Ansiedade_leitura_junguiana_lucas Serra Valladão.pdf

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LUCAS SERRA VALLADÃO

Ansiedade e Contemporaneidade: Uma Leitura Junguiana

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

São Paulo 2017

LUCAS SERRA VALLADÃO

Ansiedade e Contemporaneidade: Uma Leitura Junguiana

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob orientação do Prof. Dr. Durval Luiz de Faria

São Paulo 2017

BANCA EXAMINADORA

AGRADECIMENTOS Ao prof. Durval por sua competente e indispensável orientação. Aos meus pais por todo o incentivo e apoio que me deram, sem o que esta jornada teria sido muitíssimo mais árdua. Aos meus familiares, sempre prontos a ouvir desabafos e a me encorajar a seguir em frente. À Marina por toda a luz que trouxe à minha vida. Igualmente pelo apoio emocional, revisões e discussões que em muito enriqueceram este trabalho. À toda a equipe docente do Núcleo de Estudos Junguianos (NEJ) da PUC-SP, por todo conhecimento partilhado por vocês e adquirido por mim sob a sua tutela. À Mônica, secretária do Núcleo de Estudos Junguianos, sempre muito prestativa e solicita. Aos colegas de curso por todas as trocas de experiência, conversas, cafés, risadas, confidências e desabafos compartilhados. Ao Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particular (PROSUP), vinculado a CAPES, pela bolsa de estudos concedida. Este auxilio foi de enorme valia para a concretização do presente trabalho.

RESUMO

VALLADÃO, Lucas Serra. Ansiedade e Contemporaneidade: uma Leitura Junguiana. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

O

presente

trabalho

tem

como

objetivo

refletir

sobre

a

ansiedade

na

contemporaneidade sob o enfoque da Psicologia Analítica. Para tanto, buscou-se caracterizar os aspectos gerais da cultura atual e identificar aspectos psicológicos da ansiedade. Trata-se de um trabalho de caráter teórico, desenvolvido a partir de um levantamento bibliográfico da obra de Carl Gustav Jung, de artigos científicos dos últimos cinco anos e da literatura junguiana sobre a temática da ansiedade. A partir destes levantamentos, procurou-se estabelecer paralelos entre a cultura e a sociedade de massa, de maneira a destacar a ocorrência da ansiedade como um dos principais transtornos psíquicos da atualidade. Por fim, buscou-se apontar possíveis significados simbólicos deste fenômeno psíquico em sua atuação disfuncional e indicar alternativas para a sua superação. Os resultados da pesquisa sugerem que a ansiedade disfuncional está associada a uma reação compensatória inconsciente que busca suprir as lacunas psíquicas geradas pelo processo de massificação − racionalismo exacerbado e orientação predominante externalizada da conduta de vida. Foi verificado que essa reação ocorre tanto a nível coletivo quanto individual e, em decorrência das limitações que impõe, acaba favorecendo o contato do indivíduo com o Si-mesmo. Palavras-chave: ansiedade; massificação; inconsciente coletivo; Psicologia Analítica; Jung.

ABSTRACT

VALLADÃO,

Lucas

Comprehension.

Serra.

Dissertation

Anxiety (Master

and in

Contemporaneity: Clinical

Psychology)

a

Jungian



Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

The present work aims to think about contemporary anxiety under the approach of Analytical Psychology. Therefore, we sought to characterize the general aspects of the current culture and to identify the psychological aspects of anxiety. It is a theoretical work, developed from a bibliographical survey of Carl Gustav Jung’s work, scientific articles of the last five years and the Jungian literature about anxiety. From these surveys, we sought to establish parallels between culture and mass society, in order to highlight the occurrence of anxiety as one of the main psychic disorders nowadays. Finally, we sought to point out possible symbolic meanings of this psychological phenomenon in its dysfunctional performance and to point out alternatives for overcoming it. The results of the research suggest that dysfunctional anxiety is associated with an unconscious compensatory reaction that seeks to fill the psychological needs gaps generated by the process of deindividuation - exacerbated rationalism and predominant externalized orientation of life conduct. It was verified that this reaction occurs both at a collective and individual level, because of the limitations it imposes, it favors the contact of the individual with the Self.

Keywords: anxiety; deindividuation; collective unconscious; Analytical Psychology; Jung.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 8 OBJETIVO ......................................................................................................................................14 MÉTODO ........................................................................................................................................15 1. ASPECTOS DA CULTURA CONTEMPORÂNEA ..................................................................19 2. A COMPREENSÃO PSICOLÓGICA DA ANSIEDADE ..........................................................40 2.1. A ANSIEDADE EM JUNG ......................................................................................................40 2.2. NORMALIDADE E A PSICOPATOLOGIA ...........................................................................41 2.3. A MASSIFICAÇÃO E O ADOECIMENTO ............................................................................47 2.4. ANSIEDADE NA COMPREENSÃO DE OUTROS AUTORES ...........................................50 3. DISCUSSÃO ..............................................................................................................................65 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................77 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................81

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INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a ansiedade na contemporaneidade a partir da perspectiva teórica da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung e de autores junguianos. Para tanto, primeiramente buscou-se caracterizar os aspectos gerais da cultura contemporânea e, posteriormente, identificar os aspectos psicológicos da ansiedade. Para se evitar uma compreensão redutivista a respeito do tema abordado, procurou-se analisá-lo tanto ao nível de desenvolvimento psíquico individual quanto coletivo. Subsequentemente, são apontadas alternativas possivelmente viáveis para sua superação. A motivação para abordar tal tema decorreu primeiramente de reflexões que há muito me causaram inquietação. Durante grande parte da minha formação no Ensino Médio e posteriormente na Educação Superior, esta inquietação sempre me conduzia a questionamentos a respeito das mais diversas atividades e práticas exigidas como rotina do dia-a-dia, em especial a aquelas nas quais não via significado. Aos poucos fui notando que boa parte das atividades consistia de tarefas vazias, exigidas porque o mundo funciona assim. Chamou-me a atenção o fato de as atividades corriqueiras da rotina serem realizadas sem muito compromisso consciente, o que denotava certo automatismo psíquico. Este “fazer por fazer” despertava em mim uma atitude questionadora e inquietante, ambas um tanto pronunciadas. Por ter despertado uma sensibilidade acentuada com relação a atividades automatizadas, frequentemente me sentia pouco integrado às comunidades com as quais me envolvia. Eu não sentia um ímpeto de buscar identificação com o grupo, caso os tópicos e atividades deste não fizessem sentido para mim. Por causa disso, permanecia boa parte do meu tempo de lazer sozinho ou na companhia de alguns poucos amigos que compartilhavam e se interessavam por tais questões. Nestes momentos solitários, era praxe me questionar sobre como as coisas aconteciam, os porquês disto ou daquilo e quais os seus sentidos. Ser autêntico como indivíduo muitas vezes era o caminho mais solitário e, ao mesmo tempo, o único que realmente me atraía. Com amadurecimento e após iniciar o meu processo de análise junguiana, aos poucos fui tomando maior consciência sobre estas questões que há algum tempo me inquietavam. Deste modo, aos poucos pude penosamente constatar que o mundo

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atual não é, em grande parte, um mundo para o desenvolvimento das potencialidades individuais, mas um mundo tendenciosamente cada vez mais preocupado com a reprodução técnica e industrial e, aparentemente, mais alheio às verdadeiras necessidades humanas. Então, minha sensação de deslocamento com relação ao mundo começou a ganhar contornos e sentidos mais delineados. Concomitantemente a este processo, tive a oportunidade de trabalhar como psicólogo em uma instituição voltada ao tratamento de dependentes químicos. Muitos dos pacientes que atendi afirmavam, mesmo que de maneira difusa, que recorreram ao uso de drogas por suas vidas parecerem cada vez menos autênticas e progressivamente mais sem sentido. No início da adicção, o uso de drogas era visto por muitos deles como um poderoso antídoto para um mundo cada dia mais exigente, frustrante e com pouco sentido. Contudo, este alívio causado pelo uso da substância se tornava progressivamente mais curto e a quantidade dela necessária para se atingir o êxtase, cada vez maior. Era consenso que o alívio proporcionado pelo uso da substância lhes cobrava um preço cada vez mais alto, chegando até o ponto de escravizar suas almas. A instituição em questão, só aceitava a internação voluntária de pacientes. Sendo assim, lá tive a oportunidade de conviver com personalidades que tinham consciência de que se encontravam profundamente destruídas como indivíduos. A devastação era tão aguda que muitos só optaram por tentar abandonar o vício ao travar contato real com a possibilidade da morte. Consequentemente, de um modo ou de outro, todos haviam abandonado o estilo de vida compreendido como normal e chegaram ao fundo do poço de suas dignidades. Mesmo marginalizados com relação à sociedade, estes pacientes também padeciam dos males da ansiedade. Antes de suas internações, eram excessivamente preocupados em ganhar dinheiro para, nos momentos de lazer, poderem usufruir da vida que realmente desejavam ter, desregrada e movida pela busca da satisfação de desejos. Na instituição, eles permaneciam grande parte do tempo ocupados com atividades terapêuticas, que tinham como objetivo, além de aplacar o desejo pelo consumo de substâncias psicoativas, colocá-los em contato com a própria individualidade, diminuindo assim suas ansiedades. O profundo sofrimento do qual padeciam, trazia à tona uma experiência de vida marginal à realidade do nosso sistema social. Seus relatos contribuíram para o

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enriquecimento da minha visão de mundo, permitindo que mais claramente se evidenciassem as contradições e problemas do nosso sistema social; que por estarem profundamente enraizados em nosso cotidiano, acostumamos a encará-los com naturalidade. Neste sentido, sou imensamente grato pelo privilégio de ter minimamente ganhado a confiança destes pacientes e, assim, podido conhecer parte de suas vivências que, para um indivíduo comum, são tão bizarras quanto pouco familiares. Esta conjunção de vivências pessoais e profissionais potencializou a minha inquietação e fizeram emergir em minha psique o interesse pelo tema da ansiedade. Como meus pacientes, eu também me via tomado por uma sensação de ausência de significado que, aparentava não possuir uma causa concreta. Paulatinamente a ideia de que algo maior que a nossa individualidade nos atraia em direção a um fazer e agir permanente, que deste modo dificultava o emergir das nossas potencialidades humanas e roubava o significado individual do existir, foi ganhando espaço em minha mente. Posteriormente passei a observar mais atentamente não apenas a minha rotina, mas também a de meus pares profissionais e pessoas próximas. Em sua grande maioria, as rotinas profissional e social eram intensas. Se vangloriavam por conseguirem dormir pouco, participar de inúmeros eventos profissionais e sociais e estar permanentemente ativos. A vivência do ócio em momentos pontuais, no sentido de não se fazer nada, era pouco valorizada e até mesmo descriminada como pura preguiça. Passei a me indagar se tal postura diante da vida não seria fruto da influência de um modelo socioeconômico vigente, pois notara evidências que apontavam para um cotidiano frequentemente pautado pela busca constante de eficiência, aprimoramento e sucesso financeiro; ou seja, um modelo de orientação sociocultural pouco amigável para o indivíduo e para sua saúde física e mental. Era notório um fazer constante e as consequentes queixas sobre dificuldades em realizar atividades que exigiam quietude, evidenciando um quadro geral de grande ansiedade. Posteriormente, a partir desta primeira imersão em questões e indagações pessoais, comecei a buscar material científico a respeito da temática da ansiedade para a realização da minha monografia do curso de especialização em Psicologia Analítica. Naquele trabalho, constatei que a preocupação com a saúde mental, que predominantemente tinha seu escopo focado sobre o indivíduo, progressivamente

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começava a ser pensada sob um enfoque mais amplo, que perpassa pelo coletivo e seus aspectos socioculturais. Isto de imediato despertou em mim um grande interesse pelo tema. Assim, este trabalho é fruto do entrelaçamento de indagações pessoais e pesquisas científicas. Isto forçosamente me impeliu para as posições de sujeito e objeto de estudo, já que minha vivência pessoal está fortemente imbricada nas motivações da pesquisa. Usufruí desta díade sujeito/objeto como instrumento de orientação e reflexão sobre as questões teóricas apresentadas adiante. Se por um lado esta dualidade me deu a vantagem da concretude e a tangibilidade em relação ao conteúdo teórico abordado, por outro, muitas vezes fez com que o processo produtivo se tornasse extremamente árduo e desgastante, pois me obrigava a debruçar repetidamente sobre algumas das minhas próprias feridas psíquicas. Na elaboração deste trabalho, o termo ansiedade é compreendido como uma emoção universal e que faz parte da vida. Sua atuação funcional é imprescindível para a autopreservação, pois gera uma reação a um estímulo ameaçador iminente ou a possibilidade de uma ameaça. Em sua manifestação normal de intensidade e duração, a ansiedade é uma emoção benéfica, capaz de melhorar o desempenho do indivíduo, promover soluções criativas em momentos de risco e estimular a cooperação. Em sua atuação disfuncional, ou seja, quando ela ocorre de modo inadequado à situação enfrentada, se torna prejudicial ao indivíduo. Assim, a percepção e/ou a resposta ao estímulo ameaçador é desproporcional tanto na reação que desencadeia quanto a seu tempo de duração. Do ponto de vista da coletividade, compreendemos a ansiedade como uma atitude em relação à vida pautada principalmente pelo pragmatismo, racionalidade e consumismo exacerbados. Seus reflexos a nível de coletividade chegam ao indivíduo por meio do modelo sociocultural que norteia a conduta individual. No indivíduo, ela induz à inquietude, ao raciocínio superficial, à competitividade exagerada, desconfiança e a diversos transtornos físicos e psíquicos. Abordaremos agora as questões da relevância e atualidade deste tema. A questão da saúde mental coletiva vem ganhando importância, chamando a atenção e se tornando foco de preocupação de órgãos e agências de regulação social. Um exemplo recente disto, é o interesse da Organização Mundial da Saúde (OMS) em patrocinar iniciativas científicas em 24 países ao redor do mundo, que tinham como objetivos integrar e analisar pesquisas epidemiológicas sobre abuso de substâncias,

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distúrbios mentais e comportamentais. Tal iniciativa foi intitulada pela organização como “The World Mental Health Survey Initiative” e teve como alvo de investigação os habitantes de cidades definidas como megalópoles. No Brasil, o desdobramento desta iniciativa se deu via uma pesquisa realizada na região metropolitana da cidade de São Paulo/SP e os resultados foram divulgados no artigo intitulado “Mental Disorders in Megacities: Findings from the São Paulo Megacity Mental Health Survey, Brazil” (ANDRADE, L. H.; WANG, Y. P.; ANDREONI, S.; SILVEIRA, C. M.; ALEXANDRINO-SILVA, C.; et al., 2012). Os dados da pesquisa apontam que 29,6% dos habitantes da região metropolitana de São Paulo apresentam algum tipo de transtorno mental. Destes, 19,9% apresentam transtornos de ansiedade, 11% transtornos de comportamento, 4,3% transtorno de controle de impulsos e 3,6% de abuso de substâncias. A comparação dos dados deste estudo com os demais realizados em outros países também apontou que o percentual da população de São Paulo com algum tipo de transtorno mental é o mais elevado dentre todas as megalópoles pesquisadas (Idem., 2012). A disparidade do elevado percentual de ansiedade em relação aos demais distúrbios mentais demonstra a relevância e a importância de se compreender melhor este fenômeno. O elevado nível de ansiedade encontrado nesta pesquisa é apontado como decorrente da conjunção de fatores sociodemográficos e da violência neste aglomerado urbano. Tal fato foi constatado, também, em todas as outras megalópoles pesquisadas. Isto indica que a ansiedade é preponderante na sociedade atual e pode se tornar cada vez mais comum, dada a crescente tendência da aglomeração da população em grandes centros urbanos. Cabrera e Sponholz Jr. (2012, p. 412) apontam que a ansiedade patológica pode interferir no desempenho normal, com prejuízo na autoestima, na socialização, na aquisição de conhecimentos e na memória, além de predispor a maior vulnerabilidade, com perda de defesas físicas e psíquicas. Neste trabalho, buscou-se relacionar os aspectos culturais que contribuem para a emergência da ansiedade na sociedade contemporânea, sem, no entanto, entrarmos em discussões particularistas vinculadas a psicopatologia do Transtorno Ansioso, que necessariamente levaria a uma individualização da questão e nos

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desviaria da perspectiva coletiva adotada. Igualmente, buscou-se refletir sobre meios para uma possível superação da questão da ansiedade na cultura. A pesquisa está organizada da seguinte forma: No capítulo 1 – “Aspectos da cultura contemporânea”, é elaborado um panorama geral sobre a sociedade contemporânea. Nele são discutidas questões de cunho econômico, social, religioso, além de uma breve apresentação sobre as características organizacionais do Estado moderno. Já o capítulo 2 – “A compreensão psicológica da ansiedade” é composto por duas partes. Na primeira delas, são apontados os resultados da revisão bibliográfica realizada nas obras completas de C. G. Jung, a respeito dos temas: ansiedade; normalidade e psicopatologia; massificação social e o adoecimento psíquico. Na segunda parte do capítulo é apresentado um apanhado sobre a compreensão de outros autores sobre a temática ansiedade, elaborado a partir de um levantamento bibliográfico sobre o tema ansiedade na cultura. No capítulo 3 – “Discussão” são apresentadas temáticas que indiretamente contribuem para a exacerbação do transtorno ansioso na contemporaneidade e que se fazem fortemente presentes no cotidiano. No capítulo 4 são expostas as considerações finais.

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OBJETIVO

OBJETIVO GERAL

Refletir sobre as relações entre a cultura contemporânea e a ansiedade a partir da abordagem junguiana.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Caracterizar aspectos gerais da cultura contemporânea. Identificar aspectos psicológicos da ansiedade na abordagem junguiana.

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MÉTODO

O presente trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica sobre a ansiedade na contemporaneidade, com ênfase em produções na área da Psicologia Analítica Junguiana. Para a sua consecução, não foi adotada nenhuma metodologia padronizada de revisão bibliográfica. Deste modo, a metodologia aqui empregada foi sendo pensada e construída conforme o trabalho progredia. Apontaremos como este processo foi se desencadeando, de modo sucinto, a seguir. Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica nas obras completas de Carl Gustav Jung em busca do vocábulo ansiedade. O objetivo inicial era compreender o que o autor entendia por ansiedade, quais eram os processos que para ele desencadeariam o seu aparecimento e quais eram as estratégias de enfrentamento empregadas por ele. No entanto, verificou-se que a ocorrência do vocábulo pode ser considerada irrisória e praticamente inexistente frente ao volume de sua obra. O termo ansiedade é citado em poucas passagens, e nestas, Jung o emprega para descrever sinais e sintomas de outras psicopatologias. Ao buscar as razões para tal carência de material, verificou-se que ela decorre do fato de que a ansiedade, à sua época, não era compreendida como uma categoria nosológica específica. A distinção e enquadre da ansiedade como um construto unitário, começou a ganhar força somente após a segunda metade do século XX e, o consenso sobre essa distinção e enquadre da ansiedade como categoria nosológica específica, só ocorreu de fato anos após o falecimento de Jung. O resultado desta revisão se encontra no Capítulo 2 deste trabalho. Dada a escassez de material encontrado nessa busca, optou-se por fazer uma leitura direcionada das obras completas de Carl Gustav Jung, de modo a tentar extrair de lá material que pudesse embasar uma compreensão junguiana sobre a questão da ansiedade. Verificou-se que o autor trata longamente a respeito dos efeitos deletérios da massificação sobre a psique do indivíduo. A partir desta constatação, foi levantada a hipótese de que a proliferação de casos de ansiedade na contemporaneidade se vincularia ao crescente processo de massificação pelo qual a sociedade Ocidental vem sendo submetida desde o término da Segunda Guerra Mundial. O material levantado por meio desta técnica de leitura se encontra tanto no capítulo 1, quanto no capítulo 2 deste trabalho.

