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Como você sabe, não sou partidário do PT e de Lula, sinto-me muito à vontade, por isso, para apontar nessa peça jornalística mais uma teoria conspiratória cuja formulação parece caminhar na contramão da lógica. Primeiramente, quem é o autor do texto? Um publicitário associado às mídias conservadoras. Mas uma

análise

não

deve

ficar

nesse

ponto.

Vejamos

o

escrito.

Primeiramente, o autor fala de um organismo sediado em Washington. Que organismo? Trata-se de matéria sem identificação de sua fonte ou off the records, como se diz em linguagem jornalística. A propósito,

colhi

no

Manual

de

Redação

da

Folha

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_producao_o.htm)

de a

São

seguinte

Paulo

(

classificação:

"off the record" - Em inglês, fora dos registros. Designa informação de fonte que se mantém anônima. O oposto de "off" é a informação "on", em que a fonte aparece identificada. No Brasil, a maioria das informações "off the record" são publicadas. A Folha trabalha com três tipos de informação "off the record": a) "Off" simples - Obtido pelo jornalista e não cruzado com outras fontes independentes. Se tiver relevância jornalística, pode ser publicado em coluna de bastidores, com indicação explícita de que se trata de informação ainda não confirmada. Eventualmente, um "off" simples de fonte muito confiável pode ser publicado como notícia sem cruzamento; b) "Off" checado - Informação "off" cruzada com o outro lado ou com pelo menos duas outras fontes independentes. Em texto noticioso, o "off" checado deve aparecer sob a forma A Folha apurou que etc., a ser usada com comedimento. Admite-se que o texto indique a origem aproximada da informação: A Folha apurou junto a médicos do manicômio Santa Izildinha que o

ministro

está

internado

para

tratamento

de

psicose

maníaco-depressiva;

c) "Off" total - Informação que, a pedido da fonte, não deve ser publicada de modo algum, mesmo que se mantenha o anonimato de quem passa a informação. O "off" total serve só para nortear o trabalho jornalístico. Exemplo: um assessor da Prefeitura diz, em "off" total, que um novo sistema de multas de trânsito será implantado na cidade e já está em estudos na Secretaria de Transportes. O jornalista não publica a informação, mas começa a investigar, na secretaria,

o

teor

das

mudanças.

Veja

cruzar

informação;

classificação

de

fontes.

Ora, tendo em vista a origem apócrifa do documento fica impossível fazer a checagem de sua origem mediante o cruzamento dessa informação com outras fontes independentes, como recomenda o Manual da Folha.

Por outro lado, não

consigo imaginar o que seja o tal populismo socialista contido no texto em

exame. Qualquer estudante de 1º semestre da disciplina Ciência Política aprendeu que seus significados são mutuamente excludentes. Nesse sentido, o verbete populismo do Dicionário de Política, de Norberto Bobbio (2.ed. Brasília: EdUnB, 1986, p.980-86), afirma que o populismo em relação ao socialismo se apresenta como uma ideologia concorrente e divergente, e não como uma ideologia complementar ou subordinada. Prosseguindo, disse Serrão que o mesmo documento de origem apócrifa teria sido examinado em sessão fechada do Colégio de Líderes do Senado. Só que se esqueceu de dizer que, nessa Casa do Congresso, embora seja possível constatar a existência desse órgão colegiado, seu Regimento Interno não contempla as respectivas competências; aliás, sequer o menciona, ao contrário do que existe na Câmara dos Deputados, RICD - art. 20. Porém, como bem leciona o prof. José Afonso da Silva, no livro Processo Constitucional de Formação das Leis (2.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.95-6), esse organismo coletivo possui funções importantes no processo legislativo. Ora, se não há regulamentação de seu funcionamento na Câmara Alta, seu modus operandi será, sem dúvida, regulado pelo direito costumeiro parlamentar, não sendo, por isso, fácil conhecer a sistemática de suas reuniões, seja rotineiras, seja fechadas. Por isso mesmo é que não posso deixar de revelar a malícia dessa passagem do texto e que consiste na falácia argumentativa ad ignorantiam, segundo a qual, preleciona Fábio Ulhoa Coelho, Roteiro de Lógica Jurídica (5.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 102), a veracidade de uma idéia é afirmada pela falta de demonstração de sua falsidade. No caso, beneficia-se aquele redator da grande dificuldade de confirmação do fato da sessão fechada. Na contramão da lógica, pois. E agora o pior: saído do nada, com num passe de mágica, sai da cartola o depoimento de um senador, igualmente não identificado, (estamos, por sinal, sendo bombardeados por uma sequência de informações sem a menor possibilidade de confirmação), para quem os elaboradoradores norteamericanos do documento ter-se-iam antecipado ao entendimento de técnicos do TSE. No entendimento destes últimos, haveria irregularidades na prestação de contas da campanha de reeleição de Lula. Por conseguinte, o presidente daria um golpe de Estado para impedir seu afastamento do cargo, antes da decisão do Tribunal. O curioso nisso tudo é que, escassas linhas acima, Lula foi acusado por aquele escritor de vir conduzindo o povo na direção de um socialismo, segundo o modelo cubano e inspirado no stalinismo. Parece-me que o golpe aí foi contra a lógica, na medida em que o redator da peça publicitária (ou jornalística?) não ignora que, se isso ocorresse, seria a primeira vez na história mundial que um golpe dessa natureza teria alguma orientação política, pois, como discute Edward Luttwak, docente da Universidade de Georgetown, no seu conhecido livro Golpe de Estado: um manual prático (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 30), no campo da esquerda, se é que Lula é de esquerda, não temos golpes, mas sim revoluções. Por sua

