P-160 - O Espelho Do Terror - Kurt Mahr

  • November 2019
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  • Words: 30,074
  • Pages: 61
(P-160)

O ESPELHO DO TERROR Everton Autor

KURT MAHR

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Dez terranos — suas lutas e pesquisas... e as descobertas fascinantes!

Estamos no ano 2.326 da cronologia terrana. Grandes mudanças ocorreram, nos últimos duzentos anos, nos setores da Via Láctea que vêm sendo percorridos pelos astronautas terranos. Desde o dia 1o de janeiro de 2.115, data da renúncia de Atlan, Imperador de Árcon, o Império Solar e o Império de Árcon deixaram de existir. Em seu lugar surgiu o Império Unido, governado por Perry Rhodan, que exerce o cargo de Administrador Geral. O arcônida Atlan exerce as funções de Chefe da USO, cujos especialistas formam o chamado “Corpo de Bombeiros Galácticos”. A necessidade de uma organização desse tipo, destinada a manter a ordem, revelou-se pela primeira vez durante a caçada aos ativadores celulares, que transformou amigos em inimigos, transtornando todas as inteligências da Galáxia. No dia 4 de agosto de 2.326, o alarma geral voltou a soar na Galáxia. Os vorazes gafanhotos córneos representam um perigo tremendo. As notícias catastróficas se sucedem. Contingentes da Frota Imperial viajam ininterruptamente para salvar o que é possível salvar, pois os gafanhotos córneos inundam muitos planetas como uma torrente violeta. Seu ácido destrói tudo que se interpõe em seu caminho. Mas não é só! Surgem os vermes do vapor, monstros gigantescos ainda mais invulneráveis que os gafanhotos, que dispõem de armas terríveis. Gucky, o mutante versátil, já provou suas qualidades de caçador de animais de grande porte, mas o verme do pavor por ele capturado, recorreu à autodestruição. Por isso Perry Rhodan envia outra expedição, que deverá desvendar o mistério do verme do pavor. E essa expedição vai parar sobre O Espelho do Terror...

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Personagens Principais: = = = = = = =

Joel Carso — Comandante da Carol-D, um cruzador especial da Segurança Galáctica. Dra. Barbara Spencer, Joey Peters, Nino Lamarre, Harney Creeser, Professor Pitter Laurensen, Jaycie Ridell e Karl Halbein — Membros do grupo mais obstinado, presunçoso e valente que já foi comandado por qualquer oficial. Eric e Fran Jorgens — Dois homens que não se consegue distinguir, pois são gêmeos. Tenente Gino Poppa — Que sempre está por cima.

Prólogo

Nem sempre são as grandes operações que removem mais um obstáculo do caminho que conduz a Humanidade às estrelas. Os terranos por sua própria natureza, respondem a qualquer desafio com todo o poder de que dispõem, mas preferem disparar mil canhões em vez de cem, quando vêem de repente um inimigo pela frente. Por vezes, porém, surgem perigos que não podem ser afastados com estes métodos. Muitas vezes o perigo é tão grande que não pode ser enfrentado com a própria grandeza. É então que tudo depende dos dotes espirituais. E estes não consistem exclusivamente na inteligência. O espírito é muito mais do que isso. Compreende a criatividade, o entusiasmo, a capacidade de sacrifícios e muitas coisas mais. Quando se dirigiram para Zanmalon, a fim de desvendar um dos maiores mistérios que jamais se interpôs no caminho da Terra, Joel Carso e seu grupo — formado por sete homens e duas mulheres — possuíam todos esses requisitos e mais alguns...

1 — Quer dizer que o senhor é Joel Carso — disse a moça ruiva, enquanto fitava Joel entre as pálpebras semicerradas. Joel sentiu-se acuado. Não desconfiara de nada quando se afastou do bloco XLVI para tomar um lanche na cantina. Neste bloco estava estacionada a Carol-D, com decolagem marcada para as 12:15 h. Dessa forma Joel dispunha de tempo suficiente para distrair-se um pouco. Em meio as distrações, resolvera fazer um bom lanche, que deveria ser desfrutado tranqüilamente e com todo o conforto. Porém não tivera tempo para tomar seu lanche, pois mal atravessara a porta de entrada da cantina, alguém o chamara pelo nome. O Dr. Spencer pedira para falar com ele no reservado. Esse reservado era uma pequena sala onde os oficiais superiores pediam que lhes servissem os coquetéis, antes ou depois das refeições, e mesmo quando não houvesse nenhuma refeição. De início, por mais estranho que fosse, teve a impressão de que o nome “Spencer” lhe era totalmente desconhecido. Foi só quando a entrada do reservado se abriu à sua frente e Joel viu a moça ruiva confortavelmente numa poltrona que ficava junto à janela, que se lembrou de que ainda faltava um membro de seu grupo: era a Dra. Barbara Spencer, uma bióloga. Atendendo ao amável convite de Barbara, Joel sentou à sua frente, numa cadeira bastante desconfortável. Estava com os cabelos desgrenhados, porque, antes de ter ido para o lanche, mal os penteara. Porém conservava o mesmo aspecto de um jovem preocupado que se dirige à cantina às sete e trinta da manhã, sem desconfiar de que se encontrará com uma dama. — Sim, sou eu — confessou Joel, um tanto embaraçado. — E a senhora é a Dra. Spencer, o membro de nossa equipe que estava faltando. Fico satisfeito em saber que a senhora ainda conseguiu, agora que só faltam quatro horas para a decolagem. Procurou usar um pouco de sarcasmo para salvar a situação. Mas Barbara não se impressionou nem um pouco. Sorriu como se estivesse falando com um amigo íntimo e cruzou as pernas num gesto elegante. — Apresentei-me voluntariamente para a missão — informou. — A única coisa que sei a respeito do trabalho são algumas coisas muito vagas: que o trabalho talvez me custe a vida, que por algumas semanas ou meses terei de renunciar a toda espécie de conforto, e que também farei um trabalho biológico muito interessante. Será que o senhor poderia dar-me informações mais detalhadas? Joel conhecia as normas que devia cumprir. A Segurança Galáctica tinha motivo para cercar a tarefa que, dentro de algumas horas, começaria a ser executada com a Carol-D no maior sigilo. A tripulação propriamente dita era formada por voluntários, aos quais foram expostos claramente os perigos daquela missão. No entanto, não lhes foram fornecidos os detalhes. Por enquanto ninguém, a não ser Joel, sabia do que se tratava. E este recebera ordens para só informá-los depois que a Carol-D tivesse deixado a Terra. Além disso não gostava que qualquer mulher acreditasse que só precisava de um olhar amável e de algumas palavras delicadas para amolecê-lo. — Não posso — disse em tom resoluto. Levantou-se.

— Aliás, a senhora já sabe disso. As informações lhe serão fornecidas assim que a nave tiver decolado. Barbara continua a sorrir. — Era o que eu pensava. Será que pelo menos teremos uma companhia agradável a bordo? — Se eu fosse a senhora, não me preocuparia com isso. A senhora se alistou para a missão, e por isso terá que dar-se com essa gente, quer queira, quer não. — Ah — disse Barbara. — Será que realmente não teremos nenhuma distração? Joel olhou para o relógio. — Escute aí, senhorita Spencer... — principiou em tom de impaciência. — Senhora Spencer — interrompeu Barbara em tom enfático. — Mas não se aborreça por isso. Fui feliz no casamento, mas infelizmente o mesmo foi muito curto. Meu marido morreu num acidente. — Está bem, senhora Spencer. Agora não tenho tempo. Vá para bordo. Falaremos depois. A porta abriu-se à frente de Joel, que se virou mais uma vez: — Se eu fosse a senhora, não me preocuparia tanto com as comodidades que teremos de dispensar ou com as características da tripulação. Eu me preocuparia em saber se daqui a alguns meses, quando regressarmos de nossa missão, ainda carregaremos a cabeça sobre os ombros. *** Só voltou a encontrar-se com a Dra. Spencer depois que a Carol-D já havia decolado. Reuniu os membros do grupo na pequena sala dos oficiais. Haviam comparecido prontamente, pois estavam curiosos para saber o que os esperava. Quando Joel Carso apareceu, já haviam afastado as mesas e colocado as cadeiras num amplo semicírculo. Estavam discutindo em altas vozes, mas, quando notaram sua presença, a conversa chegou ao fim. Joel colocou-se no centro do semicírculo e observou-os à medida que tomavam seus lugares. À esquerda estava Harney Creeser, um homem gigantesco, que noventa e nove por cento das pessoas acreditariam ser um desportista profissional. Na verdade era geólogo, e um geólogo muito competente, conforme Joel fora informado pelos escalões superiores. Creeser havia prestado serviço externo em tudo quanto era lugar. Ao lado de Creeser estava Karl Halbein, um homem baixinho e de aspecto humilde. “A Segurança Galáctica deve saber por que o escolheu para ir a Zanmalon”, pensou Joel. “Ainda descobriremos se vale alguma coisa.” Sabia qual era a profissão de Karl Halbein: psicotécnico. E isso era tudo. Ainda à esquerda, ao lado de Karl Halbein, a Dra. Spencer se havia acomodado numa poltrona. Não deu a menor atenção a Joel, o que o deixou muito satisfeito. Depois vinha Nino Lamarre, um homem esbelto, de estatura mediana e cabelos escuros, que era biólogo. Joel só o conhecera no dia anterior, quando se apresentara, já a bordo da Carol-D, e se queixara no mesmo instante de que seu camarote era muito pequeno. No centro do semicírculo, bem afastado de Nino, erguia-se a figura rígida de Pitter Laurensen, biofísico e professor do Perciral Politechmical Institute de Augusta. Era difícil avaliar a idade de Pitter. De pé, chegava a dois metros de altura. Porém o que a natureza lhe proporcionara em altura, lhe negara em largura. Pitter era de uma magreza

assustadora. Seus gestos e seu aspecto poderiam ser descritos pelo adjetivo anguloso. Não era de admirar que Pitter não gostasse de Nino, e este não gostasse de Pitter. Eric e Fran Jorgens se haviam acomodado à esquerda de Pitter. Joel estava preocupado com os dois, porque nunca conseguia distingui-los: eram gêmeos perfeitos. Ambos se haviam dedicado ao estudo da Química, especialidade em que alcançaram êxitos notáveis. Eram altos e robustos. Tanto um como o outro tinham cabelos louros. A boca era estreita e se notava em cada um, o mesmo hábito estranho de colocar a mão direita na face toda vez que falavam... E falavam com o mesmo timbre e entonação. A pessoa seguinte na fileira era Jaycie Ridell, uma moça que desde o primeiro instante representara um mistério para Joel. Era tímida e retraída. Ninguém lhe daria mais de vinte anos, embora tivesse vinte e oito. Ao vê-la pela primeira vez, Joel teve suas dúvidas de que aquela moça servisse para outra atividade que não fosse a de babysitter. Acontece que seus documentos diziam que era física, e as recomendações que a Segurança Galáctica lhe havia dado eram redigidas em superlativos. Não era que Jaycie não tivesse boa aparência. Era bonita, e se soubesse cuidar de si seria, na opinião de Joel, uma rival séria para Barbara Spencer. Mas a atitude reservada da moça, e também seu aspecto introvertido, faziam com que muita gente não lhe desse atenção e se esquecesse de sua presença. Joel não saberia explicar o que teria levado uma jovem como Jaycie a participar de uma missão como esta. Joey Peters fechava o semicírculo do lado direito. Tinha cinqüenta e três anos, mas em virtude de uma vida “bem vivida” parecia ter sessenta e cinco. Os exames haviam revelado que gozava perfeita saúde e provavelmente estaria em condições de enfrentar qualquer esforço. Joey não tinha nenhuma capacidade especial, mas em compensação sabia fazer muitas coisas razoavelmente. Não tinha uma tarefa bem delimitada no interior do grupo. Fora contratado para todo o serviço, e no final das contas seria a pessoa sobre a qual todos descarregariam seu mau humor. A Segurança Galáctica julgara que por motivos psicológicos o grupo deveria contar com um elemento como este. Provavelmente Joe sabia o que o esperava. Era pequeno, grisalho e um pouco corpulento. Em seus olhos matreiros havia um brilho de autoconfiança. Sabia que seria capaz de sair são e salvo de todos os contratempos que tinha pela frente. “Por fim, o grupo ainda conta comigo”, pensou Joel, “pois sou um nada em comparação com essas sumidades científicas, e estou nas mesmas condições de Joey, isto é, sem nenhum grau acadêmico. Mas este ao menos não manda nada, enquanto que eu é que chefio o grupo. Estamos numa operação militar. Mandarei prender quem não obedecer imediatamente. Quanto tempo levarão estes homens para descobrir que sabem fazer as coisas muito melhor que eu?” Joel olhou em torno. Os homens começaram a impacientar-se. Harney Creeser, o gigante, pigarreou fortemente, recuou o cotovelo sobre a braçadeira da poltrona e disse: — Bom dia, mister Carso. Como vê, estamos todos aqui. — Isso mesmo — observou Pitter Laurensen. — Temos o direito de... Joel interrompeu-o com um gesto. — Calma, os senhores saberão em tempo — resmungou. — Quando souberem, talvez nem gostem. Os senhores estão a bordo de um cruzador especial da Segurança Galáctica, isto é, de uma nave de guerra. Como sabem, ao assinar o contrato transformaram-se em membros da tropa. Devem obedecer às minhas ordens. Talvez consigam compreender isso sem muita demora e no futuro se abstenham de observações

felinas e outras coisas do mesmo tipo. Quando tiver que dizer-lhes alguma coisa, eu o farei no momento que achar adequado. As pessoas reunidas pareciam perplexas. Fitaram Joel como se naquele momento tivesse saído de um buraco no chão. Joey foi o único que soltou uma risada alegre. De repente, os olhos esverdeados de Barbara Spencer pareciam brilhar num interesse inteiramente novo. — Nosso destino é Zanmalon — prosseguiu Joel depois de uma ligeira pausa. — Trata-se de um planeta pertencente ao sistema de Zanma. Talvez tenham ouvido falar nos acontecimentos que se desenrolaram por lá há quatro meses, talvez não tenham. Na época ainda não se sabia do que se tratava. Não se impôs qualquer tipo de sigilo. Seja como for, nossa visita a Zanmalon está ligada a um mistério do qual poderá depender a existência ou a destruição de nossa civilização. — Gafanhotos córneos! — gritou Nino Lamarre, erguendo-se um palmo acima da poltrona. Joel acenou calmamente com a cabeça. — Isso mesmo. Há quatro meses Zanmalon foi atacado pelos gafanhotos córneos. Espalharam-se com a rapidez que lhes é peculiar e é de supor que neste meio tempo tenham inundado todo o planeta. Alguém soltou um gemido abafado. Joel não conseguiu ver quem era. — Mas nosso interesse não está voltado tanto para os gafanhotos córneos — prosseguiu. — Interessamo-nos mais pela sua secreção, uma massa estranha conhecida pelo nome de molkex. Na verdade, não é conhecida. A parte mais difícil de nossa tarefa consistirá em levar para casa algumas amostras de molkex, a fim de que nossos analistas possam trabalhar com elas. — E daí? — gritou Harney Creeser. — Qual é o problema? Por isso o senhor não precisaria pintar as coisas tão negras. Joel não lhe deu atenção. — Faz quatro meses — disse — que os gafanhotos córneos apareceram pela primeira vez. Pareciam inofensivos. Reproduziram-se através da divisão multicelular. Seu número aumentava a cada hora que passava, até que percebemos o perigo que representavam. Atacamo-los, mas esses animais são praticamente invulneráveis. Sempre que nos defrontamos com eles, tivemos de fugir. Nem sequer tivemos tempo para realizar observações mais precisas. Sabemos que durante cada divisão, que o transforma em dois descendentes, o gafanhoto córneo solta uma estranha substância transparente. As propriedades dessa substância são ainda mais fenomenais que a matéria orgânica do animal. Basta dizer que absorve energia, o que a endurece. Existem indícios de que essa substância, dominada molkex, desempenha um papel muito mais importante que a de um simples excremento no ciclo vital dos gafanhotos. Os analista acreditam que poderão solucionar este problema, se dispuserem de material suficiente. “A Carol-D não pousará em Zanmalon. A tripulação propriamente dita permanecerá a bordo e manterá a nave numa órbita em torno do planeta. O grupo de dez terranos descerá num barco espacial. Examinaremos a situação e elaboraremos nosso planos. Prometo-lhes que as discussões serão travadas num ambiente democrático. Acho que todos temos a mesma experiência sobre as condições reinantes nos mundos atacados pelos gafanhotos córneos, isto é nenhuma.” — Dentro de quatro horas avistaremos Zanma. Até lá ficaremos... Pois não, Dr. Creeser.

— Minha pergunta continua de pé — disse Creeser e levantou-se. — Nossa tarefa consistirá unicamente em recolher uma quantidade suficiente de amostras de molkex? — Não. Também deveremos descobrir o que aconteceu em Zanmalon nestes quatro meses e deveremos estar em condições de fornecer uma descrição viva das condições ali reinantes. — Isso poderá ser liquidado em poucos dias — afirmou Harney Creeser em tom enfático. Olhou em torno, para verificar se suas palavras haviam causado a impressão que esperara, e combinou: — Ainda não compreendo por que acharam que deviam apresentar-nos esta missão como uma coisa tão perigosa. — Doutor Creeser — perguntou — quais serão as chances de um homem que flutua no espaço, só e desarmado, e tem de atacar um couraçado fortemente armado? Creeser fitou-o com uma expressão de espanto. — Essa pergunta é uma infantilidade — gaguejou. — É claro que um homem como este não terá a menor chance. Joel meneou a cabeça. — Tem uma chance mínima. Pode entrar às escondidas por uma das eclusas e demolir a sala de comando. Ou então... — ergueu abruptamente a cabeça e fitou Creeser com uma expressão penetrante — ...o senhor acha que seria capaz de rasgar com as mãos uma solda elétrica entre duas chapas de ferrit de dois metros de espessura? O rosto de Creeser contorceu-se numa expressão de repugnância. — Acho que é ridículo... — principiou. Joel interrompeu-o: — Pois teremos de resolver ambos os problemas, Creeser. Quando estivermos em Zanmalon, nossa situação não será melhor que a do homem desarmado que deverá atacar um couraçado, ou daquele que tem de rasgar uma solda com as mãos. Creeser parecia perplexo. — Espere mais algumas horas — acrescentou Joel — e o senhor verá... *** — Poppa, essa gente me deixa nervoso. — Sim senhor — respondeu o Tenente Poppa, sem tirar os olhos da tela. — Ora, cale a boca — disse Joel Carso, fora de si. — Quem dera que pudesse encarregar um de vocês desse trabalho, para ficar na ponte de comando enquanto vocês estiverem andando lá embaixo. — Não tenho nenhuma objeção, sir — respondeu Gino Poppa, enquanto enxugava a testa proeminente sob as mechas de cabelos negros e erguia o corpo pequeno e bemnutrido da poltrona anatômica do piloto. — Basta olhar para a Jaycie, e minhas dúvidas se desvanecem. — Ora veja — disse Joel com uma risada de espanto. — Quer dizer que não é a Barbara? Poppa sacudiu a cabeça. Estava muito sério. — Não, de forma alguma. Ela não vale nada. Quando se vir diante de qualquer perigo, soltará gritinhos histéricos e sairá correndo. Joel parecia pensativo. — Quem sabe se você não está enganado? — perguntou. Logo entesou o corpo e acrescentou:

— Seja como for, Poppa, cuide para sempre estar por perto. Prendo a primeira pessoa que me desacatar. Isso servirá de lição aos outros. Traga um café. Enquanto isso assumirei a nave. Poppa olhou para o relógio. — Sairemos dentro de seis minutos — informou. Desapareceu por uma escotilha lateral. O silêncio passou a reinar no recinto circular em que ficava a ponte de comando. Os postos estavam vazios. A Carol-D seguia por uma rota bem conhecida. A aparelhagem automática conduzia-a pelo espaço linear, situado fora do Universo normal. Os geradores haviam sido regulados de forma tal, que impeliriam a nave para o espaço normal a meia unidade astronômica de Zanmalon, e com uma velocidade interplanetária. As telas óticas mostravam a confusão das linhas luminosas e um cinza-negro sombrio, que eram características do vôo linear. Os goniômetros lineares haviam sido acoplados ao piloto automático. A única coisa que os oficiais da ponte de comando tinham a fazer era esperar. Gino Poppa voltou com dois canecos de café. Joel pegou um deles sem olhar. Tomou um gole, sacudiu-se e disse em tom de repreensão: — Não é permitido tomar álcool em serviço, Tenente Poppa! — Ora! Não fique nervoso — respondeu Poppa em tom áspero. — Misturado com o café o álcool não faz mal a ninguém. Aliás... Foi interrompido em meio à frase. Os jatos-propulsores entraram em funcionamento com um forte zumbido nas entranhas da nave. Um lampejo fulgurante atravessou a tela. O tapete luminoso das estrelas, que permanecera invisível durante as quatro horas do vôo linear, apareceu à sua frente. A Carol-D acabara de retornar ao espaço normal. Poppa sorveu gulosamente o café quente. — O telescópio! — exclamou. — Não houve nenhuma advertência. O salto foi bem-sucedido. Bem que tenho vontade de dar uma olhada no seu estranho Zanmalon. Joel ficou sentado. Poppa deixou cair o caneco de café e correu ao lugar em que o oficial de rastreamento fazia seu trabalho. Joel ouviu-o comprimir botões e girar manivelas. Enquanto isso olhava para a tela e viu a extremidade do sol Ex-Zanma entrar no campo de visão, vindo da direita. Os filtros que o acompanhavam de forma imperceptível protegiam os olhos dos observadores. Não havia nada de extraordinário para ver, com exceção desse sol. O restante do espaço estava tomado pelo oceano de estrelas. A foice estreita de Zanmalon, que ficava a quase oitenta milhões de quilômetros de distância, era praticamente invisível em meio à torrente de luz escaldante. — Então, o que houve? — perguntou Joel, sem virar a cabeça para Gino Poppa. Não obteve resposta. Virou a cabeça, espantado. Viu Poppa parado diante da tela telescópica, imóvel que nem uma estátua, com os braços pendurados molemente junto ao corpo. — Ei, Poppa! Acorde! O que foi que você viu por aí? Poppa virou-se com o corpo duro. Até parecia que um ser invisível o girava na altura dos ombros. Estava com o rosto cinzento. Os olhos estavam arregalados de pavor. Até parecia que acabara de ver o demônio em pessoa. Joel levantou-se da poltrona; estava desconfiado. — Que coisa horrível! — conseguiu dizer Poppa depois de algum tempo. — Quase não consigo acreditar, Joel. Joel fitou a tela que ficava atrás de Gino. O telescópio projetava a foice de Zanmalon com um tamanho tal, que a fazia ocupar toda a extensão da tela. De início Joel não conseguiu ver os detalhes. A única coisa que notou foi a luminosidade da imagem,

pois esta era muito mais intensa do que seria de esperar de uma ampliação desse tipo. Chegava a ofuscar, como um espelho que formasse um ângulo de noventa graus com os raios do sol. A primeira reação de Joel foi um espanto misturado com incredulidade. Quando apareceram os gafanhotos córneos, Zanmalon era um planeta semelhante à Terra. Era de se supor que a torrente desses animais tivesse deixado vestígios na superfície do planeta, que pudessem ser reconhecidos com o telescópio até uma distância de meia unidade astronômica. Mas o quadro que viam à sua frente não tinha a menor semelhança com a Terra. Joel girou os controles, para aumentar a ampliação. Em meio à superfície luminosa do planeta surgiram manchas pálidas e apagadas. “São montanhas”, conjeturou Joel. Deviam ser elevações baixas e insignificantes, pois do contrário sua imagem seria mais nítida. Mas até mesmo as manchas estavam cobertas pelo brilho cintilante que toda a superfície do planeta parecia irradiar. Joel esfregou os olhos, mas o brilho não desapareceu. Parecia que alguém revestira Zanmalon com uma camada de vidro. Essa camada cobria tudo, desde a superfície dos oceanos até as cumeeiras mais elevadas. Uma camada de vidro! De repente Joel compreendeu. Seus olhos enxergaram a terrível realidade, com uma nitidez que a imagem telescópica era incapaz de transmitir. Aquilo não era nenhuma camada de vidro. Era um manto de molkex, a tal massa transparente segregada pelos gafanhotos, durante o processo de cisão. A manta envolvia todo o planeta. E embaixo dela não poderia existir nenhuma forma de vida. Os gafanhotos córneos haviam criado um deserto... Joel afastou-se da tela. Gino Poppa estava um pouco mais afastado. Cobrira o rosto com as mãos. Joel sentiu uma pressão dolorosa na nuca. — Está bem — disse em tom amargurado. — Devoraram um mundo... *** Dali a uma hora o grupo de Joel Carso iniciou o serviço propriamente dito. A CarolD contornava Zanmalon a trezentos quilômetros de altitude. A distância era suficientemente reduzida, para permitir o funcionamento dos aparelhos ultra-sensíveis pertencentes ao equipamento do grupo. Além disso permitia a visão direta da superfície do planeta, que há quatro meses ainda fora um mundo apropriado para a colonização. Joel notava perfeitamente como os homens de seu grupo reagiam ao quadro que se descortinava diante deles. Quando entravam na sala de comando, não fazia nenhum comentário. Preferia que enfrentassem o choque sozinhos. Harney Creeser, Nino Lamarre e o Dr. Spencer pareciam apavorados, mas faziam um pouco de drama para convencer Joel de que seus sentimentos eram verdadeiros. Outro grupo, ao qual pertencia Pitter Laurensen e os irmãos Jorgens, não parecia impressionar-se nem um pouco. No início Karl Halbein, Jaycie Ridell e Joey Peters também não pareciam impressionados. Só quem os observasse atentamente e notasse as contrações de seus rostos e os esforços desesperados de encontrar uma ocupação que pudesse distraí-los, perceberia que experimentavam uma sensação de medo e repugnância. No momento Karl Halbein era o único que realmente tinha alguma coisa a fazer. Pôs em funcionamento seu encefalógrafo e começou a rastrear a superfície de Zanmalon, à procura das emanações de algum cérebro vivo. Era um aparelho que quase chegava a ser primitivo, formado por um receptor e analisador de radiações eletro-magnéticas.