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Com o material das etapas anteriores em mãos, ficou evidente a necessidade de compreender o que constituía normalidade e psicopatologia para Jung, pois tal noção não estava clara para o autor. Ter clareza a respeito destas questões daria maior firmeza para pensar a questão da ansiedade disfuncional e sua possível atuação como uma reação psíquica ao modelo social vigente. Para tanto, foi novamente realizada a revisão bibliográfica das obras completas de C. G. Jung em busca de definições para estes conceitos. O material encontrado é apresentado no capítulo 2 deste trabalho. Encerrada a etapa de pesquisa das obras completas de C. G. Jung, foi verificada a necessidade de se procurar produções em periódicos mais recentes a respeito da temática ansiosa e sua vinculação com a cultura. Deste modo, foram consultadas as bases de dados Scielo, Bireme, Periódicos Capes, acervos de teses e dissertações de bibliotecas de instituições de Ensino Superior (ex. UNICAMP, USP, UNESP, PUC), livros acadêmicos, revistas nacionais e internacionais de publicação científica em Psicologia Analítica tais como: Journal of Analytical Psychology; Culture and Psychology; Harvest Journal; Journal of Jungian Theory and Practice e o Jung Journal. Em todas as buscas se restringiu o material aos últimos 5 anos e foram utilizados os seguintes indexadores: ansiedade; massificação; inconsciente coletivo; psicologia analítica e ansiedade; Jung e ansiedade; massificação e ansiedade; bem como a tradução direta desses termos em inglês. Foram encontrados um total aproximado de 5500 produções. Deste total, foram inicialmente selecionadas 82 produções que versavam tanto sobre o tema ansiedade quando da massificação cultural. Por meio de uma triagem final, foram escolhidas 30 produções que tratavam diretamente da temática ansiedade através de uma compreensão abrangente e não particularista. Isto é, que buscavam compreender a ansiedade tanto como decorrente de fatores socioambientais quanto de predisposições individuais. O resultado desta triagem foi empregado ao longo do corpo deste trabalho e, é encontrado com maior concentração, no capítulo 2, item 2.4. Dentro da abordagem teórica junguiana, além das obras completas de C. G. Jung, foram selecionados e analisados livros acadêmicos. Dentre estes, os que apresentaram maior relevância para a elaboração deste trabalho foram: “Ansiedade Cultural” (PEDRAZA, 1997); “A alma precisa de tempo” (KAST, 2016).

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No capítulo 3 foi feita a discussão da temática ansiedade a partir de trabalhos que analisam o contexto de vida atual, possibilitando assim a compreensão do plano social de fundo que favorece a ocorrência da ansiedade em sua manifestação disfuncional. Após está discussão são apresentadas as considerações finais. Para a análise teórica realizada no capítulo “Considerações Finais” foi adotada a perspectiva da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Esta abordagem, segundo Penna (2013, p. 229), do ponto de vista ontológico, se define pelo pressuposto da totalidade todo abrangente, que integra a dimensão consciente e inconsciente como unidade, pela concepção de um inconsciente arquetípico como a estrutura psíquica básica e original da qual a consciência emerge do inconsciente pessoal que é apenas relativamente desconhecido e, também, pela dimensão simbólica do ser e do mundo. A noção de realidade psíquica confere estatuto de fenômeno às manifestações psíquicas. A dimensão simbólica do ser e do mundo configura uma concepção ontológica em que o único (indivíduo) e o típico (coletivo) se entrelaçam e compõem a totalidade. Do ponto de vista epistemológico, a premissa de um inconsciente inacessível à observação direta constitui o principal desafio da psicologia junguiana. A perspectiva simbólica considera que o inconsciente se torna acessível através de suas manifestações. O conhecimento é então viável através das manifestações simbólicas, sendo estas a via de todo o conhecimento possível na psicologia analítica. Como ponte entre o mundo arquetípico, o mundo da consciência e o mundo externo, o símbolo se constitui o fenômeno psíquico apreensível e compreensível. Os fenômenos são considerados em seu âmbito individual (sonhos, fantasias, experiências pessoais) e coletivo (mitos, contos de fadas, acontecimentos sociais e políticos), desde que configurados por seu valor simbólico, seja para o indivíduo, seja para a coletividade que os produz e os vivencia psicologicamente. A função psíquica que cria os símbolos é a função transcendente, que opera a aproximação entre consciente e inconsciente com base na necessidade de transformação da psique. O conhecimento se dá por um processo natural e contínuo de integração gradual e crescente de elementos do inconsciente e do mundo existencial na consciência – o processo de individuação. Tal processo constrói a individualidade do ser humano e tem correlação na constituição das particularidades sócio-históricas da cultura humana (PENNA, 2013, p. 229-230).

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Do ponto de vista metodológico, o processamento simbólico é o caminho pelo qual o conhecimento é alcançado e viabilizado, ocasionando a ampliação e a complexificação da consciência individual e coletiva. A perspectiva metodológica abarca as etapas de apreensão e compreensão do fenômeno. A apreensão do fenômeno é feita pela observação e auto-observação na óptica simbólico-arquetípica. A observação se constitui por uma experiência viva de participação e diálogo entre o sistema observante e observado, em que ambos são transformados pelo processo do conhecimento. O método de investigação psicológica junguiano é conduzido segundo alguns parâmetros que devem ser rigorosamente observados, quais sejam: a causalidade, a finalidade e a sincronicidade presente nos eventos simbólicos (PENNA, 2013, p. 230). Ao longo da elaboração deste trabalho, foi demandado um exercício constante da atenção ao modelo de raciocínio analítico junguiano, de maneira a manter a reflexão

atrelada

as três dimensões apontadas anteriormente

(ontológica,

epistemológica e metodológica). Inicialmente, o emprego desse modelo exigiu um grande esforço por parte deste pesquisador, pois o hábito racionalista fortemente arraigado sorrateiramente tende a nos direcionar a um distanciamento impessoal, redutivista e determinista, que poderia enviesar o propósito deste estudo. Foi desafiador embarcar nesta jornada que, de muitas maneiras nos colocou em direção a expansão e conscientização a respeito das vinculações psíquicas profundas que compartilhamos com nossos semelhantes e com a nossa comunidade.

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1. ASPECTOS DA CULTURA CONTEMPORÂNEA Para pensar a questão da ansiedade é importante que tenhamos uma noção do panorama cultural em que tal manifestação se dá, visto que individualidade e coletividade são intimamente conectadas. Iremos aqui percorrer de maneira breve as modificações sociais e culturais que formam o pano de fundo frente ao qual vivemos. Optamos por iniciar esta discussão com a apresentação de pontos chave da compreensão de Carl Gustav Jung sobre a sociedade e a vida do indivíduo contemporâneo. As compreensões do autor apresentadas a seguir devem ser compreendidas como se referindo a um período recente da história no qual o poder Estatal era predominante sobre a economia e a sociedade. Na atualidade, notamos que isto já não é a realidade, pois, desde então, os Estados vieram sendo enfraquecidos frente à ascensão do poder das organizações empresariais multinacionais que atualmente as atravessam. Jung (1957/2013) compreende que os processos de institucionalização e burocratização da vida social são inerentes à política administrativa dos Estados. Embora esses processos tenham se consolidado a partir do século XX, ainda resvalam em formas primitivas de organização social, estando sujeitos “(...) à autocracia de um chefe ou de uma oligarquia” (Ibidem, p. 19). O Estado moderno enfraquece o indivíduo em favor de uma coesão organizacional baseada em médias estatísticas que nivelam a realidade e a individualidade de forma homogênea, deformando e distorcendo a imagem do mundo. A despersonalização das individualidades via racionalismo científico, acaba por transformar a concretude do indivíduo em um dado estatístico abstrato, gerando um estado de aparente impotência individual. Ao mesmo tempo, materializa o princípio da realidade abstrata da política do Estado, colocando-o como único ente capaz e responsável pela existência da humanidade. Esta personalização do Estado torna quase inevitável que a responsabilidade moral e a conduta de vida do indivíduo sejam impostas de fora para dentro, esmagando o indivíduo e acarretando o processo de massificação (JUNG, 1957/2013). Jung afirma que o processo de industrialização − juntamente com suas consequentes modificações socioeconômicas e demográficas − desempenha um papel significativo para a massificação. A industrialização provocou um processo

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contínuo de êxodo das zonas rurais e o consequente adensamento da mão-de-obra produtiva no entorno das fábricas e centros produtivos. Isto gerou grandes centros urbano, frequentemente carentes de infraestrutura mínima para acolher este acréscimo populacional, forçando a massa populacional a “(...) sufocar-se numa ocupação unilateral de modo a perder todos os instintos1 sadios, mesmo o da autopreservação” (JUNG, 1945/2012, p. 34). Segundo o autor, a perda destes instintos leva à crença de que o Estado se responsabilizará pelo bem-estar social e a elevação do padrão de vida do indivíduo. Por isso, na visão de Jung, este último tende a tornar-se apático e dependente na medida em que tudo espera do outro e não de si, tal qual uma criança. Deste modo, quando o Estado é visto pelo indivíduo como uma espécie de substituto projetivo das figuras parentais − das quais se espera satisfação de ordem moral e afetiva – se torna incapaz de satisfazê-las, pois é obrigado a lidar com expectativas descabidas, que de modo algum beneficiam a sua organização. Por meio de manipulações hábeis, alguns chefes de governo são capazes de despertar estes afetos infantis na população e, comumente, conseguem ter à sua disposição uma massa facilmente sugestionável. Assim, tais chefes de Estado atuam como pais que, ao invés de educar, desencaminham os seus filhos. Isso leva a um empobrecimento espiritual, desorientação e degeneração moral, favorece o surgimento de uma psicose das massas e sua respectiva tendência para o desastre (JUNG, 1926/2013, p. 94-95). Para Jung (1957/2013), este quadro geral da realidade implica na personalização do Estado, que se torna uma entidade servida pelo indivíduo e não o contrário. Tal orientação não tem como característica o desenvolvimento da personalidade humana, mas o seu oposto, o fortalecimento das instituições. Jung afirma que no nível individual, tal cenário acarreta em uma valorização exacerbada da vivência exteriorizada, na desvalorização do Si-mesmo (Self) e ao enfraquecimento

1

Segundo Jung (1921/2011, p. 470): “(...) Instinto é todo fenômeno psíquico que ocorre sem

a participação intencional da vontade, mas por simples coação dinâmica, podendo esta nascer diretamente de fonte orgânica, portanto extrapsíquica, ou ser condicionada essencialmente por energias simplesmente liberadas pela intenção voluntária, e, neste caso, com a restrição de que o resultado obtido ultrapasse o efeito intencionado pela vontade. Sob o conceito instinto, estão, a meu ver, todos os processos psíquicos cuja energia a consciência não controla. (...)”

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do ego que passa a se orientar predominantemente a partir das as tendências grupais dominantes, que despersonalizam o indivíduo ao subtrair a sua autonomia. Jung (Ibidem) acredita que a situação não poderia ser diferente, já que a força do Estado se baseia no contrato social − o funcionamento organizacional necessariamente depende da adesão e da confiança dos indivíduos nas instituições. Isto significa que o indivíduo abdica de parte de sua capacidade de escolha e autonomia em função da tutela estatal, que assume a função de protegê-lo e orientálo, visto que é possuidor de condições técnicas que lhe permitem saber o que é melhor para a população. A suscetibilidade do indivíduo frente às pressões do Estado − seja este totalitário ou democrático − provém do fato da razão e da reflexão crítica serem via de regra instáveis e oscilantes em todos os indivíduos. Recordando que na compreensão do autor, mesmo o Estado de direito ainda resvala em formas primitivas de organização social e por isso está permanentemente sujeito “(...) à autocracia de um chefe ou de uma oligarquia” (JUNG, 1957/2013, p. 19). Estamos permanentemente propensos a infecções psíquicas por fatores inconscientes doentios e perversos e, também, a sermos cooptados pelas tendências massificantes propagadas, reinteradamente, pelo Estado. Esta instabilidade psíquica decorre do pouco ou total desconhecimento que a grande maioria das pessoas tem sobre a integralidade de sua psique. Deste modo, as influências sociais encontram frequentemente vínculos inconscientes nos indivíduos

capazes de

ofuscar

o ego e

desencadear

comportamentos patológicos em grandes parcelas da população. Isto ocorre pelo fato dos movimentos de massa serem diretamente regulados pela atuação dos arquétipos (JUNG, 1936/2012, p. 24). Cabe aqui esclarecermos a compreensão de Jung sobre o que é um arquétipo. De maneira geral, este conceito se refere a conteúdos predominantemente coletivos, semelhantes aos temas que se repetem de forma quase idêntica na mitologia e no folclore dos diversos povos, bem como ao material predominante nos sonhos. Este material é composto por formas e imagens de natureza coletiva originários do inconsciente (JUNG 1939/2012a, p. 68). Ele é natureza pura, não deturpada que faz com que o homem realize ações cujos sentidos lhe são desconhecidos; é de tal forma inconsciente que nem se pensa mais nelas. Como funções inconscientes têm o caráter automático do instinto e, por este motivo, podem entrar em choque entre si.

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São compulsivos e independentes de influências externas, podendo assim colocar a vida do indivíduo em risco (JUNG, 1946/2013, p.159-160). Além disso, em sua atuação sobre a psique, “(...) os arquétipos possuem a característica da transgressividade, isto é, eles se manifestam eventualmente como se pertencessem tanto à comunidade quanto ao indivíduo; por isso, eles são numinosos e contaminadores (...)” (JUNG, 1958/2013, p. 56). É a consciência que refreia as ações induzidas pelos arquétipos realizando o trabalho de ordenação para que ocorra uma boa adaptação ao meio ambiente (JUNG, 1946/2013, p. 160). Desta forma, o indivíduo só é verdadeiramente humano quando possui o atributo da ação consciente. Após esta breve explicação, retomamos nosso raciocínio. A propensão a infecções e a massificação psíquicas é grande quando o ego se encontra fragilizado, podendo ainda mais facilmente se identificar com uma temática arquetípica e atuá-la de maneira inconsciente e pouco elaborada. Em tal estado psíquico, o sujeito passa a dar vazão quase irrestrita aos impulsos primitivos e amorais que emanam do inconsciente. Ele agirá de modo impulsivo e muito frequentemente bárbaro, sem que com isso sofra de qualquer arrependimento moral, pois os impulsos transpassam livremente sua consciência, sem serem suficientemente refreados e refinados. Nos momentos em que o indivíduo se encontra imerso num grupo, tais tendências primitivas são mais fortemente potencializadas graças ao rebaixamento natural do nível de consciência que ocorre em tais situações. Assim, comportamentos que no âmbito individual poderiam não ocorrer, por não se constelarem na psique objetiva ou por serem suprimidos casualmente, encontram chance de vazão. (JUNG, 1959/2013). Tal fato ocorre porque o grupo, assim como o indivíduo, também é influenciado por muitos fatores típicos, como a sociedade, a cosmovisão, o ambiente familiar, a política, a religião, dentre outros. Segundo Jung, quanto maior for o grupo, maior será a tendência do indivíduo ao rebaixamento de sua consciência individual sendo que, em indivíduos com pouca personalidade individual e pouco conteúdo espiritual, podese chegar até o ponto do autoesquecimento (JUNG, 1959/2013). Neste sentido, para Jung (1959/2013), o grupo e todos os aspectos que o constituem servem de substitutos parciais à falta de uma individualidade genuína. Isto faz com que ele exerça uma atração sedutora sobre o indivíduo, conduzindo-o em

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direção a uma identificação total. Esta atração é muito potente por aparentar ser a via mais fácil pela qual o indivíduo pode suprir as suas carências psíquicas. Ademais, o grupo, propicia a sensação de impunidade e anonimato, podendo levar a um agir inconsequente ou irresponsável − ao reforçar tendências psíquicas infantis ou a reativação da atuação destas. Apesar desta visão contundente de Jung, na atualidade a psicologia analítica reviu a sua postura frente as organizações grupais, pois estas também têm o potencial de provocar mudanças positivas. O caminho da dependência do Estado e sua consequente identificação ampla com o grande grupo da sociedade promete, fantasiosamente, livrar todas as pessoas das agruras da busca pelo autoconhecimento. Neste sentido, induz os indivíduos a adotarem como valores a simples imitação, seja de seus pares ou de personalidades modelo. A atuação do Estado reitera a dependência emocional ao se colocar em posição superior no tocante a importantes decisões a respeito da vida de seus cidadãos. Isto significa que o Estado sempre sabe o que é melhor para o indivíduo e como melhor protegê-lo dos perigos do existir − visto que suas orientações se embasam em um enorme aparato técnico-científico e em médias estatísticas. De certa forma, um Estado que superprotege o indivíduo rouba o prazer das árduas conquistas e torna o existir apático (JUNG, 1959/2013). Novamente aqui devemos ter em mente que esta dependência do indivíduo não se vincula mais completamente ao Estado, mas também é promovida e exercida pelos meios de comunicação de massa, mídias, empresas multinacionais, etc. Ao discorrer sobre a interação entre o Estado/grupos e o indivíduo, Jung de forma alguma pretende realizar a defesa de uma ideologia anarquista ou propor o retorno a um modelo de organização social estritamente local e não formalmente institucionalizado, como é o caso das organizações tribais. Em seus textos, ele frequentemente aponta que os grupos e a sociedade apresentam vantagens imprescindíveis de adaptação ambiental, proteção e ganhos sociais vitais ao indivíduo (JUNG, 1959/2013). Sua postura crítica busca evidenciar os efeitos deletérios causados pela inconsciência tanto ao nível da existência individual, quanto comunitária. Assim, segundo sua concepção, as grandes aglomerações humanas reforçam a inconsciência e o mal cuja propagação pode ser veloz e quase irrefreável. No entanto, o aglomerado social também pode promover o bem. Ele é capaz de promover

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condições que compensam a fraqueza moral da maioria das pessoas ao dar forma a um bem externo ao qual elas se agarram para poder sustentar-se. Como evento podemos citar as grandes religiões que, de maneira geral, promovem a cura psíquica a todos aqueles que sozinhos não têm condições de carregar conscientemente a própria responsabilidade. Para o autor, essas pessoas compõem a maior parcela da população (JUNG, 1954/2012, p.335). Pode-se inferir que Jung propõe como dever do indivíduo que este aja de maneira permanentemente ativa − tanto em relação à cooperação com sua própria psique, quanto ao monitoramento dos sistemas políticos-estatais – como condição necessária para se evitar novas catástrofes humanas semelhantes as duas Grandes Guerras Mundiais ou a ascensão de regimes totalitários e/ou genocidas. O autor acredita que estes indivíduos ativamente empenhados com o seu existir são apenas alguns poucos. São aqueles capazes de escapar do processo de dependência do Estado e da massificação psíquica, os que buscam conquistar a própria personalidade por via do engajamento com o processo de individuação (JUNG, Ibidem). Jung compreende que além da análise pessoal, o único meio pelo qual o indivíduo pode se evadir do processo de massificação promovido pelo Estado é por via da religiosidade. Apesar de sua potencialidade para a alienação do mundo concreto e de si mesmo, as religiões2 tentam pôr o indivíduo em contato com uma “autoridade oposta à do ‘mundo’” (JUNG, 1957/2013, p. 20), trazendo uma atitude psíquica ao indivíduo que lhe propicia dependência e submissão a questões irracionais. Estas questões irrompem de sua interioridade, ao se contrapor com a vivência externalizada imposta pelo Estado. Isto ocorre pelo fato da religião ter como finalidade mais abrangente a preservação da estabilidade psíquica do indivíduo frente a fatos incontroláveis tanto do meio externo quanto do seu inconsciente. Quanto maior 2

Jung afirma que não emprega o termo religião para se referir a uma dada profissão de fé religiosa. Em seu entendimento, toda confissão religiosa em parte se funda na experiência do numinoso e, em contraparte, se assentada sobre a fé e a confiança em relação esta mesma experiência. Esta somatória de partes necessariamente induz mudanças na consciência e na relação desta com as demais instâncias psíquicas. O termo religião pode ser compreendido redutivamente como “(...) a acurada e conscienciosa observação (...)” do numinoso (JUNG, 1939/2012b, p. 19). A experiência religiosa do numinoso é decorre de um efeito dinâmico ou de uma existência não decorrente de um ato arbitrário, que se manifesta no indivíduo. Esta manifestação toma e domina a psique e, por isto, lhe desperta uma condição especial. Esta condição independe da vontade individual e está provavelmente ligada a uma causa externa. De maneira geral, tal condição psíquica pode ser despertada por um objeto visível ou o influxo de uma presença invisível (JUNG, Ibidem, p. 19-21).

