Lembranças De Uma Vida Comum

  • Uploaded by: Chirlei A Ferreira
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LEMBRANÇAS DE UMA VIDA COMUM

Seu corpo estava em uma área mais elevada de suas terras, que se situava longe da pequena cidade onde sempre viveu naquela zona rural. O desejo de sair daquele lugar a acompanhou durante toda a sua longa existência, mas não teve sucesso e acabou vivendo e morrendo naquele mesmo lugar. Agora observava em uma única direção a beleza do lugar, um campo plano com um belo pasto e algumas vacas que se alimentavam espalhadas ou dormiam debaixo de alguma árvore. Naquele dia, o céu estava azul com poucas nuvens. Olhou em direção ao casebre que passou longos anos, observou que estava vazio, a fumaça que sempre saia de sua chaminé não estava mais lá. As lembranças de tempos a muito ido retornava de uma forma suave. Lembrou-se quando chegou naquela casa, era seu primeiro dia após a festa de casamento, com um jovem alegre que conhecera em uma festa da igreja, era mês de maio e o achou encantador. O namoro e o noivado foram rápidos, pois, o rapaz já possuía terras e faltava construir uma casa e iniciar a vida acompanhada. O local que estava acabando de chegar foi construído também com rapidez, com paus e barro, como todas daquela região, mas a sua havia sido colocado cor – era branca e possuía um lindo fogão de lenha com três locais para cozinhar. Ela naquele momento, jamais imaginou que passaria grande parte de sua vida em volta daquele fogão. Na chegada o conhecimento e a felicidade de estar em sua casa com seu marido. Não seria mais uma beata, todas as suas colegas tinham medo de serem beatas, ela não! Tinha se casado com um rapagão bonito. Colocou suas poucas roupas no armário do quarto de casal e foi para a cozinha preparar um café para que tomassem juntos antes de dormirem e iniciarem a vida de casados foi sua primeira experiência naquele fogão. Agora ela procura se lembrar quando aquele fogão havia descansado e não conseguia, parecia com sua vida, ficava sempre acesso fazendo alguma coisa, nem que fosse manter uma água quente para caso precisasse... A primeira noite, motivo de tantas conversas entre as amigas e risinhos baixos e ansiosos havia sido ruim, doloroso e nada parecido com as falas tantas vezes ditas. Na manhã, iniciou sua rotina que seria eterna, com pequenas mudanças passageiras. Seu marido levantou-se cedo, perguntou se havia preparado o almoço para que ele pudesse levar para a lavoura. Ela se assustou não havia pensado que iria começar tão rápido e saiu desesperada para o fogão para começar o cozinhar o almoço e o café tudo ao mesmo tempo. O fogão com três locais era tão pequeno não estava conseguindo, o que facilitou foi o fogo que já estava acesso do café da noite anterior. O marido já saiu pronto do quarto e se sentou à mesa aguardando com impaciência. No momento, não teve tempo para nada, nem para observar que praticamente não conversou com ela e assim foram todos os outros dias, meses e anos. Logo nos primeiros meses observou que estava grávida, seu corpo mudou, sua aparência antes tão bonita estava estranha, e percebeu que novamente viveu aquele período e outros quatro sozinhos, o marido nunca perguntou sobre como estava passando, perguntava para quando era o filho e mais nada. Quando nascia, sempre com a mesma senhora que fazia os partos de todas na região, olhava e somente se alegrou no

