P-219 - O Teleportadores - Kurt Mahr

  • November 2019
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  • Words: 30,597
  • Pages: 62
(P-219)

ATENÇÃO, TELEPORTADORES Autor

KURT MAHR

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Digitalização

VITÓRIO Revisão

ARLINDO_SAN

10.000 anos — numa época em que no planeta Terra ainda não existia uma civilização digna desse nome — os arcônidas estavam travando uma luta encarniçada com os metanitas. A guerra que abalou os alicerces do império arcônida, teria levado Árcon à destruição total, se os seres que então dominavam a Galáxia não tivessem conseguido utilizar, no momento decisivo, uma nova arma contra os metanitas, que acabaram sendo derrotados, e os arcônidas, em cuja frota Atlan combatia como jovem comandante, foram levados a acreditar que tinham eliminado para todo o sempre o perigo representado por essas inteligências não-humanóides. Mas agora, cerca de 10.000 anos depois, quando já faz bastante tempo que o Império Solar da Humanidade, governado por Perry Rhodan, assumiu a herança dos arcônidas, surge uma surpresa. O poder dos metanitas não tinha sido quebrado de vez. O Lorde-Almirante Atlan, amigo e mentor de Perry Rhodan, é o primeiro a reconhecer o perigo que os ameaça. E quando a gigantesca fortaleza voadora dos metanitas sai pelo transmissor do sistema de Gêmeos — levando a bordo a Crest II, que já tinha voltado ao tamanho normal — a frota de vigilância de Julian Tifflor também entra em prontidão. A fortaleza voadora representa uma ameaça para a rota de transmissores que leva para Andrômeda. Como não é possível atacá-la com armas convencionais, três dos mutantes mais capazes de Rhodan têm de entrar em ação... E, quando Ras Tschubai, Tako Kakuta e Gucky iniciam sua missão, a divisa é: Atenção, Teleportadores!

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Personagens Principais: = = = = = = =

Tako Kakuta, Ras Tschubai e Gucky — Três teleportadores que saltam de volta para a fortaleza voadora dos maahks. Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar. Mark Lallier — Um rastreador que sente tédio. Professor Arno Kalup — Hiperfísico e chefe da defesa de Kahalo. Julian Tifflor — Marechal solar que se admira ao ver que a Crest vai embora. Allan D. Mercant — Guardião postado junto à porta de entrada da rota dos transmissores.

1 Era uma sala pequena, de cerca de quatro metros quadrados. Uma das paredes era redonda, e as outras três retas. Diante da parede redonda via-se o maior dos consoles de comando, com quatro telas de reflexos verdes, que um rastreador deve possuir. As luzes do teto estavam desligadas. Mark Lallier não viu nada além das luzes de controle, pequenas e ofuscantes, e do verde suave das quatro telas. O zumbido dos aparelhos era muito monótono e representava um convite para tirar um cochilo. Para manter-se acordado, Mark pôs-se a estudar o traçado das coordenadas das telas de reflexos. Fazia três dias terranos que o cruzador ligeiro Gales se mantinha praticamente imóvel no espaço, a cerca de três milhões de quilômetros de Kahalo. E fazia três dias que Mark Lallier ocupava o mesmo posto, e nada de importante tinha acontecido. Dentro de cinqüenta e três horas a Gales voltaria para Kahalo. Mark tinha certeza de que neste espaço de tempo também não aconteceria nada. O sistema de Orbon com seus seis planetas era o lugar mais tranqüilo da Via Láctea. Eram quinze horas e dez minutos, tempo de bordo, quando Mark Lallier se entregou pela vigésima vez no mesmo dia a este tipo de pensamentos. Às quinze horas e doze minutos ficaria sabendo repentinamente que não era bem assim. Um ponto ofuscante apareceu no ângulo superior direito de uma das telas do rastreador. No mesmo instante soou um sinal de alerta. Mark sobressaltou-se. Sua experiência de encarregado do rastreador lhe ensinou desde o início que um peixe todo especial acabara de entrar em sua rede. O objeto desconhecido encontrava-se a grande distância, cerca de três milhões de quilômetros. Se assim mesmo produzia um reflexo intenso, devia ser muito grande. Mark ligou os aparelhos. Demorou apenas alguns segundos até que recebesse os resultados da interpretação preliminar, que o deixaram estupefato. Não sabia que objeto era este que se encontrava lá adiante, mas de uma coisa ele tinha certeza: era o maior que já tinha visto. *** Às quinze horas e doze minutos o mesmo reflexo que Mark Lallier estava recebendo três conveses abaixo foi projetado numa das telas secundárias da sala de comando da Gales. Ninguém lhe deu atenção. Os oficiais estavam muito mais interessados numa imagem que aparecia na tela ótica. Uma luminosidade vermelha, com aspecto de bolha, apareceu sobre a bola luminosa vermelha que era Kahalo. Não foi crescendo paulatinamente. Saltou no meio da escuridão com a violência de um relâmpago, fazendo Kahalo desaparecer atrás de sua luminosidade. O Major Kuttner, comandante da Gales, deu ordem para que sua nave entrasse em prontidão. Sua tarefa não consistia em incomodar-se com os acontecimentos que se verificassem nas imediações de Kahalo. Aquela bolha luminosa vermelha não lhe dizia respeito, mas Kuttner sabia o que a mesma significava. O transmissor das pirâmides acabara de entrar em funcionamento. O comando da Frota dera ordem para que os comandantes das naves estacionadas no setor espacial de Kahalo fossem informados com antecedência sobre qualquer movimentação de espaçonaves, inclusive a chegada de

novas unidades pelo transmissor. O objeto que acabara de aparecer nas proximidades de Kahalo não fora esperado. Kuttner tinha certeza de que se tratava de um veículo espacial desconhecido. E um veículo desconhecido nas proximidades de Kahalo sempre representava um perigo. Às quinze horas e quinze minutos Kuttner recebeu um chamado do centro de rastreamento. A voz de Mark Lallier parecia nervosa; quase chegava a ser histérica. — Localizamos um objeto, senhor! — exclamou. — Uma coisa gigantesca apareceu cerca de cinco mil quilômetros acima de Kahalo. A dimensão maior chega pelo menos a cento e oitenta quilômetros. A reação de Kuttner foi idêntica à de qualquer outra pessoa que estivesse no seu lugar. Mandou que Mark fizesse uma verificação dos seus instrumentos. Uma espaçonave de cento e oitenta quilômetros era uma coisa que não existia. — Foi a primeira reação que tive, senhor — respondeu Mark. — Os instrumentos estão em perfeitas condições. Aquilo realmente é deste tamanho. Kuttner colocou a Gales em estado de prontidão rigorosa. Assim que as sereias começaram a uivar, chegou uma mensagem do comando geral da Frota. O texto era o seguinte: — Objeto voador desconhecido acaba de entrar no transmissor. Todas as unidades deverão estar preparadas para seguir as ordens dos comandantes dos respectivos grupos. Atenção: O objeto voador desconhecido é uma figura de tamanho extraordinário. Kuttner compreendeu no mesmo instante que Mark não se enganara. A segunda batalha de Kahalo acabara de ter início. *** — Que houve? — resmungou Arno Kalup sem levantar os olhos. À sua frente encontrava-se um dos consoles de comando mais complicados entre os que controlavam o transmissor das pirâmides. Esse console ficava numa sala abobadada, que formava o centro das gigantescas instalações. A sala estava vazia, com exceção do zumbido das fileiras de aparelhos que não tinham fim — e de Arno Kalup, que tinha dado ordem para que não fosse perturbado no trabalho. — Houve um imprevisto, professor — disse uma voz suave. — O transmissor acaba de entrar em funcionamento. Arno Kalup deu uma estrondosa gargalhada. O rosto sorridente de uma jovem mulher aparecia na tela que se encontrava à sua frente. — Estou sentado bem na fonte, moça — disse Kalup com uma risada. — Acha que uma coisa dessas teria me escapado? O transmissor entrou em funcionamento às quinze horas e doze minutos, hora local, e desde então tento descobrir qual dos aparelhos que se encontram aqui embaixo tem algo a ver com isso. — Naturalmente, senhor — respondeu a mulher. Havia alguma coisa em sua voz que deixou Kalup desconfiado. — Mas...?—perguntou. — Trata-se de uma passagem não programada, senhor. A nave que chegou aqui às quinze e doze não é nenhuma das nossas unidades. Arno Kalup não perdia a calma por pouca coisa. Desde a primeira batalha de Kahalo, que terminara com a expulsão das naves-lápis do inimigo e a ocupação do transmissor das pirâmides, trabalhava na sala de controle, procurando desvendar os segredos da estranha técnica de regulagem. Era um cientista. Não se interessava pelos planos dos políticos e dos militares. Muitas naves tinham entrado no transmissor e saído

do mesmo desde o momento em que Kalup iniciara seu trabalho. Para ele isso representava uma vantagem. Toda vez que o transmissor entrava em funcionamento, obtinha novas informações sobre as funções do mecanismo de regulagem. Já estava em condições de, à sua vontade, fechar o transmissor para a transmissão ou a recepção, utilizando-o exclusivamente como transmissor ou receptor. Uma “equipe de cinqüenta cientistas, à qual pertencia Jane Keyser, a mulher cujo rosto aparecia na tela, trabalhava nas instalações que ficavam fora da sala de controle propriamente dita. Arno Kalup esperava que dentro de dois meses no máximo se familiarizassem com as instalações, a tal ponto que ele e sua equipe pudessem manipulá-las à vontade. Quando Jane o informou sobre a presença da nave desconhecida, Kalup compreendeu imediatamente o que significava isso. O inimigo estava fazendo mais uma tentativa de impedir que os terranos usassem o transmissor. — Ligue-me com o comando da Frota, Jane — pediu em tom sério. — A ligação já foi providenciada, professor — respondeu Jane. — Vou colocá-lo em contato com a nave Napoleão. A imagem projetada na tela mudou. O rosto sorridente e amável de um homem de meia idade apareceu na mesma. Allan D. Mercant parecia desorientado e insignificante como sempre. — Professor — principiou em tom acanhado. — O senhor já ouviu falar na Fortaleza, não ouviu? Kalup lembrou-se de ter ouvido falar numa gigantesca espaçonave com a qual Rhodan andara lutando no espaço intergaláctico. Mercant não aguardou a resposta. — Pois essa fortaleza está aqui! — constatou. — Fique na linha. Fizemos sair uma sonda que está tirando fotografias a dez mil quilômetros de distância. Olhe só! O rosto sorridente de Mercant desapareceu. No seu lugar apareceu a profusão de estrelas e, em primeiro plano, brilhante, uma figura apavorantemente estranha. A sonda estava tirando fotografias telescópio as. Arno Kalup via a nave desconhecida como se estivesse olhando bem de perto. A parte principal do objeto era um grosso eixo cilíndrico. Oito raios de roda saíam do centro do eixo. Em cada um enfileiravam-se dez esferas. A figura ameaçadora permanecia silenciosa e imóvel no centro da tela de televisão. Arno Kalup olhou para ela por tanto tempo que seus olhos começaram a doer. De repente a figura desmanchou-se. Um raio apareceu na tela, e dali a alguns segundos o rosto de Allan D. Mercant surgiu de novo. Desta vez não estava sorrindo. — Descobriram a sonda e a destruíram — disse em tom frio. — Acho que o senhor está interessado em saber que o eixo central tem duzentos quilômetros de comprimento e cerca de cinqüenta de espessura. Cada raio de roda também tem cinqüenta quilômetros de comprimento e as esferas presas aos mesmos têm dois quilômetros de diâmetro. É a primeira vez que enfrentamos uma coisa desse tamanho, professor. Não há dúvida de que a missão da Fortaleza consiste em ocupar ou destruir Kahalo. Atacarei dentro de dez minutos, usando todos os recursos que disponho. As perspectivas não são nada brilhantes, mas precisamos manter Kahalo. Faça o que estiver ao seu alcance para proteger o transmissor. As tropas de vigilância estacionadas aí embaixo chegam a dez mil homens. Estes homens estão sob suas ordens. Não tenho mais tempo. Faça o que puder. Arno Kalup nem sequer teve tempo para confirmar o recebimento da ordem. A ligação foi interrompida. Kalup começou a mexer-se. Revelando uma agilidade que ninguém teria suspeitado nesse espírito puramente teórico, pôs-se a dar instruções. As tropas de vigilância receberam ordens para ocupar suas posições de defesa e rechaçar

qualquer estranho que tentasse entrar na área dos transmissores das pirâmides. A própria equipe de Kalup preparou algumas sondas de imagem e as enviou ao espaço, para evitar que o professor dependesse exclusivamente das informações de terceiros. Kalup permaneceu no centro de controle. Convocou Jane Keyser e alguns dos seus assistentes. Ficaram contemplando a pequena tela de imagem, na qual estavam sendo projetadas uma após a outra as fotografias tiradas pelas sondas. A situação poderia ser tudo, menos brilhante. Antes que o Marechal Solar Mercant pudesse desferir o primeiro golpe, a Fortaleza parecia ter passado ao ataque. O aspecto da gigantesca nave mudou completamente. A mesma envolveu-se num campo defensivo verde-brilhante e elipsóide que ocultava os contornos do gigantesco veículo. Espirais fantasmagóricas atravessavam o espaço escuro como dedos gigantescos, e quando atingiam o alvo uma nave terrana desmanchava-se em fogo. Os terranos estavam praticamente indefesos diante das poderosas armas do inimigo. A Fortaleza encontrava-se bem longe da área em que as energias do transmissor pudessem produzir efeitos. Arno Kalup pretendia reconduzir a gigantesca espaçonave o mais depressa possível de volta ao lugar de onde tinha vindo, mas seu plano desmanchouse no nada. A Fortaleza continuou a afastar-se da zona de influência do transmissor, e cada salva de espirais despejada pela mesma destruía uma das naves de Allan D. Mercant. A situação mudou de repente. A Fortaleza modificou sua rota. Arno Kalup não percebeu nada, pois as sondas eram dirigidas de tal maneira que permaneciam sempre à mesma distância da espaçonave inimiga. Foi Jane quem lhe chamou a atenção para o fato. — As sondas estão chegando mais perto, professor — exclamou. — Parece que a Fortaleza está se deslocando em direção a Kahalo. Arno Kalup mordeu o lábio. O inimigo queria matar dois coelhos de uma só cajadada. Seu campo defensivo só podia ser rompido pelas armas terranas de calibre mais grosso. Estas armas não podiam ser utilizadas nas imediações do planeta. Além disso a manobra estava levando a Fortaleza para bem perto do transmissor hexagonal. As pirâmides poderiam ser atacadas a qualquer momento. Arno Kalup perguntou-se como poderia resistir com dez mil homens, se Allan D. Mercant não conseguira intimidar o inimigo com suas duas mil naves. Mas a Fortaleza parou a cinco mil quilômetros de Kahalo, bem longe da área do transmissor. As sondas registraram que minúsculos objetos voadores se desprenderam das esferas enfileiradas ao longe dos raios da roda. Formaram grupos imensos, que começaram a descer vertircalmente, para depois seguir em direção ao hexágono formado pelas pirâmides. Arno Kalup teve seu grande momento. Nunca ninguém o vira tão nervoso. Os dedos robustos e ossudos pareciam cravar-se nos comandos embutidos no grande console de regulagem. O professor prendeu a respiração, enquanto acompanhava o vôo dos pequenos objetos voadores. Estes nem desconfiavam do perigo que os ameaçava. Penetraram prontamente na área do transmissor. Arno Kalup mexeu em dois comandos ao mesmo tempo. Um raio colorido e ofuscante atravessou a tela. Quando a tela voltou a clarear, os pequenos objetos voadores tinham desaparecido. Arno Kalup acabara de mandá-los de volta ao lugar de onde tinham vindo — o sistema de Gêmeos. Nenhuma das pessoas que se encontravam no grande centro de comando entregouse a ilusões sobre a importância do resultado que acabara de ser alcançado. O inimigo não sabia que o transmissor estava guarnecido. Mas agora já descobrira e certamente tomaria

suas providências. Por enquanto a Fortaleza mantinha-se imóvel, cercada por seu campo defensivo verde, permanecendo a cinco mil quilômetros de Kahalo. Arno Kalup não tinha certeza se, na impossibilidade de ocupar o transmissor, o inimigo não resolveria destruir as pirâmides. Era uma perspectiva desoladora. Arno Kalup, e nenhuma das pessoas que serviam na Frota Solar, conhecia um meio contra as espirais fantasmagóricas disparadas pela Fortaleza.

2 Na verdade, a segunda batalha pela posse de Kahalo tinha começado há bastante tempo, a 900.000 anos-luz do cenário da luta desesperada que estava sendo travada. Perry Rhodan viu a luminosidade ofuscante do centro de condensação do transmissor dos dois sóis projetada na gigantesca tela panorâmica instalada na sala de comando da Crest II. Por alguns segundos os discos amarelos que eram os dois sóis do sistema de Gêmeos desapareceram sob a claridade violenta da descarga que dava início ao processo de transporte. O que estava desaparecendo no transmissor era a monstruosa fortaleza espacial dos seres que respiravam metano, a figura mais gigantesca que olhos humanos já tinham visto voando, depois de Peregrino. A luta chegara ao fim. As unidades da Frota, que sofrera perdas consideráveis, reuniram-se sob as ordens de Julian Tifflor. A Crest II manteve-se um tanto afastada. Além de Perry Rhodan, o desaparecimento da Fortaleza estava sendo observado por Atlan, o arcônida, e pelo halutense Icho Tolot, cuja figura gigantesca permanecia imóvel no centro da sala. Os oficiais que se encontravam junto aos quadros de comando dispostos ao longo das paredes executavam calmamente seu trabalho. Rhodan sentiu-se aliviado. Era a primeira vez que alcançara uma vitória bem definida numa batalha travada no espaço intergaláctico. O inimigo fugira. E quando o inimigo foge, a vitória foi alcançada. Teria sido mesmo...? Uma idéia atravessou o cérebro de Rhodan. Será que a Fortaleza não tinha se afastado do campo de batalha por motivos táticos? Talvez os metanitas estivessem recebendo ordens de alguém e nem tivessem fugido, mas davam início à execução de um novo projeto. Rhodan não pôde prosseguir em suas reflexões. Icho Tolot, o halutense, soltou um grito ensurdecedor. Revelando uma agilidade que ninguém pensaria encontrar neste corpo maciço, precipitou-se sobre o console do comandante, junto ao qual Cart Rudo estava lendo seus instrumentos. A arrancada de Icho Tolot surpreendeu todo mundo, menos Rhodan. Havia dois oficiais parados nos degraus que levavam ao console do comandante. Os braços enormes do halutense varreram-nos para longe antes que reconhecessem o perigo. Icho correu degraus acima. Cart Rudo viu-o chegar e levantou-se de um salto. Quis dizer alguma coisa, mas antes que a primeira palavra passasse por seus lábios Icho Tolot agarrou-o e colocou-o do outro lado do console como se estivesse lidando com um brinquedo. O halutense pôs-se a manipular os comandos com uma pressa incrível. Sereias de alerta fizeram-se ouvir. A voz metálica de um robô, liberada pelos comandos dados por Icho, saiu dos alto-falantes. — Atenção, prontidão rigorosa! Acelerar ao máximo! Todos aos postos de combate... Foi tudo apenas uma questão de segundos. Rhodan foi o único que compreendeu o que estava acontecendo. O mesmo identificara o perigo no mesmo instante que o halutense, mas as reações de Icho Tolot eram mais rápidas. Em virtude da batalha de Kahalo, o transmissor das pirâmides caíra nas mãos dos terranos. A regulagem vetorial do transmissor estava fixada de forma imutável no sistema

de Gêmeos. Qualquer objeto que entrasse na área de ação do transmissor, entre os dois sóis de Gêmeos, só poderia materializar num certo lugar. Perto de Kahalo...! E Allan D. Mercant tinha instalado seu quartel-general em Kahalo. Mercant era um dos elementos mais competentes da equipe dirigente do Império Solar. Mas até mesmo ele seria impotente diante da Fortaleza. Mesmo que houvesse uma defesa contra a monstruosa espaçonave inimiga, a mesma enfraqueceria as frotas de Mercant a tal ponto que nos primeiros momentos de surpresa já não seria possível opor uma resistência eficaz à mesma. Só havia uma possibilidade. A Crest teria de seguir a Fortaleza o mais depressa que podia. Icho Tolot percebera isso. Por isso manipulou os comandos, fazendo com que os propulsores funcionassem ao máximo de sua capacidade, empurrando a enorme espaçonave em direção ao centro de concentração do campo do transmissor. A Crest atingiria o ponto de transmissão numa questão de minutos, para num grande salto pelo hiperespaço percorrer os 900.000 anos-luz que a separavam de Kahalo. E o choque da transição era algo que o corpo humano desprotegido não agüentava. Rhodan saiu correndo em direção ao console mais próximo. Com uma mensagem circular pôs de prontidão a equipe médica. Aquilo que fora treinado inúmeras vezes para as situações de emergência desenrolou-se com uma precisão sem igual. Todos os tripulantes receberam ordens para preparar com os medicamentos já prontos uma injeção e aplicá-la em seu próprio corpo. Cinco minutos depois da transmissão da mensagem de Perry Rhodan mais de cinqüenta por cento da tripulação estava mergulhada num profundo sono artificialmente provocado. Os outros estavam com a injeção preparada e a aplicariam assim que tivessem tomado as últimas medidas que estavam a seu cargo. A única pessoa que queria estar consciente no momento da transição era Icho Tolot, o halutense. Diante de sua capacidade de modificar à vontade a estrutura molecular de seu corpo, podia enfrentar quase tudo sem o menor inconveniente. Rhodan transmitiu uma mensagem lacônica para Julian Tifflor, para explicar a importância da manobra inesperada. Tifflor recebeu instruções para assumir o comando do grupo da Frota que operava no sistema de Gêmeos, e esperar novas instruções. A Crest continuava a deslocar-se em velocidade cada vez maior em direção à fresta estreita que se abria entre os dois sóis. Uma única protuberância chamejante avançou espaço a fora, como se quisesse rechaçar o corpo estranho que se aproximava em velocidade alucinante do centro de condensação. Rhodan conhecia os efeitos do medicamento. Esperou até que as telas que o cercavam mostrassem a massa de gases incandescentes dos dois sóis. Só depois disso aplicou a injeção em si mesmo. O resultado foi quase instantâneo. Mal acabou de injetar o medicamento, o Administrador do Império Solar mergulhou num estado próximo à morte. Não chegou a ver os objetos minúsculos que saíram do tremor do núcleo de condensação do transmissor quase no mesmo instante em que a Crest deu início ao grande salto. Eram tão grandes e atingiam uma velocidade tão elevada que nem mesmo a extraordinária capacidade visual de Icho Tolot constatou sua presença. A Crest atravessou a cortina luminosa ofuscante do campo de transmissão e desapareceu na imensidão confusa do hiperespaço. *** Julian Tifflor ficou ocupado durante alguns minutos respondendo às perguntas nervosas dos comandantes de grupos de naves que lhe estavam subordinados. Todo

mundo queria saber o que tinha dado de repente nos homens que comandavam a Crest. A gigantesca espaçonave já tinha sido engolida pelos campos chamejantes do transmissor solar. Julian Tifflor conseguiu tranqüilizar seus oficiais. A frota formada por cerca de quatro mil e setecentas naves voltou a acalmar-se. Julian Tifflor dispôs-se a transmitir o comando de sua nave-capitânia, a Rasputim, ao imediato. No interior do sistema de Gêmeos estava tudo calmo. O inimigo fora expulso, e só se poderia pensar em desempenhar novas atividades, além das previamente planejadas, quando Rhodan tivesse tempo de elaborar novas instruções. Julian Tifflor estava de pé há trinta horas. Precisava descansar. Mas não teve descanso. Seu imediato ainda estava com a mão levantada em continência quando o intercomunicador emitiu um zumbido. Julian ligou o aparelho. O rosto de um dos oficiais que estavam de serviço junto ao console circular da sala de comando apareceu na tela. — Estamos captando uma série de reflexos estranhos, senhor — disse uma voz calma. — São milhares de objetos pequenos, que se deslocam em direção ao anel planetário, vindos dos dois sóis. Tifflor reprimiu um bocejo. — Obrigado — disse em voz cansada. — Mantenha-me informado. Desligou e com um sorriso cansado no rosto virou a cabeça para o imediato. — Sente — pediu. — Parece que o revezamento vai demorar mais um pouco. O console do comandante ficava em posição um pouco elevada, e dali se via toda a sala de comando. A maioria dos oficiais que trabalhavam junto ao console circular estavam informados sobre a indicação surpreendente do rastreador. Julian Tifflor sentiu a tensão crescer de novo. Sentia-se exausto e tinha certeza de que já merecia um descanso. Ficou com raiva das coisinhas que estavam vagando pelo espaço. Só confiava no inimigo na medida em que podia ficar de olho nele. Sentiu-se inseguro por não saber o que estava para acontecer. Demorou mais dez minutos até que recebesse o primeiro relato do centro de rastreamento. — São cerca de cinqüenta mil objetos, senhor. Deslocam-se a uma velocidade média de vinte mil metros por segundo. Movimentam-se em leque, a partir do centro de condensação. Ainda não foi possível determinar o tamanho exato dos objetos, mas temos certeza de que a dimensão maior não é superior a dez metros. Julian teve uma pergunta. — Há algum indício de que o movimento dos objetos esteja sendo orientado? — Não senhor. Os objetos realizam um vôo inercial. Estão reduzindo a velocidade, em virtude da gravitação solar. Julian moveu a chave para cima, apoiou a cabeça nas mãos por alguns segundos e voltou a segurar o intercomunicador. O homem que apareceu na tela era o oficial que comandava a eclusa do hangar. Julian deu ordem para que preparasse uma nave-girino. Não perdeu muitas palavras: entregou provisoriamente o comando da Rasputim ao imediato, reservando-se o comando supremo do grupo de naves. — Quero ver com meus próprios olhos o que anda voando lá fora — limitou-se a dizer. Dali a alguns segundos abandonou a sala de comando, e dentro de mais dez minutos encontrava-se a bordo da nave-girino já preparada, com cinqüenta homens a bordo, que saiu imediatamente da comporta externa da eclusa da Rasputim.