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a crença na racionalidade e mais enfraquecido o indivíduo, maior será a entrega espiritual ao Estado. Apesar deste lhe propiciar uma sensação de proteção externa proveniente do grupo, o indivíduo permanece vulnerável as erupções inconscientes, já que não recebe ferramentas para lidar com elas. Estados com tendências totalitárias (ou que são propensos a esta tendência) se valem de ideologias para que suas organizações sejam cultuadas como deuses. Roubam do indivíduo o fundamento metafísico da existência, não deixam espaço para a decisão ética individual e instauram a mentira como condição para as ações políticas. Ao gerar nos indivíduos uma sensação de proteção tanto interna como externa, cria um fanatismo que reprime e elimina toda forma de oposição (JUNG, 1957/2013). Frente a todas estas questões, Jung compreende como um engodo a concepção de que “(...) o mundo moderno é o mundo do homem (...)” (JUNG, 1957/2013, p. 30), pois apesar do êxito em modificar e controlar uma parte significativa das forças da natureza e desta forma ter se assenhorado de seu destino, ele se tornou escravo e vítima de ideias e concepções que o orientam para o mundo exterior, causando a perda da sua dignidade e autonomia. “(...) Todos os progressos, realizações e propriedades não o fazem grande, ao contrário, o diminuem” (Ibidem., p. 31) porque o desenvolvimento do senso moral e ético do homem que usufrui destes bens da modernidade foi totalmente esquecido (JUNG, 1945/2012, p. 50). Para Jung, a consciência é uma condição do ser humano. Ela é o bem maior e mais importante do indivíduo, sujeito sobre o qual se estrutura toda a sociedade. Desta forma, do ponto de vista social, ele propõe uma mudança de orientação frente ao mundo, de modo que o indivíduo seja tratado como prioridade e não como número infinitesimal pela sociedade. Deve-se buscar uma reorientação em direção ao mundo interior, tão obstinadamente como a que se empregou ao mundo exterior, para que se possa resgatar a dignidade e autonomia humana. Esta renovação de orientação não deve ser procurada na sociedade porque ela em si não se constitui em caminho de renovação.

(...) Segundo nossa atitude racionalista, acreditamos poder alcançar alguma coisa através das organizações, leis, constituições e demais instrumentos bem intencionados. Na realidade, porém, a renovação do espírito das nações só poderá ser alcançada por meio da

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transformação na compreensão do indivíduo. A renovação tem início no indivíduo. (JUNG, 1946/2012a, p. 62)

A massificação promovida pelo Estado tem como objetivo o isolamento psíquico do homem ao ter em vista que quanto menor a integração entre os indivíduos, mais sólida e poderosa é a organização estatal. Neste sentido, Jung aponta que “(...) quanto maior for o agregado de indivíduos, tanto maior será a obliteração dos fatores individuais e, portanto, da moralidade (...)” (Ibidem, p. 62-63). Só um indivíduo psiquicamente consciente de seu dinamismo psíquico − de sua natural dissociação entre consciente e inconsciente − e que reflete sobre si mesmo de modo a relativizar as pressões grupais, é capaz de opor resistência a influência massificante da sociedade. Esperar que o Estado realize aquilo que o indivíduo não é capaz de fazer é o primeiro passo em sentido a massificação, já que o Estado, por ser uma instância abstrata, é totalmente dependente das individualidades concretas. O Estado para ser verdadeiramente democrático deve levar em conta a natureza humana − em sua inerente dissociação entre as instâncias consciente e inconsciente − e propiciar condições para o desenvolvimento das potencialidades individuais ao invés de buscar a homogeneidade por via da supressão das diferenças. Para Jung, a cosmovisão sobre a qual se estrutura a sociedade moderna propicia uma dissociação psíquica, fruto da separação irreconciliável entre fé e ciência. Os Estados são orientados primordialmente pelo racionalismo e cientificismo, reprimindo e desqualificando as representações instintivas do humano. Estas acabam por irromper periodicamente em amoralidade, primitivismos e violência social. “Se, por um lado, a natureza se inanimou, por outro, as condições psíquicas geradoras de demônios ficaram mais ativas do que nunca”. (JUNG, 1945/2012, p. 45). A desanimação da natureza juntamente com a massiva impregnação das consciências com os ideais do cristianismo − destacadamente a noção idealizada da separação entre o bem e o mal e à execração deste último − amplia e fortalece a repressão das manifestações do inconsciente devido a sua natureza de dualidade contraditória. De acordo com Jung (1917/2014, p. 90), a negação de tudo aquilo que se encontra fora do domínio da consciência ocorre porque busca resguardar as concepções fundamentais dominantes do sistema sociocultural.

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Neste sentido, quando Jung se refere “as condições geradoras de demônios”, ele pretende afirmar que quanto maior for o grau de unilateralidade, rigidez e incondicionalidade da defesa da perspectiva consciente, proporcionalmente mais agressivo, hostil e incompatível se tornará a perspectiva inconsciente, de tal forma que a possibilidade de reconciliação entre a consciência e o inconsciente é pouco provável. Caso o ponto de vista consciente se permita ao menos reconhecer a relatividade de sua perspectiva, a resistência inconsciente contrária igualmente se arrefecerá (JUNG, 1917/2014, p. 90). Deste modo, podemos especular que mesmo nos Estados teocráticos contemporâneos a cosmovisão permanece cindida. Neles a ciência, assim como as instituições governamentais, se subordina aos desígnios da fé dominante e a seus códigos. Isto muitas vezes implica em uma produção científica enviesada e não imparcial fruto do predomínio de preceitos religiosos e seus dogmatismos totalitários. Eles tendem a negar e negligenciar fatos e dados que não se apresentam em consonância com o discurso de sua doutrina. Visto que existe uma perigosa tendência ao flerte entre os Estados teocráticos e o totalitarismo, os primeiros são frequentemente direcionados à busca de uma homogeneidade entre os integrantes de sua população, o que implica em incutir uma ideologia ferrenha e a institucionalização da fé. Deste modo, os Estados teocráticos, em similitude com os Estados totalitários, são propensos a roubar do indivíduo o fundamento metafísico da existência, ao se autoproclamarem fruto do desejo celestial e executores de seus desígnios. Assim, aparentemente, mesmo nos Estados teocráticos contemporâneos resta pouco espaço para o contato íntimo com fatores numinosos, visto que a orientação frente ao mundo é imposta ao indivíduo de fora para dentro por via da doutrinação religiosa e de seus dogmas. A pressão por uma identificação incondicional com uma “verdade religiosa” pode ocasionar uma espécie de catástrofe psíquica, por sua capacidade potencial em se tornar obstáculo à desenvolvimentos posteriores da personalidade. Ou seja, “(...) Em vez de conhecimento claro, teríamos apenas a crença, o que, por vezes, é muito mais cômodo e consequentemente mais atraente” (JUNG, 1946/2013, p. 169-170). Para o autor, na contemporaneidade, a religião é geralmente compreendida como uma confissão ou credo regido por um “(...) sistema coletivamente aceito de

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proposições religiosas codificadas e cristalizadas em fórmulas dogmáticas (...)” (JUNG, Ibidem, p. 171), cujos “(...) símbolos exprimam os arquétipos primitivamente ativos”. (JUNG, loc. cit.). Neste sentido, ela está mais fortemente vinculada ao âmbito da consciência coletiva do que ao inconsciente. Se a religiosidade for vivida apenas por via da compreensão racional e concreta, sua ação benéfica como contraponto ao mundo e a vivência externalizada e massificante será em grande parte neutralizada. Deste modo, a religiosidade exercida somente como fruto da coerção de um código moral corre grande risco de se esvaziar de significado e se reduzir a um ato mecânico. A consequente falta de um contato autêntico com o que há de divino na psique, como aponta Jung (1957/2013, p. 20), potencializa a alienação do mundo concreto e do Si-mesmo (Self). A referida desanimação da natureza, é decorrente de uma compreensão cada vez mais científica e concreta da realidade que acarreta na perda progressiva dos simbolismos

e

da

magia

que,

no

passado,

era

projetado

sobra

ela.

Consequentemente, na atualidade, mesmo os habitantes de países com orientação teocrática, vêm se distanciando daquela compreensão metafísica da realidade e, consequentemente, daquela instância natural da psique compreendida por Jung como totalidade inconsciente. Esta totalidade se contrapunha naturalmente à unilateralidade da realidade exterior e servia como defesa eficiente contra a inflação egóica ao propiciar uma via de vazão aos instintos. Jung afirma que a religião para de atuar de forma benéfica quando o eros maternal deixa de compor a sua essência (JUNG, 1946/2013, p. 171-172). É justamente esse eros maternal que torna a religião capaz de pôr o indivíduo em contato com o metafísico, o inconsciente, e desperta a vivência do numinoso. Por eros maternal Jung se refere à capacidade da religião de promover o contato do indivíduo com a totalidade, ou seja, uma comunhão com o transcendente. Após está rápida apresentação da compreensão que Jung tinha da contemporaneidade, e com intuito de ter uma visão mais atual com ênfase sociológica sobre a contemporaneidade e sua história, será exposta a compreensão de Anthony Giddens (2001) sobre o tema. Para pensar a contemporaneidade, Giddens faz um recorte histórico que envolve desde referências a períodos históricos pré-modernos até a modernidade tardia. Deste modo se tornam visíveis os contrastes culturais, sociais e do modo de

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vida de cada um destes períodos históricos e os seus dinamismos que vieram a modelar o mundo em que vivemos hoje. Para Giddens (2001) o termo modernidade pode ser grosseiramente equiparado a mundo industrializado. Assim sendo, devemos levar em conta que o “industrialismo” e o capitalismo são suas duas dimensões institucionais. A primeira, o industrialismo, é compreendido como se referindo às relações sociais envolvidas no uso generalizado da energia mecânica e das máquinas nos processos de produção. Já a segunda dimensão, o capitalismo, se refere ao sistema de produção de mercadorias que abarca mercados concorrenciais de produtos e a transformação da mão-de-obra em mercadoria. De acordo com o autor, outra especificidade da modernidade é o surgimento do Estado-nação caracterizado pelo funcionamento organizacional. Sua diferenciação de Estados pré-modernos não se dá tanto pelo caráter burocrático ou por seu tamanho, mas principalmente, pela regulação e controle de relações sociais. O Estado-nação representa uma descontinuidade em relação às culturas e modos de vida pré-modernos. Uma de suas principais características é o dinamismo extremo, isto significa que “Além do ritmo das mudanças sociais ser muito mais acelerado, tais mudanças afetam com profundidade (ou âmbito) muito maior as práticas sociais e os modos de comportamento preexistentes" (GIDDENS, Ibidem, p. 14) Para o autor, a vida social moderna apresenta três tipos de dinâmicas que a diferencia da existente em épocas pré-modernas. São elas: a separação do espaço e do tempo, a descontextualização das instituições sociais e a reflexividade. Vejamos as suas definições: A separação do espaço e do tempo não existia nas culturas pré-modernas, o tempo e o espaço estavam ligados através da situacionalidade do lugar. O desenvolvimento de utensílios mecânicos de medição do tempo, como por exemplo o relógio, assim como o mapeamento do planeta como um todo, levou a uma abstração e despersonalização do tempo e do espaço. Assim, surge a noção de tempo universal que independe da existência do indivíduo. Agora, tudo ocorre sem a necessidade da mediação de um local físico comum para todos os envolvidos. A descontextualização das instituições sociais se refere “(...) a ‘remoção’ das relações sociais dos contextos locais e sua rearticulação através de trechos

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indefinidos

de

espaço-tempo”.

(GIDDENS,

2001,

p.

16).

Ela

depende,

fundamentalmente, da confiança das pessoas nas instituições que passam a lhe propiciar as condições básicas de sobrevivência. Esta dinâmica, denominada de sistemas abstratos, opera de dois modos distintos, sendo denominados garantias simbólicas e sistemas periciais. Garantias simbólicas correspondem aos meios de troca com valor-padrão, ex. dinheiro, que permitem transações entre uma multiplicidade de indivíduos que nunca se encontraram fisicamente. Os sistemas periciais se referem a modos de conhecimento técnico que penetram em praticamente todos os aspectos da vida social moderna, independentemente dos praticantes e dos usuários − ex. produção e distribuição de alimentos, formação de profissionais da saúde, logística de transportes, etc. A reflexividade “(...) diz respeito à possibilidade de a maioria dos aspectos da atividade social e das relações materiais com a natureza serem revistos radicalmente à luz de novas informações ou conhecimentos.” (Ibidem, p. 18). Apesar da dinâmica da reflexividade ter se originado a partir do pensamento iluminista, ela o desautoriza no que diz respeito ao conhecimento científico social e natural. Nesta dinâmica, a produção de ciência deixa de se embasar pela acumulação indutiva de provas e adota a dúvida como princípio metodológico. O princípio da dúvida radical causa impacto não apenas sobre os indivíduos envolvidos nos meios acadêmicos ou vinculados diretamente à produção científica, mas também nos indivíduos comuns. Sobre os indivíduos comuns, este impacto se dá pelo fato de os sistemas abstratos afetam profundamente áreas da vida do dia-a-dia, oferecendo possibilidades múltiplas e não linhas de orientação fixa ou receitas para a ação. Deste modo, as incertezas e contradições se tornam permanentes e os juízos e decisões deixam de se apoiar em autoridades externas para se fundamentar sobre a própria responsabilidade individual. Decorrente da inovação tecnológica, o desenvolvimento das mídias de comunicação em massa surge como uma peculiaridade exclusiva da modernidade. Estas formas de comunicação – o texto impresso e, posteriormente, o meio eletrônico – trouxeram consigo uma enorme ampliação da mediação da experiência, contribuindo de maneira decisiva para o desenvolvimento e expansão das instituições modernas.

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A atuação simultânea das três dinâmicas características da modernidade – a separação do espaço e do tempo, a descontextualização das instituições sociais e a reflexividade – somada à integração crescente das mídias de massa com a comunicação eletrônica, cria as condições fundantes da modernidade tardia. Economicamente, a modernidade tardia se caracteriza pelo processo contínuo de globalização. Giddens compreende este novo fenômeno como: (...) a interseção da presença e da ausência, o entrelaçamento dos eventos sociais e relações sociais “a distância” com as contextualidades locais. Deveríamos compreender a expansão global da modernidade em termos de uma relação contínua entre a distanciação, por um lado, e, por outro, a mutabilidade crônica das circunstâncias locais e dos engajamentos locais. Tal como cada um dos processos acima mencionados, a globalização tem de ser entendida como fenômeno dialético no qual os eventos num dos polos de uma relação distanciada produz muitas vezes ocorrências divergentes ou mesmo contrárias no outro polo. (2001, p. 19-20)

Como observado acima, uma das dimensões institucionais fundamentais da modernidade é o capitalismo. Deste modo, o processo de acumulação de capital representa uma das principais forças impulsionadoras das instituições modernas em seu todo. A mercadoria abstrata é um elemento basilar do capitalismo como sistema de produção e, sua incorporação em diversos seguimentos do existir, provoca o processo de mercadorização. Segundo

Giddens

(Ibidem),

o

processo

de

mercadorização

ocorre

genericamente em três níveis: dos produtos, da mão-de-obra e do consumo. No caso dos produtos, se dá quando os valores de uso se tornam irrelevantes para o processo de produção − venda e distribuição de bens e serviços − sendo substituídos pelo valor das trocas comerciais. No caso da mão-de-obra, quando ocorre uma abstração do valor da força de trabalho, separando-a do resultado do processo produtivo. No caso do consumo, via estabelecimento de estilos de vida, projetos de identidade e parâmetros para avaliar a realização pessoal, padronizados e promovidos pelos meios de propaganda. Segundo o autor, o ataque à tradição é decorrente da necessidade de mercadorização continua do mercado capitalista. A tradição é atacada porque largos setores responsáveis pela reprodução das convenções sociais são postos nas mãos de mercados de produtos e de trabalho. Os mercados funcionam sem respeito pelas formas de comportamento preestabelecidas, que na maior parte representam

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obstáculos à criação de mudanças sem entraves. Como no capitalismo tardio a designação de necessidades individuais se torna necessária para a continuidade do sistema, a liberdade de escolha individual, governada pelo mercado, se torna o modelo referencial para as vias de expressão individual. O consumo, sob o domínio dos mercados de massa, é um fenômeno inédito e integrante do processo de reflexividade do existir moderno, não sendo decorrência de uma reorganização de padrões de comportamento ou de aspectos da vida cotidiana. Para Giddens (2001), os meios de comunicação de massa não apenas elegem e apresentam modos de vida que devem ser admirados e desejados por todos, mas em um nível mais sutil, também formulam estas narrativas pensando na criação de nexos que levem os espectadores a se identificar com a temática transmitida, servindo como escapes ou substitutos parciais de desejos que não são concretizáveis em condições sociais rotineiras. A partir do exposto, notamos que o modelo de organização da sociedade ocidental passou por grandes modificações desde a época de Jung, sendo que a visão de Giddens (2001) nos auxilia a acompanhar essas transformações. Passamos agora a discutir pontos que consideramos fundamentais para a compreensão do fenômeno da ansiedade como traço inerente das culturas modernas. Como visto, o modelo econômico vigente na atualidade, embasado nas políticas de globalização, acelerou o processo de desenvolvimento e criação de novos produtos e tecnologias, assim como vêm possibilitando o acesso em massa a esses bens. Simultaneamente, este modelo produtivo traz em seu ideário o rompimento e a desvalorização de tudo aquilo que não seja uma novidade. Neste sentido, a tradição e os valores morais que secularmente eram vividos pelas gerações vêm sendo paulatinamente abandonados e/ou esquecidos, sendo substituídos pelo consumismo desenfreado. Tal processo, justamente por ainda estar em curso e não ter engendrado um novo modelo referencial sólido, acaba por ser vago e cambiável, causando uma sensação de desorientação e insegurança frente ao mundo. Jung, (1941/2012, p. 113-114) salienta que apesar de desejável em certos períodos históricos, a dissolução da tradição cultural sempre representa um perigo e uma perda, pois deixa em seu vácuo um solo fértil para o desenvolvimento de problemas psíquicos. Isto ocorre pelo fato de as convicções e os costumes transmitidos pela tradição serem a via de expressão da vida instintiva humana e, sua

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perda, leva a uma cisão entre a consciência e o instinto. Em decorrência dessa cisão, a consciência perde o contato com os instintos que, agora sem possibilidade de expressão, vão aumentar a pressão exercida pelo inconsciente sobre a consciência. Isto ocasiona invasões de conteúdos inconscientes sobre a consciência, facilitando a ocorrência de quadros psicopatológicos. Visto que tal quebra de valores incide sobre grande parte dos âmbitos da existência humana e, somado aos processos de disseminação da incerteza generalizada decorrente da dúvida radical e da progressiva perda da capacidade de abstração a respeito da simbologia do existir, acarreta a generalização da sensação de despropósito e desorientação referente ao estar no mundo. May (2009, p. 45-47) afirma que em épocas de mudança cultural radical “o dilema humano”3 torna-se mais difícil de tratar do ponto de vista psicoterápico. Isto decorre do fato da autopercepção ser construída sobre os valores e princípios que norteiam a sociedade. Portanto, caso esses valores sejam instáveis, o indivíduo não terá parâmetros seguros para formar e pensar sobre a própria individualidade. Segundo este autor, a insegurança quanto a própria individualidade torna o indivíduo apático frente ao existir e, por isso, altamente influenciável e manipulável, já que busca na coletividade a segurança e o reconhecimento que não possui internamente. Desta forma, para May (2009), a massificação social se aguça em períodos históricos transicionais, pois o indivíduo se pensa a partir de valores coletivos da cultura e, caso estes sejam abalados, o indivíduo não terá uma base de sustentação firme para construir a própria autoimagem. Esta ausência da segurança interna é frequentemente suprida pela identificação com valores e princípios de um determinado grupo. Ele argumenta que na atualidade, a dissolução das configurações sociais tradicionais deixa um vácuo representado pela ausência de papéis viáveis e de mitos positivos que possam guiar os indivíduos, restando apenas o modelo amplamente exaltado da máquina e as pressões para que eles se tornem a sua própria imagem e semelhança.

3

May (2009, p. 40-41) emprega o termo dilema (ou paradoxo) humano como descritivo dos conflitos conscienciais inerentes aos humanos decorrentes da capacidade que temos de simultaneamente nos compreendermos como sujeito e objeto de nossa própria ação. Esta capacidade, a consciência, é compreendida como um processo que se dá dialeticamente na oscilação entre esses dois polos, sendo a potencialidade gerada entre eles. Neste sentido, a liberdade genuína se encontra na possibilidade da vivência desta dialética da maneira mais equilibrada possível.