terceiro e quarto parto de filhos homens. Esses sim, poderiam ajudá-lo. As outras iriam dar trabalho e não iriam lhe servir de nada, melhor seria que crescessem rápido e casassem para saírem de casa, seriam bocas a menos. As crianças vieram, como tudo na minha vida, rápidas uma a cada ano e o marido que nunca foi próximo se afastava cada vez mais. Eu trabalhava cada vez mais. Era o almoço para a lavoura, as mamadeiras, as roupas para lavar, as crianças para observar e eu não mais existia, minha vida era para outras vidas. Vi minhas roupas ficarem apertadas, minhas pernas ficarem cheias de varizes, os cabelos ficando brancos e o sorriso há muito não se abria mais. Minha filha mais velha tinha uns doze anos, levantei como de costume apressada e fui para o fogão para fazer o café e estranhei meu marido não apareceu como de costume a cozinha. Fui até o quarto e o encontrei na cama não havia conseguido se levantar, já não era mais aquele rapagão. Há algum tempo mostrava cansaço fácil, embora fosse à lavoura todos os dias tinha dificuldade de fazer o serviço e estava muito amarelo, havia lhe dito isso, mas ele me fez calar dizendo que estava muito bem e que minha comida não estava boa porisso estava se alimentando pouco. Perguntei lhe o que estava acontecendo e ele muito cansado com grande dificuldade de respirar disse que estava fraco. Pedi que ficasse quieto e iria trazer o café para que ele tomasse e se não queria que eu chamasse o dono da farmácia na cidade. Ele sacudiu a cabeça negativamente e se recostou. Sai e fui buscar o café quando voltei não respirava mais. Depois fiquei sabendo que naquela região e naquele tipo de casa tinha um bicho que se escondia nas frestas e picava as pessoas deixando o coração delas crescido e depois matava. O corpo foi enterrado no local mais alto das terras e os vizinhos me ajudaram a enterrá-lo. Agora eu realmente estava sozinha acompanhada de cinco crianças sendo somente dois homens ainda meninos. O trabalho aumentou tinha que alimentar as crianças. Levantava mais cedo, acendia o fogão ou esse já estava acesso fazia o café, havia feito o jantar à noite, sempre tinha pouca coisa: arroz, feijão e alguma coisa de uma pequena horta que eu havia feito ao lado da casa. Acordava minha filha mais velha e saia para a lavoura. Agora além do sol que queimava toda a pele que se tornava encardida e as rugas se aprofundava mais eu fazia o serviço dele. Sentia sua falta: seu jeito calado e quieto observou daquele jeito ele me ajudava... Minha primeira filha casou uns três anos depois, com um jovem que trabalhava na lavoura e construiu um casebre próximo a que eu vivia para continuar me ajudando e eu continuava com a mesma rotina: o fogão, o jantar, o café, a lavoura. Minha segunda filha assumiu o lugar da primeira e meu primeiro menino já ia para a lavoura para conhecer como era o local, mas ele não gostava do lugar e procurou seu padrinho que um dia havia oferecido um serviço na loja da cidade e foi morar com ele... era uma boca a menos, como dizia o meu marido. Fiquei com três filhos, a pequena ainda estava com oito anos e também queria acompanhar o irmão o que conseguiu dois anos mais tarde indo para uma casa próxima do padrinho para trabalhar e assim pode estudar. Minha segunda filha teve o mesmo rumo da primeira e eu fiquei somente com o quarto filho. Esse não quis seguir os irmãos e ia para a lavoura comigo. Em uma festa encontrou uma moça filha de um conhecido e

se enamorou por ela. Pensei: como o ciclo se repete. Pediu um pedaço da terra construiu uma casa e também se casou e eu fiquei sozinha. Agora, era uma senhora, já não sabia quantos anos tinha, mas sabia o que já não tinha, aqueles cabelos antes bonitos e castanhos estavam todos brancos e sempre enrolados com um lenço; os dentes que eram brancos quase não os existiam; a pele antes viçosa agora era encarquilhada e o sentimento era de um vazio imenso. Não ia mais para a lavoura, esporadicamente, um filho ou outro aparecia trazendo algum alimento e as crianças para brincarem com a vó. Ficava todo o dia na cozinha, com o fogão aceso, mesmo que com água, pois poderia precisar, ás vezes ia à horta ou sentava na frente da casa pensando naquele vazio. Como já disse toda a minha vida foi rápida, mas essa fase não. Os dias eram sempre iguais e demoravam a passar... e foram muitos dias, meses, anos. Até que sozinha eu vi o meu marido ao meu lado na cama me perguntando se já não queria ir embora. Olhei assustada pelo quarto achei que havia sonhado. O dia seguinte foi igual a todos os outros, exceto por uma dor fina que sentia nas costas, havia dormido de mal jeito, tomei um chá mas não passou e senti falta de ar mesmo estando sentada, depois tudo escureceu e agora eu estou aqui.....

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