Nunca gostara do céu que cobria o sistema de Gêmeos, e agora, que estava sentado na sala de comando apertada de uma nave-girino, estava gostando menos ainda. Estava acostumado a contemplar a imensidão do espaço livre, semeado de estrelas. Os dois olhos fulgurantes do sol geminado deixavam-no irritado. Pelos seus cálculos não devia estar a uma distância maior do centro do sistema que o separava de nosso Sol, caso se encontrasse entre as órbitas de Mercúrio e Vênus. Dessa forma seu campo de manobra era bastante reduzido. Felizmente os pequenos objetos desconhecidos continuavam com uma aparência inofensiva. Julian logo chegou à conclusão de que só podiam ser resultado de algum acidente. Se participassem de uma ação planejada, sua movimentação certamente não seria tão lenta e desajeitada. Mas apesar de tudo preferiu ser cauteloso. Os pequenos objetos voadores deslocavam-se em direções diferentes, mas permaneciam praticamente no mesmo plano. Julian escolheu um dos poucos que tinham saído do plano geral e, se deixados à vontade, passariam de dois a dez milhões de quilômetros acima do anel planetário. Manobrou cautelosamente a nave-girino para perto do estranho objeto. O próprio Julian pilotou a nave auxiliar. Olhava com uma expressão tensa para a tela frontal, na qual o ponto cintilante que representava o objeto estranho aparecera pela primeira vez há alguns segundos. Dentro de alguns minutos esse objeto adquiriu novas formas. Os telescópios da nave auxiliar mostraram um corpo em forma de charuto, formado ao menos em parte de metal polido, e que tinha pouco mais de quatro metros de comprimento. O diâmetro não era superior a dois metros. Um dos oficiais observou que se tratava de um cigarro de formato bem grosseiro. Julian fez a nave desenvolver a mesma velocidade do objeto que deslizava pelo espaço e manteve cem metros de distância do mesmo. Os telescópios já estavam em condições de examinar calmamente o objeto desconhecido. A cada segundo que passava, os ocupantes da nave-girino sentiam-se mais seguros. Se o charuto representasse um perigo, já deveriam ter percebido. O objeto voador emitia sinais pouco intensos de atividade energética. Seu campo energético era da mesma espécie dos que são gerados por microgeradores de fusão. O corpo desconhecido descrevia um movimento de rotação lento em torno do próprio eixo longitudinal. Julian apurou que levava cerca de vinte minutos para completar um movimento de rotação. Por enquanto só metade da superfície do objeto tinha sido alcançada pelas objetivas dos telescópios. A outra metade foi entrando no campo de visão com uma lentidão quase insuportável. Julian aumentou a ampliação setorial. Tinha-se a impressão de que o charuto estava encostado às objetivas. O objeto continuou a girar lentamente. Alguns traços quase imperceptíveis que apareciam no metal permitiam que se observasse o movimento de rotação. Provavelmente tratava-se de arranhões produzidos por micrometeoritos com os quais o charuto tinha se encontrado durante sua caminhada pelo espaço. Uma sombra apareceu na extremidade superior do quadro. A conversa em voz baixa que era travada em torno de Tifflor foi interrompida. Todos prenderam a respiração enquanto contemplavam a grande tela. A sombra foi crescendo para baixo, milímetro após milímetro. Parecia uma peça de material escuro incrustada no envoltório metálico cintilante, que interrompia o mesmo numa área de cerca de trinta centímetros de comprimento, e numa largura que por enquanto não se podia avaliar.

Tifflor ficou martirizando o cérebro para encontrar uma solução para o enigma. Qual seria a função do charuto? Como fora parar no transmissor? Teria aparecido no sistema de Gêmeos por acaso? Ou havia alguma intenção oculta atrás disso? De repente a superfície escura lançou um raio fulgurante. Julian abaixou-se instintivamente, mas não aconteceu nada. Levantou perplexo, e no mesmo instante teve a resposta à pergunta que o andava atormentando. O raio fora apenas um reflexo luminoso. A mancha escura que interrompia o envoltório metálico era um pedaço de vidro. Era escuro porque deixava passar e absorvia quantidades maiores de luz que o metal polido. Um pedaço de vidro dentro de um envoltório metálico... Só havia uma conclusão lógica... A extremidade superior da lâmina de vidro entrou no campo de imagem. Por dois ou três minutos o vidro ficou frontalmente virado para as objetivas. A substância de que era feita o vidro tinha sido levemente tingida, a fim de proteger aquilo que se encontrava no interior do charuto contra as emanações ofuscantes dos sóis. A janela parecia ser um buraco escuro. Um par de olhos grandes e sem vida destacou-se na escuridão, fitando as lentes das câmaras. Julian Tifflor sentiu que um calafrio lhe descia pela espinha. *** Levaram mais alguns minutos para recolher o charuto. Tratava-se de um traje espacial voador, em cuja popa estavam guardados um gerador de fusão, bocais de combustível e instrumentos de pilotagem. Era uma construção simples, não sujeita a defeitos, que só podia ser concebida por uma tecnologia de alto nível. No interior do traje reinava uma pressão de oitenta e três atmosfera. Julian teve dúvidas em mandar abrir o traje voador. Deu ordens para que uma das câmaras de eclusa fosse cheia com a mesma mistura gasosa que havia no interior do traje, colocada à mesma pressão. A análise de absorção revelou que se tratava de uma mistura de metano, amoníaco, hidrogênio e hélio. O corpo imóvel do desconhecido foi levado à sala da eclusa, devidamente preparada. Os terranos viram-se obrigados a colocar trajes espaciais a bordo de seu próprio veículo espacial, pois do contrário não sobreviveriam naquela atmosfera mortífera. O desconhecido foi retirado do traje espacial e colocado num leito provisório. O único médico que havia a bordo da nave-girino pegou os poucos instrumentos que levava consigo para examinar o corpo cinza-azulado. Julian Tifflor, que vigiara o transporte do desconhecido juntamente com dois oficiais, ficou observando o médico. Este acabou por erguer o corpo e fitou Tifflor. — Nunca ouvi uma preleção sobre os seres desta espécie — disse sua voz seca saída do rádio-capacete. — Mas tenho certeza quase absoluta de que este desconhecido está morto. Julian Tifflor aproximou-se do leito em que estava deitado o desconhecido. O corpo do mesmo era semelhante ao dos humanos, pelo menos até certo ponto. Possuía dois braços e duas pernas. O comprimento total era pouco superior a dois metros. Havia uma estranha proporção entre este comprimento e a largura dos ombros, que chegava a um metro e cinqüenta. O corpo era muito alongado. As pernas eram curtas, mas robustas, e terminavam nos pés com quatro dedos cada. Em compensação os braços eram muito compridos. Eram fortes e grossos desde os ombros e pareciam passar diretamente das juntas para uma ponta afunilada, da qual saíam seis dedos. Com o desconhecido de pé, suas mãos deviam chegar aproximadamente à altura dos joelhos.

A coisa mais extraordinária do corpo do desconhecido era a cabeça. Não havia pescoço, e o crânio assentava diretamente sobre os ombros como uma protuberância em meia-lua. A parte mais elevada da meia-lua era estreita e de formato regular. O ponto mais elevado da meia-lua não ficava mais de quinze centímetros acima do plano formado pelos ombros. Em compensação a cabeça em forma de foice estendia-se de ombro a ombro. Os olhos que Julian tinha visto através do visor do capacete tinham seis centímetros de diâmetro. As pupilas eram semicirculares. O mais estranho era que os olhos atravessavam a protuberância craniana de lado a lado, de forma a possuírem um órgão visual em cada face do crânio. Desta forma o desconhecido era capaz de olhar para a frente e para trás ao mesmo tempo, compensando a imobilidade do crânio. Julian lembrou-se da descrição ligeira que Atlan, o arcônida, fizera dos seres que respiravam metano. Há 10.000 anos, quando o Império de Árcon estava no auge, a raça dos maahks havia levado os arcônidas à beira do colapso. E agora, depois que dez milênios se tinham passado, os piores inimigos que os arcônidas já tinham enfrentado voltavam a interferir na história galáctica. Quando tirou os olhos do grupo cinzento e escamoso para dirigir-se à saída da eclusa, Julian não pôde evitar um calafrio. O médico e os dois oficiais seguiram-no. Respiraram aliviados quando abriram os capacetes do lado oposto da eclusa e os atiraram sobre os ombros. Julian enxugou o suor da testa. — Esta criatura tem quatro olhos — disse, falando lentamente. — Dois na frente e dois atrás. Por que será que em seu traje espacial só existe um visor? Ninguém percebera esse detalhe. O médico parecia embaraçado. Notava-se que os dois oficiais estavam quebrando a cabeça. — Senhor — disse um deles depois de algum tempo. — Talvez seja por causa do limite de resistência do material de que é feito o traje espacial. A lâmina de vidro do visor interrompe a estrutura do traje. Se fosse maior, ou se houvesse duas, o traje espacial não resistiria à pressão. Fitou Julian com uma expressão de curiosidade. Este acenou com a cabeça. — Acho que o senhor tem razão. Não existe outra explicação. O inimigo renuncia às funções de dois dos seus quatro olhos, porque do contrário teria de assumir riscos desnecessários em relação à estabilidade de seu traje de transporte. Além disso a desvantagem é quase totalmente eliminada porque o traje é fácil de manobrar. Basta que o maahk execute um giro do corpo para olhar em outra direção. De repente sorriu. Seus três companheiros fitaram-no com uma expressão de espanto. — Sabem por que isso me deixa contente? — perguntou. — É bom saber que a tecnologia dos maahks também tem seus limites. Isso aumenta nossas chances. Não acham? *** — Meu Deus! — gemeu Arno Kalup. Fazia apenas alguns segundos que a esfera fosca de uma espaçonave terrana estivera na tela, mas agora a mesma tinha desaparecido. Por um tempo infinitamente pequeno um véu verde-pálido parecia atravessar o quadro. Era uma aparição tão vaga que o olho humano era incapaz de saber de onde tinha vindo e para onde ia. Talvez fosse apenas uma ilusão ótica.

Mas a nave continuava desaparecida. Uma terrível suspeita surgiu na cabeça de Kalup. Lembrou-se das conversas que tivera com Atlan, o arcônida. Este lhe falara sobre uma arma usada no tempo em que o Império de Árcon estivera no auge. Deu-lhe o nome de canhão conversor. Tratava-se de um aparelho semelhante a um transmissor, que irradiava um campo na quinta dimensão. Este campo cercava o alvo durante cerca de um centésimo milésimo de segundo. No interior do campo surgia uma zona de instabilidade, que arrancava o objeto que formava o alvo do universo normal e o impelia sob a forma de um impulso da quinta dimensão assim que o campo se desfazia. A descrição de Atlan combinava com o fenômeno que Kalup acabara de observar. Por mais intensa que fosse a luminosidade produzida pela descarga, um centésimo milésimo de segundo não era suficiente para produzir uma impressão definida no olho humano. De qualquer maneira, o impulso que provocava a descarga na quinta dimensão era invisível. Ao olho normal devia parecer que o alvo simplesmente se apagara. Kalup deslocou as sondas de imagem, dirigindo-as para outras naves da Frota Terrana. Allan D. Mercant cumprira sua promessa, passando ao ataque geral. Era verdade que não podia apresentar grandes resultados, pois a Fortaleza permanecia apenas alguns milhares de quilômetros acima de Kahalo, onde Mercant não se podia arriscar a usar as armas pesadas que possuía. Não houve mais nenhum ataque ao transmissor das pirâmides. Kalup teve de permanecer inativo enquanto uma batalha encarniçada era travada em torno de Kahalo, batalha esta na qual não podia interferir de qualquer maneira, embora se encontrasse cercado pelas maravilhas de uma tecnologia altamente desenvolvida. Os quatro assistentes e Jane Keyser continuavam perto dele. Por enquanto não tinham dito quase nada. Amo Kalup estava ocupado com suas sondas. De repente veio um chamado da nave-capitânia. Qualquer ligação com a nave Napoleão possuía preferência automática. A transmissão de imagens das sondas foi interrompida. O Marechal Mercant apareceu na tela. — Não estamos conseguindo nada — falou, nervoso. Os gritos de comando e o ruído das máquinas forçadas ao máximo vinha mais de longe. — O inimigo está usando uma nova arma. Por enquanto seis unidades menores desapareceram completamente. Não posso usar os canhões pesados, e com as peças leves não conseguimos romper o campo defensivo verde. Não disse, mas evidentemente estava pedindo um conselho. Arno Kalup obrigou-se a permanecer calmo. — Receio que o inimigo tenha a intenção de destruir as pirâmides, caso não consiga ocupá-las — respondeu Kalup. — Conseguimos repelir a primeira tentativa. Não sei o que virá em seguida, mais uma tentativa de ocupação ou uma saraivada de bombas. Parece que o senhor pelo menos está conseguindo manter ocupado o inimigo. Fique firme em cima deles. É a única coisa que poderá salvar a situação. Sentiu-se vazio e esgotado. Era mesmo uma atitude desavergonhada da parte de alguém que se encontrava em segurança no interior do centro de comando pedir que os outros se arrebentassem atacando a Fortaleza. Mercant acenou ligeiramente com a cabeça. — Também acho — respondeu. — Não sei o que está acontecendo para os lados do sistema de Gêmeos, mas é possível que acabemos recebendo reforços. No momento estou tentando levar a Fortaleza em direção ao centro de condensação do transmissor.

Interrompeu a ligação. As imagens captadas pelas sondas voltaram a ser projetadas na tela. O rosto de Arno Kalup contraiu-se, assumindo uma expressão dolorosa. Levar a Fortaleza em direção ao centro de condensação! Seria o mesmo que tentar movimentar a pirâmide de Queops com as mãos. A luta aproximava-se rapidamente do ponto culminante. As duas mil unidades de Allan D. Mercant fustigavam ininterruptamente o inimigo. A Fortaleza não cedia nem balançava, e cada investida custava uma ou duas naves terranas que eram esfaceladas pelas espirais fantasmagóricas ou se desfaziam no interior dos campos invisíveis dos canhões conversores. Kalup deixou cair a cabeça e fechou os olhos. Martirizava o cérebro à procura de uma saída, mas cada idéia que lhe vinha à cabeça esbarrava na consciência dolorosa de que no lugar em que se encontrava não podia fazer absolutamente nada. De repente a voz triunfante de Allan Mercant arrancou-o das reflexões. Levantou os olhos, surpreso. O crânio redondo de Mercant aparecia na tela, e o rosto estava desfigurado numa máscara alegre que nunca tinha se visto naquele homem reservado. — A Crest...! — gritou o mais alto que pôde.

3 Perry Rhodan acordou. O medicamento aplicado tinha uma grande desvantagem. Seus efeitos eram muito rápidos, mas demoravam muito a passar quando não se precisava mais deles. Perry afastou automaticamente os cintos que o tinham prendido na poltrona durante a transição. Levantou-se cambaleante e olhou para os lados. Os oficiais que se encontravam junto às diversas unidades do console circular ainda estavam dormindo. A figura gigantesca de Icho Tolot estava entronizada era cima do console do comandante. Havia um estranho silêncio na enorme espaçonave. De repente Rhodan recuperou a memória. Tinham seguido a Fortaleza. A transição fora bem sucedida. Onde estava mesmo a Fortaleza? Virou-se abruptamente e lançou um olhar para a tela panorâmica. Uma profusão de estrelas cobria o fundo negro formado pelo espaço livre. Deu-se conta de que fazia muitos meses que não via este quadro. O mais importante era que nenhuma das estrelas parecia estar a mais que uns poucos anos-luz. A transição deveria ter terminado nas proximidades de Kahalo. Onde ficava Kahalo? Onde estava a Fortaleza? De repente a voz estrondosa de Icho Tolot interrompeu o silêncio. — Está tudo em ordem, amigo. É perfeitamente compreensível que esteja nervoso. Também fiquei admirado por termos saído aqui. Já fiz algumas medições. Existe uma estrela amarela que não fica a mais de 15 anos-luz. Constatamos a presença de impulsos energéticos de grande intensidade vindos da área em que fica essa estrela. Parece que está havendo uma batalha por lá. Não sei por quê, mas o fato é que o transmissor nos deve ter deixado a certa distância de Kahalo, quando deveríamos ter rematerializado junto ao campo de condensação desse planeta. Rhodan virou a cabeça e saiu caminhando em direção ao console que ficava em posição elevada. — O senhor não conhece o motivo? — perguntou. — Existem várias possibilidades — respondeu o halutense. — Ainda não concluí a interpretação dos dados. De qualquer maneira alcançamos uma vantagem que não esperávamos. Certamente não nos interessaria aparecer no meio de uma batalha espacial, com a tripulação dormindo. Perry deu razão a Icho. A decisão de sair em perseguição à Fortaleza, tomada por ele e pelo halutense, fora um tanto precipitada. Se o transmissor tivesse funcionado da maneira que se estava acostumado a ver, a Crest naquele momento se encontraria nas proximidades de Kahalo, bem perto da Fortaleza e entre as unidades terranas comandadas por Allan D. Mercant. Perry sentiu-se grato pela pausa de descanso que lhe fora concedida pelo destino. Aos poucos os oficiais foram recuperando os sentidos. A sala de comando parecia despertar para uma nova atividade. Os relatos sobre a situação reinante nos diversos setores da nave chegavam ininterruptamente. Cart Rudo, um homem nascido em Epsal, que se encontrava nos conveses de artilharia, tomou todas as providências para que as armas mais importantes da Crest voltassem a ser guarnecidas o mais depressa possível.

