P-295 - O Planeta Perdido - Kurt Mahr

  • November 2019
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  • Words: 30,547
  • Pages: 64
(P-295)

O PLANETA PERDIDO Everton Autor

KURT MAHR

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Depois da destruição do transmissor central de Andrômeda, a ponte transmissora entre as galáxias tornou-se instável em grau crescente, tendo finalmente ruído totalmente. Para as forças de combate de Perry Rhodan apresentou-se por isso a necessidade forçada de, ou suspender a expedição ou estabelecer o quanto antes uma outra ligação entre as galáxias. Esta outra ligação foi procurada pelos homens de Perry Rhodan — e encontrada: Era o caminho através das antiqüíssimas estações intergalácticas dos maahks! A estação dos forrils foi posta sob controle pelo Major Don Redhorse, enquanto a Estação Central, durante um ataque, se desintegrava numa explosão atômica. Com a perda da Estação Central, a situação para Perry Rhodan e sua gente tornou-se crítica. Tudo passou a depender das estações “Look-Out” e “Midway”, as fortalezas cósmicas, caírem, intactas, nas mãos dos terranos ou não. A conquista das duas estações intergalácticas foi conseguida — em “Midway”, no meio do espaço entre as galáxias, eles se reencontraram para festejarem, alegremente, a vitória conquistada: Reginald Bell, Perry Rhodan e todos os outros conhecidos combatentes pelo Império Solar e a Humanidade. Bell traz consigo documentos preciosos. Estes documentos contêm importantes referências sobre Multidon, o Centro de Poder dos senhores da galáxia. Multidon fica escondido dentro de uma mortífera nebulosa escura. Multidon é O Planeta Perdido...

= = = = = = = Personagens

Principais: = = = = = = =

Proht Meyhet — Comandante de um mundo perdido. Perry Rhodan — O Administrador-Geral dá ordens para que o Centro de Poder dos senhores da galáxia seja destruído. Grek-1 — Chefe do Serviço Secreto dos maahks. Don Redhorse — Comandante do cruzador ligeiro Tokyo. Major Mário — Um oficial com um talento incomum. John Marshall, Melbar Kasom, Gucky, Ras Tschubai e Tronar Woolver — Membros da expedição à nebulosa escura.

1 A base “Power Center” no planeta Gleam era a maior fortaleza de Perry Rhodan. Ficava na Nebulosa Beta, bem perto de Andrômeda. Power Center surgira em tempo relativamente curto. Das antigas montanhas e de suas grutas fizera-se um único edifício, que descia até grandes profundezas no solo rochoso. A extensa planície consistia ainda apenas de uma capa maciça de cimentoarmado. Por baixo, ela fora escavada e transformada num gigantesco hangar. Depósitos de suprimentos e oficinas de manutenção preenchiam uma grande parte dessa instalação subterrânea. A distância até Andrômeda era de 100.000 anos-luz. A distância até a Nebulosa Andro-Alfa, que pertencia aos maahks, era de 62.000 anos-luz. E um milhão e trezentos e cinqüenta mil anos-luz até a Via Láctea natal, onde a Terra orbitava o Sol. Depois da conquista das estações intergalácticas “Look-Out” e “Midway”, Rhodan regressara com sua frota para Power Center. Bell agora tinha que ficar outra vez mais tempo na Terra para organizar o reabastecimento da frota. Rhodan não tinha intenção de perder novamente o terreno já conquistado. Pelo que ele estava informado, ainda viviam três dos senhores da galáxia. Um deles chamava-se Proht Meyhet. Ele era o Fator III. Durante a conquista da “Look-Out” preciosos documentos haviam caído em mãos de Bell, que logo os passara a Rhodan. Quando Rhodan deu-se conta do que se tratava, mandou um correio diplomático até os amigos maahks, na Nebulosa Alfa. Já hoje ele esperava uma delegação dos respiradores de metano, e decidira que iria falar-lhes com toda a franqueza. A aliança com os maahks o obrigava a isso. Hoje — que era o dia 10 de dezembro do ano de 2.405. *** Apesar da visão de um respirador de metano já não ser mais nenhuma novidade para um terrano, ainda continuava sendo inquietante e um tanto sinistra. Os maahks tinham uma constituição física vigorosa, tendo mais de dois metros de altura. Sua pele cinza-pálida era coberta de escamas do tamanho de tostões. As pernas curtas e troncudas tinham pés de quatorze dedos e articulações normais. Os braços, entretanto, eram diferentes. Tratava-se de feixes de músculos e tendões altamente elásticos. Suas mãos tinham seis dedos. O que chamava a atenção era a cabeça. Ela parecia uma protuberância em forma de meia-lua, que ia de ombro a ombro, sendo diretamente ligada ao corpo. Sua imobilidade era compensada pelos quatro olhos, que ficavam na crista da protuberância, podendo olhar para todos os lados ao mesmo tempo. Capacetes de pressão cuidavam para que os maahks se sentissem bem mesmo numa atmosfera de oxigênio. O entendimento com os terranos era feito através de tradutoras. A negra nave cilíndrica da delegação foi avistada, identificada e deixada passar pelas unidades de vigilância acima de Gleam. A mesma pousou na planície e

imediatamente mergulhou no hangar subterrâneo. Oficiais da Frota Espacial terrana receberam os hóspedes levando-os, por esteiras rolantes, até a sala de conferências. Rhodan, Atlan e os oficiais mais graduados saudaram os visitantes, pedindo que se sentassem. A conferência, da qual tanto dependia, podia ter início. Numa rápida descrição, Rhodan resumiu o que havia acontecido: — Nós conseguimos conquistar as duas bases, “Look-Out” e “Midway”. Os tefrodenses foram aniquilados ou foram afugentados. Enquanto no segundo caso, ou seja, na “Midway”, o comandante de base pôde escapar-nos, Montra Matite, o comandante da “Look-Out”, caiu em nossas mãos. Ele era um tefrodense, não um duplo. Ele tinha algumas fraquezas, que nós pudemos explorar para nossos fins. Um dos maahks o interrompeu: — Os senhores da galáxia foram levianos, não colocando, numa base tão importante, um homem do seu grupo. Rhodan concordou. — O senhor tem razão. O comandante da “Midway”, por exemplo, era um dos senhores da galáxia. Ele era o Fator III, um homem de nome Proht Meyhet. Conseguiu escapar com uma pequena nave cósmica especial. Mas nós o encontraremos algum dia. Mas, voltemos a Montra Matite! Ele tinha medo, temia por sua vida, e principalmente tinha medo de torturas e da dor. Nós o poupamos, e por gratidão ele colaborou conosco. Conduziu-nos ao computador positrônico secreto da estação, de onde forneceu-nos dados importantes, retirados da memória do aparelho. Infelizmente Matite, logo em seguida, foi morto pelo dispositivo de segurança do computador. Mas eu acho que as informações devem ser de interesse vital para todos nós — Rhodan olhou firmemente para os sete maahks. — Eu tinha pedido que os senhores trouxessem consigo plenos poderes, trazendo ainda documentação do seu Serviço Secreto. Posso contar com isso? Um dos maahks levantou-se em todo o seu imponente tamanho. — Eu sou chefe do Serviço Secreto. Pode chamar-me de Rhodan curvou-se ligeiramente. — Vejo — disse ele — que me entenderam corretamente. Nesse caso, acho que devemos também falar com toda a franqueza. Somos aliados e nosso adversário comum é conhecido. São os senhores da galáxia e seus cúmplices, os tefrodenses e seus duplos. — Nós os destruiremos — disse o maahk, em voz baixa. — Matite também deu-nos certos documentos. Trata-se da posição de um planeta, que dizem chamar-se Multidon. Eu pergunto, aos nossos amigos maahks, se eles jamais ouviram falar de um planeta com este nome? Por alguns segundos houve um silêncio absoluto, depois Grek-1 deixou-se cair novamente em sua poltrona especial. Parecia não querer acreditar no que ouvira. Os outros maahks conversaram, em voz baixa, entre si, de modo que suas palavras não pudessem ser captadas pelos aparelhos de tradução. — Pelo que vejo — disse Rhodan, um pouco sarcástico — o nome Multidon despertou uma certa reação entre os senhores. Eu poderia ser informado por que isso acontece? Grek-1 curvou-se para a frente. — Multidon, terrano, tem, entre nós, uma fama legendária. Nós sabemos que existe um planeta com este nome, mas até agora nunca conseguimos descobrir onde ele se encontra. Sabemos apenas que Multidon é a origem de todo o poder dos senhores da galáxia. Inutilmente nossos mais hábeis oficiais tentaram descobrir mais sobre Multidon. Eles morreram ou jamais retornaram.

— Nós só sabemos alguma coisa sobre Multidon — declarou Rhodan, calmamente, observando a reação dos maahks. Eles estavam visivelmente impressionados. — Matite deu-nos estes dados, até que a morte o impediu de nos revelar ainda mais. Conhecemos, mais ou menos, a posição do planeta. Eu lhes colocarei à disposição a documentação, pois os senhores poderão ajudar-nos a encontrar Multidon, de uma vez por todas. Os senhores naturalmente trouxeram consigo os documentos que solicitei? — Todos. — E onde estão? — Na nave — disse Grek-1. — Logo que eu souber de quais o senhor necessita, mandarei buscá-los. Rhodan colocou uma folha de laminado de papel sobre a mesa, diante de si. — Multidon fica a cinqüenta e quatro mil anos-luz de distância das franjas da Nebulosa de Andrômeda, e deste modo, cinco mil anos-luz dentro da zona proibida. As informações de Matite falam de uma realidade insólita, fora do comum, sob o ponto de vista físico, sem entretanto dar maiores detalhes sobre o assunto. Pelas alusões, entretanto, deve tratar-se de uma realidade física que é perigosa. Grek-1 olhou com três olhos o papel. — Dentro da zona proibida, portanto. Nós devíamos tê-lo imaginado. Felizmente nossas naves secretas já exploraram esta zona quase que completamente. Nisto, infelizmente, também chegaram a zonas que demonstravam realidades físicas fora do comum. Existem estrelas mutáveis, novas que incham e desincham, nebulosas escuras, com uma densidade inconcebível, sóis de antimatéria... — Nestas regiões de condições perigosas, Multidon deve se encontrar — interrompeu-o Rhodan. — Eu agora vou dar-lhes as coordenadas, e os senhores irão examinar suas anotações, para depois dizer-me onde se localiza Multidon. Talvez o seu fabuloso serviço secreto possa dar-nos alguns indícios sobre o que Multidon na realidade é. Os dados de Matite são inconclusivos. Grek-1 já lera o documento e empurrou-o de volta por cima da mesa. Depois disse: — Há muito tempo sou o chefe do nosso serviço secreto. A minha meta sempre foi algum dia poder colocar os senhores da galáxia nos seus devidos lugares. Agora chegou a ocasião. Eu reuni toda a documentação a respeito de suas bases e centro de poder, e o misterioso planeta Multidon também faz parte da coleção. Rhodan olhou-o fixamente. Atlan, que estava sentado perto dele, começou a arrastar os pés, impaciente. Os outros oficiais mostraram-se visivelmente perplexos. — O senhor sabe alguma coisa sobre Multidon? — As informações vieram dos meus agentes. Eles penetraram na zona proibida, que fica dentro da Nebulosa de Andrômeda. E me mandaram estas informações, mesmo quando, na maioria das vezes, eles próprios nunca mais regressaram — ele apontou para os lados, que vinham de Matite. — Aí está simplesmente a confirmação de que nossos agentes não mentiram. Rhodan sacudiu a cabeça. — Não estou entendendo isso tudo muito bem. Nós temos as coordenadas de Multidon, mas hesitávamos em voar até lá. Devido ao perigo insinuado, que dizem ameaçar um vôo destes. Por isso fiz questão de falar com os senhores, e pedir-lhes a sua ajuda. E agora o senhor me informa que também sabem alguma coisa sobre Multidon. Por que, com todos os diabos, este planeta Multidon ainda existe? Grek-1 lançou diversos olhares para os seus acompanhantes.

— Vou dizer-lhe o motivo, Perry Rhodan: porque o planeta Multidon está situado no meio da nebulosa escura de Uklan. — Uklan? E o que é isso? — É a realidade física incomum, que é mencionada claramente no seu relatório. — Uma nebulosa negra? — Rhodan recostou-se na sua cadeira, aliviado. — Nós já encontramos muitas dessas nuvens escuras, voando através das mesmas, sem jamais termos notado qualquer perigo, fora do comum, que pudesse ameaçar-nos. Muito bem, Multidon fica dentro de uma nebulosa escura. E o que tem isso? Grek-1 colocou seus braços enormes sobre a mesa. — A nebulosa escura de Uklan há muito tempo nos é conhecida, e todos que, em missão do Serviço Secreto, voaram até lá, penetrando na mesma, nunca mais voltaram. Nem uma só pessoa regressou dali até hoje. Nós conhecemos as suas dimensões. Ela tem seis anos-luz de largura e três anos-luz de grossura, um tanto redonda, achatada em direção às bordas. Pelo que fomos informados, dentro dela há trinta e dois sóis, entretanto é possível que seja um número maior. Eles se localizam tão apertadamente, uns junto dos outros, que fantásticas tempestades gravitacionais são desencadeadas dentro da nebulosa. A isto junta-se o fato de que no interior da nuvem ocorre uma certa aglomeração de partículas de matéria, microscópicas em tamanho, que, de sua parte, também possui a sua própria gravitação. Sem levarmos em consideração de que uma nave cósmica, aqui dentro, não poderá voar nem a um décimo da velocidade da luz, sóis pulsantes põem em perigo qualquer criatura viva dentro da nebulosa. Isso lhe basta, Perry Rhodan? — Não inteiramente. Onde é que se localiza Multidon? — Em algum lugar dentro da nebulosa escura. Mas eu lhe darei o bom conselho de não mandar nenhuma frota a Uklan. O senhor jamais voltaria a ver estas naves. — Mas é preciso haver uma possibilidade de chegar-se a Multidon. Os tefrodenses e os senhores da galáxia também têm que chegar até lá. — Mas ninguém sabe como eles conseguem fazê-lo. Rhodan sentiu o olhar de Atlan. — O que é que você acha? — Deve haver um caminho, e nós vamos tentar encontrá-lo. Se a missão valer a pena. Rhodan anuiu e voltou-se novamente para o maahk. — Por que chamam a esse planeta de centro do poder dos senhores da galáxia? — Porque é nele que é criado todo o poder dos senhores da galáxia. Deve ser o local de produção de sua frota cósmica, e talvez até o local de produção dos duplos. Quando Multidon desaparecer, também não haverá mais senhores da galáxia. Mas, ainda assim... nós nunca conseguimos encontrar Multidon, para destruí-lo. O Major Don Redhorse, que estava sentado do outro lado de Rhodan, perguntou ao maahk: — O senhor afirma que o vôo através da nebulosa escura só é possível com um décimo da velocidade da luz. E o vôo linear? — Ele é possível, mas ninguém pode saber se um sol que se tomou por meta, entrementes não inchou, quintuplicando o seu volume, através de suas erupções usuais. Além disso, todo contato por rádio é impossível, pois as tempestades gravitacionais, aparentadas energeticamente, na sua estrutura de quinta dimensão, com as ondas de hiper-rádio, compensam todo e qualquer impulso de onda. — Realmente, isso são realidades físicas fora do comum — concedeu Rhodan, e ficou refletindo. Depois olhou os esquemas que tinha à sua frente. — Dizem que

Multidon é o único planeta de um sol vermelho gigante, chamado Donit. É o único planeta de toda a nebulosa — aparentemente. E Donit é o único sol que é estável — Rhodan ergueu-se e olhou para Grek-1. — Pelo que o senhor está vendo, nós já sabemos de muita coisa. Eu não consigo entender por que deveria ser impossível encontrarmos Multidon, e caso necessário, destruí-lo. — Talvez o senhor o consiga — concedeu o maahk. — Nós, entretanto, até agora o tentamos, inutilmente — ele curvou-se para a frente. — O senhor pretende, seriamente, alguma coisa? — Sim! — disse Rhodan, com firmeza. — E eu gostaria que o senhor pusesse à minha disposição todo o material existente. Qualquer detalhe é importante. Nós contamos com o seu apoio, pois se Multidon, algum dia, não mais existir, nada mais poderá impedir a vitória de sua raça sobre os tefrodenses. Nós somos aliados, Grek-1. — Isso nós somos. Meu amigo Grek-17 irá buscar nossos documentos. O senhor vai verificar que ainda existem outros detalhes que são muito interessantes — um dos maahks levantou-se. Foi escoltado por um dos oficiais de Rhodan até a porta, sendo depois levado até uma esteira rolante. — O senhor também irá entender por que nós nunca ousamos atacar Multidon até agora. E talvez o senhor ainda pensará duas vezes antes de dar a ordem para esta operação. Rhodan sacudiu a cabeça. — Eu já dei a ordem há muito tempo, Grek-1. Os preparativos do vôo para Andrômeda já começaram. Para desviar a atenção dos senhores da galáxia, eu preciso do seu apoio. Enquanto eu avanço para Multidon, o senhor terá que dar trabalho à frota dos tefrodenses. Em diversos lugares, cujas coordenadas nós ainda iremos determinar em conjunto. O maahk, que Grek-1 enviara, voltou com os documentos. Grek-1 colocou-os em cima da mesa. — Estude-os, Perry Rhodan. E depois eu apresentarei a sua proposta aos Nove Pais. *** O tender da frota Old Jesse, conforme fora batizado por sua velha tripulação, não exatamente de acordo com os regulamentos, levou o cruzador ligeiro Tokyo até as franjas da Nebulosa de Andrômeda. Desse modo, poupava-se cem mil anos-luz elevando ainda o seu raio de ação. Ele agora podia vencer duas vezes o trecho até a nebulosa escura de Uklan, ida e volta, e ainda alcançar a base de Gleam sem troca do conversor kalup. Atlan ficara para trás, com a frota principal, em Gleam. Uma mensagem de rádio de Rhodan faria com que ele, imediatamente, se pusesse a caminho da nebulosa escura de Uklan. Os Nove Pais dos maahks haviam colocado cinco mil naves à disposição. Com estas eles operavam nas bordas da Nebulosa de Andrômeda, mantendo os tefrodenses ocupados. Eles o faziam suficientemente longe da nebulosa escura, para não despertar suspeitas. Já dois dias depois da operação, a Tokyo captou mensagens de rádio, pelas quais verificou-se que os maahks enredavam os tefrodenses numa árdua batalha, em dez lugares diferentes. Imediatamente a Tokyo iniciou viagem, penetrando cuidadosamente na Nebulosa de Andrômeda, e aproximando-se da zona proibida. Don Redhorse, a quem Rhodan confiara o comando da Tokyo, foi rendido pelo seu primeiro-oficial, também um major. Ele levantou-se liberando o lugar atrás do console de comando.

