto bonito! Coronel percebeu! E logo se remoeu, proibindo a Sinházinha de percorrer o povoado. Descer ao cativeiro! Nunca mais! Os sofrimentos para os pretos, aumentaram. A esposa do Coronel, mulher bondosa, bem diferente dele, não gostava das misérias que o seu marido fazia e, as vezes se intrometia: — João! tenha pena dessa gente! O que você faz não é humano! — E quem lhe disse que negro é gente? Você é muito ingênua, e nada entende da vida!

E descendo ao cativeiro, em passos fortes, chicote sempre às mãos, era raro passar um dia, sem que algum preto ele não sacudisse. Colocava-o no tronco, e ajudado pelo capataz, chicoteavam mais e mais! Os motivos eram banais... coisas que qualquer pessoa faz: (1)

descansar depois da colheita; (2) não dar banho no bezerro; (3) cantar enquanto lenha partia; (4) inventar religião, que não fosse a mesma do branco. E essas , entre muitas outras, eram as faltas graves dos nossos negros irmãos.

Haviam algumas escravas, que no mocambo contrariavam ordens do senhor branco, apenas para levarem trancos! Pois era a única forma, de terem aproximação, com a nobreza do vilão! Em sua ignorância, consideravam carinho, e se lamentavam baixinho, quando nada acontecia. Choramingavam dizendo: "Coroné não mais mi qué..." Preto babão mais esperto intervinha: "que choradeira é essa? pancada é coisa de alma penada! Não é amô! não é nada!" A noite caia alta, lua grande bem cheinha, banhando com fios de prata, todo aquele festival de mata fresca e verdinha...voando suas andorinhas dentro daquele sertão. Nos abrigos dos escravos, algum preto murmurava: "Desce a noite, como é bão!" Um outro preto cantava, em baixo da tronqueira falando de suas tristezas, cantando suas belezas. Era mais ou menos assim: — "Sou escravo sentido, sou negum bem decidido, de jibóia no meu pé... Adoro a noite! as estrelas! Sinto a luz, não posso tê-las, pois tão bem alto no céu... Assim é o escravo sentido, de coração bem

partido, de sofrimento e de dô. Pois nego ainda não é gente, que se compreenda e se sente pelo seu amo e sinhô... Pai Oxalá não se esqueça! Antes que o branco adormeça, de pensá no meu destino. Pois nego ainda não é gente, mas tem coração que sente, muito amô e muita dô. Oô Oô Oô Oô " E assim ficavam a ouvir aquela toada do escravo cantador, até adormecerem...estendendo esteiras e redes sobre o chão, agasalhados na noite, repousava aquela gente! Gente nossa! Gente! Gente! As vezes se surpreendiam com a chuva que caía, e desprevenidos acordavam brejeiros e se refugiavam nas choças. — Raiou um novo dia. Era Domingo. Dia de missa no povoado. Sinos tocavam, mas só o branco podia assistir a missa. O negro tinha que ficar no lugar dele. E nesse dia, sempre um escravo curioso fugia e dava um jeito de espreitar o ritual da igreja. Voltava contando o que vira, e logo inventavam uma forma de enganar o Coronel fingindo terem eles, a mesma religião do branco e em tudo o que faziam, o branco não compreendia, o ritual dessa fé. Diziam os escravos:

— "Jesus Cristo é Oxalá; São Jorge é Ogun; São Sebastião é Oxóce; Nossa Senhora é Yemanjá; São Gerônimo é Xangô. Sra. Aparecida é Oxum; Sra. Das Dores é Ifá e Satanás é Exú." E

entoando seus cantos, hoje canta também o homem branco, em nossos terreiros de Umbanda, na paz de Nosso Senhor. Preto moço, com lábios da cor da fruta, sentia-se como o raiar da aurora, prestando o ritual religioso, quando de repente, ele via a bela moça, que o espiava de cima de um arvoredo. Ele grita com muito medo: "Desce daí! Vai cair! Não tem o costume de subir!" Ela responde de um jeito todo faceiro: "Eu não sei descer sozinha! Vem me ajudar!"

Preto moço em sua ingenuidade, não entendendo a verdade, corre para socorrê-la. Ela, se apoia em seus braços e finge escorregar... "Ai! eu estou a me machucar..." ele então em doce amar, sai carregando-a nos braços, sente o cabelo perfumado da Sinhazinha tão loira...fica todo perturbado, não sabe nem explicar... e ela, que há muito sentia esse amor, que então sofria, dispara-lhe o coração! Ambos se amando num olhar, naqueles rostos sonhados, não saiam do lugar... Nhá Tatá, sua dama de companhia, a procura por todo o dia, pois já fora bem avisada pelo Coronel vilão, que não quer ver filha amada a andar no cativeiro! Ele tira o coração! De repente, ela avista os dois frente a frente, se admirando e grita: "Ai meu Deus Nosso Sinhô! Sinhazinha vem correndo, a missa já tá morrendo, e seu pai vai te matá! Vamu embora, vem Sinhá!" Mas os dois jovens se perdendo, no encantamento do amor... pois sentimento não tem cor? Nem ouvem a Nhá Tatá. Nhá Tatá se chega