Demorou cerca de quarenta minutos até que a nave se encontrasse em condições plenas de entrar era combate. Durante este tempo permaneceu imóvel, sem sair do lugar. A luta que estava sendo travada em torno de Kahalo, e cujos rastros energéticos podiam ser detectados perfeitamente até mesmo a uma distância de 15 anos-luz, enchia Rhodan com uma ansiedade nervosa. Apesar disso manteve silêncio de rádio, para evitar que o inimigo tivesse a atenção despertada para sua presença. Decorridos os quarenta minutos, a Crest começou a movimentar-se. O plano de Rhodan, discutido com Atlan e Icho Tolot, já fora concluído. A fortaleza inimiga representava um perigo imenso, e por isso a mesma devia ser destruída, custasse o que custasse. Mas justamente porque a Fortaleza era perigosa, as alternativas de que dispunham os atacantes eram bastante limitadas. Perry não acreditava que a Crest conseguisse aproximar-se mais de uma vez da nave inimiga. O tamanho da mesma logo atrairia a atenção do inimigo. Na segunda tentativa de aproximação seria destruída pelos canhões conversores. As possibilidades de manobra eram muito reduzidas. Enquanto a poderosa nave avançava em direção a Kahalo, aumentando constantemente de velocidade, Rhodan estava numa reunião em seu camarote, situado no convés do Chefe. Da reunião participaram, além de Atlan, o arcônida, os mutantes Ras Tschubai; Tako Kakuta e Gucky. Este último ainda estava sob os efeitos do choque sofrido durante a súbita transição que o levara da fortaleza de Horror ao sistema de Gêmeos. Mas estava pronto para entrar em ação, e depois que soube o que estava em jogo, nenhuma força deste mundo seria capaz de detê-lo. Perry ofereceu uma explicação minuciosa de seu plano. Foi ajudado por Atlan, que deu informações sobre as características e os hábitos do inimigo. Perry não escondeu o fato de que a operação que ficaria a cargo dos mutantes era uma ação desesperada. — Não temos alternativa — concluiu. — Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para que todos voltem são e salvos. Enquanto isso a Crest deslocava-se em direção Kahalo em vôo normal, mas mantendo certa velocidade relativista. Os efeitos da distorção do tempo fizeram com que o vôo fosse reduzido para pouco mais de duas horas. Os campos energéticos criados pela batalha continuaram a ser recebidos. Allan D. Mercant não desistia. Perry tentou imaginar a situação reinante a bordo das unidades terranas, que estavam combatendo ininterruptamente há quinze horas. Embora soubesse que uma mensagem expedida pela Crest contribuiria para estimular o espírito combativo da Frota, resolvera manter o rádio em silêncio. Seu plano só poderia ser bem sucedido se o inimigo fosse tomado de surpresa. E qualquer descuido poderia despertar sua atenção. A nave descreveu uma curva ampla em torno de Kahalo, localizou a Fortaleza do lado do planeta voltado contra o sol e partiu para o ataque vinda do lado diurno. Rhodan sabia tão bem quanto Allan D. Mercant que seria impossível usar armas superpesadas, em virtude da posição da Fortaleza. Era bem verdade que o problema poderia ser contornado, ao menos em parte. A Crest mergulhou profundamente na atmosfera do planeta e avançou contra a nave, vinda de baixo. Desta forma os efeitos das armas seriam projetados para longe de Kahalo. Se a Crest errasse o tiro, a explosão ocorreria no espaço, não atingindo o planeta. A Crest corria em alta velocidade a cerca de cinqüenta quilômetros de altura, sobre a linha que separava as faces diurna e noturna do planeta, quando as unidades pertencentes ao grupo comandado por Allan D. Mercant entraram em forma para lançar

mais um ataque. A disposição dos diversos grupos foi observada a bordo da Crest. A presença da nave ainda não fora notada. O espaço em torno de Kahalo estava cheio de impulsos energéticos, fazendo com que os rastreadores das unidades empenhadas na batalha provavelmente não valessem um sol. Mas mesmo que Mercant soubesse que Rhodan se aproximava, naquele momento não poderia ter executado manobra mais hábil que atacar de novo. A Crest avançou, deixando para trás um furacão de remanescentes luminosos e fervilhantes da atmosfera em estado de ionização. O campo defensivo verde da Fortaleza projetado nas telas parecia um ovo gigantesco. Numa questão de segundos cresceu a ponto de passar pelas bordas da tela. A Crest avançava em direção a uma parede que parecia alcançar a altura do céu. Qualquer pessoa que ainda não tivesse suas dúvidas sobre o resultado da operação, a esta hora começava a experimentá-las. Parecia que a Fortaleza não notara a presença da espaçonave que se aproximava vinda de baixo, ou então não lhe dava atenção. A nave encontrava-se a apenas trezentos quilômetros do campo defensivo verde e deu início à manobra que, por meio de uma ligeira alteração da rota, a faria passar rente ao mesmo. Os ponteiros dos relógiosmonitores das posições de artilharia aproximavam-se do ponto zero marcado em vermelho. Os homens que guarneciam os canhões encontravam-se num estado de tensão quase insuportável. Sentados em suas poltronas apertadas, olhavam num segundo para a pequena tela embutida no painel, sobre a qual se espalhava o brilho verde do campo defensivo do inimigo, e no segundo seguinte para o ponteiro luminoso do relógiomonitor. Por enquanto a Crest seguia sua rota sem que ninguém tentasse impedi-la. A faixa luminosa formada pelas massas de ar ionizadas desapareceu assim que a nave saiu das camadas superiores da atmosfera para penetrar no espaço cósmico. Perry Rhodan dirigia a nave. O relógio que ficava no console do comandante estava sincronizado com os cronômetros das posições de artilharia. Era muito importante que durante o ataque o cronograma fosse observado com a precisão de uma fração de segundo. Qualquer hesitação, um momento de indecisão, poderiam ter conseqüências catastróficas. Os mutantes Ras Tschubai, Tako Kakuta e Gucky estavam parados ao lado do console de comando. Usavam trajes protetores pesados, capazes de resistir à atmosfera venenosa e a pressões extremamente elevadas. Três pares de olhos fitavam o relógiomonitor de trás dos visores dos capacetes. Não havia mais nada a dizer. Tudo tinha sido combinado. Os segundos foram passando no tique-taque dos relógios. Até parecia que o mostrador luminoso queria refletir mais um pouco antes de chegar à marca do zero. Finalmente a faixa branca uniu-se ao traço vermelho que marcava o fim do prazo estabelecido. As sereias de alarme uivaram. As espirais ofuscantes das bombas antigravitacionais desprenderam-se das posições de artilharia situadas acima da protuberância circular da nave. Sempre que atingiam a parede verde do campo defensivo inimigo, vulcões gigantescos se formavam, cuspindo para o espaço quantidades imensas de energia sob a forma de descargas trêmulas. Numa questão de segundos outro sol parecia nascer nas proximidades de Kahalo. Uma vez disparada a salva antigravitacional, a Crest descreveu uma curva que a fez passar rente à parte inferior do campo defensivo verde. A nave seguiu em direção à face diurna do planeta. Perry pretendia contornar Kahalo para, se necessário, lançar mais um ataque à Fortaleza, vindo do outro lado.

Os impactos antigravitacionais deviam ter lançado a confusão nas defesas inimigas. De repente a Fortaleza começou a movimentar-se. Sem dar-se ao trabalho de disparar um único tiro contra as unidades de Allan D. Mercant que continuavam no ataque, foi subindo e afastou-se de Kahalo, acelerando constantemente. A reação do inimigo foi inesperada. Estava desistindo de uma vantagem inestimável, e parecia que não tinha nenhum motivo para isso. Cerca de dez segundos depois do ataque a Crest voltou a estabilizar sua rota. Só então Perry Rhodan teve tempo de dar uma olhada pela sala de comando. A poltrona que ficava ao lado do console de comando estava vazia. Os três mutantes haviam entrado em ação. *** A frota terrana entrou em forma para iniciar a perseguição do inimigo. Allan D. Mercant, que já tinha sido informado sobre a chegada da Crest, transferiu o comando a Rhodan. A batalha tinha chegado ao fim. Só restava aguardar o resultado da ação dos mutantes. O cérebro programador de Icho Tolot já tinha descoberto o motivo do súbito receio do inimigo. Os maahks deviam conhecer os efeitos das bombas antigravitacionais. Sabiam que seu campo defensivo verde só era capaz de absorver um número limitado de impactos dessas bombas. E também sabiam que as bombas antigravitacionais só podiam ser usadas com suficiente segurança contra um alvo fixo. A movimentação da nave era o único meio de escapar a outras salvas antigravitacionais. Parecia ser uma explicação lógica. E dela se concluía que o inimigo não estava fugindo, mas resolvera executar uma manobra tática. A qualquer momento poderia voltar para enfrentar as naves que haviam saído em sua perseguição. Era bem verdade que desta vez não se encontrava em posição tão favorável. Como estavam a grande distância de Kahalo, as unidades inimigas poderiam usar as armas mais pesadas. Uma única bomba de gigatons irradiada por um canhão conversor seria impotente diante do campo defensivo verde. Mas os acontecimentos que se tinham verificado no sistema de Gêmeos tinham mostrado que o campo vacilava toda vez que vários canhões concentravam seu fogo simultaneamente sobre determinado ponto do campo. Rhodan fazia votos de que não tivessem de lutar mais. Os três mutantes encontravam-se a bordo da Fortaleza. Se tudo corresse bem, o campo defensivo verde logo deixaria de existir, e sem ele o inimigo ficaria relativamente indefeso. A ação dos mutantes não estava sujeita a um cronograma previamente estabelecido. Ninguém sabia se seria fácil ou difícil orientar-se no interior da gigantesca nave inimiga. Era bem verdade que os saltos de teleportação permitiam aos mutantes percorrer numa questão de segundos trechos nos quais um homem normal gastaria várias horas. Perry acreditava que o resultado da ação apareceria cerca de duas a três horas após o salto dos mutantes; se as condições fossem favoráveis, talvez fosse antes. Cinco horas se passaram sem que acontecesse nada. Rhodan não teve mais a menor dúvida de que os mutantes deviam ter entrado numa armadilha.

4 Ras Tschubai olhou para os lados, atordoado. No primeiro instante teve a impressão de que estava sonhando. Tinha uma idéia razoavelmente definida de como era o interior de uma espaçonave. Mas nenhuma dessas idéias podia ser aplicada à situação em que se encontrava naquele momento. Certificou-se de que Tako Kakuta e Gucky também tinham chegado sãos e salvos. Estavam de pé a seu lado e pareciam tão perplexos quanto ele. Encontravam-se no topo de uma colina achatada, cujas encostas desciam para todos os lados era direção a uma planície verde-amarelenta, entrecortada por acidentes naturais. Havia estranhas formas azuis espalhadas pela área. Bem ao longe uma faixa azul-escura atravessava a paisagem. Poderia ter-se a impressão de que era uma floresta, se não fosse a estranha coloração. Não se via nenhum sinal de vida. O céu era verde-amarelento como o solo que se estendia em torno deles. Ras teve a impressão de estar boiando num profundo lago da mesma cor. Completou o exame da área, girando em torno do próprio eixo, e fixando bem as características da paisagem. Depois passou a dedicar sua atenção às coisas que assumiam uma importância imediata. Usando os aparelhos instalados em diversos lugares em seu traje protetor, examinou a pressão e a composição da atmosfera. O analisador automático registrou a presença de uma mistura de amoníaco, metano, hidrogênio e hélio. Havia traços de etano. As características óticas da mistura gasosa diferiam bastante daquelas da atmosfera terrana. Devia-se ter muito cuidado ao avaliar as distâncias. A pressão chegava a cerca de oitenta e três atmosferas. Era a mesma pressão encontrada nos oceanos do planeta Terra, a mais de oitocentos e cinqüenta metros de profundidade. Ras examinou seu aparelho. O gerador de oxigênio estava funcionando perfeitamente. A pequena bomba N que se encontrava num recipiente semelhante ao cantil, preso na altura do quadril esquerdo, resistira bem ao salto. A arma energética estava em condições de ser usada. — Quando você tiver mexido bastante nessas coisas — disse uma voz nasal — talvez poderia ter a gentileza de explicar onde estamos. Era Gucky. Ras surpreendeu-se que ele tivesse agüentado tanto tempo sem dizer nada. — Examinem sua aparelhagem — respondeu em tom calmo. — Tudo em ordem! — respondeu Gucky prontamente. — Em ordem — disse Tako Kakuta em seguida. — Então, como é...? — voltou a principiar Gucky. — Quero... — Dê uma olhada por aí — recomendou Ras. — Aí você saberá tanto quanto eu. — Que tipo de tratamento a gente está recebendo por aqui! — disse o rato-castor com a voz zangada. — Afinal, o que poderíamos esperar? — perguntou a voz suave de Tako. — Isto aqui não é uma espaçonave como qualquer outra. É o mundo em que vivem os maahks. Não habitam o planeta, mas fixaram-se no interior de uma nave. É uma nave muito grande. Por que não haveriam de decorá-la de forma a se sentirem em casa?

Ras acenou com a cabeça e logo sentiu que dali em diante teria que abster-se de gestos desse tipo. A atmosfera era tão viscosa que teve a impressão de que estava movimentando a cabeça numa massa de óleo frio. — Também acho — respondeu. — O que estamos vendo por aqui deve ser uma paisagem típica do mundo de origem dos maahks. Acredito que as figuras azuis sejam plantas. Sou de opinião... — Ninguém está interessado em sua opinião sobre isso — interrompeu Gucky. — Acho que deveríamos procurar encontrar quanto antes o centro de geradores, colocar nossa bomba e dar o fora. — Cale a boca — disse Ras em tom enérgico. — Não temos a menor idéia do que está à nossa espera no interior da Fortaleza. Não temos por que precipitar as coisas. Vamos dar uma olhada por aí e procuraremos habituar-nos ao mundo dos maahks. Isto poderá proteger-nos de surpresas desagradáveis no futuro. Desceram da colina. O dispositivo antigravitacional embutido em seus trajes protegia-os contra a tremenda gravitação de 3 gravos, mas assim mesmo tornava-se bastante difícil movimentar-se na atmosfera viscosa. Ras teve a impressão de que estava caminhando no fundo de um oceano. Gucky queixou-se e sugeriu que teleportassem, mas Ras não aceitou a idéia. Por enquanto o mais importante era colher experiências. Poderiam de repente ver-se numa situação em que por este ou aquele motivo o salto de teleportação se tornasse impossível. Quando chegaram ao pé da colina, tiveram a primeira surpresa. Até então tiveram a impressão de que a planície ondulada se estendia ao infinito em todas as direções. A vegetação rasteira azul mais próxima parecia estar pelo menos a três quilômetros de distância. Mas assim que puseram os pés na planície viram que estavam enganados. A vegetação azul ficava a cinqüenta metros no máximo, e de repente a linha do horizonte parecia assustadoramente próxima. Ras concluiu que a atmosfera devia possuir um gradiente de pressão bastante acentuado. A pressão diminuía rapidamente à medida que se subia. Em virtude disso as ondas luminosas que não se deslocavam paralelamente ao solo estavam sujeitas a uma retração mais pronunciada. As ondas luminosas que partiam de um objeto situado obliquamente embaixo do olho atingiam a pupila na horizontal, dando a impressão de que estava bem longe, junto à linha do horizonte. A planta era bem estranha. À primeira vista parecia ser uma reunião de estalagmites azuis que tivessem crescido no solo. Os brotos eram da grossura de um braço humano e seu setor era circular. Subiam a quatro metros de altura e sua extremidade era cônica, terminando numa ponta afiada. Ras examinou a planta. Estava desconfiado. Finalmente tocou um dos brotos com a luva. O resultado foi surpreendente. No início a planta azul cedeu prontamente à pressão exercida pela mão. Dobrou-se e foi baixando sob o peso que estava suportando. Mas de repente resolveu outra coisa. Ras sentiu que a massa elástica endureceu de repente. Num movimento rapidíssimo o broto livrou-se do contato da mão e dobrou para trás. Saltou para a frente como uma mola, com a extremidade pontiaguda inclinada para baixo e apontada para o peito de Ras. Este deixou-se cair para trás. O ar viscoso amorteceu a queda e a perigosa extremidade pontuda da planta passou ruidosamente junto ao seu corpo. Ras recuou rastejando alguns metros e voltou a pôr-se de pé. Parecia estupefato. — Que coisa! — piou Gucky.

— Que isto lhes sirva de lição — advertiu Ras. — Se quisermos conseguir alguma coisa por aqui, devemos abandonar as concepções a que estamos acostumados. Estamos num mundo diferente. Teleportaram para a floresta que Ras tinha avistado do topo da colina. A vegetação da mesma não era mais alta que o arbusto que por pouco não matara Ras. Havia uma grande variedade de formas. Mas parecia que toda a vegetação deste mundo artificial tinha uma coisa em comum. As plantas não possuíam tronco. Os brotos saíam do solo separadamente. O único sinal de que formavam uma única planta era a reação conjunta às influências vindas do exterior. Alertado pela experiência pela qual passara, Ras pegou uma das pedras cintilantes que estavam espalhadas em toda parte e atirou-a para dentro da mata. Houve uma reação impressionante. A floresta inteira começou a movimentar-se. Os braços carnudos das plantas, que terminavam em pontas afiadas, chicotearam pelo ar para repelir o intruso. A pedra já tinha caído ao chão, mas as plantas ainda pareciam extremamente nervosas. Ras interpretou esta forma de comportamento como um sinal de inteligência. As plantas azuis eram desconfiadas; não acreditavam na calma aparente. A floresta era um terreno impenetrável. Na opinião de Ras, isso representava uma preciosa experiência. Gucky não era da mesma opinião. — Já perdemos meia hora — resmungou. — Quando vamos começar a procurar os geradores? Ras lançou um olhar demorado para o céu verde-amarelado e examinou o disco branco e brilhante do sol artificial, que de sua posição solitária nas alturas fornecia luz à estranha paisagem. — A beira desta floresta será nosso ponto de encontro — decidiu. — Sempre que alguém estiver em dificuldades, voltará para cá. A vegetação nos protegerá suficientemente, pelo menos para um lado. Cada um de nós virá para cá de duas em duas horas, mesmo que não tenha acontecido nada. Desta forma permaneceremos em contato. Só usaremos o rádio numa grave emergência. De qualquer maneira no interior desta nave provavelmente só poderemos usar o microcomunicador. — Duas horas...! — repetiu Gucky. — Será que você pretende fixar residência por aqui? — Se você conseguir atingir o objetivo antes disso, é só avisar — disse Ras em tom irônico. Tinha outras coisas na ponta da língua, mas de repente a floresta voltou a movimentar-se. Desta vez as coisas foram diferentes. As plantas não pareciam zangadas, se é que a gente podia atribuir-lhes uma manifestação emocional; movimentavam-se com sons suaves, quase musicais, que pareciam ter sua origem numa modificação estrutural da matéria de que eram feitos os brotos. Parecia que mais adiante as plantas não estavam sendo atingidas da movimentação geral na mesma extensão que nas imediações do lugar em que estavam os três terranos. Ras notou que os brotos se inclinavam ora para a direita, ora para a esquerda. Uma certa ordem passou a reinar na confusão que se verificara no início. As plantas abriram alas, formando um caminho reto que penetrava profundamente na mata. Ras ainda não estava compreendendo a finalidade do estranho fenômeno, quando uma figura esquisita apareceu em meio ao azul apagado da mata. Ras ficou tão surpreso que qualquer reação que quisesse esboçar viria tarde. O desconhecido já tinha notado sua presença. Via-se pela postura que estava assumindo. Parou. Por alguns segundos teve-se a impressão de que estava refletindo sobre se não seria preferível fugir. Mas parecia que a curiosidade estava levando a melhor. Prosseguiu no mesmo caminho e aproximou-se dos três mutantes.

— Acho que deveríamos dar o fora — disse Gucky. — Já é tarde para isso — respondeu Ras. — Além disso um prisioneiro maahk poderá ser-nos muito útil. O desconhecido chegou à borda da floresta. Seu aspecto correspondia à descrição que Atlan fizera dos maahks. Um corpo largo e pesado descansava sobre um par de pernas curtas e muito robustas. Os braços longos, sem juntas, pendiam de ambos os lados do corpo como tentáculos. A cabeça era uma protuberância em forma de foice que assentava diretamente nos ombros. A expressão da face dianteira dos dois olhos era fria; parecia revelar uma insensibilidade total. O maahk usava vestes cinza-claras, muito justas. As mesmas desciam dos ombros, deixando livre a boca, e terminavam no centro das grossas pernas, envolvendo-as como se fossem uma calça. Mas havia uma coisa com a qual Ras não contara. O aspecto do desconhecido era tão fascinante que ele se esqueceu de um detalhe muito importante. Os maahks tinham 2,20 m de altura em média. O que se encontrava à sua frente não tinha mais de um metro e meio. Ras levou um segundo para compreender o que isso significava. *** — E uma criança — gritou, surpreso. — Uma criança maahk! Antes que alguém pudesse dar uma resposta, o pequeno maahk aproximou-se a alguns metros de Ras. Foi um movimento delicado e confiante, que deixou Ras embaraçado. Viu a protuberância situada entre os ombros, que formava a boca, dividir-se em duas. Uma dentadura brilhante surgiu entre as duas partes. — Vocês são forasteiros, não são? — perguntou o jovem maahk em arcônida. Gucky parecia não sentir nada do fascínio do momento. — É um menino inteligente, não é? — comentou em tom sarcástico. — Sim, somos forasteiros — respondeu Ras, usando a mesma língua. Havia microfones e pequenos alto-falantes embutidos no capacete de seu traje protetor. A voz do pequeno maahk parecia forte e estridente. Ras tinha certeza de que sua voz não soava melhor. A estranha atmosfera transmitia o som de uma forma diferente. — O que vieram fazer aqui? — perguntou o pequeno maahk. — Dar uma olhada — respondeu Ras diplomaticamente. — Nunca estivemos a bordo de uma nave como esta. O pequeno maahk não estava compreendendo. — De uma nave? — o braço direito ergueu-se abruptamente, fazendo um gesto abrangente, que antes parecia um movimento de uma cobra. — Vocês acham que isto é uma nave? — Achamos, sim. E se você não acha, está levando a pior — escarneceu Gucky em intercosmo. — Fique quieto! — chiou Ras. Já estava começando a ficar nervoso. Precisava concentrar-se no menino e os apartes só poderiam atrapalhá-lo. — Pensamos que fosse uma nave — respondeu em tom suave. — Talvez estejamos enganados. Você mora por aqui? O braço do jovem maahk apontou para trás. — Moramos no mato — respondeu prontamente. — Tenho certeza de que meus próximos gostariam de convidá-los. — Usando a lógica de seu cérebro infantil, acrescentou: — Se soubessem que vocês estão aqui. — Talvez possamos fazer-lhes uma visita — sugeriu Ras.