Todas as emanações dos seres pertencentes ao chamado “primeiro grupo” moviam-se numa faixa de freqüência muito reduzida, na qual praticamente não havia nenhuma radiação proveniente de outra fonte. Por isso tornava-se fácil separar as interferências. Dessa forma, apesar de seu feitio primário, o encefalógrafo era um aparelho eficiente e de grande alcance. Quando as primeiras linhas e ângulos surgiram na tela de Karl, as conversas cessaram. Gino Poppa abafara as luzes da sala de comando, para que todos pudessem acompanhar a recepção. Joel Carso só possuía conhecimentos bastante superficiais sobre os métodos empregados na encefalografia. Seria capaz de distinguir entre os impulsos de um cérebro extremamente desenvolvido e os de um órgão mais rudimentar. Também conhecia a forma de que costumam revestir-se esses impulsos. Esses conhecimentos reduzidos bastaram para que compreendesse, prontamente, que nunca vira coisa igual ao que aparecia na tela de Karl Halbein. Karl ficou observando por algum tempo as sombras eletrônicas fugazes. Finalmente virou-se lentamente. — É só o que conseguimos captar — disse com seu sotaque peculiar. Depois de algum tempo acrescentou em tom de resignação: — Os senhores estão vendo. O vulto alongado de Pitter Laurensen aproximou-se. — Tem certeza — perguntou com a voz fanhosa — de que isso aí não são simples interferências? O rosto de Karl contorceu-se num sorriso triste. — Professor, o senhor conhece os princípios do funcionamento de um encefalógrafo. Sacudiu a cabeça. — Não, não são interferências. São emanações de alguma matéria orgânica. Quase me sinto inclinado a dizer que são idéias pensadas no subconsciente. — Será que os impulsos vêm dos gafanhotos córneos? — conjeturou Nino Lamarre. — Talvez. A única coisa que sabemos a seu respeito é que não pertencem ao primeiro grupo. Os impulsos cerebrais dos outros grupos não costumam ser recebidos nesta faixa de freqüência, pelo menos por enquanto. Mas é claro que não há nenhuma lei que proíba, a um grupo inteiramente desconhecido, o uso da mesma faixa do primeiro grupo. Joel tinha uma pergunta na ponta da língua. Esperou até ter certeza de que ninguém mais desejava falar. — Será que os impulsos podem vir da massa de molkex, Karl? Harney e Nino riram. A boca de Barbara Spencer contraiu-se num sorriso irônico. Pitter Laurensen sacudiu a cabeça como alguém que não entende nada, mas quer repreender alguém. Joel sentiu-se como um aluno de escola primária, ao qual o professor acaba de perguntar se a floresta realmente está cheia de bruxas. Karl esperou até que todos se acalmassem. Finalmente disse, com toda ênfase que conseguiu colocar em sua voz aguda: — Perfeitamente, Joel. Tenho certeza de que vêm de lá.

2 Dali a pouco o barco espacial, no qual o grupo de Joel Carso desceria à superfície do planeta, estava pronto para decolar. Alguns minutos de discussões violentas se haviam seguido à pergunta de Joel e à resposta de Karl Halbein. Karl, que era especializado no assunto, disse que os impulsos constantes que estava captando não podiam provir de uma multiplicidade de seres, mas sim de uma só criatura. Logo retificou o termo usado. Passou a substituir a palavra criatura pela expressão fonte de radiações. Explicou que o quadro de impulsos produzido por uma série de fontes individuais era extremamente perturbador. Para facilitar a exposição, orientou o receptor para a sala de comando e projetou a imagem das emanações irradiadas pelos cérebros humanos. Foi uma experiência impressionante. A série de impulsos retratada por uma linha sinuosa lenta e achatada, vinda da superfície do planeta, formava um contraste com as linhas nervosas e saltitantes, produzidas pela multiplicidade dos fluxos mentais que se desenvolviam no interior da sala de comando. Karl repetiu que só havia uma única fonte de radiações, cuja subdivisão era insignificante. Para um cérebro, a palavra “subdivisão” representava o equivalente de grau de evolução ou capacidade intelectual. Karl não aludiu a essa equivalência, mas todos tinham consciência da mesma, inclusive Joel Carso. O que os esperava lá embaixo era uma coisa única, gigantesca e incrivelmente estúpida. O barco espacial dispunha de todos os aparelhos de que precisava o grupo para cumprir sua missão. Sabia-se que os gafanhotos córneos possuíam uma capacidade de localização energética extremamente precisa, e por isso deixou-se de levar, na medida do possível, todo e qualquer instrumento híbrido. Como instrumento híbrido devemos entender todo aquele que gere energia por meio da fusão nuclear ou de processos mais avançados, ou consuma certas quantidades de energia produzida por um reator de fusão ou um equipamento ainda mais avançado. O efeito disseminador dessas fontes produtoras ou consumidoras de energia pode ser detectado a uma distância muito grande. Joel achava que seria muito arriscado prevenir os gafanhotos que se encontrassem no pólo sul de Zanmalon, no momento em que ele e seu grupo estivessem descendo no pólo norte. Por isso só havia um único hipertransmissor no equipamento do grupo. As únicas máquinas transportadoras de pequeno porte consistiam em autogiros individuais, que a pessoa prendia no corpo e que, movidos por um motor a combustão e dirigidos a partir do cinto, a levantavam para os ares como se fosse um helicóptero. Naturalmente o próprio barco espacial representava um perigo. Seus geradores eram tão potentes, que os gafanhotos córneos provavelmente notariam sua presença a uma distância de milhões de quilômetros. Por isso Joel resolveu que, assim que pousassem, todos deveriam abandonar o barco imediatamente. Um silêncio deprimente reinou entre os membros do grupo, enquanto se preparavam para a partida. Até mesmo Joey Peters, o brincalhão incorrigível, conservava os lábios cerrados. Joel examinou as escotilhas e fez a ligação com a sala de comando da Carol-D. O rosto triste e desconfiado de Gino Poppa apareceu na tela.

— Estamos prontos, Poppa — disse Joel com a voz tranqüila. — Fique com os olhos bem abertos e cuide de nós. — Sim senhor — respondeu Poppa e sua boca contorceu-se. — Se você olhar para o céu durante a noite e vir uma estrela muito grande, somos nós. — Obrigado, Poppa. Prepare a eclusa para a decolagem. O rosto de Poppa assumiu uma expressão de indiferença. — Escotilha interna sendo aberta. Boa viagem. O barco deslizou em direção à saída do hangar. A pesada escotilha interna escorregou para o lado, num movimento preguiçoso, como se hesitasse em privar os homens da segurança proporcionada pela nave. O barco parou por um instante na câmara da eclusa. Ouvia-se vagamente o chiado das bombas, vindo do lado de fora. O ruído foi cessando, à medida que o ar se tornava mais rarefeito. De repente a escotilha externa abriu-se. Sem dizer uma palavra, Joel comprimiu a placa vermelha do controle dos propulsores. O barco foi-se libertando da eclusa. O neutralizador gravitacional não permitiu que o barco e seus ocupantes sentissem a carga tremenda a que ficaram expostos, enquanto a Carol-D desaparecia como uma bola vigorosamente arremessada. A rapidez da superfície cintilante se precipitando sobre as telas, era a única coisa que transmitia uma impressão da velocidade desenvolvida pelo barco. O ar entrou em incandescência em torno da tela de visão direta. Uma torrente de partículas ionizadas seguiu o barco, marcando seu caminho por meio de uma luminosidade esbranquiçada. Joel lançou um olhar para a tela frontal. O barco passava muito alto acima de uma superfície plana que parecia estender-se ao infinito. Joel viu através da camada de molkex a coloração cinzenta da superfície sem vegetação. Não havia a menor dúvida: Zanmalon era um mundo morto. Dali a alguns minutos uma cadeia de montanhas baixas surgiu no horizonte visual. Joel fez o barco descer. Tivera seus motivos para escolher esta parte da superfície planetária como local de pouso. As colinas que via à sua frente deviam ser o resto da zona montanhosa, em cujas cavernas os homens da Explorer-3218 haviam encontrado os remanescentes de um verme do pavor. Pelo que haviam dito a Joel, as montanhas eram íngremes e tinham milhares de metros de altura. Mas também lhe haviam avisado que possivelmente não encontraria as coisas da mesma forma que a Explorer-3218 as deixara. Joel revistava cuidadosamente as colinas, à procura de um sinal que permitisse reconhecê-las. Não se erguiam a mais de cem metros acima da planície. As encostas eram suaves e as cumeeiras bem arredondadas, como se estivessem assim há milhões de anos, tendo adquirido seu formato atual sob a influência das águas e dos ventos. Há quatro meses aquelas colinas ainda eram grandes montanhas. Parecia não haver nenhuma fresta naquela massa reluzente de molkex. Era lisa e transparente e cobria tanto o solo da planície como os topos das colinas. Joel lembrou-se da entrada da caverna em cujo interior haviam sido encontrados os restos do verme do pavor. Essa caverna desempenharia um papel muito importante nas investigações que pretendiam realizar. Mas se a entrada tivesse sido fechada pela massa de molkex, teriam de gastar muito tempo para vencer as dificuldades. De repente descobriu o rio. Serpenteava suavemente, em inúmeras curvas, através da planície, em direção ao sul. Joel viu mais uma curva no pé da colina. Naquele lugar o rio quase chegava a descrever um círculo. Vindo do norte, dobrava repentinamente para o oeste, corria para o sul e para o leste e voltava a correr para o norte. Pouco antes de voltar para o curso anterior, descrevia outra curva fechada para o leste. Formava uma península quase circular, ligada com o

resto da planície por uma faixa de terra que media apenas algumas centenas de metros de largura. Devia ser o lugar em que a Explorer-3218 pousara há algum tempo. Joel mudou de rumo, tomando a direção da curva em círculo. Pousou depois de alguns minutos. Os aparelhos automáticos já haviam feito a análise do ar. Os resultados diferiam pouco daqueles obtidos pela Explorer-3218. Parecia que os gafanhotos córneos haviam limitado sua atividade destruidora à matéria sólida. A atmosfera era respirável. O barco pousou na faixa de terra que ligava a península circular à planície. Dois ou três quilômetros à frente erguiam-se as colinas mais próximas. Joel preveniu os homens para que se apressassem ao descerem do barco e preparassem os autogiros o mais depressa possível. Transmitiu a Gino Poppa uma informação lacônica sobre o pouso que acabara de realizar. Escolheu entre os dez recipientes aquele que ele teria de transportar, colocou a mochila do autogiro e abandonou o barco espacial. Saiu lentamente da eclusa e caminhou para a massa reluzente de molkex. A cobertura do planeta parecia dura. Joel abaixou-se e passou as mãos pela superfície lisa. Parecia que estava tocando em vidro. A massa endurecera. Tirou um canivete do bolso, fazendo saltar a lâmina, e tentou arranhar o material vidrado. Ouviu um ruído desagradável, que soava como um grito, mas que não produzira nenhuma ranhura no molkex. Era o que esperava. Mergulhado em suas próprias reflexões, fechou o canivete e enfiou-o no bolso. Viu perfeitamente que o revestimento de molkex só tinha alguns milímetros de espessura. O relatório da Explorer-3218 dizia o contrário, pois falava em camadas elásticas de alguns metros de altura. Neste meio tempo devia ter havido modificações profundas. Joel procurou enxergar para além da massa vidrada e de repente sentiu pena do chão miserável, que ficava a alguns milímetros de distância, mas era inatingível e, privado de sua cobertura vegetal e da fauna, morria sufocado lentamente sob a pressão do molkex. Ouviu passos e ergueu-se. O grupo estava pronto para partir. Haviam ligado os autogiros. Com sua magreza, Pitter Laurensen oferecia um aspecto ridículo, com a hélice de quatro pás que ficava um metro acima de sua cabeça. — Estão sentindo o cheiro? — perguntou Jaycie de repente e olhou em torno com uma expressão de desconfiança. — Sentindo o cheiro de quê? — perguntou Joel. — Há um cheiro estranho no ar — respondeu Jaycie, sem olhar para ele. Joel aspirou fortemente o ar. Estava acostumado a sentir um cheiro diferente em cada planeta, e por isso não havia notado nada. Mas agora que Jaycie o havia alertado, estava realmente sentindo um cheiro estranho de podridão e recintos poeirentos, misturado a um odor repugnante de excrementos. — Estou sentindo também — disse Barbara nesse momento. — Parece um cheiro de cortiço, de porão e mansarda ao mesmo tempo. Deu uma risada, mas ninguém mais achou graça. — Só pode ser o molkex — disse Eric Jorgens com a voz ranhenta. Olhou para cima, como se tivesse medo de encarar os outros. Joel não conseguiu descobrir se era Eric ou Fran. O equipamento tornava os dois irmãos ainda mais parecidos, se é que isso era possível.

— Seus vapores devem ter certa pressão — prosseguiu Jorgens. — A mistura das moléculas de molkex com o ar atmosférico dá nisso. É claro que estamos sentindo o cheiro. Jaycie concordou com um gesto. Parecia pensativa. De repente levantou a cabeça. — Há outro detalhe — disse, dirigindo-se a Joel. — Zanmalon não é um ambiente muito sadio no que diz respeito às radiações nucleares. Joel parecia surpreso. — Não é muito sadio? O que quer dizer com isso? Jaycie ergueu o braço direito e consultou um dos instrumentos parecidos com um relógio de pulso, que trazia no antebraço. — Cem miliroentgens por segundo — leu. Joel estremeceu de susto, mas Jaycie nem tomou conhecimento disso. Prosseguiu em tom indiferente: — Isso significa que dentro de trezentas horas no máximo absorveremos uma dose de radiações que, segundo as normas de proteção, nos transformará em casos clínicos. Harney Creeser soltou uma risadinha, para deixar claro que não acreditava que a situação fosse muito séria. Os outros ficaram pálidos de susto, inclusive Joel. — Vamos fazer nosso trabalho o mais depressa possível — decidiu este. — Talvez a área em que as radiações são muito intensas seja limitada. É possível que entre as colinas as condições sejam mais favoráveis. Não disse o que o tinha levado a acreditar nisso, mas esforçou-se para dar ao seu rosto a expressão de quem sabe o que está dizendo. Às vezes algumas palavras que inspiram confiança podem ser muito importantes, porém não é necessário que elas tenham significado. Joel voltou a levantar sua carga e colocou-se em posição de decolagem. Manipulou sem olhar os controles embutidos no cinto. A hélice de sustentação que ficava em cima de sua cabeça começou a girar com um zumbido. Joel lançou um olhar para as colinas. O sol já estava bem próximo à linha do horizonte. Desapareceria dentro de uma hora e meia a duas horas. Seus raios vermelho-amarelentos batiam obliquamente na camada de molkex, transformando-a num reluzente manto dourado. Joel não deixou que as aparências o enganassem. Através do brilho dourado enxergava o pavor sombrio irradiado pelo planeta morto. Quando moveu a alavanca de decolagem, estremeceu. Até mesmo o ligeiro solavanco com que se ergueu do solo teve os efeitos de um choque. Parecia que uma coisa invisível e desconhecida pretendia atacálo. *** Seguiram-no conforme havia ordenado. Deixaram para trás o istmo que ligava a península à terra e seguiram em direção às colinas, deslocando-se a cerca de cinqüenta metros de altura. O ar estava praticamente imóvel. Era fácil continuarem juntos. Até mesmo embaixo do desajeitado aparelho de vôo, Barbara Spencer fazia boa figura. Joel reconheceu isso a contragosto. Além disso não perdera a autoconfiança. A moça olhou em torno com a impressão de quem acha que esse vôo sobre um planeta destruído era a coisa mais natural do mundo. Dedicou um pouco de sua atenção ao solo e às colinas que se estendiam à sua frente, mas ocupava-se principalmente com Nino Lamarre e Harney Creeser. “Ela nos criará problemas”, pensou Joel, bastante zangado. “A Segurança Galáctica não deveria destacar mulheres para missões como esta.”

Distraiu-se então com a figura de Pitter Laurensen, que se movia como se tivesse um bastão enfiado nas costas. Notava-se que fazia um grande esforço para conservar a dignidade. “Quando tivermos terminado com isto seu comportamento será diferente”, pensou Joel. “Os gafanhotos córneos não se importam com a dignidade humana.” Karl Halbein estava pendurado sob as pás do autogiro, como alguém que tivesse sido tirado da água pela mão de um gigante. Não passava de um montículo de miséria. Joel lia no rosto de Karl que o mesmo gostaria de estar em outro lugar. Por estranho que pudesse parecer, com Nino Lamarre as coisas não eram muito diferentes. Os outros comportavam-se muito bem. Jaycie tinha a faculdade natural de conservar a elegância em meio à perplexidade. Para Joey Peters tudo aquilo parecia uma brincadeira muito divertida. Quanto aos dois Jorgens, notava-se que nem se interessavam pelo que estava acontecendo em torno deles. A tarefa propriamente dita ainda não tinha começado. Pouco importava como faziam para lidar com o autogiro. Harney Creeser fez jus ao seu papel de Apoio. Quase chegava a ser maravilhoso ao dirigir o autogiro com suas tremendas forças mais do que este o dirigia. Joel não se importaria nem um pouco em tributar a Harney a admiração que este merecesse. Acontece que Harney estava exagerando. Como Nino parecia tão desajeitado, concluiu que chegara a hora de salientar-se diante de Barbara. Subia e descia, ficava de cabeça para baixo, fazia loopings e outras macaquices. Joel resolveu dar-lhe uma lição assim que chegassem às colinas, onde a vista não alcançava tão longe. “Isso é uma feira de vaidades”, pensou Joel, aborrecido. Tinha certeza de que essa gente acabaria compreendendo o que estava em jogo. Restava saber quanta desgraça aconteceria antes disso. Ainda estava pensando nisso, quando as coisas começaram... *** Haviam atingido o pé das colinas e passavam pelo corte suave que separava duas elevações. De repente Joel viu a pequena coluna de gafanhotos córneos que subia pelo flanco de uma das colinas. Os animais não pareciam ter muita pressa. Não saltavam como costumavam fazer, mas rastejavam lentamente pelo chão. Joel teve a impressão de que estavam cansados. Mas não teve tempo para observações mais detalhadas. Pitter Laurensen, que também notara a presença dos animais, soltou um grito estridente de triunfo. — São os primeiros que encontramos! — berrou. — Vamos buscá-los. No mesmo instante reduziu a potência de seu autogiro e foi descendo. Por alguns segundos Joel ficou paralisado com tamanha imprudência. Finalmente pôs-se a gritar: — Volte, seu idiota! Pitter, volte imediatamente! Pitter não o ouviu. Precipitou-se sobre os gafanhotos córneos com o entusiasmo do cientista. Agitava os braços e movia as pernas como quem sente chão firme sob os pés. Pôs a mão direita na arma térmica que trazia pendurada ao cinto. Arrancou-a. Estava a uns vinte metros do gafanhoto mais próximo. O grupo parou no ar. Todos se juntaram sem saber o que fazer. Os autogiros zumbiam e formavam um círculo tremeluzente. Joel entrou violentamente no meio do círculo. Seu autogiro rangeu ao bater no aparelho de Joey Peters. Joey voltou apressadamente. — Vamos ficar aqui! — gritou Joel. — Não quero que ninguém saia do lugar!

