Estudar a figura do professor como um lugar na estrutura escolar que relaciona professor-aluno-saber a partir do qual se constitui um conjunto de predicados, isto é, uma série de critérios elencados pelos sujeitos para identificar a si, estabelecendo um campo próprio de identificação, determinando o sujeito no interior de um campo estruturado de diferenças opositivas, permitirá avaliar o problema dos modos de inscrição de sujeitos no interior de estruturas sociais reconhecendo as formas de sofrimento e afecções psíquicas inerentes às modalidades de inscrição de uma persona ficta, nesse caso, o professor. No cotidiano de sala de aula o professor concorre com diversos aspectos da realidade social dos alunos para ocupar o prestigioso - e disputado - lugar de objeto de desejo deles. As distrações são muitas nessa saga de transformar-se em vetor de influência na vida acadêmica e pessoal dos discentes. Em termos lacanianos, o objetivo é fazer-se Sujeito Suposto Saber da massa heterogênea que constitui o alunado. Lugar a partir do qual se fundamenta uma relação de transferência e de dupla suposição: 1) do analista (no caso, o professor) que articularia uma interpretação diagnóstica (leitura sobre a linguagem/inconsciente do aluno) sobre o paciente; e 2) suposição do paciente (no caso, os alunos) que coloca o analista/professor na posição de sujeito portador de um saber concreto, de um saber verdadeiro, de um saber que sabe; e que, portanto, seria capaz de ajuda-lo/curá-lo. Com o objetivo de ensinar aos alunos os conteúdos programáticos, fazê-los aprender os conhecimentos que são objetos dos desejos daqueles que o professam, a maioria dos docentes busca criar as condições de aprendizagem de determinados conteúdos e saberes que, por principio, serão imprescindíveis para a formação intelectual, humana e profissional dos discentes. Assim, os professores (nem todos, é verdade) fazem um esforço colossal para “chamar e prender a atenção” de seu público. Em suma, os professores carregam o desejo de ser o desejo de seus alunos. Este lugar de sujeito suposto saber constitui um laço estrutural entre professor e alunos. E, nesse sentido, o sujeito político ‘professor’ é um elemento fundamental na estruturação de um sistema. Estudar os sofrimentos psíquicos que surgem da atividade docente constitui importante contribuição para a análise do ambiente escolar bem como pode contribuir na construção de estratégias diferenciadas de formação de professores. Com efeito, o investimento emocional dos professores na construção de uma imagem de eficiência e destaque é enorme e os efeitos psíquicos são evidentes. Tanto para os professores mais
rigorosos quanto para os aparentemente mais liberais. Nesse sentido, as demandas emocionais e profissionais aprofundam-se, e se as ações previstas no cotidiano escolar não fazem surtir o efeito desejado, pode ocorrer no docente uma profunda (e difusa) frustração e, no limite, um ressentimento patológico. De um lado, a necessidade de controle excessivo dos processos educacionais e de execução rigorosa do planejado causa sofrimentos psíquicos ligados às dificuldades de enfrentamento de situações inesperadas e contingenciais. Ao excluir situações fora da “ordem” ou do “padrão”, o professor atua como o superego – instância psíquica que representa a necessidade de obediência à lei, à norma social estabelecida, o censor dos sonhos e desejos. A lição do superego nos diz que quanto mais o professor busca obedecer às normas exigidas por si mesmo, mais culpa sentirá devido à necessidade de mais sentenças, mais normas, mais obediência. É o complexo do professor-superego. De outro, atender às expectativas da persona ficta de ser um “bom professor” exige um cuidado de si que implica um superinvestimento libidinal em si mesmo que pode inviabilizar um conhecimento crítico sobre si, ou seja, em termos psicanalíticos é o que se chama de narcisismo. Apaixonado pela imagem idealizada de si, o sujeito narcisista pode vir a negar os limites de suas qualidades ou negar a qualidade dos outros e, no limite, tratar o mundo externo como uma ameaça. A dificuldade de subjetivar os fracassos dessa idealização pode provocar a irrupção de respostas agressivas aos impasses simbólicos colocados. A pergunta evidente aqui é contra quem esse ressentimento será projetado: alunos ou colegas professores?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA, Sergio de Mello; PASSOS, Marinez Meneghello. Da psicanálise ao ensino de ciências: o "desejo do docente" e o "professor como um lugar". Ciênc. educ. (Bauru), Bauru , v. 18, n. 1, p. 69-80, 2012. DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre-muros. São Paulo: Boitempo, 2015. PEDROZA, Regina Lucia Sucupira. Psicanálise e educação: análise das práticas pedagógicas e formação do professor. Psicol. educ., São Paulo , n. 30, p. 8196, jun. 2010. SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos. São Paulo: Cosac Naify, 2015.