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Para o autor, quando o sentido do significado individual é solapado, psicologicamente, só podemos nos mover em direção à um estado infantil pois, “(...) quando as pessoas sentem a sua insignificância como indivíduos, também sofrem um abalo no seu sentido de responsabilidade humana (...)” (MAY, 2009, p. 55). Desta forma, este solapamento leva a um ciclo vicioso segundo o qual a crise identitária gera ansiedade, “(...) a ansiedade em regressão e apatia, essas, por sua vez, em hostilidade, e a hostilidade numa alienação entre os homens” (MAY, loc. cit.). Ou seja, de forma mais objetiva podemos dizer que a ansiedade individual “(...) é a expressão extrema da ruína do sentido de significação do homem como indivíduo e, consequentemente, a sua perda de capacidade de decisão e responsabilidade individual” (MAY, 2009, p. 56). Este rompimento radical com a tradição também é percebido na relação do humano com o tempo. Na atualidade, a sensação generalizada é que o tempo vem se acelerando cada vez mais, sendo que os dias e semanas aparentam ser cada vez mais curtos frente a quantidade de atividades que somos obrigados a cumprir. Apelase a todo tipo de artefato eletrônico ou maquinário com a esperança de se conseguir reduzir o tempo gasto nas obrigações cotidianas, tanto domésticas quanto profissionais e, desta forma, ter algum tempo livre para “aproveitar a vida”. Todavia, a cada ano que passa, temos a sensação de que os dias se encurtam cada vez mais. Frente a este aparente paradoxo do mundo atual, a filósofa Olgária Matos argumenta que este fenômeno é decorrente da perda do aspecto qualitativo do tempo. Segundo Matos (2009), em meio à confusão da vida urbana, perdemos a capacidade de dar sentido aos nossos atos cotidianos, passando a viver em função de atividades e tarefas alienantes que em nada contribuem para o desenvolvimento do sujeito humano. É notório que, nas últimas duas décadas, a existência externa ao mundo do trabalho passou a ter profundas semelhanças com as linhas de produção fordista ou taylorista. Neste contexto, a grande maioria da população vive, permanentemente, uma cisão entre a vida que deseja e a vida que realmente tem, a qual é povoada por um vazio que exacerba todo tipo de comportamento destrutivo. A partir do apontado anteriormente, podemos inferir que frente à crescente carência de valores tradicionais que formam a base de orientação para a compreensão do mundo e da personalidade – e a permanente mutabilidade dos valores que surgem como substitutos − de maneira geral, os indivíduos buscam adotar

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os princípios de mercado na gestão de sua individualidade para enfrentar este esvaziamento. Como apontado por Giddens (2001), o processo de mercadorização impulsiona a adoção do padrão monetário como valor para a compreensão do mundo e, desta forma, a dimensão do ócio como meio criativo é desvalorizada em detrimento de um ideal de produtividade constante que passa a orientar a vida. Isto implica em: agitação constante, preocupação e valorização excessiva do dinheiro, alienação por via do consumismo compulsivo, compartimentalização da vida cotidiana (se faz para ganhar dinheiro e não por ter aptidão ou afinidade com o trabalho) e, por fim, em nível de sociedade, a desvinculação e dominação da natureza. Esta nova concepção de vida revela alguns aspectos gerais das culturas contemporâneas, os quais seriam: a tentativa de se minimizar as consequências antihumanas do sistema de produção e a mistificar a crise ecológica planetária decorrente deste mesmo sistema. Com relação a primeira questão, é notório que o desenvolvimento tecnológico não foi acompanhado por um avanço semelhante no âmbito da moral e da ética. Em decorrência, a lógica inicial segundo a qual a técnica deveria servir ao homem vem lentamente sendo invertida, pondo o humano a serviço da técnica e tornando-o um meio para a sua perpetuação, como visto acima, os primeiros sinais desta tendência que foi brilhantemente percebida por C. G. Jung, já nas décadas iniciais do século XX. A partir da adoção de um enfoque amplo, podemos citar como exemplo deste processo da transformação da realidade que vem acarretando na transformação do humano em um meio para a perpetuação do sistema produtivo, as transformações pelas quais o modelo educacional vigente em nosso país vem passando desde meados dos anos 1980. Desde então, passou-se paulatinamente a dar ênfase à qualificação profissional (técnica) e importância secundária a formação humanística. Gentilli (1995) faz uma interessante reflexão sobre como a adoção de princípios administrativos neoliberais em nosso país provocou modificações na gestão da educação pública, ocasionando impactos diretos sobre a missão e os valores normativos que orientam as instituições escolares. Segundo sua compreensão, a adoção de tais políticas teve como consequências impactos predominantemente negativos ao institucionalizar uma formação escolar tendenciosamente alienante. No caso da tentativa de mistificação da crise ecológica global, também podemos vislumbrar a existência de uma associação a esta orientação chamada

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“capitalismo tardio” por Giddens (2001). Pois grande parte do existir passa a ser subjugado ao processo de mercadorização e se volta para a satisfação do desejo e obtenção do prazer por via do consumo. Neste sentido, pouco importa os meios para esta satisfação, sendo a devastação do meio ambiente vista, em parte, como um preço a ser pago para que se possa viver este desfrute. A compartimentalização do ser/existir humano, que opera sob a mesma lógica apontada acima, se torna evidente quando, por exemplo, se exige do corpo níveis de desempenho que entram em choque com a sua própria natureza. Visa-se atingir um desempenho máximo, tal qual uma máquina, muitas vezes sem se levar em conta as consequências para o próprio organismo. Em relação a este último aspecto, Rollo May (2012) chama atenção para o fato de cada vez mais se pensar o corpo físico como um elemento externo e alheio ao ser, de tal modo que nos relacionamos de maneira impessoal com o nosso próprio organismo. O adoecimento e a patologia passaram a ser pensados como defeitos operacionais da máquina biológica e, consequentemente, perderam-se de vista as dimensões simbólicas que tais fatos podem trazer para o desenvolvimento da personalidade humana. Como dito, a dicotomização mente/corpo leva à ideia de superação constante dos limites. Neste sentido, visando o aumento do desempenho e a conquista de reconhecimento no âmbito profissional cresce e se populariza o uso de todo tipo de estimulantes para se superar as limitações biológicas impostas pelo corpo e, desta forma, leva-se o organismo a um estado de estresse e excitação permanentes. É importante salientar que o uso de estimulantes – cuja finalidade inicial era melhorar o desempenho de soldados no front de guerra – ganhou espaço no âmbito civil na última década não apenas como meio para aumentar a produtividade no trabalho, mas, igualmente, passou a ser largamente empregado nos momentos de lazer, para que se possa “curtir” as festas e confraternizações até o último momento. Matos (2009) nos fala que no pós-guerra ocorreu o predomínio cada vez maior da mentalidade protestante – segundo a qual a redenção do homem se daria pelo trabalho – e que na contemporaneidade estes preceitos religiosos sofreram um processo de distorção pela ideologia capitalista, no qual se igualou o ócio ao tédio. Já de acordo com o paradigma capitalista vigente nos dias de hoje, o ócio não passa de

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perda de tempo. Desta forma, a ideologia contemporânea nos diz que não produzir é perder dinheiro, algo inadmissível em tempos de globalização. Matos (Ibidem) aponta que na contemporaneidade o ócio vem sendo substituído pelo lazer, atividade que, segundo a autora, tem características distintas, pois no primeiro se enfatiza a contemplação e o não-fazer, permitindo a livre manifestação da criatividade. Já no segundo, aparece um agir que rompe com o fazer cotidiano, mas que serve apenas para “matar o tédio”. Este agir irrefletido dificilmente rende algum ganho qualitativo para o sujeito já que, na grande maioria das vezes, é constituído por atividades alienantes e culturalmente pouco significativas. Aparentemente, esta atmosfera social baseada na produtividade cria um estado psicológico no qual o outro é o concorrente a ser sobrepujado. Neste sentido, os vínculos sociais tendem a dar maior ênfase aos interesses do que à afinidade, acarretando em um proceder que reforça a visão primordialmente utilitarista dos seres humanos. No existir cotidiano da população, notamos que este tipo de atitude objetificante é predominante em eventos de massa, onde a individualidade submerge frente à excitação das multidões. No entanto, gostaríamos de chamar a atenção para dois exemplos de participação no coletivo que tem características diversas dos primeiros. O primeiro exemplo é o que se dá no meio virtual, no caso específico do fenômeno dos sites de redes sociais. Nestes a publicização da vida privada aparentemente visa privilegiar apenas o bem-estar, o bem viver e o sucesso, de maneira similar às campanhas publicitárias comerciais. Visa-se a valorização do eu e ocorre um esforço continuo pelo marketing pessoal, que compreende desde a divulgação de um momento de alimentação sofisticada até a exposição de bens e materiais adquiridos que ostentam uma imagem de sucesso financeiro. Supostamente, este tipo de comportamento motiva a inveja e a baixa autoestima dos amigos que compartilham da mesma rede, em um esforço contínuo para sobrepujar o outro e conseguir, momentaneamente, um lugar de destaque ao Sol. Vive-se uma disputa acirrada, mesmo que de maneira velada, entre o eu e os outros que, ao menos no meio virtual, são frequentemente compreendidos não como outros seres humanos, mas sim como objetos cuja publicação nas redes sociais fomentam a disputa por destaque social e eclipsiam a compreensão do outro como uma alteridade.

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Mais um exemplo que temos da naturalização da objetificação de seres humanos é, inegavelmente, a violência no trânsito. Segundo reportagem da revista “Em Discussão”, do Senado Federal Brasileiro (Teixeira, C. ET al. 2012), no ano de 2009 o Brasil era o 5º país do mundo no qual o trânsito mais matava. A reportagem se baseou em um relatório do mesmo ano elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em outra reportagem mais recente, de autoria da Organização das Nações Unidas (ONUBr, 2015), publicação que se baseou no relatório mais recente OMS intitulado “Global status report on road safety 2015”, aponta agora que o Brasil é o país com o maior número de mortes no trânsito por habitante da América do Sul. Além dos próprios dados apresentados pela reportagem mencionada anteriormente, nas grandes metrópoles do nosso país – e infelizmente não apenas nelas – é notório que se vive uma batalha constante entre o sujeito e outros carros, motos, ciclistas e pedestres que disputam a mesma via. Nesta batalha rotineira, digladiam-se sempre um indivíduo com seu veículo contra outros indivíduos que atrapalham ou atrasam o seu percurso. No furor da disputa rodoviária estes outros, com os quais se divide a via, dificilmente são percebidos como sendo outros seres humanos – que igualmente são atormentados por um existir frenético – e, mesmo quando se consegue perceber o outro como uma alteridade, normalmente isto se dá via um rebaixamento de suas qualidades. Mario Jacoby traz um importante apontamento para refletirmos sobre o comportamento de compreender os outros indivíduos como objetos, fato que vem se tornando dominante principalmente nos grandes aglomerados urbanos:

Minha inclinação é, portanto, falar da transferência toda vez que outra pessoa é inconscientemente vivenciada como Eu/Isso e não como Eu/Você. A transferência é, em sua maior parte, inconsciente. Se uma pessoa faz da outra um Isso, usando-a intencionalmente para suas próprias necessidades, eu não chamaria isso de transferência. Pode haver uma ética questionável por trás dessa atitude, mas ao menos na superfície, não se trata de transferência. Tal atitude também pertence ao que chamamos de realidade. (JACOBY, 2011, p. 96, 97)

Notamos que este comportamento de objetificar o outro, como apontada por Jacoby, sempre existiu. Como na atualidade, a transposição de valores mercadológicos para a vida cotidiana se intensificou em demasia acirrou-se o clima de competição social e a diminuiu o sentimento de solidariedade com o próximo. Acrescenta-se a isso o próprio estresse decorrente da densificação populacional. Este

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panorama geral causa uma percepção de medo e desconfiança com relação ao desconhecido. Aos poucos, isso passa a ser um modelo de comportamento integrado à própria conduta social, com reflexos negativos na cultura. De certa forma, ver o outro prioritariamente como um Isso vem se tornando parte da conduta moral contemporânea. No âmbito das relações afetivas, em particular as amorosas, também notamos o predomínio da atitude Eu/Isso. Bauman (2004) em seu recorte sociológico afirma que a sociedade pós-moderna está associada ao amor líquido e este, por sua vez, é orientado pelo consumo. A seu ver, o relacionamento amoroso é compreendido como mercadoria e só valerá a pena ser mantido enquanto ele estiver dando lucro. Para o autor, no amor líquido não existe paixão, apenas convivência e, por isso, se alguma coisa sair fora do planejado a relação é rapidamente desfeita e outra deve ser constituída, de modo que os parceiros não sofram com feridas e cicatrizes. Desta forma, no amor líquido não há troca nem entrega porque o relacionamento se dá ao nível da objetificação do outro (BAUMAN, 2004). De acordo com este autor, este tipo de relacionamento superficial, denominado por ele como relações de bolso, vem paulatinamente se popularizando, indicando que em breve se tornará o modo predominante do relacionar-se amorosamente. Todavia, para ele, as relações de bolso, ao invés de ser uma relação verdadeira, se constitui predominantemente em uma disponibilidade externa para se relacionar e em uma indisponibilidade interna para se envolver. É muito mais proximidade do que intimidade. Ela é extremamente funcional para a demanda da cultura de massa e, ao mesmo tempo, vazia de riqueza emocional e afetiva (BAUMAN, 2004). É muito importante neste momento frisar que a objetificação das pessoas cria um ambiente social extremamente conflitivo e hostil. A questão da ansiedade será abordada no capítulo seguinte.

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2. A COMPREENSÃO PSICOLÓGICA DA ANSIEDADE 2.1. A ANSIEDADE EM JUNG

Ao analisar os textos das obras completas de Jung, notamos que o autor se refere ao tema ansiedade não como uma categoria nosológica específica, mas como um dentre vários sintomas decorrentes de categorias patológicas amplas, como a histeria, a neurose, e a esquizofrenia (dementia praecox). De acordo com Vargas (2006), isto ocorre porque os sintomas individuais, que atualmente se enquadram na categoria específica de Transtorno de Ansiedade, tinham sua manifestação atribuída ao quadro geral de manifestações de outras doenças ou eram considerados apenas como doença em sua manifestação específica. A compreensão de que as condições ansiosas poderiam ser agrupadas em um construto unitário, chamado transtorno de ansiedade, só se deu após o campo psiquiátrico ser reelaborado a partir das ideias de Freud e seus discípulos durante a segunda metade do século XX. Deste modo, nas obras completas de C.G. Jung, as referências ao transtorno de ansiedade são inexistentes, dado aos motivos previamente citados. Já o termo ansiedade foi encontrado com baixíssima ocorrência. Os raros momentos em que Jung emprega este termo são rapidamente apresentados a seguir: Ao comentar um caso de dementia praecox, Jung (1907/2013) utiliza os termos angústia e ansiedade. Os termos não são empregados para delimitar uma categoria nosológica em si, mas como descritivos de sinais e sintomas da dementia praecox. O mesmo caso é citado mais detalhadamente por Jung no artigo “O conteúdo da psicose” (1908/2013). Nele o autor fala a respeito de uma mulher de 32 anos, cozinheira, que, de forma inesperada, começou a apresentar comportamentos bizarros e crises de ansiedade desde que se tornara noiva de um homem. A partir de então, decidiu extrair os dentes para substituí-los por uma dentadura, mesmo sem ter necessidade para tal. Na noite seguinte à extração, passou a apresentar comportamento delirante e crises de ansiedade. Neste momento, Jung teve o primeiro contato com ela. Inicialmente, ela teve uma melhora e conseguiu voltar a trabalhar, mas preservou a crença de que a extração dos dentes era um pecado perante Deus. Pouco tempo depois, ela voltou a piorar e foi internada em estado catatônico. Jung investigou o caso e constatou um medo de rejeição por parte do noivo, pois ela havia

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tido um filho ilegítimo e temia que ele a abandonasse por este motivo. A partir do que é relatado por Jung, durante este período ela apresentou intensas crises de ansiedade ao deslocar o medo da descoberta de seu segredo de possuir um filho para o pecado da remoção dos dentes. Jung afirma que ela desloca sua culpa e seu medo para o procedimento odontológico, pois quando alguém não pode confessar um grande pecado, enfatiza um menor. No artigo “A vida simbólica”, Jung cita a neurose de ansiedade como uma das consequências do esvaziamento simbólico do mundo. Segundo sua compreensão, a escassez de simbolismos faz com que o significado divino do existir se perca e o sentido da vida se volte para o pragmatismo do dia-a-dia. A falta de uma conexão com o transcendente compele os indivíduos à identificação com o grupo e reforça o comportamento massificado. Isto decorre do fato da identificação grupal ser um meio pelo qual indivíduo pode extrapolar sua individualidade, gerando uma sensação de conexão e pertencimento a um coletivo. Este, mesmo que de modo precário, passa a substitui o papel do transcendente. A precariedade decorre do fato de, ao contrário do papel desempenhado por um simbolismo transcendente que orienta a indivíduo para uma conexão com o universo, a conduta de vida referenciada no grupo se vale primordialmente da perpetuação, expansão e manutenção da estrutura grupal, não propiciando um profundo significado existencial, devido à ausência do numinoso (JUNG, 1961/2013a). Devido à escassez de material referente ao tema ansiedade nas obras completas, tornou-se conveniente uma exposição mais detalhada sobre o que, para ele era considerado do ponto de vista psicológico como normalidade e psicopatologia. 2.2. NORMALIDADE E A PSICOPATOLOGIA

Tendo como ponto de partida observações sobre a psicopatologia, Jung fala que a psique pode ser vista como um campo de fenômenos, tanto conscientes quanto inconscientes. Estes últimos não são diretamente acessíveis por meio da observação, mas dedutíveis a partir dos efeitos que causam na consciência e, experimentalmente, sua manifestação é notória através do experimento de associação de palavras (JUNG, 1927/2013, p. 39).