O menino não teve nenhuma objeção. — É claro que isso depende de que o chefe dos próximos goste de vocês respondeu. — Senão... bem, vocês sabem. Ras ficou bastante interessado. Confessou que não sabia de nada. — Agem como costumam agir nestes casos — explicou o pequeno maahk. — Atiram uma porção de pedras entre as plantas... e depois atiram vocês. — É mesmo uma gente amável — disse Tako. Foi a primeira vez que disse uma coisa. — Neste caso preferimos seguir nosso próprio caminho — esquivou-se Ras. — É possível que o chefe dos próximos tenha alguma objeção à nossa presença. O rosto enrugado do menino ficou ligeiramente desfigurado. — Isso não é impossível — confessou. — Vocês são diferentes. A mente de Ras trabalhava intensamente. Só pensava em encontrar uma maneira de pôr o menino fora de ação. Se o deixasse sair dali, o mesmo contaria aos outros que tinha se encontrado com três forasteiros. Os maahks imediatamente dariam início a uma busca em grande escala. Se a pessoa que se encontrava à sua frente fosse um maahk adulto, Ras não teria maiores escrúpulos, mas diante de uma criança não sabia o que fazer. — Por que será que você não é atacado pelas plantas? — perguntou. — Por que iriam atacar-me? — respondeu o pequeno. — Eu não lhes faço nada. Ras lembrou-se da experiência que fizera com ò arbusto na planície e não teve tanta certeza de que essa explicação iria aplicar-se a ele. Gostaria de fazer outras perguntas, mas não queria deixar o pequeno desconfiado. — Você fala uma língua que entendemos — prosseguiu. — Também costuma falar assim com seus próximos? O jovem maahk não soube o que responder. — Você quer dizer que usamos várias palavras para a mesma coisa? — perguntou. — Sim, usamos as palavras conforme nos vêm à cabeça. Aquela planta é uma plana, um mhruuk, um ptayi, um klong, um hachrait... conforme o que eu estiver pensando no momento. Estas palavras tinham sido cuidadosamente pronunciadas, cada uma com sua intonação peculiar. Ras concluiu que os maahks dominavam pelo menos quatro línguas, além da sua. Conhecia o arcônida. De que raças teriam aprendido as outras línguas. — Vamos deixá-lo — disse, dirigindo-se ao menino. — Foi muito interessante conversar com você. — Foi mesmo — confirmou o pequeno numa autoconfiança infantil. — Também acho. Talvez seja preferível vocês não visitarem os próximos. Eu não tenho preconceitos, mas o chefe dos próximos tem. Costuma decidir com base nas impressões do momento, e no primeiro momento provavelmente se assustaria com vocês. É que realmente são muito estranhos. Ras deu uma breve ordem em inglês a Tako e Gucky. Os dois compreenderam. O menino deu início a um novo palavreado. Ras fechou os olhos e teleportou. A conversa do pequeno maahk terminou abruptamente. *** A sala na qual foram parar possuía instalações estranhas, mas em comparação com o quadro perturbador da paisagem artificial coberta de plantas azuis seu aspecto lhes parecia familiar. Tratava-se de uma espécie de depósito de peças sobressalentes. Havia poltronas, consoles de comando e gigantescos tubos de imagem bem arrumados. Junto ao

teto viam-se duas fileiras de lâmpadas fluorescentes, que irradiavam a mesma luz branca ofuscante do sol artificial que iluminava a planície. A sala tinha cerca de cinqüenta metros de comprimento por trinta de largura. As paredes eram retas e tinha cinco metros de altura. A composição do ar era aproximadamente a mesma que a do lugar de que tinham vindo, e a gravitação também não sofreu nenhuma modificação. Justamente por isso a súbita mudança de temperatura tornou-se ainda mais espantosa. Na planície em que crescia a floresta, Ras media uma temperatura de 104 graus centígrados, enquanto no lugar em que agora se encontravam a mesma era de apenas dez graus. Ras não encontrou nenhuma explicação para o fato. Certamente havia uma temperatura que os maahks achavam mais agradável, e não se compreendia que a mesma não reinasse em todos os setores de sua espaçonave. Ras certificou-se de que não havia nenhum maahk na ampla sala. Só depois disso assumiu o risco de usar o transmissor embutido em seu capacete. — Foi uma surpresa — disse. — O pequeno... — ...dentro de alguns minutos colocará toda a nave no nosso encalço — observou Gucky sem demonstrar o menor abalo. O rato-castor estava confortavelmente apoiado num dos consoles de instrumentos. Parecia contrariado. — Não tenho tanta certeza — objetou Tako. — Imaginem só um menino em algum lugar do planeta Terra que fugisse dos pais e depois lhes contasse que tinha encontrado algumas figuras estranhas, que se dissolveram no nada enquanto estava falando com elas. — Foi o que também pensei — confirmou Ras. — Só nos resta esperar que por aqui seja aplicada a mesma lógica dos pais terranos. Tive a impressão de que aquele pequeno é bem esperto. É possível que seus próximos acreditem no que ele disser. Também é possível que não acreditem. Logo saberemos. Gucky não disse mais nada. Ras começou a expor seu plano. O mais importante era descobrir onde estavam. Por enquanto só sabiam que se encontravam no interior da Fortaleza. Havia bons motivos para supor que as máquinas e aparelhagens mais importantes da nave-gigante tivessem sido instaladas no interior do cubo da roda, num local não muito distante do lugar em que os dez raios da estranha roda esférica saíam. Era onde qualquer construtor galáctico as teria colocado, e Atlan lembrou-se de que a lógica dos maahks não diferia muito da das outras raças galácticas. O processo de orientação é bastante complicado, até mesmo para um teleportador. Seu dom lhe permite dirigir-se a lugares que nunca viu. A única coisa de que precisa para fazer isso são as coordenadas do ponto de destino em relação ao ponto de origem. No salto que os levara da Crest para a Fortaleza, o ponto de destino fora esta como um todo. O salto fora bem sucedido. Mas agora tornava-se necessário descobrir em que lugar do interior da nave gigantesca se encontravam. Ras fez uma teleportação de cinqüenta quilômetros, seguindo uma linha que corria paralelamente ao chão do depósito de peças. Tinha certeza quase absoluta que dessa forma iria parar fora da nave, em pleno espaço, e os fatos confirmaram essa suposição. Viu-se flutuando na escuridão do cosmos, cerca de vinte quilômetros abaixo de uma das esferas enfileiradas nos raios da roda, e a uns quarenta e sete quilômetros da parede exterior do cubo, que tinha cinqüenta quilômetros de diâmetro. Havia uma luminosidade branca e confusa bem ao longe. Era o campo defensivo. Visto de dentro, era diferente que de fora. Ras gravou na memória o que estava vendo e voltou para junto dos companheiros. — Estamos uns vinte a vinte e cinco quilômetros abaixo do anel de que partem os raios da roda — disse. — Avançaremos em vários saltos menores, para sondar o

ambiente. Depois de cada salto voltaremos para cá. A planície em que fica a máquina ficará de fora. Provavelmente o menino ainda está por lá. Ninguém se afastará desta sala por mais de quinze minutos, a não ser que se encontre em perigo. Entendido? Não houve nenhuma objeção. Até mesmo Gucky, que nunca costumava aceitar uma sugestão sem reclamar alguma coisa, permaneceu em silêncio. Foram saltando um após o outro, primeiro o rato-castor, depois Tako e finalmente o próprio Ras. Ras era a tensão em pessoa no momento em que fechava os olhos e se impelia mentalmente. Os dedos da mão direita crisparam-se em torno da coronha da arma energética. Por uma fração de segundo uma névoa cinzenta encheu o campo de visão, mas o cenário logo voltou a clarear. Ras fora parar num corredor largo e comprido. Antes de mais nada certificou-se de que não havia nada que pudesse tornar-se perigoso. Só depois disso começou a explorar o ambiente. O corredor tinha cerca de oito metros de largura. Numa extensão de quatro metros, exatamente no centro, havia uma luminosidade branco-azulada, que se estendia por ele em forma de faixa luminosa. Ras não viu outro objeto luminoso, mas chegou à conclusão de que a faixa preenchia outra função, além da iluminação. Subiu na mesma e sentiu que o chão se movimentava embaixo dele. Antes que se recuperasse da surpresa, já tinha sido impelido alguns metros pelo corredor. Saltou apressadamente para o lado e ficou satisfeito ao notar que tinha novamente chão firme sob os pés. A faixa luminosa exercia as funções de luminária e faixa transportadora ao mesmo tempo. A tecnologia que tinha concebido esta combinação devia ser bastante utilitária. Dali em diante manteve-se afastado da faixa, pois não sabia para onde a mesma o levaria. Saiu caminhando. As paredes eram lisas e não apresentavam nenhuma fresta. Não havia aparelhos pendurados na parede, como estava acostumado a ver nas espaçonaves terranas. E não se encontrou com nenhuma criatura viva. Parecia que o setor da Fortaleza em que se encontrava estava vazio. Procurou localizar alguma porta. Não parecia haver nenhuma. Ras passou os dedos abertos pelas paredes, de cima para baixo, mas demorou algum tempo que esse procedimento desse resultado. Quando já estava a ponto de desistir, uma fresta abriu-se à sua frente, e cresceu rapidamente, transformando-se numa abertura de dois metros de largura e três de altura. Atrás dela havia uma sala bem grande, que estava vazia e escura. Ras começou a acreditar em sua hipótese. A parte da Fortaleza em que se encontrava realmente parecia abandonada. Deu um passo para dentro da sala e encontrou vestígios de poeira no chão. Pelos seus cálculos, devia fazer uns dois ou três dias terranos que ninguém tinha atravessado aquela porta — isso naturalmente se o sistema de renovação de ar dos maahks possuísse aproximadamente a mesma eficiência dos terranos. Era estranho. Ao ver a Fortaleza pela primeira vez em todo o tamanho, Atlan manifestara a suposição de tratar-se de uma nave das gerações. A raça dos maahks desistira de viver em planetas. Passara a habitar uma gigantesca espaçonave. O menino que tinham encontrado na planície, junto à floresta, parecia confirmar a teoria de Atlan. Conforme dissera, ele e seus parentes moravam na floresta. Quantas gerações de maahks já teriam vivido dessa maneira? Por isso o fato de que aparentemente parte da nave fora evacuada tornava-se ainda mais surpreendente. Será que o número dos maahks estava diminuindo? Talvez a raça estivesse em extinção, porque seu estilo de vida se afastara da natureza. Ou será que suas fileiras foram dizimadas pelas guerras a ponto de não poderem aproveitar mais todo o espaço habitacional da nave? Ras não sabia a resposta a estas perguntas. Era um problema interessante. Muitos homens que serviam na Frota Terrana teriam dado o soldo de um ano para conhecer a

solução. No momento Ras não tinha tempo a perder com isso. Na parte da nave em que estava não encontraria o que estava procurando. Teleportou de volta para o depósito de peças sobressalentes. Gucky e Tako tinham voltado antes dele. Gucky fora parar num pavilhão de máquinas em cujo interior havia uma atividade intensa. Resolvera voltar imediatamente. Não havia dúvida de que as máquinas existentes naquele pavilhão não eram geradores, e assim não era este o lugar em que deveria colocar sua microbomba. Tako não voltara tão nervoso. Seu salto levara-o a uma parte da nave que estava vazia e abandonada, tal qual a visitada por Ras. Foi mais bem sucedido que este ao procurar eventuais portas e tivera oportunidade de examinar três salas diferentes. Em todas elas o quadro era o mesmo. As luzes tinham sido desligadas e a poeira começava a acumular-se no chão. Tako também não tinha nenhuma explicação para isso. Ras decidiu que dali em diante avançariam unicamente na direção em que Gucky se tinha deslocado. Era onde as condições pareciam mais favoráveis. Sentiu-se tranqüilizado porque tudo continuava em silêncio no interior da gigantesca nave. Concluiu que sua chegada não fora notada. O menino não tinha voltado para junto dos parentes, ou então ninguém acreditava no que ele dizia. Por isso não tinham pressa. Como os três estavam saltando na mesma direção, Ras deu ordem para que a extensão do salto de cada um fosse diferente, para evitar que fossem parar no mesmo lugar. Gucky recebeu ordem para avançar um quilômetro além do pavilhão de máquinas que descobrira. Tako Kakuta saltaria dois quilômetros além do lugar para o qual Gucky teleportaria. O salto de Ras seria mais longo, pois excederia em dois quilômetros a distância percorrida por Tako. Assim que deu o salto, Ras compreendeu que desta vez sua ação seria mais bem sucedida. Viu-se em situação bastante desconfortável, enfiado num poço estreito e escuro, em cujo interior rugia uma tempestade que carregava uma fumaça amarelenta. Em compensação sentiu as vibrações fortes de máquinas que deviam estar por perto. Viu uma luminosidade débil à sua frente e saiu rastejando na direção da mesma. O poço era tão estreito que mal permitia sua passagem. A tempestade assobiava em torno dele. O ar viciado acumulou-se à sua frente, tentando empurrá-lo para trás. Escorregava de joelhos, e cada centímetro que avançava lhe custava tanto esforço como dez minutos de marcha morro acima no planeta Terra. Ras constatou que a luz vinha de baixo. À medida que se aproximava da mesma, as vibrações tornavam-se cada vez mais fortes. Os microfones externos transmitiam uma série de batidas surdas. Finalmente viu que a luz atravessava uma espécie de grade. Parou e estendeu a mão, mas assim que a mesma atravessou-a sofreu uma pancada violenta vinda de baixo, que a fez subir. Ras compreendeu que fora parar no interior de um poço de ventilação. Não poderia ter parado num lugar melhor. A grade permitia uma visão ampla, e enquanto permanecesse no interior do poço, nenhum maahk cruzaria inesperadamente seu caminho. Teve de fazer um esforço para atravessá-la. Fosse qual fosse o mecanismo que os maahks usavam para aspirar o ar, não havia dúvida de que o mesmo era mais potente que a mais forte das bombas terranas. Do outro lado da grade o ar era um pouco mais puro. A tempestade não era tão violenta. Ras tinha de ter o cuidado de não esticar a cabeça muito além da grade, pois a força de sucção era tamanha que poderia quebrar-lhe a nuca. Viu grandes fileiras de estranhas máquinas cerca de quarenta metros abaixo do lugar em que se encontrava. As paredes do pavilhão ficavam fora do alcance de sua vista.

Seu campo de visão abrangia uma área de cerca de seis mil metros quadrados. Mas a julgar pela intensidade das vibrações, o pavilhão devia ser bem maior. Para ele aquelas máquinas eram um mistério. Não viu nenhuma peça móvel nas mesmas. Estava tudo escondido embaixo de envoltórios do mesmo formato, feito de um material cinzento, que parecia ser metálico. Os revestimentos das máquinas eram exatamente iguais, e o que mais se assemelhava ao quadro que se descortinava lá embaixo era uma coisa que Ras Tschubai trazia na memória. Tratava-se de uma área de estacionamento do exército, na qual os soldados haviam enfileirado centenas de caminhões do mesmo tipo. Com uma certa dose de fantasia realmente podia-se ter a impressão de que as máquinas não passavam de caminhões cobertos por um revestimento. Não se via nenhum ser vivo. A fumaça amarelenta que Ras notara no interior do poço de ventilação parecia subir das máquinas e enchia o pavilhão como se fosse uma névoa fina. Ele pensou na possibilidade de que o gás amarelo talvez fosse venenoso para os maahks, e que por isso o funcionamento das máquinas fosse inteiramente automático. Que máquinas seriam estas que produziam gases venenosos e faziam tanto barulho quanto uma série de tornos antiquados? Tinha certeza absoluta de que entre os produtos da tecnologia maahk que já lhe fora dado examinar nunca vira nada semelhante às máquinas que se encontravam lá embaixo. Concluiu que não era o que ele procurava. Se tivesse pela frente os geradores que alimentavam o campo defensivo verde, ele os reconheceria imediatamente. Mas teve a curiosidade aguçada. Queria saber qual era a finalidade daquelas máquinas. Refletiu se devia teleportar para ver as mesmas de perto. De repente um ruído estranho misturou-se ao matraquear das máquinas. Parecia que alguém tinha disparado um gigantesco morteiro contra um grande gongo. Houve um zumbido profundo, que numa fração de segundos assumiu uma intensidade dolorosa, que fazia vibrar o crânio e confundia o quadro que se descortinava diante dos olhos. O ruído foi diminuindo, mas dentro de três ou quatro segundos voltou a crescer. Ras desligou os microfones externos, pois receava que seus tímpanos estourassem. Não tinha a menor idéia do que podia significar o barulho que se fizera ouvir por último. Parecia ameaçador. Talvez fosse causado pelos disparos dos canhões inimigos, ou dos impactos sofridos pelo campo defensivo. De repente houve movimento na sala de máquinas. Ras retirou-se cautelosamente de junto da grade e olhou obliquamente para baixo. Uma coluna de maahks fortemente armados, que usavam trajes protetores, avançava entre os corredores que separavam as máquinas. De repente Ras compreendeu o que significava o ruído. Alarme...! Só podia haver um motivo que poderia levar um grupo de maahks armados a revistar a sala de máquinas diante do sinal de alarme. A presença dos três mutantes fora descoberta. “Foi o menino”, pensou Ras, aborrecido. “Alguém deve ter acreditado nele.” Ras chegou à conclusão de que estava na hora de voltar. Era possível que Gucky ou Tako estivessem em perigo. Não sabia o que esperar do grupo que se encontrava no pavilhão. Por que os maahks haviam ido justamente a esse lugar? Não era possível que soubessem que ele estava lá. A idéia deixou-o preocupado, mas logo a afastou. Certamente toda a Fortaleza estava sendo revistada. Ras fechou os olhos e saltou de volta para o depósito de peças sobressalentes. A primeira coisa que viu foi Tako Kakuta, que estava de pé, numa estranha atitude rígida, e

o fitava com os olhos grandes e vazios. Ras virou-se abruptamente. Reconheceu a figura disforme de um maahk obliquamente atrás dele e atirou-se de lado, para abrigar-se atrás de um dos aparelhos que estavam espalhados por ali. A reação veio tarde. No meio do salto sentiu-se atingido por uma onda dolorosa e ardente, que quase imediatamente o fez perder os sentidos.

5 A Fortaleza não abandonaria a luta; Rhodan e seus oficiais logo se deram conta disso. Era bem verdade que o gigante espacial não entrava em combate, mas a cada trinta ou quarenta minutos as telas dos rastreadores da Crest se enchiam subitamente de uma série de reflexos pequenos e ligeiros, que se aproximavam em velocidade alucinante dos grupos de naves da Frota Terrana. Os reflexos tinham origem em enxames de naves-lápis, das quais a Fortaleza parecia ter a bordo várias centenas. As mesmas atravessavam as fileiras de naves terranas e disparavam suas espirais fantasmagóricas contra os campos defensivos das unidades. Os terranos, por sua vez, cobriam as mesmas de salvas de canhões conversores, e geralmente conseguiam uma ou duas das naves-lápis. Às unidades inimigas desapareciam tão depressa como tinham aparecido. O que indicava que o inimigo só queria lançar confusão nas fileiras dos terranos. Rhodan tinha certeza de que aquilo era apenas uma manobra preliminar. Assim que a confusão fosse bem grande, a própria Fortaleza partiria para o ataque. Rhodan estava preocupado. Já fazia oito horas que os três mutantes tinham saltado, e tudo continuava na mesma. A nave gigante tinha mudado de rota e contornava o sistema de Orbon além da órbita do planeta exterior. O grupo de naves terranas seguia a mesma. Rhodan proibira qualquer ataque contra a mesma, pois não queria pôr em perigo a vida dos mutantes. Atlan estava sentado ao lado de Rhodan, junto ao console de comando. Estavam discutindo os planos para o próximo passo a ser dado, quando foi anunciada a aproximação de outro grupo de naves-lápis. O jogo continuava a ser o mesmo. As naveslápis atravessaram o grupo de unidades terranas, danificaram um cruzador da classe Estado e perderam duas unidades. Depois disso regressaram à nave-mãe. Atlan seguiu-as com os olhos, enquanto os pontos refletidos na tela do rastreador iam se apagando. — Gostaria de saber uma coisa — resmungou. — Estas naves não aparecem uma após a outra. Saem da Fortaleza todas ao mesmo tempo. Acredito que os maahks as tenham guardado em grandes hangares. Como conseguem estar aí todas ao mesmo tempo? Perry não deu nenhuma resposta. Havia coisas que o interessavam muito mais. Só bem mais tarde ficou sabendo que a pergunta de Atlan estava relacionada a um fenômeno que ainda exerceria uma influência muito grande nos acontecimentos. *** Aos poucos Ras foi recuperando os sentidos. Sentiu-se como se estivesse embriagado. Teve uma visão confusa das coisas que o cercavam. Os contornos dos objetos se duplicavam. Conseguia mexer-se, mas sempre que fazia um movimento muito rápido sentia náuseas. Fechou os olhos e voltou a abri-los, mas o quadro continuava confuso. Conformouse com a idéia de que os maahks haviam feito uma coisa com ele que estava provocando esse estado. Sua memória funcionava perfeitamente. Sabia perfeitamente o que tinha acontecido.

Procurou orientar-se. As sombras cinzentas que apareciam bem ao longe eram as paredes da sala em cujo interior se encontrava. Ras percebeu que se tratava de uma sala regular, de cerca de cinco metros de comprimento por três de largura. O teto era formado por uma placa luminosa. Estava deitado numa espécie de cama, e em torno da mesma havia uma série de aparelhos que davam ao conjunto o aspecto de uma sala de cirurgia. Não parecia haver ninguém por perto, nenhum maahk, nem Gucky ou Tako. Ras foi erguendo lentamente o corpo. Se fizesse isso com certo cuidado, não sentiria muitas náuseas. Seu traje protetor parecia intacto. Isto lhe deu uma idéia. Num gesto rápido pôs a mão no quadril. O recipiente com a bomba não estava mais lá. Sofreu um choque tão forte que quase voltou a perder os sentidos. Sem a bomba, a missão arriscada em que estava empenhado estava condenada ao fracasso. Os maahks certamente o tinham revistado às pressas e compreenderam a finalidade do recipiente que se parecia com um cantil. Não se sabia para onde tinha sido levada a bomba. Ras foi descendo da cama para o chão. Deu alguns passos cautelosos e notou que as náuseas estavam passando aos poucos. Mas o quadro que via diante dos olhos continuava confuso. Ficou tateando pelas paredes e procurou orientar-se. Acabou encontrando os contornos de uma porta. Apalpou-a conforme estivera fazendo com a parede, mas chegou à conclusão de que a porta estava trancada e não havia como abri-la. Não havia nenhum mobiliário na sala, além da cama e dos aparelhos dispostos em torno da mesma. Ras voltou para a cama e sentou na borda da mesma. Fez um esforço para pôr ordem nos seus pensamentos confusos. Quer dizer que os maahks o tinham aprisionado. Parecia ser a única coisa de que tinha certeza. Não tinha a menor idéia de como haviam conseguido isso. Era perfeitamente compreensível que tivessem dado o alarme diante das informações fornecidas pelo menino. Mas o fato de eles terem sabido que poderiam pegar os intrusos justamente no depósito de peças sobressalentes continuava a ser um mistério. Outro mistério era o destino de Tako e Gucky. Ras lembrou-se de ter visto Tako ao materializar depois do último salto. Provavelmente também tinha sido preso. Mas o que era feito de Gucky? Evidentemente os maahks permitiam que seus prisioneiros continuassem vivos porque queriam interrogá-los. No entanto, seria de esperar que os membros de um comando suicida, que tinham de contar a qualquer momento com o fracasso de sua missão, não andassem com as informações mais recentes e secretas. Além disso no momento o ataque dos terranos mantinha os maahks completamente ocupados. Ras tinha certeza de que demoraria bastante que alguém se interessasse por eles. Até então estava com as mãos livres. Devia preocupar-se com três coisas. Primeiro, precisava recuperar a bomba. Enquanto a mesma estivesse em poder do inimigo, não haveria possibilidade de cumprir sua missão. Depois tinha de localizar Tako e Gucky e libertá-los, se fosse necessário. Finalmente a bomba teria de ser colocada no centro de geradores que alimentava o campo defensivo verde, para provocar o desabamento do mesmo. Só depois disso os três mutantes poderiam pensar em voltar para bordo de sua nave. As três tarefas pareciam muito difíceis. Ras já compreendera o que significava encontrar determinado recinto no interior de uma espaçonave de duzentos quilômetros de comprimento. Todo mundo, inclusive Rhodan, acreditara que isso fosse muito mais fácil. Ouvia-se pronunciar o número, mas o mesmo não significava nada para a gente. Só se percebia o que havia atrás da mesma quando ela se transformava numa dimensão real. Apesar disso Ras resolveu iniciar imediatamente seu trabalho. Por enquanto não tinha um plano definido. Precisava descobrir em que ponto da Fortaleza se encontrava.