— Dormiu bastante, Mário? O Major Mário fez que sim, e deixou-se cair na cadeira anatômica. Ele era bastante corpulento, tendo um rosto redondo, agradável. — Mais ou menos, Redhorse. Algo de novo, por aqui? — Eu o chamaria de vôo arrastado. Curtos vôos lineares, depois outra vez universo einsteiniano. Nós captamos seguidamente mensagens de hiper-rádio da frota dos maahks. Parece que as coisas estão andando bem redondas. — O principal é que ninguém nos rastreie — disse Mário, muito calmo. — Eu não gosto muito quando as coisas vão redondas. Redhorse sorriu, acenou-lhe com a cabeça e saiu da sala de comando. O Major Mário cumprimentou os outros oficiais e dedicou-se a olhar a tela de imagem panorâmica. Satisfeito, ele verificou que, num âmbito de alguns anos-luz, não havia rastreamentos. A caminho de sua cabine, Don Redhorse passou pelo Cassino dos Oficiais, refletiu um instante, e depois entrou. Ele ainda não estava com sono, e geralmente encontrava-se alguém com que era possível conversar. E teve sorte. John Marshall, chefe do Exército de Mutantes e telepata, debatia vivamente com Melbar Kasom sobre as possibilidades de encontrar-se o misterioso planeta Multidon ou não. Junto deles estava acocorado Gucky, bebericando, sem muita vontade, um copo de suco de cenouras. Tronar Woolver, o cavalgador de ondas, escutava a conversa entre Marshall e Kasom. — Olá — disse Redhorse, sentando-se. — Incomodo, na elaboração de planos importantes? Antes de Marshall poder dizer alguma coisa, Gucky emitiu um assobio estridente, e gritou, agitado: — Se nós fizermos o que estes dois imaginam nas suas mentes infantis, podemos fazer as malas a partir de agora. Mas não querem absolutamente me ouvir! Pelo que parece eles já se esqueceram que, afinal de contas, fui eu quem conquistou a “Midway”. Redhorse viu Marshall encolher os ombros. Melbar Kasom só sorriu. — Pela conquista da “Midway” você, afinal de contas, já ganhou sua coroa de louros — disse Redhorse, fazendo uma cara séria. — Sim, e foi você que a contrabandeou para dentro da minha terrina — disse o ratocastor, sem mostrar-se aborrecido. — Acho que vou passar a usar só coroas de louros. É o único enfeite de cabeça digno de mim. E tão lindamente simbólico. Tronar Woolver, o cavalgador de ondas, interveio: — Vai ser muito difícil arranjar louro por aqui. No que se refere a Marshall e Kasom, infelizmente vou ter que contrariar Gucky. Eu não acho suas opiniões, absolutamente, despropositadas. Aliás, elas concordam com as de Rhodan. Também Rhodan acha que o envio de um space-jet em combinação com uma lentilha é mais inteligente do que arriscar a Tokyo. Aliás, tudo já havia sido planejado assim. — O que é que você tem contra o uso da lentilha, baixinho? — perguntou Redhorse ao rato-castor. Gucky fez uma careta. — Está bem claro que nesta missão eu vou fazer parte da tripulação, não é mesmo? Muito bem, você já deu uma olhada nesse troço? Lá dentro ninguém pode nem se mexer. Ela não tem nem cinco metros de comprimento, e a metade disso de largura. Velocidade máxima trezentos quilômetros por segundo. Por mim, prefiro ir logo a pé.

— Mais depressa do que isso, dizem que não é bom voar dentro da nebulosa escura, se não se quiser arder em chamas pelo atrito com as partículas de matéria que se encontram por lá. Nem mesmo os campos de proteção energéticos têm alguma utilidade. Além disso, uma dessas navezinhas lenticulares dificilmente pode ser rastreada. Somente um desses veículos especiais é capaz de avançar até Multidon, e talvez até mesmo pousar — Redhorse pediu uma água mineral. — Ainda tem dúvidas, Gucky? — Se eles nos rastrearem mesmo assim, estaremos perdidos. Ou uma lentilha por acaso tem canhões energéticos, canhões de polarização invertida e brinquedinhos semelhantes, a bordo? — Mas tem um forte transmissor de hiper-rádio, com o qual vocês poderão comunicar-se conosco a qualquer instante — se houver condições normais. — Condições normais dizem que não há na nebulosa escura! Redhorse tomou a sua água. Piscou para Marshall, e depois disse: — Será que meu amigo Gucky, de repente, ficou com medo? O rato-castor quase se engasgou com o seu suco de cenoura. — Medo? Eu, medo?! — havia uma expressão tão grande de espanto no seu rosto que qualquer pessoa que o visse pensaria que um rato-castor nem conhecia o significado da palavra medo. — Irmão pele vermelha, nunca imaginei que você fosse capaz de me fazer uma pergunta dessas! — E o que é, então? — É cuidado, inteligência e premeditação estratégica. Naturalmente também um pouquinho de instinto de autoconservação. Redhorse ergueu os olhos para o teto do cassino. — Santo céu, a tripulação da lentilha nem sequer ainda foi formalizada. Pode até ser que você nem esteja entre os que irão. Gucky estremeceu. — Eu — não irei!? Mas isso é uma piada! O que é que vão fazer, sem mim? Absolutamente impossível, irmão pele vermelha. Jamais! — Eu posso perguntar a Rhodan, assim como quem não quer nada. Talvez ele ache melhor não colocar você inutilmente em perigo. Melbar está louquinho para conquistar Multidon. — Isso é absolutamente impossível! — protestou Gucky, e desta vez parecia haver realmente algo assim como medo no tom de sua voz. — Ele pesa muito mais de cem quilos, e por isso é pesado demais para a navezinha lenticular. Só se ele voasse sozinho, e é claro que ninguém lhe pediria tal coisa. Não, pelo que estou vendo, eu sou imprescindível. Portanto farei parte desse vôo. Mas o plano, mesmo assim, é maluco. Aliás, não fui eu quem o elaborou. — Exatamente — resmungou Ras Tschubai, que entrara sem ser notado no cassino, e agora estava parado junto ao bar. — Ele não foi elaborado por você, portanto não presta. É o que veremos. Gucky levantou-se, furioso, e bamboleou nas suas pernas curtas até onde ele estava. Com um salto elegante estava em cima de uma das banquetas, podendo olhar por cima do mar, que o seu nariz mal e mal alcançava. — O que é que você sabe sobre isso? O teleportador Ras Tschubai era originário da África e pertencia, como Gucky, ao Exército de Mutantes. Os dois eram bons amigos. — Um bocado — declarou Ras, calmamente. — Acabei de me encontrar com Rhodan na cúpula de observação. Nós conversamos um pouco. Ele acha que eu terei que

fazer parte da tripulação da lentilha, porque, nesta operação, vão ser necessários pelo menos dois teleportadores. Ou seja, você e eu. — E por que isso? — Devido a pesada bomba de arconite que vamos levar. Gucky olhou-o fixamente. — O que é que vamos levar? Uma bomba de arconite? — Exatamente. E o ovo pesa um bocado. Quatro metros de comprimento e um e meio de grossura no meio. Pesa umas duas toneladas. Nós dois vamos ter que fazer um bocado de força, carregando-a, mesmo quando teleportarmos. Gucky parecia estar com falta de ar. — Como assim, carregar? Por acaso sou algum carregador? Ras recebeu sua bebida pedida e dirigiu-se até a mesa, onde sentou-se numa cadeira livre. Gucky escorregou de cima da banqueta, voltando ao seu lugar antigo. — Ninguém sabe o que vai acontecer — declarou Ras, pacientemente. — Vamos ter que contar com todo tipo de dificuldades. A bomba de arconite não poderá ser lançada, para não despertar a atenção dos senhores da galáxia antes do tempo. Portanto vamos ter que pousar em Multidon sem sermos notados, para esconder a bomba em algum lugar. Por isso vamos ter que transportá-la. Tudo claro, Gucky? Gucky fez que não ouviu a pergunta. — E quem, além de nós dois, também vai? Vocês também falaram sobre isso? — Não está claro quem vai chefiar esta derradeira operação, ou não? — perguntou Ras, espantado. Gucky tornou-se visivelmente maior. Seus olhos se iluminaram. — Ora, como é que pude esquecer-me disso? Eu sabia que Perry pensaria em mim. Quem mais poderia ser levado em consideração... — John Marshall, por exemplo — disse Ras, intervindo. Gucky encolheu-se todo novamente. Lançou um olhar inquiridor para Marshall, que estava sentado à mesa, brincando com o seu copo. — Oh, John...? Mas isso seria uma irresponsabilidade, meter nosso chefe num perigo desses. Não, eu não acredito nisso. — Nem precisa, porque não é verdade — acalmou-o Ras. — Tronar irá conosco, como chefe da empreitada. Gucky tomou seu suco de cenoura. Depois levantou-se. — Esta missão não vai dar certo, apostamos? — ele andou, muito ereto, várias vezes de um lado para o outro, naquele recinto pequeno. — Tronar é um bom cavalgador de ondas e um rapaz muito valente, mas não tem qualidades de chefe. — É mesmo, estas naturalmente só você é quem tem? — quis saber Ras, fingindo inocência. Gucky parou diante dele e levantou os olhos para vê-lo melhor. — Você provavelmente está querendo dizer o contrário, é isso? Você ainda se lembra quando, certa vez quando estávamos numa bruta enrascada, quem salvou a situação fui eu, foi minha iniciativa? Foi num planeta cujo nome infelizmente esqueci. E depois — “Midway”. Se não fosse eu... — ...Meyhet não teria fugido — concluiu Ras Tschubai. Gucky respirou fundo, depois foi sentar-se outra vez. — Pena — disse ele, sarcástico — que não tenho minha coroa de louros comigo. Pois, nesse caso, agora eu a passaria para você. Tronar sorriu, divertido.

— Não fique zangado, Gucky. Eu só devo comandar esta missão porque, tanto você como Ras, terão uma tarefa muito mais importante para executar. É que vocês dois terão que esconder a bomba de arconite em Multidon — se acharmos Multidon. Isso, aliás, ainda não é certo. Gucky olhou-o, atentamente. — Ah, então é isso. Muito bem, eu concordo. E quando é que as coisas vão começar? Marshall colocou o seu copo sobre a mesa. — Logo que chegarmos às bordas da nebulosa escura. Melbar Kasom levantou-se. — Eu vou ao cinema de bordo. Dar uma olhada no filmei Tronar Woolver levantouse também. — Que filme é esse? — Um musical. Superprodução. Com Charly e Coco. — Não diga? — fez Tronar, indo até a porta. Ali ele virou-se mais uma vez. — Afinal, quem são eles? — perguntou ele. Melbar fez uma careta. — Você não os conhece. É um par de bailarinos excepcionais. Ele é terrano, e ela é originária de um planeta do cinturão de astros de Orion. Linda garota, Tronar. Só você vendo. — Eu vou ver mesmo. Gucky marchou com eles. — Ué — perguntou Melbar, virando-se. — Desde quando você vai ver um filme, que não tenha um enredo utópico? Gucky jogou a cabeça para trás. — Coco é uma amiga minha — disse ele, orgulhoso, desaparecendo no corredor. Melbar olhou, espantado, atrás dele, sacudindo a cabeça. — Como é que uma coisa dessas é possível?! — admirou-se ele. Tronar bateu-lhe no ombro. — Console-se, grandalhão. Até mesmo a mais feia galinha um dia precisa encontrar o seu galo. — Mas — murmurou Melbar, totalmente confuso — afinal ele tem a Iltu! Ele ainda ouviu os outros dando boas risadas, quando já se encontrava no corredor. *** Ao mesmo tempo, Perry Rhodan conversava, na cúpula de observação da Tokyo, com o astrônomo-chefe da nave, um certo Dr. Gerald Mummy. As paredes transparentes da cúpula davam a impressão de que se estava em meio ao cosmo, em cima do casco do cruzador. Um anel de telas de imagem do rastreamento corria em toda a volta da cúpula, a um metro de altura. Um telescópio, focado em base de rastreamento, possibilitava a observação de estrelas distantes, sem levar em consideração a existência de velocidade a luz. Viam-se as estrelas do jeito que elas eram naquele mesmo segundo. — Nebulosas escuras são uma coisa desagradável também para os astrônomos — disse o Dr. Mummy, respondendo à pergunta que lhe fizera Rhodan anteriormente. — São regiões cheias de matéria de tamanho microscópico. Às vezes estas partículas de matéria individuais chegam ao tamanho de uma molécula, mas quase sempre são apenas átomos de diversos elementos. Suponho que, com o tempo, eles se concentram, se

agrupam, e então forma-se um novo sol. Talvez, nos primórdios, todo o Universo era uma única nebulosa escura. — Uma teoria ousada — achou Rhodan. — Mas na realidade eu queria apenas saber o quanto o senhor acha que um vôo através de uma dessas nuvens escuras possa oferecer perigo. — À velocidade da luz e também bastante abaixo da mesma, sim, há perigo. Devido à matéria existente. Até mesmo se tivéssemos um único átomo por metro cúbico, o senhor facilmente pode calcular quantos estes seriam por segundo. A força do impacto também é importante. O senhor, afinal, também não pode voar a um décimo da velocidade da luz, através de uma atmosfera. Rhodan anuiu. Ele olhou para fora, para as estrelas desconhecidas da Nebulosa de Andrômeda. Elas não se diferenciavam das estrelas da via láctea natal, porém, ainda assim, pareciam ser diferentes. — Mas, mesmo assim, vamos ter que ousar este vôo — pelo menos a tripulação do space-jet. Nós vamos esperar com a Tokyo, nas bordas da nebulosa escura. — Isso é muito inteligente — concordou o astrônomo. — Entretanto, o senhor perderá toda e qualquer comunicação de rádio com o space-jet; isto os maahks já nos disseram. Aliás, como vai Grek-1? Eu gostaria de fazer-lhe algumas perguntas — ele sorriu. — Astronômicas, naturalmente. — Ele recebeu uma cabine especial com atmosfera de metano, para que se sentisse como em sua própria casa. É bom termos um maahk conosco. E é especialmente bom quando este maahk é o chefe do serviço secreto. — Ele sabe muita coisa sobre a formação do Universo, sir. — Não duvido disso. Os maahks são uma raça antiqüíssima. Lembre-se apenas que, há dez mil anos atrás, eles já podiam viajar de uma via láctea para outra. Sem conhecimentos astronômicos suficientes eles hoje já nem mais viveriam. Eu posso imaginar que uma conversa com um de seus cientistas seja tremendamente interessante. Até mesmo para mim, como leigo. O Dr. Mummy riu. — Santo Deus, sir, o que está dizendo? O senhor, um leigo? Meus bisavós ainda não tinham nascido, e o senhor já voava para a Lua, colocando nas mãos da Humanidade a chave para as estrelas. Foi também o senhor quem encontrou Árcon, a pátria dos arcônidas. O senhor solucionou o mistério galáctico de “Peregrino”. O senhor fundou o Império Solar e finalmente avançou em direção à Nebulosa de Andrômeda. E o senhor ousa dizer que é um leigo no campo astronômico? Eu acho que, para dizê-lo brandamente, isso é um exagero ao contrário. Rhodan apontou para fora. — Está vendo, aqueles milhares de sóis, doutor... o que é que nós sabemos deles? O senhor não sabe mais do que eu, certo. Mas o que é que isso tem a ver com os últimos conhecimentos que o senhor, por exemplo, tenta ganhar? Acredite-me, eu nunca tive tempo para me ocupar com estas últimas coisas, mesmo tendo que conceder que muito refleti sobre eles. Mas nem me pergunte pelos resultados. O Dr. Gerald Mummy continuava olhando para fora, para a imensidão cósmica. — Desculpe-me, sir, mas — eu acho que vou perguntar. Rhodan suspirou. — Eu devia conhecê-lo melhor. É claro que o senhor pergunta. Muito bem, então eu vou responder Eu não sei nada, absolutamente nada. Sou apenas uma criatura humana, nada mais. Nós temos incontáveis teorias sobre a origem do Universo. Nós nos

encontramos com as mais incríveis criaturas viventes e as mais altas inteligências. Mas ninguém tinha uma resposta à pergunta — de quem é e onde está aquele que tudo criou. Nós não existiríamos sem ele. Eu receio apenas que hoje existe muita gente que já se esqueceu disso. O Dr. Mummy virou-se e olhou Rhodan atentamente. — Talvez eles se atenham com muita força apenas àquelas coisas que têm uma significação bem diferente — quando sabemos tudo que hoje sabemos. O senhor compreende, sir? — Eu compreendo — Rhodan encostou-se no telescópio. — Pense apenas no imortal de “Peregrino”. Pense em Harno. Ou pense simplesmente em Atlan. Ele tem dez mil anos de idade. Se ele, há dez mil anos atrás, matava um animal selvagem, com sua arma energética, diante das criaturas humanas de então — o que terá resultado disso? Ou quando uma nave dos arcônidas fazia um pouso de emergência, e o resto de sua tripulação tinha que passar o resto de suas vidas na Terra. Entre os indígenas, mas com os seus próprios meios. A história continuou vivendo, a partir das histórias dos antigos. Elas se modificaram, mas o que foi que restou? A saga, a lenda, Dr. Mummy. Hoje em dia não há fonte mais confiável para os cientistas do que as sagas, as lendas da Humanidade. — Nós nos desviamos do assunto — lembrou o Dr. Mummy. — Eu sei, e foi proposital. Existem assuntos que são melindrosos demais para serem discutidos. Por isso cheguei à saga. Mas — aqui entre nós, doutor — onde está a diferença? O Dr. Mummy olhou novamente para fora, para as estrelas. — Justamente — disse ele, e depois silenciou. Também Rhodan emudeceu. Ele estava parado ao lado do Dr. Mummy, tendo diante dos seus olhos o Infinito que não deu qualquer resposta às muitas perguntas que os atormentavam. Ainda não havia chegado a hora para isso. *** No dia dezessete de dezembro a Tokyo chegou às bordas da nebulosa escura de Uklan. Redhorse recebeu do Departamento de Navegação os dados requisitados sobre um sol apropriado, que Rhodan sugerira como proteção contra rastreamentos. Ele examinouos e depois enfiou-os no computador de programação. Segundos mais tarde ele recebeu as coordenadas exatas para a pilotagem robotizada. A Tokyo entrou, pela última vez, no espaço linear, e quando voltou novamente ao universo einsteiniano um sol duplo estava no centro da tela panorâmica. Os rastreadores tinham descoberto que ele não tinha qualquer planeta, sendo muito apropriado para proteção contra rastreamento. Eram dois sóis de Um branco muito brilhante, e que ficavam muito próximos entre si. Eles giravam em torno de um centro de gravidade comum. Redhorse desacelerou, quando já se aproximara o suficiente. Os computadores calcularam a órbita e cuspiram os dados correspondentes, quando eles os requisitou. Logo depois a Tokyo entrou na órbita correta, caindo logo, sem aceleração, em torno dos dois sóis. Rhodan ordenou uma última conferência, que teve lugar; no Cassino dos Oficiais. A tripulação do space-jet estava presente, e também o Major Mário, representando Redhorse, como comandante do cruzador. Ele colocou uma pilha de papéis em branco,

