Carla Mitsy Fernandes Fujii
Curso de Especialização em Artes Visuais
Richard Serra: O escultor de espaços
UNICAMP Campinas Dezembro/2008
Carla Mitsy Fernandes Fujii
Curso de Especialização em Artes Visuais
Richard Serra: O escultor de espaços
Trabalho apresentado à UNICAMP para a finalização da disciplina As Artes Plásticas nos anos 1960 e 1970, sob orientação da Professora Ms. Renata Cristina de Oliveira Maia Zago.
UNICAMP Campinas Dezembro/2008
O Aprendiz Construí antes de areia, depois construí de pedra. Como a pedra desabasse, não construí de mais nada. Depois voltei muitas vezes a construir de areia e pedra; conforme, porém, tinha aprendido. Aqueles a quem eu confiava a mensagem dela faziam pouco; porém aqueles em quem eu nem reparava vinham com ela até mim. Isso tenho aprendido. O que eu recomendava não era posto em prática; chegando mais perto, eu via que estava equivocado e que o correto havia sido feito. Com isso eu tinha aprendido. As cicatrizes doem nos momentos de frio. E eu digo sempre: só a sepultura não terá nada mais a me ensinar. Bertold Brecht
RESUMO O presente texto tem como temática o escultor de espaços – Richard Serra. Elaboro aqui uma pequena análise da obra do escultor americano baseada nos textos lidos e nas reflexões geradas pelas leituras.
Richard
Serra
entende
a
arte
como
espaço
para
a
experimentação do real, analisando criticamente a apropriação espacial praticada no cotidiano. Palavras-chave: Richard Serra, escultura e espaço.
ABSTRACT The present text has in its principal thematic the sculptor Richard Serra. Drawn up here a little analysis of the American sculptor based texts read and the reflections generated by readings. Richard Serra sees art as a space for experimentation of the real, and examine critically the ownership practiced in the daily space. Keywords: Richard Serra, sculpture and space.
Sumário 1. Introdução......................................................................01 2. O escultor de espaços.......................................................02 3. Análise de obras..............................................................06 4. Conclusão.......................................................................09 5. Referências Bibliográficas..................................................11 6. Anexo Iconográfico...........................................................12
1. Introdução “A maior transformação na história da escultura do século XX ocorreu quando o pedestal foi removido”. Richard Serra
Este trabalho tem como foco a obra do escultor americano de espaços. Richard Serra é um dos escultores em metal mais significativos e importantes da atualidade. Famoso por suas peças de metal gigantescas, objetos espantosos devido ao seu peso e opacidade. A arte de Serra é, constata-se desde logo, notoriamente americana, portanto inflexível a uma análise que não leve em consideração aspectos centrais sobre a formação da América e da mentalidade de seu povo. A solução é estudar a obra deste escultor sob o prisma da cultura, compreendendo que a percepção ocorre no mundo dos homens,
por
conseguinte,
a
experiência
sensível
deve
ser
contaminada por significados. Um artista que dialoga com o espaço e brinca com a noção do tempo. Com suas obras monumentais nos convida a participar de sua viagem por uma cidade, um labirinto, uma casa sem tetos, ou por onde mais a sua imaginação e as suas sensações te levarem. Percorra este texto, como se percorresse uma criação de Serra, brincado de se perder e se achar, sem preocupação com o espaço e com o tempo, afinal de contas fazemos o nosso próprio tempo. Boa viagem!
2. O escultor de espaços “Em nosso tempo, a única coisa realmente constante é a mudança. Gosto muito disso, desse caráter excitante e imprevisível. Jamais pensei em viver em outra época”. Richard Serra
Richard Serra nasceu na Califórnia em 1939. Emergiu no circuito artístico de Nova Iorque seguindo influências da Arte Povera1 e do Minimalismo2 o qual faziam parte Donald Judd, Robert Morris e Frank Stella. Na década de 60, quando se aperfeiçoava como pintor na Europa, Serra ficou fascinado diante de As Meninas de Velázquez, pela maneira que o artista relacionou o espectador e os personagens retratados por ele em 1656. O escultor também queria envolver o observador diretamente no seu trabalho e, achando que não poderia fazer isso em duas dimensões, decidiu abandonar a pintura e tornarse
escultor.
