Evangelicos.politica

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EVANGÉLICOS NA POLÍTICA Paulo Cezar Martins1 Registra-se, no período que começou em 1963 e foi até 1984, a presença de parlamentares evangélicos no Congresso Nacional, porém nunca superando a marca de 12 durante aquelas 5 legislaturas consecutivas, sendo notada nestas a hegemonia dos fiéis das denominações históricas, como luteranos, batistas, presbiterianos e metodistas. Na Assembléia Nacional Constituinte, porém, o número de protestantes chega a 33, muito mais que o dobro do máximo atingido até então, sendo que a predominância passou a ser de 19 deputados crentes pentecostais. O novo perfil desse segmento parlamentar acompanhou de perto as mudanças na composição religiosa da população brasileira, porquanto, no período de 1960 a 1970, a média de crescimento anual de pentecostais foi superior em mais de 200% àquela que se constatou no lapso temporal que foi de 1930 a 1960. Seu número, hoje, anda por volta de 16 milhões. Por outro lado, a faixa de rendimentos para 80% desses novos fiéis está entre 1 e 2 salários mínimos, sendo que a maioria deles migrou do campo para a cidade. Ainda sobre o perfil sócio-econômico dos novos crentes, uma seqüência caudalosa de dados vem robustecer a idéia da ancoragem pentecostal nas massas de excluídos. Nesse sentido, uma pesquisa sobre a inserção desses fiéis no mundo do trabalho, realizada na década de 70, computando 1160 entrevistas com crentes, numa área escolhida exatamente por ostentar três atributos em geral propostos como correlacionados com a presença dessa modalidade de protestantismo e que seriam migração, urbanização e industrialização (ROLIM, F. C. Pentecostais no Brasil. Uma Interpretação Sócio-Religiosa. Petrópolis, 1985). Foram, assim, esquadrinhados os municípios de Nova Iguaçu, São João de Meriti e Paracambi, todos integrantes da região metropolitana do Grande Rio. Apurouse, nessa amostra, que, tomadas em conjunto, as categorias operários industriais e trabalhadores rurais não ultrapassaram 13,6% do total, cifra esta muito pequena diante dos demais 86,4%, onde estavam incluídos assalariados em serviços, comércio e transportes, executores de serviços nas indústrias, pequenos comerciantes e artesãos. Cabe dar relevo, no interior dos segmentos que compuseram esse último e maior percentual, os seguintes sete grupos profissionais que contaram, em ordem decrescente, com o maior número de casos:

1



empregadas domésticas;



serventes, jardineiros e porteiros;



balconistas;



motoristas e cobradores de ônibus;

Doutor em Sociologia – Professor da UESB



costureiras e auxiliares de escritório/datilógrafos;



feirantes;



militares na graduação de cabo e carpinteiros.

Em 1989, portanto quase 20 anos depois, um segundo levantamento, desta feita restrito aos fiéis da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus, na cidade do Salvador, detectou que as afiliações provinham praticamente do mesmo estrato social identificado na cidade do Rio: 90% eram mulheres, das quais 69,7% exerciam serviços domésticos não remunerados em suas próprias casas; já, no meio das restantes 30% que recebiam pagamento em contrapartida ao exercício de sua atividade, apenas 5% percebiam mais de um salário mínimo. No universo composto por todos os que forneceram dados para essa investigação, a renda familiar não ultrapassou o teto de 2 mínimos (GOMES, W. Demônios do Fim de Século. Curas, Ofertas e Exorcismos na Igreja Universal do Reino de Deus,1993). Tomando o Brasil como um todo, foram analisadas duas amostras trabalhadas pelo Instituto Datafolha (Pierucci, A. F.; Prandi, R. Religiões e Voto: a eleição presidencial de 1994. In Autores A Realidade Social das Religiões no Brasil. São Paulo, 1996) compreendendo 20.993 casos, apurada em 1994, por ocasião da eleição presidencial, exibindo os seguintes resultados: 33,3% dos pentecostais tinham renda familiar de até 2 mínimos; além disso, sua taxa de desemprego estava acima da média nacional; finalmente, a taxa de ocupação dos que trabalhavam por conta própria irregularmente, ou seja, os que viviam de bicos e biscates, era de 27,2%, superando a média nacional que estava em 19,1%. Naquela mesma ocasião, os números revelaram que a incidência do fenômeno do desemprego, nesse meio, estava acima da média do país, ou seja, 8,2% contra 5,8%. Por outro lado, chamaram a atenção, ainda, os indicadores de analfabetismo, que foram bem mais altos entre os seguidores desse credo do que entre todas as demais religiões pesquisadas, 11,2%, o maior percentual, único a superar a taxa nacional de 8,7%. Provavelmente inspirado em tais indicadores, o antropólogo Ari Pedro Oro (Avanço Pentecostal e Reação Católica, 1996), professor da UFRGS, afirmou que existiria em seu estado uma afinidade eletiva entre igrejas pentecostais e as camadas populares. Voltando ao Rio de Janeiro, existem dados de uma pesquisa realizada pelo ISER em sua região metropolitana, nos anos 90 (MARIANO,R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil., 1999), segundo a qual a renda dos adeptos dessa religião expressa em salários-mínimos foi: 61% até 2 salários-mínimos, 29% entre 2 e 5 mínimos, e 10% mais de 5. Posteriormente, uma pesquisa realizada pelo ISER, em 1994, abrangendo evangélicos dos municípios de Nova Iguaçu, incluindo Belford Roxo, Nilópolis, Duque de Caxias, São João de Meriti, Niterói e São Gonçalo, além de todas as zonas componentes da cidade do Rio de Janeiro, num total de 1500 casos,