diante dele, sobre a mesa, tirou uma caneta e ficou esperando pelo que devia vir. Seu rosto demonstrava boa vontade e confiança. Gucky olhou para Mário, visivelmente divertido, mas não disse nada quando Rhodan lançou-lhe um olhar de reprovação. — Chegou a hora — disse Rhodan, quando todos estavam sentados, com as bebidas pedidas, à sua frente sobre a mesa. — O space-jet partirá imediatamente, para cumprir a sua missão. Neste minuto, a bomba de arconite está sendo afixada sob a nave lenticular — ele olhou para Ras Tschubai e para Gucky. — A tarefa de vocês será ativar esta bomba no lugar certo — sempre, naturalmente, que realmente encontrem Multidon. — Vamos achar — resmungou Ras. — Eu, no seu lugar, não teria tanta certeza assim — preveniu Rhodan. — Não vai ser fácil. Não se esqueça de que os maahks já estão tentando isso há umas duas centenas de anos. E nunca o conseguiram. — Nós vamos encontrar Multidon — repetiu Ras, calmamente. — Muito bem, espero que sim — Rhodan anuiu, mas não se via no seu rosto o que estava pensando. — Comandante da missão será Tronar Woolver. John Marshall é o comandante do space-jet. Sua tarefa será a de nos informar imediatamente, quando tiverem encontrado Multidon. Naturalmente dependerá das condições físicas ambientais, se esta comunicação poderá ser feita ou não. — E nestas dificilmente poderemos mudar alguma coisa — disse Marshall, laconicamente. — Correto — disse Rhodan, dando-lhe razão. — Mas, se eu receber uma notícia correspondente, nós avançaremos com a Tokyo, avisando Atlan. Ele aparecerá por aqui com toda a frota e as naves dos maahks. Portanto vocês terão bastante cobertura. — Isso nos tranqüiliza muito! — piou Gucky, petulante. — Isso é o principal — disse Rhodan, calmamente, sem tomar-lhe a mal a intervenção. — O space-jet recebeu do ambulante Kalak uma proteção contra rastreamento toda especial, uma camada de revestimento que lhe foi aplicada. A lentilha do mesmo modo. Portanto ambas não podem ser rastreadas. Invisíveis, naturalmente elas não são. E mais uma coisa: a tarefa de vocês é destruir Multidon. Se isto acontecer sem qualquer aviso, milhões de tefrodenses serão mortos. Eu gostaria de evitar isso. Portanto vocês devem ativar a bomba e depois avisar os habitantes de Multidon. Se for necessário, avisem até os senhores da galáxia. — Eu vou mandar-lhes uma cartinha — sugeriu Gucky. O Major Mário parecia fazer anotações, mas segurava o papel de tal modo que ninguém podia ver o que estava fazendo realmente. Rhodan anuiu. — Eu tenho quase certeza que um dos senhores da galáxia é o comandante de Multidon. E com estes, Gucky, você sabe tratar de modo especial. Gucky olhou por cima do ombro de Rhodan, como se ele fosse de ar. Ele não gostava que lhe lembrassem este episódio, ainda que tivesse a consciência limpa. O senhor da galáxia Proht Meyhet, também chamado Fator III, demonstrara ser um adversário tratável e honesto — e Gucky o deixara escapar da “Midway”, antes de Rhodan poder atacá-lo. O Major Mário olhou para Gucky, depois voltou a ocupar-se de suas anotações. — O senhor sabe, Ras, como ativar uma bomba de arconite. Basta colocar a hora combinada, e depois apertar a tecla vermelha correspondente. Não se esqueça que esta

bomba, uma vez ativada, não pode mais ser desativada. Portanto pense dez vezes antes de apertar aquela tecla vermelha. — Entendido, sir. Desta vez, Mário olhou muito atentamente para o teleportador, antes de novamente baixar a cabeça para o papel. — Eu tenho que comunicar-lhe mais uma coisa — disse Rhodan, lançando um olhar para Marshall. — Originalmente John devia assumir o comando do space-jet, entretanto eu resolvi encarregar Melbar Kasom do comando geral da expedição. A explicação é muito simples: ninguém dos senhores possui um poder de reação como o ertrusiano. Na lentilha, fica como combinado: Tronar Woolver é o piloto e chefe da missão. Gucky escorregou de cima de sua cadeira e rodeou a mesa, até colocar-se atrás do Major Mário, que estava tão aprofundado no seu trabalho, que nada notou. O rato-castor empurrou para o lado Ras que estava sentado junto de Mário, e enfiou-se entre os dois. Colocou-se na ponta dos pés e viu o que o Major Mário estava fazendo, Gucky fez uma cara tão espantada, que chegou a chamar a atenção de Rhodan. — O que há, afinal? Gucky voltou para o seu lugar. Depois de estar novamente sentado ele inalou profundamente, e deu de si uma fungação indignada. — O que é que há? — repetiu Rhodan, enquanto todos olharam para o Major Mário, que cobria seus papéis com ambas as mãos. Seu rosto continuava mostrando aquela expressão de boa vontade, à qual se misturava agora um pouco de embaraço. — Desde quando você mete o nariz nos assuntos particulares de meus oficiais? Gucky começou a rir tolamente, mostrando seu dente roedor faiscante. Desde que visitara o Dr. Fretl, em Horropolis, ele se proseava tremendamente com aquilo, apesar de todo o processo, no famoso dentista, não ter demorado mais que alguns segundos. Fretl tinha uma broca que era uma novidade, dizendo que a mesma tinha sido criada em Siga. Que executava dois milhões de rotações por minuto. — Assuntos particulares, é boa! — Gucky riu novamente, revirando os olhos. — Por que não dão uma olhada nas suas “coisas particulares”? Pintor de gente, o bom major devia ter sido. Em vez de ficar escutando atentamente, anotando tudo, ele desenhou todos vocês. E como! Rhodan lançou um olhar ao Major Mário, intrigado. O major devolveu o olhar. Tirou as mãos de cima dos seus papéis, e por um instante não sabia o que devia fazer com aquilo tudo. — É uma pequena mania minha — resmungou ele, finalmente. E empurrou as folhas de papel para o centro da mesa, de modo que todos pudessem ver melhor. — Já em criança eu sempre fui o melhor desenhista na escola, e quando estou sentado em algum lugar, escutando, eu sempre acabo desenhando. Não há nada mais interessante do que pessoas que acham que não estão sendo observadas.

Rhodan olhou as caricaturas dos presentes e teve que fazer força para não sorrir. Os pequenos desenhos eram muito bons, um pouco exagerados, mas, paradoxalmente, mesmo assim, muito parecidos com os retratados. Somente no retrato de Gucky havia uma divergência. Mário desenhara-o com um pequeno Boné redondo na cabeça, acima do qual girava uma pequena hélice. — Ninguém tem nada contra suas ambições artísticas — disse Rhodan. — Importante é apenas que o senhor saiba o que foi combinado aqui. — Isso eu tenho aqui — declarou o Major Mário, apontando com o dedo para sua testa. Gucky esbravejou: — Espero que ele ali ainda tenha lugar — ele apontou para os desenhos. — Para que essa hélice idiota na minha cabeça? — Ela simboliza o espírito, sempre voando muito longe, do retratado — garantiu o Major Mário, solenemente. Gucky anuiu satisfeito. — Ah, então é isso. Eu nem sabia, major, que o senhor era um artista tão talentoso. Rhodan olhou o relógio. — Os preparativos já devem ter sido concluídos. A qualquer instante eu espero um comunicado do Tenente Bogar. Ele chefia os trabalhos no hangar — ele sorriu, e olhou para os homens. — Vamos fazer um brinde pelo sucesso da missão. Gucky esvaziou o seu copo de suco de cenoura. — No que se refere à dificuldade da missão e o brinde pelo seu sucesso, receio que não temos bebida suficiente no bar para isso...

2 O space-jet era uma nave esférica melhorada tendo o formato de um disco voador. Seu diâmetro era de pouco mais de trinta metros, mas para a nebulosa escura ele ainda era demasiadamente grande e, normalmente, rápido demais. A lentilha fora ancorada magneticamente, por baixo, na parede abaulada do fundo do disco. Apesar da lentilha ser pequena, na sua proa três pessoas encontravam lugar. Elas tinham que ficar deitadas e manobrar a nave nesta posição. O veículo, com quatro metros e meio de comprimento, dois metros de largura e um metro de altura, por esta e outras razões podia ter certeza de não ser rastreado. O próprio Rhodan levou o comando da missão até o hangar. Ele ia adiante com Melbar Kasom, dando-lhe as últimas instruções. John Marshall seguia-o com Tronar Woolver; Gucky e Ras formavam a retaguarda. O space-jet estava pronto para partir. Ele estava equipado com as armas usuais e tinha, a bordo, um potente hiper-rádio transmissor. Podia deixar para trás, com seu potente conversor kalup, muitos milhares de anos-luz em vôo linear. A despedida foi curta e indolor. — Tudo em ordem, portanto? — perguntou Rhodan, dando a mão a cada um deles. — Nós vamos encontrar Multidon e executar nossa tarefa — disse Kasom, subindo logo depois para o space-jet. Os outros o seguiram. Dois minutos mais tarde, foram catapultados para o espaço. A sala de comando do space-jet ficava na parte superior do disco. O teto consistia de um material transparente, liberando a vista para todos os lados. Portanto não se dependia exclusivamente das telas de imagem. Três cadeiras anatômicas ficavam diante dos consoles de controles. Melbar Kasom estava sentado na do meio. Tronar estava a caminho, para reexaminar, mais uma vez, todas as ligações. Ele fazia isso, desmaterializando nos circuitos energéticos, seguindo-os depois. John Marshall ocupou-se com a propulsão, apesar de poder ter certeza de que tudo estava na mais perfeita ordem. Gucky passeava, aleatoriamente, no interior da nave, voltando depois para a sala de comando, para fazer companhia a Melbar Kasom. A Tokyo já desaparecera há muito tempo nas profundezas cósmicas. Só se viam ainda as muitas estrelas da Nebulosa de Andrômeda, e uma composição estranha, diretamente à frente, na direção do vôo. — Aquilo é a Nebulosa de Uklan? — perguntou Gucky, apontando para a frente. — Sim, é ela. Pouco simpática, não é mesmo? Gucky anuiu. Pouco simpática era uma expressão suave. No meio das miríades de estrelas pairava uma mancha negra, que parecia não conter luz alguma. Parecia que um corpo sólido cobria as estrelas que ficavam por trás. Tinha a forma de uma elipse. De conformidade com os rastreadores, a distância até a borda da nebulosa escura ainda era de dois anosluz. — Parece danada de grande — disse John Marshall, que acabara de entrar na sala de comando. — Grande demais para parecer atraente.

— Isso é devido a pouca distância relativa — explicou Melbar. — Logo vamos entrar no espaço linear, para deixar dois anos-luz para trás. Então estaremos na sua borda, ao rematerializarmos. — E o experimento terá início. Só espero conseguirmos fazê-lo com pequenos saltos lineares, sem que sejamos apanhados por algum sol. — Tudo não será tão terrível como parece — consolou-o Melbar. — Os maahks certamente exageraram um pouco. — Mas nenhum deles voltou — disse Marshall. Melbar encolheu seus ombros maciços e dedicou-se novamente à observação das telas de imagem. A título de experiência, ele tentara rastrear a Tokyo, mas não o conseguira. O sol duplo impedia qualquer rastreamento. E se ele não encontrava a Tokyo, os tefrodenses certamente não o fariam, pois nem sequer sabiam de sua existência. Gucky foi até a porta. — Vou dar uma olhada na despensa — disse ele, de leve. — Vou dar uma olhada no que eles nos deram para levar. Melbar sorriu. — Faça isso, baixinho. Espero que eles não tenham esquecido as coroas de louros — e ele ergueu a mão aberta. — Cinco, pelo menos! Gucky desapareceu sem dignar-se a dar uma resposta ao ertrusiano. John Marshall olhou para a porta fechada. — Enquanto ele tem apenas essas preocupações, tudo bem. Na hora em que ele esquecer a comida, estamos enrascados. Ras recebeu os resultados do computador de navegação. Colocou-os sobre o console de controle, diante de Melbar. — Se as coordenadas de Multidon estiverem corretas, o planeta fica exatamente no centro da nebulosa. Portanto vamos ter que atravessar essa sopa toda. Bela perspectiva! — Vamos manter a rota diretamente na sua direção, Ras. Com as correspondentes pausas intermediárias, isso não deveria ser perigoso demais. Só é importante que não acabamos saltando para dentro de um destes sóis pulsantes por engano. Infelizmente faltam-nos dados mais precisos — Melbar verificou os valores de medição. — Dentro de dois minutos, portanto. Após o tempo dado, o space-jet mergulhou no espaço linear, mas apenas por poucos minutos. Quando o universo tomou-se visível novamente, ele se modificara assombrosamente. Eles estavam bem perto da nebulosa escura de Uklan. Melbar Kasom e John Marshall já tinham visto muitas nebulosas negras, mas nunca uma igual a esta. Na trajetória do vôo, não se via uma única estrela. O espaço não tinha luz alguma. Uma parede negra erguia-se diante da nave. Parecia de matéria sólida e dava a impressão de que queria impedir a entrada de qualquer intruso. Bem na borda esquerda, surgiram as primeiras estrelas. Mas elas logo começaram a brilhar mais fracamente, para finalmente desaparecerem uma após outra, quando Melbar levou o space-jet mais para dentro da nuvem. Logo ele desacelerou, e quando o veículo espacial somente ia ainda a uma velocidade de apenas cem quilômetros por segundo, ele ligou o automático e recostou-se na cadeira. — Vou ser obrigado a fazer alguns cálculos. O mapa dos maahks é bastante impreciso, mas acho que podemos admitir que as posições dos sóis marcados estejam corretas. Naturalmente não vamos ser tão bobos de tomar uma dessas estrelas como meta

de nossos vôos lineares. Ao contrário, vamos sempre saltar para exatamente um lugar onde não exista nenhuma. De acordo com o mapa. John Marshall estudou o mapa. — A estrela vermelha Donit está marcada aqui, mas ao seu lado há um sinal de interrogação. Ela está no centro da nebulosa escura. Grek-1 enfatizou que esta posição era apenas uma suposição. — Amanhã já o saberemos — disse Melbar, calmo. — Eu acho que agora chegou a hora de enviarmos uma última mensagem de rádio para Rhodan. Quero que ele fique informado de que nós, agora, vamos penetrar na nebulosa. John, o senhor se encarrega disso? Marshall fez que sim, e pôs-se ao trabalho. A antena direcional do hiper-rádio transmissor foi colocada de tal modo que ocasionasse um mínimo possível de dispersão das ondas. Na direção da qual o space-jet viera, algumas estrelas ainda eram visíveis. Uma delas era o sol duplo, em cuja proteção de rastreamento a Tokyo esperava. Marshall fez passar cinco vezes a mensagem gravada, depois desligou o transmissor. Ele sabia que Rhodan não podia dar nenhuma confirmação, para não exporse ao perigo de ser rastreado por alguma nave-patrulha tefrodense. — Agora vamos deixar para trás meio ano-luz em vôo linear — avisou Melbar. — Na zona na qual rematerializaremos, de conformidade com o mapa, não há nenhum sol. Entretanto, temos que contar com o fato de que, apesar disso, exista algum sol por perto, e que, por isso, teremos que saltar imediatamente de volta ao espaço linear. E isso, sem qualquer cálculo prévio. Portanto, nada de pânico, se isto acontecer. Gucky entrementes voltara de sua inspeção da despensa. — Quase só concentrados e conservas — disse ele, chateado. — Essa viagem vai ficar bastante monótona. — Pois eu duvido muito disso — disse Melbar Kasom. Gucky resmungou alguma coisa ininteligível, e ficou olhando com os olhos semicerrados, como as últimas estrelas sumiam do céu. Tudo agora ficou definitivamente escuro, e nem um só ponto luminoso revelava de que ainda existia algo assim como um Universo. Era uma visão deprimente, sinistra, como os terranos jamais tinham visto igual. Até mesmo no espaço intergaláctico, entre a Via Láctea e Andrômeda, ainda havia luz — a luz das duas galáxias. Mas aqui, na nebulosa escura de Uklan, nem isto existia mais. A luz de um sol penetrava talvez algumas horas-luz de distância, para depois ser tragada pela nebulosa. — Faltam ainda vinte segundos — disse Melbar, naquele silêncio sepulcral. Quando o space-jet deixou o Universo, nada se modificou. Tudo continuou tão escuro como antes. — Quanto tempo? — perguntou Marshall. — Dois minutos, desacelerando os kalups. Foram dois minutos intermináveis, mas também eles passaram. E então tudo clareou. Diretamente na trajetória do vôo, estava um sol branco, de conformidade com a aparelhagem de rastreamento, duas horas-luz distante. Ele estava em meio àquele negrume absoluto e brilhava forte e deslumbrante. Melbar respirou aliviado e mudou a rota do space-jet. — Ele não oferece perigo. Vamos passar voando bem perto dele, para tentar verificar de que estrela se trata. Com isso, logo saberemos se os maahks fizeram suas

observações corretamente. De conformidade com o mapa, aliás, este sol branco devia localizar-se mais à esquerda. — Afinal de contas ele pode se deslocar — achou Tronar. — Talvez aqui reinem leis próprias. Pode bem ser que todos os sóis dentro da nebulosa girem, como uma galáxia em miniatura, em torno do seu centro. Neste caso, somente Donit e o seu planeta Multidon ficariam sempre parados no mesmo lugar. — Altamente improvável — John Marshall sacudiu a cabeça e ficou olhando aquele sol branco. — Mas impossível eu já não acho mais nada. — Isso livra você de surpresas — garantiu Gucky, sério. Ras ocupou-se com a análise espectral, fazendo ainda medições. O sol estranho o interessava. Quando recebeu os resultados, ele voltou-se para Kasom: — Vamos ficar mais tempo no espaço normal? — Eu acho aconselhável não precipitarmos o vôo. Por quê? — Este sol está pulsando, mesmo que só lentamente. Normalmente nós obtemos as informações com velocidade ultra-luz, de modo que somos prevenidos em tempo útil, quando ocorrem inchações. Mas eu preciso que aqui, dentro da nebulosa escura, nem as mais simples regras básicas têm validade. — O que quer dizer com isso, Ras? — Velocidade da luz aqui não é velocidade da luz — é isso que eu quero dizer. As informações já são velhas, quando nós as captamos. Se aquele sol ali está a uma distância de duas horas-luz, nós vemos a sua luz somente quando esta já tem três horas de existência — mais ou menos. Também as irradiações dos rastreadores são retardadas. Elas precisam talvez de uma hora para o trecho. Quando na realidade não deviam levar nem bem um segundo para isso. Tudo está um tanto confuso, receio eu. — Existe algum perigo real e imediato para nós? — Não, isso não. Pelo menos não no momento. Ainda podemos entrar no espaço linear sem maiores controles. Mas não devemos afastar nossos olhos desse sol. Os rastreadores nos previnem em tempo útil. Os seus raios ainda continuam mais rápidos do que a luz. — Que tranqüilizador — resmungou Gucky. Melbar Kasom concentrou-se agora inteiramente na pilotagem da nave. O sol deslocou-se mais ainda para a esquerda, e com isso, tornou-se maior. Mas este era um fenômeno inteiramente natural e nada tinha a ver com a possibilidade do mesmo estar modificando o seu volume. — Lentamente começo a entender por que os senhores da galáxia escolheram justamente aqui o seu planeta mais importante — disse John Marshall. — Se até as leis da natureza aqui não são mais válidas... — Mas as leis da natureza também são contra eles — Kasom pôs a mão diante da boca e bocejou. — Agora vamos continuar voando, desse jeito, por quatro horas, antes de, mais uma vez, deixarmos para trás meio ano-luz. Alguém poderia me substituir aqui? John? Marshall fez que sim. — Durma bastante, Kasom. Eu o chamarei ainda em tempo. O ertrusiano deixou o seu lugar a John Marshall e foi para sua cabine. Também os outros preferiram descansar um pouco, e Gucky até chegou a ter a idéia maluca de tomar um banho quente na ducha do space-jet. Isto naturalmente valeu-lhe algumas observações zombeteiras de Ras, mas ele não se incomodou com elas.