Talvez conseguisse encontrar o caminho de volta para o depósito de peças sobressalentes. Seria uma ação perigosa, mas era possível que Gucky estivesse escondido por lá. Se prestasse muita atenção, poderia saltar imediatamente de volta, caso ainda houvesse maahks no interior do depósito. Fechou os olhos e concentrou-se no salto. Quando tentou saltar, fez a terceira descoberta. Foi a pior. Não possuía mais a capacidade da teleportação. *** De repente compreendeu tudo. Os maahks estavam informados sobre os dons que os mutantes possuíam. Conheciam as psicapacidades, por experiência própria ou através de contatos com outras raças. E tinham meios de eliminar ou neutralizar as psicapacidades de outros seres. Provavelmente, concluiu Ras, também são capazes de distinguir objetivamente os mutantes dos seres normais. Havia uma boa explicação para o fato de terem localizado tão depressa o depósito de peças sobressalentes. Talvez um mecanismo que lhes permitisse medir os saltos dos teleportadores e determinar a posição dos pontos de partida e de chegada dos mesmos. Ras observou que com isso a situação adquiria um aspecto inteiramente novo. A confusão do quadro que se descortinava diante de seus olhos devia ter sua origem nas influências que os maahks exerciam sobre o setor psi de seu consciente. Precisava descobrir de que tipo era essa influência. Talvez descobrisse a fonte da mesma e se libertasse dela. Sabia perfeitamente que, se não conseguisse isso, não haveria salvação para ele. De início examinou os aparelhos que cercavam o leito em que se encontrava. Apalpou-os e auscultou-os. Nenhum deles parecia estar em funcionamento, mas como estava em contato com os produtos de uma tecnologia estranha, não podia ter tanta certeza. Ras constatou que os aparelhos eram feitos de uma espécie de metal plastificado muito leve. Derrubou alguns aparelhos e pisou neles até que ficassem entortados e algumas partes se desprendessem. Nem por isso o quadro que seus olhos viam se tornou mais claro. Isso não aconteceu nem mesmo quando derrubou e demoliu até onde pôde os aparelhos restantes. Então não era isso. A influência vinha de algum lugar situado fora da sala ou resultava de uma droga que fora introduzida em seu organismo. Fez mais uma tentativa de utilizar sua psicapacidade. Desta vez agiu com mais cautela. Fechou os olhos e abafou o fluxo de pensamentos, até que tivesse a impressão de vagar no interior de uma cápsula fechada, completamente isolado do Universo, em meio a uma escuridão infinita. Não havia mais nada que o perturbasse. Estava a sós num mundo em que não havia ruídos, imagens ou pensamentos. Havia apenas um pensamento: quero ir para lá! Sua mente articulou este pensamento pela segunda vez, pela terceira... e sucessivamente, até que a escuridão parecia vibrar ao ritmo dos impulsos cerebrais. Sentiu a energia acumular-se e tentar empurrar a parede da cápsula em cujo interior Ras parecia flutuar. Sabia que a energia acumulada lhe permitiria saltar até os limites de sua capacidade — se não fosse a influência estranha e o campo defensivo verde. Atingiu um ponto em que a energia acumulada começou a doer e perturbou o ritmo dos pensamentos. Liberou-a — não de uma só vez, porque neste caso a descarga o teria

destruído, mas por partes, em unidades muito pequenas, da forma que costumava usar essa energia nos saltos. De repente sentiu uma coisa. Não podia ir ao lugar que queria. Mas outra direção continuava livre. Descobriu um envoltório rígido fora de sua cápsula, mas havia um buraco neste envoltório. Retornou ao mundo da realidade e refletiu se deveria seguir este caminho. Sua primeira impressão foi que a saída que lhe ficava aberta era uma armadilha. Mas logo se perguntou o que os maahks poderiam ganhar com esta armadilha. Não parecia lógico que, depois de prendê-lo, os maahks lhe oferecessem uma possibilidade infinitamente pequena de libertar-se, somente para voltar a capturá-lo. Era claro que não conhecia as bases da lógica dos maahks, mas pelos princípios do pensamento racional a colocação de uma armadilha desse tipo seria uma tolice rematada. Concluiu que não se tratava de uma armadilha. Tratava-se de um lapso, um erro que penetrara nos cálculos do inimigo sem que este o percebesse. Ras resolveu usar a saída que lhe era oferecida. Voltou a concentrar-se no salto. Teve o cuidado de, mesmo durante o salto, manter ativado parte de seu consciente normal, embora isso tornasse mais complicados e demorados os preparativos do salto. Queria estar em condições de voltar imediatamente, se no ponto de destino houvesse alguma coisa que representasse um perigo. Finalmente saltou. Teve a impressão de cair por um poço negro durante um tempo infinitamente longo. Quando chegou ao destino, deduziu imediatamente que não deveria ter dado o salto. *** Até certo ponto o destino de Gucky foi diferente do de Ras Tschubai, e também do de Tako Kakuta. Quando voltou do segundo salto, foi parar bem à frente do cano de uma arma de choque dos maahks e caiu inconsciente numa fração de segundo. Mas dali em diante as coisas foram diferentes. Quando recuperou os sentidos, estava amarrado numa cama, sem o traje espacial. Assustou-se, mas logo viu que não havia um perigo imediato, pois continuava vivo. O ar que respirava tinha um cheiro estranho, mas os pulmões conseguiam absorvê-lo sem maiores complicações. Havia seis figuras esquisitas em torno da cama, e Gucky soube apreciar o cuidado que tiveram com ele ao notar que as mesmas usavam trajes protetores. Seus grandes olhos o fitavam de trás dos visores dos capacetes em forma de excrescência. Os maahks estavam decididos a examinar cuidadosamente seus prisioneiros. Para isso eram obrigados a colocá-los numa atmosfera de oxigênio, protegendo-se contra a mistura gasosa que para eles era venenosa. Gucky não ficou nada contente com a situação em que se encontrava, mas a reação de sua mentalidade diante da surpresa desagradável foi diferente da dos humanos. Achava interessante o curso que estavam tomando os conhecimentos, e tinha certeza de que poderia dar o fora quando quisesse. Os maahks conversavam pelos rádio-capacetes. Não ouvia os ruídos, mas percebeu o murmúrio de seus pensamentos. De início o pensamento estranho era incompreensível, mas depois de fazer um esforço conseguiu descobrir o sentido dos impulsos mentais estranhos. “...tão diferente dos outros dois”, pensou um dos maahks. “Não existe a menor semelhança. Provavelmente trata-se de um ser sem inteligência.” Havia vários aparelhos espalhados em torno da cama. Gucky teve vontade de erguer um deles por meio da telecinesia e fazê-lo cair na cabeça do maahk que acabara de fazer a manifestação nada lisonjeira a seu respeito, mas conseguiu controlar-se. Enquanto os

maahks achassem que ele não possuía inteligência, poderia aprender muita coisa com eles. “Isso não faz sentido”, objetou outro maahk. “Por que haveriam de arrastar um ser sem inteligência numa missão como esta?” “Não se pode falar em arrastar”, observou o terceiro. “Este animal sabe teleportar tal qual os outros. Provavelmente foi adestrado para desempenhar uma função bem definida.” “Precisamos descobrir que função tem este”, observou o maahk que falara em primeiro lugar. “Vamos à psicanálise”, pensaram dois cérebros ao mesmo tempo. “Está bem. Preparem tudo. Dois de nós ficarão aqui sem tirar os olhos do animal.” “Vocês não acham que deveríamos instalar um campo de bloqueio?”, disse alguém, manifestando um pensamento preocupado. “Isso não é necessário”, decidiu o maahk que tinha falado em primeiro lugar. “Esta criatura certamente só age diante de uma ordem direta; não saltará por iniciativa própria. Além disso não podemos dispensar nenhum dos projetores-catapulta. Todas as unidades estão sendo preparadas para a operação de saída. Quando for lançado o ataque geral, não poderemos dispensar uma única nave. Precisamos de todos os projetores que possuímos.” Gucky conseguiu girar a cabeça o suficiente para ver o primeiro maahk sair da sala. Três dos maahks que ficaram passaram a ocupar-se com os aparelhos dispostos em torno da cama. De vez em quando um deles se retirava, usando a mesma eclusa pela qual tinha passado o primeiro. Ao voltar, trazia um novo aparelho, que ligava aos que já se encontravam por ali. Dois maahks permaneciam imóveis, um de cada lado da cama, sem tirar os olhos de Gucky. Aproveitando a opinião pouco lisonjeira que os maahks tinham formado a seu respeito, Gucky virou a cabeça para todos os lados e acabou descobrindo seu traje protetor, que os maahks haviam largado num canto. Procurou calcular o tempo que seria gasto nos preparativos. Em hipótese alguma poderia deixar que os maahks o submetessem a um teste. Os impulsos inconscientes de seu cérebro eram bem diferentes daqueles emitidos por uma criatura sem inteligência. Os maahks descobriram imediatamente o que estava havendo. Devia dar o fora antes que colocassem os eletrodos, ou o equipamento que usassem no lugar dos mesmos. Levaria algum tempo para colocar o traje protetor, e os maahks não se manteriam impassíveis, vendo-o fugir. Teria que distrair sua atenção, e isso de uma forma bem eficiente. Estava quebrando a cabeça sobre isso, quando captou um impulso mental que o deixou de sobreaviso. “...não é bem seguro. Sou de opinião que este também deveria ficar trancado num campo-catapulta, mesmo que seja apenas um animal.” “Isso já foi decidido — respondeu outro maahk. — Já estamos ocupando dois geradores para manter presos os outros desconhecidos. Não podemos dispensar mais que isso.” “Acontece que este prisioneiro foi colocado no lugar mais perigoso. Os outros estão lá embaixo. Mesmo que conseguissem libertar-se, levariam algum tempo para encontrar o caminho de volta para cá. Será que a bomba que tiramos do animal não emite certo tipo de radiação, à qual o mesmo reage? Basta que olhe cuidadosamente para os lados e...”

— Chega! — gritou o maahk em tom irritado. — Será que este animal sabe colocar seu próprio traje protetor? Mesmo que soubesse, estamos aqui para cuidar dele. Trate do seu trabalho e fique quieto!” Dali em diante os maahks ficaram em silêncio. Só houve alguns impulsos mentais confusos, que Gucky não entendeu. O que já tinha descoberto era de um valor incalculável. Quer dizer que tinham tirado a bomba de Ras, e os dois tinham sido presos, e eles os haviam encerrado em campos-catapulta para eliminar sua capacidade de teleportar. Gucky não sabia que campos eram estes. De qualquer maneira, a bomba encontrava-se por perto. Não na sala em que ele estava, pois nesse caso não teria ouvido a observação a respeito do traje protetor. Voltou a olhar para os lados e viu um aparelho que se encontrava perto da cama em que estava deitado e tinha o aspecto de uma antiquada lâmpada ultravioleta. O espelho metálico abaulado estava preso a uma haste de dois metros de altura. Na parte superior a haste terminava numa ponta mais ou menos afiada. Isso deu uma idéia a Gucky. Passou a concentrar sua faculdade telecinética na haste. O aparelho desprendeu-se do chão, ficou suspenso no ar por algum tempo e caiu ruidosamente assim que Gucky o soltou. A torrente dos pensamentos que se atropelaram quase chegou a ser dolorosa. “Que foi isso?” “Deve ter sido o animal.” “Não. O animal está bem quieto.” “Mas a... (Gucky não compreendeu o termo que se seguiu) caiu!” “Talvez tenha sido porque...” Alguém estava prestes a ter a idéia certa. Estava na hora de agir. A lâmpada ultravioleta voltou a levantar-se e recuou para a parede oposta. Uma vez suspensa no ar, mudou de posição, de tal maneira que a haste de dois metros ficou em posição paralela ao chão. Os maahks recuaram para perto da porta da eclusa. Seus pensamentos eram uma mistura indecifrável de medo e surpresa. Gucky movimentou a haste. Num instante a força tremenda de seu cérebro conferiu à mesma a velocidade de um objeto catapultado. Até parecia que a haste era dotada de inteligência, pois sua ponta penetrou na parte mais sensível do traje protetor de um dos maahks, que era a dobra entre os ombros e a cabeça. O resultado ultrapassou as expectativas de Gucky. Os maahks perderam o autocontrole. “Meu traje está vazando! — gemeu o que tinha sido atingido pela haste.” “Cuidado! A... está recuando. Provavelmente...” “Evacuem o local — gritou outro maahk. — Tratem de sair daqui!” “Parem! — gritou alguém, dando uma ordem final. — Um de vocês vai levar o... (seguiu-se um nome incompreensível) para fora. Os outros ficam aqui. O incidente foi causado pelo animal. Precisamos pô-lo fora de ação.” Gucky sentiu-se dominado pela raiva. A porta da eclusa abriu-se e um dos maahks levou aquele cujo traje estava vazando para fora. Gucky ficou de olho no maahk que dera a última ordem. O mesmo aproximou-se da cama, enquanto os outros dois, que pareciam assustados, ficaram à espera perto da porta. Gucky deixou que o maahk se aproximasse a dois ou três metros. Nesse momento liberou a lâmpada ultravioleta, que continuava suspensa no ar, da sua ação telecinética. A lâmpada caiu ruidosamente. O maahk virouse, assustado. Gucky agarrou-o e o fez subir. O maahk tremia e esperneava embaixo do teto. Seus pensamentos eram incompreensíveis. Repetia a pequenos intervalos uma série de

impulsos que significava campo-catapulta. O susto imobilizou os outros dois maahks. Gucky fez descer com certa violência o maahk que estava suspenso no ar. O impacto foi tão forte que o mesmo perdeu os sentidos. Gucky percebeu isso porque o fluxo de pensamentos histéricos foi interrompido imediatamente. Foi demais para os outros dois. Fugiram pela eclusa, dando a impressão de que o demônio em pessoa estava atrás deles. Gucky ficou só. Saltou às pressas de cima da cama e colocou o traje protetor. Fez a leitura dos instrumentos mais importantes e constatou que o traje continuava intacto. Até mesmo a pequena arma energética continuava no mesmo lugar. Provavelmente os maahks acreditavam que se tratava somente de uma arma sobressalente que ele carregava para um dos companheiros. Gravou na memória os detalhes da sala em que se encontrava. Saltou. Por uma questão de segurança, resolveu percorrer um trecho de mais de cem metros. Enquanto não se orientasse, seria preferível afastar-se um pouco do lugar em que estivera preso. Numa questão de segundos os maahks apareceriam por ali em massa. Viu-se numa rampa larga, que dava passagem de um convés da nave gigante para outro. Tinha cerca de cem metros de comprimento, superava uma diferença de altura de quinze metros. Gucky fora parar nas proximidades da parede. A vinte metros dali, na outra extremidade, o chão descia quase na vertical. Ouviam-se ruídos vindos de baixo, mas a parte superior parecia estar vazia. Gucky deu alguns passos para cima, até enxergar o corredor que terminava na rampa. Alguns maahks se movimentaram bem ao longe. Não notaram sua presença. Agachou-se no ângulo formado pela parede e pelo chão e concentrou-se num ponto imaginário que ficava perto do lugar em que estivera preso, mas não no corredor. Assim que teve a impressão de ter fixado o ponto em sua mente, deu o salto. Teve uma dolorosa surpresa. A reação dos maahks fora mais rápida do que ele acreditara. A sala em que foi parar estava repleta dos mesmos. Gucky não teve tempo de olhar para os lados. Os maahks imediatamente notaram sua presença. Quatro deles precipitaram-se em sua direção e tentaram agarrá-lo. Gucky recuou prontamente. Antes que os braços tentaculares se desenrolassem de vez, seus donos viram-se levantados contra a vontade e passaram a flutuar no ar. Os microfones externos transmitiram seus gritos furiosos e estridentes. Viram-se atirados contra os outros maahks, e a força inimiga transformou-se numa confusão de pernas, braços e corpos maciços. Gucky não se contentou com isso. Pegou o bolo de maahks com sua força telecinética e, varrendo o chão, atirou-os contra a parede oposta. Quatro dos sete maahks ficaram no chão, imóveis. Gucky voltou a levantar os outros e deixou-os cair. Depois disso ficou em paz. O único mobiliário da sala consistia em duas mesas baixas e largas, do tipo usado nos museus para expor peças valiosas. Sobre uma das mesas havia duas armas energéticas, colocadas em boa ordem, lado a lado, dando a impressão de que os maahks as estavam admirando. Sobre a segunda mesa via-se, completamente isolado, o recipiente em forma de cantil que continha a bomba. O rato-castor amarrou-o ao cinto o mais depressa que pôde. Sem dar atenção aos maahks inconscientes ou feridos, afastou-se do lugar, dando um salto enorme, que o levou a mais de dois quilômetros do ponto em que no momento se concentrava o maior perigo. Foi parar num gigantesco pavilhão abobadado, em cujo interior se viam bancos dispostos em forma concêntrica, formando uma espécie de anfiteatro que subia até a extremidade da cobertura abobadada. Assustouse, porque foi parar num banco e por pouco não perdeu o equilíbrio. Mas viu que o grande pavilhão estava completamente vazio e voltou a tranqüilizar-se.

Provavelmente os maahks só usavam esse pavilhão em ocasiões especiais, de forma que por ali poderia estar em segurança por algum tempo. Além disso o lugar em que se encontrava permitia uma visão ampla. Se quisessem pegá-lo, os maahks teriam de entrar por uma das portas, que apesar de seus contornos pouco definidos eram perfeitamente reconhecíveis à luz forte do sol artificial que lançava seus raios da cobertura abobadada, estavam dispostas em volta do anfiteatro, nas paredes circulares. Gucky encontrava-se mais ou menos a meio caminho entre a arena central e a parede. Como o pavilhão tinha cerca de oitocentos metros de diâmetro, Gucky encontrava-se pelo menos a duzentos metros da porta mais próxima. Sentou em um dos bancos e pôs-se a refletir sobre o que poderia ser feito em seguida. Tinha somente uma idéia vaga sobre o lugar em que se encontravam Tako e Ras. Achou que seria inútil sair à sua procura. Seria preferível colocar primeiro a bomba no lugar. Com a explosão da bomba certamente seriam destruídos os instrumentos que impediam Ras e Tako de teleportar. Certamente perceberiam logo que a força que os prendia tinha desaparecido. Gucky chegou à conclusão de que era um plano inteligente. Precisaria de alguns minutos de descanso. Em seguida poria mãos à obra. Mas logo viu que havia uma falha em seu plano. Mal acabara de tomar sua decisão, aconteceram duas coisas quase ao mesmo tempo. Primeiro, todas as portas do pavilhão enorme abriram-se como que a um comando secreto e uma força imensa de maahks fortemente armados penetrou no recinto redondo. Segundo, quando Gucky já se dispunha a saltar, o microcomunicador emitiu um chiado. Os maahks não haviam demonstrado nenhum interesse pelo aparelho, que continuava no bolso do traje espacial de Gucky. Gucky pegou a caixinha cinzenta e a ligou para a recepção. No mesmo instante a voz de Ras se fez ouvir. — Preciso de auxílio, e é logo. Quem estiver me ouvindo deverá vir imediatamente. A direção geral é... Gucky prestou atenção às indicações fornecidas por Ras, sem tirar os olhos dos maahks. Ras terminou sua descrição quando a primeira fileira de inimigos ainda se encontrava a quarenta metros de distância. A pequena figura do rato-castor parecia dissolver-se no nada bem à frente do inimigo.

6 A correnteza arrastava-o violentamente, ameaçando esmagá-lo. Estava escuro em torno dele. Não tinha a menor idéia de onde estava, mas sabia que teria de sair quanto antes, se quisesse continuar vivo. No início só sentira medo e pavor. Mas quando compreendeu que não iria morrer logo, pôs-se a refletir. A coisa contra a qual estava lutando devia ser um efeito produzido por algum agente mecânico. Fora parar ali por acaso, isto porque os maahks não haviam percebido que havia um buraco na jaula em que estivera preso. O efeito ao qual estava sujeito era, por sua vez, a causa do fato de lhe ter restado um único caminho ao dar o salto. Em outras palavras, devia tratar-se de algum campo que agia sobre o setor psi de seu cérebro. Não sentia o próprio corpo. Não sabia se estava de pé, deitado ou sentado. Naqueles minutos, que pareciam uma eternidade, era todo espírito. A inteligência procurava algum ponto de referência que o ajudasse a compreender a situação. Mas a pressão aumentava constantemente, e o momento em que não haveria mais nenhuma inteligência para procurar na escuridão não estava longe. Procurou descontrair-se. No mesmo instante a dor que parecia triturar seu corpo cresceu abruptamente. Retornou a um estado de concentração máxima e sentiu-se aliviado ao notar que a dor tinha diminuído. No mesmo instante teve uma idéia. Por ocasião da tentativa fracassada que fizera experimentara uma estranha sensação, que parecia vir de longe. Teve a impressão de que sabia o que era. Talvez pudesse tirar proveito da mesma, mas para isso teria de repetir a experiência. Foi o que fez. De um instante para outro soltou as rédeas do pensamento. Imediatamente a dor aumentou. Numa questão de segundos a inteligência, que até então funcionara claramente, entrou em confusão, transformando-se numa série de impulsos mentais apagados e arbitrários. Ras reconheceu o perigo em que se encontrava. Mais alguns segundos, e seria a loucura. Não soube voltar atrás. Não possuía forças para pôr em ordem os pensamentos. De repente experimentou a mesma sensação. Vinha de uma direção que, sem saber por quê, julgava ser embaixo. Usou o que lhe restava de raciocínio para compreender de que se tratava... e de repente compreendeu. A perna direita estava doendo! Depois de um martírio espiritual que durara uma eternidade voltara a sentir o corpo. Tentou mover a perna. A inteligência estava embotada em três quartos de sua extensão, mas os impulsos inconscientes que o cérebro emitia para movimentar os músculos surgiam espontaneamente. A perna moveu-se. Ras sentiu que o pé estava encontrando resistência. Até parecia que a única coisa de que Ras tinha necessidade era esse movimento, pois a dor passou de repente. A pressão desapareceu. Ras voltou a pensar claramente. Abriu os olhos e viu que continuava escuro em torno dele. Ouviu um zumbido agudo, vindo não sabia de onde. Era o sinal de alerta de seu traje espacial. Havia alguma coisa que não estava em ordem. A idéia de que seu traje protetor talvez estivesse vazando o fez transpirar.

Espreguiçou-se. Alguma coisa cedeu. Ouviu um estalo. De repente uma luminosidade amarelo-avermelhada subiu para o alto. O zumbido do sinal de alerta tornou-se mais estridente. Precisava sair dali, senão todo esforço teria sido em vão. Atirou-se para a frente, bem para dentro da luminosidade. Esbarrou numa coisa dura, que cedeu crepitando, abrindo o caminho. Uma chama solitária lambia o visor de seu capacete e deixou-o ofuscado por um segundo. Quando voltou a enxergar, tudo tinha passado. Viu-se no interior de um gigantesco pavilhão repleto de máquinas. Estivera preso no interior de uma dessas máquinas. Ficava atrás dele. Parte do revestimento de metal plastificado tinha sido rompida, e as chamas e a fumaça eram expelidas da abertura entrecortada. Não sabia como tinha conseguido. No momento isso não importava. O essencial era que estava reconhecendo o pavilhão em cujo interior se encontrava. Era o mesmo que vira de dentro do poço de ventilação, pouco antes de ser preso. Atrás dele os restos da máquina da qual acabara de sair desmancharam-se ruidosamente, transformando-se num monte de destroços fumegantes. Ras lançou um olhar pensativo para a fumaça cinzenta, que subia na vertical, misturando-se a bruma amarelenta. Não sabia qual era a finalidade da máquina. Mas não havia dúvida de que irradiava alguma coisa que interferia no setor psi de seu cérebro. Enquanto estivesse sob a influência de uma das máquinas, deixava de ser um teleportador. Os maahks conheciam esse efeito e o usavam para manter presos os mutantes de forma mais eficiente do que poderiam fazer com drogas ou outros meios. Mas esqueciam uma coisa. O caminho para dentro da máquina sempre ficava aberto ao teleportador. Ras percorrera este caminho. Tivera sorte por não ter sido esmagado imediatamente no interior da máquina. Foi o que decidiu a situação. As energias que teriam fluído livremente ficaram represadas dentro dela e provocaram seu superaquecimento. E mais uma vez Ras tivera sorte, pois em vez de matá-lo, o calor abrasador abriu caminho para ele, fundindo o revestimento da máquina. Seu traje protetor resistiu perfeitamente à carga adicional a que estivera exposto. Olhou para os lados e não viu sinal dos maahks que observara ao examinar o pavilhão pela primeira vez. Certamente haviam sido retirados quando se acreditava que já não havia perigo de os prisioneiros fugirem. Mas logo sentiu que os acontecimentos dos últimos minutos o haviam deixado exausto. Sentou no chão, perto do monte de destroços fumegantes. A situação parecia desesperadora. Quanto mais refletia, mais se convencia de que a única coisa que poderia fazer um homem sensato que se encontrasse em sua situação era render-se incondicionalmente aos maahks. Fez uma tentativa ligeira de sair do pavilhão, usando a teleportação. A tentativa fracassou. Ras já não estava submetido aos efeitos imediatos das máquinas, mas os campos energéticos espalhados pelas mesmas ainda eram bastante intensos para neutralizar suas capacidades psi. Se quisesse sair dali, deveria confiar unicamente nas próprias pernas. Fez um gesto distraído na direção do microfone que carregava num dos bolsos de seu traje e que os maahks tinham deixado lá — não saberia dizer por quê. Refletiu se deveria chamar Tako ou Gucky. Provavelmente os dois tinham sido presos e não estavam em condições de ajudá-lo. Mas talvez fosse útil conversar com os mesmos. Talvez tivessem ouvido, visto ou descoberto alguma coisa que lhe pudesse trazer algum proveito. Mas de outro lado não devia esquecer que os maahks poderiam captar sua mensagem de microcomunicador, com o que ficariam sabendo de sua fuga.