Nesta
mesma
época
iniciou
experiências
com
combinações invulgares de materiais e técnicas (como borracha, metais e lâmpadas). Em 1970, conseguiu o equilíbrio exato entre as placas de aço, apoiadas entre si sem a ajuda de um suporte externo, o que permitiu a transição para uma concepção da escultura cujas possibilidades combinatórias ainda são experimentadas na atualidade. Assim como Rosalind Krauss quando escreve: “Serra cria uma imagem da escultura como algo constantemente compelido a renovar sua integridade estrutural mantendo um equilíbrio”.3
1
Arte Povera (arte pobre) foi um movimento artístico italiano que se desenvolveu na segunda metade da década de 60. Seus adeptos usavam materiais de pintura não convencionais (exemplos: terra, madeira e trapos) com o intuito de empobrecer a pintura e eliminar quaisquer barreiras entre a arte e o dia-a-dia das pessoas. 2 Minimalismo, surgido como reação à hiperemotividade e ao Expressionismo Abstrato que dominou a produção artística da arte nos anos 50 do século XX, o Minimalismo, que se desenvolveu no final dos anos 60 prolongando-se até a década de 70, apresenta a tendência para uma arte despojada e simples, objetiva e anônima. Recorrendo a poucos elementos plásticos e compositivos reduzidos a geometrias básicas, procura a essência expressiva das formas, do espaço, da cor e dos materiais enquanto elementos fundadores da obra de arte. 3 KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna, 2007.
Suas esculturas encontram-se em cidades como Nova Iorque, Paris e Londres. Uma das características do trabalho de Serra é que suas esculturas são concebidas tendo em mente já um local específico; ele define um espaço na paisagem, sendo a escultura não apenas o objeto em si, mas a sua localização e as relações que define com o meio, urbano ou não. Desde a década de 70 que as obras de arte de Richard Serra expostas em público, a maioria delas grandes estruturas de aço, contribuíram para alterar a percepção que o espectador tem do espaço. Todas as suas esculturas refletem uma preocupação pelo que pode ser verdadeiramente experimentado e observado: algumas revelam o processo da sua produção, outras esclarecem aspectos das suas propriedades físicas e outras ainda redefinem a natureza do espaço que ocupam. Com o objetivo de envolver o espectador com sua obra, Serra não só provocou uma nova forma de interação com a escultura, como também ampliou as fronteiras e a definição dessa arte. O centro de gravidade e o equilíbrio, a massa e o vazio, a percepção do espaço e a consciência corporal por parte do espectador constituem os temas básicos de sua obra, que elabora com blocos sobre dimensionados e pranchas de aço. Dessa forma, como escreveu Krauss: “Serra cria uma imagem da escultura como algo constantemente compelido a renovar sua integridade estrutural mantendo seu equilébrio”.4
Colocando seu trabalho exposto no meio urbano e também em museus,
como
no
MOMA5,
que
precisou
passar
por
uma
transformação tão superlativa quanto às criações de Serra para a realização desta retrospectiva, o escultor escolhe tornar-se público e acessível aos outros.
4
KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna, 2007. MOMA – Museum of Modern Art, localizado em Nova York, reuniu 27 trabalhos do escultor Richard Serra em uma retrospectiva dos 40 anos de carreira do artista. A retrospectiva ficou em exposição até setembro deste mesmo ano. 5
As obras do escultor têm relevância inclusive entre arquitetos, que ressaltam a sua importância como um dos mais instigantes críticos de arquitetura da atualidade. Seu trabalho confronta o indeterminado, a insatisfação. Arquiteto às avessas, Serra força os limites do espaço e investe na sua transformação, dando nova vibração à presença do homem no mundo. Sua contribuição inegável à arquitetura está fundamentalmente em não aceita-la como um “continente isolado”, mas tomá-la como um lugar onde o artista atua para estruturar espaços, explorando novas possibilidades e direções. Por princípio, portanto, uma intervenção de Serra é em si mesma um desafio e uma crítica à arquitetura. Em 1987, expôs na Federal Plaza em Nova Iorque o seu Tilted Arc (Arco Inclinado), uma placa de metal curva de 3,6 metros de altura, cujo aspecto variava segundo as condições meteorológicas, que suscitou uma viva polêmica e foi retirada do local após mobilização dos habitantes (de uma área nobre de Nova Iorque) que consideravam a escultura ofensiva, alegando razões surrealistas para fazer o trabalho de demolição, desde a possibilidade de favorecer acúmulo de detritos até ser usada como escudo por terroristas. Serra afirmou que a escultura tinha sido concebida especificamente para o local e que a sua remoção era equivalente a destruí-la. Em 1989, a peça foi desmantelada e depositada, fragmentada, num ferro-velho. As proporções das esculturas de Serra chegam a amedrontar quando se vê que não há nada para sustentá-las além do que, para leigos em física, é um equilíbrio incompreensível. O próprio artista reforça que sua obra, para ser compreendida, não exige conhecimento prévio sobre a história da arte ou da escultura: “O que sente aquele que entra nas minhas estruturas é o tema delas. O que me interessam são as sensações que ocorrem ali dentro, mais do que o efeito estético do conjunto”.6
6
Retirado do site: www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u467195.shtm, em 13/11/2008
Para ele, o observador deve apenas confiar em sua experiência no momento em que está entre as paredes. O objetivo primordial de Richard Serra, o escultor de espaços, é enfatizar o processo de criação, as características do material e, sobretudo, relacionar espectador e obra.