Entrementes Marshall estava sentado sozinho na sala de comando e estudava o mapa e os instrumentos. O sol branco ficava exatamente à esquerda da trajetória do vôo, e se deslocava lentamente para trás. Uma repentina erupção ainda poderia ser perigosa, pois afinal de contas o space-jet voava a apenas cem quilômetros por segundo. Qualquer tempestade luminosa seria capaz de alcançá-lo. Para Marshall sempre fora uma experiência inesquecível, voar praticamente sozinho, com uma pequena nave, através do Universo. Especialmente com um space-jet, onde a visão ficava livre praticamente para todos os lados. Ele amava a visão daqueles sóis de cores tão diferentes, e conhecia todas as nebulosas estelares pelo nome. Isto aqui, entretanto, era uma coisa inteiramente diferente. O Universo ficara negro, sinistro e sem luz. Era cheio de matéria, que tragava impiedosamente qualquer luz, talvez até absorvendo-a sem deixar traços. Parecia haver só ainda um único sol, e também este logo submergiria no Nada. — Nada simpático — murmurou Marshall, sabendo, de repente, o que realmente era a solidão. Melbar Kasom voltou retemperado para o console de comando. Marshall calculara o vôo linear seguinte exatamente, já o tendo mandado verificar pelo computador. — Seis meses-luz, Melbar. Melbar Kasom anuiu, sem entretanto responder imediatamente. Ele tinha que pensar naquilo que Ras Tschubai lhe havia dito há quatro horas atrás. Aquilo, acerca da velocidade da luz retardada. Se isto estava correto, haveria complicações nos cálculos. Nesse caso, todos os pressupostos para o vôo linear não eram do jeito ao qual se estava acostumado. Com o conversor Kalup desacelerado era possível deixar para trás meio anoluz em dois minutos. Num Universo normal! E como seria isso aqui, agora? A posição do sol branco não combinava com os dados fornecidos pelos maahks. Por quê? Por que ele se deslocava? — Esperemos que sejam seis meses-luz — disse Kasom, finalmente, ligando o automático para o vôo linear. Marshall olhou para o ertrusiano, interrogativamente. — O que quer dizer com isso? — Estou pensando naquilo que Ras verificou. Talvez esta anomalia com respeito à luz e sua velocidade também tenha influência sobre a nossa técnica. Poderia bem ser. — Talvez o senhor tenha razão — concedeu Marshall. — Eu também já estive pensando nisso, mas não ousei tirar conclusões. — Mas nós devíamos fazer isso mesmo. De qualquer modo, eu vou tentar efetuar uma determinação de posição exata, logo que tivermos atrás de nós o próximo vôo linear. Aliás, já está na hora. Dois minutos. Quando, desta vez, eles ressurgiram do semi-espaço, dois sóis podiam ser vistos lateralmente à trajetória de vôo. Um deles era azul-escuro, o outro amarelo-claro. Enquanto Ras executava as análises habituais, Marshall deu uma olhada no mapa. Com o dedo, ele seguiu a rota que o space-jet percorrera até ali e depois sacudiu a cabeça, incrédulo. — Mas isso não pode ser verdade! Quanto nós avançamos, até agora, dentro da nebulosa, no total? — Um ano-luz. Alguma coisa não está certa? — Várias coisas estão erradas — Marshall apontou com o dedo para o mapa. — O sol duplo, azul-amarelo, está marcado aqui. Existe somente um sol duplo destes em toda

a nuvem, e ele está exatamente na nossa rota. Entretanto, fica a apenas dois meses-luz de distância de sua borda. — Nesse caso, com cada vôo que tinha sido calculado para seis meses-luz deixamos para trás somente um mês-luz. Com a mesma desaceleração, portanto, nós vamos ter que ficar doze minutos no espaço linear em vez de dois, para deixarmos para trás meio anoluz. Só espero que isso dê certo. — Vamos ver — Marshall pôs o mapa de lado. — O que conseguiu descobrir, Ras? O teleportador passou os olhos mais uma vez nos resultados. — Nada de significativo. Um sol duplo bem normal, só que o azul é uma estrela variável. Algum dia ela engolirá o sol amarelo, e nesta ocasião eu não gostaria de estar por perto. Nenhum planeta, conforme já esperávamos e como está mencionado no mapa. — De qualquer modo agora sabemos a quantas andamos — disse Kasom, para concluir. — Multidon deve ficar a pouco menos de três anos-luz diante de nós. Calculado a grosso modo, a uma hora de vôo linear. Mas eu acho que seria melhor não arriscarmos isto. — Acho melhor continuarmos nos arrastando — sugeriu Gucky. — Quem anda devagar chega ao destino. É sobretudo mais seguro. Nós temos tempo. Kasom sorriu. — De repente você tem tempo, baixinho. Acho que você está com medo de transferir-se para a lentilha. Não é isso? Gucky olhou-o de modo destrutivo, mas depois lembrou-se que John Marshall era telepata, estava sentado ao lado de Kasom, e conhecia seus pensamentos. Portanto ele anuiu, concordando. — É claro que tenho medo. Não de algum perigo, mas apenas da falta de espaço nessa coisa. A gente nem conseguirá se mexer, e Ras tem uns ombros bem bonitos e largos. Acho que Tronar bem podia enfiar-se nos raios energéticos da nave, e ficar passeando dentro deles, mas acho que nem em sonho ele fará isso, pelo que conheço dele. — Ele terá que pilotar a lentilha. Mas, se vocês tiverem sorte, logo vão pousar em Multidon e estarão livres de todas as preocupações. — Pois eu receio — disse Tronar, secamente — que então é que vamos ter um montão delas. Aquele sol duplo, lindamente colorido, ficou para trás e sumiu na escuridão. Pouco depois o space-jet entrou no espaço linear por vinte minutos, e quando rematerializou outra vez estava um ano-luz dentro da nebulosa escura de Uklan. *** Era uma variável que pulsava com tremenda rapidez, que brilhava num branco estridente, lembrando um fogo-fátuo cósmico. Kasom teve que redirecionar a rota, para não voar diretamente para dentro do astro. Ras fez suas análises, pois jamais os terranos tinham visto uma estrela semelhante. — O seu período mal dura cinco minutos — disse Ras, sem querer acreditar. — Mas isso é algo simplesmente impossível. Se eu não o estivesse vendo com meus próprios olhos... — Eu também não o acreditaria, se alguém me contasse isso — concedeu John Marshall. — Como é que esta velocidade, esta rapidez, se realiza? — A rápida mutação? — Ras encolheu os ombros. — Nem imagino. Parece uma espécie de farol artificial, se vocês me perguntam.

— Eu só vou me sentir contente novamente quando estiver de volta na Tokyo — fez-se ouvir Tronar. Depois de duas etapas lineares mais curtas, eles fizeram novamente uma pausa mais prolongada dentro do espaço escuro. Não se via uma só estrela. Ras assumiu a vigilância dos controles, enquanto os outros dormiam. A nave continuava a deixar para trás cem quilômetros por segundo e naquela distância inconcebível praticamente parecia parada no Universo. Quando Gucky despertou do seu sono profundo, isso não aconteceu simplesmente porque já dormira bastante, mas por outro motivo. Foi um inquietação estranha que o acordou. Parecia-lhe que alguém — ou alguma coisa? — tateava em busca de sua mente, procurando alguma coisa por ali. Eram impulsos cuidadosos de pensamentos, sem uma padronagem mental definida. De nenhum modo eles vinham dos quatro homens que estavam a bordo da nave. Mas, ainda assim, pareciam conhecidos a Gucky. Ele ergueu-se um pouco e deu resposta telepaticamente. Seu susto transformou-se em um pressentimento alegre, quando os impulsos se tornaram mais nítidos e mais fortes. Ele ainda não podia ter certeza absoluta, mas praticamente não havia mais qualquer outra possibilidade. Devia ser Harno, aquela criatura inconcebível de energia e tempo. Há muito tempo ele não tivera mais qualquer contato com Harno. No planeta Gleam isso ocorrera pela última vez. Depois, Harno desaparecera novamente, submergindo no mar do tempo. Harno, a pequena esfera com sua superfície lisa de tela de imagem. O seu diâmetro tinha meio metro, e ele vivia da luz das estrelas. Ela vivia! Ninguém sabia disso melhor que Gucky, que jamais julgava uma criatura vivente pelo seu aspecto. Harno entendia-se telepaticamente, e quando falava com criaturas humanas, servia-se muitas vezes de sua capacidade de, como por magia, reproduzir em sua superfície de tela de imagem qualquer ponto do Universo — e isto sem qualquer consideração por distâncias ou tempo. — É você, Harno? — perguntou Gucky, e involuntariamente ele murmurou as palavras, apesar disso ser perfeitamente desnecessário. — Como é que você me achou? A resposta consistiu de alguns impulsos fortes, mas que vieram sem significação, sendo muito irregulares. Como de uma longa distância, que não podia ser vencida. E então Gucky lembrou-se: Harno estava tendo dificuldades com a nebulosa escura. Ela o impedia de vir até aqui, até a nave. Talvez ele não pudesse encontrá-la, e encontrara Gucky puramente por acaso, captando os impulsos dos seus pensamentos. Gucky ergueu-se de um salto e teleportou para a cabine de Marshall. O telepata ainda dormia, entretanto logo ficou bem acordado quando o chamou, para contar-lhe sobre suas suposições. — Harno? Não posso conceber uma coisa dessas. Por que ele deveria surgir justamente agora? E os perigos da nuvem da Uklan ele certamente conhece melhor do que nós. — Mas tem que ser Harno, John! E nós temos que encontrá-lo e ajudá-lo. Mesmo que eu tenha que teleportar para dentro daquela sopa negra, aí fora. — Isso você vai me fazer o favor de esquecer, meu caro. Eu ainda sou chefe do Exército de Mutantes, e enquanto eu o for, você não se colocará em real perigo de vida. Pelo menos não enquanto nós não soubermos exatamente o que se passa aí fora e de quem se originaram estes questionáveis impulsos. Procure descobri-lo.

Gucky voltou para a sua cabine, para poder concentrar-se, sem ser incomodado, naqueles impulsos que continuava recebendo indistintamente. Por precaução ele trancou a porta e colocou o seu traje espacial. Se ele teleportasse, mesmo contra as ordens de Marshall, ninguém precisaria ficar sabendo disso. — Harno, eu consigo captar você. Se for você, dê-me um sinal. Você precisa de ajuda? Por alguns instantes o silêncio foi completo, e não vieram mais quaisquer impulsos. Gucky já achava que perdera definitivamente o contato, quando os impulsos voltaram, desta vez fortes e claros. E inteligíveis. — Foi difícil encontrar você aqui, Gucky. Continue pensando, eu vou determinar a sua posição. Não se preocupe, não estou precisando de ajuda. Gucky sentiu-se indizivelmente aliviado. Tirou o seu traje espacial, dependurando-o de volta no seu lugar. Estava contente por não precisar teleportar, mas certamente o teria feito, para ajudar Harno. Ele ficou pensando, ininterruptamente, em Harno, enquanto corria para a sala de comando. Ras ergueu os olhos, surpreso, quando ele chegou. — Ué, já de pé novamente? É melhor dormir mais um pouco... — Harno está nas proximidades! — interrompeu-o Gucky, rápido. — Não fique cinzento de susto se ele, de repente, surgir aqui na sala de comando, materializando. Ele adora essas brincadeiras, como sabemos. Vamos pensar firmemente nele, pois, deste modo, será mais fácil para ele nos localizar. — Harno? O receptor de imagens galáctico? Gucky sorriu. — Já o chamaram assim, certa vez. Mas Harno é muito mais que isso. Estou ansioso por saber o que vamos ficar sabendo desta vez. Sempre que Harno surge, ele traz novidades. — Nesta situação, só podem ser ruins. Eu não ficaria nada admirado se ele viesse exigir de nós, para desaparecermos daqui o mais depressa possível. Não porque ele quer ajudar os senhores da galáxia, mas porque quer nos preservar de perigos. Harno pode viajar ao futuro, e ele sabe mais ou menos o que acontece. Eu até suspeito um pouco que ele, de vez em quando, corrige um pouco aqui, um pouco ali, e mete o bedelho no fluxo do tempo. Gucky fez um sinal para Ras ficar quieto. Os impulsos mentais de Harno estavam ficando mais fortes. — O problema não é espacial, Gucky. É temporal. Os planos se deslocam sempre. Eles não se deixam coordenar. — O que é que ele quer dizer com isso? — quis saber Ras, quando Gucky comunicou-lhe o que os impulsos de Harno queriam dizer, traduzidos. — Um problema temporal? — Talvez Harno esteja vindo do futuro e ainda está separado de nós pelo tempo. Mas ele conseguirá passar. Ele sempre conseguiu. — Deve ser culpa da nebulosa escura com suas condições extremadas. Gucky não deu-lhe resposta. Marshall entrou na sala de comando. Ele não precisou perguntar muito para saber o que estava acontecendo. — Nós vamos transferir o vôo linear previsto, até que Harno apareça — disse ele, calmamente. — Talvez ele realmente necessite de nossa ajuda.

— Obrigado — disse Gucky e concentrou-se novamente. Depois de algum tempo ele acrescentou: — Os impulsos de Harno estão ficando mais fortes. E então, de um segundo para o outro, a esfera materializou no meio da sala de comando, indistintamente a princípio e quase transparente, mas depois a forma tornou-se mais densa e opaca, até finalmente transformar-se naquilo que os homens e Gucky conheciam como Harno. A superfície da esfera brilhava escura, quase negra. Não era possível ver-se nada nela, nem algo espelhado. Só lentamente a esfera desceu mais, até repousar no chão. Gucky abaixou-se, sentando-se a seu lado. — Foi tão difícil encontrar-nos? — perguntou ele. Ras Tschubai, que agora conseguia captar os pensamentos de Harno tão bem quanto o telepata John Marshall, tomou parte integralmente na conversa. E quando, depois, Tronar e Kasom entraram na sala de comando, Gucky sabia que os impulsos dos pensamentos daquela criatura estranha novamente estavam suficientemente fortes, para poderem ser captados em toda a nave. — O paradeiro de vocês me era conhecido. Eu sei de tudo que vai acontecer, e jamais poderia acontecer, se vocês não estivessem aqui, agora. Vocês ousam muito, procurando por Multidon. Mas vocês irão encontrar Multidon. — Nossa missão terá sucesso? — perguntou Kasom, impaciente. — Eu poderia mostrar-lhes o que vai acontecer, mas não farei isto. Mas eu advertiria vocês, se tivesse visto a vossa morte. Gucky sabia o quanto era inútil interrogar Harno sobre o futuro. Ele jamais recebera dele uma resposta satisfatória. — Por que você teve tanta dificuldade de vir até nós? — Vocês estão dentro da nebulosa escura de Uklan — lembrou-lhe Harno. — Ela é um dos poucos lugares no Universo onde todas as leis perdem sua validade. Também as leis do tempo. As tempestades gravitacionais influenciam até os diversos planos de tempo. Você consegue entender isso? — Não — concedeu o rato-castor, francamente. — Você agora ficará novamente conosco? Rhodan ficaria muito contente... — Meu lugar é noutra parte — informou Harno. — O comandante da pequena nave de vocês é Melbar Kasom? — Sim. — Quais são as coordenadas para o próximo vôo de etapas? Kasom foi até o computador e leu os dados. — Por quê? A superfície da esfera de Harno começou a brilhar, mas imediatamente apagou-se outra vez. — Minha capacidade fica comprometida aqui. Eu não posso mostrar-lhes nada, mas posso dizer-lhes uma coisa: Modifiquem os dados! Em vez de XB-67-KL tomem KB-59-KM. Vocês não têm outra alternativa, que não fazer isso, portanto não me façam perguntas — ele começou a pairar para o alto, depois parou. — Desejo-lhes muita sorte. Gucky ergueu-se de um salto. — Você está querendo ir embora outra vez? Veio apenas para dar-nos as novas coordenadas? Isso é tão importante? — É mais que isso. Da modificação das coordenadas depende o futuro da Humanidade. Quando vocês, naquela ocasião, fizeram a sua escolha, no planeta Gleam,

deram o passo que finalmente levou à conquista das estações intergalácticas. Mudem as coordenadas, e vocês vencerão os senhores da galáxia. Harno subiu ainda mais alto. — O caminho de vocês algum dia os conduzirá até mim. Eu os espero. É um longo caminho através do espaço e do tempo, e ele tem muitas ramificações. Muitas destas levam à perdição, assim como as primeiras coordenadas. Cuidado, portanto, quando vocês chegarem a uma dessas encruzilhadas. Freqüentemente é um acaso que muda o futuro. — Você não o modifica, ao nos ajudar agora? — perguntou Kasom. Harno agora estava pairando quase junto ao teto. Começou a ficar transparente. — Esta modificação estava prevista — foi a misteriosa resposta. E logo depois a esfera sumira. Gucky ainda conseguiu captar os impulsos dos seus pensamentos por algum tempo, depois repentinamente tornaram-se fracos e inconscientes, até que finalmente desapareceram de vez. Kasom foi até o computador e deu entrada nos novos dados. — Eu gostaria de saber o que teria acontecido, se nós não déssemos ouvidos a Harno — disse Tronar Woolver. — Eu realmente gostaria de sabê-lo. — O senhor realmente é tão curioso? — perguntou Kasom com uma ligeira censura na voz. — Nós todos conhecemos Harno — até onde é possível conhecer algo incompreensível. Sabemos, entretanto, que ele sempre nos ajudou e jamais nos mentiu. Ele obedece a leis que nos são desconhecidas. Eu, por exemplo, nem quero saber o que nos espera nas coordenadas XB-67-KL. Se Harno deu-se a todo este trabalho, por causa disso, não poderia ser outra coisa que não a morte certa. O cavalgador de ondas silenciou, visivelmente agastado. Kasom sorriu novamente, ao voltar para o console de comando. — Vôo linear, dentro de dez minutos — disse ele. *** O ponto de coordenadas XB-59-KM ficava afastado da meta de vôo original cerca de quatro meses-luz. Quando o space-jet mergulhou de volta ao Universo normal, não se via nenhuma estrela. O espaço era negro e sem luz. Kasom anuiu satisfeito ao lançar um olhar ao mapa estelar. — Está correto, exatamente — disse ele para Ras, que estava ocupado com o rastreamento. — Nada. — Comigo aqui também nada — retorquiu o teleportador. — E fico até muito contente com isso. — Nada de rastreamentos? — Nada absolutamente! Se quisesse acreditar nos instrumentos, nós estamos sozinhos no Universo, pelo menos num âmbito de pelo menos uma dúzia de anos-luz. E que isso não está certo, nós sabemos. Um sacolejo forte passou por toda a nave, e logo os ponteiros dos instrumentos de medição pareciam enlouquecidos. Kasom estabilizou o vôo através de campos antigravitacionais. — O que foi isso? — perguntou John Marshall, do seu lugar. — Pareceu um choque. — Uma tempestade gravitacional — explicou Kasom, não muito seguro do que estava dizendo. — Que mais poderia ter sido? Nós atravessamos um campo gravitacional.

