Análise Dos Contos “o Cego Estrelinho” E “a Esteira Do Parto”

  • Uploaded by: Ellen
  • 0
  • 0
  • August 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Análise Dos Contos “o Cego Estrelinho” E “a Esteira Do Parto” as PDF for free.

More details

  • Words: 789
  • Pages: 2
Atividade realizada por Suéllen Rodrigues para a disciplina Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (IFPB) Análise dos contos “O cego Estrelinho” e “A esteira do parto”, ambos de Mia Couto

Este texto parte da busca em observar nos dois contos de Mia Couto selecionados para a atividade algumas características atribuídas à produção literária do autor a partir do conteúdo visto no material referente à Aula 3 desta disciplina, denominado Narrativas de Moçambique. Tal abordagem faz-se necessária para que possa observar tais elementos (e, quem sabe, outros) diretamente nos escritos de Mia Couto, através de minha experiência de leitura, e não somente do texto didático de nosso curso, que traz direcionamentos importantes, mas não basta e, de modo algum, substitui a leitura literária. Dentre todos os aspectos referidos a respeito da produção desse escritor moçambicano, o que mais saltou aos olhos no contato com os contos, por causar estranhamento, desautomatizar a leitura, são as “invenções lexicais” (IFPB, s/d, p. 49), sinais do processo de reapropriação da língua. Alguns desses neologismos são formulados via justaposição, como “timiúda” ou “displicientífico”. Diante de outras expressões, como “zululuava”, perguntei-me se seria, de fato, uma palavra inventada pelo autor ou verbete de dialetos locais desconhecido para mim. Sobretudo em A esteira do parto, achei curiosa a denominação dos personagens, como Tudinha Rosa, Maria Cascatinha e Diamantinho. São nomes um tanto jocosos, com a presença do diminutivo em todos, e que presumem algo de popular. Nota-se, também, a presença de alguns jogos de palavras, como “as tripas já triplas”, “nesga em vesga”, “abrisse rochas e rachas” e “chocado e chocalhado”, que exploram a questão da sonoridade e um aspecto um tanto lúdico. Ainda em A esteira do parto, cabe registro a abordagem feita pelo autor de questões ligadas à intimidade feminina, como o sexo feito na esteira, as tradições vinculadas ao parto, o desejo de parir sobre a terra, “segundo a tradição, a mãe das mães”, a realização do parto por uma parteira, entre mulheres (sendo “exclusivo assunto de mulher”), e mesmo a abordagem dada à traição, vinculada a uma crença local e que, no conto, seria confirmada: o vínculo do parto prolongado à infidelidade feminina. O fechamento do conto, com a perda total de importância, para Tudinha, da esteira que antes era para ela tão preciosa, “sagrada”, lugar no qual os filhos “haviam sido concebidos”, artefato que preferia que não fosse usado por outra mulher e guarda cuidadosamente, é um detalhe trazido pelo narrador, mas extremamente significativo diante dos acontecimentos do enredo. No segundo conto, O cego Estrelinho, os nomes também são populares, de modo similiar ao que vimos no anterior, como “Estrelinho” e “Gigito” ou “Gigitinho”. Aqui também os neologismos surgem, mas temos exemplos de outra forma de construção, com a inserção de prefixos, como na palavra “desvistado”, “desbengala-se”, “inevisível”, “inimagens” ou “invías lácteas”. A justaposição, contudo, também aparece, como em “espongínquo”. Esse último conto também traz comparação com termos de conhecimento popular ou dizeres, como em “A imaginação do guia era mais profícua que papeira”, “sem ver uma palmeira a frente do nariz”, “não tinha perna e queria dar o pontapé” ou “estava como nunca esteve S. Tomé: via para não crer”, nesse último caso, recriando uma expressão amplamente conhecida.

Mia Couto também trabalha no conto com simbolismos, como “o pássaro branco esvoando dentro do sono” e que, no enredo, veremos que é um sinal de mau agouro e um aviso sobre a morte, o que vai de encontro ao que conhecemos (pelo menos em nossa cultura, não sei se isso se mantém no imaginário moçambicano) de que um pássaro negro seria mau sinal. A questão de contexto social e histórico também está presente nessa narrativa, com a menção à ida de Gigito à guerra, que resulta em sua morte. E há uma referência metalinguística ao poder da própria literatura, da arte em geral, mas, pensando no contexto local, na tradição das narrativas orais, da contação de histórias, como algo bastante presente na cultura africana, como vimos no material de aula: refiro-me à valorização, na narrativa, da “sabedoria de inventar” que tinha Gigito de descrever o mundo para o cego Estrelinho, algo bem diferente do que a irmã do antigo guia fazia, contando “os tintins da paisagem, com senso e realidade”. O que a perda da fantasia faz ao cego é, ao meu ver, uma analogia a uma vida sem arte, literatura, poesia, exercícios de imaginação. E ele, o cego, ao final do conto, mesmo diante da dor sentida por Infelizmina (nome que não é aleatório, carregado de sentido, considerando o contexto do conto e o modo de agir e a perda da personagem), consegue fazer com que ela comece a “sarar da alma” com a narração feita por ele sobre terras que “miraginava”.

Related Documents

O Cego E A Pata Do Elefante
November 2019 12
O Cego Que Enxergava
November 2019 16
Contos Dos Pais (1)
November 2019 17
O Ritual Dos A
November 2019 14

More Documents from ""

Dapus.doc
April 2020 16
November 2019 18
August 2019 30