Não houve resposta. Joel afastou-se do grupo apenas alguns metros, para ver melhor o que Pitter estava fazendo e intervir prontamente se mais alguém resolvesse agir por conta própria. Haviam ensinado a Pitter, durante semanas a fio, que um gafanhoto córneo só pode ser morto por um raio concentrado que o atinja no lugar em que seu corpo é mais fino. Mas Pitter esquecera tudo e abriu fogo. Fez o raio bem aberto passar pelo grupo de gafanhotos córneos — e não conseguiu nada! Os animais ergueram-se. Estavam prevenidos. Se Pitter não recuperasse a razão dentro de alguns segundos, estaria irremediavelmente perdido. Pousou no chão. Absorveu o choque com os movimentos que as pernas faziam enquanto estava no ar. Escorregou na massa de molkex. Esperneou na queda e escorregou um bom pedaço. Foi sua salvação. O gafanhoto córneo mais próximo abriu a boca cercada de tenazes e esguichou um jato de ácido, exatamente no lugar em que Pitter tocara o solo. O líquido verde-amarelento espalhou-se pela camada de molkex sem causar nenhum mal. Alguém deu uma cutucada em Joel, que se virou abruptamente. Era Karl Halbein, que estava parado no ar, bem a seu lado. — O senhor não pode deixar que ele se acabe assim — gritou. — Esse sujeito está louco. — É isso mesmo! — berrou Joel. — Antes perder um homem que dois. Karl sacudiu a cabeça. — Não estou nessa — disse em tom energético. — Descerei para ajudar. — O senhor vai ficar onde está! — ordenou Joel. Num movimento tão rápido que Joel não conseguiu impedi-lo, Karl pôs a mão nos controles embutidos no cinto e diminuiu a rotação do autogiro. Desceu que nem uma pedra. Pouco antes de chegar à camada reluzente de molkex, controlou a queda numa curva arrojada e elegante. Joel inclinou o corpo para a frente e gritou atrás dele. Karl não lhe deu atenção. Joel sentiu uma raiva insensata. Voltou a endireitar o corpo. Ninguém se interessava por ele; todos estavam olhando para Karl e Pitter. Mas sua voz trovejante despertou-lhes a atenção. — Fiquem onde estão! — gritou Joel. — Ninguém vai fazer nada sem que eu dê ordem! Quem tentar levará um tiro! Isto é tão verdade como estou pendurado aqui, bem juntinho de vocês! Manteve a arma de radiações apontada. Todos sabiam que estava falando sério. Pitter teve mais sorte que juízo. Conseguiu escapar ao bombardeio de ácido dos animais parecidos com lagartas. Era um quadro repugnante. Os corpos violetas dos animais, que tinham um palmo de comprimento e cerca de cinco centímetros de espessura, ergueram-se bem a pino. As cabeças esféricas com as quatro tenazes descreviam movimentos pendulares. Pareciam espreitar alguma coisa. As bocas largas abriam-se e fechavam-se em movimentos rítmicos, lançando de vez em quando um jato de ácido amarelento. Se atingisse um dos dois homens, o destino do mesmo estaria selado. Não havia nenhuma substância que resistisse ao ácido por mais que alguns segundos. Pitter já parecia ter compreendido que a missão que resolvera levar avante, por conta própria, era muito mais perigosa do que supusera. Procurou abrigar-se. Continuava a usar a arma, mas a cada tiro que disparava o raio saía mais fino. Começava a lembrar-se daquilo que lhe fora ensinado.

Karl estava, por sua vez, nos seus calcanhares. Continuava com a arma guardada no cinto. Via-se que estava empenhado unicamente em fazer Pitter subir do solo. Agitava os braços e gritava tão alto que suas palavras eram compreendidas perfeitamente. Mas Pitter estava tão absorto no seu entusiasmo científico, que não dava a menor atenção às palavras de Karl. Joel teve de fazer um grande esforço para não fechar os olhos, ao ver os primeiros gafanhotos córneos se prepararem para saltar: a parte traseira dos seus corpos encurvouse, transformando-se num laço oval, e estes começaram a balançar acima do estreitamento. Karl alcançou Pitter. Quem o visse passar por baixo de um raio disparado pela arma de Pitter, para alcançar mais depressa o companheiro, poderia ser levado a acreditar que estava com vontade de morrer. Só por um segundo Pitter ficou estupefato. Foi quanto bastou para que Karl pusesse a mão em seu cinto e batesse no controle. Pitter disparou para o alto que nem uma flecha. O tiro seguinte foi descarregado no ar, sem produzir o menor efeito. De repente os gafanhotos córneos saltaram. Para a maior parte deles, a sucessão dos fatos dos últimos três segundos foi rápida demais. Caíram elasticamente no lugar em que pouco antes estivera Pitter. Os jatos de ácido por eles expelidos foram esguichados em vão. Mas dois deles investiram contra o novo inimigo. Um deles pousou no ombro de Karl e outro tocou o chão bem à frente de seus pés. Karl não estava preparado. A mão que pretendia mover o controle hesitou por uma fração de segundo. Os gafanhotos córneos abriram as bocas largas. Joel viu os jatos finíssimos de ácido mortal iluminados pelos raios do sol vermelho. Vindos de cima e de baixo, atingiram as vestes de Karl e espalharam milhares de gotículas fulgurantes. Karl soltou um grito. Sua mão bateu no controle. O autogiro começou a funcionar com um chiado. Karl desprendeu-se do solo, mas enquanto ia subindo o ácido começou a devorá-lo. O gafanhoto córneo que saltara sobre seu ombro caiu sob os efeitos da aceleração súbita, mas antes disso soltou outro esguicho de ácido que atingiu Karl no peito. A destruição progrediu com uma rapidez incrível. As vestes foram corroídas em questão de segundos e esvoaçaram em farrapos marrons. Karl gritava, enquanto o autogiro o arrastava para o alto. O ácido agora passou a agir sobre o corpo. A matéria viva sucumbiu mais rapidamente aos efeitos do ácido que o plástico de suas vestes. Era um quadro apavorante. Cada segundo parecia o pesadelo de um louco. Joel quase chegou a sentir-se aliviado quando aquilo que já fora Karl se soltou dos cintos e o aparelho voador, aliviado do seu peso, disparou que nem uma flecha. Por alguns instantes ainda se ouviu seu apito agudo. Depois virou, totalmente descontrolado, e foi atingir o solo entre as colinas. Não se via mais o menor sinal de Karl. Os gafanhotos córneos reiniciaram sua caminhada. Não deram a menor atenção à caixa que Karl estivera carregando e deixara cair. Ouviu-se um leve zumbido, vindo de cima. Joel levantou a cabeça. Quase não tinha consciência do que se passava em torno dele. Um par de pernas magras e compridas entraram no seu campo de visão. Em cima delas havia uma cabeça alongada. Finalmente distinguiu a estreita cabeça de Pitter Laurensen. Pitter ficou parado ao lado de Joel. Seu autogiro de sustentação estava novamente sob controle. — Eu... eu — gaguejou — vi tudo. Não... não posso dizer como lamento o que aconteceu. Não... não sabia...!

Joel encarou-o de frente. — Cale a boca, seu estúpido! — disse em tom indignado. Fez girar o eixo flexível do autogiro e disparou em direção à superfície. Pegou a caixa deixada por Karl. Os gafanhotos córneos não lhe deram atenção. O aparelho era muito precioso, e por isso não queria largá-lo por ali. Num vôo rápido voltou para junto do grupo. — Vamos! — gritou Joel para todos. — Daqui por diante ficaremos bem juntinhos. Mais uma vez seguiu à frente do grupo. Não estava com vontade de falar. Sabia que todos queriam ouvir uma explicação de sua boca. Ele a daria mais tarde. Naturalmente não a compreenderiam. Ninguém era capaz de compreender uma explicação desse tipo, a não ser talvez Pitter Laurensen, que se aproximara o bastante do inimigo. Naquela hora Joel preferia ficar só. E ficou só por algum tempo. De repente ouviu o ruído de outro autogiro ao seu lado. Virou o rosto e viu Barbara Spencer, que acabara de alcançá-lo. Fitava-o com os olhos semicerrados, numa expressão atenta e desconfiada. Até parecia querer elogiá-lo sobre o talhe de seu traje. Finalmente disse em voz tão baixa que mal conseguiu entendê-la: — Muito bem; o senhor é um modelo de valentia e inteligência! *** Dentro de alguns minutos atingiram a área coberta pelas colinas. Joey Peters, que mesmo durante o vôo observava com seus instrumentos o terreno que ficara para trás, não notara nenhum movimento suspeito nas proximidades do barco espacial abandonado. Concluiu que, por ali, os gafanhotos córneos não podiam ser muito numerosos. Joel estava pensativo. Sabia que o gafanhoto também precisa de algum tipo de alimento. Pelo que se dizia, eram capazes de devorar a rocha nua e transformavam o granito em energia orgânica. Acontece que por ali nem sequer conseguiam alcançar o granito, pois o mesmo estava coberto pela massa de molkex. Também se lembrou que o grupo de gafanhotos que matara Karl parecia muito cansado. “Será que os gafanhotos córneos de Zanmalon são uma espécie em extinção?”, indagou-se. Sabia-se muito pouco a respeito do ciclo vital dessas crias-do-inferno. Nasciam de ovos. Este fato e o formato de lagarta davam a entender que representavam apenas um estágio transitório na evolução biológica de um animal que se desenvolvia numa série de metamorfoses, mais ou menos à maneira das lagartas que se transformam nas borboletas terranas. Ainda não se encontrara nenhuma prova concludente dessa teoria resultante de uma série de observações comparativas. Joel Carso esqueceu-se um pouco da tristeza causada pela morte de Karl Halbein, quando se lembrou da possibilidade de terem chegado a Zanmalon no momento crítico: os gafanhotos córneos estavam dando o passo decisivo que os levaria do estágio atual ao ciclo biológico seguinte. Era bem verdade que ainda não haviam encontrado nenhum indício de que realmente fosse assim. A massa de molkex era um excremento das lagartas; não resultava de um processo de metamorfose. E a única coisa vista por elas era exatamente o molkex. Diante da quantidade enorme de gafanhotos córneos observados pelos tripulantes da Explorer-3218, seria de se esperar que os produtos da transformação pudessem ser encontrados em toda parte. Joel não se preocupou com isso. Afinal, só haviam examinado uma fração insignificante da superfície do planeta. Ele mesmo procurara explicar a Harney Creeser que não poderiam contar com resultados imediatos.

Esforçou-se para fixar os detalhes topográficos das colinas. Procurou compará-los com os relatórios fornecidos pelos tripulantes da Explorer. O resultado foi praticamente zero. Tinha certeza de que a caverna suspeita ficava por ali, mas não viu nenhuma das singulares rochas escarpadas que apareciam nas fotografias da Explorer-3218. Depois de algum tempo resolveu pousar num lugar escolhido ao acaso. Tratava-se de uma depressão suave cercada por quatro colinas. Estas não lhes davam a menor proteção, pois seriam fáceis de transpor. Mas as elevações permitiam uma visão ampla para quase todos os lados, e era o que mais lhe interessava. Joel, colocou o eixo do autogiro na vertical e ficou parado no ar. Os outros foram parando em torno dele. — Vamos estabelecer-nos por algum tempo nessa depressão — disse. Ninguém respondeu. Joel deu-lhes as costas e foi descendo. A primeira coisa que fez ao tocar o solo foi largar a bagagem de Karl Halbein. A barraca suplementar destinada aos instrumentos ficava nessa bagagem. Joel espalhou o tecido fino pelo chão e esperou que o pequeno condensador inflasse bem as paredes da barraca. Esta tinha pouco menos de um metro de comprimento e um de altura. Acima dela erguia-se um telhado que tinha mais um metro e meio. Joel colocou o resto da bagagem de Karl no interior da barraca e fechou os grampos de vedação. Prendeu os ganchos da barraca em pequenas saliências da massa de molkex. Depois disso sacudiu a barraca, para verificar se estava firme. Ficou satisfeito. Pôs-se a montar sua barraca ao lado da que abrigava os instrumentos. Olhou em torno e certificou-se de que os outros membros do grupo também montavam suas barracas, de maneira a formarem um círculo em torno da sua e da dos instrumentos. Não haviam discutido a disposição das barracas. De início Joel não viu nada de estranho no fato de os membros do grupo terem escolhido esse arranjo sem consultá-lo. Mas a idéia deixou-o intrigado e depois de algum tempo começou a estranhar. Finalmente Joey Peters aproximou-se dele. Estava muito sério. O sorriso que costumava trazer no rosto havia desaparecido. Chegou bem perto e falou baixinho, para que ninguém mais pudesse ouvi-lo: — Isso foi combinado entre eles, chefe. Haverá problemas. E não vai demorar.

3 A previsão de Joey cumpriu-se com uma rapidez extraordinária. Joel apressara-se em tirar os instrumentos de Karl das embalagens e os montara no interior da barraca. Ligara alguns deles. Além disso colocara uma forte luz de gás entre estes e sua barraca, pois o sol já se pusera e dali a pouco iria escurecer. Os outros concluíram seu trabalho. Joel fez de conta que não se interessava por isso, mas viu que todos se aproximaram da barraca de Harney Creeser e pararam à frente da mesma. Joel voltou para junto do grupo. Harney Creeser seria o porta-voz. Joel cuidou de pequenas coisas, até que o grupo de aproximasse, com Harney na ponta. Colocou-se à frente de sua barraca e ficou esperando. Ninguém notou-lhe o movimento rápido para certificar-se de que a arma estava no lugar. Harney plantou-se à sua frente e esperou até que os que o seguiam parassem. Seu olhar parecia furioso. Anunciou com a voz potente e segura: — Precisamos falar com o senhor, Carso! Joel encostou-se à barraca. Sentiu que as paredes infladas cediam um pouco. Acenou calmamente com a cabeça e disse: — Que coincidência feliz, Harney! Também tenho uma coisa a dizer ao senhor. Harney não deixou que estas palavras o perturbassem. — Não há dúvida — prosseguiu — que somos uma espécie de organização militar. Em condições normais qualquer rebelião contra uma ordem sua seria um amotinamento a ser julgado por um tribunal militar. — Isso mesmo — disse Joel. — As condições são normais. — Não são, não. Seu comportamento durante o incidente havido lá fora foi irresponsável, quase criminoso. Se tivesse agido de outra forma, Karl ainda estaria vivo. O senhor cometeu uma violação grave ao dever de comandante. O pessoal aqui reunido espera que saiba extrair as conseqüências desse fato. Joel levantou os olhos para ele. — E quais são essas conseqüências? — O senhor renunciará e transferirá o comando a outra pessoa. — Ao senhor? Harney engoliu em seco. — Isso será decidido por votação. — Ora veja. Antes disso o senhor vai me dizer o que teria feito se estivesse no meu lugar. — Teria tirado Karl do aperto — disse Harney. — O que mais poderia ser? Joel soltou uma gargalhada. — Como? Com as mãos? Pitter atirou contra os gafanhotos córneos durante três ou quatro minutos e não conseguiu ferir um único. Atirou a esmo que nem um menino nervoso com uma espingarda de ar comprimido. E Karl não estava menos alucinado que ele. Nem pensou em usar sua arma. É só pensar no que teria acontecido, se tivesse dado ordem para que todos atacassem os gafanhotos córneos. Será que naquele momento algum dos senhores se lembrava de como se deve usar uma arma de radiações contra esses animais? Karl não se lembrou, e Pitter também não. Por que iria acreditar que com os senhores as coisas seriam diferentes? Seríamos devorados, pois os gafanhotos córneos são muito velozes, e a Segurança Galáctica teria de enviar outra expedição.

Empurrou-se da parede da barraca e ficou tão perto de Harney que quase chegou a tocá-lo. — O senhor nunca mais ouvirá uma justificação dos meus atos, Harney. No futuro minhas decisões não serão mais discutidas. Entendido? Harney olhou ligeiramente para trás, como se pudesse pedir auxílio a alguém. Mas logo recuperou o autocontrole. O segundo ataque agora passou para a agressão pessoal. — Não adianta gritar conosco, Carso — disse. — Em qualquer hipótese temos o direito de exigir que o senhor nos preste contas. Imagine que Barbara ou Jaycie tenha de enfrentar uma situação semelhante à de Karl e Pitter. Acredita, realmente, que nesse caso conseguiria evitar que saíssemos em auxílio delas? — Não tenha a menor dúvida. Se eu tiver motivo para recear que venham a agir tão estupidamente como Pitter e Karl, agirei assim. Essas palavras pareciam ser uma senha para Barbara, que se colocou ao lado de Harney, virou a cabeça e gritou para os outros: — Vocês ouviram. Não quero saber se as mulheres devem ter certas vantagens diante dos homens, mas a atitude deste homem chega a ser cruel. De repente Joel compreendeu tudo. O que estava em jogo não era a pessoa de Karl ou de Pitter. E a discussão também não girava em torno da maneira de conduzir a expedição. O motivo era muito simples: Harney e Joel lutavam por uma mulher: Barbara. Harney queria provar a ela que era o forte, o valentão. E para isso queria conquistar o posto mais elevado que havia em Zanmalon: o de chefe da expedição. Joel ficou furioso. Fora arrastado para esse tipo de luta contra a vontade. Não se importava com Barbara; não sentia nada por ela. Mas se ganhasse essa luta, ela cairia nas suas mãos que nem um fruto maduro. Não a queria, mas pretendia dar uma surra em Harney por tê-lo colocado nessa situação. A observação de Barbara provocou murmúrios de revolta. Pitter e Nino eram os mais nervosos. — Então...? — perguntou Harney, esticando a palavra. — Então o quê? — Por enquanto nem sequer houve um pedido formal — respondeu Joel. — Quem é a favor da substituição? O senhor e a Dra. Spencer? Estava entrando em terreno escorregadio; sabia disso. Resolvera entrar num jogo democrático e teria de agüentar até o fim. Mas tinha uma pequena chance. Se saísse vitorioso, Harney teria sido derrotado segundo as regras impostas por ele mesmo. Harney virou a cabeça. — Todos ouviram a pergunta de Carso — trovejou. — Ele quer saber quantas pessoas votam a favor de sua renúncia. Quem concordar com a minha proposta, que levante o braço. Antes que alguém tivesse tempo de atender à solicitação, Joel adiantou-se e gritou: — Antes de fazerem isso, pensem um pouco no que virá depois. Harney assumirá o comando da expedição; acho que todos já compreenderam isso. Acontece que ele não está interessado nem no êxito da missão, nem na nossa segurança. Apenas quer impressionar essa mulher. Estendeu o braço e apontou para Barbara Spencer. Estava jogando com um truque primário e demagógico. Mas era possível que numa situação como aquela esse truque tivesse sua utilidade. Harney urrou de raiva. — Isso é uma calúnia infame! — gritou.

Joel o atingira no ponto mais vulnerável. Harney perdeu o autocontrole. Sacudiu os punhos e investiu contra Joel com toda a força de seu corpo atlético. Joel deu dois passos rápidos para trás e apontou a arma para ele. — Vamos à votação, Harney! — disse com a voz tranqüila. — Depois pode divertir-se à vontade. Harney ficou parado. Os braços pendiam molemente ao lado de seu corpo. Virou-se e voltou ao lugar em que estivera antes. — Quero que o assunto seja posto em votação — disse com a voz rouca. Joel olhou em torno. Barbara estava a dois passos dele. Tinha o rosto muito pálido e mantinha os olhos quase fechados. Harney teve de repetir o pedido. Só depois disso ergueu lentamente o braço direito, num gesto mecânico. Até parecia que o braço estava sendo puxado por um fio invisível. Nino Lamarre e Pitter Laurensen também votaram a favor da proposta. Naturalmente Harney Creeser também votou. Joey Peters e Jaycie Ridell separaram-se ostensivamente do grupo e enfiaram as mãos nos bolsos do uniforme. Só restavam Eric e Fran Jorgens, que não saíram do lugar, mas também não levantaram o braço. Conversaram a meia voz numa língua que ninguém entendia. Um deles — Joel não saberia dizer se era Fran ou Eric — parecia ter argumentos mais convincentes. O outro apenas ficou ouvindo e vez ou outra acenava com a cabeça. Harney começou a impacientar-se. Sempre com o braço erguido, aproximou-se dos dois irmãos e colocou a mão no ombro de um deles. — Eric, deixe que seu irmão decida por si — resmungou em tom contrariado. — O senhor está exercendo influência ilícita no resultado da eleição. Joel perguntou a si mesmo como Harney sabia que o irmão com quem estava falando era Eric, e que este pretendia influenciá-lo contra ele. Um dos dois Jorgens virou-se abruptamente e, num gesto furioso, afastou a mão de Harney. — Em primeiro lugar — chiou — não sou Eric, mas Fran, e em segundo lugar tenho o direito de falar com meu irmão o que quero. O senhor não tem nada com isso, seu fanfarrão. Harney estremeceu. Por certo teve de esforçar-se ao máximo para manter a pose. Voltou. A discussão entre Eric e Fran Jorgens chegara ao fim. Todo mundo parecia prender a respiração quando endireitaram o corpo e olharam em torno. Descobriram Jaycie e Joey, voltaram a acenar com a cabeça e se juntaram a eles. Joel soltou o ar entre os dentes. A batalha estava decidida — e ganha. — A votação empatou — anunciou Harney. — Quatro a quatro. Cada parte pode expor seus motivos, e depois vamos... — Um momento, “senhor presidente” — interrompeu Joel. — Somos nove pessoas. Como é que a votação pode empatar? Harney não parecia ter contado com essa objeção, o que deixou Joel bastante espantado. Escancarou a boca e os olhos e fitou Joel como se este fosse um fantasma. — Infelizmente vejo-me obrigado a deixar a modéstia de lado — prosseguiu Joel. — Não tenho alternativa senão votar contra minha renúncia, pois preciso defender os interesses da expedição, e além disso simpatizo muito mais com o outro grupo. Isso resolve a questão, não acha? ***

Harney deu um salto, e o fez com tamanha força e agilidade que estragou o plano de Joel, embora o mesmo contasse com o ataque. O mundo explodiu diante de seus olhos numa chuva de fagulhas coloridas, quando o punho cerrado o atingiu ao lado do olho. Foi atirado para o lado e escorregou pela camada lisa de molkex. Uma das barracas o deteve. Passos ruidosos seguiram-no. Só podia ser Harney. Joel não via nada. Entesou os músculos e atirou-se para o lado. Bem ao seu lado, uma bota bateu fortemente no lugar em que estivera deitado pouco antes. Harney estava fora de si. Joel continuou a rolar o corpo. O lugar atingido pelo punho de Harney irradiava uma paralisia que se estendia a todo o corpo. Estava indefeso. Se quisesse um bom desempenho nessa luta, ou melhor, vencê-la, teria de ganhar tempo ao menos alguns segundos. Harney perseguiu-o. Joel reuniu as forças que lhe restavam e conseguiu escapar por duas ou três vezes às pisadas furiosas de Harney. Escorregou em torno da barraca. Aos poucos a visão foi clareando. Na luz crepuscular Harney parecia uma sombra apagada que saltitava atrás dele. Finalmente conseguiu apoiar-se nas mãos e erguer o corpo. Isso levou algum tempo. Por alguns segundos Harney teve um alvo facílimo, e não deixaria escapar uma oportunidade como esta. Desferiu um golpe com o pé. Atingiu Joel de lado. Este foi atirado a alguns metros de distância, mas a dor lancinante provocada pela pisadela fez com que se pusesse de pé. Virou-se rapidamente e esperou Harney. Por enquanto nem pensava em usar a arma. Mas sabia que Harney não deixaria de recorrer à arma de radiações, assim que sentisse uma resistência mais séria. Precisava ter cuidado. Harney, por seu lado, tinha quase certeza de que a contenda estava ganha. Avançou que nem um rolo compressor. Nem pensou em proteger-se. A única coisa que Joel teve de fazer foi erguer o punho e pôr um pouco de pressão no braço. Harney bateu com toda força no mesmo. Foi atingido no queixo e caiu para trás, todo esticado. Joel sentiu a dor do impacto até o cotovelo. Não podia afrouxar. Harney escorregou pelo chão. Joel correu atrás dele, segurou-o pela gola do uniforme e ergueu-o antes de golpear de novo. Estremeceu diante de um uivo penetrante. Levantou as mãos para proteger os ouvidos. Harney estava deitado à sua frente. Ergueu-se sobre o cotovelo e olhou em torno, fungando fortemente. O uivo aumentava e diminuía. Joel teve de fazer um grande esforço para não encarar Harney e dedicar sua atenção ao ruído. Levou alguns segundos para compreender o que era e de onde vinha. Teve dificuldade em manter-se de pé e mal conseguia aspirar o ar que os pulmões bombeavam. Joey Peters veio correndo pela penumbra. — Isso vem da barraca dos instrumentos! — gritou. — É um dos aparelhos. Joel compreendeu. Ligara os aparelhos de alerta de Karl Halbein antes que Harney Creeser e o grupo se aproximassem. Duas das caixinhas eram instrumentos de alarma Que vasculhavam, ininterruptamente, as áreas adjacentes ao acampamento. O sinal de sereia só podia significar que o aparelho havia localizado gafanhotos córneos. Ou coisa pior... *** Joel correu para a barraca dos instrumentos. Os dedos tremiam ao tentarem soltar os grampos de vedação da porta. Finalmente esta abriu-se. Joel constatou que o alarma fora dado pelo encefalógrafo. Deixou-se cair para a frente e desligou a sereia.