Antes que chegasse a uma conclusão, aconteceu uma coisa que afastou suas dúvidas. De repente ouviu um ruído diferente em meio ao matraquear das máquinas. Assemelhava-se ao ruído surdo dos passos de uma manada de elefantes. Ras levantou os olhos e viu a frente cinza-claro dos maahks que se aproximavam. Ainda se encontravam a três fileiras de máquinas do lugar em que ele estava. Abrigou-se atrás da máquina mais próxima o mais depressa que pôde. Não sabia se os maahks tinham vindo por sua causa. Talvez tivessem notado que uma das máquinas não estava funcionando e queriam descobrir a causa. Mas logo viu que os maahks passaram pelos escombros da máquina e vinham em sua direção. Procurou esconder-se melhor e ligou o microcomunicador. Não esperou a confirmação do sinal de chamada automático. Começou a falar em tom insistente. — Preciso de auxílio, e é logo. Quem me ouvir deverá vir imediatamente... *** No início Gucky teve a impressão de que seu salto falhara. Mas não teve tempo para refletir sobre isso. Foi arrastado pelos acontecimentos. Bem à sua frente movimentava-se uma fileira longa e compacta de maahks, que usavam trajes protetores desajeitados. Em torno dele estavam dispostas figuras aerodinâmicas, todas iguais, formando filas. Deviam ser máquinas, pois ouviam-se ruídos que soavam como batidas vindos das mesmas. Os maahks estavam de costas para ele. Não era difícil adivinhar que deviam estar atrás de Ras. Fora ele que pedira ajuda. Onde estava? Gucky ligou seu rádio para a potência mínima e perguntou em voz baixa: — Ras... você está aqui? A resposta não se fez esperar. — Os maahks estão me cercando. Você os vê? Gucky os via. Afastavam-se dele e estavam tão entretidos no que estavam fazendo que ninguém se virará em sua direção. — Outra coisa — disse Ras. — Daqui você não pode saltar. As máquinas o impedem. Não chegue muito para a frente. — Obrigado — cochichou Gucky e lançou um olhar desconfiado para as máquinas. — Entraram em forma — falou Ras. — Provavelmente atacarão dentro de instantes. Se não estiver armado, trate de dar o fora. — Cale a boca, cara! — disse Gucky, furioso. — Não vim de mãos vazias. Depois disso Ras não se fez ouvir mais. Os maahks tinham saído do campo de visão de Gucky. Este fez uma tentativa apressada de teleportar. Não conseguiu. Ras tinha razão. As máquinas irradiavam alguma coisa que paralisava sua capacidade de teleportação. Tirou a bomba do cinto e colocou-a à sua frente. Fitou-a por um segundo. A bomba rolou e bateu no suporte de uma das máquinas. Gucky estava satisfeito. Ainda era um telecineta. Voltou a pegar a bomba e prendeu-a ao cinto. De repente ouviu um grito. Só podia ser Ras, pois o ruído tinha saído do alto-falante de seu rádio-capacete. Ouviu alguém respirar fortemente, enquanto a voz saída do altofalante dizia em meio ao ruído das máquinas: — Armas de choque... depressa! Gucky compreendeu. As máquinas eram muito importantes para os maahks. Por isso não podiam usar armas pesadas. Geralmente as armas de choque não eram tão perigosas quanto as armas energéticas ou os desintegradores. Mas tudo dependia da potência para a qual eram reguladas. Gucky procurou ficar escondido, enquanto rastejava em direção aos maahks que estavam cercando Ras.

Não tinha a menor idéia de um plano. Na verdade, tinha suas dúvidas de que seria capaz de enfrentar trinta maahks. À medida que avançava, deu-se conta de que as coisas iriam ficar pretas para ele. Assim mesmo continuou a rastejar. A certeza de ter se metido numa empresa impossível deixou-o furioso. E isso, por sua vez, fez com que ficasse mais decidido. Quando saiu de trás da base de uma máquina e viu um maahk deitado a quatro metros de distância, junto ao suporte de outra máquina, não perdeu tempo: atirou. Gucky avançou mais uma fileira e descobriu dois maahks, que estavam com a arma apontada, à espera do momento em que Ras saísse do esconderijo. Gucky liquidou um deles. O outro encostou o corpo ao chão e disparou sua arma energética ao acaso. Gucky recuou, mas foi inútil. A fumaça e os gritos de socorro do terceiro maahk alarmaram a força inimiga. Os maahks desinteressaram-se de sua primeira vítima e concentraram seus ataques em Gucky. O rato-castor pôs fora de ação três deles. Mas a única coisa que conseguiu com isso foi aumentar o espírito combativo dos outros. Gucky foi atingido no ombro por uma arma de choque e teve de segurar a arma na pata, pois o braço direito não lhe obedecia mais. Diante da grande superioridade do inimigo, acabou fugindo. O mais rápido que pôde, colocou três, quatro fileiras de máquinas entre sua pessoa e os perseguidores. Toda vez que atravessava uma área livre, as salvas das armas de choque silvavam em torno dele. Mas não foi atingido mais. Quando, já a uma distância segura, avistou o primeiro inimigo, resolveu vingar-se, erguendo-o a dez metros de altura e deixando-o cair sobre a chapa de revestimento metálico de uma máquina. Depois disso os maahks se tornaram mais cautelosos. Gucky não viu mais nenhum deles. Depois de algum tempo dispararam contra ele por trás. Compreendeu que estava cercado, da mesma forma que Ras estivera há alguns minutos. Enfiou a arma no coldre e examinou a máquina que se encontrava à sua frente. Assim que o setor psi de seu cérebro se fixou perfeitamente nas linhas retas e aerodinâmicas do pesado mecanismo, tentou mover o mesmo. A tentativa exigiu toda a atenção. Levou algum tempo sem poder dedicar-se aos maahks. Mas, os mesmos desconfiaram, pois chegaram mais perto e Gucky foi atingido de raspão na perna esquerda por uma arma de choque. Rolou para o lado sem tirar os olhos da grande máquina. O esforço que fez foi tamanho que o quadro que via à sua frente se desmanchou. Às vezes chegou a ter a impressão de que a máquina se movimentava. Mas a resistência obstinada da matéria inerte continuou inalterada. Gucky começou a duvidar de que conseguiria mover o bloco enorme. Enquanto isso o anel dos maahks que o cercavam ia se estreitando cada vez mais. Se não conseguisse desviar sua atenção dentro de alguns segundos estaria liquidado. De repente a máquina cedeu. Houve um solavanco tão forte que Gucky teve a impressão de que seu cérebro estava arrebentando. Rangeu ao desprender-se dos alicerces e deslizou um pedaço pelo chão, antes de subir. Línguas de fogo saíam dos cabos rasgados, e uma fumaça densa encheu o ar. Gucky deitou de lado, para ficar de olho na máquina. Como não estava mais presa aos suportes, não havia nenhuma dificuldade em levá-la ao lugar era que estavam escondidos os maahks. Gucky fez a máquina subir mais alguns metros e libertou-a da influência telecinética. O gigantesco bloco precipitou-se para baixo como um projétil, sob o efeito da gravitação muito elevada. Produziu um forte estrondo ao cair em uma das fileiras de máquinas. Pedaços de metal e peças de máquinas foram arremessados para o alto, e uma saraivada de fragmentos atingiu o chão numa extensão de mais de cem metros em torno do local do impacto. Gucky enfiou-se no seu abrigo o melhor que pôde. Uma lasca de metal de mais de um metro de comprimento

penetrou no chão bem perto do lugar em que estava e ficou presa, incandescente e fumegante. O estrondo das explosões que se seguiam em rápida sucessão encheu o pavilhão por alguns minutos. Assim que a saraivada de fragmentos diminuiu um pouco, Gucky arriscou-se a sair do abrigo e resolveu olhar em torno. O pavilhão estava cheio de fumaça até o teto. De vez em quando viam-se chamas vermelho-amareladas em meio à bruma. Não havia sinal dos maahks. A figura alta de Ras Tschubai apareceu no meio da fumaça. — Tudo bem? — perguntou com a voz tranqüila. — Pelo que posso sentir, sim — respondeu Gucky. — Onde estão os maahks? — Fugiram. Saíram correndo assim que a máquina começou a subir. Gucky ficou perplexo. — Simplesmente isso? — Simplesmente isso. Corriam como se o diabo estivesse atrás deles. — Hum — fez Gucky. Ficaram calados por algum tempo. — Estou pensando o tempo todo — voltou a falar Ras. — Estas máquinas devem ser muito importantes para os maahks. Só fugiram porque queriam evitar que você causasse mais prejuízo. Gostaria de saber que máquinas são estas. — Como foi que você veio parar aqui? — perguntou Gucky sem entrar no assunto. — Pensei que vocês estivessem presos. Ras fez um ligeiro relato do que tinha acontecido. Gucky ficou muito quieto, e continuou assim muito tempo depois que Ras tinha terminado. Fez a ligação dos fatos relatados com aquilo que descobrira dos maahks, e de repente os detalhes se encaixaram, formando um quadro perfeito. Recuperou o bom-humor. Já não estava tateando no escuro. Sorriu para Ras através do visor de seu capacete, exibindo o dente-roedor muito largo. — Sei mais que você, homem da Terra! — escarneceu. — Estas máquinas geram os chamados campos-catapulta. Não sei para que servem. Deve tratar-se de campos de transporte semelhantes aos gerados pelos transmissores. Se a memória não me engana, aprendi que os campos de transporte produzidos pelo setor psi do cérebro de um teleportador possuem a mesma estrutura. Parece que os maahks sabem fazer uma ligação tão perfeita entre os campos gerados pelas máquinas e o campo psi dos teleportadores que surge uma interferência que impede os teleportadores de usar sua faculdade. Mas eles se esquecem... bem, o resto você sabe. Fez um gesto de pouco caso. — Não é só isso — prosseguiu Ras, pegando o tema no ponto em que Gucky o tinha abandonado. — Estas máquinas também são capazes de projetar o campo por elas gerado. A sala em que fiquei preso deve ficar pelo menos a quinze quilômetros daqui... — Ouvi quando disseram que vocês tinham sido colocados bem lá embaixo — interrompeu Gucky. — Pois é. Quer dizer que as máquinas funcionam como geradores e projetores ao mesmo tempo. Resta saber... Interrompeu-se no meio da frase. Gucky fitou-o com uma expressão de curiosidade. — Disseram que são campos-catapulta, não disseram? — Foi a única interpretação que consegui extrair de seus pensamentos — respondeu Gucky. — O impulso aludia a alguma coisa que impele outra menor, a uma velocidade elevada, mas que é menor que a de um projétil.

— Excelente! — exclamou Ras, entusiasmado. — Está com a bomba? Passe para cá. Gucky tirou o recipiente que trazia preso ao cinto. Entregou-o a Ras e resmungou: — Encontro a bomba que você perdeu, numa nave tão grande que a gente leva uma semana para atravessá-la de lado a lado, com cerca de cinqüenta mil salas, e a única coisa que você sabe dizer é passe para cá. Com você eu... — Todo mundo sabe que você é um gênio — ironizou Ras. — Você já deve ficar nervoso quando alguém fala nisso. Tirou a bomba do recipiente e moveu uma chave muito pequena que saía do fundo da figura cilíndrica. Cuidadosamente, com uma expressão pensativa no rosto, colocou a bomba junto à base de uma máquina que não tinha sido afetada pela saraivada de fragmentos e pela série de explosões. Feito isso, recuou alguns passos. — Isso não deverá afetar o campo defensivo verde — observou Gucky. — Os geradores que alimentam o mesmo não estão aqui. — Sei disso — respondeu Ras sem tirar os olhos da bomba. — Mas isto aqui deixará os maahks mais aborrecidos que a destruição de seu campo defensivo. — Virou o rosto para Gucky. — Preste atenção. A bomba vai explodir dentro de quinze minutos! Temos que dar o fora antes disso. Daqui não podemos saltar; vamos a pé. Os maahks ainda não desistiram da caçada. Tenho certeza de que cercaram este pavilhão, para agarrar-nos assim que aparecermos do lado de fora. Se agirmos com cuidado talvez descubramos um lugar do qual possamos saltar antes que os maahks nos agarrem. Vamos encontrar-nos na planície, junto à floresta, onde travamos conhecimento com o jovem maahk. Combinado? Gucky não teve nenhuma objeção. Não conhecia o plano de Ras, mas imaginava aonde o mesmo queria chegar. Saíram em direção à parede mais próxima e tentaram andar o mais depressa possível. A bomba seria detonada em menos de quinze minutos e provocaria um incêndio nuclear que destruiria em primeiro lugar as máquinas que se encontravam no pavilhão, para depois atingir as salas contíguas e atingir toda a nave. Os geradores que alimentavam o campo defensivo também acabariam sendo destruídos, e quando isso acontecesse estaria na hora de voltar para a Crest. Por enquanto a única coisa que podiam fazer era esperar. A caminhada através do pavilhão não foi livre de incidentes. Quando ainda se encontravam a cerca de cem metros da parede muito alta, Gucky notou um movimento ligeiro e confuso bem a seu lado. Ainda durante a queda sacou uma das armas energéticas que trazia consigo. Mas antes que tivesse tempo para atirar uma voz estridente se fez ouvir no receptor de seu rádio-capacete. — Não atire! Gucky virou a cabeça. A três metros do lugar em que se encontrava estava uma figura atarracada, que usava um traje especial do mesmo tipo que ele e Ras estavam usando. Gucky levantou-se. A figura que se encontrava à sua frente era Tako Kakuta. — Já que não querem cuidar de mim, permitam ao menos que os acompanhe — disse em tom alegre. — Meu Deus! Como veio parar aqui? — perguntou Gucky, chiando de tão nervoso que estava. A história que Tako contou não teve nada de sensacional. Fora preso da mesma maneira que Ras e Gucky. Fora colocado numa sala pequena e ninguém se interessara por ele. Tentou libertar-se por meio de um salto de teleportação, tal qual Ras. Constatou que o setor psi de seu cérebro não estava funcionando como antes. Descobriu o buraco pelo

qual poderia escapar ao campo-catapulta, mas teve a impressão de que a tentativa seria muito arriscada. Pôs-se a esperar. De repente ficou completamente livre da influência estranha. Foi quando a manobra audaciosa de Gucky destruiu várias máquinas e pôs em fuga os maahks. Certamente um dos geradores destruídos na operação fora aquele que alimentava o campo-catapulta de Tako. Este teve sua curiosidade despertada. Queria ver o lugar do qual partia a estranha influência. A direção e a distância estavam guardadas em sua memória. Tako saltou. E foi só. Ras fez um relato ligeiro dos acontecimentos mais recentes. Tako não teve outras informações a dar. Depois que vira Ras de pé no depósito de peças sobressalentes, duro como um boneco, não vira mais nenhum maahk. Pararam à frente de uma das portas que levavam para fora do pavilhão. Ras olhou em torno. — Acho que não teremos nenhuma dificuldade em abrir esta porta — disse. — Mas aposto que os maahks estão à nossa espera do lado de fora. A fumaça poderá ajudar-nos um pouco. Acho que com ela poderemos avançar pelo menos uns três ou quatro metros antes que nos vejam com bastante clareza para atirar. Isso deve chegar. A três metros da porta o efeito do campo gerado por estas máquinas deverá diminuir a ponto de não impedir que saltemos. É o que faremos logo que isso seja possível. Nos encontraremos na planície, junto à floresta. Não esperou a resposta dos companheiros. Aproximou-se da fenda formada pelos dois batentes da porta que se juntavam e encostou as duas mãos, o mais alto que pôde, no plástico cinza-claro. A porta reagiu imediatamente. A fenda abriu-se, transformando-se numa fresta. Ras respirou profundamente e saiu.

7 Mais de quinze horas depois de os mutantes terem saltado, quando Perry Rhodan já não tinha nenhuma esperança de que a missão dos mesmos pudesse ser bem sucedida, os homens que se encontravam na Crest observaram um estranho fenômeno que parecia verificar-se atrás do campo defensivo verde da gigantesca fortaleza espacial. Pelas experiências que já tinham feito, esse campo era completamente opaco. Mas naquele momento os telescópios estavam sendo atingidos por impulsos luminosos que sem a menor dúvida vinham do interior do campo defensivo. Ao mesmo tempo os rastreadores registraram uma série de repentinas descargas energéticas, que se sucediam a intervalos irregulares. Rhodan não teve necessidade de esperar que o computador positrônico fizesse a interpretação dos dados para compreender o que significava isso. Uma série de explosões violentas tinha se verificado a bordo da fortaleza espacial. Nenhum dos sinais parecia indicar que essas explosões tivessem resultado da detonação de uma bomba de Árcon, do tipo que Ras Tschubai havia levado. Mas Perry não teve a menor dúvida de que aquilo era obra dos mutantes. Criou novas esperanças. As coisas não estavam correndo da forma que ele esperara, mas os teleportadores pareciam ter entrado em ação. Dali a alguns minutos houve outra surpresa. A Fortaleza acabara de largar mais um grupo de naves-lápis, que se aproximavam em alta velocidade da Frota Terrana. Desta vez foram somente vinte unidades, quando antes disso os grupos eram formados por oitenta ou cem naves inimigas. Além disso as naves não apareceram ao mesmo tempo nas telas dos rastreadores. Foram surgindo uma após a outra. Rhodan lembrou-se da pergunta que Atlan formulara sete horas antes, e de repente a mesma lhe pareceu muito mais importante. *** Por pouco a saída não lhes custou a vida. Os maahks provaram que eram bons táticos. Assim que a gigantesca porta se abriu, começaram a disparar. Já não precisavam ter muito cuidado. Os tiros que errassem o alvo não poderiam atingir as preciosas máquinas. A primeira coisa que Ras viu ao saltar para fora, protegido pela névoa que o seguia, foi uma luminosidade azul-pálida, que atingiu o chão perto dele e desmanchou o revestimento, transformando-o em flocos que se volatilizaram. Deu um salto para o lado, pegou a arma e foi atirando ao acaso na direção da qual pareciam vir os disparos. Ouviu Tako praguejar, enquanto Gucky dizia palavrões. Viu os lampejos fulgurantes produzidos pelas salvas de suas armas energéticas, e por um triz não correu para dentro de um raio energético verde que veio ao seu encontro no meio da fumaça. Concentrou-se o melhor que pôde para o salto e constatou que quase não sentia mais os efeitos do campo energético espalhado pelos geradores. A única coisa que teve de fazer foi empurrar-se ligeiramente, e de repente a fumaça e o barulho, o chiado das armas e o lampejo dos disparos ficaram para trás.

Ras respirou aliviado e examinou o ambiente que já lhe era conhecido. A selva azul, da qual saíra o jovem maahk, ficava bem à sua frente. A planície parecia descansar à luz ofuscante do sol artificial. Não se ouvia nada. Gucky e Tako apareceram quase no mesmo instante. Havia uma mancha negra produzida por uma queimadura no seu traje protetor, na altura do ombro direito. Tako escapara ileso. Ras certificou-se de que Gucky não corria nenhum perigo. Feito isso, os três sentaram no chão, junto à mata, e puseram-se a discutir sobre o que fariam em seguida. Tako sugeriu que esperassem até que os efeitos da bomba de fusão nuclear atingissem a sala em que ficavam os geradores que alimentavam o campo defensivo verde e a destruíssem. Ras e Gucky não concordaram. — Os maahks sabem medir nossos saltos — disse Ras. — Provavelmente neste momento estão muito ocupados, pois descobriram que colocamos uma bomba em sua casa. Mas são tantos que certamente há alguns sentados atrás dos rastreadores, para ver onde estamos. Em minha opinião aparecerão aqui dentro de quinze minutos no máximo para pegar-nos. Gucky teve uma idéia arrojada. Sugeriu que procurassem localizar a povoação em que residia o jovem maahk e prendessem o mesmo juntamente com os outros habitantes. Se usassem os prisioneiros como reféns, disse Gucky, poderiam obrigar os maahks a não impedir sua saída. — Não conhecemos a mentalidade deles — objetou Ras. — É possível que não se preocupem nem um pouco com a vida de trinta ou quarenta pessoas e nos ataquem assim que nos virem. Acho que não devemos arriscar. Em minha opinião seria preferível... Expôs seu plano. No início o mesmo parecia louco e inexeqüível. Mas quanto mais refletiam, mais se davam conta de que não tinham alternativa. Nem por isso o plano se tornava menos audacioso, mas pelo menos conformaram-se e chegaram à conclusão de que na situação em que se encontravam não tinham muita escolha. Deveriam experimentar qualquer tática que oferecesse alguma chance, por menor que fosse. — Muito bem — concluiu Ras, depois de convencer os companheiros. — Voltaremos a procurar. Tenho certeza de que a finalidade dos geradores é a que já indiquei. Como essas máquinas funcionam ininterruptamente, é de supor que algumas das naves-lápis dos maahks ficam em movimento ininterruptamente. O único problema é encontrar o lugar do qual decolam essas naves. Se conseguirmos isso sem sermos presos, o resto será uma brincadeira. Tako fitou-o prolongadamente. Havia um sorriso triste em seu rosto redondo e amável. — Quer dizer que prestamos um péssimo serviço a nós mesmos. Assim que a bomba tiver destruído todos os geradores, estaremos... — Isso mesmo — interrompeu Ras. — Acredito que o incêndio levará cerca de duas horas, a partir do momento da detonação da bomba, para destruir completamente o pavilhão em que ficam os geradores. Portanto, teremos de estar lá dentro de uma hora no máximo. Do contrário não teremos nenhuma chance. Gucky levantou-se de um salto. — O que estamos esperando? — exclamou com a voz estridente e nervosa. ***

Ras fechou os olhos e voltou a abri-los. O panorama continuava o mesmo. Certamente se enganara na direção do salto. Levantou o braço e olhou para o instrumento que ficava pouco acima do cotovelo. O sinal luminoso vermelho tremia no centro da escala. Era uma indicação inconfundível. Campos energéticos muito potentes, semelhantes aos produzidos pelos jatos-propulsores das espaçonaves, estavam sendo gerados nas imediações. Olhou em torno, estupefato. Encontrava-se no topo de uma colina baixa, numa área imensa de terreno ondulado. O chão era da mesma cor verde-amarelenta que ele vira na planície que se estendia junto à floresta. Mas a vegetação era mais densa. Em sua maioria as colinas eram cobertas por mata azul, e nas baixadas viam-se plantas de todos os tamanhos. Uma esfera branca, que era um sol muito forte, estava suspensa no céu verde. Parecia que o terreno coberto de colinas não tinha fim. Ras reconheceu que, se alguém o tivesse levado a esse lugar sem que ele soubesse, poderia acreditar que se encontrava num planeta desconhecido. Mas sabia que estava a bordo de uma gigantesca espaçonave, e isso fazia com que encarasse as coisas sob um prisma diferente. Fazia cinco minutos que ele se separara de Tako e Gucky, já que os instrumentos dos mesmos não forneciam dados precisos. A bomba de Árcon que haviam colocado na sala dos geradores estava liberando sua força, e os raios energéticos emitidos pela mesma danificavam os aparelhos supersensíveis. Cada um tinha avançado numa direção diferente, e Ras fora parar numa paisagem coberta de colinas que, segundo as indicações dos instrumentos, estava cheia de campos energéticos. Acontece que Ras não seria capaz de dizer de onde vinham esses campos, e se na verdade deveriam estar ali. Ras estava à procura do hangar do qual partiam as naves-lápis. E, fossem quais fossem as indicações dos seus instrumentos, o lugar em que se encontrava não parecia ser um hangar. De repente Tako Kakuta apareceu a seu lado. — No lugar era que estive não encontrei nada — informou. — E aqui? Ras não disse uma palavra. Apontou em torno. — Olhe. E não se esqueça de olhar para o instrumento. Tako fez ambas as coisas e assobiou, surpreso. Antes que pudesse dizer alguma coisa, Gucky materializou. — Ui! — exclamou. — Como isto aqui é acolhedor. — Como foram as coisas com você? — perguntou Ras. — Saiu tudo errado. Em toda parte os instrumentos indicavam a mesma coisa. Raios energéticos vindos de outro lugar. E aqui...? Olhou para o instrumento, sem esperar a resposta. — Pois então — disse, falando entre os dentes. — Conseguimos. — É claro que sim — escarneceu Tako. — Os maahks construíram hangares de espaçonaves que antes parecem paisagens bucólicas. Gucky ficou calado. — Talvez pudessem — resmungou Ras em tom pensativo. — Pudessem o quê? — Não conhecemos sua mentalidade — explicou Ras. — Seus hangares não precisam de eclusas, já que existem os campos-catapulta. Não temos nenhum motivo para supor que um hangar dos maahks tenha qualquer semelhança com um dos hangares encontrados a bordo de uma espaçonave terrana. As indicações dos instrumentos são bem claras. Precisamos abandonar nossos preconceitos e dar uma olhada por aí. E é só. Gucky...