Algo assim parece haver por aqui, pelo que profetizaram os maahks. Nada de muito perigoso. — Eu tenho uma modesta pergunta — interveio Gucky, acocorado numa mesa vazia e mordiscando um cubinho de concentrados. — Ainda existirá, nesta nave, alguma coisa que funcione sem problemas? Nenhum rastreamento, a propulsão linear pouco segura, lá fora uma sopa preta, nada de hiper-rádio... nada de nada, multiplicado por nada! Eu me sinto um bocado solitário. — Isso acontece com todos nós — disse Kasom. — Mas você pode ficar tranqüilo: estas anomalias têm um certo sistema. Com isso, elas perdem o seu momento de surpresa e sua periculosidade. Não precisa preocupar-se. Somos capazes de controlar isso tudo. — Se é você quem o diz — resmungou Gucky, voltando ao seu cubinho. Kasom escolheu as coordenadas seguintes, passando-as ao computador. Enquanto a avaliação e os cálculos corriam, ele lançou alguns olhares para Gucky, sem que este o notasse, mas seu receio não parecia ter base. Harno, desta vez, não mais se comunicou. Depois de mais três vôos lineares curtos, eles materializaram a dois meses-luz de distância do ponto em que Donit deveria estar. Novamente o espaço em sua volta estava negro, mas Ras, depois de poucos segundos, deu um grito de espanto. — Um rastreamento, Kasom. Um fraco rastreamento estrutural, só isso. De onde poderá estar vindo? — Um rastreamento estrutural? — Kasom parecia perplexo. — Isso só existe em vôos de transição ou então com transmissores de matéria. Ras concordou com a cabeça. — Justamente! Logo efetuou as medições correspondentes e avaliou os resultados. O computador terminou os cálculos. Kasom levantou-se e veio até ele. — E então? Ras ergueu os olhos. O seu rosto expressava toda a sua perplexidade. — Todos os dados indicam que se trata realmente de um transmissor. E de um transmissor situacional, que não depende da energia de algum sol. Ele deve estar diretamente à nossa frente, a uma distância de nem bem dez horas-luz. Kasom voltou para o seu lugar. — Eu acho — disse ele em voz tão alta que todos pudessem ouvi-lo — que com isso nós solucionamos o mistério de como os senhores da galáxia se arranjam na questão de seu reabastecimento e envio de tropas. Um transmissor na nebulosa negra de Uklan! Quem poderia ter imaginado uma coisa dessas?! John Marshall deu vazão à sua raiva. — Justamente um transmissor! Este, naturalmente, nós não podemos desligar. Infelizmente não. Diante do space-jet o espaço continuava negro, mas, pouco a pouco, depois que os olhos se haviam acostumado àquela escuridão, uma faixa luminosa começou a surgir de dentro das trevas. O transmissor de situação pairando livremente no espaço. Ele brilhava mais fortemente que três ou quatro sóis juntos, caso contrário, nas circunstâncias dadas, ele nem sequer seria visível. O space-jet voou a uma velocidade de cem quilômetros por segundo na direção do fenômeno. — E agora? — perguntou Gucky. — Fazemos o transbordo para o pulgão?

— Você está falando da lentilha, suponho? — Kasom olhou na direção do anel vermelho agora já bem mais nítido. — Não, ainda não. John Marshall perguntou: — Vamos mudar de rota? A proximidade de um transmissor desses é perigosa. Os tefrodenses certamente terão uma frota de vigilância. E com esta nós não podemos. — Vamos mudar a rota ligeiramente. A próxima etapa nos levará até o único sol que, segundo os maahks, é bastante estável. Ali esconderemos o space-jet contra rastreamentos. Seguro é seguro. Até Donit, então, ainda serão quatro horas-luz, portanto, também para a lentilha, nenhum problema. Mas não se preocupem, ninguém vai querer que vocês fiquem deitados durante dois dias naquela coisa apertada. Nós os levamos até Multidon, e só depois voltaremos para o sol solitário. Kasom calculou o vôo até o sol que diziam ficar distante quatro horas-luz de Donit. Em condições normais isso era pouco, mas na nebulosa escura de Uklan, afinal de contas, não reinavam condições normais. O penúltimo vôo linear correu conforme planejado. O sol branco estava a duas horas-luz adiante do space-jet, quando este novamente mergulhou de volta ao Universo einsteiniano. O sol era relativamente estável e oferecia uma boa proteção. Kasom entrou numa órbita, e ligou o piloto automático. Depois suspirou aliviado e virou-se para os outros. — Hora de descanso, amigos. Hora de dormir. Depois prepararemos a navezinha lenticular. Quando avistarmos Donit não teremos mais tempo para isso. Daqui a cinco horas, continuaremos nosso vôo. Tudo claro? Gucky escorregou de cima da mesa. — Com esta sopa preta daqui naturalmente tudo tem que estar claro — criticou ele, e sumiu no corredor. Marshall ficou olhando atrás dele. — De mau humor, diria eu. Kasom sorriu. — Isso muda, logo que ele avistar Multidon — achou ele.

3 Eles aproximaram-se da posição de Donit com cinqüenta quilômetros por segundo. A lentilha fora inspecionada e estava pronta para a partida. Como não existia qualquer ligação direta, Ras, Gucky e Tronar teriam que teleportar para dentro dela. Mas ainda não chegara o momento. O transmissor de situação há muito já sumira na escuridão da nuvem de Uklan. Ninguém tinha rastreado o space-jet. A cada momento agora Donit tinha que surgir na direção da trajetória do vôo. Se os dados dos maahks estivessem certos! — Distância, duas horas-luz — disse Kasom. Mas ainda nada era possível ver-se do suposto sol gigante. A matéria da nebulosa escura aqui no centro ainda devia ser mais densa que nas outras regiões. Mais de uma vez Kasom teve que corrigir repentinas oscilações de rota, ocasionadas por tempestades gravitacionais. Tronar já colocara seu traje de combate. Ras devorou uma lata de conversas. Gucky estava sentado, sem participar, ao lado de Kasom, olhando para a frente, como se quisesse ser o primeiro a avistar Donit ou até mesmo Multidon. Mas foi Ras, que era quem tinha os olhos mais aguçados. Primeiramente ele recebeu alguns ecos de rastreamento nas telas, e depois aconteceu alguma coisa semelhante àquela que ocorrera antes no transmissor de matéria: saindo lentamente de dentro da escuridão, apareceu uma mancha luminosa, tremulando avermelhada. Só que, desta vez, não era uma figura circular, e sim uma bola de fogo. Era o sol Donit, o único sol da nebulosa escura que tinha um planeta e que era visível. Ras sacudiu a cabeça. — Cada vez vêm mais ecos. Isso tem que ser uma frota inteira. Pode acabar muito divertido. A nós eles não conseguirão rastrear — tranqüilizou-o Kasom. E à lentilha, nem pensar. O que é que há com Multidon? Já veio algum eco? — Acho que sim. Ele deve estar por trás de Donit. Kasom mudou um pouco de rumo, entrando numa órbita em volta de Donit. A velocidade continuava sendo de cinqüenta quilômetros por segundo. Donit estava a uma distância de pouco menos de dois minutos-luz. O sol era uma gigantesca bola de fogo, cujas protuberâncias se projetavam como línguas de fogo rígidas para dentro do espaço. Esse processo parecia retardado, como se fosse visto através de câmera lenta. — Agora captamos Multidon — disse Ras, de repente, apontando para a fileira de telas de imagem do rastreador. — Logo o planeta poderá ser visto a olho nu. — Então eu acho melhor — disse Tronar — fazermos o transbordo agora mesmo. O space-jet não pode ser exposto a qualquer perigo. Ele é nossa única chance de fuga. Gucky escorregou de cima de sua poltrona e foi até a porta. — Também acho. Nunca devemos cortar nosso próprio caminho de fuga. Daqui a dez minutos, no pulgão. Ras levantou-se. — Dentro de dez minutos, portanto, Kasom, fica tudo conforme já combinamos. Dêem-nos cinco dias de tempo, depois podem começar a se preocupar com a gente. Pelo

que consegui entender, mesmo a bomba de arconite necessita mais ou menos de oito dias para destruir um planeta como Multidon. Até então... Kasom ligou o piloto automático. — Eu vou com vocês ao hangar. John, poderia ficar na sala de comando, por favor? O telepata anuiu. — Claro. Não perco nada com isso... *** O planeta Multidon era um mundo grande e fresco de oxigênio, no qual continuava havendo restos de sua superfície natural. Todo o restante, entretanto, estava coberto com gigantescas instalações industriais, que se estendiam, inclusive, às profundezas do planeta. Multidon tinha um diâmetro de dezesseis mil e quatrocentos quilômetros. Sua gravidade era de um vírgula dois gravos, e com isto era maior que a da Terra. Ele orbitava numa distância média de duzentos e trinta milhões de quilômetros em redor do seu sol, Donit. A temperatura média era de seis graus centígrados acima de zero. A duração de um movimento de rotação era de trinta e seis horas. Em Multidon, encontrava-se o embrião do poder dos senhores da galáxia. Aqui eram fabricados os duplos. Abaixo da superfície, entretanto, escalonados em muitos andares, encontravam-se os mais gigantescos estaleiros de naves espaciais e fábricas de aprovisionamentos da Nebulosa de Andrômeda. Mas, na realidade, não eram exatamente estaleiros e fábricas. Eram grandes modelos de multiduplicadores, que produziam qualquer objeto desejado, em sistemas de linha de montagem, sempre que houvesse um molde correspondente para tal. Duplos tefrodenses e robôs vigiavam o processo de trabalho que jamais parava. As peças unitárias das naves espaciais eram produzidas automaticamente, e depois montadas em estaleiros, num processo modular ultra-rápido. Como também as tripulações eram “criadas” do mesmo modo, não era nenhum milagre que os senhores da galáxia dispusessem de um abastecimento inesgotável de tefrodenses e de naves de todos os tipos. Havia, em Multidon, cerca de um milhão de tais multiduplicadores de tamanhos diversos e com todos os moldes e padronagens desejados. Multidon não era nada mais que um oceano, do qual os senhores da galáxia podiam extrair tudo e tanto quanto eles achassem necessário. E, desde alguns dias, o novo comandante de Multidon era Proht Meyhet, chamado Fator III. *** Depois de duas horas de vôo é que Ras e Tronar começaram a notar o quanto era realmente apertado dentro da lentilha. Tronar estava deitado no meio da pequena cabine, manipulando os controles de vôo. À sua esquerda Ras procurava, de vez em quando, mudar de posição, para não ficar com câimbras. À sua direita, Gucky se espichava. Uma tela panorâmica estreita formava a terminação do console de controles. Na mesma, Multidon podia ser visto nitidamente. Ao lado, havia uma pequena tela de rastreamento, na qual continuavam a piscar os ecos recebidos. Deviam ser originados pelas naves dos tefrodenses. Uma vez, inclusive, eles descobriram uma dessas naves. A mesma estava parada bem perto deles, uma nave espacial esférica de mais de mil metros de diâmetro. Tronar continuou voando a lentilha sem mudar de rota. Ele confiava na proteção que a nave

recebera contra rastreamentos. E a mesma justificou o seu fim. Pois eles não foram rastreados pelos tefrodenses. — Espero podermos encontrar um lugar para pousar — resmungou Ras, que estudava a superfície de Multidon atentamente. — Tudo que vejo é cimento-armado e aço — ou o seu equivalente. — Isso torna a coisa mais difícil, mas não impossível — Tronar apontou para a tela. — Além disso, existem realmente planícies sem edificações. Ali está uma montanha sem vegetação. Também há florestas, apesar de relativamente pequenas. O principal é que o planeta não está envolto em um campo energético, que, aliás, eles podem ligar a qualquer momento. Quando eles ainda se encontravam a trinta mil quilômetros de distância da superfície, Ras pôde verificar novos abalos estruturais. O transmissor de situação estava novamente em funcionamento. Poucos minutos mais tarde, quase mil cargueiros aproximaram-se de Multidon, tomando diversos rumos para o pouso. — Eles vêm buscar reforços e aprovisionamentos — murmurou Gucky, pouco satisfeito. — Método simples esse. Alguns quilômetros de vôo através da sopa negra, e depois o transmissor. E já eles estão lá fora. Mas esta sopa nós vamos salgar bem para eles! — Se eles nos deixarem — disse Ras, secamente, examinando o seu traje de combate. — Eu gostaria de ter tudo isso já pelas costas. — Eu só queria saber por que eles não têm um campo defensivo energético — murmurou Tronar, parecendo preocupado. — É muito estranho. — Talvez as condições energéticas da nebulosa escura não permitam esse tipo de proteção — achou Ras. — O que só pode ser uma vantagem para nós. Eles continuaram aproximando-se do planeta e diminuíram a velocidade. Os detalhes da superfície agora podiam ser vistos nitidamente. Eram complexos edificados a perder de vista, apenas interrompidos por esteiras de transporte, que aqui substituíam as ruas. Nestas esteiras rolavam, ininterruptamente, as peças manufaturadas, até os muitos espaçoportos, onde já eram esperadas pelos cargueiros. A tarefa de carregá-las era efetuada automaticamente, e com uma rapidez impressionante. Cada dois minutos dúzias de cargueiros elevavam-se no ar, para voar de volta ao transmissor. — Ali ainda existem até desertos — disse Ras, apontando para a tela. — Se não conseguirem rastrear-nos, um pouso sem sermos notados talvez seja possível. Entretanto, é como Kasom já disse: Nós não somos invisíveis. Eles baixaram mais e passaram bem por cima das instalações fabris. Nenhum sinal indicava que os tivessem descoberto. Na tela de rastreamento apenas os cargueiros podiam ser vistos, e muito acima, as naves de vigilância. O sol Donit brilhava, vermelho, no céu, e parecia como se estivesse por detrás de densos véus de neblina. Quando eles se aproximaram do horizonte, Tronar descobriu, na trajetória do vôo, uma montanha nua, rodeada de um deserto de areia. — Aqui nós poderíamos pousar, protegidos pelo pôr do sol — sugeriu ele. — Por que continuarmos procurando? Um lugar é tão ruim quanto outro. — Nada contra — resmungou Ras, espichando-se, contrariado. — Já está na hora de eu poder esticar as pernas. Tronar desceu mais ainda, quando eles já estavam por cima do deserto. Não havia provisões nem instalações industriais. Entrementes o sol se pusera, e a escuridão era completa. Nenhuma estrela brilhava no céu negro. Mas ao norte havia uma claridade acentuada, que se estendia, baixa, no horizonte. Provavelmente era o reflexo das luzes de

alguma grande cidade ou de um estabelecimento fabril, que nem de noite interrompia o trabalho. — Teremos quase dezoito horas de escuridão — declarou Tronar, enquanto procurava um local de pouso adequado para a pequena lentilha. — Uma vantagem, para nossas pretensões — Ras olhou para a tela. — Nenhum rastreamento, além das naves de vigilância usuais, a grande altura. — O que serão essas criaturas curiosas, bem abaixo de nós? — perguntou Gucky. — Parece até uma paisagem lunar. — E é isso mesmo — ensinou-o Tronar. — Naturalmente uma paisagem artificial. Aqui devem ter cavado em busca de matérias-primas. Isso são galerias de minas, ou, pelo menos, as entradas para as mesmas. Talvez também tenham feito mineração a céu aberto. Os morros mais altos tinham talvez cem metros de altura, erguendo-se como costas de tartarugas acima do deserto. Deviam ser vazadouros de minas, seguros pelo tempo e uma vegetação precária. A lentilha pousou com um leve choque. A propulsão emudeceu. Ras suspirou e se espichou. — Como isso faz bem! Estou sentindo cada ossinho do meu corpo. — Pois eu já não sinto mais absolutamente nada — disse Ras, lançando um olhar, pela décima vez, para o mostrador da análise. — Há oxigênio lá fora. Nós poderemos respirar sem instrumentos. Como isso me deixa contente! — Quem é que vai ser capaz de enxergar alguma coisa, nesse breu aí fora? — quis saber Gucky. — Eu acho que deveríamos esperar até amanhã, aproveitando para uma boa dormida. Talvez você possa esconder a lentilha numa dessas crateras, Tronar. Aqui no deserto nós vamos ficar como em cima de uma bandeja. Tronar anuiu apenas e ligou novamente a propulsão. Com apenas poucos metros de altura ele voou por cima do deserto, evitando os morrinhos, para finalmente pousar pela segunda vez, desta feita no fundo de um vale de forma circular, que tinha uma profundidade de cinqüenta metros e que, em determinado lugar, apresentava uma escarpa saliente. Tronar, para orientação, ligou rapidamente os holofotes da nave, convencendose de que seu esconderijo fora bem escolhido. De cima, pelo menos, eles não poderiam ser vistos. — Aqui podemos esperar pelo dia, tranqüilamente — disse ele. — E agora, eu não teria nada contra uma boa refeição. — Se, aqui por perto, houvesse um bom restaurante automático — piou Gucky, a meia voz — eu saberia perfeitamente o que fazer. Mas, assim, vamos ter que nos contentar com aquilo que os químicos nos prepararam. E como é o sabor disso, vocês podem imaginar — ele se sacudiu todo. — Uma porcaria, para dizê-lo claramente. Mas, no fundo, não era tão ruim como Gucky dizia. Apesar disso, tabletes e concentrados, até mesmo quando se tinha muita fome, ainda não se podiam comparar com um filé suculento e cenouras frescas. *** Quando o sol surgiu, Tronar, Ras e Gucky tinham dormido muito bem, e estavam relativamente confiantes. Ergueram a escotilha superior da lentilha, de modo que pudessem ficar de pé. O ar era fresco e frio. A temperatura devia estar pouco acima do ponto de congelamento da água. O sol vermelho Donit já estava alto no horizonte, mas não podia ser visto do esconderijo. Os seus raios tingiam a borda oeste do vale de um vermelho-sangue.