Sentiu uma vontade quase irresistível de deitar e não se incomodar com mais nada. Mas Harney, que há pouco contestara sua capacidade de comandar a expedição, estava deitado lá fora. E lá fora também estavam Jaycie e Joey e os dois Jorgens, que apesar de todas as hostilidades o haviam preferido para dirigir o grupo. Não podia decepcioná-los, e não devia proporcionar a Harney Creeser outro motivo de crítica, que desta vez seria bem fundamentado. Ergueu-se com grande esforço e leu a indicação do encefalógrafo. O aparelho registrava as emanações de um cérebro que se encontrava nas proximidades do acampamento. Devia ser um único cérebro, pois a recepção era bem nítida e só havia uma série uniforme de impulsos principais. Era possível que fosse um único gafanhoto córneo, mas Joel não acreditava muito nisso. Saiu da barraca de quatro, ergueu o corpo e, uma vez chegado do lado de fora, gritou em meio à luz crepuscular: — Coloquem os autogiros e preparem-se para decolar. Mantenham todas as armas prontas para disparar. Alguma coisa se aproxima do acampamento. Por enquanto não sei o que é. Mas é preferível que estejamos preparados para qualquer eventualidade. Ouviu pés se arrastando e viu as sombras dos homens que se moviam. Todos estavam obedecendo. O perigo voltara a unir o grupo. E se conseguissem sobreviver ao mesmo, Harney Creeser teria perdido o jogo para sempre. Joel viu que o próprio Harney se erguia a custo e estava obedecendo à sua ordem. Naquele momento um baque trovejante atravessou o solo, fazendo a terra tremer sob o impacto de uma criatura gigantesca e invisível. Joel compreendeu que agira corretamente ao ordenar que os membros do grupo se preparassem para qualquer eventualidade. A criatura que se aproximava do acampamento era o monstro mais terrível que a Galáxia já vira. Era um verme do pavor!... *** Joel já não sentia nenhuma fraqueza. Correu de volta para a barraca dos instrumentos e abriu um dos pequenos recipientes pelos quais até então nem se interessara. Tirou do mesmo uma cápsula em forma de ovo e enfiou-a no bolso. Fez mais uma leitura do encefalógrafo. O perigo estava mais próximo. Os impulsos do cérebro estranho já eram mais nítidos. Joel elaborou seu plano num instante. Tudo dependia de que conseguissem desviar o verme do pavor das barracas e o deixassem desorientado. Se o monstro descobrisse as barracas, a expedição estaria perdida. Não havia defesa contra o verme do pavor. Era um gigante. Em linhas gerais seu formato era idêntico ao dos gafanhotos córneos, porém tinha mais de vinte metros de comprimento, três metros de altura no centro do corpo e não apresentava o estreitamento na parte traseira, que constituía uma das características dos gafanhotos córneos. Sua cabeça esférica tinha cinco metros de diâmetro. O verme possuía dois pares de tenazes, que nem os gafanhotos córneos, mas as mesmas eram maiores, correspondendo ao tamanho do corpo. Além disso seu par de olhos enxergavam muito bem. Era outra característica que o distinguia dos gafanhotos córneos, pois estes animais não possuíam visão. A boca larga do monstro não fazia esguichar ácido, porém expelia um feixe de energia térmica mais ou menos focalizado. Em suma: o verme do pavor era um canhão térmico vivo. Nenhuma arma fabricada pelo homem o afetava. Face a tudo isso, a sua locomoção aos saltos, semelhantes aos gafanhotos córneos, não assumia maior importância. Cada vez que se impelia agilmente com a parte traseira

do corpo, percorria um trecho de cento e cinqüenta metros. Além disso possuía tenazes mortíferas bem embaixo da cabeça. Mas ninguém se preocupava com esses detalhes, pois o raio térmico expelido pelo verme agia a uma distância muito maior. Nos últimos quatro meses, as naves de pesquisa da frota terrana haviam observado vários vermes do pavor. Apesar de terem surgido no palco dos acontecimentos mais ou menos ao mesmo tempo que a praga dos gafanhotos córneos, juntamente com as circunstâncias de que estes só eram encontrados nos mundos em que também havia sido constatada a presença dos gigantescos vermes, fez com que se concluísse que, além da semelhança exterior, devia haver uma relação biológica entre as duas espécies. Era bem verdade que por enquanto só existiam conjeturas sobre o tipo dessa relação. Não se conhecia nenhum detalhe. Foi principalmente por uma questão de cautela que, antes de partir da Terra, Joel fora avisado de que deveria contar com a possibilidade de encontrar vermes do pavor em Zanmalon. E chegara a hora em que isso iria acontecer... Joel reuniu os membros do grupo e explicou-lhes o que iria suceder com o acampamento. Examinou-os atentamente à luz de sua lanterna. No momento os quatro rebeldes pareciam ter deixado de lado o rancor. A informação de que a criatura a enfrentar era um verme do pavor provocou um susto menor do que seria de esperar nessas circunstâncias. Ninguém realmente parecia ter medo. “Sempre é assim”, pensou Joel. “Só se sentirão verdadeiramente apavorados quando virem o monstro à sua frente.” Expôs seu plano. Todos teriam que abandonar o acampamento e abrigar-se, cada um em separado, num raio de duzentos a quatrocentos metros. O acampamento seria o primeiro alvo do verme do pavor, a não ser que conseguissem distrair sua atenção. — Quer dizer que temos de abandonar tudo que temos por aqui? — perguntou Nino Lamarre. — Se ele vier para cá, sim — respondeu Joel. — Que belo estrategista nos deram como chefe — escarneceu Barbara Spencer. — Será que o senhor não tem uma idéia de como defender-se dessa ameaça? — Não tenho, não — respondeu Joel com um sorriso de deboche. — Caso a senhora tenha, faça o favor de expô-la ao quartel-general da Segurança Galáctica. Há alguns meses já andam à procura de um meio de livrar-se dos vermes do pavor. Aliás, terei de afastar-me do acampamento. Enquanto isso Joey Peters assumirá o comando. Todos os microfones e receptores de pulso ficarão ligados. Entendido? — Ora veja! Até parece que o senhor quer um lugar bem seguro para si — gritou Barbara. Joel deu uma risada. — Isso mesmo. Ficarei a dez quilômetros daqui, e terei o maior prazer em ver o verme do pavor devorar a senhora. Pretendia dar a ordem de partida, mas um estrondo abafou suas palavras. Um solavanco violento sacudiu o chão, fazendo balançar as barracas. O verme do pavor voltara a saltar. Desta vez parecia ter tocado o chão nas imediações do acampamento. — Vamos embora! — gritou Joel. — Provavelmente o verme esperará um ou dois minutos antes de dar o próximo salto. Até lá deverão estar num lugar seguro. Os autogiros começaram a zumbir. Mãos apressadas atravessavam os feixes de luz das lanternas e mexiam nos controles embutidos nos cintos. Joel olhou para as colinas. O verme do pavor já farejara o ambiente; quanto a isso não havia a menor dúvida. Encontrava-se na rota direta do acampamento. Naquele momento estava parado em algum lugar, atrás das colinas do

norte, e procurava erguer-se sobre a parte traseira do tronco, a fim de dar os movimentos oscilatórios característicos ao seu gigantesco corpo. Mais um minuto, talvez dois... Justamente desta vez Joel Carso errou no cálculo. E por pouco seu erro não bastou para exterminar o grupo. Foi tudo muito rápido. Uma forte ventania atravessou o vale pouco profundo e fez com que os autogiros perdessem o equilíbrio. Depois da ventania veio um zumbido cavo e grave. Parecia o ruído de uma bomba pesada, arremessada de grande altura. Os membros do grupo de Joel, que em parte já estavam subindo, foram atirados para trás pela rajada de vento e tiveram de esforçar-se para ficar de pé. Alguém soltou um grito estridente, mas o mesmo foi abafado pelo rugido que dentro de dois ou três segundos cresceu numa intensidade martirizante. Joel abaixou-se instintivamente. Percebeu que de repente o chão parecia saltar ao seu encontro e o arremessou para o alto. Um trovão parecia encher o ar e uma tormenta, muito mais violenta que a anterior, varreu as pessoas por cima da superfície lisa de molkex. Joel berrou algumas ordens. Quase botou os bofes para fora, mas em meio àquele barulho infernal nem ele mesmo conseguia entender suas palavras. Os membros do grupo eram tangidos pela tormenta que nem um rebanho de ovelhas assustadas. Separavam-se cada vez mais. Finalmente a ventania foi amainando. Com algumas apalpadelas rápidas, Joel certificou-se de que o autogiro estava no seu devido lugar. Ligou o rotor para a velocidade máxima e subiu que nem uma flecha. Quando atingiu uns quinze metros de altura, passou ao vôo horizontal e dirigiu o feixe de sua lanterna para baixo. A luz ofuscante atingiu Barbara Spencer e Nino Lamarre, que lutavam com os eixos empinados de seus autogiros. — Arrumem isso o mais depressa que puder — gritou Joel — e subam para cá! Continuou a procurar. Encontrou Joey Peters, Jaycie Ridell e os dois Jorgens, que estavam bem, mas não sabiam o que fazer. Mais adiante Pitter Laurensen rastejava pelo chão, totalmente desorientado. Joel informou-o aos gritos sobre o que deveria fazer. Finalmente encontrou Harney Creeser. Ao primeiro relance de olhos notou que seu autogiro fora inutilizado. Provavelmente batera no chão durante a queda. Naquele momento Harney estava sentado sobre a camada de molkex e examinava os arredores com a lanterna. — Não faça isso! — gritou Joel. — Não dirija a luz para o norte! Harney ouviu-o. Levantou a cabeça por um instante, sacudiu a cabeça, num gesto obstinado, e balançou a mão que segurava a lanterna. — Seu idiota! — berrou Joel. — Você está chamando a atenção dele! O raio de luz continuava a caminhar em direção ao norte. Passou por cima das barracas, atingiu a encosta suave da colina e foi subindo pela mesma. De repente um ruído matraqueante e arranhento encheu o ar. A mancha de luz hesitou por um instante, mas logo prosseguiu. O chão liso e reluzente terminou abruptamente. Seguiu-se uma coisa colorida e disforme, que descrevia movimentos convulsivos ininterruptos. Era uma repugnante massa balofa, que parecia nunca ter fim, por mais que o feixe de luz se deslocasse para a direita e para a esquerda. Joel ouviu o zumbido de alguns autogiros nas proximidades. — Não se abalem! — gritou sem dar-se conta do que estava dizendo. — O quadro não será nada agradável!

Finalmente Harney Creeser criou coragem para fazer o movimento decisivo. Num movimento resoluto o feixe de luz ofuscante subiu alguns metros e atingiu o rosto do verme do pavor. — Vamos embora! — gritou Joel. — A luz deixa-o nervoso. Parecia fascinado diante do quadro apavorante. A cabeça esférica de cinco metros executava movimentos pendulares muito nervosos. Os olhos multifacetados brilhavam, e a boca larga, que parecia sorrir, era um traço fino, ligeiramente encurvado. As quatro tenazes de substância córnea tremiam e chicoteavam o ar, como se estivessem à procura de um apoio. O par mortífero de garras penetrava no feixe de luz, vindo de baixo. Os rotores penetraram no círculo de visão de Joel. Sem tirar os olhos do monstro, viu os homens se afastarem. Um, dois, quatro, seis. Seis? — Poderíamos levantar Harney e carregá-lo conosco — disse uma voz muito séria ao lado de Joel. Este virou a cabeça. Reconheceu os contornos pouco nítidos do rosto de um dos Jorgens. — Era o que pretendia fazer — respondeu. — Para isso basta um homem. Dê o fora! Daqui a pouco o monstro voltará a saltar. Jorgens abanou a cabeça. — Dois homens serão melhores que um — objetou. — Vamos... Harney imobilizara o feixe de luz de sua lanterna na cabeça do monstro. Devia ter devorado o quadro por alguns minutos. Joel não se preocupara com ele. Só teve sua atenção despertada, quando o grito selvagem e apavorado de Harney Creeser abafou as palavras do homem a seu lado. — Vamos embora! Vamos logo! Isso é o diabo em pessoa...! Joel dirigiu a luz da lanterna para baixo. Harney conseguiu pôr-se de pé. Cambaleava fortemente. O autogiro embaraçava seus movimentos, mas ainda tinha bastante juízo para tentar tirá-lo. — Vamos! — fungou Joel. — Se esse sujeito começar a correr, o verme saltará imediatamente. Desceram vertiginosamente. Harney revelara uma agilidade surpreendente, pois já conseguira livrar-se do rotor, que caiu ruidosamente no chão. Harney saiu correndo. — Não corra! — gritou Joel. — Pare, seu idiota! Harney não o ouviu. — Temos de ir atrás dele! — gritou Jorgens. — Está correndo para a morte. — Receio que já esteja morto — constatou Joel em tom de resignação. — Espere aí! Não saia do lugar. Jorgens já começara a mover seu rotor. — Mas não podemos deixá-lo sem mais aquela...! — Fique quieto! — ordenou Joel. — Ouça! O ruído ranhento e crepitante tornara-se mais forte. Joel dirigiu a luz da lanterna para o norte. Mais uma vez a figura repugnante e monstruosa do verme entrou no campo de visão. A cabeça erguia-se bem acima do solo, sustentada pelo corpo disforme e carnudo. O verme se erguera. A parte traseira do tronco curvou-se que nem uma mola. — Está saltando! — gritou Joel. — Não quer que Harney escape. Vamos embora, Jorgens! Fascinado, Joel observava o verme. Estava preparado para, ao menor movimento suspeito, sair da trajetória do monstro. Ouviu um farfalhar atrás de suas costas. Era

Jorgens que se punha em movimento. Joel soltou um suspiro de alívio. Não teve tempo para verificar em que direção Jorgens estava voando. O verme continuou a crescer para o alto. Joel pôs a lanterna na mão esquerda, enquanto a direita segurava a arma. O corpo do verme começou a executar movimentos pendulares. Joel fez pontaria. Ainda havia uma chance mínima de desviar a atenção do monstro, afastando-o de Harney, cujos gritos abafados vinham do outro lado das colinas do sul. Joel fez pontaria para a boca da fera e puxou o gatilho. Um lampejo fulgurante atingiu a cabeça esférica. O verme não reagiu. Nem sequer abriu a boca. Estava concentrado no salto que pretendia dar. Joel notou o movimento decisivo daquele corpo, um ligeiro balanço para a frente — e afastou-se em sentido oblíquo. A tormenta voltou a rugir. Fustigava o vale com rajadas selvagens. O gigantesco verme atravessou o ar, produzindo um ruído uivante. Passou por cima das colinas do sul, em direção ao lugar onde Harney Creeser corria para salvar a vida. A única coisa que Joel viu foi uma gigantesca sombra que atravessou a noite à sua direita, escurecendo as estrelas por uma fração de segundo. Seguiu-se o impacto. Parecia o estrondo de cem bombas a cortar a escuridão; bateu nos flancos das colinas e retornou. Um grito humano atravessou o rugido. O vento amainou tão repentinamente como começara. O rotor recolocou o corpo de Joel na posição normal. Estremeceu. Errara no cálculo. Mais um grito cortou o ar. Cometera dois erros de cálculo... E ainda tinha pela frente a parte mais importante da tarefa!...

4 Além das colinas do sul uma massa escura e sombreada balançava na parte traseira do tronco, transformada em mola. A cabeça apontara para o norte. O monstro lembravase do acampamento por cima do qual saltara para alcançar o fugitivo. Joel planava sobre o topo da colina. Respirava profundamente e fez um esforço para manter a mão quieta. O verme já não parecia tão nervoso. Ainda bem. Assim seria mais fácil distraí-lo. Joel recapitulou o plano. O que tinha de fazer era atrair o monstro para bem longe do acampamento, a fim de que este não se lembrasse de voltar para lá. O verme do pavor devorava energia, da mesma forma que um verme terrano se alimentava de folhas em decomposição. E Joel carregava consigo boas quantidades de energia. O único problema era distribuir as iscas com bastante habilidade, para que a fera desistisse de sua intenção inicial. Joel sabia perfeitamente que uma das iscas seria ele, quer quisesse, quer não. E as chances de escapar vivo da aventura não eram superiores a cinqüenta por cento. Lembrou-se do pobre Joey Peters que, se alguma coisa lhe acontecesse, teria de assumir o comando até que Gino Poppa chegasse. Atirou. A salva reluzente da arma energética atingiu o animal bem no rosto. A fera emitiu um ruído borbulhante e abriu a boca, para que a energia penetrasse em seu interior. Joel viu os olhos cintilantes examinarem a escuridão. Quando se imobilizaram, dirigindo-se numa rigidez diabólica para a origem do raio energético, Joel tirou o dedo do gatilho. Reuniu todas as forças de seus músculos para atirar-se de lado, desaparecendo quase de pernas para o ar atrás do grupo de colinas. Voltou a endireitar-se pouco acima da encosta norte e manteve-se imóvel por um instante. Um pequeno sol surgiu em cima da colina. Uma torrente de luz escaldante passou com um chiado e desceu obliquamente para a noite. O verme queria a vítima. Joel procurou imaginar como a boca muito aberta expelia um raio de energia concentrada. Se tivesse ficado mais um segundo lá em cima, Joey Peters não encontraria nem um pedacinho de sua pele. Desta vez avaliara corretamente a reação do verme. “Como será da próxima vez?”, pensou. Seguiu junto à encosta da colina e atravessou o vale baixo, em direção ao flanco norte da colina seguinte. Repetiu o jogo de antes, com a diferença de que desta vez se encontrava mais longe do verme. A fera continuava sentada no mesmo lugar, à espera do próximo disparo. Quando a arma energética de Joel soltou uma réstia de luz, a cabeça esférica virou-se abruptamente, à procura do novo alvo. Mais uma vez Joel abrigou-se um segundo antes que o verme abrisse a boca e começasse a cuspir energia. O terceiro ataque de Joel foi desfechado a uma distância ainda maior. Desta vez aconteceu o que esperara. O verme não respondeu ao tiro. Preferiu saltar atrás dele. Joel recuou e continuou a atirar. O verme respondeu ao fogo, para que ele voltasse a afastar-se para além do alcance do raio energético. O monstro voltou a saltar. A caça parecia deixá-lo excitado, pois já não deixava passar tanto tempo entre dois saltos sucessivos. Ao que parecia, desejava pegar Joel vivo. Raramente respondia aos tiros. Assim que Joel aparecia, a parte traseira do tronco do animal se dobrava, o gigantesco corpo começava a balançar e o monstro saltava. Sempre que isso acontecia, uma forte

tormenta rugia sobre as colinas e arrastava Joel para longe. Isso representava outro perigo. Joel não contara com uma possibilidade: o rotor talvez não fosse capaz de resistir aos choques provocados pelas rajadas de vento. Se o autogiro falhasse, suas esperanças de escapar ao verme, que sempre ficava perto dele, seriam bastante remotas. Agiu com mais cuidado. Esforçou-se para permanecer ainda mais perto das colinas que lhe serviam de abrigo. Dessa forma as rajadas de vento se quebrariam nos flancos das elevações, enquanto Joel se protegeria atrás das mesmas. Mas apesar de toda essa cautela, o verme conseguiu chegar mais perto dele. Era bem possível que este se aproximasse a uma distância crítica, e o alcançasse num único salto. Joel procurou avaliar a distância que o separava do acampamento. Deviam ser uns quinze ou vinte quilômetros. Esforçara-se para locomover-se em linha reta, sempre que isso fosse possível, e o verme dera pelo menos uma dezena de saltos. “Não demorarei a chegar ao fim da área das colinas, e na planície não haverá nenhum lugar em que eu possa abrigar-me”, pensou. Chegara a hora de fazer alguma coisa. Levantou-se atrás de uma fileira de colinas e procurou localizar a sombra negra do monstro. Encontrou-a numa depressão ampla e pouco profunda, a uns duzentos metros de distância. Fez um disparo ligeiro contra a sombra e imediatamente procurou abrigo, apressando-se em afastar-se o mais possível na direção oeste. Desta vez o verme não saltou. Tudo permaneceu em silêncio. Joel parou no pé de uma coluna, procurou escutar por algum tempo e voltou para onde estava. O rotor zumbia. O silêncio era deprimente. O verme continuava deitado no mesmo lugar. Joel observou-o por algum tempo, para certificar-se de que estava vivo. Apesar da escuridão viu perfeitamente os ligeiros movimentos convulsivos da sombra. Era mesmo uma idéia esquisita. De que poderia ter morrido o monstro? Joel voltou a disparar, desta vez por mais tempo. Permanecia fiel à estratégia inicial de atirar e afastar-se o mais depressa que podia. Mais uma vez o verme não reagiu. Joel ficou perplexo. O que teria acontecido? Por que o monstro estava mudando de tática? Voltou e aplicou a terceira salva. Desta vez não se deu ao trabalho de retirar-se imediatamente. Abrigou-se atrás do topo da colina, mas logo voltou a aparecer, pois notou que o verme permanecia imóvel. Lentamente, metro após metro, Joel desceu pela encosta sul da colina, em direção à depressão em cujo interior a fera jazia praticamente imóvel. Queria ver de perto o que estava acontecendo. Sabia que se colocaria em situação perigosa, mas estava tão exaltado que não se importou com isso. Afinal tinha bastante mobilidade, mesmo em comparação com o monstro e seus saltos longos. Se necessário, poderia subir por meio do rotor e colocar-se numa posição segura. Parou a uns cinqüenta metros da montanha de carne que era o verme. A blindagem dura da fera, capaz de absorver energia, crepitava baixinho, enquanto os movimentos quase imperceptíveis do corpo faziam com que os anéis roçassem uns nos outros. O animal estava vivo; quanto a isso não havia a menor dúvida. Por que não reagia mais? Lentamente, como se não tivesse muita certeza do que estava fazendo, Joel levantou a arma. Achou que seria arriscado demais usar a lanterna. A cabeça esférica era apenas uma sombra apagada que se destacava lá em cima, no meio da escuridão. Teria de atingila, pois o verme nem sentiria o impacto do raio em outro lugar do corpo. Puxou o gatilho. O tiro produziu um chiado — e de repente Joel compreendeu que entrara numa armadilha...