vez, no contexto da direita, encontramos o putsch, a exemplo da frustrada tentativa dos galinhas verdes de Plínio Salgado contra Getúlio, em 1937, e os pronunciamientos que se sucederam na América do Sul - Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru etc. Muitos golpes, conclui o professor, tiveram caráter direitista. Acontece que, contrariando todas essas cassandras, o TST julgou regulares as contas de campanha em questão... Agora. o grand finale, o governo estaria criando um gigantesco programa habitacional e, para financiar as obras decorrentes de infraestrutura, faria Medida Provisória permitindo que os trabalhadores utilizassem 20% do saldo do FGTS para investir nesses programas, assumindo os riscos dessas aplicações, mediante um fundo denominado de FI-FGTS. Como de habitual, não há fontes, a não ser o já surrado texto elaborado por não-se-sabe-quem. Acontece que esse fundo já existe na Lei nº 11941/07. Ademais, é notório que compete à Caixa Econômica Federal (Lei nº 8036/90) aplicar tais recursos em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana (Lei 8036, art. 9º, § 2º).

Por outro lado, no sistem atual, a realização dessas inversões já é possível, inclusive com

disciplina do Conselho Curador do FGTS, que conta com representação de trabalhadores na sua composição, além de estar sob supervisão do Ministério da área social. Por isso, não se sabe muito bem qual é o alcance da notícia de Serrão. Será que o governo vai baixar M.P. instiuindo o que já existe?

Muito

pouco

provável

que

alguém

arrombe

portas

escancaradas...

Para fechar a análise do texto, ficaram faltando algumas considerações finais exatamente sobre a trama argumentativa nele empregada. Primeiro, trata-se de identificar a natureza do discurso. Se regressarmos à Retórica, de Aristóteles, podemos enquadrá-lo na categoria de epidíctico ou exibicional, que, como pontua Olivier Reboul (Introdução à retórica, tradução de Ivone Castilho Benedetti. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 45 e ss), contém censura, inspirado por valores como o nobre e o vil, que nada têm a ver com o interesse coletivo e o justo. Não dita uma escolha, mas orienta escolhas futuras. É, além disso, pedagógico. Não por acaso, esse gênero discursivo é utilizado nas mídias. O segundo ponto que cabe destacar diz respeito à tríplice dimensão do processo do convencimento, quais sejam, a da identidade ideológica, a mobilização das emoções e, por fim, o intercâmbio intelectual, de acordo com o Roteiro de Lógica Jurídica, de Fábio Ulhoa Coelho (5.ed.São Paulo: Saraiva, 2004, p. 95-8). Ora, o texto que comento - epidíctico - trabalha exatamente na perspectiva ideológica. Sabemos, ainda segundo o prof. Ulhoa Coelho (op.loc.cit) que nenhuma ideologia se sustenta sem um lastro pseudológico, tentando o orador revestir sua fala com a aparência de um raciocínio lógico. Foi exatamente o que aconteceu no presente discurso de Serrão, na medida em que ele buscou o argumento terrorista, definido pelo prof. Ulhoa (idem, ibidem) como recurso muito empregado pelos advogados quando querem uma determinada decisão, afirmando que o

contrário resultaria numa consequência desastrosa.

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