Gucky trepou para fora da cabine e saltou para o chão. Examinou a bomba de arconite dependurada na barriga da lentilha. A mesma era quase maior que a diminuta nave espacial. — Parece ser um troço bem pesado — comentou ele, como se a visse pela primeira vez. — Para onde devemos levar isso? Numa das galerias subterrâneas das minas? — Talvez nem fosse uma idéia tão boba, Gucky — Ras o seguira e ajudou Tronar. — Ali ela ficaria bem acomodada e você poderia começar o seu trabalho. Até que a descubram, já será tarde demais. — É tarde de qualquer modo — disse Tronar. — Uma vez ativada, a reação em cadeia não poderá mais ser impedida. Por nada nem ninguém. — Primeiro vamos dar uma olhada por aí — sugeriu Gucky. — Ras, você vem comigo? Tronar pode ficar na nave, soltando a ancoragem da bomba, para que, mais tarde, tudo possa ir mais depressa. Ali, do outro lado, aquele declive. Deve haver uma bela vista lá de cima... — Vamos saltar? A cara de Gucky era uma censura só. — E você acha que eu agora vou ficar trepando por aí? — piou ele, agitado. Eles teleportaram para a borda do vale e dali para o cume do morro mais próximo. A lentilha estava tão bem escondida que não podia ser vista nem daqui. A vista daqui era livre até o horizonte. Nada podia ser visto de fábricas. Aquela região garantidamente era desabitada. Eles não poderiam ter escolhido um lugar melhor. — As crateras ficam do lado de lá — disse Ras, apontando na direção de outros morros. — Pelo menos parecem crateras. — Logo saberemos disso. Novamente eles teleportaram, e agora os dois se deram conta de uma coisa que até então não chamara sua atenção. Talvez eles também tivessem atribuído a falta de potência ao cansaço que nem mesmo o longo sono conseguira dominar. — Não entendo isso, Ras. Praticamente tive que saltar duas vezes, para chegar ao destino para o qual me havia orientado previamente. Nossa capacidade é diminuída pela metade. Isso só pode ter relação com as condições ambientais malucas aqui nesta nebulosa. Se soubermos que é isso, e o levarmos em conta, nada poderá nos acontecer. Mas ai de nós se o esquecermos em caso de uma emergência! — Não esqueceremos, baixinho. Veja aquilo ali, não é a entrada para uma galeria? Seria exatamente do que precisamos. Vamos dar uma olhada? — Só vamos. Desta vez, eles avaliaram a distância sob as condições reinantes corretamente e logo chegaram ao seu destino. Parecia uma cratera, quase redonda e com um declive achatado. As outras paredes eram íngremes, quase verticais. A própria cratera terminava sob a escarpa uma espécie de gruta, que se prolongava no interior da Terra. E ali o solo decaía suavemente. — Uma galeria de mina — disse Ras, convencido. — Aqui, em outras épocas, devem ter cavado em busca de minérios. Depois simplesmente abandonaram tudo como estava. Não me admiraria nada se ainda encontrássemos as máquinas. Gucky rebolou por cima das pedras soltas em volta da entrada para a galeria da mina. Tropeçou por cima de uma roda enferrujada, que estava meio enterrada no chão. — Parece que você tem razão, sobre as máquinas, Ras — gritou ele, furioso. A galeria estava escura, mas isso não era nenhum impedimento para os dois. Ras ligou sua lanterna do capacete. Só agora viram que as paredes eram completamente lisas.

Deste modo ficava claro como as galerias tinham sido feitas: elas simplesmente tinham sido fundidas dentro da terra. Eles agora não ousaram mais saltos de teleportação, entretanto, procuraram entrar em contato com Tronar, pelos seus rádios de capacete. Diminuindo o uso energético, para que o alcance ficasse no mínimo. — Tudo em ordem aí na nave? — perguntou Ras. — Naturalmente. Onde é que vocês se meteram? — Na galeria de uma mina. É o lugar certo para a bomba. Nestas paredes há mais ferro e níquel do que em toda a lentilha. Para o início de uma reação atômica em cadeia é simplesmente o ideal. — Os tefrodenses pensarão de modo diferente sobre isso — retrucou Tronar. — Apressem-se. Eu estou com um mau pressentimento. — Nós também — retrucou Ras, e desligou. — O corredor está ficando mais largo — verificou Gucky, depois de algum tempo. Eles haviam chegado a mais ou menos duzentos metros dentro da terra. — Além do mais, eu já estou cheio. Afinal, não podemos penetrar até o centro de Multidon, só para botar esse ovo. — É um ovo importante — lembroulhe Ras. — E depois vamos ter que avisar os tefrodenses, antes de sumirmos, para que eles possam evacuar o planeta ainda em tempo. — O que eles vão ter que fazer depressinha — achou Gucky. A galeria abriu-se num vasto pavilhão, do qual saíam corredores em diferentes direções. Uma esteira rolante estava jogada, retorcida e imprestável, a um canto. Havia ferramentas jogadas pelos cantos, e até mesmo um robô-operário, gasto, estava encostado numa parede. — Isso aqui seria um ótimo lugar. Aqui poderíamos ativar a bomba com toda tranqüilidade. Vai levar pelo menos dois dias até que a fogueira atômica atinja a povoação mais próxima. Tempo suficiente para os tefrodenses darem o fora. — Ótimo — Gucky olhou em volta e anuiu. — Vamos buscar o negócio, então? Teleportaram de volta, e Tronar nem sequer se assustou, quando os dois amigos surgiram repentinamente saídos do Nada, materializando. Apenas olhou o seu relógio e disse: — Demoraram um bocado. Foram dar um passeio, é isso? — Podemos chamá-lo assim. Dentro de uma hora você estará liberado. Então poderemos entrar em contato com os tefrodenses e dar o fora daqui. Encontramos um lugar para a bomba. — Aqui por perto?

— Nem bem mil metros distante daqui. Para que ficar carregando essa coisa inutilmente por aí, quando a Nebulosa de Uklan diminui nossa capacidade? Você, se quiser, pode dar uma olhada na gruta. — Feito. Vamos soltar a bomba. Gucky deixou isso para os dois homens e sumiu na lentilha, para pôr alguns concentrados nos seus bolsos. Ele não sentia-se muito bem, quando tinha os bolsos vazios. Nem imaginava o quanto ele ainda viria a necessitar desses concentrados. A pesada bomba, de quatro metros de comprimento e metro e meio de grossura, estava deitada no chão arenoso, quando Gucky voltou novamente para o ar livre. Ele olhou-a com ar de conhecedor e fez uma careta. — Como é que vamos transportar isso? Na Terra, eu brincaria de equilibrista com isso, como um artista de circo, mas daqui, onde tudo é revirado...? Bem, vamos ver. Ras pegou a mão de Tronar. — Quer que o leve até lá? O cavalgador de ondas sacudiu a cabeça. — Mais tarde irei dar uma olhada. Primeiro levem a bomba até lá. Não posso deixar a lentilha sozinha. Ras e Gucky colocaram-se de modo que a bomba ficou entre os dois. Ambos concentraram-se na escarpa, tocaram a bomba com as mãos — e desmaterializaram. Aliviado, Tronar verificou que a bomba desaparecera com eles. Ras e Gucky precisaram de mais três saltos de teleportação, para levar a bomba até o pavilhão subterrâneo. Depois estavam tão exaustos, que tiveram que sentar-se. — Que droga! — brigou Gucky. — Eu me sinto como um carregador de malas — das grandes! — Os tefrodenses ainda vão ficar mais chateados com esta bomba do que nós — consolou-o Ras. — Assim espero! — somente agora Gucky percebeu que se sentara em cima da bomba. Levantou-se de um salto. — Esse assento não me agrada! Ras sorriu e levantou-se também. — Eu agora vou ativá-la. Que hora vamos marcar? — ele abaixou-se e estudou os números indicados no marcador de tempo — Temos a escolha de uma hora até dez horas. Acho que vou escolher a metade. — Para mim tanto faz, Ras. O principal é que fiquemos prontos logo, para podermos sair daqui o mais depressa possível. Aquele robô morto já está olhando para mim, há bastante tempo, de modo bem estranho. Ras colocou o mostrador de tempo, que ativaria a ignição da bomba, em cinco horas, apertou o botão ativador vermelho, depois de tirar-lhe a capa. A bomba de arconite estava ativada, e nada mais poderia impedir que, dentro de exatamente cinco horas, ela dispararia. Cada elemento, a começar pelo sódio Na 11, se transformaria em energia. Não espontaneamente, mas lentamente, como um incêndio normal. Dentro de oito dias, o planeta Multidon só seria ainda um sol, que orbitaria em torno do gigante vermelho Donit. Um inferno chamejante, sobre o qual nenhuma vida mais seria possível. — Tronar ainda gostaria de dar uma olhada na bomba ativada — lembrou Gucky a Ras, que se tornara pensativo. — Vai ver que é uma natureza romântica, se você me pergunta. Pois eu fico contente se posso sumir daqui.

Eles teleportaram para o ar livre, e depois para a escarpa, da qual tinha-se uma visão do vale. E chegaram justamente em tempo de verem o impacto do primeiro projétil, e depois viram, bem alto no céu, os pontos relampejantes. Naves espaciais atacantes dos tefrodenses. O segundo foguete detonou e estraçalhou a lentilha. Ras puxou Gucky para dentro de uma fenda nas rochas. — Danação! — gemeu ele. E depois: — Tronar...?

4 Proht Meyhet podia dar-se por muito feliz por ter recebido o novo posto do Fator I. Depois que ele perdera “Midway” para os terranos, ele tinha que contar com uma pena severa. Porém o fato de existir em apenas ainda três senhores da galáxia, o salvou. Deste modo, ele veio para Multidon, tornando-se o comandante do mais importante planeta que havia na Nebulosa de Andrômeda. A sala de comando e central de controles de Multidon ficava muito abaixo da superfície, sendo entretanto ligada à cúpula de observação, no alto de uma torre, por um elevador. Para a central propriamente dita convergiam todos os fios da fantástica organização. Diversas fileiras de telas de imagem ofereciam ligação visual com todos os pontos de chefia suplementares. Daqui era possível controlar e vigiar todo o planeta Multidon. Um hiper-rádio permitia a Proht entrar em contato imediato com os comandantes das naves de combate, que orbitavam Multidon, a grande altura, escalonadamente, garantindo o caminho dos cargueiros até o transmissor de situação. Um campo de defesa energético, como em “Midway” ou “Look-Out”, não havia em Multidon. Tinha-se como impossível que algum adversário pudesse achar o sol Donit, na Nebulosa de Uklan. Entretanto justamente isso devia ter acontecido. Quando Proht recebeu o primeiro informe a este respeito, não quis acreditar no que ouvia. Já uma vez ele se encontrara com terranos, e teve que verificar como estes conquistaram uma estação intergaláctica, tida como inconquistável, com uma valentia quase inacreditável e empregando uma astúcia nunca vista. Ele temia os terranos, mas temia, sobre todas as coisas, os mutantes. Aliás, fora também um mutante que o ajudara em sua fuga da “Midway”. Um mutante sim, mas não um terrano. Os primeiros informes faziam supor que um, ou no máximo dois mutantes, tinham conseguido encontrar o planeta e pousar no mesmo. O rastreamento psi demonstrava isso. Tefrodenses ou terranos normais tinham outras oscilações mentais e padrões correspondentes. Depois, os ecos nas telas psi se apagaram. De qualquer modo, fora possível determinar, mais ou menos, o local onde os mutantes deviam estar escondidos. Tratava-se de um deserto desabitado, com morros de sobras de galerias de mineração. Um esconderijo ideal para hóspedes não convidados. Proht despachou um Comando de Destruição robotizado, com a tarefa de destruir ou, pelo menos, pôr fora de combate o veículo voador dos estranhos. O Comando de Destruição consistia de sete naves espaciais robotizadas, que eram teleguiadas pela defesa psi. Logo que elas anunciassem ter avistado a sua meta, agiriam automaticamente e por conta própria. Proht ficou observando a ação policial de sua sala de comando. Na tela de imagem, o setor em questão somente podia ser reconhecido indistintamente. Nem era possível ver detalhes. O satélite com a câmera orbitava Multidon numa altura grande demais, sendo influenciado muito pelas condições ambientais da nebulosa escura. Com isto, sofria a qualidade da imagem.

As naves-robôs dispararam suas primeiras bombas-foguetes, e já a segunda destruiu o objeto que brilhava, um tanto opacamente, pousado num vale arredondado. Com isto, a possibilidade de fuga dos mutantes fora cortada, se não houvesse uma segunda nave, para vir apanhá-los. Proht estava firmemente decidido a impedir isto. Deu alerta parcial em Multidon. O processo de trabalho continuou sem ser diminuído, porém os comandos de vigilância foram redobrados e das seis mil naves de combate que vigiavam Multidon mil entraram numa órbita apertada em volta do planeta, cercando-o hermeticamente. Os petulantes intrusos estavam presos numa armadilha. *** Ras e Gucky não se atreveram a sair do seu esconderijo. Estavam deitados naquela estreita fenda rochosa e ficaram vendo a lentilha ser destruída. Bem alto, no céu, viram sete pontos luminescentes que entretanto não se aproximaram mais. E também não mandaram mais bombas. Ao contrário: eles sumiram. — Receio que a lentilha não estava tão bem camuflada assim. Devem tê-lo visto do alto — Gucky silenciou por algum tempo, depois o seu rosto se iluminou. — Tronar! Estou captando seus pensamentos! Graças a Deus, eu pensei que o tinham acertado! Também Ras sentiu-se aliviado, só que não o demonstrou por palavras. Gucky rastreou telecineticamente o local desconhecido onde Tronar se encontrava e teleportou. Segundos depois ele rematerializou junto com ele no esconderijo comum. Aquilo era muito apertado, mas no momento talvez fosse o melhor para eles. — O que aconteceu? — perguntou Gucky. — Como é que você escapou? Tronar respirava com dificuldade. Ele ainda não se refizera do choque, e parecia-lhe difícil falar com calma. — Eu estava na lentilha e liguei o rastreador. Foi quando achei as naves que se aproximavam. Voavam bastante baixas, e se comportavam de modo estranho. Deviam estar sendo pilotadas roboticamente, pois de outro modo não seria possível explicar o seu modo de voar em formação. Primeiro eu achei que eram inofensivas. Mas logo notei que elas fechavam os seus círculos cada vez mais, e que nosso vale ficava exatamente no centro destes círculos. Ras perguntou: — Como é que você conseguiu sair lá de dentro, ainda em tempo? — Nós não tínhamos armas defensivas a bordo. O que é que eu podia fazer? Portanto abandonei a lentilha, levando comigo ainda três armas energéticas de mão. Elas ainda estão lá embaixo, junto às rochas. Mal eu tinha tomado cobertura, quando já detonou a primeira bomba. A segunda destruiu completamente nossa nave. — E agora estamos metidos aqui, numa enrascada — disse Gucky, chateado. — Uma sorte que você se lembrou das armas energéticas. Pelo menos não estamos completamente indefesos. Como é que eles podem ter nos encontrado? — Talvez pelo rastreador de metais, o que seria bom. Entretanto, se empregaram outro método, que nos diz mais respeito pessoalmente — então as coisas vão ficar pretas — Ras ergueu-se um pouco e ficou observando os arredores. — Não se vê ninguém. Talvez não devêssemos esperar até que escureça. Com toda certeza vão mandar um comando de busca, pois os tefrodenses naturalmente devem imaginar que a lentilha não veio sozinha para cá.