3. Análise de Obras “Trabalho para descobrir justamente aquilo que eu não sei. Não quero reciclar aquilo que já conheço”. Richard Serra
Escolhi
estas
duas
criações de Serra porque ao longo da pesquisa foram as que mais me provocaram, as que me despertaram um segundo,
terceiro,
quarto,..., olhar. Além de serem
distintas
entre
uma
pintura
e
escultura,
possuem
si,
uma um The Matter of Time
Rio Rounds
pontoSerrafundamental em Richard Serra Richard particular: a interação do público, ao percorrê-las. Rio Rounds foi uma exposição de dez desenhos negros circulares sobre as paredes e até mesmo sobre o teto do Centro de Arte Hélio Oiticica (Rio de Janeiro). A criação demorou mais de dez dias para ser concluída pelo próprio Serra, seu assistente Allen Glatter e mais dois auxiliares. O público é convidado a olhar os seus desenhos
enquanto
percebendo
o
caminha
espaço,
pelo
talvez,
o
lugar.
Andando,
visitante
deixe
olhando a
e
postura
contemplativa em frente a uma obra de arte tradicional para tornarse uma espécie de parceiro. Assim, quem sabe, o público tome consciência do seu caminhar, da forma como andam e enxergam.
Como toda obra de Serra é produzida especificamente para um determinado lugar, aqui no Brasil não poderia ser diferente. O escultor tirou fotos do Centro Hélio Oiticica e caminhou por ruas próximas ao hotel onde estava hospedado. Depois das fotos e dos passeios, voltou com o projeto pronto. Seus desenhos seriam redondos, como uma homenagem à geografia fluminense, que para aquele forasteiro, a paisagem carioca revelava uma amplidão e uma sinuosidade muito particulares. Essa obra foi concebida com uma obra de arte de caráter efêmero e os círculos de pigmento preto foram apagados assim que a exposição fechou as suas portas. The Matter of time é uma série composta por oito esculturas: Torqued Spiral (Closed Open), 2003; Torqued Ellipse, 2003-04; Double Torqued Ellipse, 2003-04; Snake 1994-97; Torqued Spiral (Right Left), 2003-04; Torqued Spiral (Open Left Closed Right), 200304; Between the Torus and the Sphere, 2003-05 e Blind Spot Reversed, 2003-05. O conjunto desta obra pesa cerca de 1200 toneladas, tem mais de 430 pés de comprimento e foi criada pelo escultor para o Museu Guggenheim de Bilbao. As esculturas em aço de grande escala, que compõem essa obra, erguem-se como muros, labirintos. Para se visitar uma escultura de Serra é preciso entrar nela, entrar fisicamente, interagir, sentir a textura, o frio do metal, elas são uma espécie de cidade, de retorno da cidade. É preciso se perder nelas, perder-se para elas, se entregar as sensações, aos sentimentos que elas despertam. Krauss complementa esse pensamento: “O artista está sugerindo que os significados que criamos – e expressamos por intermédio de nossos corpos e nossos gestos - dependem por completo dos outros seres para os quais os criamos e de cuja visão dependemos para que esses significados façam sentido”.7 7
KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna, 2007.