perto, daqueles dois, que não entendem, e não a querem compreender, leva de um só arranco a Sinhá, que grita: "Não Tatá! Deixe-me ficar! Eu quero amar! " Nhá tatá responde: "Deus te guarde! Que Nhá tatá Maria te benza com sua vara de condão, prá que nunca seu pai saiba, o que tem o seu coração!" E em um tranco violento, leva a Sinhá gritando: — "Meu amor será eterno! Nada separa a gente! Eu volto aqui brevemente!" Ele responde: — "Sinhazinha, minha estrela! vejo a luz, não posso tê-la, pois tá bem alto no céu!" E Sinhazinha se propõe, a não esquecer este amor. O preto moço fica a lembrar , daqueles cabelos loiros...daqueles olhos tão verdes, de um verde da cor da mata...e pensa..."Oh! amô que me maltrata"! Preto Babão que percebe, avisa a mãe do escravo: "Muié, óia o seu fio! Não deixe ele querê a lua, pois tá bem alto no céu..." Todos os escravos se agitam, com muito medo da dor, e imploram as forças da mata, para trazer luz e compreensão naquele caso de amor. Cai a noite, é frio o vento e termina o Domingo. Dois pretos cantam na tronqueira, o canto triste dos pretos: — "Sou escravo sentido, sou negum bem decidido, de jibóia no meu pé.. . adoro a noite e as estrelas, sinto a luz não posso tê-las, pois tão bem alto no céu"...

Em casa da Sinhazinha, correm as escravas em limpeza, e há um murmúrio entre elas. O coronel onde passa, vai deixando a fumaça do

seu cachimbo e da bota. Saindo para ver o engenho, fica logo desconfiado pois ouve o cochichado das escravas ao seu redor, e pergunta:

— "O que há com vocês cambada? Deixem de lado o cochicho, vamos, limpem esse lixo!" Há porém, uma das escravas que estando apaixonada por preto moço e vivendo a espreitá-lo... e não sendo correspondida, vinga-se do mesmo, procurando o Coronel, e contando tudo o que sabe. Este se agitando em ódio, desce até o cativeiro, com seus homens e vai buscar o preto moço. O arrastaram no terreiro, para que todos assistissem o que acontece a escravo, que não reconhece o seu lugar! Os homens do Coronel, o chicoteavam e com pauladas tiravam sangue do corpo daquele preto que o único mal que fez foi amar. E ainda não se contentando, prendeu-o ao tronco, quase sem vida aquele corpo marcado pela maldade do branco; ficou sem água e comida, três dias e 3 noites, para que nunca mais na vida, pensasse na Sinhá Flor. Mas preto moço não desiste, e em um belo dia, no cochilo do feitor, se livrando das correntes, foge com alguns escravos, correm floresta adentro, levando a Sinhá Flor! Formam o Quilombo, cercando com pau-a-pique, suas choupanas cobertas com folhas de palmeira, dormindo em suas esteiras, ao lado do seu amor.

O Coronel fica danado, e sai todo encapetado procurar a sua Sinhá. Jura por todos os santos, que não o deixará impune! Vai tirar o coração daquele negro nojento! E Sinhazinha delira em seu amor... é acordada com flores, que preto moço encontra pela floresta, a vida deles é uma festa! Trocam juras de amor, nas águas das cachoeiras, pedem proteção à Oxum, que com a força das pedreiras o Xangô quebre as demandas desse amor puro e sagrado, que o branco achava pecado. Preto moço se faz rei! Pela sua valentia! Tendo suas próprias leis, E o amor como fronteira, O plantio que vendem e comem Com gosto de liberdade! O Coronel não se dá por vencido e organiza expedições, denominadas Entradas, com o fim de combater o Quilombo, chefiada por preto moço. Mas crescia o Quilombo! Os escravos tinham conforto e preto moço e Sinhá Flor, transbordavam em seu amor! Outros Quilombos se formavam, tendo cada qual o seu chefe. E as lutas continuavam... É... mas o mal nunca dorme é igual a lobisomem, que vive assustando a gente! Trazendo sempre na frente, a dor como companheira. Bem perto do milharal, entram os brancos ligeiros, trazendo como cordeiro, um preto que lá trabalhava. Queimando-lhe os braços com brasa, pedem que os levem ao Quilombo, senão ele morrerá ali. O escravo olha e sorri, dizendo:

— Mil vezes prefiro a morte! Não atraiçoarei meu chefe! Os brancos se enraivecem, queimando-lhe o corpo todinho, deixando-o no milharal. O preto moço bonito, avisado por um pássaro, daquele acontecimento, prepara-se com todo o seu povo, para fazer a rebuscada. Encontrou o seu amigo, com o corpo igual a tição (pedaço de madeira queimada em parte e ainda em ignição). Levaram-no para o Quilombo, chamaram o preto curandeiro, deram-lhe banhos de ervas, reverenciaram o Senhor. Esperando a lua cheia, os negros entregavam suas prendas pedindo a saúde do irmão, e, mas paz no coração. Foi sarando ...o preto bom. Ficou curado e novamente Junto com toda a sua gente Dançava na festa contente A batizar o seu filhinho Que como ele pretinho, nascia em liberdade E na luz da fraternidade. Dançando também a Sinhá Flor Pois em seu ventre trazia A semente da harmonia e daquele caso de amor. Mas preto moço bonito Sonhava, mas ficava aflito

Por aquele ser que estava No ventre da sua amada. Ela porém, se chegava A ele, e com muita fé, Dizia que mamãe Oxum, Das águas e das cachoeiras Com a força das pedreiras Protegeria sua semente. Semente com força de gente! Gerada com muito amor! Passou-se o tempo... E o Coronel atormentado e ligeiro, pedia a sua companheira, que jurasse a luz do dia, que vingança ela faria, se ele morresse primeiro. Ela, que era toda bondade, implorava por caridade, esquecer o que passou. Mas aquele homem traiçoeiro, se erguendo com violência, chamou seus homens e prosseguiu para fazer sua caçada de Sinhá amada, e do preto moço maldito. Pela floresta adentro, ouvem de repente o batuque que na noite faziam os escravos, cultuando seus Orixás.

Seguiam pelo som dos atabaques, chegando bem próximo do Quilombo, do preto moço bonito. Avistou bem de longe, a cabeleira loira, de sua Sinhá. Com suas emboscadas conseguiam chegar mais

perto.

A coruja voou, posando no ombro do preto moço, e este disse à Sinhá flor: "Mau agouro meu amor"! — Bobagem... eu creio em Nosso Senhor! E na alma daquela gente, havia uma força refulgente, trazida da amargura, espargindo por toda mente, a luz do Onipotente. Grita um escravo, percebendo que algo aconteceria: — Tem pena no Congado! O outro escravo respondeu: — Mas logo será riscado, com a força do Nosso Deus! Preto moço, conhecedor das mensagens, comanda todos os pretos e dá o seu grito de guerra: Para que o Orixá da Terra, sirva-lhe de escudo na luta! De repente, Coronel seguindo o som dos atabaques, chegando bem próximo do Quilombo, avistou bem de longe a cabeleira loira de sua Sinhá. Com suas emboscadas, conseguiram chegar mais perto... a coruja voou, posando no ombro do preto moço, e este disse a Sinhá Flor: "Mau agouro meu amor..." grita um escravo percebendo que algo aconteceria: — "tem pena no Congado!" Preto moço, conhecedor das mensagens, comanda todos os pretos e dá o seu grito de guerra: para que o Orixá da terra, sirva-lhe de escudo na luta! Os brancos eram traiçoeiros, só lançavam-se em combate, quando

os pretos lhe davam as costas. De repente frente a frente, o Coronel e Preto moço! O Coronel grita: "Vou arrancar-lhe o pescoço! " mas preto moço joga as armas, e responde com brandura: "Eu não lutarei com você, que me deu grande presente, que é a minha Sinhá Flor, e ela agora tem no ventre a semente do nosso amor"! Coronel grita enfurecido: "Não! Seu verme ! Como ousou trazer à Terra, outro negro mais imundo? Eu lhe mato, pegue as armas!" Preto moço, não se move...e há uma grande agitação na mata. No céu o tempo se fecha, e Coronel lança-lhe em alvoroço um machado no pescoço! Golpeia-o, com sete facadas, e grita olhando aos céus: — "Estou vingado! Que o inferno receba esse ser negro e nojento"! Termina a luta entre eles, e começa a tempestade, cai um raio no lugar. Coronel leva o corpo, e o dependura no tronco, de cabeça para baixo, bem em frente ao cativeiro. Para que servisse de exemplo aos outros pretos.

A Sinhá grita e se ajoelha no chão, e todos os escravos chorando, chamando os seus Orixás, cantando o seu canto de dor! O coronel se retirando para a casa do engenho, eis que em grande espanto, dá-se um grande relâmpago, iluminando todo o tronco, e devolvendo a vida do preto moço bonito! Este sorriu... do tronco desceu... carregou nos braços sua Sinhá Flor... e avisou que não morreu. O coronel enlouqueceu! Saindo a correr pelas matas, nunca mais

apareceu! O preto moço e Sinhá Flor desapareceram e se tornaram mito, em um lindo caso de amor! Logo depois, com a Lei Áurea, foi abolida a escravidão, e hoje eu conto esta história, narrada por preto Babão.

(*) angá = fruto silvestre (*) Oxalá = Jesus Cristo (*) pinda = uma espécie de anzol usado por índios para pescar

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