confirmaria que o maior recrutamento de adeptos ocorria nas faixas menos escolarizadas da população; por outro lado, negros e pardos foram as cores mais representadas na AD - Assembléia de Deus, com 56%, e na Igreja Universal do Reino de Deus, com 60% (FERNANDES,R. C. Novo Nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política., 1998). Para os leitores ainda não familiarizados com os conceitos desse campo religioso, os pentecostais reivindicam a possibilidade de manifestação contemporânea dos dons do Espírito Santo, trazendo para o presente a narrativa bíblica de Atos 2:4. Suas narrativas sobre o marco inicial da história recente do movimento convergem no ano de 1906, quando aconteceu o primeiro batismo no Espírito Santo, na pessoa de um menino negro de 8 anos que falou línguas estranhas, durante um culto na Azusa Street Mission, na cidade norte-americana de Los Angeles. O pesado fogo da crítica da imprensa americana, que acusou o movimento de invasão da cultura negra no protestantismo, foi insuficiente para frenar sua rápida expansão naquele país, mas de forma bipartida: as igrejas negras, voltadas para uma intensa ação política em prol da causa dos afro-americanos; e a corrente branca, dedicada apenas ao sagrado. A trajetória dos pentecostais em terras brasileiras já mereceu importante estudo de periodização (Mariano, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. Loyola, 1999). Sua chegada pode ser detectada em dois momentos: primeiro, a Congregação Cristã do Brasil, em 1910, no bairro paulistano do Brás, fruto do trabalho do missionário ítalo-estadunidense Luigi Francescon; e segundo, apenas um ano depois, a Assembleia de Deus, em Belém do Pará, iniciada pelos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Significativamente, estes e aquele colheram sua revelação pentecostal na mesma fonte: a cidade de Chicago, Estados Unidos, sede da vertente branca do pentecostalismo. Esse período de implantação ou seguiu até o início da década 50, podendo ser caracterizado assim: congregações de pessoas pobres e de baixo nível de escolarização; manutenção de forte sentimento anticatólico2, com ênfase na glossolalia, criam num retorno iminente de Cristo e numa salvação paradisíaca, além de terem optado por rejeitar o mundo exterior e pela adoção de um comportamento profundamente sectário. Seguiu-se-lhe uma nova fase, o deuteropentecostalismo (Mariano op.loc.cit.), que começou na cidade de São Paulo, em 1950, com a Igreja do Evangelho Quadrangular, caracterizado pela ênfase na cura divina e no uso de meios massivos de comunicação, como rádio, reuniões em estádios de futebol e praças públicas, entre tantas outras; surgidas deste movimento vieram as igrejas Brasil para Cristo – BpC, Deus é Amor – DEA, Casa da Bênção – CB, ao lado de outras menores. Por fim, veio a terceira fase ou neopentecostalismo (Mariano op.loc.cit.), iniciado muito provavelmente na década de 70, e suas igrejas tiveram como marcas distintivas a guerra contra o Diabo, a Teologia da Prosperidade, a liberalização dos costumes de santidade e, em quarto lugar, a estrutura empresarial; encaixam-se 2