A reação do verme foi mais rápida que de qualquer das vezes anteriores. Ouvido de perto, o ruído dos anéis blindados que roçavam uns nos outros pareciam tiros de fuzil. Joel atirou-se para o lado e regulou o rotor para potência máxima. Bem em cima dele um pequeno ponto luminoso branco surgiu em meio à escuridão. Parecia crescer enquanto caía sobre ele. Numa fração de segundo transformou-se numa esfera, num sol, numa torrente luminosa fulminante. A luz produziu um rugido ao atingir o solo. Um jato escaldante de ar, vindo de baixo, atingiu Joel e arrastou-o para o alto. Talvez fosse sua salvação, pois o raio energético do verme não passara a mais de três ou quatro metros dele. Joel deixou que a corrente de ar o arrastasse e, quando sua força diminuiu, concentrou toda a potência do rotor no movimento de subida. O verme podia saltar longe, mas não muito alto. Joel sabia que logo saltaria. O monstro ficara imóvel, à espera de que o inimigo se aproximasse o suficiente para poder ser eliminado com um único tiro energético. A armadilha se fechara, mas não prendera a vítima. O verme não desistiria. Saltaria. Não poderia agir de outra forma. Joel procurou calcular a distância. Encontrava-se cerca de vinte metros acima da cabeça do monstro, e uns setenta ou oitenta metros mais ao norte. Se o verme saltasse naquele momento, estaria exatamente no ponto mais alto de sua trajetória. Então o verme saltou! Joel estava tão preocupado com seus problemas, que nem teve tempo para observar a fera. Não viu quando a mesma se preparou para o salto, mais depressa do que fizera em qualquer das vezes anteriores. Mas ouviu o ruído rouco que o gigantesco corpo provocou durante o impulso, e viu a sombra do colosso aproximar-se em meio à noite. Fez um esforço desesperado para afastar-se da trajetória. Praguejou contra a lentidão do eixo do rotor e usou a força dos músculos para afastar-se de lado. Foi atingido pela tormenta. Turbilhonou na mesma. Em comparação com a força do vento, a força do rotor era como a pressão de um dedo contra uma chapa blindada. Joel viu as estrelas executarem uma dança louca em torno dele. Os contornos das colinas entravam em seu campo de visão ora de cima, ora de baixo, ora da direita, ora da esquerda. Começou a ficar tonto. Já não sabia onde estava. Aguardava a todo instante o impacto fulminante com que o corpo do verme o atingiria em pleno vôo. Mas não houve nenhum impacto. O rugido que o verme provocou ao concluir o vôo e tocar o solo fez estremecer o ar. A tormenta cessou tão repentinamente como havia começado. Joel Carso ficou espantado ao constatar que mais uma vez escapara ao desastre. Desta vez usou a lanterna para orientar-se. A rajada de vento devia tê-lo arrastado obliquamente para baixo, pois viu a menos de dez metros de distância o fundo da depressão da qual tentara fugir. O verme devia ter tocado o chão mais ao norte. Joel girou a lanterna e iluminou as colinas. Logo encontrou o que estava procurando. O verme estava encolhido no topo de uma colina, a uns cem metros de distância. Já descansava novamente sobre a parte traseira do tronco, e seu corpo fazia balanços rítmicos. Estava pronto para dar mais um salto. Desta vez a vítima estava ao seu alcance. Além disso estava abaixo dele e a luz forte da lanterna traía sua posição. Por uma fração de segundo Joel ficou incapaz de fazer qualquer movimento. Ficou paralisado de susto, a ponto de não saber o que fazer. De repente lembrou-se por que havia vindo. E lembrou-se do único meio que ainda podia salvá-lo. Venceu o pavor, pôs a mão no bolso e tirou um objeto oval, que trouxera

do acampamento. Gastou duas horas para avaliar a distância e o tempo de que ainda dispunha. Finalmente comprimiu o pequeno detonador e atirou o ovo para cima do verme. O rotor levou-o para o sul. Não tinha muita pressa. Agora, que chegara o momento crítico, de repente estava perfeitamente calmo. Não importava que nos poucos segundos que restavam, até o salto do verme, percorresse vinte ou trinta metros. Se o plano não funcionasse, de qualquer maneira estaria perdido. Uma luz vermelha surgiu ao pé da colina, no lugar em que atirara o ovo. Cresceu rapidamente, e sua cor passou do amarelo para o verde e depois para o branco-azulado. Uma bola de fogo, que irradiava um calor tremendo, foi crescendo sobre a terra e subiu para além do topo da colina. Joel ainda viu o verme impelir o corpo para a frente. Pôs as mãos na frente dos olhos, para protegê-los contra a luz ofuscante que saía da fogueira, e ficou espiando por entre os dedos. Viu o verme sair do fogo. O salto fora dado sem muita força e mal chegou a dezessete metros. Até parecia que no último instante o animal resolvera outra coisa. Virou a cabeça logo após o impacto e rastejou, o mais depressa que pôde, em direção à bola de fogo saída da explosão. O ar aquecido vindo da colina começou a espalhar-se. Tangia Joel à sua frente. A única coisa que este teve de fazer foi regular a altitude por meio do rotor. O calor que o cercava quase o impedia de respirar. Viu o monstro desaparecer no círculo luminoso da explosão. O ovo não passava de uma bomba nuclear de detonação lenta. Era uma câmara de fusão que, nas próximas vinte horas, receberia constantemente combustível novo, a fim de manter a explosão em atividade. Durante vinte horas a bomba produziria quantidades enormes de energia e as irradiaria para todos os lados, e o verme se regalaria num banho energético muito diferente dos que já tinha tomado. Joel soltou um suspiro de alívio. A movimentação do ar quente cresceu, transformando-se numa tempestade. Joel pôde dedicar sua atenção exclusivamente às manobras do rotor. A atenção do verme fora atraída por outra coisa. Por um bom tempo não representaria perigo para ninguém. Joel procurou orientar-se. Depois de sair do acampamento, voara para o oeste. Não tivera tempo de consultar demoradamente a bússola. Mas se seguisse para o leste haveria de encontrar seu caminho. Perguntou a si mesmo o que teria sido feito dos outros. Lembrou-se de que deixara de cumprir suas próprias ordens, pois não ligara seu transmissor e receptor de pulso. *** Uma série de vozes confusas saiu do receptor. A preocupação com os outros membros do grupo caiu de cima de Joel como uma carga pesada, cuja pressão só começara a sentir nos últimos minutos. Não entendia as palavras. Isso significava que estavam conversando sem auxílio dos rádios de pulso. Tinham-se reunido de novo assim que passou o perigo. De repente uma voz destacou-se em meio à confusão e pôde ser ouvida com toda nitidez. — Vamos com calma — disse alguém, que devia ser Joey Peters. — Três homens estão desaparecidos: o comandante, um dos Jorgens e Harney Creeser. Provavelmente morreram. Joel sorriu. Joey iria arregalar os olhos de espanto quando o visse.

— Ouvi Harney gritar enquanto estava fugindo de alguma coisa — disse a voz de Barbara Spencer. — Deve ter enlouquecido. Joel encostou o receptor ao ouvido. Outra voz, mais abafada, acrescentou: — Eric e Carso ficaram para trás. Provavelmente pretendiam ajudar Creeser. E ali deve ter acontecido. A pessoa que falava concluiu em tom de perplexidade, com a voz quase incompreensível. — A propósito, eu sou Fran. Agora pelo menos não haverá mais essa confusão. Joel engoliu em seco. Sabia que um dos dois Jorgens fora morto pelo verme. Os dois gritos sucessivos que ouvira ao sul do acampamento, quando a fera queria pegar Harney Creeser, falavam por si. Uma pessoa atacada pelo verme não gritava mais de uma vez. Joey Peters parecia realizar uma verdadeira conferência de estado-maior. As vozes já eram mais nítidas. Ao que parecia, cada um tinha de pedir a palavra para falar. Não havia mais o murmúrio nos fundos. — O que vem a ser este cogumelo de fogo no leste? — perguntou alguém que, segundo acreditava Joel, devia ser Nino Lamarre. — Por que esse monstro saiu saltando para o leste? — acrescentou uma suave voz feminina. — Ora essa, não sei de nada! — gritou Joey, muito nervoso. — Vamos voltar ao acampamento. Parece que o perigo já passou. Distribuiremos sentinelas e esperaremos até amanhã de manhã. Depois que ficar claro poderemos dar uma olhada por aí. Além disso precisamos entrar em contato com a Carol-D. Se o Capitão Carso faltar, o Tenente Poppa deverá assumir o comando por aqui. Joel admirou seu gênio enérgico. Era possível que no fundo Joey não se importasse muito com sua morte, mas sem dúvida não se sentia muito à vontade no papel de comandante. Porém não deixava perceber nada. Dava ordens claras e razoáveis e ninguém parecia contraditá-lo. Joey Peters acabara de vencer o primeiro round. Nem sequer se esqueceu do dever que tinha para com aqueles que, segundo acreditava, estavam mortos. Depois de alguns minutos de silêncio profundo, sua voz voltou a sair do receptor: — Aqui fala Joey Peters. Estou chamando o Capitão Carso, o Dr. Creeser e o Dr. Eric Jorgens. Favor responder. Joel sabia que nunca conseguiria voltar ao acampamento se não houvesse alguém que lhe desse sinais ininterruptamente, para que pudesse orientar sua antena goniométrica. Por isso encostou o microfone à boca e disse: — Estou aqui, Joey. Joel Carso anunciando seu regresso. Transmita o sinal, meu velho, para que eu possa encontrar o caminho. Seguiram-se alguns segundos de silêncio, após o que Joey Peter deu um grito de júbilo, que quase arrebentou os tímpanos de Joel. *** Levaram quatro horas para conduzi-lo de volta ao acampamento. Já era quase dia. Quando Joel voltou a pôr os pés no chão, no meio do círculo de barracas, o sol já ia subindo acima das colinas. Ninguém tinha dormido. A excitação das últimas horas e o medo de perder as novidades que Joel teria de contar mantiveram todo mundo acordado.

A equipe que Joel encontrou foi bem diferente daquela que guardara na lembrança. Faltavam mais dois homens: Eric Jorgens e Harney Creeser. Já haviam perdido um total de três homens desde o momento em que puseram os pés em Zanmalon. Mas não foi a perda dos três homens e o aspecto cansado e pálido do restante do grupo que despertou a atenção de Joel, pois ele já esperava por isso; foi a capacidade de resistência daqueles cientistas obstinados e arrogantes que se desmoronara. Eles, que se julgavam os donos do Universo porque acreditavam poder enfrentar as coisas mais terríveis com seus conhecimentos, haviam capitulado diante das coisas medonhas com que se depararam em Zanmalon. Joey Peters foi ao encontro de Joel e apresentou seu relatório de forma quase militar. — Todos presentes — disse — com exceção de Creeser e Eric Jorgens. O verme desapareceu. Joel tirou o rotor, colocou-o cuidadosamente no chão e deixou-se cair. — Será que alguém tem uma xícara de café para mim? — perguntou. Barbara Spencer logo saiu andando. — O café ficará pronto dentro de dois minutos — disse, falando por cima do ombro. Joel estava tão cansado que nem conseguiu surpreender-se. Fran Jorgens aproximou-se e agachou-se a seu lado. Joel fitou-o com uma expressão de surpresa. O rosto de Fran irradiava alegria. Parecia descontraído. Joel perguntou a si mesmo se entre os dois gêmeos talvez teria existido uma inimizade secreta, da qual Fran se sentia libertado. Nunca tivera essa impressão. Mas quem saberia julgar o que se passa com dois homens, tão estreitamente ligados por todos os laços imagináveis criados pela natureza e pela civilização? — O que sabe a respeito de Eric, capitão? — perguntou Fran. Joel fez seu relato. — Não quis dar atenção ao que eu lhe dizia — concluiu. — Quando se afastou, tive a impressão de que pretendia ir a um lugar mais seguro. Mas deve ter voado atrás de Creeser. Provavelmente o verme o agarrou depois do salto. Fran acenou com a cabeça. Parecia pensativo e havia um sorriso ligeiro em seus lábios. — É, isso costuma acontecer às vezes — disse em tom indiferente. Depois levantou-se e foi embora. Jaycie Ridell saiu de sua barraca. — É possível que depois do café queira comer alguma coisa — disse com a timidez de quem fez algo de errado. — Eu lhe preparei um pouco de comida. Entregou a Joel um prato quadrado de papelão no qual havia arrumado biscoitos com lingüiça de lata. Joel pegou o prato e sorriu para a moça. — Obrigado, Jaycie. A esta hora já estou com fome. Pegou um biscoito e enfiou-o na boca. Barbara trouxe um bule de café e encheu um caneco. Ajoelhou-se a seu lado e deu-lhe o caneco. — Tome — disse em tom amável. — Isso o ajudará a pôr-se de pé. Joel tomou um gole de café e respondeu: — Obrigado, mas não quero nada disso. No chão é muito melhor. — Ouvi o grito de Harney — disse Barbara apressadamente e em voz baixa, como se fizesse questão de que ninguém mais a ouvisse. — Já sei que era um covarde; sempre foi. O senhor teve razão desde o início. Inclinou a cabeça de lado e sorriu. — Pode me perdoar?

Joel não gostou do olhar que ela lhe lançou. — Bem — respondeu com a boca cheia — não se deve falar mal dos mortos. Havia gente pior que Harney. Até para fugir precisa-se de um pouco de coragem. Apesar do esforço que isso lhe custou, levantou-se e foi até a barraca. — Muito obrigado pelo café — disse por cima do ombro. Barbara seguiu-o com os olhos. O sorriso encantador que havia em seu rosto congelou, transformando-se numa careta. *** Depois do lanche Joel sentiu-se bastante forte para informar os membros do grupo sobre a aventura que tivera com o verme. Teve o cuidado de fazer com que o relato parecesse otimista. — Daqui em diante tudo dependerá de que continuemos juntos — disse. — Precisamos ficar com os olhos e os ouvidos bem abertos e, o que é mais importante, não podemos permitir-nos outras brincadeiras. Notaremos em tempo qualquer verme que se aproxime, e dispomos de uma quantidade de cápsulas de detonação lenta, que nos permitirá manter ocupado tudo quanto é monstro que se encontre em Zanmalon. Depois disso expôs seus planos para o futuro imediato. Precisavam encontrar a caverna em que a equipe da Explorer-3218 havia descoberto aquela estranha máquina. Além disso tinham de desprender pequenas porções da massa de molkex e enviar as amostras à Carol-D por meio de foguetes. Joel demonstrou muita confiança de que, durante esses trabalhos, ainda surgissem e fossem solucionados mais alguns problemas. Mandou que o acampamento ficasse em repouso por algumas horas e distribuiu as sentinelas em turnos horários. Assumiu o terceiro turno. Teve duas horas de sono tranqüilo e profundo. A primeira coisa que viu, quando Nino Lamarre o acordou, foi a coluna de fumaça e de vapores que a bomba por ele largada lançava para o alto bem a oeste. A coluna ainda se mantinha imóvel sob o céu azul, e Joel fazia votos ardentes de que o verme também continuasse no mesmo lugar. Nino Lamarre não foi dormir logo. Seguiu Joel quando o mesmo fez uma ronda em torno do acampamento. — Tudo calmo, Joel — observou em tom indiferente, apenas para dizer alguma coisa. — Gosto de ouvir isso — respondeu Carso e acenou com a cabeça. Sabia que Nino queria dizer alguma coisa, mas preferia que ele o fizesse por iniciativa própria, sem que ninguém o ajudasse. Continuou andando, com Nino atrás dele. — Será que por aqui existem muitos vermes desse tipo? Joel hesitou. — A ciência dos gafanhotos córneos e dos vermes do pavor ainda se encontra no estágio inicial, doutor — respondeu. — Ainda não se pode fazer prognósticos. — Ah, é? — fez Nino e voltou a ficar quieto por algum tempo. Depois de algum tempo ele mesmo devia achar que estava fazendo um papel muito esquisito. Deu dois passos rápidos em direção a Joel e disse: — Ontem de noite agimos que nem uns estúpidos, capitão. Da minha parte reconheço isso e quero pedir desculpas. Joel parou e encarou-o. — Somos todos adultos e não pertencemos à classe dos ignorantes, Nino — respondeu em tom sério. — Cada pessoa tem direito de ter sua opinião. No fundo o

senhor não fez nada de errado e não precisa pedir desculpas. De qualquer maneira, ficolhe muito grato, pois vejo que quer facilitar meu trabalho no futuro. Ofereceu a mão a Nino, e este apertou-a. Estava radiante. Até parecia que alguém acabara de dar-lhe um presente valiosíssimo. Depois de algum tempo afastou-se em direção à barraca, sem dizer uma palavra. Durante o tempo em que Joel ficou de sentinela não houve nenhum incidente. Joel teve tempo para transmitir um relatório minucioso dos acontecimentos ao Tenente Poppa, que se encontrava a bordo da Carol-D. A mensagem foi condensada pelo transmissor de códigos e transmitida num impulso de pouco mais de um microssegundo. Joel esperava que a transmissão fosse suficientemente curta, para evitar que outros monstros localizassem o acampamento. Notou que Fran Jorgens, que ficaria de sentinela depois dele, levantou-se vinte minutos antes da hora. Esperara que todos estivessem dormindo profundamente. Mas no fundo ficou satisfeito. Fran sentou a seu lado e ficaram conversando por algum tempo sobre os vermes do pavor e sua invulnerabilidade. Fran continuava tão alegre como estivera na manhã daquele dia. Até parecia que nunca tivera um irmão que fora morto na noite anterior. Joel agüentou até que sua hora terminasse. Depois disso entrou na barraca, esticouse e procurou dormir. As duas horas de sono que já tivera não tinham sido suficientes para apagar os sinais das canseiras da noite anterior. Por sentir-se todo moído deveria adormecer, via de regra, imediatamente. Porém, uma preocupação estranha e angustiante mantinha-o acordado. Procurou avaliar a situação em que se encontrava a expedição e ele mesmo. Teve a impressão de que estava completando um quadro cujo pintor cometera algum erro. Era um erro insignificante, escondido atrás do cenário principal, mas incomodava a vista sem que o apreciador se desse conta disso. Joel não conseguiu descobrir o erro. Consolou-se com a idéia de que de tarde encontrariam a caverna e talvez já disparariam as primeiras amostras de molkex para a Carol-D. No fundo Harney Creeser tivera razão. Não havia nada que os obrigasse a ficar muito tempo em Zanmalon. Apenas precisavam de um pouco de sorte. Tinham de encontrar um lugar em que a massa de molkex fosse bastante fina, para ser arrancada por meio de forças mecânicas. Precisavam também de uma indicação sobre a situação da caverna e de uma entrada aberta que desse para a mesma. “Seria muita sorte de uma só vez”, pensou Joel. Deu-se conta de que se entregava a ilusões, em vez de refletir como um comandante responsável sobre o êxito da expedição. As amostras de molkex, a caverna e a inspeção da misteriosa mecânica ainda não representariam a solução do enigma de Zanmalon. Tornava-se necessário esclarecer a questão da origem dos vermes do pavor. A equipe da Explorer-3218 tinha certeza de que, quando desceu no planeta, não havia vermes vivos. Haviam encontrado apenas a casca de um monstro morto, além de um depósito de objetos em forma de cápsula, que a um exame mais detido foram reconhecidas como ovos. Desses ovos saíram gafanhotos córneos. E assim começou a invasão dos gafanhotos em Zanmalon. Agora, quatro meses depois, já não havia mais gafanhotos córneos por ali — ou melhor, havia apenas uns poucos, totalmente exaustos, que se arrastavam penosamente pela superfície do planeta. Em Zanmalon não havia mais alimento para os vorazes animaizinhos. Depois que os seres de sua espécie haviam devorado toda a superfície do planeta, só poderiam esperar a morte. O que vinha depois dos gafanhotos córneos?...

A idéia de que uma espécie animal cumprisse seu ciclo de vida, devorando um planeta e cobrindo-o com uma estranha camada transparente, contrariava toda lógica biológica. Aquilo devia ter uma finalidade. Joel pensou que naqueles dias Zanmalon talvez se encontrasse numa fase de transição. Transição para quê? Era ali que estava o problema. O verme do pavor que se deleitava lá no oeste, em seu banho energético, não parecia ser um velho remanescente de sua espécie. Naturalmente era difícil julgar o comportamento de um animal desse tipo, mas Joel tinha a impressão de que aquela fera era jovem e bastante ativa. Onde estaria a resposta? Será que os vermes do pavor vinham depois dos gafanhotos córneos? Ou será que os vermes do pavor por seu lado faziam com que os gafanhotos córneos voltassem a aparecer? Não, desse jeito a conta não fechava. Em Zanmalon já não havia lugar para outra invasão de gafanhotos córneos. Não encontrariam alimento. O trecho seguinte da sinfonia louca que estava sendo executada em Zanmalon devia ser procurado em outro lugar. Os pensamentos de Joel voltaram a ocupar-se com os membros de seu grupo, com as seis pessoas que restavam além dele. Voltou a sentir-se preocupado. Parecia ter certeza de que havia algo errado. Mas não conseguiu encontrar a idéia que pudesse lançar uma luz em seu subconsciente. Finalmente o sono veio. Adormeceu com a idéia confusa de que alguma desgraça estava para acontecer...