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No artigo “Instinto e Inconsciente” (JUNG, 1919/2013) Jung distingue instinto de fobia ao postular que, apesar de ambos se tratarem de impulsos inconscientes, o primeiro é um processo teleológico universal, e o segundo ocorre isoladamente e, portanto, não constitui uma característica universal. Assim, ele também afirma que outras necessidades inconscientes, como pensamentos obsessivos, ideias e caprichos subitâneos, afetos impulsivos, depressões, estados de ansiedade, etc., que ocorrem tanto em sujeitos normais, quanto anormais, devem ser distinguidos dos processos instintivos, pois, apesar de seu mecanismo psicológico parecer estar ligado ao instinto, esses fenômenos ocorrem isoladamente e não se repetem com frequência. Tais casos são encontrados no campo da psicopatologia, onde a um dado estímulo vê-se seguir “(...) um processo bem definido que não tem proporção com o estímulo e é comparável em tudo a uma reação instintiva” (JUNG, 1919/2013, p. 74). Nestas perturbações mentais vê-se a irrupção do inconsciente coletivo, que é formado pela soma dos instintos e de seus correlatos, os arquétipos (conjuntos de imagens primordiais). Isto é o que ocorre na esquizofrenia, por exemplo, onde há “(...) a emergência de impulsos arcaicos, associados a imagens inequivocamente mitológicas” (JUNG, 1919/2013, p. 82). Já no artigo “Aspectos gerais da psicologia do sono” JUNG (1928/2013a) afirmava que uma das principais causas do atraso dos estudos em psicopatologia de sua época se dava pela exagerada importância que a Psiquiatria dava ao somático, como resquício do materialismo que ganhou força em 1870, no qual surgiu o dogma de que as doenças mentais são doenças do cérebro. Para o autor, mesmo que o fossem, ainda assim não haveria motivo para se deixar de investigar o aspecto psíquico da enfermidade. Sobre isto, Jung afirmou que “(...) Nada nos autoriza a conceber a vida, em geral, sob um ponto de vista exclusivista, arbitrário e materialista, que nunca será provado. Tampouco temos o direito de reduzir a psique a um mero processo cerebral (...)” (JUNG 1928/2013a, p. 233-234). Pelo contrário, o autor afirma que também devemos levar em consideração os processos psíquicos que engendram a patologia mental (JUNG, 1928/2013b, p. 255). Nos casos de doenças como epilepsia, esquizofrenia, demência senil, paralisia progressiva, etc. encontramos indubitavelmente sintomas de certas alterações cerebrais e até mesmo da destruição orgânica do cérebro, enquanto nos casos de

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neurose patológica não há alterações orgânicas excetuando casos excepcionais (JUNG, 1928/2013b, p. 255). A partir disso, Jung adota a hipótese da psicogênese das neuroses, na qual afirma que a condição para a manifestação neurótica é de natureza psíquica podendo ser consequência de um conflito desgastante, um choque psíquico, uma ilusão fatal ou uma adaptação psíquica errônea à realidade. Para o autor, “(...) o fenômeno psíquico deve ser considerado, pelo contrário, em seu aspecto psíquico, e não como um processo orgânico e celular”. (JUNG, 1928/2013a, p. 234). Levando em consideração o que foi exposto acima, a psique doente, objeto da psicologia clínica, é um fenômeno que deve ser sempre pensado em vinculação com a psique humana saudável, não podendo ser cientificamente separada do caráter universal na espécie. A doença em si já opera esta cisão, mas mesmo que o desenvolvimento dos estudos psicopatológicos tenha se originado a partir desta cisão, a pesquisa médica tem que basear a avaliação e o julgamento de seus resultados nos casos normais e da média geral. Isto faria com que a psicopatologia fosse mais próxima da realidade e levasse em consideração um âmbito mais amplo da existência humana, ao expandir seu escopo da patologia para a pluralidade dos modos de existir (JUNG, 1935/2012, p. 27). Jung comenta brevemente no “Prefácio do livro Kankeleit: ‘Das Unbewusste als Keimstätte des Schöpferischen’” (JUNG, 1959/2013, p. 397) que a principal preocupação da medicina moderna deve ser guiar o paciente para o restabelecimento de uma vida normal e equilibrada, e não simplesmente eliminar os sintomas da doença. Algo semelhante é dito por Jung no artigo “Psicogênese das doenças mentais” (JUNG, 1907/2013, p. 367), no qual novamente ele afirma não acreditar que uma parcela significativa dos transtornos mentais sejam doenças do cérebro, porque este não apresentou diferenças anatômicas nas observações clínicas e post mortem dos pacientes neuróticos. Por causa disso, ele realizou experimentos de associação de palavras buscando embasamento para uma psicopatologia fundamentada em dados empíricos e que levasse em consideração o âmbito psíquico. Assim, por meio deste experimento, ficou claro o papel dos fatores psíquicos existentes fora do controle da consciência, os assim denominados complexos. A respeito dos complexos, Jung nos afirma que são conteúdos carregados de afeto. Eles gozam de certa autonomia, o que significa que possuem a capacidade de

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resistir às intenções da consciência e, deste modo, têm liberdade de ir e vir a seu belprazer, assim são imunes ao controle da consciência. Separados dela, levam uma existência à parte na esfera obscura da psique de onde podem, a qualquer hora, impedir ou favorecer a atividade consciente (JUNG, 1928/2013c, p. 532-533). Nos neuróticos estes conteúdos complexos consistem em conteúdos dissociados, mas organizados sistematicamente, facilitando, por isso, a sua compreensão. Já nos histéricos e esquizofrênicos existe uma quantidade exagerada de distúrbios com carga energética extraordinária, cujo significado está em oposição à consciência. Neste caso, o inconsciente se apresenta autônomo e incontrolável, e seus conteúdos não apresentam uma organização sistemática, manifestando-se de forma desorganizada e caótica em similitude às vivenciadas nos sonhos (JUNG, 1953/2013, p. 367). Deste modo, Jung e seu colaboradores passaram a investigar as psicopatologias a partir de seus significados psicológicos e, para tanto, buscavam estudar de forma cuidadosa a história de vida pregressa do doente. Por meio desta abordagem, se tornou possível a compreensão da ocorrência dos sintomas patológicos que não apresentavam qualquer relação com um possível quadro orgânico. (JUNG, 1908/2013, p. 182-183). O método de associação de palavras se mostra muito valioso para a psicopatologia, pois serve de auxílio diagnóstico dos complexos patológicos (JUNG, 1905/2012, p. 399). Falando sobre a técnica de aplicação do teste de associação de palavras, as palavras-estímulo vinculadas a complexos ricamente energizados apresentam um tempo de reação prolongado e outros distúrbios orgânicos. A partir disso, pode-se estipular que as palavras-estímulo são parte de uma realidade inconsciente que atua sobre nós. A ocorrência de tais distúrbios denuncia certa deficiência adaptativa à realidade do indivíduo testado. Quando a quantidade de interferências dos complexos é muito grande sobre a consciência e provoca comportamentos desadaptativos, pode-se falar em psicopatologia. “A doença é uma adaptação deficitária; neste caso trata-se então de algo doentio na psique, de algo apenas temporariamente patológico ou de duradouramente patológico, isto é, de uma psiconeurose, de um distúrbio funcional da mente” (JUNG, 1910/2012, p. 498).

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Em “As funções do inconsciente”, Jung (1961/2013b, p. 215) expõe que os fenômenos neuróticos são acontecimentos normais, não sendo produtos exclusivos de doença, mas apenas patologicamente exagerados em comparação ao fenômeno psíquico normal. Em indivíduos normais o autor observa que um conjunto de sintomas histéricos sempre se faz presente, mas devido à sua pouca ênfase e manifestação reduzida, passam despercebidos. Nas palavras do autor: “(...) Na medida em que os processos neuróticos nada mais são do que exagero de acontecimentos normais, não é de admirar-se que coisas muito parecidas também sucedam dentro do âmbito da normalidade”. (JUNG, 1939/2014, p. 142). Portanto, Jung afirma que as doenças são processos psíquicos normais que sofreram perturbação, e não entidades autônomas (JUNG, 1935/2013, p. 19). A unilateralidade racional com que experimentamos a realidade do mundo nos leva a crer que tudo aquilo que foge desta compreensão é de certa forma patológico. Jung chama a atenção para o fato de que a racionalidade é apenas um aspecto muito sutil e frágil de um amplo espectro de assimilação da realidade. Limitados pela perspectiva racional, não podemos imaginar que quando nossa psique faz algo totalmente imprevisível e tudo se passa fora dos limites do bom senso que compreendemos como sadios, não se trata de um processo que desembocará na loucura e colocamos em dúvida nossa sanidade mental. Para Jung, isto é algo característico das culturas racionalistas, já que o mesmo pode se suceder com um homem primitivo, sem que ele se questione sobre sua sanidade, pois por estar culturalmente mais próximo da natureza, compreende tais ocorrências como obra de feitiçaria, interferências de espíritos ou deuses, etc. (JUNG, 1968/2013, p. 233). Portanto, devemos abordar as psicopatologias com cautela de modo a evitar a rotulação precoce de algo como patológico ou não. Assim como os indivíduos, as nações também possuem a sua própria psicologia e psicopatologia. Esta última “(...) consiste no acúmulo de traços individuais anormais, gerando uma sugestibilidade disseminada nacionalmente (...)” (JUNG, 1946/2012a, p. 68). Em “A luta com as sombras”, Jung (1946/2012b, p. 52), explana que a psicopatologia que afeta a psicologia de massas tem sempre sua origem na psicopatologia individual. Os fenômenos psicológicos de massa tais como a

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psicopatologia, podem ser investigados através da compreensão do indivíduo. Isso decorre do fato de as manifestações ou sintomas coletivos serem a soma das psiques individuais que dão origem ao fenômeno de massa correspondente. Em suas palavras:

(...) A psicologia do indivíduo corresponde à psicologia das nações. As nações fazem exatamente o que cada um faz individualmente; e do modo como o indivíduo age, a nação também agirá. Somente com a transformação da atitude do indivíduo é que começará a transformarse a psicologia da nação. Até hoje, os grandes problemas da humanidade nunca foram resolvidos por decretos coletivos, mas somente pela renovação da atitude do indivíduo (JUNG, 1916/2014, p.10).

Em “A psicogênese da esquizofrenia” Jung diz: “(...) A neurose é uma dissolução relativa, um conflito entre o eu e uma força contrária relacionada aos conteúdos inconscientes” (JUNG, 1939/2013, p. 266). O conflito neurótico causa um enfraquecimento da personalidade consciente, porque afeta em graus variados a ligação da consciência com a totalidade psíquica. A intensidade do conflito corresponde em grau à mesma quantidade de energia gasta para recompor esta conexão perdida; isto não quer dizer que haja uma colaboração em relação a superação do conflito, mas que este ocupa o lugar de uma ligação positiva entre a totalidade psíquica e a consciência. É característico do neurótico o empenho pelo domínio das forças inconscientes que atuam contrariamente à preservação a ao controle consciente. Caso o indivíduo abdique de sua consciência e se deixe invadir e controlar pelos conteúdos inconscientes, e se identifica com eles, passa a estar exposto ao risco da esquizofrenia. Para a abordagem dessas psicopatologias, Jung propõe que a intenção da psicoterapia deve ser educar o homem para a independência do seu ser e para a liberdade moral. A abordagem junguiana põe o homem em uma posição de conflito consciencial, moral e com a insegurança do próprio pensamento. Perseverar neste caminho é algo extremamente penoso e difícil, fato que faz com que a atração para o caminho mais fácil, da inconsciência e da delegação de responsabilidade ao outro, seja sempre mais convidativa. Isto faz com que a psicoterapia entre em conflito com os interesses do Estado anônimo, pois leva a uma busca de autonomia e responsabilização moral sobre a própria existência, enfraquecendo a força do Estado,

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maior representante da psicologia de massa, como provedor e cuidador dos seus cidadãos. (JUNG, 1945/2013, p. 120-121). Neste sentido, a tarefa mais importante a ser desempenhada pelo psicólogo é compreender e ter uma visão clara da situação psíquica da sociedade na qual ele está inserido. Visando o desenvolvimento psíquico, o terapeuta tem como meta fazer “(...) com que desabroche em cada indivíduo a vida na maior plenitude possível (...)” (Ibidem, p. 126). Isto não quer dizer que o indivíduo deva existir fora da organização social, pois a sociedade fornece as condições necessárias para a sua existência. A intenção é revelar que o indivíduo não existe para servir exclusivamente a sociedade, mas esta é uma soma e organização de indivíduos que, para a espécie, é uma das mais eficientes formas de perpetuação da vida, sendo uma simples condição para a existência humana, não delimitando o seu fim. O Estado só se torna perigoso ao indivíduo quando este último se subordina às suas designações por comodismo, fruto de inconsciências e vontade de se livrar de decisões embaraçosas deixando de ser um ser humano responsável. Isto faz com que o Estado, na posição de senhor soberano da existência, adquira características semelhantes à de uma prisão ou cupinzeiro. Isto não ocorrerá caso os indivíduos estejam conscientemente delegando poderes ao Estado, agindo assim de forma livre colaborará para que este atue como facilitador no processo de individuação da humanidade. (JUNG, 1945/2013, p. 120121).

2.3. A MASSIFICAÇÃO E O ADOECIMENTO

A massificação é inerente a política de Estado na atualidade e, do nosso ponto de vista, é fator importante como causador da ansiedade e outras doenças psíquicas no homem contemporâneo. Devido ao fato de Jung não abordar amplamente a ansiedade em sua obra, por ela não ser considerada um construto unitário denominado Transtorno Ansioso, buscamos fazer uma leitura de sua produção que nos desse subsídios a proposta de se pensar o transtorno ansioso como reação a consolidação de uma sociedade de massa.

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Apresentamos, a seguir, como Jung se posiciona perante a ascensão da massificação como modelo de organização social.

MASSIFICAÇÃO SEGUNDO C. G. JUNG Jung afirma que “A psique é o eixo do mundo (...)” (JUNG, 1946/2013, p. 167), isto significa dizer que ela não é só uma das condições essenciais para a existência do mundo, mas também uma interferência na ordem natural existente. Desta forma, qualquer alteração de princípio em um dado fator psíquico tem grande repercussão sobre a imagem que formamos da realidade e o conhecimento daí decorrente. A psicologia complexa busca operar a integração de conteúdos inconscientes na consciência, atuando assim como um instrumento de alteração de princípios psíquicos, de modo a confrontar a consciência egóica com os conteúdos coletivos inconscientes. Sendo assim, a concepção de mundo apresenta um componente subjetivo importante baseado na consciência do eu. Jung (Ibidem, p. 168) aponta que a mesma possivelmente depende de dois fatores: o primeiro, de condições da consciência coletiva (social), que são aceitos como valores universais; o segundo, dos arquétipos, ou dominantes do inconsciente coletivo, são comumente rejeitados por serem tidos como irracionais, sem sentido, tendo sua influência ignorada. Compreende-se assim que, para Jung, a visão de mundo dominante mostra-se incapaz de entender o contexto no qual o indivíduo está imerso ao ser unilateral e ignorar o fato de que “(...) entre a consciência coletiva e o inconsciente coletivo há um contraste quase intransponível no qual o próprio sujeito se acha envolvido” (JUNG, 1946/2013, p. 168). O autor aponta que, caso o indivíduo conscientemente se identifique com os conteúdos da consciência coletiva, compele a repressão dos conteúdos psíquicos opostos, os conteúdos que compõem a inconsciência coletiva. Isto potencializa energeticamente os conteúdos reprimidos e o próprio mecanismo de repressão. Quanto mais a carga inconsciente se eleva, mais assídua e fanática é a atitude repressiva da consciência. A força da polaridade inconsciente pode aumentar tanto que começa a induzir a consciência, desapercebidamente a atuar sua polaridade oposta até que, em dado momento, atinja um ponto de virada, e se inicie o processo

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de enantiodromia, no qual a consciência passa por uma inversão de seus valores. Assim, quanto maior for a identificação da consciência individual com a consciência coletiva, mais enfraquecido e subjugado será o ego. Isto significa que o ego passa a ser “(...) sugado pelas opiniões e tendências da consciência coletiva, e o que resulta disso é o homem massificado, eterna vítima de qualquer ‘ismo’” (JUNG, 1946/2013, p. 169). Para Jung (Ibidem), a identificação com a massa, destrói o sentido do existir individual e, quando este processo se dissemina entre um número significativo de indivíduos, desencadeia a deterioração da cultura. Ele acredita que a massificação pode acarretar em um processo de destruição psíquica em massa que põe em risco a existência de nossa própria espécie, visto a crescente capacidade de destruição do poderio bélico que permitiu inovações como a bomba atômica. Tal fenômeno psíquico só pode ser evitado se o indivíduo conseguir se manter no meio-termo entre os opostos psíquicos da consciência subjetiva e da coletiva, reconhecer a existência de sua sombra psíquica e a importância dos arquétipos − estes servem de contraponto a tendência unilateral de domínio da consciência sobre a psique, tanto subjetiva como coletiva (JUNG, 1946/2013, p. 171). O Estado ditatorial mantém sua população privada da liberdade individual, e nem mesmo os Estados democráticos garantem que sua população esteja permanentemente protegida deste mal, principalmente por, de maneira geral, não sabermos como combatê-lo. A busca de medidas coletivas que visam garantir a liberdade acaba justamente por reforçar o efeito da massificação. Desta forma, a manutenção da liberdade é tarefa de cada indivíduo e, para que seja efetiva, deve começar por cada um. Jung acredita que as grandes organizações políticas e sociais são similares a medidas de emergência temporárias, não podendo ser um fim em si mesmas. Segundo Jung, caso elas atuem desta maneira, agem como um câncer à natureza humana ao suprimir a consciência individual para conquistar autonomia. Autônomas “(...) elas avançam por cima do homem e fogem ao seu controle. Ele se transforma na sua vítima e se perde na loucura de uma ideia que ficou sem dono” (JUNG, 1958/2013, p. 90). Isto pode ocorrer não só em relação aos Estados, mas também em relação a toda grande organização da qual o indivíduo faça parte. Jung (1958/2013) fala que o meio para a superação da massificação, que é predominante na cultura ocidental, é a busca pela individuação. Este processo deve ocorrer não a partir de uma convicção intelectual ou consciente, mas de uma

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transformação numinosa proveniente do seu interior que o conecte com um significado cósmico. Isto se dá quando o ego se encontra com impressões arquetípicas avassaladoras. O mesmo processo descrito acima com relação ao indivíduo, pode ser observado com relação à tentativa das ciências de elaborarem uma ordenação racional do mundo. Para Jung (1946/2013, p. 170-177), quanto mais obstinadamente a razão busca identificar, classificar e ordenar o que existe de obscuro na consciência, mais nos põe sob domínio desta mesma obscuridade. A própria religião, que servia de contraponto a unilateralidade da existência mundana foi, aos poucos, sendo racionalizada e se afastou do seu simbolismo original, o seu Eros maternal. Este mesmo fenômeno ocorreu igualmente no âmbito da Psicologia, que em muitos casos passou a ter ênfase pragmática e racionalista.

2.4. ANSIEDADE NA COMPREENSÃO DE OUTROS AUTORES

A necessidade de se buscar conhecimentos sobre a ansiedade de autores contemporâneos, se deve primeiramente ao fato de, como mencionado, esse assunto ser escasso na Obra Completa de C. G. Jung, pelo motivo anteriormente mencionado. Em segundo lugar, isto se fez necessário, pois desde a publicação de seus trabalhos já decorreram aproximadamente sete décadas. Isto faz com que existam publicações atuais que abordaram o tema ansiedade. Este material será abordado a seguir. Verena Kast (2016), faz um amplo panorama a respeito da contemporaneidade e sua relação com a ansiedade. A autora argumenta que a sociedade contemporânea é marcada por um rearranjo do tempo existencial, no qual o tempo não só passa a ser cotizado em atividades e tarefas, mas também em fazer mais coisas ao mesmo tempo. Para a autora, este novo tipo de relação com o tempo propicia tanto ganhos como problemas para os indivíduos. A falta de limites gera diversas possibilidades de modos de ser e estar no mundo e a possibilidade de mudança permanente; em contrapartida, as referências que nos permitem uma escolha segura que perdure por longos períodos de tempo são postas em risco (KAST, 2016). Na atualidade, o importante é funcionar bem, ser bem-sucedido, estar adaptado às exigências do mercado e da vida. Não há tempo para adoecer e menos ainda para

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refletir sobre os possíveis significados simbólicos contidos neste adoecer, ou seja, o mundo interior não recebe muita atenção. Como a alma não rende lucros, ela é renegada e se expressa mais intensamente via distúrbios – temores, medos, alterações de humor, depressões e síndromes de burnout (KAST, 2016). “(...) Sob o ponto de vista psicodinâmico, os distúrbios representam aquilo que não está recebendo sua devida atenção na situação atual. Foi esquecido, se perdeu, mas faria parte de uma autorregulação. Isto significa que precisamos dar mais atenção à alma. Não digo isso como crítica fundamental à vida moderna, antes, quero dizer que devemos cuidar da nossa alma também na vida moderna – incentivando assim também outras pessoas a cuidarem de sua alma (KAST, 2016, p. 17).”