— Se eles acharem a bomba de arconite cedo demais, ainda a poderiam rapidamente levar ao espaço numa nave, para deixar que ela detonasse por lá — receiou Tronar. — Faltam pouco menos de quatro horas — disse Ras, inquieto. — Vamos desviar a atenção deles, para que nem cheguem à idéia de que uma bomba dessas possa existir — ele anuiu para Tronar e Gucky. — Vocês dois, eu sugiro que fiquem aqui, talvez até perto da bomba... — Jamais! — protestou Gucky. — Eu nunca mais quero ver essa coisa do demônio. Nós vamos também. — Está bem — disse Ras, cedendo. — Mas nós vamos procurar um novo esconderijo a vários quilômetros daqui, numa outra zona desabitada. Depois eu vou sondar a situação. Se nós três ficamos juntos, eles nos descobrirão ainda mais depressa. Por sorte, eles estavam com seus trajes de combate com a aparelhagem de vôo e o defletor, que, em caso de necessidade, podia torná-los invisíveis. O campo energético individual funcionava só precariamente em Multidon, mas contra fracas armas energéticas ele oferecia proteção por algum tempo. Eles ligaram o defletor, depois de terem saído de dentro da fenda da rocha, de gatinhas. Imediatamente tornaram-se invisíveis. Então isso ainda funcionava! Também a aparelhagem de vôo funcionava ainda sem problemas. Ligados por finos fios sintéticos, eles ergueram-se no ar, que continuava gelado e frio. Os raios do sol gigante davam só pouco calor. Mas os trajes de combate tinham sua calefação própria. Quando eles já estavam a dez quilômetros de altura a se entendiam apenas ainda através da sua aparelhagem de rádio, de alcance reduzido, a planície cheia de morretes ficava muito abaixo deles, e lentamente ficou para o oeste. Dentro de três horas e meia, lá embaixo teria início um inferno. Em toda a volta, no horizonte, surgiam os estabelecimentos fabris, formando um novo deserto — um deserto técnico. No ar alguns planadores passaram, mas ou eles não possuíam aparelhagem sensível de rastreamento, ou então esta estava desligada. Tronar, Ras e Gucky pairavam, sem serem notados, em direção às instalações industriais. Aumentaram sua velocidade de vôo e mudaram o rumo, em pequena escala, para leste-nordeste. A dois mil quilômetros de distância dos morros de aluvião das minas, eles encontraram uma paisagem primitiva, alcantilada, com florestas virgens, rios e rochedos. Pousaram sem incidentes e descobriram, depois de alguma procura, uma gruta na encosta de um morro. Ras disse: — Ótimo, vocês podem ficar por aqui. Liguem o receptor. Em caso de emergência eu avisarei. E vocês poderão ir me libertar ou pelo menos me dar um enterro decente. Gucky lançou-lhe um olhar demolidor. — Você acha que eles vão deixar sobrar alguma coisa da gente para ser enterrada, se nos agarrarem, seu otimista? Acho melhor tomar cuidado, e informar-nos sem demora. Depois que Ras saíra voando embora, o rato-castor tirou seus concentrados do bolso. Ficou refletindo um pouco, antes de oferecer um cubinho. — Você pode dar-se por feliz por eu ter pensado nisso — resmungou ele. — Eu jamais neguei que você é um gênio — disse Tronar e aceitou o cubinho. ***

Ras não teve pressa. Lentamente passavam as horas, enquanto ele, invisível, circundava o planeta Multidon, gravando todos os detalhes que poderiam acabar sendo muito importantes. E então, quando mais uma vez olhou o seu relógio, sabia que eles haviam conseguido completar a sua tarefa. A bomba de arconite já estava ardendo. Multidon estava perdido, e nada mais podia salvar o planeta. No horizonte via-se um brilho claro que aparentemente saía da superfície e subia para o espaço. E isto, na direção do sol, bastante baixo. Ras não o havia notado antes. Ao voar mais para perto, reconheceu a sua origem. Era o raio de absorção, através do qual os tefrodenses sugavam a sua energia do sol vermelho Donit. O mesmo devia ter uma grossura de uns quinhentos quilômetros. Ininterruptamente, através dele, fluíam as fantásticas quantidades de energia de Donit para Multidon. Se fosse possível interrompêlo, todas as instalações robotizadas de Multidon seriam paralisadas, tanto quanto os comandos de vigilância e de destruição. Aconteceria um caos, e só uma fuga ainda seria capaz de salvar os tefrodenses. Este realmente era o caso, mas naquela confusão geral da repentina falta de energia talvez também ele, Tronar e Gucky teriam possibilidade de escapar sem serem notados. Para isto, bastaria que tivessem uma nave. Ras voou mais para perto daquele raio de absorção, mantendo, entretanto, uma distância segura. Ligou o transmissor, passando uma rápida mensagem. Depois mudou rapidamente seu paradeiro, para que não pudesse ser radiogoniometrado. Ele simplesmente teleportou. Nos seus bolsos ainda trazia algumas microbombas atômicas. Se ele teleportasse para a central, lá embaixo, jogando algumas bombas, isso talvez fosse suficiente para interromper o raio de sucção. Mas ele não podia correr riscos. Isso teria que dar certo logo de saída. Voltou para o esconderijo, onde Tronar e Gucky o esperavam impacientes. — E então, o que está havendo? — quis saber o rato-castor. — Multidon já está em chamas. Não vamos avisar os tefrodenses? — Eles notarão isso ainda com tempo suficiente — acalmou-o Ras. — Antes de mais nada precisamos arranjar uma nave, por pequena que seja. — Algo menor do que a lentilha acho que nem existe, Ras. Portanto, não importa o que vamos encontrar. Mas onde? — Num hangar. Mas antes eu quero pôr fora de funcionamento a estação receptora do raio de absorção. É que eu acho que ele também fornece a energia necessária ao transmissor de situação. E se este deixar de funcionar, Multidon ficará cortado do seu reaprovisionamento, e vice-versa. — Boa idéia — concordou Tronar. — Mas, depois disso, acho que já seria hora de nos preocuparmos em sair daqui. Caso contrário acabamos fritos. E não tenho a menor vontade de cozinhar, ainda que agora faça um frio danado. Vamos levar as bombinhas? Ras anuiu enquanto mastigava o cubinho de concentrados, que Gucky lhe reservara, generosamente.

5 O Fator III lastimava não poder entrar em contato com o Fator I, ou mesmo com o Fator II. Na nebulosa escura de Uklan, até mesmo o perfeito hiper-rádio dos senhores da galáxia não funcionava. O pequeno veículo dos mutantes tinha sido destruído. Isso podia ser aceito como fato, através do relato claro feito pelo Comando de Destruição. Mas pelo menos dois mutantes ainda viviam. Eles não estavam na nave quando esta foi destruída. Mas onde estariam, então? Tratava-se de um comando avançado, o qual seria seguido por uma frota de invasão? Proht não conseguia imaginar que os terranos pudessem ousar atacar um planeta como Multidon. Aliás, como é que eles teriam conseguido ficar sabendo de sua posição, mantida em total segredo? Se ele conseguisse ficar sabendo de tudo isso, talvez pudesse desculpar sua falha em “Midway”. Os rastreadores psi estavam ligados em toda parte. Em grandes intervalos eles captavam impulsos de ondas, que somente podiam ter sido originados por criaturas com capacidades psi. A localização destas mudava rapidamente, de modo que Proht supôs que somente podia tratar-se de teleportadores. O pequeno ser peludo, que ele encontrara em “Midway”, e que o ajudara, também tinha sido um teleportador, um aliado dos terranos. Eles se encontrariam novamente, aqui? Este pensamento era tranqüilizador e assustador a um só tempo. Proht era um homem duro, já grisalho, apesar do seu processo de envelhecimento ter sido sustado por seu ativador celular. Ele conhecia o seu dever como senhor da galáxia. Mas Proht não era apenas duro, ele também raciocinava com justiça. Gucky, naquela ocasião, logo dera-se conta disto, razão por que o ajudara. E se ele era justo, teria que retribuir a ajuda do ratocastor, se ele estivesse numa enrascada. Por outro lado, o seu dever como um dos senhores da galáxia era de destruir os intrusos. O que estava acontecendo? Proht passou os olhos pelas telas de imagem, em toda a sua volta. A produção corria ainda a todo vapor. Os planos de invasão ainda não haviam sido cancelados, apesar das importantes estações de “Midway” e “Look-Out” terem sido perdidas. Era preciso fabricar duplos, e naves espaciais. A Via Láctea devia ser inundada com eles. Mas então aconteceu uma coisa que não se enquadrava no que estava programado. Bem no meio das instalações, detonaram três bombas atômicas. Elas rasgaram uma parte do gerador de raios e destruíram todas as instalações de superfície. Os materiais fundidos entupiram todas as entradas para a parte inferior da gigantesca instalação fabril. A perda de alguns milhares de duplos não preocupou Proht em demasia. Eles eram correntemente substituídos pelos multiduplicadores. Mesmo para os robôs-operários não haveria falta de substitutos. Era o fato do ataque em si que fez Proht estremecer. Os mutantes terranos! Ele deu alerta geral. Mas não aconteceu grande coisa. O raio de sucção de energia se apagara, e automaticamente se ligaram as mais importantes instalações fabris para suas próprias

estações energéticas, que haviam sido previstas em toda parte. Naturalmente não haveria energia suficiente para alimentar o transmissor situacional com as mesmas. As unidades de vigilância robotizadas continuaram em sua órbita. Somente as naves pilotadas por tefrodenses ou duplos destes tinham suas próprias forças de energia, possibilitando-lhes operarem independentes do raio de sucção. E estas, imediatamente começaram a sua caça aos mutantes. Proht estava sentado atrás do console de controle de sua aparelhagem de comando e resolveu esquecer a justiça e gratidão. Agora, só o que importava ainda era encontrar os sabotadores. Não importava quem eles eram. *** Mas, tão simples quanto parecera a Proht na sua tela de imagem, as coisas não haviam sido para Ras, Tronar e Gucky. A grande altura, eles pairavam, invisíveis, por cima das instalações principais de recepção da estação energética. As naves de vigilância não os notaram. Ras fizera questão de levar pessoalmente as três bombas lá para baixo, para dentro da central, para diminuir o perigo de uma descoberta prematura. Eles ficaram na sua antiga posição, enquanto Ras teleportava para dentro da instalação. Quando ele materializou, continuou invisível. Nas suas mãos tinha as três bombas. O seu tempo de ignição era de três minutos. Ele ficou observando os duplos no seu trabalho. Eles o faziam mecanicamente e sem qualquer interesse especial. Era evidente que, nisso, eram controlados por robôs. Ras ativou as três bombas e distribuiu-as pelo recinto. Depois teleportou de volta até onde estavam Tronar e Gucky. Deu-lhes o sinal previamente combinado de que tudo correra conforme planejado. Neste instante eles foram rastreados. Uma nave em forma de torpedo aproximou-se bastante deles, e depois, repentinamente, mudou o seu rumo. Seus contornos deveriam ser perfeitamente visíveis nas telas de rastreamento, ainda que, eles mesmos, continuassem invisíveis. Pelo menos a olho nu. Quando um canhão energético estourou, Ras e Gucky teleportaram de volta ao seu esconderijo, levando Tronar entre eles. Para o comandante da nave-torpedo certamente deve ter sido muito desagradável ver desaparecer, repentinamente, de sua tela de imagem a sua presa já tida como certa, sem deixar traços. Segundos mais tarde, detonaram as bombas atômicas, destruindo as instalações de recepção. Os mutantes ficaram sabendo disso, ao ligarem seu receptor. Ras trazia um pequeno tradutor, que vertia imediatamente cada palavra que era captada. — Muito bem, isso estaria feito — resmungou Gucky, satisfeito. — Acho que agora deveríamos sair à procura de uma nave. Só depois disso devemos avisar o comandante de Multidon. — Antes de mais nada, temos que encontrar o comandante — lembrou Ras. — Procurar e encontrar comandantes — nisso eu tenho grande experiência — garantiu o rato-castor, remexendo inutilmente nos seus bolsos. — Alguém ainda tem alguma coisa para comer?

— Só comprimidos — disse Tronar. — Já está na hora de Kasom começar a se preocupar com a gente. De acordo com o plano, ele só vai surgir por aqui dentro de quatro dias e meio. E então já pode ser tarde demais. Ras fora até a entrada da gruta, olhando para fora. A pouca distância havia um córrego, e por trás deste uma mata rala. O terreno era em suave declive. À distância, podia ver-se algumas torres. Ali começava o complexo de uma nova cidade. Ele voltou para dentro da gruta. — Tronar sozinho, na situação atual, terá dificuldades para se ajudar, já que ele não é teleportador. Portanto eu sairei junto com ele, à procura de mantimentos, de alguma coisa para comermos, e principalmente de uma nave. Você fica aqui, Gucky. Abandone o esconderijo somente em caso de extrema necessidade, deixando uma mensagem para trás. Por mim, coloque um bilhete debaixo daquela pedra. Mas fique aqui, se for possível. Tronar e eu voltaremos para cá. Talvez até já com uma nave. Gucky olhou para Ras, furioso. — Você quer que eu fique aqui, bancando urso de caverna, enquanto vocês saem numa missão importantíssima, da qual depende nossas vidas? — ele sacudiu a cabeça, energicamente. — De jeito nenhum, amigos... Tronar interveio: — Eu fui designado por Rhodan chefe desse empreendimento, e como tal sou forçado a concordar com Ras. Junto de Ras eu estarei mais seguro, e você é o único entre nós que sabe se virar em qualquer situação. Isso é um elogio, não é? O mais capaz de nós terá que ficar para trás. Acho que isso está bem claro, basta raciocinar um pouco. Gucky começou a vacilar. — Mas vocês vão apenas procurar alimentos e uma nave? O resto deixarão por minha conta? — ele já estava sorrindo outra vez, mais ou menos convencido. — Quem sabe vocês também encontram uma coroa de louros para mim...! Ras bateu-lhe no ombro. — Na Tokyo certamente já estão preparando uma, baixinho. Tronar e eu estaremos de volta dentro de umas duas horas. Ligue o seu rádio em recepção, e fique escutando, de vez em quando. Talvez você logo terá notícias nossas. Tome, fique com o tradutor. Ras e Tronar seguraram as mãos e ligaram seus defletores. Enquanto ainda caminhavam para a entrada da gruta, tornaram-se invisíveis. Depois subiram bastante, e quando mais uma vez olharam para baixo, viram Gucky bamboleando na direção do córrego, onde foi beber da água clara e fresca. Depois, aquela ilhota de mato ficou para trás deles, dando lugar a um deserto. Diante deles erguiam-se as edificações da cidade mais próxima. Eles sobrevoaram a mesma a grande altura e não descobriram nada de especial. Mas depois, após um vôo de mais de duas horas, aproximaram-se de um gigantesco espaçoporto, que fora construído de forma circular, bem ao centro de instalações fabris que se perdiam de vista. Diversas centenas de cargueiros estavam parados ali, mas ninguém os carregava ou descarregava. As rampas estavam vazias, e também as esteiras rolantes de carga não funcionavam. Um comando de robôs-operários marchou até um pavilhão-depósito baixo desaparecendo lá dentro. Na beira do campo de pouso erguiam-se algumas cúpulas que chamavam a atenção. Eram muito altas e largas. Havia três delas, todas interligadas por construções estreitas. No centro erguia-se uma típica antena de transmissão e recepção de hiper-rádio para o céu.

— Aquilo deve ser uma espécie de central de comando — disse Ras para Tronar. — Portanto, acho que devíamos, pelo menos, dar um rápido aviso a Gucky. Vamos dar uma olhada, lá embaixo? — Para encontrarmos uma nave, acho que este deve ser o melhor lugar. Inclusive víveres. Eles pairaram mais para baixo. E nem poderiam imaginar que já tinham sido descobertos há muito tempo... *** Proht chegou a suspirar aliviado, quase sem querer, quando foi avisado de que os rastreadores da central de vigilância haviam descoberto dois humanóides invisíveis, que se aproximavam do espaçoporto. Defletores não lhe eram desconhecidos, mas estes pouco ajudavam, quando se usava rastreadores especiais. Os contornos dos corpos ficavam visíveis, mesmo que a luz normal fosse desviada pelos defletores. O seu pequeno amigo peludo não estava entre eles. O seu rosto tornou-se duro novamente. Não havia qualquer razão para que ele tivesse consideração com os terranos. Havia sido um não-terrano que, naquela ocasião, lhe prestara ajuda. De qualquer modo, ele queria pagar os dois mutantes vivos, para ficar sabendo como tinham conseguido encontrar Multidon. Rapidamente deu suas instruções, e os tefrodenses prepararam as para-armadilhas. Destas, nem mesmo um teleportador conseguiria escapar. Proht imaginou o que os terranos queriam. Ele mandara destruir a nave com a qual eles haviam chegado. Eles precisavam de uma outra nave para poder deixar Multidon novamente. Talvez a sua única tarefa consistiria em sabotar o raio de sucção de energia. E isso eles tinham conseguido. Num dos muitos hangares estavam pousadas as inúmeras naves pequenas para os correios que eram indispensáveis em Multidon. Com elas Proht enviava suas mensagens para o Fator I. Uma destas naves seria o ideal para os terranos. Proht mandou assegurar todo o hangar com paragrades, sem entretanto ligá-las imediatamente. Isto só aconteceria quando as irradiações dos defletores se tornassem suficientemente intensas. E então seria tarde para os invasores. *** Ras e Tronar pousaram suavemente e desligaram a aparelhagem de vôo. Mas continuaram invisíveis. Cuidadosamente, aproximaram-se de um dos muitos elevadores, dos quais esteiras rolantes levavam até as naves que estavam à espera. Ras pegou Tronar pelo braço e teleportou com ele lá para baixo, para dentro do hangar. No mesmo estavam as pesadas naves de combate que haviam sido criadas ali — a mais de três mil metros abaixo da superfície. Elas esperavam por sua primeira missão de guerra. — Mas isso é inacreditável — murmurou Tronar, a quem aquela visão espantava. — São quase inconcebíveis — esses tamanhos! E realmente era assim — as naves espaciais esféricas, todas, tinham um diâmetro de um quilômetro. E deviam ser centenas. Certamente também haveria centenas de hangares iguais a este, em Multidon. — Temos que ir adiante — lembrou Ras, em voz baixa, puxando-o consigo. Diversos saltos curtos levaram os homens a um pavilhão de montagem gigantesco, no qual viam-se os módulos prontos das naves espaciais, empilhados, para serem

montados. Isto tudo acontecia, em circunstâncias normais, automaticamente, sob a vigilância de tefrodenses ou robôs. Agora, entretanto, nada ali se mexia. As peças estavam exatamente como haviam chegado — e não vinha mais nenhuma pelas esteiras rolantes. — A montagem parou — murmurou Ras. — Estamos pondo de pernas para o ar todos os planos dos senhores da galáxia. Onde é que foram parar os tefrodenses que normalmente trabalhavam aqui? — Estão caçando — achou Tronar. — E a caça somos nós. Eles penetraram mais para dentro daquele reino subterrâneo, sem poderem anotar nem a direção nem a distância. A para-armadilha já estava bem atrás deles, mas isso eles ainda não sabiam. E agora eles encontravam freqüentemente tefrodenses isolados e robôs, sem entretanto serem notados. Num pavilhão mais abaixo eles descobriram algumas dezenas de milhares de duplos, à espera de transporte. Muito apertados, aquelas imitações de gente estavam de pé ou deitadas, dentro de enormes caixotes. Ninguém se interessava por eles. — Acho que não faz sentido continuarmos procurando nesta direção. Temos que voltar — Ras puxou Tronar para um nicho. — É possível que, agora, eu falhe algumas vezes na direção, mas isso não é motivo para inquietação. Em caso de necessidade, voltamos para a superfície para nos orientarmos. O sétimo salto levou-os exatamente para dentro da para-armadilha previamente preparada. *** Proht olhava tensamente suas telas de imagem, mas nem mesmo a aparelhagem de rastreamento denunciava alguma coisa da presença dos terranos. No hangar, no qual fora preparada a para-armadilha, estavam enfileiradas as pequenas naves-correio, em grande número. Alguns tefrodenses estavam fazendo trabalhos de manutenção. E não via-se nenhum robô. Tudo parecia o mais inocente possível. Proht não conseguia imaginar que tipo de ajuda os terranos tinham à sua disposição. Também não sabia que, nas proximidades, havia alguma nave à espera de vir buscá-los, ou pelo menos vir ao encontro deles. Ele podia apenas esperar que eles dependiam apenas de si mesmos. A central de vigilância chamou. — Nas proximidades do Setor Sete está sendo anunciado um aumento da temperatura. Causa desconhecida. Devemos mandar fazer investigações? Proht rapidamente lançou um olhar ao mapa. — Setor Sete — o que significa isso? Ali não existem fábricas, é apenas uma região desabitada. Por que a temperatura deveria subir? — Temos ordens para efetuarmos uma investigação? — Mas é claro. Eu espero pelos resultados o mais rapidamente possível — Proht olhou o mapa mais uma vez, depois acrescentou. — Aliás, trata-se do setor no qual nós destruímos a micronave terrana. Talvez exista alguma relação. — Possivelmente uma reação nuclear. — Pode ser. Apresse-se. Proht preocupou-se novamente com a para-armadilha e esqueceu o incidente. Apesar da principal fonte de energia de Multidon não mais estar funcionando, ainda havia suficientes usinas energéticas para manter em funcionamento as comunicações internas e