5 Já passava do meio-dia quando Joel Carso se pôs a caminho juntamente com os outros. Joey Peters ficou no acampamento. Cabia-lhe avisar imediatamente caso um verme do pavor se aproximasse do lugar, e depois disso colocar-se em segurança. Joel levava três bombas de detonação lenta. Esperava conseguir chegar em tempo, se houvesse outro alarma, e desviar o ataque como fizera da vez anterior. No oeste a coluna de fumaça continuava a subir, anunciando que a explosão prosseguia livremente. Pelos cálculos de Joel, a bomba levaria mais sete ou oito horas para queimar-se de vez. De início Joel seguiu propositadamente para o norte, isto é, na direção da qual tinha vindo o verme do pavor. Talvez por lá encontrassem alguma indicação sobre sua origem. Talvez o monstro tivesse saído da estranha caverna, que parecia ser o centro em torno do qual girava todo o mistério de Zanmalon. Seus aparelhos zumbiam, enquanto passavam a pequena altura sobre as colinas. O aspecto da paisagem era sempre o mesmo: resumia-se à terra morta de cor vermelhoferrugem sob a camada reluzente de molkex. Barbara Spencer colocou-se ao lado de Joel, a fim de poder conversar com o mesmo. — Gostaria de saber — principiou — o que foi feito das plantas que cresciam aqui. Não — acrescentou em tom apressado — não quero uma resposta superficial. Naturalmente foram devoradas pelos gafanhotos córneos. Acontece que estes também desapareceram. Desmancharam-se e formaram essa camada brilhante. Já pensou na quantidade enorme de energia química que deve estar concentrada na vegetação de um planeta? Joel abanou a cabeça. Sabia onde Barbara queria chegar. — É claro que uma fração da mesma foi consumida nas funções orgânicas dos gafanhotos — prosseguiu Barbara. — O processo de transformação de cada animal, numa poça de molkex, deve ter custado uma boa porção de energia. Mas a maior parte deve estar encerrada na camada de molkex. Cada metro quadrado desse material deve conter uma quantidade de energia suficiente para a fabricação de uma bomba de grande poder explosivo. Jaycie Ridell, que ouvira a exposição de parte da hipótese, aproximou-se de Joel, vindo do outro lado. “Naturalmente estamos precisando de uma física”, pensou Joel, “mas se Nino vir isto, deixará de lado suas boas intenções”. Os três homens, ou seja, Fran Jorgens, Pitter e Nino Lamarre formavam um pequeno grupo, que voava a uns cinqüenta metros atrás das pessoas envolvidas na discussão. — Já andei pensando nisso, Barbara — disse Jaycie. — O elevado conteúdo energético do molkex não significa necessariamente que o mesmo seja uma substância instável. — Acho que como bióloga não entendo muito da estrutura da matéria — disse Barbara. — Mas sei que, quanto menor o conteúdo energético de uma estrutura, maior é sua estabilidade. — É verdade — confirmou Jaycie. — Mas não devemos esquecer que o molkex não é matéria, na acepção comum do termo. Sua estrutura cristalina, ou seja lá o que for que

ocupa o lugar da mesma, é totalmente estranha. A ligação entre as moléculas deve ser milhares de vezes mais forte que em qualquer substância conhecida. Não podemos rompê-la com os meios conhecidos. Na minha opinião trata-se de uma classe de matéria inteiramente nova. Pode ser criada a partir da matéria que já conhecemos, por meio da absorção de quantidades enormes de energia, mas dentro de sua classe volta a formar uma estrutura estável, porque... Hesitou um pouco, como se acabasse de ter uma idéia. — Isso mesmo! A energia interna de qualquer substância atinge, quando a temperatura chega ao zero absoluto, um valor correspondente ao ponto zero, resultante da relação einsteiniana entre a massa e a energia. Em todos os tipos de matéria que conhecemos, esse valor do ponto zero corresponde a vinte e cinco bilhões de quilowattshora por grama. Trata-se, por assim dizer, de uma constante natural. No molkex e nas classes de matéria aparentadas ao mesmo o valor correspondente ao ponto zero apenas é mais elevado, umas mil vezes mais elevado. Ali está a solução do enigma. Com a absorção de quantidades suficientes de energia a matéria comum transforma-se nesta... nesta hipermatéria, que é estável, porque sua energia de ponto zero é muito mais elevada que a das substâncias conhecidas. Joel lançou um olhar indagador para Barbara. — A hipótese parece bastante razoável para servir de base a trabalhos subseqüentes — disse Barbara. — Se realmente é assim, então estamos numa pista bem quente. Joel tinha conhecimentos suficientes de ciências naturais para acompanhar o raciocínio de Jaycie. Se a suposição da mesma fosse correta, o molkex seria um tipo de matéria que se distingue da matéria comum, pelo fato de possuir um conteúdo energético básico muito superior ao que resultaria da relação einsteiniana. Joel prosseguiu no seu raciocínio. A reconversão de uma porção mínima desta matéria especial em matéria comum libertaria um volume tremendo de energia. Finalmente surpreendeu-se com a idéia de que alguma inteligência desconhecida estaria usando os gafanhotos córneos e os vermes do pavor para produzir o molkex, da mesma forma que os fazendeiros da Terra cultivam os cereais e o tabaco. Logo abandonou a idéia, que lhe pareceu absurda. Jaycie e Barbara estavam envolvidas numa discussão, que Joel não podia acompanhar por não possuir os conhecimentos necessários. Ficou atrás das duas, para que Nino, Pitter e Fran pudessem alcançá-lo. Quando se encontrava a meio caminho entre os dois grupos, ouviu Nino gritar: — Olhem esse buraco! Até parece a entrada duma mina! *** “Encontramos a caverna!” Foi a primeira idéia que veio à mente de Joel. Mas logo mudou de opinião. O buraco descoberto por Nino ficava na depressão situada entre duas colinas, enquanto a entrada da caverna só poderia ficar no flanco de uma colina. Além disso a entrada da caverna prosseguia mais ou menos na horizontal, enquanto o buraco que se via lá embaixo descia na vertical. Joel chegou à conclusão de que se tornava necessário examinar o buraco. Desceram e colocaram-se em torno da abertura. A mesma era aproximadamente circular, embora nos detalhes o traçado fosse irregular e anguloso. O diâmetro médio era de treze ou quatorze metros. Joel dirigiu o feixe de luz de sua lanterna para baixo e viu que o buraco avançava uns trinta metros solo adentro. As paredes do poço e o fundo também estavam cobertos por uma camada de molkex. Parecia que a terra acumulada junto ao buraco fora

retirada há pouco tempo. Joel tinha certeza de que a estranha galeria só surgira depois da partida da Explorer-3218. — Alguém tem uma idéia do que possa ser isto? — perguntou. Todos fizeram que não. — Nesse caso alguém tem que descer — decidiu. — É preferível que eu mesmo faça isto. Nino, assuma enquanto eu estiver lá embaixo. Joel ligou o rotor, levantou-se do solo e ultrapassou a borda do buraco. Colocou-se no centro do mesmo. Levou alguns segundos examinando com a lanterna a escuridão do abismo que se abria embaixo dele. Finalmente desceu muito devagar. Teve uma decepção: não encontrou nada de especial. As paredes do poço eram lisas e não havia nenhuma falha na camada de molkex que as cobria. Atrás do revestimento via-se a terra morta de cor vermelho-ferrugem. Era um buraco igual a qualquer outro. Talvez sua origem não tivesse nenhuma relação com os gafanhotos córneos. Poderia perfeitamente ter surgido em virtude de um processo totalmente diferente. Joel pousou no fundo do poço. Desligou o rotor e usou a lanterna para olhar em torno. Tinha certeza de que não encontraria nada, mas resolveu examinar cada centímetro quadrado das paredes e do fundo do poço. Não se apressou. Lá em cima Nino lhe garantia constantemente que na superfície estava tudo calmo. Não havia motivo para pressa. Uma pedra de formato estranho, que causou uma pequena saliência na superfície, despertou a atenção de Joel. Tinha o formato de uma pirâmide irregular e sobressaía cerca de um palmo do nível do fundo do poço. Sua ponta era cor de ferrugem que nem as paredes da galeria, mas a base da pirâmide era feita de rocha cinzenta, igual a qualquer outra. Joel observou a estranha figura. Uma idéia começou a surgir em seu cérebro. Na ponta da pirâmide havia algum minério. Já a base era feita de rocha comum. A cor de ferrugem representava um indício da presença de óxido de ferro. E a intensidade da coloração parecia indicar que o minério que existira ali era de uma riqueza extraordinária. E o minério? Para onde teria sido levado? Joel desejava do fundo do coração que Harney Creeser estivesse a seu lado. Creeser era geólogo. Levaria apenas alguns minutos para formular um diagnóstico preciso, enquanto Joel só podia fazer conjeturas. Continuou a investigar. Já sabia o que devia procurar, e por isso descobriu outros remanescentes de minério. Interessou-se principalmente pelas paredes do poço. Constatou que a camada marrom de óxido de ferro era finíssima. Em muitos lugares sobressaía a terra cinzenta que se escondia embaixo da mesma. Até parecia que alguém retirara às pressas o minério, deixando para trás o buraco. Joel voltou a subir. Estava pensativo. Durante a subida lembrou-se daquilo que aprendera a respeito dos gafanhotos córneos. Eram animais onívoros — devoravam tudo, e isso não apenas no sentido biológico, mas também no sentido físico. Já haviam sido vistos devorando pedras. Era claro que seu sistema metabólico não funcionava segundo os princípios da Galato-biologia. Joel chegou à conclusão de que este fato, conjugado com a retirada apressada do minério, formava um quadro desalentador. De repente teve pressa. Disparou acima da entrada do poço, dobrou o eixo do rotor e atingiu o solo entre Nino Lamarre e Jaycie Ridell. Relatou o que acabara de ver e expôs as conclusões a que chegara. Pitter Laurensen o contradisse imediatamente.

— O que quer dizer com isso? — perguntou. — Acredita que em nosso Universo existam seres, seres materiais, que são capazes de transformar qualquer tipo de matéria em energia orgânica? — Se tiver uma explicação melhor para o fato de que os gafanhotos córneos devoram tudo, faça o favor de falar — disse Joel em tom contrariado. Os outros mantiveram-se em silêncio. Foi só por acaso que Joel olhou para Jaycie Ridell. Notou que estava olhando para os lados. — Se não têm nada a dizer — principiou ela — quero ressaltar que, com a descoberta do Capitão Carso, o problema adquire uma feição inteiramente nova. Todos olharam para ela. — O ferro — prosseguiu Jaycie imediatamente — é uma das substâncias mais estáveis que existem neste mundo. Se colocarmos a energia central por núcleo sobre o número de ordem que cada elemento ocupa na classificação periódica, veremos que nas proximidades do ferro e do cobalto a curva atinge um ponto máximo. Se os gafanhotos córneos que, conforme sabemos, são capazes de aproveitar todas as espécies de matéria, apenas absorveram o minério de ferro, deixando intocada a rocha circundante, dali só podemos concluir que esses animais têm uma predileção toda especial por esse tipo de alimento, que para eles representa um prato muito saboroso. Jaycie falara fluentemente e com certo entusiasmo. Joel fitou-a com uma expressão de espanto. Os olhos de Jaycie brilhavam e sua atitude revelava uma autoconfiança que até então ninguém vira nela. — A senhora está tirando uma conclusão arriscada, baseada apenas nos resultados de uma observação isolada — observou Pitter Laurensen depois de ligeira hesitação. — Como poderiam os gafanhotos córneos conhecer o grau de estabilidade nuclear do ferro? — Como é que um esquilo sabe que as nozes contêm as vitaminas de que seu organismo precisa, e a carne não? Para isso não precisa de conhecimentos profundos de química orgânica. Pitter estreitou ainda mais os lábios e ficou quieto. Por algum motivo que Joel não conhecia, a exposição de Jaycie parecia causar uma surpresa enorme a Barbara e Nino. Fran Jorgens continuava com o mesmo sorriso que se via em seu rosto depois da morte do irmão. — Quer dizer... — começou a gaguejar Barbara — ...que em sua opinião o metabolismo dos gafanhotos córneos não se realiza nem por meio de um processo químico? De repente Jaycie parecia a mulher mais segura deste mundo. — Acho que isso é evidente, não é mesmo? — Quer dizer... que a senhora acredita... Jaycie veio em seu auxílio. — Isso mesmo. Tenho certeza de que os gafanhotos córneos obtêm a energia de que precisam dos núcleos atômicos, e não do envoltório de elétrons. Joel dirigiu-lhe a palavra. — Um momento. Isso traz conseqüências mais profundas para nós? Jaycie estava radiante. — Um dos meus professores costumava dizer que a Química é a ciência do volt eletrônico, enquanto a Física Nuclear é a ciência do volt megaeletrônico. — Está bem — disse Joel. — E daí?

— O senhor deve estar lembrado de que há pouco falamos no conteúdo energético da camada de molkex. Manifestamos a suposição de que a substância incorporou a maior parte da energia química, que antes estava contida nas plantas de Zanmalon. — Isso mesmo — disse Joel. — Pois temos de retificar nossos cálculos. Se o metabolismo dos gafanhotos córneos atinge o núcleo dos átomos, a energia do ponto zero dessa hipermatéria será um milhão de vezes maior do que acreditávamos. Os pensamentos de Joel começaram a confundir-se. Jaycie notou sua perplexidade e completou: — Talvez exista um processo que volte a transformar a camada de molkex em matéria normal, não é mesmo? Esse processo libertaria toda a energia armazenada no molkex. Joel fez que sim com a cabeça. A terrível idéia começou a surgir em sua mente. — Portanto — concluiu Jaycie — encontramo-nos sobre uma bomba atômica em potência com as dimensões de um planeta. *** “Não existe nenhum motivo para acreditar que a hipermatéria forçosamente terá de ser reconvertida”, refletiu Joel. “Os gafanhotos córneos fizeram seus estragos em muitos mundos, e por enquanto não se tem conhecimento de qualquer explosão planetária.” Aos poucos foi-se recuperando do susto que Jaycie lhe metera. Depois achou conveniente abandonar o mais cedo possível o lugar em que acabara de adquirir as novas idéias. Prosseguiram para o norte. Joey Peters, que continuava no acampamento, informou que tudo estava em ordem. Ainda se via o cogumelo de fumaça no oeste. As circunstâncias externas não poderiam ser mais favoráveis para uma tarefa desse tipo. Apesar disso Joel sentiu-se deprimido. Alguma coisa o afligia. Era o prenúncio vago de que as coisas não continuariam tão calmas como estavam. A superfície reluzente espalhava um calor sufocante. O sol dardejava seus raios a toda força. Até parecia que queria devolver a Zanmalon tudo aquilo que os gafanhotos córneos haviam tirado do planeta. Para o norte o terreno ia baixando. As colinas transformaram-se em elevações suaves em meio a uma planície ampla, na qual por certo já houvera grama e árvores. Joel mandou que o grupo esperasse, enquanto subia com o autogiro a quinhentos metros de altura, a fim de examinar o terreno na direção norte. Queria saber se valia a pena avançar para lá. Tinha certeza de que nessa direção não encontrariam a caverna, pois a mesma só podia ficar entre as colinas. Mas não apreciaria menos um lugar em que a camada de molkex apresentasse uma falha que lhes permitisse colher amostras. Viu no horizonte uma área cuja coloração era mais escura que o resto do terreno. Subiu a seiscentos metros e viu que a mancha escura era cercada de todos os lados por um solo mais claro. Parecia uma mancha numa toalha branca. Joel chegou à conclusão de que o fato justificava um vôo para o norte. Desceu para junto dos companheiros. Seu relatório lacônico não despertou muito interesse. Quase todos estavam cansados de calor e, apesar de todo o interesse científico, só pensavam em voltar ao acampamento. Jaycie Ridell foi a única que se entusiasmou.

— É possível que descubramos outro poço — disse de si para si. — Quem sabe se os gafanhotos córneos não descobriram outra comida gostosa que não seja ferro? Talvez surjam outros elementos que nos permitam elaborar uma hipótese detalhada sobre o metabolismo desses animais. Joel fitou-a atentamente. Estava pendurada obliquamente acima dele. Seus olhos brilhavam. Joel gostaria de dizer alguma coisa, tinha vontade de fazer uma observação gentil. Mas diante de tamanha euforia não encontrou as palavras adequadas. — Talvez a senhora tenha razão, Jaycie — respondeu. Pôs-se em movimento. O grupo seguiu-o preguiçosamente. Jaycie foi a única que se esforçou para ficar perto dele. — O cobalto representaria outra indicação — disse, entusiasmada. — Mas é possível que tenhamos tido muita pressa em tirar nossas conclusões, deixando de lado certos aspectos importantes. E possível, por exemplo, que para esses animais os elementos pesados também sejam uma comida bastante saborosa, por causa da radiatividade. Logo se corrigiu. — Não, isso não faz sentido. Joel deixou que tagarelasse à vontade. Tinha uma voz simpática, e às vezes Joel se surpreendia ao notar que prestava atenção à sua fala, apenas para deleitar-se com o timbre da mesma. Isso o deixou preocupado. Procurou analisar seus sentimentos diante de Jaycie. Mas como tivesse que dedicar sua atenção quase exclusivamente à mancha escura que via no solo, não chegou a qualquer resultado. Eles estavam a uns quinhentos metros da mancha escura. Viram que no lugar em que ficava a mesma havia uma depressão em forma de bacia. Era redonda e seu diâmetro na parte superior era de aproximadamente cem metros. Mas não foi isso que despertou a atenção de Joel. O mesmo notou que, nas proximidades da depressão, havia alguns furos em meio à cintilância que nos outros lugares cobria toda a superfície. Descobriu um desses furos bem embaixo dele e deixou-se cair. Sua idéia inicial parecia tão emocionante e surpreendente que preferiu examiná-la imediatamente. Apesar de incrível, a idéia era correta. Em torno da depressão a camada de molkex se rompera em centenas de pontos, pondo a nu o solo. *** Joel logo percebeu que isso era muito importante, por dois motivos. Com os instrumentos de que dispunham seria inútil tentar recortar amostras de uma superfície de molkex intacta. Mas uma camada rompida era menos estável e mais fácil de ser atacada. Havia outro detalhe. A depressão surgida no meio da planície apresentava um aspecto estranho. E o fato de que, justamente em torno da mesma, a camada de molkex apresentava falhas tornava-a ainda mais suspeita. Joel tinha certeza de que naquele buraco estava escondida alguma coisa. E, como dificilmente haveria um segredo agradável em Zanmalon, recomendou a maior cautela aos companheiros. Estes já haviam descido para onde estava ele. Ficaram parados junto a uma das falhas da camada vitrificada e admiraram a maravilha. Na verdade Jaycie, que teve seu entusiasmo despertado de repente, não se satisfez com a contemplação. Usou o rotor para ir de furo em furo. Aproximou-se da borda da depressão, contra a qual Joel Carso acabara de adverti-la. Finalmente Joel viu-se obrigado a chamá-la de volta. Ela obedeceu imediatamente, mas, quando parou ao lado de Joel, seu rosto estava rubro de excitação.

— Se quer saber minha opinião — disse apressadamente — a pouco esta camada de molkex ainda era líquida e correu para dentro do buraco. Joel espantou-se. — Por que pensa assim? — perguntou. — Lá adiante os furos da camada vitrificado ficam cada vez maiores e mais numerosos — respondeu Jaycie e estendeu o braço para indicar a direção. — O chão é levemente inclinado. As manchas de molkex que ficaram nele são mais grossas na parte dianteira, enquanto que na parte traseira se achatam em direção ao solo. Têm o formato de pingos endurecidos. A perspectiva de encontrar um vestígio de molkex líquido era emocionante. Joel esteve prestes a atender ao gesto convidativo de Jaycie e fazer um exame no lugar. No último instante lembrou-se de que, além de emocionante, a missão também era perigosa. Mandou que os outros continuassem onde estavam e pediu a Jaycie que lhe mostrasse o que havia despertado sua atenção. Jaycie voou à frente. Seguiram rente ao chão e pousaram a uns oitenta metros do grupo que se mantinha à espera. Jaycie não precisou dizer mais nada. Joel compreendeu e notou que sua descrição era correta. As manchas de molkex pareciam pingos de água grudados a uma bacia engordurada. Alguma coisa os fizera endurecer antes que pudessem escorrer para o fundo da bacia. Joel abaixou-se e apalpou a massa vitrificada. Era dura como nos outros lugares. Não havia nada que revelasse o motivo por que o molkex escorrera e voltara a endurecer. Só tinha certeza de uma coisa: o molkex que existira por ali tinha corrido para o fundo da bacia, onde devia alcançar uma altura de dez metros ou mais. Joel voltou a erguer-se. — Não estou gostando, Jaycie — disse. Jaycie não respondeu. Joel teve a impressão de que alguma coisa em seu interior o prevenia. Procurava chamar sua atenção para algum perigo. Esse perigo vinha da bacia, cujo interior não via do lugar em que se encontrava. Resolveu sobrevoar a estranha depressão a pouca altura, a fim de ter uma idéia mais precisa. Quis explicar a Jaycie que a mesma devia voltar para junto dos outros e esperá-lo. Mas, antes que conseguisse proferir uma palavra, o chão começou a tremer e um estranho gemido saiu da depressão. — Vamos embora! — gritou. Jaycie estava inteiramente concentrada no que se passava em torno dela. Levou menos tempo que Joel para regular o rotor para a velocidade máxima. Subiu que nem uma flecha. Joel seguiu-a. Subiram obliquamente, afastando-se durante a subida da borda da depressão. Joel viu que no centro da mesma surgira uma nova figura. Tinha certeza de que, quando voara para o lugar juntamente com Jaycie, não vira outra coisa senão uma penumbra. Aquilo que surgira lá embaixo parecia um pão de açúcar que de repente tivesse crescido para o alto. Joel não conseguiu distinguir o que existia entre o pão de açúcar e a borda da depressão, mas o estranho brilho deixava claro que aquela estranha figura era feita de molkex. Não sabia o que pensar. Só sabia que estavam em perigo. Não desceu à superfície. A uma certa altura reduziu e gritou para os outros que ligassem os rotores e subissem pelo menos a cem metros. Tinha certeza de que nessa altura nenhum verme do pavor, por mais hábil que fosse no salto, conseguiria pegá-los.