A autora relata que uma das ideias principais de Jung é que o ser humano moderno se alienou do “substrato mitopoético” do seu ser. Falta-lhe, portanto, a conexão com os símbolos grandes e ele não é mais capaz de inventar histórias simbólicas sobre a sua vida – provavelmente, porque tudo acontece rápido demais – e perde a capacidade de perceber o significado da vida. Ela ainda afirma que muitos terapeutas acreditam que a vida das pessoas está se tornando cada vez mais “plana”: o pensamento simbólico está sendo esquecido, o que faz com que o mundo seja visto como um conjunto de fatos isolados, e não em contexto referencial; além do mais, há uma perda de conhecimento cultural, o que é lamentável, porque as histórias da literatura mundial são um aspecto importante da consciência cultural do ser humano, pois, a partir delas, podem-se encontrar imaginações e conhecimentos que ajudam a lidar com situações existenciais semelhantes. Além do mais, entende-se que quando o presente é compreendido como atualidade, perde-se a duração e a sensação de que se pode confiar em algo. Confiar em algo implica em duração temporal. Se não pudermos mais confiar em algo ou em alguém, porque hoje vale isso e, amanhã, algo diferente, reagiremos com um sentimento de insegurança e medo. Não se pode confiar nem em si mesmo, nem em outras pessoas. Poder confiar em outra pessoa é, porém, essencial no convívio com ameaças, com todas as imponderabilidades da vida (KAST, 2016). Segundo a autora, a sombra da aceleração é a estagnação e a paralisia não só no mundo exterior, no qual precisamos movimentar artificialmente nosso corpo

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imobilizado, mas também no mundo interior: de tanto ativismo esquecemo-nos do desenvolvimento da personalidade. Sob pressão, corre-se para qualquer lugar, para longe de si mesmo, o que ocasiona a alienação do Si-mesmo. O ser humano deixa de se sentir em harmonia com seus ritmos fisiológicos e com as necessidades de seu mundo interior. A vivacidade interior, o desenvolvimento e a vivência de imaginações não podem se desenvolver num estado de pressão e correria: precisa-se de tempo e de ócio. Partindo igualmente de uma reflexão a respeito da realidade, López-Pedraza (1997) afirma que sempre houve uma ansiedade cultural, oriunda dos conflitos constantes entre as mitologias pagãs e o Deus único do monoteísmo, o que não deve ser descartado pela psicologia. Para o autor, os é inconcebível uma psicoterapia não assentada na cultura, um psicoterapeuta que não tenha uma visão cultural da vida e não saiba que a enfermidade está enraizada nos complexos culturais. Ao escrever sobre o fracasso, o autor põe-se em oposição às demandas prementes da consciência coletiva atual, que visam apenas o sucesso. Ele busca refletir sobre a consciência do fracasso, que está fortemente reprimida, como se fosse a última coisa que o ser humano queira se inteirar. López-Pedraza (1997) constata na história que a família, a sociedade e o coletivo exigem e se interessam somente pelo sucesso como se, na confusão criada pela necessidade de sobreviver, o sucesso fosse o mais extremo polo luminoso que viveu o homem ocidental. Renegando seu polo oposto, o fracasso, grande parte da sua natureza é sepultada: quando a demanda é o sucesso a todo custo, o sucesso converte-se em automatismo e se torna um complexo autônomo; e sabe-se pela teoria dos complexos que o complexo sobre o qual não se reflete e não se toma consciência irá se repetir, aparecer com mais intensidade e de forma hipertrofiada. A perda da alma e estar num mundo onde a necessidade chega ao homem através dos meios de comunicação, vai paulatinamente aumentando a destruindo sistematicamente os restos de valores próprios do homem ocidental e, por isso, seu sentir, suas próprias emoções, sua privacidade (LÓPEZ-PEDRAZA, 1997). Do ponto de vista da saúde do indivíduo, a exposição prolongada situações causadoras de ansiedade podem acarretar diversos danos ao sistema biológico e graves alterações psíquicas. O material apresentado resumidamente a seguir, busca apontar as consequências biológicas e psicológicas causadas por um quadro crônico

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de ansiedade. Igualmente, realiza uma comparação entre as definições psicológicas para a ansiedade em diferentes linhas teóricas. Segundo Dalgalarrondo (2008), o estresse prolongado, experiências de depressão e ansiedades graves e duradouras têm efeito negativo sobre a plasticidade neuronal, pois a liberação de adrenalina e de glicocorticoides endógenos (por exemplo, o cortisol) podem causar dano neuronal, em especial ao córtex pré-frontal e no hipocampo, regiões do cérebro relacionadas ao aprendizado e à memória (DALGALARRONDO, 2008). O autor destaca o fato de que se deve diferenciar ansiedade de angústia. Ele conceitua ansiedade como um “estado de humor desconfortável, apreensão negativa em relação ao futuro, inquietação interna desagradável” (DALGALARRONDO, 2008, p. 166), que inclui manifestações somáticas e fisiológicas (dispneia, taquicardia, vasoconstrição ou dilatação, tensão muscular, tremores, sudorese, tontura, etc.), bem como psíquicas (apreensão, desconforto mental, etc.). Já a angústia, apesar de muito semelhante à ansiedade, tem uma conotação mais corporal (sensação de aperto no peito e na garganta, de compressão, sufocamento) e mais relacionada ao passado; ela é um tipo de vivência mais fundamental que a experiência da ansiedade. Há certos tipos de angústia e ansiedade em algumas correntes teóricas da psicopatologia. Por exemplo, na escola psicanalítica, fala-se de angústia de castração, angústia de morte ou aniquilamento, ansiedade depressiva, ansiedade persecutória ou paranoide e angústia de separação; na escola existencial há a angústia existencial; por fim, na escola comportamentalista há a ansiedade de desempenho e a ansiedade antecipatória (DALGALARRONDO, 2008). Já o medo diferencia-se da angústia e da ansiedade porque estas últimas não se referem a objetos precisos, enquanto o medo é, quase sempre, medo de algo mais ou menos específico (DALGALARRONDO, 2008). Na literatura científica, há uma grande variação de entendimentos a respeito do que é a ansiedade, a angústia e o medo na visão de diversas escolas de Psicologia. Neste sentido, Simonetti (2011) discorre sobre as distinções entre os temos ansiedade e angústia, principalmente no âmbito da Psicopatologia Fundamental. Para o autor, embora estes termos sejam frequentemente tomados como sinônimos na língua portuguesa, eles não se sobrepõem de forma completa, pois há significados que são específicos para cada um dos termos (Simonetti, 2011, p. 73).

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Segundo o autor, o termo angústia é definido na língua portuguesa como: 1. Estreiteza, limite de espaço ou tempo; 2. Ansiedade ou aflição intensa, ânsia, agonia; 3. Sofrimento, tribulação. Já o termo ansiedade é definido como ânsia, sensação de receio e de apreensão, sem causa evidente a que se agregam fenômenos somáticos como taquicardia e sudorese. Esse autor afirma que a Psicopatologia Fundamental distingue angústia de ansiedade, mas de forma precária, pois o faz apenas no plano descritivo, e não nos planos terminológicos e teóricos. Além do mais, esta distinção descritiva é feita por uma abordagem psicanalítica, que não costuma distinguir angústia de ansiedade. (SIMONETTI, 2011, P. 134). Na Psicanálise o termo angústia é muito mais usado do que ansiedade, e ambos são tidos como se fossem o mesmo pathos, a menos que haja um problema clínico ou conceitual que requeira uma análise mais profunda (SIMONETTI, loc. cit.). Isto ocorre porque o texto que funda o campo de estudos sobre a angústia e a ansiedade no campo da psicopatologia moderna é "Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada Neurose de Angústia", empregado por Freud. O termo utilizado por ele para denominar a nova neurose, Angstneurose, deriva da palavra Angst. Simonetti afirma que isto gerou um grave problema linguístico (de semântica e de tradução) e clínico que perdura até os dias atuais (SIMONETTI, 2011, p. 69). Angst significa medo em alemão, mas foi traduzido para o inglês como anxiety e então para o português como ansiedade. Também foi traduzido para o francês como angoisse e daí para o português como angústia. A partir disso, fica difícil saber se Angst pode ser traduzido como ansiedade ou angústia para o português. Isto fez com que o trabalho de Simonetti (2011) fosse radicalmente atravessado pela questão linguística. Resumidamente, este autor, refere-se a angústia como um sentimento de natureza existencial, e subjetivo no sentido de ser voltado para o próprio sujeito. O vocábulo ansiedade refere-se a uma expectativa direcionada ao futuro. Então, é como se angústia se referisse ao sofrimento do sujeito e ansiedade se referisse ao sofrimento diante de objetos ou situações existenciais. Segundo Simonetti (2011), a distinç ão entre ansiedade e angústia não é um mero detalhe linguiś tico. Ela tem importância clin ́ ica já que alguns pacientes sofrem de angústia sem sofrer de ansiedade, e outros sofrem de ansiedade sem sofrer de angústia.

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Comparando ansiedade com o medo, o autor conclui que eles são dois sentimentos diferentes, mas que acabam por se misturar de tal forma que em certas circunstâncias não é possível diferenciá-los. A seguir, serão apresentados sucintamente produções científicas que podem caracterizar uma nova roupagem daquilo que Jung compreendia como massificação. Elas versam sobre a influência negativa da informática e da internet decorrentes de sua má utilização. Neste sentido, o meio digital pode propiciar uma agudização do processo de massificação ao facilitar a criação e vivência de uma fantasiosa que facilita a fuga da realidade e da ansiedade a ela inerente. Neste sentido, apresentamos algumas abordagens em relação ao uso indevido do meio digital na sociedade contemporânea. Fortim (2013) buscar compreender o uso patológico da internet através de autorrelatos de pessoas que se declaram viciados de internet. Ela afirma que, entre outras causas para o vício, o uso patológico da internet é tido como estratégia de coping, de enfrentamento de situações de estresse e de ansiedade. Os indivíduos pesquisados relatam sentir prazer no controle das atividades e na possibilidade de evasão da realidade; na facilidade e disponibilidade de acesso a materiais; na infinidade de informações e pessoas acessíveis para contato. Contudo, o prazer aditivo da internet faz com que a vida fique restrita ao computador. Fortim se refere aos vícios como formas de evitar o confronto com os estados sombrios e pantanosos da alma. Eles são entendidos como técnicas de administrar a ansiedade, quer a pessoa esteja consciente ou não de estar ansiosa. A solidão que se vive é temporariamente substituída pela fusão com um Outro, o que cura a ferida primordial que todos carregamos e faz a ansiedade recuar naquele período. Contudo, tais efeitos saudáveis não perduram e o comportamento precisa ser repetido. Para que haja libertação deste estado sombrio, os indivíduos precisariam correr o risco de suportar o insuportável e compreender qual ideia do passado gera os comportamentos de defesa atuais (FORTIM, 2013). Muitos dos sujeitos da pesquisa afirmam que utilizam a internet como forma de se sentirem melhor ou se aliviarem de sentimentos negativos: ansiedade, stress, raiva, tristeza, depressão, pressões no trabalho, tensão, crises de pânico, solidão, sentimento de vazio, insatisfação insegurança, baixa autoestima, cansaço ou

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chateação. Também para fugir da realidade. Eles acreditam que a internet seja capaz de fazer esquecer ou minimizar sentimentos ruins, como a ansiedade. Para a autora, o manejo de sentimentos ruins e a tentativa de fuga da realidade são dois dos principais motivadores do uso patológico da internet. A dependência está ligada à necessidade da construção de um espaço transicional que se dá entre a vida real e os problemas. Ao invés dos usuários utilizarem a rede como meio de superar seus problemas, eles a usam de modo repetitivo e pouco criativo e ficam presos em um mundo meio ilusório e meio real. O uso patológico da internet provoca tanto prazer, quanto medo e ansiedade, estando relacionados tanto a estados depressivos, quanto com os Transtornos Ansiosos (FORTIM, 2013). Farah (2009) discute sobre comportamentos e vivências dos usuários da internet, a partir de observação participante quando coordenava o Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática – NPPI (serviço de informática da Clínica Escola da PUC-SP). Ao falar sobre identidades virtuais, a autora afirma que os perfis fakes (personagem virtual comum entre pré-adolescentes em 2008, principalmente no Orkut) são vias de expressão das ansiedades típicas deste período do desenvolvimento humano: ser aquilo que desejam ser, conflitos com os pais, autoestima e autoafirmação, a busca por reconhecimento grupal, identidade de gênero, etc. Outros aspectos sobre a atuação da ansiedade sobre a saúde do ser humano se revelam como somatizações, algumas vezes fatais e, de maneira geral, causam grande prejuízo ao indivíduo. Paiva (2014) ao abordar questões médicas, aponta a ansiedade como fator inibidor da eficácia da imunoterapia para o câncer. Através da mediação do sistema imunológico, a ansiedade, a depressão, a angústia, as distimias afetivas e o estresse psicossocial fazem com que o indivíduo seja mais susceptível a certas patologias crônicas, como o câncer, por exemplo. Segundo a autora, há uma exacerbação das tensões nas relações entre o indivíduo e a sociedade, o que é expresso em diversas patologias dentro da área da saúde mental: as patologias da urgência (relacionadas ao tempo e à ação), as dos excessos (patologias alimentares e adicção) e as maquínicas (hiperfuncionamento de si).

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Paiva (2014) afirma que ao vivenciar as ofertas, as oportunidades e os desafios competitivos, o indivíduo é posto em situações de limite, estresse e adoecimento. Há uma grande exigência de performance e superação de si levada ao extremo pela sociedade – no sentido físico, intelectual, profissional e afetivo, principalmente – que faz com que os indivíduos testem constantemente seus limites e vivam entregues à ideologia da ação na urgência. Consequentemente, a ansiedade pode ser o desencadeador do estresse e da depressão que podem levar o indivíduo a patologias mais letais como o infarto do miocárdio e o câncer de mama. Uma fonte de ansiedade na atualidade é o fato das relações de trabalho terem sido precarizadas, levando à grande insegurança profissional, isto reflete negativamente na vida pessoal dos indivíduos. Pereira (2009), ao descrever o “novo capitalismo” e seus efeitos sobre a vida das pessoas, relata que até meados do século XX, o indivíduo que iniciava a vida profissional preparava-se para fazer sua carreira na mesma empresa ou instituição até se aposentar, o que dava ao trabalhador uma sensação de estabilidade: a existência parecia adquirir previsibilidade e sentido. Ao contrário disto, no novo capitalismo,

denominado

“capitalismo

flexível”,

vêm

ocorrendo

mudanças

significativas, que fazem com que a ocupação de longo prazo dê lugar a projetos de curta duração, cuja ênfase é a flexibilidade, a agilidade e a abertura a mudanças a curto prazo dos trabalhadores. De acordo com o autor, o impacto disso nos indivíduos é a ansiedade elevada, pois o ser humano parece não suportar sem mal-estar o estado de prolongada deriva originado pelo novo sistema capitalista. Não é possível construir metas de longo prazo por conta do imediatismo e da impaciência presentes nas relações de trabalho da sociedade flexível na qual estamos inseridos. Veremos a seguir, como ideologias podem influenciar, via processo de massificação, o aparecimento de ansiedades nos indivíduos. No exemplo selecionado, Wahba (2011) discorre sobre o fenômeno do indivíduo submerso em um grupo com orientação fascista. Para tanto, ela realiza a análise do filme “A Onda” (direção de Dennis Gansel, 2008). Ela conclui que a repressão sexual na escola favorece o surgimento de ansiedade e de insegurança nos indivíduos pertencentes ao grupo e, consequentemente, o autoritarismo. O

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indivíduo precisa ter a liberdade individual, a independência e a responsabilidade preservadas para que possa ter estabilidade psíquica. A ansiedade pode ser provocada por processos desencadeados fora do domínio do indivíduo, isto pode ser feito, propositalmente, através de indução experimental. Graeff (2007) ao estudar ansiedade provocada experimentalmente em seres humanos, busca na bibliografia métodos químicos e psicológicos que induzam a ansiedade. O autor conclui que há diferenças entre a neurobiologia da ansiedade e a do pânico. Com relação a ansiedade decorrente de pressões de consumo e de um cotidiano exageradamente atarefado, podemos encontrar na literatura abordagens como a apresentada em seguida. Rangel (2010) ao fazer uma comparação entre o filme “Blade Runner” e a situação social contemporânea, conclui que o homem moderno não possui tempo para compreender a complexidade do mundo. Este sofre de toda uma gama de males oriundos da ação indiscriminada e irresponsável da humanidade sobre o meio. O homem tenta se aliviar de suas culpas e responsabilidades através da alienação. Assim, ele consome sua existência em atividades vazias e, simultaneamente, busca na tecnologia as soluções para suprir a falta de tempo. Isto provoca uma ênfase exagerada no desenvolvimento das ciências. Conforme ilustrado no filme, a ciência pode ter um grande avanço e, mesmo assim, a humanidade pode não ser capaz de acompanha-lo do pinto de vista ético e moral.

Esse

desenvolvimento

técnico-científico

possibilita

a

aquisição

do

conhecimento necessário para desvendar o mundo em maior amplitude, mas não necessariamente amplia a consciência do indivíduo. A partir desta perspectiva, Rangel (2010) conclui que a busca pelo progresso é uma obsessão da vida moderna. Ela adquiriu um ritmo de aceleração desenfreado e vertiginoso, onde o consumo não é mais ditado pela necessidade, mas sim pela ansiedade. Na atuação terapêutica, a manifestação da ansiedade pode ocorrer de inúmeros modos. Isto será apresentado a seguir por meio de um exemplo de publicação científica. Fabreti (2010) afirma que o trabalho analítico em psicoterapia deve enfatizar a abordagem em relação à sombra pessoal. Isto consiste em tornar consciente aquilo

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que não se deseja possuir como atribuição. Embora isto seja muito custoso emocionalmente ao analisando, sua negligência mantém o indivíduo sob a atuação destes fatores inconscientes que autonomamente direcionam o seu existir. A cronificação da sombra faz com que a alma perca sua vitalidade, tornando-se árida, vazia e, potencialmente, um fator causador de ansiedade. Esta contribui para o isolamento social e pode culminar em uma depressão. Portanto, ao se trabalhar com a sombra, o analista deve auxiliar seu paciente a lidar conscientemente com os impulsos imorais que lá se ocultam. Todavia, este trabalho permite que a pessoa trave contato com sua dimensão reprimida de seu inconsciente, relativizando a unilateralidade consciente, de tal modo a permitir uma maior autenticidade da individualidade ao abrir portas de comunicação com a totalidade psíquica. Outro fator causador da ansiedade é a consciência da finitude da vida. O trabalho apresentado a seguir exemplifica este tipo de ocorrência. Ao analisar a situação de vida de idosos, tanto institucionalizados como ou não, Santana (2014) afirma que a ansiedade é uma experiência emocional desagradável. Ela pode ocorrer sem uma causa óbvia e, comumente, é acompanhada de alterações fisiológicas e comportamentais que se assemelham às eliciadas pelo sentimento de medo. A autora considera a morte como a maior fonte de ansiedade para o ser humano. A ansiedade frente à morte produz sensações de angústia, castração e de desintegração do ego. Apesar de sua similitude, a autora considera necessário distinguir o medo da ansiedade. O primeiro, é uma reação de fuga diante de um perigo conhecido, enquanto a segunda é uma resposta a situações desconhecidas, nas quais não se sabe o modo de evitar o perigo (SANTANA, 2014). Outro tipo de prejuízo causado pela ansiedade tem consequências diretas sobre a economia e a saúde pública de uma população. Neste sentido, será exposto um trabalho científico que aborda a temática da ansiedade a partir de uma perspectiva social. Para Morais e colaboradores (MORAIS, L. V. D.; CRIPPA, J. A. S.; LOUREIRO, S. R, 2007), o transtorno de ansiedade funcional é caracterizado por medo acentuado e constante frente a situações sociais ou de desempenho, causando diversos prejuízos funcionais na vida dos indivíduos que padecem deste transtorno. Esse transtorno afeta todos os aspectos da vida do indivíduo e diminui consideravelmente

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a qualidade de vida, gerando prejuízo nas áreas de desempenho escolar e acadêmico; autocuidado; relações afetivas; saúde física e mental; funcionamento social; diminuição da vitalidade; queda de rendimento profissional e financeiro (MORAIS, L. V. D.; CRIPPA, J. A. S.; LOUREIRO, S. R, 2007). Para os autores, o reconhecimento dos prejuízos funcionais causados por este transtorno pode levar a um maior conhecimento do impacto dele sobre a vida dos indivíduos. Desta forma, os autores reconhecem que os prejuízos funcionais da ansiedade, causam impacto extremamente negativos, não só aos indivíduos, como também à sociedade. Os autores afirmam que a capacitação de profissionais da área da saúde por via de estudos que lhes instrumentalizem na avaliação do comprometimento funcional decorrente deste transtorno é fundamental. Assim, esses profissionais serão capazes de orientar os indivíduos sobre maneiras de se evitar e lidar com este transtorno, diminuindo os impactos sociais e econômicos dele decorrentes (MORAIS, L. V. D.; CRIPPA, J. A. S.; LOUREIRO, S. R, 2007). As tradições orais (mitos, lendas e contos) são capazes de desemprenhar um importante papel orientador sobre o modo de se lidar com a ansiedade decorrente dos conflitos inerentes à vida humana. A seguir apresentamos exemplos desse aspecto. Hollis (1999) sugere que a mitologia tem papel importante para a estabilidade emocional dos seres humanos, pois fornece a eles os caminhos interiores dos quais extraíram orientação por séculos. O autor afirma que sua ausência pode fazer com que gerações inteiras padeçam da ansiedade. Atualmente os valores culturais se tornaram menos claros e as instituições tradicionais menos confortantes. Os ritos de passagem, que davam apoio, ampliavam valores e transformavam a libido de regressão em progressão, estão quase extintos. Com isso, não há mitologias culturalmente importantes e o homem é forçado a fazer suas transições sozinho, sem respaldo da orientação mítica secular de outrora (HOLLIS, 1999). A ansiedade por ser ativada por quase qualquer coisa, e costuma ter origem na insegurança genérica que o homem sente na vida. Tal insegurança varia na intensidade de acordo com as experiências pessoais do indivíduo: quanto mais problemas houver na família, no ambiente e na estrutura cultural, maior será sua ansiedade (HOLLIS, 1999).