Dom de falar línguas estranhas.

nesta categoria as igrejas Nova Vida - INV, Universal do Reino de Deus – IURD, Internacional da Graça de Deus – IGD, Cristo Vive – ICV, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra – SNT e Nacional do Senhor Jesus Cristo – INSJC. Convém notar que as duas etapas de maior crescimento do número de crentes e suas igrejas, passada a fase de implantação, coincidem com a Guerra Fria. Sintomaticamente, em 1969, após ter percorrido todos os países da América Latina, em missão oficial, o empresário Nelson Rockefeller assinalou, no famoso e pouco lido relatório dessa visitação, que a Igreja Católica Romana deixara de ser aliado de confiança dos Estados Unidos, cujo governo, recomendou ele, deveria passar a apoiar os fundamentalistas cristãos, a seita do reverendo Moon e a seita Hare Krishna, como forma de conter o avanço da Teologia da Libertação (Silleta, A. Las sectas invaden la Argentina, Contrapunto,1989; Lima, D. M. Os demônios descem do norte, Francisco Alves, 1987), vista como contrária aos interesses dos Estados Unidos na região. Não basta, porém, para o entendimento do real significado dessa novidade na cena parlamentar, constatar a existência de 19 deputados com determinada identidade religiosa, no caso a pentecostal; muito mais do que isso, é necessário retraçar a forma como se deu sua inserção e alinhamento nas forças políticas que participaram de um dos mais importantes processos de transformação de nossa vida pública, qual seja, a refundação democrática do Estado brasileiro após longo período de regime autoritário. Sob o ponto de vista de sua origem regional, a maioria, 10 deputados, proveio do Sul e do Sudeste, ao passo que os outro 9 vieram do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O subuniverso mais numeroso foi o do Sudeste com 7 eleitos, cabendo lembrar que nos estados dessa região estão os maiores aglomerados urbanos do país, cujas favelas, cortiços e periferias, os mais impressionantes focos de concentração de excluídos do país, são a base de recrutamento dos adeptos do pentecostalismo. No que tange à identidade ideológica, enquadramento feito pelo jornal Folha de São Paulo apontou que 10 eram de centro-direita; 5, de centro; 2, de centro-esquerda; 1, de direita; e 1, de esquerda. Ora, praticamente 90% estavam, de um jeito ou de outro, no centro, contra 10%, apenas 2, com posturas claramente definidas. Também sua vinculação partidária foi na mesma direção, na medida em que 16, ou 84%, pertenciam ao PMDB, PTB, PFL e PDC, siglas de nenhuma ou baixíssima densidade ideológica. No que diz respeito à situação sócio-profissional, 5 eram funcionários públicos; 7, profissionais de nível universitário, inclusive professores; 4, empresários; e 3, pastores. Havia uma nítida predominância da classe média, de ordem de 15 contra 4, estes últimos capitalistas. Apesar do perfil sócio-econômico das congregações, não houve operários nem trabalhadores rurais, dado que sugeriu limitações de classe à participação política da grande massa dos crentes. Esse dado também

permite concluir que o fato de a membresia das igrejas ser pobre e eleger candidatos muito diferentes de si em termos sociais só confirma a influência política das lideranças religiosas, que só foi efetiva pelo grau de relativa impermeabilidade dessas populações aos discursos de esquerda. Para essa pesquisa, foi crucial a análise das votações de emendas, durante a elaboração da nova Constituição, diligência de que resultou positivada a existência de uma clivagem partidária esquerda-direita em 33 roll-calls, o que é um dado surpreendente para um país em que as siglas são comumente criticadas por sua falta de densidade ideológica (KINZO, M. D.G. O quadro partidário e a constituinte. RBCP, 1989). Diante disso, o estudo usou, em primeiro lugar, instrumental estatístico de teste de hipóteses sobre diferenças de médias para verificar como os componentes desse

grupo

de

parlamentares

religiosos

votaram

exatamente

aquelas

33

matérias,

comparativamente com os dois blocos que se opunham configurando a citada clivagem; por outro lado, foram examinadas, praticamente, 2 mil emendas subscritas pelos deputados em apreço, tendo sido estabelecida tipologia para mapear respectivas áreas de intervenção (MARTINS, P. C. B. Línguas de Fogo sobre O Congresso: os pentecostais na Constituinte. Brasília, 1994 . Dissertação de Mestrado). As matérias objeto da controvérsia que bipolarizou a Assembleia Nacional Constituinte, bem como o número que receberam enquanto emendas, foram: 1. Governismo: 1.1 preâmbulo do Centrão restringindo a democracia direta – nº. 005 1.2 mandato de 5 anos para José Sarney – nº. 624 1.3 mandato de 5 anos para os futuros Presidentes da República – nº. 320 1.4 suspensão dos dois turnos das eleições municipais em 1988 – nº. 965 1.5 prorrogação dos mandatos dos então atuais prefeitos – nº. 633 2. Conservadorismo: 2.1 emenda do Centrão retirando a subordinação do exercício do direito de propriedade à sua função social – nº. 048 2.2 acordo sobre a estabilidade no emprego, negociado entre a liderança do PMDB e o Centrão – nº. 090 2.3 retira a competência dos próprios trabalhadores para decidir sobre a greve – nº. 785 2.4 substitutivo do Centrão ao Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – nº. 485 2.5 estabilidade no emprego – nº. 131 2.6 adicional de 33% do salário nas férias – nº. 104 2.7 licença paternidade – nº. 106 2.8 turno ininterrupto de 6 horas – nº. 102 2.9 unicidade sindical – nº. 136

2.10 reforma agrária – nº. 533 2.11 desapropriação da propriedade produtiva – nº. 943 3. Democrativismo: 3.1 mandado de segurança coletivo – nº. 061 3.2 referendo, plebiscito, iniciativa e veto populares – nº. 149 3.3 fortalecimento do Congresso – nº. 291 3.4 veto à participação das forças armadas na ordem interna – nº. 402 3.5 pena de morte – nº. 756 3.6 censura artística – nº. 959 4. Nacionalismo: 4.1 monopólio da União sobre recursos minerais – nº. 502 4.2 nacionalização da distribuição de combustíveis – nº. 505 4.3 monopólio da União sobre importação de remédios e insumos da indústria farmacêutica – nº. 551 4.4 definição de empresa nacional – nº. 925 4.5 contratos de risco petrolífero – nº. 940 4.6 tratamento preferencial à empresa nacional – nº. 946 5. Oposicionismo ao sistema financeiro: 5.1 limite de 12% para as taxas de juros – nº. 538 5.2 estatização dos bancos – nº. 535 5.3 estatização gradual dos bancos – nº. 540 5.4 aplicação de recursos federais somente por instituições financeiras públicas – nº. 541 5.5 antioligopolização do sistema financeiro – nº. 542 Computadas suas participações nas 33 votações monitoradas na pesquisa, não se pode, como resultado dessas apreciações dos trabalhos de elaboração constitucional, afirmar que os deputados pentecostais tenham assumido uma postura progressista durante a ANC; muito pelo contrário, por seus votos, eles se alinharam favoravelmente à direita, com apenas duas exceções, que optaram por acompanhar a esquerda, inclusive por ter sido esta a posição ocupada por seus partidos, o PT e o PDT, na clivagem suscitada por tais roll-calls. A qualidade da participação destes dois últimos parlamentares, por outro lado, é argumento ponderável também contra a tese dos que pretendem ver, no conjunto desses políticos, a existência de uma bancada ou bloco parlamentar. Não se perca de vista que esse a postura dos representantes pentecostais na cena política, em suma, ocorreu num momento histórico em que o projeto de desenvolvimento capitalista nacionalautônomo, sustentado pelas correntes de esquerda, começava a entrar em crise crise com a ascensão

dos neoliberalismo, a partir dos anos 80, defendido este por empresários, intelectuais, as mídias e partidos de direita. É notório que estes últimos não dispunham de respaldo eleitoral, a não ser em segmentos da classe média, o que é insuficiente para viabilizar politicamente esse projeto. É exatamente aí que entraram em cena os novos deputados, na medida em que suas lideranças, sem comprometimentos sociais mais amplos que os ditados pela dinâmica da cúpula das igrejas, mas que conduzem vastos contingentes de excluídos e despolitizados, passassem a apoiar a corrente que já se chama de nova direita. Como epílogo dessa postura na ANC, ressalte-se que o número de deputados pentecostais, na legislatura subsequente, de 1991-1994, caiu de 19 para 17, sendo que 10 dos constituintes não conseguiram reeleger-se. Não obstante, no momento presente, eles ocupem 52 cadeiras na Câmara dos Deputados.

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