De onde estava não tinha a menor idéia se aquela sombra no interior da bacia era um verme do pavor ou um monstro ainda mais perigoso. Ninguém sabia quais eram as feras que vinham atrás dos gafanhotos córneos. Joel esperou até que todos tivessem obedecido à sua ordem. Gastou alguns segundos para informar Joey, que se encontrava no acampamento, sobre a descoberta que acabara de fazer. Instruiu-o a chamar a Carol-D e avisá-la. Com a voz exaltada Joey prometeu fazer isso. Quis dar alguns conselhos a Joel, mas este interrompeu-o em meio à frase, desligando seu receptor. Entregou a Nino o comando provisório do grupo e, pendurado em seu rotor, desceu lentamente em direção à depressão. Quando passou por cima da borda viu o pão de açúcar mover-se. Subia que nem uma massa de bolo cheia de fermento. Ao mesmo tempo ouviu o gemido que já percebera. Estava muito mais forte do que antes. O ruído parecia sair da massa de molkex. A matéria emitia o som enquanto se dilatava. Joel estremeceu ao pensar na tremenda força que movia o molkex, um material que resistia aos bombardeios mais violentos dos canhões térmicos. Estava parado sobre o centro da bacia. O pão de açúcar ainda estava em movimento. Sua ponta já crescera acima da borda da depressão. Joel refletiu se deveria subir mais alto. Era bem possível que aquela figura estranha crescesse de repente até onde ele estava. Para uma substância como o molkex, aliada à força que estava agindo embaixo dela, cem metros não eram nada. Antes que tomasse uma decisão, o pão de açúcar abriuse com um forte estrondo. Projéteis de molkex do tamanho de um punho humano passaram chiando e borbulhando. Por alguns segundos Joel não fez outra coisa senão proteger a cabeça com os braços. Quando os ruídos diminuíram e a visão se tornou melhor, Joel viu alguma coisa que lhe gelou o sangue nas veias. A fenda aberta na parte superior do pão de açúcar crescera, deixando livre o interior da figura. E nesse interior alguma coisa se mexia. Anéis blindados coloridos procuravam a luz. Alguma coisa abriu ainda mais a fenda, produzindo um forte estrondo. Finalmente apareceu a enorme cabeça esférica da criatura mais terrível que a Galáxia já vira. Joel levou alguns segundos para compreender o acontecimento que acabara de presenciar. Assistira ao nascimento de um verme do pavor! *** No momento em que se virou, para voltar para junto do grupo, Joel compreendeu que alguma coisa não estava em ordem. Embaixo dele, o verme do pavor gemia e fazia retumbar o solo sob os esforços de libertar-se da massa de molkex. Joel não podia ouvir outros ruídos. Mas viu que seus companheiros se haviam juntado num monte, que subia e descia nervosamente. Joel inclinou o corpo e precipitou-se para lá. Quando chegou mais perto, ouviu vozes que gritavam. Parecia que estavam discutindo violentamente. Joel aproximou-se a dez metros, estendendo os braços para intervir na confusão. Naquele momento o monte se desfez e os membros do grupo afastaram-se para todos os lados. Até parecia um bando de galinhas atacado por um gavião. A sombra de um corpo encimado pelo círculo reluzente do rotor desceu que nem uma pedra. Joel viu um rosto desfigurado pelo medo. — É Jorgens! Quer atacar o verme e...

Joel não fez questão de ouvir o resto. De repente compreendeu por que de manhã quebrara a cabeça em vão. Era Jorgens, o maluco do Fran Jorgens, cuja única reação diante da morte do irmão consistira num sorriso alegre. Joel se enganara. Fran não ficara alegre. Não houvera nenhuma briga entre os dois irmãos. A morte de Eric desequilibrara a mente de Fran, e o sorriso deste era o sorriso de um doente mental. Não podia haver a menor dúvida sobre as intenções de Fran. Joel precipitou-se atrás dele. Metade do corpo do verme do pavor já se libertara da massa de molkex. Ao que parecia, resolvera interromper seus esforços diante da aproximação de um inimigo. Fran Jorgens desceu quase até a superfície, aparou a queda e seguiu em alta velocidade na direção da depressão. — Pare, Fran! — gritou Joel a plenos pulmões. Não sabia se Fran o ouvia. Modificou a trajetória do vôo, para pegar o louco pouco antes da borda da depressão. De repente Fran reduziu a velocidade. Joel viu-o pôr a mão rapidamente no bolso e tirar um objeto oval. Era uma bomba de detonação lenta! — Fique onde está! — gritou Fran. — Vou atirar esta bomba na boca do monstro. Vamos ver se depois disso ainda será capaz de cuspir fogo. Não esperou a reação de Joel. Seu rotor uivou. Precipitou-se em velocidade ainda maior em direção ao crânio do verme. Joel freou. Um pensamento terrível passou-lhe pela cabeça. Fran não podia saber como lidar com uma bomba de detonação lenta. Se colocasse o botão em certa posição, o detonador de ação retardada deixaria de funcionar e a carga explodiria instantaneamente. Fran estava perdido; pouco importava em que posição colocasse o botão. Mas os outros também morreriam se a bomba explodisse imediatamente Uma pequena eternidade parecia ter passado, quando o rotor reagiu ao comando de retomar a viagem ascendente. Joel utilizou-se dos músculos para orientar o vôo. Entrou à velocidade máxima no grupo das pessoas que o aguardavam. Espalharam-se, assustados. Joel gritou: — Sigam-me! Velocidade máxima! Freou um pouco para ver se os outros o seguiam. Pareciam ter compreendido o perigo, pois nunca haviam cumprido uma ordem tão depressa como aquela. Joel desviouse para o lado e deixou que passassem por ele. Já lhes indicara a direção. Se não mudassem de rumo teriam uma possibilidade de escapar à catástrofe. Joel olhou para trás. Fran Jorgens acabara de atingir o crânio do verme. Por alguns segundos Joel esqueceu o terrível perigo que o ameaçava. Fascinado, contemplava o ataque de Fran. O verme do pavor, que mal acabara de despertar para a vida e ainda não estava acostumado à luz, era muito menos ágil que os exemplares adultos de sua espécie. Além disso, a massa viscosa de molkex ainda prendia metade de seu corpo. Só poderia tornar-se perigoso para Fran, se ele se lembrasse do seu órgão gerador de raios térmicos e disparasse uma salva de energia concentrada contra o atacante. Fran parecia saber disso. Sempre se colocava numa posição em que não ficava diretamente em frente à boca larga. O verme esforçou-se para acompanhar Fran com os olhos, mas este foi mais rápido. Fez um avanço-relâmpago para o crânio esférico. Até parecia que a fera recuava, apavorada. Quando Fran já começava a bater em retirada, abriu os beiços e procurou abocanhar o inimigo. Fran voltou a avançar. Desta vez o verme estava prevenido. A boca abriu-se numa largura igual à da porta de um grande edifício. Joel viu Fran levantar rapidamente o braço esquerdo, a fim de dobrar o eixo

flexível do rotor para a frente. A velocidade aumentou instantaneamente. Fran penetrou na boca do monstro com a violência de um projétil. Joel soltou um grito. O verme estremeceu e recuou. A boca fechou-se num movimento convulsivo. Não se via mais o menor sinal de Fran. Sem que se desse conta disso, Joel voltou a pôr-se em movimento. Em alta velocidade seguiu os outros, que já iam mais de cem metros à sua frente. Procurou, no torpor do pânico, traçar um quadro da situação em que Fran se encontrava naquele momento. A boca do verme do pavor devia ter o tamanho de uma casa. Fran poderia caminhar no interior da mesma, enquanto o animal permanecesse rígido de pavor. Conforme dissera, pretendia colocar a bomba no meio da boca. Admirado, Joel compreendeu de repente o método que se escondia atrás desse gesto de loucura. Todo mundo sabia que por fora o verme do pavor era praticamente invulnerável. A camada blindada que o envolvia era capaz de absorver a energia, e por isso não permitia que qualquer coisa lhe fizesse mal. Mas ninguém sabia como o verme do pavor era por dentro. Devia ter órgãos vulneráveis. Sem dúvida Fran se lembrara disso. A fera ergueu o corpo. Seus movimentos pareciam descontrolados e marcados pelo pânico. O corpo estranho que tinha na boca parecia amedrontá-lo. Contorcendo-se em movimentos convulsivos, conseguiu libertar a parte traseira do corpo da massa de molkex. Escorregou pela beira do pão de açúcar, em direção à borda da depressão. Por alguns segundos Joel perdeu o crânio esférico de vista. E foi isso que o salvou... De repente viu uma luminosidade através da massa transparente. De início era apenas uma fagulha, mas numa fração de segundo cresceu, transformando-se num sol ofuscante. O pão de açúcar desprendeu-se do solo e foi atirado para o alto. Por um instante uma luz branco-azulada iluminou a paisagem. Joel sentiu o calor escaldante das radiações penetrar por suas vestes. Virou a cabeça para o lado e segurou o eixo do rotor com ambas as mãos, para mantê-lo em posição. No mesmo instante foi atingido pela onda de pressão. Passou por ele com um rugido trovejante, colocou-o de cabeça para baixo e atirou-o para o alto como se fosse uma pena. Tudo começou a escurecer em torno dele. Desorientou-se. O ar parecia ferver; quando respirava, queimava os pulmões. Joel teve a impressão de que passara uma eternidade entre o céu e a terra, envolto na escuridão e transformado em joguete da onda de pressão enfurecida. Finalmente a escuridão iluminou-se. Os contornos das colinas distantes foram surgindo em meio à fumaça e à poeira. Joel sentiu uma tontura. Levou algum tempo para compreender que as colinas ficavam embaixo dele, não à sua frente. Pelos seus cálculos estava voando a setecentos ou oitocentos metros. O rotor nunca poderia tê-lo levado para lá. Foi perdendo altitude devagar, mas ininterruptamente. Uma coluna de fumaça ergueu-se atrás dele, mais ao norte. A fumaça era tão densa que a coluna parecia ter sido feita de substância sólida. Fran Jorgens ligara o detonador instantâneo da bomba. Joel ficou observando o pé da coluna de fumaça por algum tempo. Não notou nenhum movimento, a não ser o da própria fumaça. A bomba lançada por Fran devia ter arrebentado o verme do pavor em mil pedaços. “É um novo método de combate aos vermes do pavor”,pensou. Estava cansado, mas insistia em saber quem estaria disposto a aplicá-lo. Pôs o rádio de pulso para funcionar. O primeiro chamado foi respondido por Joey Peters, Jaycie, Pitter e Barbara. Estavam bem. Apenas haviam sofrido o choque, que fazia tremer suas vozes. Joey fazia questão de obter informações detalhadas sobre os acontecimentos. Joel mandou que calasse a boca e procurasse Nino Lamarre. Nino

respondeu ao quinto ou sexto chamado. Sua voz parecia martirizada. A onda de pressão empinara seu rotor. Caíra com certa violência e se ferira. Do lugar em que se encontrava via Joel e orientou-o para junto dele. Enquanto Joel se aproximava de Nino, Jaycie e Pitter juntaram-se a este. Quando estavam chegando à superfície, encontraram Barbara. Não disseram uma palavra. Nino estava estendido sem poder fazer nada. O braço esquerdo formava um ângulo grotesco com o resto do corpo. Até mesmo um leigo perceberia que estava destrancado e fraturado. Joel ajoelhou ao lado de Nino e procurou recolocar o braço na posição normal. — Que idiota! — esbravejou Nino. — Fizemos tudo para segurá-lo, mas ele lutava que nem um louco. Joel teve de refletir um pouco para compreender que essas palavras se referiam a Fran. — Acho que ele estava meio pirado. — Meio pirado? — protestou Nino. — A morte do irmão deixou-o completamente maluco. Desde o momento em que soube da morte de Fran não pensava em outra coisa senão vingar-se dos vermes do pavor. Vimo-lo sorrir e pensamos que as coisas não estivessem tão ruins. Na verdade descobriu onde estavam sendo guardadas as bombas de efeito retardado e imaginou um meio de atacar o primeiro verme do pavor que aparecesse à sua frente. Joel espantou-se. — Um momento — disse em tom pensativo. — Desde a morte de Fran? Não foi Eric que morreu na noite passada? — Foi o que disse o sobrevivente — confirmou Nino. Apoiou-se no cotovelo esquerdo e tirou de baixo do corpo uma bolsa do tipo que cada membro da expedição carregava quando em missão. Na bolsa havia certas provisões, uma carga sobressalente para a arma térmica e certos medicamentos. O nome do dono estava impresso na parte interna em letras de plástico fluorescente. — Arranquei isso de cima do corpo de Jorgens quando estávamos lutando — disse Nino. — Abra e dê uma olhada. Joel abriu a bolsa. Examinou as letras por alguns segundos sem compreender o que estava lendo. De repente lembrou-se das aulas de Psicologia. Teve a impressão de ouvir a voz do professor, que explicou que quando um homem perde, de repente, uma pessoa a que está muito ligado, freqüentemente tem a tendência de assumir a identidade dessa pessoa. Lembrou-se que na oportunidade sacudira a cabeça e perguntou a si mesmo se um homem, realmente, seria capaz de entregar-se dessa forma ao trauma. Aqui estava o exemplo. O homem que colocara a bomba nuclear na boca do verme do pavor fora Eric Jorgens. Fran havia morrido na noite anterior...

6 Até mesmo Joel teve certa dificuldade em lembrar-se de que tivera, quando saíram em missão, um plano definido. Finalmente conseguiu. A bomba de Jorgens já estava inteiramente queimada. Funcionava pelo princípio da fusão, e por isso emitira uma radiatividade pouco intensa. Poderiam aproximar-se do local da explosão sem correr maiores riscos. Valia a pena. Havia pedaços de molkex espalhados em torno da depressão. A explosão havia modificado o formato da bacia. Estava mais funda e tinha o aspecto de uma entrada de galeria desmoronada. O pão de açúcar de molkex que, segundo Joel Carso continuava a acreditar, lhe salvara a vida por ter absorvido a maior parte da explosão, não existia mais. Joel procurou localizar fragmentos do verme do pavor, mas não encontrou nada. Reuniram as amostras de molkex que podiam carregar e puseram-se a caminho. O sol já não estava muito alto. Joel pretendia chegar ao acampamento antes que a bomba, com a qual na noite anterior distraíra o outro verme do pavor, se apagasse. Era possível que o animal voltasse sobre o caminho percorrido e se interessasse novamente pelo acampamento. O rotor de Nino Lamarre estava inutilizado. Joel e Pitter seguraram Nino embaixo dos ombros e carregaram-no. Dessa forma o vôo tornou-se muito mais lento. Apesar disso chegaram ao acampamento antes do pôr do sol. Joel não tolerou a menor demora. Todos tiveram de ajudar para preparar uma dezena dos foguetes teleguiados, de um palmo de comprimento, que levariam as amostras de molkex para a Carol-D. Os pequenos projéteis eram verdadeiras obras-primas da microtécnica de Sigurd. Podiam decolar a qualquer momento. Encontrariam a Carol-D, mesmo que esta se encontrasse embaixo da linha do horizonte. Se necessário, esperariam até que a nave penetrasse na área de alcance de sua aparelhagem de rastreamento. Gino Poppa foi informado sobre a remessa que estava prestes a ser expedida. Prometeu ter cuidado. Era bem verdade que isso não era tão importante. A Carol-D havia realizado certas medições. Poppa parecia muito nervoso enquanto relatava um dos resultados. — Existe um campo elétrico de pequena intensidade que parte de Zanmalon e se estende em direção ao astro central. É muito estranho. Para conservar a direção, o campo tem de modificar seu ponto de origem de acordo com a hora. Esse ponto de origem contorna o planeta uma vez por dia. Examinei todos os microcatálogos, Joel, mas nunca se viu uma coisa dessas. Parece coisa de louco. Até parece que no sol existe uma pessoa com uma chapa metálica de carga positiva, enquanto outra pessoa se desloca constantemente em torno de Zanmalon com uma placa de carga negativa. Joel teve uma idéia. — Quer dizer que Zanmalon representa a extremidade negativa do campo? — Isso mesmo. Você tem alguma explicação para... — Não, não tenho. Mas havemos de descobrir. Por enquanto providencie para que as amostras sejam recolhidas a bordo. — Cuidarei disso, Joel. — Está bem. Desligo.

Joel desligou o receptor e ficou imóvel. Lembrou-se da experiência feita por Karl Halbein, ainda a bordo da Carol-D. Viu perfeitamente a seqüência dos impulsos projetados no encefalógrafo. Eram emanações de um cérebro estranho, que na opinião de Karl devia estar encerrado no molkex. E as emanações mentais não eram a única coisa produzida pelo molkex. Há tempo Joel já perguntara a si mesmo de que se alimentava essa estranha substância, se é que a mesma encerrava uma porção de vida. Sabia-se que o molkex era capaz de absorver energia. Provavelmente para essa substância a energia era o equivalente das refeições do homem. Mas onde conseguia um suprimento adequado dessa energia? A luz solar, cujo espectro ia do ultravioleta ao infravermelho, não representava uma oferta suficiente para a camada de molkex que cobria todo o planeta. Parecia que já tinha a resposta. As radiações das partículas tinham um elevado conteúdo energético. Uma única partícula de radiações possuía bilhões ou trilhões de vezes mais energia que um quantum luminoso. Essas partículas eram núcleos atômicos de carga positiva; geralmente de hidrogênio, ou seja, eram constituídos de prótons. Na verdade o número das partículas que atingiam a superfície de um planeta a cada segundo era tão reduzido que, em comparação com a energia solar, seu volume energético era desprezível. Mas isso podia ser corrigido por meio de um campo elétrico. Um campo que ligasse o sol Ex-Zanma ao seu planeta Zanmalon, de tal maneira que a extremidade negativa ficasse em Zanmalon, multiplicaria por mil o número das partículas radiantes que atingiriam o planeta. Joel não tinha a menor idéia de como o molkex criava o campo elétrico, mas ao que tudo indicava alimentava-se muito bem. Sentiu-se tomado pelo pavor, um pavor provocado pela estranheza inconcebível da capa de hipermatéria que mantinha Zanmalon aprisionado. *** Passaram uma noite tranqüila. Para o oeste a bomba lançada por Joel começava a extinguir-se. Mas o verme parecia ter perdido a pista. Não voltou ao acampamento. Quando o sol nasceu, tiveram a impressão de que passariam o primeiro dia tranqüilo em Zanmalon. Joel tinha alguns planos e, para executá-los, quase não precisava afastar-se do acampamento. Acreditava que seus companheiros mereciam um descanso. Gino Poppa chamou de bordo da Carol-D. — Dois objetos voadores não identificados aproximam-se de Zanmalon — anunciou em palavras lacônicas. — Provavelmente são espaçonaves. O formato exterior parece ser irregular, mas não respondem ao código de identificação dos pos-bis. Quer dizer que não são naves fragmentárias. Passarei a seguir o plano F. Por um segundo Joel ficou pensando na importância que a palavra fim assumiria no curso da missão. Logo despertou para uma atividade resoluta e bem orientada. O plano F previa que a Carol-D se afastaria dez unidades astronômicas de Zanmalon e ali se manteria à espera, mantendo os aparelhos de rádio em silêncio absoluto, até que a situação, no planeta que era seu objetivo, se modificasse. O plano F seria adotado se houvesse uma interferência inesperada e incontrolável vinda de fora, que afetasse a missão Zanmalon. Ao que parecia, Gino Poppa sabia o que estava fazendo. As duas espaçonaves eram desconhecidas. Joel convocou os companheiros e informou-os sobre o que acabara de saber. Mandou que Nino Lamarre e Joey Peters se preparassem para partir. Diante do olhar de espanto dos mesmos, disse:

— Por aqui a situação pode ficar crítica. Não sabemos quem são os desconhecidos e o que vêm fazer aqui. Por isso os feridos só serão um estorvo. Nino, o senhor voltará para a Carol-D. Como não está em condições de dirigir o barco espacial, Joey irá com o senhor para servir de piloto. Viu a expressão de contrariedade no rosto de Nino e julgou conveniente acrescentar: — Caso haja um contratempo mais sério conosco, deverá haver alguém na Terra que tenha testemunhado os acontecimentos de Zanmalon. — Isso é um consolo muito fraco — afirmou Nino. Joel fez um gesto de indiferença. — Espere até chegar em casa, quando será colocado na máquina de interrogatório. Aí descobrirá se o consolo realmente é tão fraco assim. Aliás — a voz de Joel assumiu um tom áspero — faça o que digo. Não podemos perder tempo. Nino e Joey deram-lhe as costas e largaram a bagagem. A única coisa que tinham a fazer era colocar os rotores e pôr-se a caminho. Joel seguiu Nino e Joey com os olhos enquanto desapareciam entre as colinas. Dali a alguns minutos viu o barco espacial decolar. Joey e Nino estavam praticamente em segurança. Restavam quatro pessoas — Pitter, Jaycie, Barbara e ele mesmo — num mundo estranho, com habitantes desconhecidos, ameaçadas de espaçonaves estranhas, longe de qualquer auxílio. Entrou na barraca dos instrumentos e ligou os aparelhos que acreditara não precisar durante essa missão. Eram rastreadores compactos do tamanho de uma caixa de fósforos, cujas telas de reflexos, feitas de plástico fluorescente, tinham de ser infladas e estabilizadas juntamente com o mecanismo direcional de impulsos, antes que pudessem captar as primeiras indicações. O barco espacial e a Carol-D, que já estava acelerando, apareceram na tela como pontos luminosos verdes. Porém mais ao longe havia dois outros pontos luminosos, que se deslocavam lenta mas ininterruptamente em direção ao centro. Eram as duas espaçonaves desconhecidas. Joel sabia que espaçonaves de uma civilização desconhecida já haviam aparecido em lugares nos quais havia gafanhotos córneos, vermes do pavor e molkex. Isso acontecera há poucos dias ou semanas. Joel ouvira boatos a esse respeito, antes que a Carol-D decolasse da Terra. Devia haver alguma ligação entre os construtores dessas naves e a praga dos gafanhotos e dos vermes. A idéia de estar em Zanmalon, talvez pela oportunidade para colher informações mais precisas sobre essa relação, era fascinante. “Quem me dera que não tivesse sempre essa maldita sensação de que alguma coisa nos acontecerá”, pensou Joel, amargurado. Lembrou-se das normas. Se o grupo fosse atacado por vários vermes do pavor ao mesmo tempo, ou se ocorresse outra emergência não prevista, seria recomendável, face aos órgãos de localização extremamente precisos dessas feras, usar em vez dos radiadores térmicos convencionais as antiquadas armas de projéteis. O regenerador de uma arma térmica produzia ininterruptamente um campo energético difuso, que poderia orientar os vermes do pavor. Já uma carabina era totalmente silenciosa do ponto de vista energético. De qualquer maneira, o tipo de arma era totalmente indiferente diante de um inimigo que não se importava com as maiores descargas energéticas. Joel montou quatro carabinas, encheu os bolsos de munição, saiu da barraca.