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Hollis (1999) prossegue dizendo que quando a ansiedade não se torna consciente, ela pode ir para qualquer lugar, seja numa projeção, seja no corpo. Ela também pode se deslocar e causar fobias diversas e ataques de pânico, por exemplo. Contudo, caso ela seja conscientemente confrontada, a terrível realidade será contemplada e, a partir daí, o indivíduo pode perceber-se capaz de suportá-la. O único antídoto para a neurose, segundo o autor, é enfrentar aquilo contra o que a neurose é uma defesa. Já Verena Kast (2006) parte do princípio segundo o qual os contos de fadas são considerados pela psicologia junguiana como “(...) representações simbólicas de problemas comuns à maioria dos seres humanos, assim como representações de formas variáveis de se solucionar esses problemas. (...)” (p. 07). Desta forma, os contos podem ser considerados uma importante fonte de informações sobre como a humanidade lida com o conflito ansioso, já que o conto de fadas é uma alegoria narrativa sobre uma sabedoria construída ao longo de incontáveis gerações e, desta forma, é coletiva, atemporal e universal. Kast (2006) enfoca sua perspectiva de análise das narrativas de contos de fadas sobre a questão da ansiedade decorrente do desenvolvimento da personalidade infantil à maturidade psicológica. Ela ilustra o seu trabalho através do uso de exemplos clínicos de pacientes adultos demonstrando que, apesar da crença que se fez presente na contemporaneidade, os contos de fada não são algo exclusivamente destinado ao público infantil, sendo também de grande auxílio ao público adulto, caso seja apreciado com a devida profundidade. Uma apreciação adequada dos contos de fadas, como realizada pela autora, nos permite perceber que o seu modelo narrativo de caráter mágico e fantasioso está muito próximo ao da linguagem do inconsciente. Esta proximidade torna os contos importantes ferramentas na sugestão de caminhos possíveis para a relativização da unilateralidade do ego, desingessando-o para uma vivência mais abrangente, fluida e consciente, na qual os impulsos provenientes do inconsciente possam ser eticamente acolhidos pela consciência. Em sua análise sobre os contos, Kast (2006) nos mostra o quão sofrido é caminho para a autonomia (enfrentar os medos, maldições e desafios) e ao mesmo tempo, o quanto a simbiose com os pais também o é. Os heróis e heroínas somente encontram a felicidade após inúmeros desafios que os forçam a um intenso trabalho

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de autoconhecimento por via da lida com seu daimon interior. A felicidade lhes é outorgada apenas após a conclusão de uma série de tarefas ou enfrentamento de desafios. Psicologicamente, o término das tarefas representa o momento no qual a personagem assume para si a responsabilidade por seu processo de individuação, caminhando em direção à uma personalidade mais autêntica. Sobre ansiedade de superação da vinculação simbiótica entre pais e filhos, Kast (2006) afirma que a manutenção deste tipo de vinculação pode ser uma das formas de se evitar a ansiedade. Manter-se em uma sistemática simbiótica - mesmo que apenas com figuras paternais psicologicamente internalizadas - promove simultaneamente uma falsa segurança contra a ansiedade do responsabilizar-se pelas próprias ações, nos mantendo inconscientes e atuantes dos complexos parentais não elaborados. Desta forma, damos vida aos sonhos e omissões conscientes e inconscientes de nossos ancestrais e nos mantemos em grande parte desconectados de nós mesmos. Esta desconexão permite uma isenção parcial de culpa, já que em detrimento de nosso senso ético e moral, nos respaldamos por um suposto modo de proceder embasado por complexos parentais que asseguram a nossa decisão (KAST, 2006). Para outros autores junguianos, a ansiedade pode ser vinculada a manifestação da consciência egóica. Neste sentido, HALL(1988 apud GIGLIO 1992) aponta inicialmente que o enfoque da Psicologia Analítica de Jung não difere muito do psicanalítico quanto a psicogênese da ansiedade. Assim, para os junguianos a ansiedade é a manifestação na consciência egóica, de um sinal de alarme a respeito de uma ameaça do inconsciente em relação ao Ego. O psiquiatra James Hall diferencia, todavia, pelo menos dois tipos de ansiedade, segundo sua psicogênese: ansiedade da Persona e ansiedade da Sombra. A primeira é definida como um “medo” de revelar ao psicoterapeuta os detalhes da própria vida HALL (1988, p. 26). Não me parece, entretanto que este fenômeno, de sentir medo da invasão da própria alma pelo terapeuta, caracterize propriamente uma verdadeira ansiedade, pois neste caso a emoção medo está muito mais vinculada a um perigo de fora – a fantasia de invasão – do que propriamente do interior da psique. É bem verdade que esta invasão de fora pode ameaçar o paciente pelo perigo

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de fazer aflorar a consciência material inconsciente percebido como perigoso, mas nesse caso estaríamos já no campo da ansiedade da Sombra. O próprio Hall observa mais a frente que “a ansiedade de Persona é mais facilmente produzida do que a ansiedade da Sombra, embora na prática não se separem”. HALL (1988, p. 29) Na verdade, a verdadeira ansiedade seria aquela que Hall chama de ansiedade da Sombra. Conteúdos psíquicos ligados a imagens arquetípicas prementes a irromper na consciência podem ser pré-percebidos como perigosos, ou simplesmente como algo novo e muito forte para o ego poder lidar a nível compatível com a realidade atual. A ameaça ao Ego, portanto, nem sempre é caracterizada como algo destrutivo à integridade da Psique. Uma nova ideia, uma nova fantasia, que potencialmente seja muito criativa, mas que de imediato vá solicitar um esforço de adaptação, um gasto de energia as vezes muito grande para lidar com esse “novo”, pode ser pré-sentida como ameaçadora à estabilidade da Psique. Tanto no primeiro caso como no segundo teríamos evidentemente uma base arquetípica para a manifestação de ansiedade, que como sabemos tem suas raízes no medo, que é próprio e típico da natureza humana, portanto arquetípico. Não podemos nos esquecer que o Ego é um complexo, destinado à especial função de manter um equilíbrio entre o mundo interno dos desejos e fantasias, e o mundo externo da realidade física e demandas sociais. Ao nível individual os arquétipos do inconsciente se manifestam através dos complexos. Quando um complexo é tocado por algum estímulo externo, o resultado pode ser, dentre outros, uma reação de ansiedade. Do ponto de vista junguiano, a forma de se lidar na prática psicoterápica com essa ansiedade pressupõe um confronto com as imagens simbólicas inerentes ao complexo; é através desse confronto e análise posterior que o paciente se tornará apto a melhor lidar com o significado dessas imagens simbólicas em sua vida, tanto do ponto de vista retrospectivo (redutivo), como do ponto de vista prospectivo. Todo o material apresentado neste capítulo teve como objetivo demonstrar e salientar a relevância e importância da influência da ansiedade causada por uma grande variedade de contextos cujas consequências extrapolam em muito o âmbito individual e tendo reflexos em nível mais amplo, como em grupos de indivíduos e até

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mesmo sobre sociedades. Decorrente do apresentado, fica evidente a importância de se pensar a questão a partir não somente do ansioso, mas de uma ampla e abrangente compreensão dos fatores sociais que atuam de maneira nefasta para a disseminação do transtorno ansioso.

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3. DISCUSSÃO Neste capítulo se discute as relações entre a ansiedade e a vida contemporânea. Ou seja, o que é ansiedade para a escola junguiana e quais os aspectos da vida contemporânea que compõem um quadro para a ocorrência da ansiedade. Aqui apresentaremos trabalhos de vários autores junguianos que discutem questões relacionadas, direta ou indiretamente, a ansiedade na contemporaneidade. A negação consciente dos instintos leva a um desenraizamento, a uma desorientação, a falta de sentido na vida e outros sintomas de inferioridade. Um dos maiores equívocos de nossa época, do ponto de vista psicológico e sociológico, foi pensar que algo pode repentinamente ser mudado. A natureza do homem não pode mudar radicalmente e não existe uma fórmula ou uma verdade que propicie um mundo inteiramente novo. Qualquer mudança, por menor que seja, pode ser considerada um milagre. O distanciamento da natureza humana, tão comum na atualidade gera uma agitação e a falta de sentido existencial, sendo um sintoma da enfermidade psíquica cujo quadro maior ainda não compreendemos (JUNG, 1934/2013a, p.372). Jung aponta que a única forma do indivíduo realizar seu processo de individuação é se comprometendo de forma consciente e moral com o seu próprio desenvolvimento de personalidade. Caso contrário, terá a sua existência norteada por convenções de natureza moral, social, política, filosófica e religiosa. Como a maioria das pessoas opta por seguir convenções, deixa de escolher seu caminho de vida, não se desenvolvendo e aderindo a uma metodologia de vida coletiva em detrimento de sua própria totalidade individual. Dado a maciça adesão à convenções, o autor as entende como uma necessidade coletiva, pois a adesão a elas significa fuga das implicações morais e responsabilidades humanas (JUNG, 1934/2013b, p.196-200). Para Ramos (2006), a desconexão com o eu interior gera pressões inconscientes para que as necessidades subjetivas sejam levadas em conta. Tais pressões interiores acarretam, no nível corporal, somatizações e, a nível psíquico, psicopatologias. Jacoby (2011) ao falar a respeito dos diversos tipos de relacionamento humano, ressalta que a objetificação das pessoas cria um ambiente social extremamente conflitivo e hostil. Para ele este tipo de relacionamento social objetificante é

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compreendido como uma relação Eu/Isso. Uma alternativa para a superar a tensão social crescente nos grandes centros urbanos seria a humanização, via empatia, da visão que um indivíduo tem do outro. Esta é uma alternativa viável pois, segundo o seu entendimento, a “... empatia com a realidade da outra pessoa ou de outros grupos poda o ódio e a agressão” (JACOBY, 2011, p. 105). Esse autor discorre sobre o que constituiria um relacionamento humano sincero em termos da característica de vinculação afetiva. Para Jacoby (2011), as relações humanas sinceras são baseadas em uma dinâmica vinculativa na qual a nossa atitude frente ao outro nos permite encará-lo ora como alteridade (Eu/Você), ora como objeto (Eu/Isso). O autor aponta que a relação Eu/Isso sempre deixa algo de fora, não sendo nunca uma relação inteira, pois o outro não é percebido em sua integralidade, mas como uma espécie de depositário das projeções transferenciais da realidade psíquica. A separação das realidades do eu e do outro é parcialmente diluída. Se essas projeções irrealistas forem intensas, o outro é reduzido exclusivamente a um Isso (um objeto meu) e a possibilidade de uma relação humana entre alteridades é eclipsada. Ele argumenta que apesar de graus variados, a dinâmica transferencial se faz presente em todos os tipos de relacionamento humano e “... surge da necessidade inconsciente interna de colocar a outra pessoa em um certo papel.” (JACOBY, 2011, p. 98). Neste sentido, a transferência é caracterizada por ele como a variável do grau de irrealidade das projeções que fazemos ao conceber a subjetividade de outra pessoa. Em suas palavras: “Parece claro, portanto que toda relação humana é colorida, em um certo grau, pela transferência, isto é, por projeções inconscientes” (JACOBY, 2011, p. 102). O autor nos aponta que: “De maneiras sutis, a relação Eu/Isso faz o seu papel em praticamente todas as conexões próximas”. (2011, p. 91). “Na relação transferencial, as pressões das necessidades internas criam distorções que causam violência à existência e à inteireza da outra pessoa” (JACOBY, 2011, p. 94). O relacionamento de atitude Eu/Você genuíno não é algo fácil de ser alcançado “... pois permitir uma liberdade separada do outro conflita com a necessidade de união e fusão” (JACOBY, 2011, p. 103). Ele aponta que a atitude Eu/Você, para ser viável, precisa estar vinculada a um processo interno de diferenciação entre quem é o sujeito

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e quem é o outro, de modo que ocorra um recolhimento dos conteúdos projetados. Assim, “... conscientemente posso ter a atitude de deixar a outra pessoa viver com seu próprio direito e não fazer dela um objeto para meus próprios propósitos” (JACOBY, 2011, p. 91, 92). Como argumentado, as relações humanas se constituem por uma mistura das atitudes Eu/Isso e Eu/Você em uma dinâmica intercambiável. Apesar disso, a falta de autoconhecimento frequentemente ocasiona uma fixação na primeira atitude. Jacoby afirma que: “Se a realidade do Você pode ser levada em consideração genuinamente, em momentos decisivos, esta já é uma realização humana muito valiosa” (JACOBY, 2011, p. 103). A partir do exposto por Jacoby pode-se concluir que apesar da importância da realidade do Você para a humanização das relações sociais, na atualidade vivemos a prevalência da atitude Eu/Isso. Esta atitude é inclusive incentivada e propagandeada como postura adequada ao crescimento profissional em um mercado de trabalho cada vez mais acirrado e competitivo. Dado o grande desconhecimento psíquico que, de maneira geral, é regra dentre a maioria da população, tal comportamento que deveria se ligar apenas a uma postura profissional e servir de máscara para a persona social, acaba por extrapolar sua utilização para a vivência social e mesmo no próprio trato pessoal dos indivíduos. Isto faz com que grande parte da existência social seja permeada por um sentimento de desconfiança e receio com relação ao próximo e as vezes consigo mesmo. Assim, cria-se e se sustenta um ambiente hostil e gerador de ansiedade. Gui (2006) questiona se a Psicologia Clínica com frequência não assume um caminho enviesado ao se focalizar excessivamente sobre o indivíduo e, deste modo, acabar por negligenciar aspectos sociais que tem implicações diretas sobre a constituição e bem-estar psíquico individual. Estes aspectos negligenciados são importantes quanto a alienação do indivíduo que é um caminho direto para propiciar o estabelecimento de psicopatologias como estresse e ansiedade. Ele defende a importância de que a abordagem psicológica tenha uma compreensão dialética entre o indivíduo e a sociedade, segundo a qual ambos são intrinsecamente ligados. Para ele, é necessário que a Psicologia valorize e resgate o agir político ético, visto que o ser humano é inerentemente político, como modo de transformação do indivíduo e da sociedade.

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Os aspectos levantados pelo trabalho a seguir, ressaltam a faceta negativa da exacerbação da racionalidade, que tenta eliminar e negar tudo aquilo que foge ao domínio consciente e da razão. A hegemonia do ponto de vista racional leva os indivíduos

e

a

sociedade

e

deliberadamente

negligenciar

todas

aquelas

manifestações aparentemente ilógicas oriundas do inconsciente, tanto pessoal como coletivo. Isto gera um estado de alienação generalizada. O resultado deste processo é, sem dúvida, um estado de inquietude psíquica que favorece a manifestação de ansiedades e de psicoses latentes. Bragarnich (2012) aponta que apesar de a psicologia de Jung e sua produção ter tido grande impacto sobre várias áreas da cultura ainda hoje sofre com o preconceito racionalista, que compreende seus postulados intuitivos como falhas epistemológicas graves. Isto decorre da não aceitação de seu novo modelo de funcionamento psíquico, mais complexo e dinâmico, que valoriza a intuição (algo impensável para a ciência de sua época), resgata e valoriza a noção de mistério na produção de conhecimento científico. Bragarnich reforça que é característico do pensamento junguiano a noção do mistério e contesta a visão unilateral racionalista, considerando-a como enviesada. O autor aponta que, segundo a Etimologia, o vocábulo mistério se refere aos mistérios da transformação da vida e morte (encontrados nas cerimônias sagradas e nos ritos) ou, em outra acepção, intrincamento, obscuridade, incompreensibilidade e ocultamento. Na Psicologia Junguiana, o mistério está ligado principalmente à experiência dos símbolos e das imagens arquetípicas. Estas instâncias recebem energia do inconsciente autônomo e criativo, que lhes atribui significados plurais. Segundo Bragarnich (Ibidem), o mistério, a partir do século XVII, foi paulatinamente sendo suprimido da consciência coletiva pelas ciências e filosofias racionalistas, tendo ficado restrito a algumas áreas da cultura, das religiões e das artes. Desta forma, a sistematização da ciência se deu por via da razão, objetividade e do empirismo, que se tornaram “(...) um quase substituto divino”. (BRAGARNICH, 2012, p. 70). Assim, o mistério se tornou o principal adversário da ciência, devendo ser sempre desvendado à luz do pensamento racional. Paradoxalmente, o próprio mistério é o responsável por vitalizar a criatividade e assim energizar a consciência individual e coletiva, dando condições para que o novo surja.

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Bragarnich (2012) aponta que Jung concebia o ser humano como sendo influenciado por duas instâncias. De um lado, se encontram os arquétipos e, de outro, os valores do espírito da época. O espírito da época pode ser compreendido simplificadamente como os preconceitos e comportamentos tidos como padrão em uma dada sociedade e em um dado período de tempo. São tidos pela consciência coletiva da sociedade como verdadeiros e universais. Tais valores, devido a sua força social, frequentemente causam a identificação do ego com a consciência coletiva. Esta identificação produz, necessariamente, um homem massificado com propensão a comportamentos primitivos e destrutivos. O único modo que o ego tem para escapar desta profunda ameaça é reconhecer a existência e a importância dos arquétipos e de sua própria sombra4 sobre a sua conduta consciente. O contato com os simbolismos arquetípicos constitui uma defesa eficaz contra as influências da consciência social e do risco de identificação com ela. Bragarnich (Ibidem) aponta que Jung vislumbrava uma relação dinâmica entre a consciência coletiva e o inconsciente coletivo. Isto implica que quando o indivíduo conscientemente se identifica e adere aos conteúdos da consciência coletiva, compele a repressão dos conteúdos psíquicos opostos, os conteúdos que compõem a inconsciência coletiva. Isto potencializa energeticamente os conteúdos reprimidos e o próprio mecanismo de repressão. Quanto mais a carga inconsciente se eleva, mais assídua e fanática é a atitude repressiva da consciência. A força da polaridade inconsciente pode aumentar tanto que começa a induzir a consciência a desapercebidamente a atuar sua polaridade oposta até que, em dado momento, atinja um ponto de viragem, e inicie o processo de enantiodromia, no qual a consciência passa por uma inversão de seus valores. Assim, quanto maior for a identificação da consciência individual com a consciência coletiva, mais enfraquecido e subjugado será o ego em relação as influências inconscientes. O mesmo processo descrito acima com relação ao indivíduo, pode ser observado com relação à tentativa das ciências de elaborarem uma ordenação racional do mundo. Para o autor, quanto mais obstinadamente a razão busca

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Jung aponta que, de modo geral, a sombra contém qualidades infantis e primitivas, sendo vulgar, inadequada e incômoda, abrigando, assim, as chamadas más-tendências. Ele chama atenção para o fato de que, se trabalhada, a sombra pode vivificar e embelezar a existência (JUNG, 1939/2012c, p. 99).

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identificar, classificar e ordenar o que existe de obscuro na consciência, mais nos põe sob domínio desta mesma obscuridade. A própria religião, que servia de contraponto a unilateralidade da existência mundana foi, aos poucos, sendo racionalizada e se afastou do seu simbolismo original, o seu Eros maternal. Este mesmo fenômeno ocorreu igualmente no âmbito da Psicologia, que em muitos casos passou a ter ênfase pragmática e racionalista. A proposição de estratégias junguianas que possam colaborar para a modificação status quo em que as sociedades ocidentais se encontram e torná-las menos nocivas à alma humana, é abordada a seguir. Samuels (1991) discute a psicologia por trás dos processos políticos, no intuito de apontar novas áreas e modos de pensar neste campo que permitam mudanças não-violentas e a resolução de conflitos na sociedade moderna. O seu objetivo é contribuir para o desenvolvimento de uma forma de análise política e cultural. Em sua compreensão, o termo política é compreendido como os modos de organização existente em uma cultura ou entre um grupo de países para controlar e delegar recursos e principalmente poder, em especial o econômico. Ao nível social, isto significa controle político e econômico dos meios de informação e representação, possessão dos meios estratégicos para sobrevivência e o uso da força física de repressão. Ao nível mais individual, o poder político se vincula a habilidade de escolher livremente quando e como agir para lidar com uma situação específica. O termo política também se refere à existência de uma inter-relação entre a dimensão pública e privada do poder − esta conexão se dá entre o poder econômico público e a manifestação do poder ao nível doméstico. Compreende-se assim que a conduta individual é uma atitude política. Samuels (1991) entende que a psicologia profunda pode contribuir de maneira muito significativa nos processos de mudança e transformação políticas ao atuar na intersecção entre o público e o privado, ou, melhor posto, do político com o pessoal. Deste modo, ele acredita que devemos trabalhar nos consultórios de psicologia a adoção de uma atitude mais elaborada em relação à política. Isto porque, psicologicamente, o compromisso político e envolvimento com o mundo externo é tão valioso quanto o envolvimento com o mundo interno. Como “(...) todos os elementos da cultura estão sofrendo uma fragmentação e ‘balcanização’” (SAMUELS, 1991, p. 102) a análise psicológica dos processos

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políticos que mantém a cultura integrada tem se torna muito complicada. Apesar do sentimento de ansiedade gerada por essa fragmentação cultural, muitas pessoas têm desafiado a ideia de que este seja um processo que apresenta somente consequências negativas, visto que tais mudanças também parecem estar curando o poder político e social. Mesmo frente ao turbilhão de um mundo aparentemente sem fronteiras culturais, ao temor de um futuro ecológico horrível e o da guerra, surge uma tentativa também fragmentária de ressacralização da cultura atual. Esta tendência é compreendida pelo autor como uma tentativa de resgatar a vivência do sagrado no mundo material e secular. Sua posição como psicólogo frente a esta tendência é buscar compreender o que está acontecendo, de modo a tentar extrair o significado de algo ainda imperceptível, mas que já se encontra manifesto. A partir de sua análise, o autor nota um sentimento coletivo de descontentamento crescente com o mundo político vigente. Ele provém da percepção da futilidade e crueldade de grande parte da vida moderna. Ele inspira um desejo de expiar as injustiças sociais e os sentimentos negativos que a acompanham, de modo a podermos nos livrar da preocupação com a própria destrutividade e negatividade inerentes ao modelo social. Assim, para o autor, existe um “(...) desprezo culposo pelo capitalismo (...)” (1991, p. 103), no qual se faz uma cisão entre o lado fraudulento e o construtivo da economia de mercado e do capital. Como esta cisão carece de um meio de expressão para a manifestação do sentimento de descontentamento acabamos adotando uma perspectiva unilateral de compreensão da realidade. Desta forma, se mantivermos uma cisão entre as polaridades positivas e negativas da cultura e da política, o desejo de transformação e reparação almejado pela ressacralização não acontecerá, pois uma grande parcela da realidade concreta será menosprezada na equacionalização desta problemática. Sob influência da polaridade negativa, temos as ansiedades decorrentes do temor sobre um fim apocalíptico da humanidade. O autor afirma que estas ansiedades certamente têm base na realidade, visto que o efeito estufa, epidemias e a possibilidade de uma guerra nuclear são ameaças concretas. Ao analisar a fantasia por trás desta compreensão negativa, o autor afirma que tais temores expressam de forma patente um desprezo autopunitivo.