A experiência do espectador, medida em tempo e movimento durante seu trajeto por maciças e sinuosas paredes de aço laminado, é um aspecto essencial na obra criada pelo escultor. O sentido desta criação é ativado pelo ritmo do movimento de cada espectador. Este
conjunto
de
esculturas
se
baseia
na
idéia
de
temporalidade múltipla, de tempos que se sobrepõem. A duração da experiência de uma peça é diferente à da outra. Por um lado a experiência é interna, privada, psicológica e estética, e de outro, é externa, social e pública. O espectador mergulha em uma viagem, cujas descobertas dependem de sua vontade de investir seu tempo e deixar que suas memórias se fundem na percepção. Ambas as criações de Serra nos instigam, nos provocam, nos fazem querer ser parte da obra. Andando, caminhando, correndo, tocando, sentindo, olhando, admirando, se permitindo esse tempo, essa brincadeira de se perder e se achar, nessa e para essa sociedade voraz que escolhemos viver.
4. Conclusão
“Você tem realmente que matar seus heróis. Eu inclusive. Livre-se deles todos e comece de novo”. Richard Serra
As esculturas de Richard Serra representam o lugar mais avançado atingido pelo modernismo em direção a uma exterioridade
plena. O que se seguirá, provavelmente, serão obras que não mais necessitam da materialidade para se colocar no mundo e tornar-se acessíveis a todos. É claro, sempre se pode argumentar, que frente ao mundo capitalista, em que escolhemos viver, o objeto se faz presente, não podemos eliminá-lo. Viver num mundo não essencialista deixou de constituir um problema a ser enfrentado e superado. Um mundo de aparências, onde apenas acontecimentos possuem status ontológico, não causa mais sofrimento, pelo contrário. Livre da angústia moderna para estabelecer uma nova ordem para as coisas, ou para dar sentido a uma realidade sem sentido, a arte agora, acostumada à falência dos paradigmas, poderá apresentar outros interesses. As poéticas atuais parecem apontar para o caminho da exaltação do provisório. Não tanto para demonstrar a passagem do tempo, mas para adaptar-se, ou mesmo retratar a sociedade vigente. Acreditando que o momento de crise da racionalidade já passou, resta-nos olhar o que sobrou. A arte, Argan sempre esteve certo, pode acabar, ou já está acabando, transformando-se noutra coisa, diferente da verdade concebida pelo Ocidente. O estudo sobre Richard Serra, entretanto, serviu para rever certas posições. Serviu, sobretudo, para me tornar mais flexível frente às mudanças, menos receosa, mais aberta, permitindo reaprender a olhar. É preciso abrir-se para o porvir e lembrar que não fosse a dinâmica da cultura, estaríamos até hoje pintando caverna. Chego ao final deste trabalho acreditando que a conclusão mantém-se aberta. As pesquisas e as reflexões geradas não chegam a uma conclusão, mas abrem um leque de possibilidades. A própria transitoriedade do contemporâneo impede asserções definitivas. Um dos fascínios exercidos pela arte contemporânea vem exatamente da impossibilidade de se proferir qualquer juízo definitivo a seu respeito. Além disso, qualquer tentativa de fazê-lo iria
contradizer a própria obra de Richard Serra que se apóia na fluidez da realidade.
5. Referências Bibliográficas ALMEIDA, M. J. Imagens e sons: a nova cultura oral. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. BAUDRILLARD, J. De um fragmento ao outro. São Paulo: Zouk, 2003.
BENJAMIN, W. Obras escolhidas II. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. GOMBRICH, E. H. A história da arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. GUINSBURG, J.; BARBOSA, A. M. (orgs) O pós modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. HEARTNEY, E. Pós-modernismo. Tradução de Ana Luiza Dantas Borges. São Paulo: Cosac&Naify, 2002. JOLY, M. Introdução à análise de imagem. Tradução de Marina Appenzeller. 9. ed. Campinas, SP: Papirus, 2005. KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007 LYOTARD, J. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. SANTOS, J. F. dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2006. TODOROV, T. Teorias do símbolo. Tradução Dobranszky. Campinas, SP: Papirus, 1996.
de
Enid
Abreu
Sites consultados: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u467195.shtml http://www.moma.org/exhibitions/exhibitions.php?id=2866 http://www.pbs.org/art21/artists/serra/
6. Anexo Iconográfico
“Na tela, não se coloca o problema da profundidade, não existe o outro lado, enquanto há um além do espelho. Isso não significa que tudo o que aparece como arte tenha a ver com isso, felizmente existem exceções”. Baudrillard
The Matter of Time, 2005
Vortex, 2002
Rio Rounds, 2000
Poutpourri Serra
de
Richard
Street Levels,sd
One Ton Prop, 1969
Step,sd
Tilted Arc,1981
Hand catching lead,1969