as instalações vitais. Apenas os grandes multiduplicadores haviam interrompido sua produção. Isto já era suficientemente sério, neste estágio de preparativos da invasão. Um anexo da vigilância chamou: — Ecos psi, Maghan. Trata-se de duas pessoas. Com certeza um deles é teleportador. Primeiro os ecos se afastavam, agora aproximam-se novamente do hangar. Proht curvou-se para a frente e olhou as telas de imagem correspondentes. — Dupliquem a vigilância. Os mutantes não devem ser atacados. Não quero que suspeitem de nada. Somente depois que eles surgirem no hangar pequeno, as paraarmadilhas deverão ser ativadas. Depois disso, quero ser imediatamente informado. — Tudo em ordem, comandante. “Assim espero”, pensou Proht, sem tirar os olhos da tela de imagem, na qual via-se o hangar em questão. Por baixo da mesma ficava a pequena tela de rastreamentos, que era comandada da central de vigilância. O serviço de rádio também estava ligado, para que se pudesse manter contato imediatamente com os prisioneiros. Proht estremeceu quando a tela do rastreamento de repente denunciou o surgimento dos dois terranos. Na tela de imagem normal, eles não podiam ser vistos. Portanto ainda não tinham desligado seus campos defletores. Neste segundo, a paragrade autoligou-se. *** Ras só o notou quando já era tarde demais. Ele quis teleportar mas foi catapultado de volta, pelos campos energéticos de quinta dimensão. Nisto, os campos defletores se apagaram. Ras e Tronar estavam visíveis. Os tefrodenses pareciam estar esperando apenas por isto. Não deram mais atenção ao que vinham fazendo e, de repente, todos estavam com suas armas energéticas nas mãos. Entraram em formação e vieram ao encontro dos prisioneiros. Tronar estendeu a mão para sua arma energética, mas Ras colocou-lhe a mão sobre o braço. — Isso não adiantaria nada. Pelo menos não agora. Eles querem falar conosco. Vamos esperar até sabermos o que querem. Os tefrodenses haviam formado um círculo à sua volta, parando de armas na mão. De um alto-falante saiu a voz de um homem. Ele falava intercosmo, e aquele tom meio mecânico da voz denunciava que havia um tradutor intercalado na instalação. — Considerem-se meus prisioneiros e entreguem as armas. Não há possibilidade de escaparem. Não ofereçam resistência e tirem, também, seus trajes de combate. Preciso ter certeza que vocês não poderão fugir. Por isso coloquem-se, sem resistir, dentro da jaula de transporte. Ela está envolvida de uma paragrade de segurança. — Quem é o senhor? — perguntou Ras. — Sou Proht Meyhet, Fator III. Comandante de Multidon. Ras respirou fundo. — E há pouco tempo atrás ainda comandante da “Midway”? — Exatamente. Esta, naturalmente, era uma surpresa. E bem grande. Gucky certamente poderia tirar novas conclusões de tudo isso. De qualquer modo, pensou Ras, este Proht devia ser um dos senhores da galáxia com quem era possível conversar. Afinal de contas, ele também já fora prisioneiro dos terranos — e tinha escapado. E isto, com a ajuda de Gucky.

— Nós nos submeteremos a suas instruções, Fator III — disse Ras finalmente e viu diversos robôs-operários trazerem uma jaula para dentro do hangar. Ela parecia um pequeno transmissor, mas certamente não era nada disso. — Aliás, nós precisamos fazerlhe uma comunicação de vital importância. — Dentro de meia hora estaremos frente a frente. Ras e Tronar tiraram seus trajes de combate, depois de terem entregado as armas para os tefrodenses. Vestidos apenas ainda com os seus macacões, eles entraram na jaula que imediatamente foi fechada. Com muito cuidado, Ras tentou um microssalto, que o levaria não a mais de um metro, mas foi jogado para trás. Assim, tinha certeza de que não havia saída. Os robôs pegaram a jaula carregando-a para fora do hangar. Tronar lançou um último olhar para as pequenas naves-correio e suspirou: — Estas seriam exatamente o que nós estamos precisando... Ras ciciou: — O que há com você, Tronar? Em caso de necessidade seria possível para você desmaterializar aqui e escapar através do circuito energético da para-armadilha? Tronar anuiu, quase imperceptivelmente. — É possível, sim. Mas perigoso. Eu ressurgiria numa outra dimensão, e talvez não soubesse como encontrar, rapidamente, o meu caminho de volta. Mas escapar, eu poderia. — Ótimo. Pelo menos ainda temos esta esperança. Quieto agora. A jaula tinha sido colocada no chão, e agora estava deslizando numa esteira rolante pelos corredores. Um elevador levou-os a um andar mais alto, para continuar depois novamente na horizontal. — Naturalmente também poderíamos tentar — murmurou Tronar depois de algum tempo — fazer pifar o gerador da paragrade. Deve ser aquele bloco, ali naquele canto. — Isso não nos ajudaria muito. Além disso, eu estou curioso demais em conhecer Proht Meyhet. Quero saber se Gucky, naquela ocasião, não teria cometido um erro, ao deixá-lo escapar. Eles silenciaram, pois a esteira rolante parou. Os robôs empurraram a jaula para outra esteira, que corria em diagonal à primeira. E que os levou, através do campo de defesa energético, para dentro da central de comando de Multidon. Proht Meyhet, o senhor da galáxia, já os esperava. Ele tinha colocado a sua grande capa preta, sobre a qual brilhava o símbolo prateado das duas vias lácteas. Quando a parajaula já estava dentro da sala de comando, e depois que os robôs se retiraram, ele levantou-se, colocando-se diante da jaula. Proht ficou olhando seus prisioneiros com uma mistura de curiosidade e ódio. Mas a curiosidade prevaleceu. Finalmente ele sorriu, mas era um sorriso frio, impessoal. — Desde o segundo em que os senhores pousaram em Multidon, era um fato inquestionável que daqui não iriam escapar. Os senhores sabiam disso. Por que vieram, mesmo assim? A sua vida nada lhes significa? Tronar disse: — A vida significa-nos tudo, Proht Meyhet. Foi por isso que viemos. Naturalmente não estou falando de minha vida, nem da vida de meu amigo Ras Tschubai. Falo da vida da Terra e dos seus habitantes. — Quem é o senhor? — O meu nome é Tronar Woolver.

Proht anuiu. — Muito bem, então a vida da Terra. O que é que Multidon tem a ver com isso? — Tudo. Multidon é a fonte do seu poder, e é daqui que está sendo preparada a invasão de nossa galáxia natal. Portanto era nosso dever encontrar Multidon — e destruílo. Proht sorriu novamente, e desta vez com um sorriso de pena. — Nem todos os planos dão certo — consolou ele, não sem uma zombaria especial. Ras ia dizer algumas coisas, mas pareceu-lhe ainda cedo demais para comunicar que Multidon já estava praticamente em vias de destruição. Tronar entendeu e também ficou quieto. Proht perguntou: — Como é que encontraram Multidon? Nada mais têm a perder, se me revelarem como foi. Os senhores nunca mais deixarão Multidon. — Um tefrodense de nome Matite revelou-nos a posição. Ele morreu. O senhor se lembra...? Ele era o comandante da “Look-Out” e um tefrodense. — Então foi ele... Bem que poderia tê-lo imaginado. Ele era o tipo do traidor. Tronar disse: — O senhor também não cometeu traição, ao não destruir a “Midway” imediatamente? — Se os senhores não tivessem encontrado o dispositivo de ignição da bomba, a estação teria sido destruída. Eu dei-lhes uma pequena chance, ligando a ignição da bomba com algum retardamento. Eu devia isto ao vosso pequeno amigo peludo, que me deixou escapar. Tudo tem o seu preço, inclusive a minha liberdade. Eu paguei e agora estamos quites. Não preciso mais agradecer a ninguém e novamente estou livre para agir, sem dever favores a ninguém. Por isto eu tive que sacrificar a “Midway”. Além disso, eu salvei a vida a uma grande parte da guarnição. Inclusive a vida de um grande número de terranos. — Isto não lhe será esquecido — disse Ras, que agora achou que já era ocasião de falar claro com Proht. — Franqueza paga-se com franqueza. Nós estamos aqui, para avisá-lo, Proht, para preveni-lo. — Para me prevenir? Como devo entender isso? — Não se deixe tomar pela sua ira — avisou-o Ras — se eu agora lhe contar toda a verdade. Faço isto para que o senhor tenha tempo bastante para evacuar Multidon. Aliás, não terá muito tempo para isto. Mais ou menos ainda sete dias, depois Multidon estará perdido. Proht parecia querer trespassar Ras com o seu olhar, depois deu um passo atrás e sacudiu a cabeça. — Vocês terranos são criaturas estranhas. Até mesmo quando já lhes colocamos a corda no pescoço, vocês ainda ameaçam. Para que este blefe? A sua frota de invasão está a caminho? Ela não conseguirá chegar muito longe, até mesmo depois que o raio de sucção foi destruído. Eu tenho seis mil naves de combate, de grande porte... — Elas serão suficientes para evacuar uma parte da guarnição de Multidon. Além disso, nos hangares, há cargueiros novinhos em folha, muitos milhares deles. Não sabemos quantos tefrodenses e duplos há em Multidon... Proht aproximara-se um pouco mais. Ele começou a entender que os terranos não estavam blefando. — O que foi que aconteceu? — perguntou ele, simplesmente. — Talvez encontremos uma saída para esta situação. Falem de uma vez.

Ras disse: — O senhor conhece a bomba de arconite, Fator III. Nós trouxemos uma bomba de arconite para ser detonada em Multidon. Isso deve ter ocorrido há algumas horas atrás, e o senhor sabe tão bem quanto nós que não é possível deter uma reação atômica. Proht olhou os dois terranos fixamente, depois ficou branco como giz no rosto. Mas continuava mantendo o controle sobre si mesmo. Ele anuiu. — Agora eu sei o que é que significa a repentina ascensão da temperatura. O senhor, portanto, falou a verdade. Uma bomba de arconite! Contra esta, mesmo nós não podemos fazer nada — ele aproximou-se mais da jaula e fechou os punhos. — Os senhores sabem que, por isso, merecem a morte. Não por minha mão, não. Mas através de sua própria bomba. — Isto é uma coisa com a qual nós tínhamos que contar. Mesmo assim, o lento progresso da reação em cadeia dá-lhe possibilidade de evacuar Multidon. O planeta está perdido, concordamos. Mas, tanto para a sua vida, como para a vida de sua gente, não há perigo. Era inacreditável o quanto aquele senhor da galáxia se controlava. Ele tinha que refletir friamente. Vingança era a mais ilógica das ações — isto ele tinha que saber muito bem. Mas havia ainda outras reflexões que impediam que Proht desse vazão à sua raiva contida. Para salvar a sua própria vida, ele, mais uma vez, teria que abandonar Multidon. Se ele tivesse então dois terranos em sua companhia, ao enfrentar Fator I, ele possuiria um trunfo inestimável. Os mutantes eram íntimos de Perry Rhodan. Em determinadas circunstâncias eles acabariam revelando tudo que sabiam. Em silêncio ele voltou-se, indo fazer uma ligação com os comandantes dos diversos setores. Informou-os, num tom frio e pragmático, sobre a ameaça de destruição do planeta Multidon, ordenando-lhes a desmontagem de algumas das mais importantes instalações técnicas. Estas deveriam imediatamente ser colocadas a bordo de cargueiros. Para a frota ele deu instruções de se manter por perto, para dentro de quatro dias receber os tefrodenses a bordo. Já que o transmissor de matéria não mais funcionava, a frota deveria tentar atravessar, de qualquer maneira, a nebulosa escura de Uklan. O comandante da frota de cargueiros recebeu ordens para deixar prontas para a partida todas as naves disponíveis, para transportarem os duplos já prontos. Logo que os trabalhos de desmontagem tivessem sido encerrados, a evacuação deveria começar. Tudo isto demorou mais ou menos meia hora. Depois Proht desligou os aparelhos e voltou-se novamente aos seus prisioneiros. O seu rosto estava duro e inexpressivo. — Os terranos estão em guerra conosco. Os senhores sabotaram um de nossos mais importantes planetas. Mereceram a morte mil vezes. Não creiam que é por fraqueza minha, ou talvez sentimentalismo, que ainda estão vivos. É outra coisa. Eu agora vou levá-los comigo, e os senhores poderão ver-se diante do Fator I. Espero que saibam apreciar esta honra.

6 Gucky estava terrivelmente chateado na sua gruta. Há horas ele esperava por uma notícia, por um sinal de vida de Ras e Tronar, mas não veio nada. Ele ficou na escuta das transmissões dos tefrodenses, mas não passava de mensagens rotineiras, que não o interessavam. Ele acabara de mastigar o último cubinho de concentrados e no momento não sentia fome. Para passar o tempo, ele transgrediu a ordem de Ras Tschubai e teleportou para o morro das minas, para se convencer do progresso do fogo atômico. Quase queimou os pés, ao materializar sobre a rocha. O chão estava muito quente, mas a reação em cadeia ainda não alcançara a superfície. Provavelmente o fogo atômico comia mais rapidamente pelo interior do planeta, porque ali encontrava os elementos pesados, e com isso, uma melhor alimentação. Com isto, Multidon mais tarde certamente explodiria violentamente transformando-se num inferno de lavas chamejantes. Quando, a baixa altura, duas naves do Comando de Destruição se aproximaram em grande velocidade, abrindo um fogo mortífero em cima de Gucky, ele teleportou de volta para a gruta. Aqui ele ainda se sentia mais seguro. Portanto eles já o estavam procurando. Mais uma vez ele ficou na escuta das transmissões, e então, por puro acaso, pegou o comprimento de onda, através da qual Proht passava suas ordens aos comandantes da frota. Ficou sabendo dos planos de evacuação e sabia que o fogo atômico já fora descoberto. Mas somente nas últimas sentenças é que Gucky entendeu toda a verdade. A voz dizia: — A parajaula primeiro ficará em minha sala de comando, e somente será transferido a uma rápida nave-correio comigo. Os dois prisioneiros serão apresentados a Fator I. Esta voz...! Gucky tinha certeza de conhecê-la, mas não conseguia lembrar-se quando e onde ele já se encontrara com o seu dono. O pensamento de que estava ouvindo Proht ainda não lhe viera. E telepaticamente, na situação ambiente dada, era impossível estabelecer contatos. Porém ele agora sabia que Ras e Tronar tinham caído numa para-armadilha. Com isto as instruções anteriores já nada mais valiam. Ele agora possuía novamente toda liberdade de ação. Entretanto, teria preferido não a ter. Ligou o defletor, apesar da experiência ter demonstrado que ele aqui não ajudava muito. Os tefrodenses possuíam rastreadores especiais, com os quais descobriam até mesmo alguém invisível. Mas, pelo menos, ele estaria seguro contra os duplos e robôs, caso não houvesse justamente um desses aparelhos de rastreamento por perto. Ele teleportou, em diversos saltos maiores, até o local em Multidon onde observara os edifícios mais altos. Ali ficava também o grande espaçoporto, e era possível imaginar-se quase com certeza que ali também devia encontrar-se a central de comando do planeta. Ras e Tronar tinham saído para procurar a central de comando. Ele precisava encontrá-los!

Havia sempre indícios infalíveis que no final das contas levavam a uma central de comando — especialmente medidas de segurança, situação de fácil defesa, instalações de comunicações, e outros indícios semelhantes. Caçado por comando especiais, que o haviam rastreado em suas telas também especiais, Gucky teleportou de hangar para hangar, de setor para setor, sempre com os tefrodenses bem perto, atrás dele. Ficou na escuta de suas transmissões e sempre sabia o que planejavam e onde erguiam as suas para-armadilhas. Rodeou-as habilmente e aproximou-se mais e mais da central do comandante de Multidon. A menos de duzentos metros de sua meta, ele fez uma pausa, escondendo-se numa sala de conexões. O robô, que o descobriu rapidamente, ele eliminou telecineticamente, simplesmente desligando-o. Depois tentou concentrar-se, após não mais ter captado mensagens tefrodenses. Ele tinha que captar os impulsos dos pensamentos de Ras ou Tronar. Depois de dez minutos, seus esforços finalmente foram coroados de sucesso. Muito fracamente ele reconheceu os padrões mentais de Ras, que, através da para-armadilha, ficavam muito distorcidos. Mas aquela padronagem era inconfundível. Com Tronar a coisa não foi tão simples, mas, mesmo assim, ele finalmente os encontrou. Os dois conversavam, mas, apesar da pequena distância, Gucky não conseguia captar seus pensamentos com clareza. Afinal de contas, essa situação era devida não apenas a para-armadilha, mas também às condições ambientais da nebulosa escura de Uklan. E depois ele recebeu ainda outros impulsos de pensamentos, e também estes não lhe eram estranhos. Se vinham do comandante, afinal ele só poderia tirar uma conclusão. Ele conhecia este comandante. Proht Meyhet, portanto, ou seja, o Fator III! Isso queria dizer que naquela ocasião ele conseguira pôr-se em segurança, para finalmente até chegar a comandante de Multidon. E agora, pela segunda vez, eram os terranos a lhe causar uma derrota. Não era possível pedir, nem mesmo ao adversário mais correto, que ele, numa situação destas, fechasse um olho, mais uma vez. O ódio de Proht devia ter se tornado irreconciliável. Ele não teria mais qualquer consideração, nem mesmo para com ele, Gucky. Gucky ousou mais um pequeno salto, para mais perto da central de comando. Ele tinha deixado atrás de si os dispositivos de segurança mais importante e já não constava mais com outros obstáculos. Invisível, ele continuou marchando adiante, até chegar ao anel de segurança interno. Este não tinha nenhum bloqueio-para, de modo que ele podia teleportar. Dois segundos mais tarde, ele estava de pé num recinto cujos consoles de comando e longas fileiras de telas de imagem logo lhe revelaram que ele chegara à sua meta. E sobretudo isso lhe era revelado pela jaula que estava no centro do recinto, e o homem de cabelos grisalhos e capa preta, que estava sentado diante das telas de imagem, olhando-as atentamente. Ele tinha colocado a cabeça entre ambas as mãos, como se esta lhe estivesse pesada demais. Gucky desligou o defletor e tornou-se visível. *** Ras respirou fundo, quando de repente viu Gucky parado ao lado da parajaula. Deu uma cotovelada em Tronar, que, naquele momento, estava partindo o último cubinho de concentrado de proteínas.

Nesse instante Proht Meyhet virou-se e viu Gucky. Ele ofereceu um espetáculo memorável, pois jamais uma criatura inteligente vira um dos senhores da galáxia tão intensamente espantado e intrigado. Proht calculara com certeza de ter apanhado, com seus dois prisioneiros, toda a tripulação da pequena nave que pousara em Multidon. — Bem que eu imaginei — disse Gucky, dando um passo atrás. Ele estava de costas em relação à para-armadilha. