A Censura Como Instrumento De Aglutinação Da Capacidade Criativa E Cultural Dos Brasileiros

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A Censura como instrumento de aglutinação da capacidade criativa e cultural dos brasileiros REIS, Bianca R. do Nascimento. Estudante de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – RJ

Resumo: O auge da produção cultural brasileira aconteceu nos anos 60 e 70, um período marcado pela repressão e pela censura. As manifestações e movimentos culturais, em sua maioria politicamente engajados, foram resultado da capacidade criativa do brasileiro aliada as circunstâncias de duas décadas de muitas transformações políticas e sociais no Brasil e no mundo. O teatro, a literatura, a arte, a música, o cinema e a imprensa foram o lugar das discussões políticas e das inovações. O jornalismo assistiu ao surgimento da Imprensa Alternativa, com modelos e técnicas criativas.

Palavras-chave: cultura popular, censura, imprensa alternativa.

O período do Regime Militar no Brasil (1964-1984) foi, simultaneamente, o mais sombrio, no aspecto político, e o mais brilhante, no que diz respeito à capacidade criativa e cultural. Teatro, música, cinema, literatura, arte e imprensa uniram suas forças inventivas ao engajamento político, numa experiência de ebulição cultural singular num país que presenciou a mutilação das esquerdas, reagindo nas brechas da repressão e da censura. “O movimento cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que não são excludentes: por um lado se define pela repressão ideológica e política; por outro, é um momento da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens culturais.”1

Toda e qualquer manifestação cultural deriva da necessidade do homem de se expressar, de se comunicar, uma vez que a 1

ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira.

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“cultura é um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas”2.

No contexto ditatorial, em que o controle político e moral sobre essas manifestações é maior, a cultura torna-se instrumento de luta e de resistência: “Cultura popular é, antes de mais nada, consciência revolucionária”. 3

Nas duas décadas de Ditadura Militar, o desenvolvimento industrial e o estabelecimento da sociedade de massa no país foram processos complementares conduzidos pelo governo, com base no projeto de integração nacional. Sem que fosse possível controlar as manifestações culturais através da implantação de uma ideologia educacional fundamentada na exaltação nacional e na defesa da instituição familiar conservadora, visto que a sociedade passava por nítida transformação, os governos militares revezaram-se no poder por meio do cerceamento das liberdades e da imposição da censura e do terror. A intenção era justamente conter qualquer tipo de representação política, social ou cultural que “ameaçasse o regime”. A criatividade imersa num ambiente de idéias contraculturais, possibilitou o surgimento do Cinema Novo, do Teatro de Arena e do Oficina, da Música Popular Brasileira, e da Imprensa Alternativa, todos com uma nova proposta, uma nova linguagem, um novo olhar sobre modo de fazer arte no Brasil. “Passava-se, em suma, por um momento estimulante e propício à articulação de uma produção cultural brasileira, capaz de responder em suas diversas áreas ao projeto nacional de desenvolvimento”.4

No campo cinematográfico, o Brasil era invadido por produções estrangeiras e pelas chanchadas nacionais. Influenciados pelas idéias de arte engajada, um grupo de cineastas brasileiros, entre eles, Glauber Rocha, propõem uma nova linguagem, influenciado pelo cinema de autor, que desmistificasse os padrões estético-industriais 2

DAMATTA, Roberto. Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Ferreira Gullar citado em ARANTES, Antonio Augusto. O que é Cultura Popular. 4 GONÇALVES, Marcos Augusto e HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Cultura e participação nos anos 60. 3

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estabelecidos por Hollywood e apresentasse, criticamente, a realidade do próprio Brasil. Esse grupo de novos cineastas pretendia utilizar o cinema como instrumento de “desalienação” das massas, mostrando o cotidiano e os problemas sociais de parcelas da sociedade excluídas do processo de crescente industrialização do país. Uma proposta inovadora, crítica e, até certo ponto, corajosa e polêmica para o período histórico analisado. O Cinema Novo surgiu nos anos que antecederam a Ditadura Militar no país, pois já havia uma combinação de fatores culturais e políticos – como as idéias da Arte Neoconcreta –, influenciando expressivamente nas novas manifestações artísticas que surgiram no pós-64. “Na diversidade das alternativas autorais, o Cinema Novo manifestaria uma mesma vontade superar a indigência crítica do cinema comercial através da afirmação de uma prática cinematográfica desmistificadora, engajada, deflagradora”.5

A inovação do teatro não alterou apenas o formato de italiano para de arena, também modifica a perspectiva do espectador. Por isso, as peças do Teatro de Arena e do Oficina, que exigiam do público uma tomada de decisão e uma participação na condução da narrativa, como Roda Viva de Chico Buarque, provocaram as mais estranhas reações do público, acostumado com narrativas acabadas. “Rompendo com as linguagens do teatro tradicional, o Oficina procurava desenvolver nesse momento uma linha de „provocação cruel e total‟, buscando a mobilização do público através da instigação agressiva.”6

De acordo com Marcos Napolitano, a censura pós-AI-5 dificultou a montagem das peças teatrais de cunho crítico, assim como o estilo agressivo, provocador do novo estilo teatral afastou a classe média, maior consumidora desse tipo de arte: “Obviamente, não podemos esquecer a violenta censura e repressão que se abateu sobre o meio teatral a partir do AI-5 (...) que certamente dificultava a montagem de qualquer peça mais crítica.”7

5

Idem. Ibidem. 7 NAPOLITANO, Marcos. Arte engajada e seus públicos (1955/1968). 6

4

Na década de 60 surge a chamada Música Popular Brasileira (MPB). Novos compositores e intérpretes invadem o cenário musical, apresentando uma alternativa ao estilo criado paralelamente pela Jovem Guarda. Esses artistas queriam cantar a realidade brasileira, as angústias políticas, as transformações sociais, sem romantismo, sem fórmulas. Pretendiam criar e redefinir o modo de fazer música, de forma polêmica, provocadora e engajada. Mas, curiosamente, o sucesso e a consolidação da MPB como música de protesto deveu-se muito mais às restrições da censura que propriamente a sua capacidade de mobilização popular. Os festivais transmitidos pela incipiente televisão foram também decisivos para produzir essa aura de resistência e contestação, adquirindo mais e mais admiradores e sendo um instrumento mais eficiente de conscientização das massas do que o cinema ou o teatro. Músicas como Prá não dizer que não falei de flores,de Geraldo Vandré, Alegria, Alegria, de Caetano Veloso e Apesar de você, de Chico Buarque, transformaramse na trilha sonora de toda uma geração e, nos dias atuais, quando reproduzidas remontam instantaneamente ao período de opressão vivido no país. Com a decretação do Ato Institucional nº 5, que revogou as garantias constitucionais dos cidadãos, a MPB ganhou ainda mais destaque, porque muitos artistas foram exilados, alguns presos, algumas músicas foram censuradas e impedidas de participarem dos festivais. Isso também contribuiu, em certa medida, para a queda da popularidade dos festivais, sua decadência e extinção. Mas é interessante notar como a censura e a repressão imposta à Música Popular Brasileira despertou ainda mais o interesse e atenção dos brasileiros para a situação política do país. Ou seja, o efeito de cerceamento da liberdade criativa dos compositores, que ousavam colocar em suas músicas referências ao contexto sócio-político do país, era muito mais eficaz. Quando uma música era censurada, os olhos do público se voltavam para ela e para o artista. Da mesma forma quando artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, ganharam maior destaque com o fato de saírem do país para se exilarem do regime. No entanto, não existia um consenso sobre o que seria realmente censurável. Por essa razão, composições “inofensivas” foram censuradas e composições realmente combativas ao regime vieram a público, fruto da criatividade e, até de certa forma, da “sorte” do autor em não ter sua música vetada. Os artistas “driblavam” a censura de

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diversas formas: Chico Buarque, por exemplo, por vezes adotou o pseudônimo Julinho de Adelaide para assinar suas composições; os escritores utilizavam técnicas como a do romance-reportagem8; o uso da figura de linguagem metáfora foi recorrente, como na canção Dia de Graça, de Sérgio Ricardo, em que as estrofes: “No conto que eu conto pra mentir/ De primeiro de abril” referiam-se ao golpe militar ocorrido em 1964; a música Cálice, uma das mais famosas de Chico Buarque, utiliza um cacófato para criticar a própria censura. Esses poucos exemplos comprovam que diante do fechamento, do cerceamento da liberdade, o brasileiro viu-se obrigado a trabalhar criativamente para criticar e tentar modificar a estrutura política vigente. “(...) a cultura tornara-se um espaço para onde haviam migrado as poucas formas de resistência, até pelas lacunas deixadas pelos censores.”9

Não pretendo esvaziar o mérito da MPB como proposta inovadora e alternativa de música para o período, pois sua relevância não é apenas histórica, já que influenciou e ainda influencia várias gerações de artistas. No entanto, a relação que se estabeleceu entre censura e liberdade de expressão ficou mais visível na música, por se tratar de um produto cultural mais acessível e mais abrangente. De certa maneira, a censura influenciou, decisivamente, o sucesso da MPB. “Se a MPB sofria com o cerceamento do seu espaço de realização social, a repressão que se abateu sobre seus artistas ajudou a consolidá-la como espaço de resistência cultural e política (...). Paradoxalmente, o fechamento completo do espaço público para os atores da oposição civil, consolidou os espaços galvanizados pela arte, como formas alternativas de participação, nos quais a música era um elemento de troca de mensagens e afirmação de valores, onde a palavra, mesmo sob forte coerção, conseguia circular.”10 8

HOHLFELDT, Antônio. A fermentação cultural da década brasileira de 60. VILLARINO, Ramon Casas. A MPB em movimento: música, festivais e censura. 10 NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural. 9

6

A literatura do período também apresentou inovações envolvidas pelo clima da repressão e das mudanças sócio-culturais do país. O Poema Práxis e a poesia mimeografada são exemplos mais significativos. Contudo, muitos autores destacaram-se no mercado editorial sem constituírem um movimento unificado. Escritores como Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga e poetas como Ferreira Gullar trouxeram uma série de notáveis transformações para a literatura. Mas o engajamento político estaria mais presente num movimento considerado Poesia Marginal11. Era uma produção de conteúdo literário crítico que circulava fora do mercado editorial e por isso, era uma maneira de discutir os critérios da Indústria Cultural da época. A maior parte das prosas, crônicas ou poesias eram produzidas precariamente, porque eram mimeografadas, e distribuídas informalmente em bares, livrarias, universidades etc. “De um modo geral, estes novos produtos literários tinham um forte caráter artesanal e lúdico.”12

A censura foi utilizada pelo Regime Militar para calar e ao mesmo tempo fazerse ouvir. Atuava em diversas frentes, perseguindo tanto políticos como jornalistas e artistas. A estratégia para a imprensa era não deixar os jornais se colocarem contra o governo, mas sem deixar a sociedade perceber que existia a censura, divulgando-a somente entre os jornalistas. Os militares não se declararam como ditadores, em contrapartida, utilizavam o autoritarismo explícito no relacionamento com determinados grupos sociais. “O lado comercial da imprensa oferecia, pois, ao regime, muitas maneiras de pressionar: auditorias, suspensão de anúncios do governo, pressão sobre anunciantes e gráficas particulares e confisco. Todas elas podiam prejudicar gravemente a liberdade de imprensa sem ter de exibir publicamente a restrição legal dessa liberdade.”13

A maioria dos jornais da Grande Imprensa do período da Ditadura Militar, como O Globo e Jornal do Brasil, já tinha passado por reformas gráficas e editoriais, que os inseriram na técnica do jornalismo americano, de priorização da objetividade e da 11

PEREIRA, Carlos Alberto M. Em busca do Brasil contemporâneo. Capítulo: Poesia Marginal – Literatura e Cultura nos Anos 70. 12 Idem. 13 SMITH, Anne-Marie. Um Acordo Forçado – o consentimento da imprensa à censura no Brasil.

7

imparcialidade. Apesar disso, os prejuízos não foram menores para estes veículos. A censura, quando institucionalizada em 1968, proibia reportagens de serem publicadas, em protesto, muitas vezes, o jornal publicava no mesmo espaço receitas de bolo. A publicidade era o instrumento de chantagem dos governos militares, porque pretendia forçar o jornal a aderir a autocensura, ou então as verbas publicitárias do governo seriam retiradas do veículo. Nesse contexto, o jornal que não seguisse as “regras do jogo” deixaria de circular, ou até mesmo teria seu fim decretado. Os jornalistas, além de terem suas matérias vistoriadas diariamente, viviam sob tensão, já que muitos também eram militantes políticos e poderiam ser vítimas de perseguição pelos militares. Mas até aqueles que não atentavam diretamente contra o regime ou se envolviam na militância corriam esse risco. Vladimir Herzog foi a vítima mais emblemática. Morreu depois de ser preso e torturado na sede do Doi-Codi, enquanto os militares divulgavam a versão de suicídio. Zuenir Ventura relata que esse jornalista não utilizava sua profissão ideologicamente e morreu injustamente: “Por isso a morte de Vlado me pareceu mais estúpida. Ele foi morto pelo que não fazia. Vlado não era um político, um militante, não usava a profissão para fazer contrabando ideológico, uma tentação daqueles tempos em que, por não se respirar, procurava-se em qualquer fresta o ar da liberdade. Ao contrário – e essa era a mais admirável de suas virtudes profissionais – Vlado não instrumentalizava o jornalismo, não fazia dele um pretexto político; ele acreditava na informação como força transformadora.”14

É justamente no auge da repressão política, que surge a Imprensa Alternativa ou Imprensa Nanica. Foi a grande novidade jornalística do período da ditadura, que uniu o útil das idéias da esquerda ao agradável desejo de se criar formas diferentes de fazer jornalismo. O contexto político exerceu profunda importância no surgimento dessa imprensa que o fim da ditadura também representou a decadência da maioria das publicações. 14

VENTURA, Zuenir. Um mártir da abertura. Artigo publicado no suplemento especial do Jornal da Associação Brasileira de Imprensa de novembro/dezembro de 2005.

8

“A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizarem

as

transformações

institucionais

que

propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa. É na dupla oposição ao regime representado pelos militares e às limitações à articulação

entre

jornalistas,

intelectuais

e

ativistas

políticos.”

15

Alguns autores acreditam que a Imprensa Alternativa somente existiu porque havia um “vácuo” na Grande Imprensa, “calada” pela autocensura, pela versão oficial dos fatos, e conservadora o suficiente para não ousar implantar mudanças no estilo de jornalismo praticado desde a década de 50 no país. “(...)

A

imprensa

alternativa

era

fundamentalmente

dependente da imprensa chamada grande (...). Era uma dependência contraditória, evidentemente, para não dizer dialética. Era preciso que os grandes jornais e revistas dissessem alguma coisa para que os pequenos alternativos pudessem dizer o contrário ou complementar o que não fora dito, corrigir o dito, desmistificar a distorção, desvendar os mistérios reais habilmente escondidos pelas palavras oficiais. Enfim, clarear o obscuro.”16

Os assuntos abordados pela Imprensa Nanica eram, em sua maioria, os mesmos abordados pela Grande Imprensa, mas o diferencial estava exatamente na abordagem e na proposta inovadora de jornalismo que se posicionava contra o regime militar. “Os projetos dos jornais alternativos podiam variar, mas tinham em comum o objetivo de ir além da reportagem convencional”.17

Os principais alternativos foram O Pasquim, Movimento e Opinião. O mais libertário e inventivo desses foi O Pasquim. Movimento e Opinião, embora imbuídos de 15

BARROS, Patrícia Marcondes de. Stultíferas Navis: A Imprensa Alternativa como antídoto ao Regime Militar. 16 Perseu Abramo citado em Imprensa Alternativa – apogeu, queda e novos caminhos. 17 Imprensa Alternativa – apogeu, queda e novos caminhos.

9

fazer um jornalismo diferenciado, mais opinativo e combativo, não tiveram o sucesso alcançado pelo Pasquim. Começou como um jornal de distribuição circunscrita a um bairro da Zona Sul carioca e tornou-se o lugar da crítica bem-humorada aos “bons costumes” pregados pela ideologia familiar conservadora e ao momento político e cultural vivido pelo país. “Seus alvos principais eram a ditadura militar, contra a qual se opunha de maneira visceral, a classe média moralista e a grande imprensa.”18

A mescla de assuntos pautados sem formalidades e uma equipe de ponta de intelectuais que se definia “patota”, produzia livremente um formato antes nunca pensado para o jornalismo brasileiro. Com muitas charges e inovações editoriais e técnicas, O Pasquim surge em 1968, curiosamente, no ano de implantação do AI-5 e do endurecimento do regime com a imprensa. Mesmo assim, conseguiu atingir tiragens muito acima do esperado para um jornal alternativo, mas não chegou a representar uma ameaça direta aos grandes jornais, já que a proposta era completamente diferente e os alternativos também não pretendiam que seus leitores deixassem de se informar pela grande imprensa. “(O Pasquim) era uma „crítica pontual, localizada no cotidiano e sempre muito precisa‟, preenchendo o vazio deixado pelo fracasso dos movimentos populares, e pelo desaparecimento da hegemonia cultural das esquerdas.”19

A censura não foi menos cruel com os alternativos. Em 1970 foi instaurada a censura prévia no Pasquim, mas com um jeitinho tipicamente brasileiro, os jornalistas conseguiam agir sobre a fragilidade dos censores e ter suas matérias publicadas integralmente. Segundo o relato, citado no livro de Bernardo Kucinski, de um dos jornalistas do Pasquim sobre a estratégia junto aos censores: “Veio uma senhora chamada dona Marina, que nós descobrimos que tinha um ponto fraco: gostava de beber.

18 19

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da imprensa alternativa. Idem.

10

Todo dia a gente botava uma garrafa de scotch na mesa dela e depois da terceira dose ela aprovava tudo.”20

Meses depois os policiais do Doi-Codi invadiram a sede do Pasquim e prederam todos os jornalistas menos Tarso de Castro. Com insistência, criatividade e resistência típicas desse momento político, o Pasquim continuou a ser publicado com a ajuda de outros intelectuais e artistas do cenário cultural brasileiro. Mas, o Pasquim como a maioria dos alternativos não conseguiu resistir a uma mudança muito importante: o fim do regime militar e o retorno da democracia. Paradoxalmente, representou simbolicamente a capacidade de um jornal de propostas alternativas se estabelecer mesmo quando as circunstâncias políticas e econômicas não permitiam, tendo sua decadência exatamente quando do retorno e criação de partidos políticos, que dividiram as opiniões dos jornalistas e intelectuais da época, antes unidos em prol de um só objetivo: combater a repressão, solicitando a volta da liberdade de expressão. As produções culturais inovadoras aqui citadas e tantas outras deixadas de lado por uma questão de espaço, nos oferece mais do que motivação para sempre criar novos modelos. Se pensarmos que o jornalismo praticado pela grande imprensa ainda é o mesmo de meio século atrás, esses exemplos, são significativos para nos motivar a repensar o fazer jornalístico em todas as suas formas. A consolidação de um modelo centrado na utópica objetividade atendeu às necessidades de toda uma época de transformações sociais. No entanto, por que não idealizar uma proposta ainda mais pertinente a esse novo homem contemporâneo invadido segundo a segundo por informações e cada vez mais valorizado em sua subjetividade?

20

Ibidem.

11

Bibliografia: ABRAMO, Perseu. Imprensa Alternativa: alcances e limites. In: Tempo e Presença nº 233, 1988. Disponível em: www.fpabramo.org.br/fpa/perseu/imprensa_alternativa.htm ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura Popular. São Paulo: Brasiliense, 1981. BARROS, Patrícia Marcondes de. Stultíferas Navis: A Imprensa Alternativa como antídoto ao Regime Militar. In: Anais Eletrônicos da XXII Semana de História – “O Golpe de 1964 e os dilemas do Brasil contemporâneo”. DAMATTA, Roberto. Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. GONÇALVES, Marcos Augusto e HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Cultura e participação nos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1994. HOHLFELDT, Antônio. A fermentação cultural da década brasileira de 60. In: Revistas FAMECOS, Estudos Culturais. Porto Alegre: PUCRS, 1999. Imprensa Alternativa: apogeu, queda e novos caminhos. Cadernos da Comunicação. Série Memória; vol. 13 – Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 2005. JUNIOR, João Baptista de Abreu. As Manobras da Informação – Análise da cobertura jornalística da luta armada no Brasil (1965-1979). Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado da Escola de Comunicação da UFRJ, 1997. KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta Editorial, 1991. NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural. In: www.puc.cl/iaspm/mexico/articulos/napolitano.pdf ____________________. A arte engajada e seus públicos (1955/1968). In: Estudos Históricos, nº 28. Rio de Janeiro, 2001. ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1998. PEREIRA, Carlos Alberto M. Em busca do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Notrya, 1993. SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado – o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

12

VENTURA, Zuenir. Um mártir da abertura. Artigo publicado no suplemento especial do Jornal da Associação Brasileira de Imprensa, edição de novembro/dezembro de 2005. VILARINO, Ramon Casas. A MPB em movimento: música, festivais e censura. São Paulo: Olho d‟Água, 1999.

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