Dispunha-se a preparar os três companheiros para a nova situação, quando as duas espaçonaves desconhecidas mergulharam embaixo do horizonte de rádio, do lado oposto de Zanmalon, desaparecendo das telas luminosas dos rastreadores compactos. *** Barbara estava sentada, um tanto afastada dos outros. Mantinha-se em silêncio, enquanto Pitter e Jaycie estavam entretidos numa conversa animada. Joel atirou as carabinas no chão e começou a dar suas instruções. Informou os companheiros sobre as estranhas espaçonaves irregulares, sobre cuja presença fora informado pouco antes da decolagem da Carol-D. De forma um tanto desconexa, passou a aludir às circunstâncias que havia atrás da troca dos radiadores térmicos pelas carabinas antiquadas. Ao concluir as instruções, confessou: — Como vêem, estamos tateando no escuro. Pelo meu plano, vamos ficar à espera nas proximidades do acampamento, em hipótese alguma no interior do mesmo, até que apareçam as espaçonaves desconhecidas, e passaremos a observá-las. Se assumirem uma atitude hostil, ainda poderemos resolver sobre o que devemos fazer. Provavelmente não poderemos fazer nada. Se não notarem nossa presença ou nos deixarem em paz por não se interessarem por nós, também ficaremos quietos e esperaremos até que se afastem. Sinto não poder oferecer-lhes um plano estratégico mais genial, mas paciência, a situação é esta mesma. Não sabemos absolutamente nada. Viemos para cá para aprender alguma coisa. Parece que teremos oportunidade para isso. Ninguém teve qualquer objeção. Ficaram de cabeça baixa enquanto ouviam a exposição de Joel. Jaycie e Pitter retomaram a discussão. Barbara sentou no chão e continuou em silêncio. Joel sentou a seu lado. — Estamos chegando ao fim — disse em voz baixa. — De uma forma ou de outra. Barbara fez que sim. — Sei disso — respondeu. — E o pior é que tudo isso me parece completamente inútil. Duas naves vão pousar, e seus ocupantes diferem tanto de nós que não temos a menor chance de comunicar-nos com eles. Por que tem que ser assim? Por que o Universo não é habitado exclusivamente por seres iguais a nós, que têm duas pernas e dois braços, trazem o cérebro na cabeça, possuem um crânio com dois olhos e não sei mais o quê? Por que existem tantas espécies diferentes? Por que temos tantas dificuldades em comunicar-nos com outras raças inteligentes? Fitou-o. Joel desviou o olhar e abanou lentamente a cabeça. — Não sei. Talvez Deus tivesse medo de que sentíssemos tédio se só víssemos criaturas iguais a nós. Talvez o fato possa ser explicado com os princípios da Biologia Estatística. Realmente não tenho a menor idéia. Será que a senhora precisa saber disso justamente agora? Barbara soltou uma risada áspera. — Bem que gostaria de ter seu senso de humor — disse. — Quanto a mim, estou com medo, muito medo. — Ah, é? — respondeu Joel. — Não pense que é só a senhora que tem medo. Barbara fitou-o com uma expressão de espanto. — O senhor também? — perguntou em tom hesitante. — Isso a surpreende? — O fato em si não. O que me surpreende é sua confissão. Joel soltou um suspiro. — Gostaria de saber por que tem uma opinião tão desfavorável a meu respeito.

Achou preferível mudar de assunto. — Será que nossa Jayciezinha está apaixonada pelo velho Pitter? — perguntou. — E por que não? — respondeu Barbara em tom de desprezo. — Desde ontem não pensa em outra coisa senão encontrar um meio de pescá-lo. Joel levantou-se. — Acho que é melhor irmos andando — disse com um bocejo e espreguiçou-se. — Não sei quanto tempo levarão as duas naves para aparecer por aqui. Falara bem alto. Jaycie e Pitter interromperam a discussão e olharam para ele. — Peguem os fuzis, liguem os rotores e acompanhem-me! — ordenou. — Vamos abandonar o acampamento. Mal acabara de falar, o chão começou a tremer. Uma força estranha sacudiu o ar. Um dos aparelhos guardados na barraca dos instrumentos deu o alarma. — Está na hora! — gritou Joel.

7 Saíram voando e deixaram o acampamento para trás. Enquanto subiam pela encosta da colina que ficava ao sul, viram os dois monstros disformes acima do topo. Pairavam pouco acima da superfície, a apenas alguns quilômetros de distância. Pareciam estar à espera de alguma coisa. Abrigaram-se um pouco abaixo do topo da colina. Joel mandou que todos ficassem com as cabeças abaixadas. Rastejou até o alto da colina e olhou em torno. Nunca vira figuras tão assimétricas. Seria incapaz de acreditar que vinham do espaço se Gino Poppa não lhe tivesse dito. Só podiam ser espaçonaves — que espaçonaves! Provavelmente uma rocha de trezentos metros de altura, fustigada durante séculos pelo vento e pela chuva, seria parecida a elas. Era bem verdade que sua superfície seria áspera e pouco vistosa, enquanto que a daquelas naves reluzia à luz do sol. Fora das irregularidades não se notava nenhuma divisão do corpo delas. Joel não viu comportas de eclusas ou outras entradas. Procurou descobrir o que significava o estranho ruído e qual era sua origem. Mas a única coisa que descobriu foi que vinha das duas naves. Virou a cabeça para informar os companheiros sobre o que acabara de ver. Antes que tivesse tempo de abrir a boca, o rugido ininterrupto foi interrompido por um ruído áspero e borbulhante. Joel voltou à posição anterior. O quadro que se descortinava na planície estava modificado. Junto às duas naves outra coisa cintilante flutuava rente ao solo. Parecia a neblina do amanhecer que acabara de desprender-se da superfície. Joel levou alguns segundos para compreender que era molkex. A camada desprendera-se do solo. Um buraco marrom-escuro acabara de surgir na grande manta reluzente. A superfície de molkex começou a contrair-se diante dos olhos arregalados de Joel, aglomerando-se num formato esférico. O diâmetro da esfera não era superior a três metros. Flutuou em direção à nave mais próxima. De repente uma abertura surgiu no envoltório irregular da mesma. A esfera de molkex seguiu na direção dessa abertura e desapareceu dentro de alguns segundos. A abertura no casco da nave continuou. Outra porção de molkex desprendeu-se mais ao leste, produzindo o mesmo ruído indescritível. Também se transformou numa esfera e desapareceu no interior da nave mais próxima. O processo voltou a repetir-se. Enquanto Joel ainda observava os acontecimentos, surgiu outro ruído, vindo de longe. Parecia uma sucessão rápida de explosões. As naves não tomaram conhecimento do mesmo. Continuaram a retirar o molkex do solo com seus aparelhos invisíveis, conglomerá-lo em esferas e recolhê-lo aos seus compartimentos de carga. A outra nave também já havia dado início a esse trabalho. Demoraria apenas alguns minutos até que toda a terra situada ao sul das colinas ficasse livre de molkex. O ruído surgido por último também vinha do sul. Joel viu vários pontos no horizonte. Saltitavam que nem petecas. Pareciam tão pequenos que dificilmente poderiam dar origem ao ruído trovejante. Foi ao menos o que Joel pensou no início. Mas à medida que se aproximavam os pontos foram crescendo, e finalmente Joel percebeu do que se tratava.

Era uma manada de vermes do pavor que se aproximava. Vinham em direção às colinas, procedentes do sul. Por alguns segundos o pavor imobilizou Joel. Era difícil defender-se contra um único verme do pavor, e ali vinha pelo menos uma dezena deles. De repente lembrou-se de que talvez a manada se dirigisse às naves. Parecia haver uma ligação estreita entre o molkex e os vermes do pavor. Por isso os monstros provavelmente deixariam Zanmalon juntamente com o molkex. Quanto mais refletia sobre isso, mais plausível lhe parecia a idéia. Apesar disso, sabia perfeitamente que estava assumindo um risco quando resolveu ficar à espera, abrigado pelas colinas. O próximo que viu o que se aproximava do sul foi Pitter. Sugeriu que fugissem imediatamente. Não ficou muito convencido com os argumentos de Joel. Este teve de gritar e explicar que só ele dava ordens por ali. Só assim Pitter resolveu calar-se. O ruído trovejante transformou-se numa série de estrondos que doíam nos ouvidos. A manada de vermes do pavor aproximava-se das colinas. Já se distinguia perfeitamente os animais. Executavam seus saltos enormes com uma precisão matemática. Eram quinze monstros que se aproximavam aos saltos! Joel tinha razão. Quando os primeiros vermes do pavor ainda se encontravam a quatro quilômetros de distância, começaram a mudar de rumo. Tomaram a direção das naves, e o resto da manada acompanhou-os. Apesar da distância tinham sido monstros gigantescos, cuja simples aparição espalhava o medo e o terror. Mas agora, que seguiam em direção às naves, seus corpos pareciam encolher. Quando finalmente pararam embaixo das enormes escotilhas negras, pareciam simples anões, apesar da força que corporificavam. Em comparação a eles as espaçonaves pareciam colossos deprimentes. Foi a primeira vez que Joel pôde observar essas criaturas sem experimentar a sensação do medo. Notou a elegância dos seus movimentos enquanto erguiam e baixavam os corpos gigantescos, preparando-se para o salto. Admirou a leveza aparente com que se erguiam do chão para desaparecer nas aberturas das escotilhas. Foram entrando um após o outro, até que todos tinham desaparecido. Joel lembrou-se de que talvez tivessem cometido um erro quando, desde o início, se deixaram dominar inteiramente pelo medo e pela repugnância causada por esses vermes. Eram seres de um mundo desconhecido. Não se sabia de onde vinham. E nas imensidões do espaço, nos inúmeros planetas da Via Láctea, existiam seres mais feios que os vermes do pavor. Quase chegou a pedir, em pensamento perdão aos vermes do pavor. De repente sentiu o chão mover-se embaixo de seu corpo. Houve um forte solavanco e Joel escorregou encosta abaixo. Alguém soltou um grito a seu lado. Era uma voz feminina. Joel esticou a mão e conseguiu agarrar-se a uma saliência do terreno. Ergueu o corpo e viu a camada de molkex enrolar-se a partir do pé da colina. Por um instante sentiu-se perplexo, não tanto pelo fenômeno em si, mas antes pelo fato de não prevê-lo. Por algum motivo as duas naves estavam recolhendo toda a camada de molkex para levá-la. Os acontecimentos se precipitaram com uma rapidez inquietante. Joel mal teve tempo para soltar um grito confuso. Deu um salto e escorregou. Mas conseguiu colocar em funcionamento o rotor. Sentiu um alívio imediato ao sentir a tração suave e ver que se afastava da superfície. Olhou para baixo. Barbara seguia-o de perto. Já estava fora de perigo. Mas o idiota do Pitter Laurensen continuava lá embaixo. Suas mãos desajeitadas não conseguiram pôr em movimento o rotor. O molkex rolava em sua direção, num movimento rápido e seguro. Até parecia que de repente uma nova espécie de vida surgira em seu interior. O

ruído borbulhante, que acompanhava o desprendimento da camada vitrificada, enchia o ar. Jaycie Ridell já se encontrava a dois metros de altura, quando percebeu o drama de Pitter. Não perdeu tempo. Desligou o rotor e voltou à superfície. Joel gritou que deixasse Pitter entregue à própria sorte e procurasse colocar-se em segurança. Jaycie nem levantou a cabeça. Começou a lidar com o rotor de Pitter. Não era necessário ser profeta para se prever que estava prestes a cometer suicídio. Joel constatou que Barbara estava em segurança. Reduziu a velocidade de seu rotor e desceu para onde estavam Pitter e Jaycie. Sentiu uma raiva selvagem quando viu a camada de molkex chegar mais perto, dobrando-se e enrolando-se ininterruptamente. Pegou a carabina e começou a atirar. As balas silvavam e chicoteavam. Os projéteis não penetraram na massa dura. Os ricochetes uivavam. O molkex não se impressionou: prosseguiu no avanço. Jaycie e Pitter estavam parados numa ilha circular, cujo diâmetro diminuía rapidamente. Durante o vôo Joel pegou o ombro da moça. Jaycie soltou um grito e caiu. Joel porém ficou atrás dela, para segurá-la de novo. A moça contorcia-se no chão que nem um gato selvagem e levantou-se de um salto. Joel foi-lhe no encalço numa ânsia cega e recebeu em cheio um soco no rosto, que freou o vôo e o colocou na vertical. Fitou o rosto enfurecido de Jaycie com uma expressão de perplexidade. — Dê o fora! — gritou a moça. — Ficarei com Pitter, aconteça o que acontecer. O senhor não tem o direito de impedir-me. O molkex crepitava e borbulhava em torno deles. A ilha tinha menos de dez metros de diâmetro. Joel refletiu se devia atacar de novo. Mas Jaycie ergueu a carabina num movimento rapidíssimo e apontou-a para ele. — Experimente! — gritou, enfurecida. Joel recuou. Era inútil. Só dispunham de oito ou dez segundos para pôr em movimento o rotor de Pitter. Quando viu Joel afastar-se, Jaycie baixou a carabina. Saltou para junto de Pitter e enlaçou-o com os braços. A camada de molkex fechou-se em cima deles. Desprendeu-se aos solavancos, produzindo um ruído borbulhante, e voou por cima da colina, em direção às duas naves. Joel parecia ter um nó na garganta. Foi atrás de Barbara, que descia suavemente junto ao flanco da colina, em direção à depressão que havia lá embaixo. *** Ficaram no ar até que todo o molkex fosse retirado da superfície. Se as duas naves tinham notado sua presença, pareciam não se interessar por eles. Não disseram uma palavra. Assim que as colinas que os cercavam ficaram livres de molkex, desceram como se tivessem feito um acordo secreto e se sentaram. Barbara abraçava os dois joelhos e fitava os topos das colinas com uma expressão pensativa. Ainda se ouvia, muito mais fraco, o crepitar e o borbulhar com que o molkex se desprendia na superfície e se aglomerava em esferas. O ruído vinha de longe. — Coitada da Jaycie — disse Barbara de repente. — Uma moça dessas acha que o caminho do acontecimento é o único que pode trilhar, mas de repente descobre que, para uma mulher, um único homem vale mais do que todo o saber científico. Joel pôs-se a refletir. — Os psicotestes deveriam ter descoberto isso, não é? Barbara abanou lentamente a cabeça.

— Não. Não se trata de um complexo, de uma tara psicológica. É uma evolução anômala, mas continua a ser uma evolução. Uma coisa dessas não pode ser prevista, nem mesmo pelo melhor analista. — De qualquer maneira foi a moça mais valente que já vi — constatou Joel. De repente prestou atenção para ouvir melhor. O ruído crepitante e borbulhante cessou abruptamente. Levantou-se e preparou o rotor. Antes que o mesmo começasse a girar, um rugido surdo passou por cima das colinas. Uma tempestade violenta parecia nascer no sul. Nuvens de pó levantaram-se do solo ressequido. Eram visíveis por cima das colinas. Acima das nuvens de pó distinguiram-se as formas estranhas das duas espaçonaves. Avançaram velozmente para o céu azul, foram diminuindo e acabaram por desaparecer de vez. O rugido cessou quase no mesmo instante. Sem dizer uma palavra, Joel virou-se para Barbara. — Permita que lhe diga que estamos sós, capitão — disse Barbara em tom seco. Joel aproximou-se dela, segurou-a pelos ombros e beijou-a. — Já sei, doutora — respondeu e conseguiu esboçar um sorriso triste. Foi quando a tempestade sonora desabou sobre eles. *** Era incrível. Parecia o fim do mundo: a explosão de centenas de bombas nucleares e o ruído provocado pelo funcionamento de todas as máquinas do Grande Império ao mesmo tempo. Foi um furacão de trovões, estrondos e rugidos. Apagava qualquer grito, por mais forte que fosse, fazia lacrimejar os olhos e provocava vibrações no cérebro. Joel quase desmaiou quando o fragor passou por cima dele. Caiu no chão. Comprimiu as mãos contra os ouvidos, mas isso não adiantou nada. Os ruídos penetravam pela testa, pelo nariz, pela caixa craniana. Gritou, mas não ouviu a própria voz. Fez um grande esforço para pôr-se de joelhos e viu Barbara executar uma dança louca. Levantou-se, cambaleou em sua direção e segurou-a pelos ombros. Barbara parou e fitou-o com os olhos injetados de sangue. Parecia que não o via. Os pensamentos que ainda restavam na mente de Joel concentraram-se num ponto: “Se as coisas continuarem assim por cinco minutos, enlouquecerei.” Não sabia de onde vinha o ruído. Não sabia qual era sua causa ou finalidade. Mas sabia que tinha que desligá-lo, se quisesse continuar vivo. Não teve forças para preocupar-se com Barbara. Saiu cambaleando. Nem se deu conta do que estava fazendo. Levantou a mão e ligou o rotor. Levantou vôo e seguiu em direção ao sul. O ruído parecia diminuir. Reanimou-se e aumentou a velocidade do aparelho. Dali a trinta segundos teve certeza de que realmente se afastava da fonte do ruído. Mas também compreendeu que, dentro do tempo muito limitado que ainda restava ao seu cérebro martirizado, não conseguiria afastar-se o bastante para ficar em segurança. Parou e voltou atrás. Viu que Barbara o seguira. Fez sinal para que continuasse a voar para o sul. Ele mesmo seguiu para o norte. Virou-se uma única vez e viu que Barbara continuava a segui-lo. Fizera meia-volta e estava voando atrás dele. Joel parou, deixou que ela se aproximasse e virou seu rotor para o sul, para que voasse nessa direção. Esperou alguns segundos, para certificar-se de que sua manobra fora bem-sucedida. Só prosseguiu no seu caminho, quando viu Barbara passar por cima de uma colina e afastarse por cima da planície. O ruído cresceu. Mas isso não importava. Pouco importava que o cérebro executasse saltos de um ou dois milímetros no interior do crânio. Joel já não controlava

os próprios pensamentos. Só num canto da mente continuou a ter consciência de que, para continuar vivo, teria que descobrir e destruir a fonte do ruído. Passou entre duas colinas baixas. Vomitou sem que percebesse. Já deixara para trás o acampamento. Entrou numa depressão que parecia ser muito mais profunda que as que havia visto até então. Seguiu em direção ao flanco de uma colina que parecia ser muito mais íngreme que os outros. A intensidade do ruído continuava a aumentar. Num canto do cérebro Joel sabia que só metade de seu ser continuava vivo. Logo morreria de vez, se o ruído não cessasse. Viu uma abertura negra no flanco rochoso da colina. Os pensamentos voltaram a coordenar-se. A lembrança acabara de agrupá-los. Era a caverna! A caverna em cujo interior os tripulantes da Explorer-3218 haviam descoberto os restos do verme do pavor. O ruído vinha do interior da caverna. E nessa caverna estava instalada a misteriosa máquina. O som era uma arma! Uma arma que tinha por fim matar qualquer estranho. Qualquer ser que se encontrasse em Zanmalon e tivesse assistido ao transporte da camada de molkex e dos vermes do pavor. “Este som foi feito para matá-lo, Joel Carso”, pensaram as idéias lentas de Joel. “Deverá matá-lo para que não possa contar a ninguém o que você viu.” Os dedos cansados e doloridos apalparam a carabina. O polegar débil colocou-se sobre o botão acionador. O rotor carregou o corpo mole, praticamente imobilizado, para dentro do buraco negro. Atrás desse buraco estendia-se a penumbra, uma penumbra que bramia, trovejava. Lá atrás ficava a máquina. Era uma caixa gigantesca, que parecia se estender à luz crepuscular que nem uma montanha. O cano da carabina ergueu-se lentamente. O botão comprimiu o acionador. A arma descarregou-se, completamente silenciosa em meio ao rugido. Os projéteis romperam a máquina. Traçaram uma linha oblíqua em seu revestimento e destruíram peças importantes em seu interior. O barulho infernal cessou de um instante para outro. A mudança repentina foi demais para Joel Carso. Desmaiou, pendurado no rotor. *** Quando viu o rosto de Barbara em cima dele, ainda estava surdo. Viu Barbara mover os lábios, mas não ouvia suas palavras. Num gesto cansado levantou a mão direita, colocou-a no ouvido e sacudiu a cabeça. Barbara compreendeu. Sorria e acenava com a cabeça. Finalmente fez um gesto com o braço. Joel viu que se encontrava no seu camarote: no seu camarote, a bordo da Carol-D. Estava indo para casa! No dia seguinte recuperou a audição. Descobriu como fora salvo. A decolagem das duas naves desconhecidas fora observado pela Carol-D, que desceu em Zanmalon e pousou nas proximidades do acampamento. Barbara havia resistido à tempestade sonora. Viu a nave pousar e apresentou a Gino Poppa ou relato provisório dos acontecimentos que se haviam desenrolado nesse meio tempo. O próprio Gino pegou um planador e vasculhou as áreas adjacentes ao acampamento. Descobriu a caverna. No interior desta Joel Carso estava desmaiado. Continuava pendurado em seu rotor, que trabalhava

ininterruptamente. Levaram-no à nave e dispensaram-lhe o tratamento médico de que precisava. Além disso a máquina foi desmontada e levada a bordo. Neste momento a Carol-D encontrava-se a duas unidades astronômicas da Terra e já se preparava para o pouso. *** Naquele mesmo dia o Capitão Joel Carso entrou no gabinete de seu superior e apresentou-se conforme mandava o regulamento: — O Capitão Carso vem se apresentar, sir. Missão cumprida. Seis homens do grupo morreram, um está ferido e três não sofreram nada. O homem grisalho sentado atrás da escrivaninha retribuiu seu olhar com uma expressão séria e amável ao mesmo tempo. — Sente-se, Carso — pediu. Depois prosseguiu: — Tenho um relatório elaborado pela Dra. Spencer e pelo Tenente Poppa, que contaram com a ajuda de mister Peppers. O relatório veio às minhas mãos cinco horas antes da chegada do senhor. Já foi examinado por alguns especialistas. O homem grisalho levantou os olhos. — Já temos certeza de que os gafanhotos córneos, o molkex e os vermes do pavor constituem manifestações de um mesmo processo biológico. Em outras palavras, são estágios de uma série de metamorfoses. Além disso acreditamos que certas inteligências desconhecidas, de cuja existência nem desconfiávamos, estão envolvidas nesse jogo mortífero. Ainda somos de opinião que os gafanhotos córneos e os vermes do pavor são usados para um objetivo estranho à finalidade biológica desses seres, consistente em crescer e multiplicar-se. “Quem descobriu isso foi o senhor e seus companheiros, Capitão Carso. Não posso deixar de reconhecer que não teve muita sorte em sua missão. Perdeu seis pessoas em dez. Mas quanto ao resultado da missão, não estarei contando nenhum segredo ao dizer que o comando supremo lhe fica muito reconhecido.” Joel pôs-se de pé. Ainda cambaleava. — Obrigado, sir, muito obrigado — gaguejou. — Entregarei meu próprio relatório o mais depressa possível. Além disso peço permissão para apresentar um relatório à Divisão Psicanalítica. O homem grisalho fitou-o com uma expressão indagadora. — A respeito de quê, Carso? Os olhos de Joel brilharam. — A respeito do grupo de paisanos mais teimoso, convencido, presunçoso, estúpido, valente e maravilhoso que jamais foi comandado por um oficial, sir.

*** ** *

Uns aprenderam, outros morreram! Estas palavras caracterizam perfeitamente os grandes acontecimentos descritos sobre os vermes do pavor. O comando de dez terranos pousou em Zanmalon, mas os homens encontraram-se em situação desesperadora, pois viram-se diante de um perigo que não podem enfrentar com as armas de que dispõem... O próximo volume da série traz o título Quatro Agentes da USO.

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