Interrompeu-se. Gucky não estava mais a seu lado. Voltou a aparecer dentro de alguns segundos. — Tudo em ordem — disse em tom indiferente. — A nave-lápis mais próxima está logo ali. Apontou com o braço estendido para o topo coberto de mato da colina mais próxima. *** Gucky tinha razão. Uma depressão profunda atravessava a paisagem, do outro lado da colina coberta de mata. Nessa depressão estava guardada uma nave-lápis de um quilômetro de comprimento e cem metros de diâmetro, oferecendo um quadro ameaçador com seu casco negro e brilhante. Os três mutantes estavam parados numa clareira, na encosta da colina. Esta descia suavemente, para depois tornar-se cada vez mais íngreme à medida que se aproximava da depressão. O casco da nave era completamente liso; não apresentava nenhuma irregularidade. Não se via um único maahk por perto. — Não acredito muito nesta calma — disse Gucky. — Está quieto demais. Provavelmente não há ninguém a bordo. Só Deus sabe quanto tempo teremos de esperar até que esta nave decole. — Dê uma olhada nos instrumentos — recomendou Ras. — Acho que não preciso dizer mais nada. Na opinião de Gucky, as indicações dos instrumentos não eram uma prova perfeita. Achava que deveriam ir imediatamente para bordo da nave para saber como estavam as coisas. Ras o deteve. Tinham pressa, mas antes de darem o salto havia algumas coisas importantes a fazer. Foram avançando juntos em saltos pequenos junto à borda da depressão, e procuraram localizar o ponto em que os instrumentos indicassem valores mais elevados. Dessa forma determinariam a posição aproximada dos jatos-propulsores. Isso era importante, pois os propulsores poderiam gerar interferências que perturbavam suas faculdades psi. Por isso teriam de evitar as imediações da sala dos propulsores, quando subissem a bordo. A operação de reconhecimento foi cercada de certas dificuldades. Tinham de ter o cuidado de manter-se fora do campo de visão dos maahks que poderiam estar observando a área de dentro da nave. Além disso tinham de prestar atenção às plantas que reagiam furiosamente a cada um dos seus movimentos. Ras lembrou-se mais de uma vez do menino maahk que haviam encontrado junto à floresta. As plantas tinham se afastado diante dele para abrir caminho. Parecia haver uma espécie de acordo entre as estranhas plantas azuis e os maahks. Quando aparecia um estranho, as plantas tentavam liquidá-lo o mais depressa possível. Até parecia que sabiam se tratar de um inimigo de seus amigos maahks. “Talvez saibam mesmo”, pensou Ras. Voltaram ao lugar do qual haviam avistado pela primeira vez a nave-lápis. O cenário continuava o mesmo. Não havia nenhum sinal do incêndio atômico que lavrava a cinqüenta quilômetros de distância, espalhando-se ininterruptamente. Já sabiam onde ficava a sala de propulsores da nave. Também sabia que esta estava sendo preparada para a decolagem. Os saltos dos mostradores de seus instrumentos eram a melhor prova disso. A única coisa de que precisavam era um lugar seguro a bordo da nave. Além disso precisavam ter certeza de que a mesma decolaria antes que o incêndio atômico destruísse todos os geradores que alimentavam os campos-catapulta. Ninguém

era capaz de imaginar como a nave-lápis poderia sair do gigantesco hangar com suas colinas artificiais sem o auxílio de um campo-catapulta. Ras esteve a ponto de dar ordem para saltar, quando aconteceu uma coisa que parecia estragar seus planos. Tal qual acontecera horas atrás na floresta que crescia numa planície, a confusão das plantas que cercavam a pequena clareira dividiu-se de repente, criando uma espécie de beco pelo qual podiam ver o fundo da depressão. O único obstáculo eram as figuras maciças de cinco maahks que apareceram de repente do lado de cá do beco, a menos de dez metros do lugar em que estavam os três mutantes, e não deixaram dúvidas sobre quais eram suas intenções. Mantinham as armas com os canos em espiral seguras nos seis dedos das mãos, apontando-as para os intrusos. — Droga! — gemeu Gucky. A hesitação de Ras só durou um segundo, mas foi o suficiente para decidir a situação. Tako deu um grito e caiu ao chão, imóvel. Gucky deu um assobio estridente, saltou para o alto como se estivesse sendo impelido por um arco e voltou a cair. Rolou um metro, com as pernas e os braços balançando desajeitadamente, e ficou deitado. Ras atirou-se para o lado. O funcionamento das armas dos maahks era completamente silencioso e invisível. Na clareira não havia nenhum lugar em que pudesse abrigar-se, e não poderia arriscar-se a chegar perto das plantas. Levantou-se de um salto, correu dois metros e voltou a atirar-se ao chão. Tentou desesperadamente preparar sua arma energética. Voltou a atirar-se para o lado, para não oferecer um alvo fácil aos maahks. Teve de soltar a arma por uma fração de segundo para aparar a queda com ambas as mãos e destroncou o pulso esquerdo, no momento em que a mão escorregou de cima de uma pedra. Uma idéia desesperada lhe veio à cabeça. Num gesto quase automático pegou a pedra com a outra mão e atirou-a na direção em que estavam os maahks. Não teve tempo para fazer pontaria. O petardo passou perto da cabeça dos maahks e desapareceu entre as plantas azuis. Aconteceu uma coisa tão incrível que Ras não conseguiu compreender, mesmo depois que tudo tinha passado. Não se sabia que espécie de acordo tinha sido celebrado entre as plantas e os maahks, mas aquela pedra devia ter infringido todas as regras de convivência entre os mesmos. A mata despertou para a vida, com uma rapidez e uma violência incrível. As pontas afiadas das plantas atravessaram o ar como se fossem chicotes. A floresta parecia esticar-se. Não demorou um segundo e o beco pelo qual os maahks tinham vindo desapareceu, juntamente com eles. Ras ouviu seus gritos de pavor pelo microfone externo. Viu uma das figuras pesadas ser levantada. Ficou suspensa sobre pelo menos meia dezena de plantas, que penetravam profundamente em seu corpo. Ras ficou deitado, espiando atentamente, até que seus olhos começaram a lacrimejar. Aos poucos a floresta foi se acalmando. Os galhos azuis continuavam a chicotear o ar, mas já não pareciam ter a mesma força de antes. Não se via nem se ouvia nada dos maahks. Tinham sido destruídos pela mata. Ras levantou lentamente, ainda meio atordoado pelo que acabara de ver. Gucky estava deitado a dois metros de distância. Estava inconsciente, mas de resto não parecia ter sofrido nada. A mesma coisa acontecia com Tako. As armas de cano em espiral eram armas de choque. Os maahks continuavam interessados em pegar os intrusos vivos. Colocou Gucky nas costas. Por alguns segundos fixou os olhos na ponta arredondada da gigantesca nave e saltou.

Teve sorte. A sala em cujo interior foi parar parecia ser uma pequena eclusa. Estava bem iluminada. Além das pesadas escotilhas metálicas que havia de um lado e de outro via-se uma série de portas em uma das paredes laterais. Pôs Gucky no chão e abriu uma dessas portas. Viu confirmadas suas previsões. Atrás da porta havia um pequeno gabinete no qual se viam quatro trajes protetores, do tipo que os maahks costumavam usar em atmosferas venenosas. Eram trajes leves e flexíveis. Ras empurrou-os para o lado e colocou o rato-castor, que continuava inconsciente, no interior do gabinete. Depois disso voltou à clareira para levar Tako. Levou apenas trinta segundos para voltar à eclusa. Uma vez lá, escondeu o japonês em outro gabinete. Ele mesmo ficou na câmara da eclusa, sem tirar os olhos das duas escotilhas. Os maahks não o surpreenderiam de novo. Olhou para o relógio e constatou que do prazo de uma hora, por ele fixado, já tinham passado quarenta e oito minutos. Se a nave não decolasse logo, não teria mais trabalho. Pôs-se a refletir sobre se o incidente que houvera na clareira poderia retardar a partida da nave. Era possível que o comandante mandasse alguém procurar os cinco desaparecidos. Mas ele achava mais provável que houvesse um plano de vôo bem cronometrado, que teria de ser observado. Os campos-catapulta sem dúvida eram criados automaticamente, e a nave decolava quando entrava na área de influência de um deles. Ras agachou-se junto à escotilha externa e ficou esperando. Era a única coisa que podia fazer no momento.

8 Cerca de uma hora depois da explosão que fora observada na Crest viu-se que a gigantesca fortaleza espacial entrara num processo de dissolução. Os raios provocados por tremendas explosões atravessavam o campo defensivo verde a intervalos cada vez menores. Algumas das naves-lápis que atravessaram o campo transformaram-se em destroços incandescentes, que vagaram à deriva. As outras, que não estavam acostumadas à nova tática, foram facilmente destruídas pelas unidades terranas, que pela primeira vez passaram ao contra-ataque. Segundo um cálculo cuidadoso, devia ter havido cerca de trezentas naves-lápis a bordo da Fortaleza. Cerca de metade delas conseguiu sair da nave gigante incendiada para aventurar-se pelo espaço. Foram saindo uma após a outra. Muitas delas eram destruídas antes que as unidades terranas tivessem tempo de disparar um tiro. De repente houve outra explosão no interior do campo defensivo. Segundo os encarregados do rastreamento, foi muito mais forte que as outras. Depois disso não saiu mais uma única nave-lápis. A Fortaleza prosseguiu na mesma rota, enquanto continuava o processo de dissolução. As unidades da Frota perseguiram e destruíram cento e cinqüenta naves-lápis uma após a outra, com exceção das que já tinham sido transformadas em destroços. Só um punhado delas conseguiu escapar da rede de malhas finas formada pelas naves terranas. O campo defensivo verde continuava a existir, e não se notava nenhum enfraquecimento em sua estrutura energética. O incêndio atômico ainda devia estar longe dos geradores que alimentavam esse campo. E enquanto o mesmo fosse mantido, não se poderia esperar o regresso dos três mutantes. Mais uma vez Perry Rhodan estava quase abandonando as últimas esperanças. *** Tako e Gucky levaram quase uma hora para recuperar os sentidos. Ras não perdeu tempo em explicações. Certificou-se de que os dois estavam bem e saiu à procura de um lugar em que os três pudessem ficar escondidos até que a nave partisse. No início foi-se deslocando em saltos pequenos em torno da eclusa. Foi parar num corredor estreito e viu um grupo de maahks que estavam bem longe. Ao que parecia, estavam bastante ocupados. Não notaram a presença de Ras. Depois de algum tempo o africano viu-se no interior de um recinto que tinha o aspecto de uma estranha sala de estar. Havia uma cama baixa e larga junto a uma das paredes. Em torno dela estavam agrupadas armações com o aspecto de poltronas. Tinham pernas curtas e assentos bem amplos, para adaptar-se ao formato do corpo dos maahks. Um objeto flexível, semelhante a uma almofada, que ficava no centro do grupo de poltronas, parecia servir de mesa. Em um dos cantos via-se um vaso com formas fantásticas, de cujo interior saíam três caules pontudos de certa planta. Na parede oposta estava embutida uma tela do tamanho de uma janela, que mostrava a copa da colina coberta de uma mata azul e parte das montanhas que ficavam além da mesma. Havia duas portas, que deviam levar a outras salas, ou a um corredor. Ras olhou em torno, perplexo. O pensamento prático dos maahks de que ouvira falar não parecia importar-se com o fato de que as salas de uma espaçonave de guerra

possuíam a decoração confortável de um navio de turistas. Só faltava uma caixa de som da qual saísse uma boa música e alguns copos de bebida sobre a almofada que servia de mesa. Era tudo tão perturbadoramente aconchegante que Ras se surpreendeu sentindo certa simpatia pelos maahks. Mas logo voltou a controlar-se. Antes de voltar para junto de Tako e Gucky descobriu quase que por acaso um pequeno aparelho embutido na parede, embaixo da tela. Parecia um termômetro em posição horizontal. A escala estava dividida em partes iguais por meio de uma série de traços. Um pontinho luminoso vermelho permanecia imóvel na extremidade superior do aparelho. Em vez da coluna de mercúrio havia uma faixa luminosa muito fina. Ao olhar melhor, Ras percebeu que a mesma estava ficando mais comprida, avançando lentamente em direção ao ponto vermelho. O aparelho não podia ser um termômetro. Desde que Ras entrara na sala, a temperatura se mantivera constante. Era o que indicava seu instrumento. Talvez fosse... De repente teve uma idéia. Acompanhou o avanço da faixa luminosa, olhando várias vezes para seu cronômetro. Constatou que a cada quarenta segundos a faixa luminosa avançava um grau na escala. Acompanhou o movimento por três graus e chegou à conclusão de que sua velocidade era constante. Faltavam quatorze graus da escala para a faixa luminosa atingir o ponto vermelho. Isto aconteceria dentro de quatorze vezes quarenta segundos. E então? Seria o momento da decolagem; naturalmente. O aparelho era um indicador que mostrava aos ocupantes da sala quanto tempo restava até o próximo acontecimento importante, que poderia ser uma decolagem, o pouso da nave ou a mudança da rota. No momento o acontecimento só poderia ser a decolagem. Ras tinha certeza quase absoluta de que sua interpretação era correta. Pela primeira vez em muito tempo sentiu-se aliviado e bem-humorado. Não demoraria dez minutos, e a nave-lápis decolaria. Até lá devia sobrar um número suficiente de geradores-catapulta para garantir a partida. Ras sentiu-se como um homem que consegue arranjar passagem no último avião que parte de uma cidade cercada pelo inimigo. Voltou às pressas para a eclusa. Apresentou um relato ligeiro de sua descoberta a Tako e Gucky. Fez uma descrição exata da estranha sala e os três teleportaram para lá. Ras ficou tão entretido com sua descoberta que nem se preocupou com os eventuais ocupantes da sala. Agora deu-se conta da falha. Assim que materializou ao lado de Tako e Gucky, notou que a posição da almofada que servia de mesa tinha mudado. Alguém a tinha empurrado cerca de um metro. Encontrava-se ao pé da cama. Com um movimento rápido e ágil tirou a arma do cinto e destravou-a. Gucky e Tako não precisaram de explicações para compreender o gesto. Mal estavam com a arma na mão, uma das duas portas da sala abriu-se. — Não atirem! — chiou Ras. Um maahk pequeno saiu da abertura. Não tinha mais de um metro e meio de altura e as vestes que cobriam sua pele escamosa cinza-pálida eram muito escassas. Naturalmente nenhum terrano que tenha apenas um dia de experiência com os maahks é capaz de distinguir um indivíduo dessa espécie do outro, mas Ras de repente teve uma sensação estranha na região do estômago. O pequeno maahk parou na porta. Parecia que tinha esbarrado numa parede invisível. Finalmente começou a falar em arcônida. — Pensei que vocês já tivessem sido presos... mas já os vejo de novo.

*** Ras fez um sinal para Tako. O japonês entrou na sala ao lado, passando pelo pequeno maahk. Ras ficou de olho no menino, enquanto Gucky controlava a outra porta. Tako chamou pelo rádio-capacete. Sua voz tinha um estranho tom apagado. — Preciso de auxílio — se não tiverem nenhuma objeção. — Volte! — gritou Ras para o menino. O maahk obedeceu imediatamente. Tako estava parado a alguns metros da porta e movimentava sua arma energética de um lado para outro como quem segura uma mangueira de jardim. A sala era muito grande e estranhamente mobiliada. Havia uns quinze maahks de todos os tamanhos sentados ou deitados sobre móveis dos mais variados. Seus olhos vidrados fitavam os intrusos com uma expressão fria e inamistosa. Ras mandou que Gucky continuasse no seu posto. Depois passou a dirigir-se ao menino. — São seus próximos? Os olhos do maahk pareciam iluminar-se numa expressão de triunfo. — São, sim. E eles matarão vocês. Ras olhou para os lados. A hostilidade dos maahks era tão evidente que quase podia agarrá-la com as mãos. Era claro; o que mais poderia esperar? O lugar em que se encontrava parecia ser um jardim de inverno e uma sala de estar ao mesmo tempo. Nos fundos um esguicho de um liquido verde e fumegante caía num tanque de formato irregular. Plantas baixas cresciam num solo artificial, e também nesta sala havia uma tela parecida com uma janela. Os móveis sobre os quais os maahks, pelo que Ras pôde ver, tinham ficado entregues ao dolce far niente, estavam dispostos num amplo círculo em torno do tanque. De repente Ras compreendeu. Já sabia por que vira tantas salas abandonadas em outra parte da nave. Os maahks encontravam-se a bordo das naves-lápis. Todo soldado que servia a bordo de um dos veículos em forma de lápis trazia sua família. Era perfeitamente possível que cada uma dessas naves pertencesse a certo clã, como acontecia com os saltadores. A hostilidade dos maahks era um fator que não podia ser desprezado. Não davam a impressão de poderem ser mantidos sob controle para todo o sempre por duas ou três pistolas energéticas. Ras não tinha a menor idéia de quais eram suas possibilidades de entrar em contato com o resto da nave. Talvez houvesse telepatas entre eles. Procurou descobrir quantos dos maahks que se encontravam à sua frente falavam o arcônida, mas o único que respondeu às suas palavras foi o menino. Este já tinha sido doutrinado. Não mostrava mais nada da atitude descontraída com que recebera os intrusos junto à floresta. Parecia teimoso e hostil como o resto de sua família. Apesar de tudo, contou a Ras que a nave decolaria dali a pouco, para dar cabo de todos os inimigos miseráveis, covardes e traiçoeiros que andavam nas proximidades da Fortaleza. Ras deu ordem para que os maahks colocassem em fila os móveis sobre os quais estavam sentados ou deitados, para que pudesse vigiá-los melhor. Os mesmos obedeceram devagar e a contragosto. Depois mandou que Tako e Gucky trocassem de lugar. O dom telecinético do rato-castor pôs ordem nas coisas mais depressa do que alguns dos maahks teriam gostado. — Quantos traços da escala ainda faltam? — perguntou Ras. Tako olhou para o relógio que ficava na outra sala e informou: — Menos de dois!