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Já a compreensão sob a influência da polaridade positiva, o capitalismo é visto como o único modelo econômico realmente funcional, sendo exaltado como provedor de benesses materiais e desenvolvimento econômico nunca antes atingido pela humanidade. Seus subprodutos negativos, genericamente compreendidos como a degradação do meio ambiente e desigualdade social, são aceitos como consequências inevitáveis para o progresso da humanidade. Essa cisão entre uma compreensão positiva e negativa aparece com muita clareza em relação à economia de mercado livre. Alguns a exaltam como rota para a liberdade e dignidade, ou como a melhor formula para a economia mundial, já outros a compreendem como expressão de uma divisão social que somente privilegia as elites econômicas. Frente a estas cisões sobre a visão do mundo, o autor propõe uma compreensão simultânea onde as polaridades não fiquem mais cindidas e garantam a mutualidade de suas existências. Para ele, deste modo seria possível compreender que para realizar as características positivas da economia de mercado se faz necessário aceitar a presença de suas características negativas. De acordo com esta compreensão psicológica sobre a realidade proposta por Samuels (1991), existe a necessidade de se distinguir entre quais são os efeitos negativos inerentes ao funcionamento econômico − quais são os subprodutos indesejados que não podem ser eliminados −, quais são seus pontos psicológicos positivos e negativos. Para que o processo de ressacralização tenha sucesso em seu desdobramento, o autor diz que é necessário que haja um engajamento com o mundo econômico e uma concomitante flexibilização da sua abordagem. Isso implica na perda de parte da crença de que a ressacralização traga como resultado um novo sistema de organização social que seja de todo imaculado. Samuels (Ibidem) acredita que apesar de ainda nos mantermos arraigados a uma cultura insensível e regida por uma ordem social podre, existe um descontentamento crescente com relação à ordem vigente do mundo. No entanto, este descontentamento ainda não atingiu as dimensões necessárias para se romper de vez com a desigualdade política. Ele permanece restrito ao nível ético da compreensão intelectual e é lentamente reforçado pela culpa oriunda da desigualdade econômica. Ao mesmo tempo e competindo com esta visão negativa e culposa, há um desejo pela adoção de uma ordem mundial mais saudável, onde se busca a

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modificação da cultura para que esta passe a valorizar o bem-estar de todos os seus membros e propicie o desenvolvimento de suas alteridades. O autor reforça que estas tendências de pensamento antagônicas não apontam nenhuma contradição ou incongruência sociocultural, sendo uma polarização harmônica para a humanidade por gerar uma autocrítica e a necessidade de aprimoramento. Samuels (1991) indica que as questões econômicas são os motivos preponderantes para a ocorrência de manifestação e engajamento psicológico dos indivíduos (e também, das sociedades) em relação a movimentos que pressionam por mudanças econômicas e culturais. O autor destaca que esse mote econômico aparece com destaque especial nos movimentos pacifistas. O seu panorama também indicia que as relações de poder dentro de uma sociedade − ou no mundo como um todo – têm suas variações diretamente relacionadas com a proporcionalidade da distribuição riqueza entre seus membros. Como o processo de ressacralização é atuante sobre a cultura Ocidental, se faz necessário termos clareza de que todos estamos capturados por essa tendência de secularização do sagrado. Ao mesmo tempo em que se viabiliza, a ressacralização é ameaçada pela compreensão polarizada que temos sobre a cultural, a política e a economia. A compreensão cindida da realidade gera o descontentamento e culpa, que somada a atuação inconsciente dos dinamismos negativos do trapaceiro reprimido, tendem a minar qualquer projeto de ressacralização. Samuels (1991) nos compele a desafiar a padronização dos limites, sejam estes entre a psicologia e a política, entre o público e o privado, entre a teoria e a prática, entre o mundo externo e interno ou entre o desenvolvimento psicológico do indivíduo e o desenvolvimento político. Isto permite que uma nova compreensão sobre estes temas que podem ser de muitas formas favoráveis para a renovação da sociedade. O autor finaliza alertando que para se introduzir as questões políticas na psicologia profunda, é necessário inicialmente compreender como funcionam e quais são os mecanismos atuantes da economia e da política. Nada nesta direção é possível caso esse primeiro passo não seja cumprido. Do ponto de vista da atuação da Psicologia Analítica para a implementação de mudanças na realidade social, alguns autores compreendem esta escola mais como

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um modelo filosófico de orientação para a vida do que simplesmente um método terapêutico. A seguir apresentamos um trabalho que adota esta perspectiva. Amnéris Maroni (1995) ressalta que a Psicologia Analítica Junguiana se revela mais como uma concepção ética do que uma teoria científica. De acordo com ela, o pensamento de Jung dialoga com educadores clássicos e, igualmente, propõe que sua psicologia se aproxime de uma prática educativa, seu modelo teórico possui “certa vocação militante de intervir no social” (MARONI, 1995, p. 72). Ela é crítica a cultura/civilização ocidental e elege o indivíduo como único elemento social capaz de produzir transformações sociais. Neste sentido, a autora aponta que uma das tarefas da psicologia de Jung é interferir no social por via da elaboração de uma nova visão de mundo, na qual o indivíduo seja o núcleo central e onde este esteja em diálogo permanente com as instâncias inconscientes. Para ela Jung acredita que a cultura/civilização é a responsável pela especialização dos mecanismos psicológicos (extroversão e introversão) e das funções psicológicas (pensamento, sentimento, intuição, sensação). Tal diferenciação e desenvolvimento de apenas uma das funções enrijece as possibilidades de combinações entre os mecanismos psicológicos e as demais funções, impedindo a expressão do ritmo natural da vida psíquica e aleijando a manifestação da alma. Para Maroni (1995), A especialização intensa de uma função psíquica leva as demais funções a se tornarem vítimas do descaso e do descomprometimento do indivíduo com o seu desenvolvimento. Consequentemente, estas funções psíquicas ignoradas sofrem um processo de enfraquecimento, sendo atuantes apenas em um nível primitivo e inconsciente. Nas palavras da autora: “(...) A civilização, a sociedade, a espécie, o conjunto se fortalece em detrimento do indivíduo que se apequena, se fragmenta, se despersonaliza. Esse descompasso foi, porém, inevitável (...)” (MARONI, 1995, p. 76). A diferenciação e especialização de uma única função causa na psique uma ferida incurável e sempre aberta. Segundo Maroni (1995), Jung compreendia que esta ferida remete historicamente ao cristianismo, momento no qual um tipo e uma função psicológica se especializaram, tornando a profissão um meio de medida e qualificação do homem. Assim, funções psíquicas isoladas exercidas com grande intensidade são recompensadas socialmente pelo destaque que proporciona ao indivíduo que a

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exerce. Ao mesmo tempo, tal valorização social possibilita que a pessoa se exima da preocupação com suas demais extensões psíquicas que integram sua individualidade. Apesar disso, Maroni (1995) aponta o processo de diferenciação e especialização de uma função psicológica tem um papel preponderante no desenvolvimento da sociedade, pois permite um grande desenvolvimento do coletivo, apesar de este se dar em detrimento do indivíduo. Assim, a cultura se vale do indivíduo como instrumentos para seu desenvolvimento. Este fato sugere que a humanidade ainda não atingiu realmente um estado de cultura, pois enquanto esta necessitar do sacrifício do indivíduo como instrumento para a sua existência, ainda não se tornou uma cultura de fato. Esta cisão causada pela cultura/civilização, via especialização de uma função psíquica do indivíduo, produz uma diferença marcante entre o que se é como indivíduo e a representação social por ele exercida. Assim, ao se identificar com uma função coletiva, o indivíduo pode desfrutar de grande prestígio e reconhecimento social; em contraste, como individualidade, pode ser impulsivo, descomedido, irresponsável etc. se comportando como um verdadeiro bárbaro. De acordo com a autora, Jung se interessa profundamente pela ideia educar também o adulto, e não apenas a criança. Todavia, Maroni (Ibidem), ressalta que Jung compreende que não se pode ignorar o que existe de infantil na personalidade do indivíduo adulto e que, para isso, se faz necessária a adoção de uma pedagogia específica, destinada ao desenvolvimento da personalidade. A autora afirma que para Jung, a educação da personalidade é um movimento que exige esforço e dedicação em direção à meta da realização máxima da índole inata do ser humano. Este desenvolvimento permite que o homem atinja a liberdade ao propiciar uma relação harmônica entre as instâncias consciente e inconsciente da psique, desta forma, a educação da personalidade é uma tarefa infinita. Para reparar a ferida civilizatória do homem, a autora afirma que Jung propõe o uso da fantasia ativa e/ou na imaginação criadora. Para ele, a fantasia ativa seria uma das formas de atividade psíquica mais elevadas por ser a expressão unificadora das funções e dos tipos psicológicos. A fantasia ativa/impulso lúdico é valorizada por Jung porque estes são meios para a unificação das funções psíquicas. Maroni (Ibidem) salienta que é um equívoco acreditar que Jung seja um autor que privilegia o inconsciente coletivo, ou que valoriza restritamente a instância psíquica do

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inconsciente ou a consciente. Ela enfatiza que Jung sempre buscou valorizar a fantasia ativa em sua produção. Segundo a autora, Jung acreditava que a fantasia não erra porque a sua ligação com o inconsciente coletivo − o elemento atemporal da psique – é muito profunda e íntima. É a fantasia ativa que liga junção dos opostos consciente e inconsciente, vinculando assim a temporalidade a atemporalidade. Maroni (1995) aponta que a noção do ser humano inacabado é uma das temáticas centrais da produção de Jung. Em relação a formação do ego, os conflitos psíquicos daí decorrentes são inevitáveis e acompanharão o indivíduo por toda a sua existência. A respeito, Faria (2003) aponta que a própria formação do ego e da consciência é fruto de um processo dialético. Por este motivo, ele é a base da natureza conflitiva do homem. No início do seu processo de emersão do ego das profundezas inconscientes, esse necessário deve negar, a realidade da natureza arquetípica para que possa se constituir. Deste modo, a própria existência de uma instância psíquica denominada sujeito constitui-se numa dimensão conflitiva. O indivíduo terá de lidar com esse dado fundamental, o de enfrentar as realidades do mundo, o de assumir responsabilidades, o de ter que dar conta da angústia do próprio existir. O conflito em si não tem uma natureza doentia, ele é um dado que acompanha a consciência. Talvez a fuga do conflito e as defesas que se constroem em torno dessa fuga constituam um caminho aberto para a neurose e a psicose (FARIA, 2003, p. 79, 80).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Refletindo sobre os apontamentos dos vários autores utilizados neste trabalho, faremos a seguir uma apresentação da compreensão pessoal sobre as questões relativas à vida na contemporaneidade. Com relação às questões do mundo do trabalho, notamos que nos setores privados, a estabilidade profissional já de muito não existe e a liquidez e instabilidade do capital torna incerta até mesmo a existência das empresas e corporações. Comercialmente e economicamente nunca se produziu tanto quanto na atualidade. Paradoxalmente, o fantasma do desemprego estrutural aparenta se fazer cada dia mais presente. Isto acaba por forçar as classes trabalhadoras economicamente ativas a buscar aprimoramento técnico especializado exigido pelos modelos administrativos. Desta forma, paulatinamente se exclui do meio produtivo formal aquelas camadas sociais economicamente carentes, pois estas têm pouco ou nenhum acesso a qualificação, sendo forçadas a buscar o subemprego, a informalidade ou a realizar biscates para conseguirem garantir sua subsistência. A necessidade do consumo é uma preocupação constante do modelo econômico atual que se vale da propaganda intensa e repetitiva em todos os meios de comunicação. Notamos que suas estratégias são cada vez mais elaboradas para nos levar a crer que o consumo também é capaz de saciar desejos básicos do ser humano, tais como carinho, afeto, amor, autoconfiança, etc. Neste sentido, a indústria farmacêutica inunda a população com a mais variada gama de ofertas de medicamentos e novas patologias. Estas últimas, em sua grande maioria são provenientes da política mercadológica de medicalização da vida humana. Um bom exemplo disto nos parece ser encontrado nos meios educacionais, nos quais se busca patologizar a criança para justificar a falência dos mecanismos de ensino. Hoje em dia vivemos uma verdadeira epidemia de crianças e adolescentes com Transtorno Opositor Desafiador e/ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, gerando uma demanda milionária para as indústrias farmacêuticas. Debates e apontamentos muito relevantes sobre esta temática podem ser encontrados nas publicações “A Produção do Fracasso Escolar” (PATTO, 1996) e “Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos” (COLLARES at. aliae, 2013).

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A humanidade, de maneira geral, tanto ao nível do sujeito quanto ao da coletividade, parece convencida de que um consumo desenfreado de bens materiais pode nos proporcionar a felicidade definitiva. Todavia, em países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, esta ilusão quimérica tem uma realidade objetiva restrita aos pequenos nichos sociais de suas elites, as quais têm condições econômicas reais de arcar com os altos custos do consumo. Portanto, notamos uma intensificação das tensões sociais decorrente da diferenciação entre os que podem pagar e os que não podem. Além disto, a mídia gera e impulsiona o desejo de consumo de maneira universal. Ela sutilmente difunde a crença de que só é um cidadão aquele que tem condições de consumir mercadorias. O valor da dignidade começa a ser visto a partir do que o indivíduo tem e não a partir do que ele realmente é. A exigência de produtividade e a ausência de momentos de ócio e contemplação gera um estresse constante que facilita e/ou acarreta o adoecimento do indivíduo a nível corporal e psíquico. Aparentemente, a supervalorização da vivencia exteriorizada, orientada para as necessidades de consumo, acarreta a sua falta de autoconhecimento. Acreditamos que a relativização da unilateralidade do ego seja importante não apenas para o indivíduo, mas também para a comunidade. A superação da crença de que a racionalidade é o único meio possível de se chegar a verdade, talvez possa proporcionar alternativas mais efetivas para a humanidade lidar com seus dilemas e paradoxos. Esta abertura coletiva para o não racional possivelmente poderá contribuir para a revalorização das tradições culturais positivas, já que estas a seu modo, vivificavam através de simbolismos, celebrações e rituais as necessidades inconscientes coletivas, fertilizando e colorindo o existir da comunidade. Como mencionado, a maior parte das populações do mundo − a maioria dos ocidentais e parte dos orientais − vive hoje uma esterilidade existencial mantida e impulsionada quase que exclusivamente pelo produzir e pelo consumo de mercadorias, silenciando ou inibindo assim o potencial simbólico do existir. A retomada da tradição, por via dos contos de fadas, da mitologia e da vivência autentica da religiosidade, sob o ponto de vista da psicologia junguiana, possui uma importância magistral, pois se acredita que estes materiais carregam em si sabedorias

79

secularmente esculpidas a respeito das necessidades arquetípicas do ser humano. A desvalorização do antigo e imposição de inovações nos afasta e nos faz perder o contato com esses conhecimentos humanos secularmente vivenciados. A tendência moderna pela inovação, favorece a ilusão de que isentar-se de responsabilidades e de obrigações que tradicionalmente ocupavam o ser humano, é algo desejável. Isto caracteriza um funcionamento psíquico unilateralmente fixado a polaridade Puer do arquétipo bipolar Puer-Senex que conjuntamente equilibram a relação entre a tradição e a inovação. A psicologia junguiana nos diz que a constelação unilateral de um arquétipo sobre a consciência leva o seu oposto compensatório a atuar a um nível inconsciente profundo. Assim, a consciência livre e despreocupada,

é

atormentada

por

intrusões

inconsciente

carregadas

de

ressentimento e culpa. Paralelos com a questão das síndromes ansiosas ficam aqui evidentes. Desta forma, a superação dos desequilíbrios que promovem a ansiedade nos indivíduos, aparentemente só será efetiva, caso ocorra uma reformulação do modelo socioeconômico, de tal forma que este retorne ao seu propósito inicial de propiciar melhores condições de vida para a espécie humana. Enquanto a perversão deste sistema se fizer preponderante, o indivíduo e a sociedade continuarão a ser assolados pelos males de um sistema que não prioriza as necessidades humanas. Acreditamos que esse resgate e valorização do humano só se dará por via do engajamento individual que levem a valorização dos seus processos psíquicos em detrimento dos valores de consumo impostos por uma sociedade estruturada sobre um modelo de funcionamento predominantemente extrovertido e estruturado sobre a necessidade de consumo desenfreado. Isto implica na necessidade de engajamento num processo de autoconhecimento e na ampliação da consciência, denominado por Jung como processo de individuação. A partir do exposto, fica claro a necessidade de se desenvolver estudos a respeito de um sistema educacional que favoreça não apenas a função psíquica principal e auxiliar do funcionamento psíquico individual, mas igualmente, as funções inferiores, da tal forma que a personalidade seja instrumentalizada a lidar com estas funções. A especialização excessiva da função psíquica principal incentivada pela cultura e educação vigente, acaba delegando as funções menos desenvolvidas ao esquecimento. Em sua atuação na esfera inconsciente do psiquismo elas,

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desencadeiam todo tipo de comportamento compulsivo e contribuem para o funcionamento desadaptativo da ansiedade. Neste trabalho, tentamos explicitar a importância da Psicologia Analítica romper as tradicionais barreiras que a restringem ao âmbito do consultório, ampliando seu escopo de modo a trazer para o primeiro plano, não apenas as questões individuais mas igualmente todo o âmbito existencial no qual o paciente se encontra imerso. Tal questão, já havia sido proposta por Jung, que a apontava a vocação sociológica presente em sua Psicologia Analítica. O diferencial deste trabalho neste sentido, é propor uma compreensão psicológica e não exclusivamente psiquiátrica a respeito da ansiedade, fato que, conforme demonstrado anteriormente, apesar de movimentos teóricos nesta direção, ainda permanece um tanto quanto nebuloso para esta escola de Psicologia. Em relação à proposta de novos campos de pesquisa, este trabalho explicitou a necessidade do estudo de processos intensificadores da massificação psíquica encontrados nas sociedades contemporâneas, tais como o uso insidioso e desregrado de mídias eletrônicas, a partir da perspectiva junguiana. Isto nos leva a preocupação com a constante inovação tecnológica na atualidade e seus efeitos deletérios decorrentes do uso desregrado e irresponsável destas novas facilidades, que se integram com cada vez maior velocidade à vida dos indivíduos. Tais tecnologias têm um grande potencial para exacerbar ainda mais o alheamento e o isolamento de seus usuários, levando-os inicialmente a um estado de tensão ansiosa constante, que caso perdure, acarreta nos mais diversos tipos de prejuízos para a pessoa e para a sociedade.

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