Ras respirou aliviado. Menos de oitenta segundos, e estariam lá fora. Era bem verdade que a nave-lápis também ficaria envolta num campo defensivo verde. Mas era de esperar que a mesma sofresse o bombardeio pesado dos canhões terranos. Naturalmente haveria frestas no campo defensivo, e eles poderiam aproveitar uma dessas frestas para escapar. Mas primeiro teriam de chegar lá. Examinou os maahks e sentiu-se enojado. Já se acostumara ao seu aspecto. Os braços tentaculares não o incomodavam, e nem a pele quase incolor, coberta de escamas. Não se preocupava com seu tamanho imenso, pois já descobrira que eram tão vulneráveis quanto ele, e a expressão rígida de seus olhos em forma de tubo já não o prendiam numa espécie de encanto. O que o deixava nervoso era sua hostilidade total. Sentia que seus pensamentos estavam à procura de um meio de atacá-lo. Gucky, que leu alguns fragmentos em meio aos seus impulsos mentais, confirmou que realmente era assim. “Quem dera que já estivéssemos lá fora”, pensou Ras, ansioso. De repente uma luz branca e ofuscante atravessou a tela, enchendo a sala ampla por um segundo com uma dolorosa claridade. No mesmo instante o chão ergueu-se abruptamente. Por pouco Ras não perdeu o equilíbrio. Perplexo, virou a cabeça para a tela, mas viu pelo canto do olho que um dos maahks se erguera do móvel em que estivera sentado e assumira a posição de salto. Levantou a arma energética e disparou um tiro de advertência por cima da protuberância que formava o crânio do atrevido. O tiro atingiu a parede e fez com que parte do metal plastificado entrasse em ebulição. O maahk voltou a cair em sua poltrona. — Explodiu alguma coisa — informou Gucky. — Deve ter sido uma nave-lápis. O estômago do maahk contraiu-se. Então era este o resultado de seu ataque aos campos-catapulta? Será que o mesmo já não tinha força suficiente e destruía as naves que deveria transportar? Lançou um olhar apressado para o relógio. Faltavam quarenta segundos. Era tarde para fazer alguma coisa. Uma segunda explosão fez trovejar o gigantesco pavilhão. Desta vez Ras continuou no seu posto. Gucky poderia mantê-lo informado. — É uma nave-lápis; não existe a menor dúvida. Vi... Uma terceira explosão interrompeu Gucky no meio da frase. Ras recuou para a parede para ter onde apoiar-se. Os relâmpagos ofuscantes passaram a suceder-se ininterruptamente. A nave-lápis balançava como se estivesse pousada na encosta de um vulcão em erupção. — Isto é um fim de mundo! — gritou Gucky em meio aos estrondos transmitidos pelos microfones externos. — Algumas colinas estão indo para os ares. “Os culpados somos nós”, pensou Ras, desesperado. Tinha uma idéia pouco precisa do volume de energia encerrado num campo-catapulta. E as quantidades enormes de energia estavam abrindo caminho, indômitas e descontroladas, expelidas pelos geradores semidestruídos. — O sol! — gritou Gucky. — O sol artificial... está caindo... Não conseguiu dizer mais nada. Houve um forte estrondo, que abafou os outros ruídos. A tela mostrou um tremor branco-azulado e apagou-se. A nave empinou. Ras perdeu o equilíbrio e caiu ao chão. Ouviu no subconsciente o chiado produzido pelas descargas de uma arma energética. Apoiou-se nos cotovelos. Estava atordoado. Viu uma confusão de pernas robustas, cobertas de escamas, bem perto do visor de seu capacete. No meio dessa

confusão via-se um brilho marrom-avermelhado. Parecia a cauda de um castor de tamanho fora do comum. Isto fez com que voltasse a pôr-se de pé. — Já vou! — gritou. Disparou a arma energética à queima-roupa contra um dos maahks que se haviam atirado sobre Gucky. O corpo incolor estrebuchou. Um grito selvagem soou nos microfones externos, e a gigantesca criatura caiu ruidosamente ao chão. A raiva de Ras não tinha mais limites. Parecia que Gucky seria morto, esmagado pelos maahks. Não via mais o companheiro. Passou a atirar ao acaso nos corpos entrelaçados. Nem percebeu que gritava feito um selvagem, e que os maahks se viraram para investir contra o inimigo que passara a atacá-los. Ficou atirando e atirando, até que alguma coisa o atingisse no peito com tamanha força que logo perdeu os sentidos. *** A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi o silêncio completo que reinava em torno deles. Havia outra coisa, bem mais desagradável. Não conseguiu fazer nenhum movimento. Sentia uma dor ligeira no peito, mas de resto tudo parecia estar em ordem. Constatou que era capaz de fazer movimentos muito ligeiros com os braços e as pernas. Concluiu que devia estar amarrado. Depois de orientar-se dessa maneira, abriu os olhos. O homem é capaz de habituar-se a muita coisa. Mas o aspecto de um par de gigantescos olhos em forma de tubo com uma expressão rígida, que o fitavam junto ao visor de capacete, não era uma dessas coisas — pelo menos para Ras Tschubai. Soltou um grito apavorado e voltou a fechar os olhos. Seu grito parecia ser uma espécie de sinal. Em torno dele surgiu um barulho que indicava uma atividade febril. Ras sentiu-se erguido violentamente e colocado em alguma coisa macia. Assim que se recuperou do susto, arriscou-se novamente a olhar em torno. Ainda se encontrava na mesma sala em que estivera antes de perder os sentidos. Os corpos imóveis dos maahks que ele matara a tiro estavam jogados num canto. Ele mesmo estava sentado em uma das poltronas amplas. Fora amarrado com uma corda branca de tal maneira que nunca conseguiria libertar-se com suas próprias forças. Tako Kakuta estava enfiado em outra poltrona. Parecia que ainda estava inconsciente. Ras acreditava que Gucky também estivesse por perto. Acontece que as cordas que o amarravam chegavam até o queixo, de forma que não podia virar a cabeça à procura do rato-castor. Entre os maahks que se mantinham ocupados nas proximidades havia um que usava vestes que se pareciam com um uniforme. A família do menino certamente chamara o comandante. Os maahks estavam usando uma língua que Ras não entendia, O homem uniformizado dava ordens que os outros cumpriam. A grande tela ficava na extremidade esquerda do campo de visão de Ras. Este teve a impressão de ver uma débil luminosidade na mesma e isso o deixou admirado. Lembrouse de que o sistema de transmissão de imagem tinha entrado em pane. Será que ficara inconsciente por tanto tempo que os maahks conseguiram reparar o aparelho? Lutou contra as amarras que prendiam seu queixo e depois de algum tempo conseguiu virar um pouco a cabeça. Dessa forma pôde ver um setor maior da tela de imagem. No início não quis acreditar no que seus olhos viam. Um sem número de pontos luminosos ofuscantes, brancos e amarelos, brilhava contra um fundo escuro. Em certos

lugares estavam tão perto uns dos outros que se desmanchavam em verdadeiras nebulosas. “Conseguimos!” Foi a primeira coisa que pensou. O gigantesco pavilhão com as montanhas artificiais, em cujo interior as naves-lápis aguardavam o momento de serem catapultadas, tinha sido destruído. Ras vira isso com os próprios olhos. Mas a nave em cujo interior se encontrava saíra da Fortaleza sã e salva. O gerador que deveria criar o campo-catapulta dessa nave certamente resistira até o fim, ou então o comandante conduzira sua nave por uma fenda estrutural do pavilhão que se desmanchava. Nunca descobriria o que realmente tinha acontecido. E no fundo isso não era tão importante. A única coisa que importava era que se encontravam no espaço livre. Tinham deixado para trás a Fortaleza em chamas. Só faltava uma espaçonave terrana que se aproximasse bastante para possibilitar o salto. Ras sentiu-se tão aliviado que teve de fazer um grande esforço para concentrar-se na situação em que se encontrava, e que certamente não justificava uma atitude otimista. Naturalmente estava em condições de sair da sala quando quisesse. A bordo da nave-lápis não havia geradores-catapulta que o impedissem de fazer isso. Mas de outro lado a manobra não seria recomendável. Não conhecia o interior da nave e não sabia para onde o levaria o salto. Estava amarrado e amarrado continuaria até que encontrasse um meio de libertar-se das cordas que o prendiam. Além disso não tinha certeza se Tako e Gucky precisariam de seu auxílio. Enquanto os maahks estivessem dispostos a deixá-lo vivo, ficaria onde estava. Ficou esfregando o capacete na extremidade superior das cordas que o prendiam e depois de algum tempo conseguiu fazer um giro de noventa graus com a cabeça. Dessa forma conseguiu ver toda a tela de imagem. Procurou algum sinal que lhe permitisse determinar a posição atual da Fortaleza, mas não viu sinal do brilho verde típico emitido pelo campo defensivo da gigantesca espaçonave dos maahks. Parecia que a nave-lápis já tinha se afastado muito da mesma. Por um instante a idéia de que a nave já poderia ter saído do sistema de Orbon e escapado das unidades terranas deixou-o deprimido. Não teve tempo para quebrar a cabeça por mais tempo com isso. Gucky entrou em seu campo de visão. O rato-castor estava inconsciente. Um maahk enlaçara-o com seu braço musculoso e deixou-o cair de qualquer maneira numa poltrona. O homem uniformizado apareceu imediatamente e deu algumas ordens em voz clara e aguda. Dois maahks colocaram-se de cada lado de Gucky. Ficaram numa posição em que Ras podia ver o que estava acontecendo. Ficou tão curioso e preocupado que nem notou que alguém se aproximou dele e o fitou atentamente. Só teve a atenção despertada quando ouviu uma voz oca. — Este animal conseguiu enganar-nos — disse a voz. — É muito mais inteligente que vocês dois. — Ras teve de fazer um grande esforço para virar a cabeça e viu o jovem maahk de pé à sua frente. — Logo veremos até onde chega sua inteligência — concluiu em tom odioso. Ras não lhe deu atenção. Viu um dos maahks mexer violentamente no fecho magnético do traje protetor de Gucky. — Não faça isso! — gritou em tom furioso. Embora tivesse dito estas palavras em arcônida, nenhum dos maahks lhe deu atenção. Ras sabia que seria impossível abrir o fecho magnético enquanto os instrumentos que ficavam do lado de fora do traje registrassem um ambiente hostil. Mas se os maahks estavam interessados em tirar Gucky de dentro do traje, eles conseguiriam — de uma forma ou de outra.

O maahk esforçou-se em vão por algum tempo. Finalmente recuou e fez um gesto, fazendo rolar a cabeça maciça de um lado para outro. O homem uniformizado deu outra ordem. Mais um maahk aproximou-se de Gucky. Um pequeno objeto metálico brilhava em sua mão. Ras tentou forçar as cordas que o prendiam. Eram tão fortes que não conseguiu movimentar em um milímetro que fosse a liberdade de movimentos que as mesmas lhe davam. — Não adianta — disse uma voz calma em intercosmo. Ras sobressaltou-se. Quase se esquecera de Tako. — Já voltei — disse o japonês. — Precisamos fazer alguma coisa, senão Gucky está perdido. Ras resmungou alguma coisa para mostrar que estava concordando. O pequeno aparelho que o maahk trazia na mão começou a soltar faíscas. Estas concentraram-se no lugar em que o fecho magnético ligava o capacete de Gucky com o resto do traje protetor. — Desse jeito eles conseguem abrir com certeza! — disse Tako. Ras inclinou-se para a frente. O medo que sentia por Gucky tornava sua vista mais afiada. Viu perfeitamente que a solda do lado direito começou a inchar aos poucos. O maahk agia como se estivesse abrindo um pacote. O fato de que o rato-castor teria de morrer, caso fosse bem-sucedido, não parecia incomodá-lo nem um pouco. Ras teve uma idéia desesperada. Só havia uma possibilidade de ajudar Gucky. O importante seria retardar o terrível destino que o rato-castor sofreria. Quando o fecho magnético se abrisse, os gases venenosos matariam Gucky, isto se a pressão terrível não o matasse antes. Mas até mesmo uma simples demora poderia ser útil. Talvez os maahks acabassem por dar-se conta do que estavam fazendo. Talvez... A solda começou a abrir-se. Não havia um segundo a perder. Ras fechou os olhos, gravou a cena na memória e saltou. *** Foi parar no meio dos maahks. Sua rematerialização fez com que se espalhassem para todos os lados, como se tivessem sofrido o choque de uma forte explosão. Mas a situação do próprio Ras não era muito agradável. Soltou um grito de dor ao bater com toda força no corpo pesado e maciço de um maahk. Ficou de pé por um segundo. As cordas que o prendiam não permitiram que conservasse o equilíbrio. Tombou para a frente com tanta força que teve medo de arrebentar o visor de seu capacete. — Muito bem, Ras! — disse a voz de Tako, que parecia vir de longe. — Deixe que venham — ainda estou por aqui! Ras tentou girar de lado. Depois de algum tempo conseguiu. Os maahks voltaram a colocar-se de pé. Um único deles ficou deitado. Parecia que estava inconsciente. Os outros vieram caminhando na direção de Ras. Este limitou-se a olhar para eles; não sabia o que fazer. Seus olhos rígidos e grandes não revelavam nenhum sentimento, mas Ras sabia perfeitamente que não conseguira fazê-los mudar de opinião. Parecia que não havia nada que os deixasse tão zangados como quando alguém os fazia de bobos. Era o que Gucky tinha feito, e por isso estavam cuidando dele em primeiro lugar. E Ras também os fizera de bobos. Restava saber quem seria o primeiro — ele ou Gucky. Uma perna enorme, da grossura de um tronco, apareceu junto ao visor do capacete de Ras. Ouviu-os falar uns com os outros; suas vozes pareciam nervosas e zangadas.

Ficou indeciso sobre se devia dar o fora para salvar a vida — ou se seria preferível ficar para cuidar de Gucky. Viu a perna e o pé gigantesco preso à mesma levantar-se e vir em sua direção. Viu a ponta de alguma coisa que parecia uma bota aproximar-se diretamente do visor de seu capacete. Conhecia a força tremenda dos maahks e fechou os olhos, apavorado. Mas o estrondo que ele esperara não veio. No mesmo instante Ras ativou as reservas de energia que lhe restavam para pôr-se a salvo com um salto. Não adiantava ficar deitado onde estava. Mesmo que a bota não conseguisse romper o visor, os maahks não desistiriam enquanto não o tivessem matado. De repente a voz de Tako voltou a fazer-se ouvir. — Ras! Uma espaçonave! Uma nave terrana...! Ras abriu os olhos. A ponta da bota estava suspensa perto dos seus olhos. Tremeu ligeiramente e recuou. A perna-tronco começou a movimentar-se. O chão tremeu quando mais uma dezena de pernas entrou em movimento. Os maahks estavam fugindo! O grande recinto ficou vazio numa questão de segundos, com exceção dos três intrusos. Ras conseguiu virar o corpo de tal forma que conseguiu ver Gucky, que continuava inconsciente. — Tako...? — Estou aqui, Ras! — Venha cá. Precisamos pegar Gucky em dois. Dali a quatro ou cinco segundos a figura do japonês apareceu ao lado de Ras. — Como soube que são nossas naves? Tako sorriu atrás do visor de seu capacete. — A única coisa que vi foram algumas faixas luminosas branco-azuladas. Como sabe, estas faixas saem dos bocais dos jatos direcionais. O veículo em que nos encontramos foi localizado por pelo menos duas das nossas naves, que mudaram de rota para atacá-lo. — Chega — resmungou Ras. — Dê uma mão. Rastejaram para perto da poltrona em que Gucky estava meio deitado, meio sentado. Cada um vinha de um lado diferente. As pernas de Gucky pendiam da parte anterior da poltrona. Empurraram-nas com os ombros, para que ficassem bem apoiadas. Feito isso, recuaram, puxando Gucky para fora. O rato-castor caiu pesadamente ao chão, mas isso nem de longe foi tão perigoso como aquilo que os maahks estavam fazendo há dois minutos. Voltaram a rastejar para a frente, até que o corpo flácido do rato-castor estivesse deitado entre eles. — Agora só falta... — principiou Ras. Nesse instante o chão parecia subir embaixo dele. A nave deitou de lado antes que o antígravo tivesse tempo de neutralizar o movimento repentino. Ras, Tako e o rato-castor escorregaram para a parede que ficava junto ao tanque. A tela mostrava uma confusão de luzes fulgurantes. Ras respirou aliviado. Nunca teria sido capaz de acreditar que pudesse alegrar-se com o fato de que a nave em cujo interior se encontrava fora atingida. Deu uma risada. Houve outro impacto, que o fez subir um palmo e o levou novamente ao chão. Ras ainda estava rindo. O terceiro impacto o fez parar sobre o corpo de Gucky e deixou que escorregasse novamente para o chão. — Preste atenção! — chiou Tako. — O campo defensivo deve desaparecer de um instante para outro.

O acesso de riso de Ras desapareceu tão depressa como tinha vindo. A responsabilidade era sua. Teria de providenciar para que Gucky e Tako voltassem a bordo de uma espaçonave terrana. — Vamos saltar ao acaso — disse em tom seco. — Devemos afastar-nos pelo menos quinhentos quilômetros. Depois veremos. Tudo depende de que consigamos localizar uma das duas naves antes que seja tarde. Precisamos ir para bordo enquanto estiverem por perto. Esperaram. Os impactos que se sucederam com uma rapidez cada vez maior abalaram os jatos de luz projetados na tela. Ras fez a contagem dos segundos. Já combatera muitas vezes no interior de espaçonaves que estavam submetidas a um fogo cerrado. Por enquanto nenhum dos impactos conseguira romper de vez o campo defensivo verde. Tinham de esperar o momento adequado. Ras fechou os olhos e procurou concentrar-se. De uma forma que ele não entendia, o campo de transporte que construiu em sua mente encontrou-se com aquele gerado no setor psi do cérebro de Tako. Enquanto a nave-lápis era sacudida pelos tiros, os dois campos fundiram-se, envolvendo a figura do rato-castor que continuava inconsciente. Finalmente chegou o momento. A nave-lápis ficou de cabeça para baixo. De repente os dois mutantes ficaram de pé na parede do tanque. Embaixo deles o esguicho de liquido verde fumegante inclinava-se preguiçosamente, correndo pela parede. Um estrondo sacudiu a nave. Os microfones de seus capacetes transmitiram os guinchos e gemidos do material forçado ao máximo. “É agora”, pensou Ras... O barulho passou no mesmo instante. O silêncio foi tão repentino que o deixou confuso por alguns instantes. Olhou em torno. Tako flutuava no ar a quatro metros do lugar em que se encontrava. Ras e Tako deslocavam-se à mesma velocidade e na mesma direção. Era bom saber disso. Gucky flutuava entre os dois. Em torno deles reinava a escuridão do espaço vazio, mitigada a uma distância infinita pela luz mortiça e fria de milhares de estrelas. Ras descreveu cautelosamente um giro de cento e oitenta graus em torno de seu eixo longitudinal. Precisava agir com cuidado. Qualquer movimento apressado poderia colocá-lo numa rota diferente. Verificou que valera a pena executar o giro. Descobriu uma nuvem comprida de gases incandescentes bem atrás deles. Os gases pareciam descrever movimentos turbulentos. Espalhava-se rapidamente, e sua luminosidade diminuía com isso. Dali a alguns minutos não poderiam ser vistos mais. Mas no momento isso não importava. O importante era o formato primitivo da nuvem. Alongada, e em forma de lápis. A nave inimiga acabara de ser destruída. O último impacto certamente decidira tudo. Ras estremeceu. Sabia o que o comandante de uma espaçonave terrana costumava fazer depois que o inimigo se desmanchava numa nuvem de gases incandescentes. Costumava afastar-se do local! E voltava o mais depressa que podia ao ponto do qual tinha saído. Ras olhou para os lados. Já não estava tão interessado em manter a rota. Viu Orbon bem ao longe. Era uma estrela amarela, que mal se distinguia na grande massa de estrelas. Mas não viu aquilo que queria ver. Era uma idéia amarga: o jogo estava definitivamente perdido.

9 Um sol fulgurante circulava em torno do sistema de Orbon, bem além da órbita do planeta exterior. A fortaleza dos maahks caíra. Fazia uma hora que o campo defensivo verde tinha desaparecido. Há trinta minutos os contornos da figura gigantesca se desmancharam, saindo do interior de uma fogueira atômica. No interior das naves terranas os homens se abraçavam, soluçando. De repente os sofrimentos da luta prolongada foram esquecidos. E esquecidos foram por um momento as perdas que a mesma tinha causado. Os mortos, as naves destruídas, a fome, a sujeira e o calor abrasante que reinava nas posições de artilharia, tudo foi esquecido. A Fortaleza caíra. O grupo de naves terranas retirou-se na direção de Kahalo. As naves viajavam com metade da tripulação normal, às vezes até com a tripulação de emergência. Muitos homens tinham caído no lugar em que acabavam de fazer o último movimento, e não havia como despertá-los do sono profundo. Mas os homens que se encontravam a bordo da Crest não compartilhavam do entusiasmo generalizado. Os mutantes não tinham voltado. Várias naves de reconhecimento permaneceram até o fim nas imediações da Fortaleza, para permitir que os mesmos regressassem em segurança. Mas Ras Tschubai, Gucky e Tako Kakuta continuavam desaparecidos. Dois cruzadores pesados informaram que tinham localizado, num ponto que ficava bem longe do sistema de Orbon, uma das seis naves-lápis que haviam saído da Fortaleza, e a tinham destruído. Depois disso voltaram o mais depressa possível para junto do grupo. Quer dizer que no momento havia cinco unidades inimigas ao todo, que corriam pelo espaço em fuga desabalada. Mas quem se interessava por isso? A Frota acabara de alcançar uma vitória de Pirro. Qualquer pessoa que conhecesse a história do exército dos mutantes sabia que o Império Solar nunca tinha sofrido uma perda mais grave que naquele dia. Três dos melhores mutantes estavam desaparecidos. *** Em Kahalo Arno Kalup foi informado de que, embora a polarização do transmissor tivesse sido invertida, alguns dos maahks que tinham saído da Fortaleza em seus trajes espaciais desajeitados tinham descido em Kahalo e estavam sendo atacados pelas tropas que defendiam o planeta. Arno Kalup permanecera ininterruptamente por mais de trinta horas junto ao console de comando. Respirou aliviado. *** A 900.000 anos-luz dali, no sistema de Gêmeos, as unidades da Frota que guarneciam a base local, comandadas pelo Marechal Tifflor, acabaram de recolher os quarenta e nove mil e tantos corpos de maahks que há mais de um dia-padrão tinham sido expelidos, não se sabia por quê, pelo transmissor dos sóis geminados. Apesar dos trajes

espaciais robustos e dirigíveis que envolviam os corpos, nenhum dos maahks estava vivo. O Marechal Tifflor decidiu que a carga desagradável seria depositada no planeta Quinta. Algum tempo depois o cruzador ligeiro Gales voltou a executar seu serviço de patrulhamento em torno de Kahalo. Mark Lallier, que estava sentado no pequeno centro de rastreamento, esforçou-se para não dormir de tanto tédio que sentia. Os acontecimentos mais recentes lhe haviam ensinado que não deveria pensar nisso — mas tudo isso já fora esquecido. Mark Lallier estava convencido de que nada de importante aconteceria enquanto ele se encontrasse a bordo da Gales. *** Mais ou menos no mesmo instante, a apenas cem unidades astronômicas dali, Gucky estava recuperando os sentidos e cumprimentou seus companheiros com uma observação: — Aqui está cheirando mal! Tako e Ras receberam com muito entusiasmo seu primeiro sinal de vida. Depois de várias horas de trabalho os dois tinham conseguido soltar as cordas que os prendiam. Usaram as mesmas para amarrar-se uns aos outros. Só assim poderiam ter certeza de que não se perderiam. Constatou-se que o tratamento indelicado que lhe fora dispensado pelos maahks fizera com que no sistema de ventilação do traje de Gucky tivessem penetrado traços de metano e amoníaco. Enquanto ainda estava inconsciente, Tako e Ras se certificaram que o traje de Gucky estava em plenas condições de uso. Os traços de gases estranhos certamente tinham sido absorvidos por várias das superfícies sólidas existentes no interior do traje. Por mais eficiente que fosse o sistema de ventilação, seria difícil removê-los dali. Gucky mostrou-se tranqüilo ao tomar conhecimento da situação. Os três mutantes flutuavam em pleno espaço interestelar, bem longe do sistema de Orbon. Não era de esperar que houvesse naves terranas cruzando a área. Mas sempre lhes restava a possibilidade de, por meio de uma série de teleportações rápidas, aproximar-se da estrela mais próxima e descobrir um planeta em que pudessem agüentar até que chegasse auxílio. Seus trajes protetores blindados estavam muito bem supridos de tudo de que precisariam até lá. A peça mais crítica do equipamento era o gerador de oxigênio, que só funcionaria por mais uns dez dias. Mas esperavam que antes disso conseguissem pôr o pé em chão firme e ter uma atmosfera respirável em torno de seus corpos. Mas havia duas dificuldades mais graves, que já haviam descoberto, e que faziam com que houvesse razões de dúvida sobre se seu otimismo se justificava. Em primeiro lugar, um fluxo gravitacional causado pelas concentrações estelares do centro galáctico não muito distante passava junto ao sistema de Orbon, e o mesmo interferia em suas faculdades psi, tornando impossível o regresso para Kahalo. Por isso seu destino só poderia ser um sistema vizinho de Orbon. Mas isso os obrigaria a percorrer uma distância superior a meio ano-luz em vários saltos de teleportação. Além disso os maahks lhes haviam tirado todas as armas e aparelhos que traziam consigo, com exceção dos trajes protetores. Séria difícil escapar da situação em que se encontravam, admitiu Ras. Em linhas gerais, suas chances eram miseráveis.

*** ** *

Conseguiram derrotar a gigantesca fortaleza, mas agora eles mesmos se defrontam com a morte vinda das estrelas. A Morte Sideral é o título do próximo volume da série Perry Rhodan.

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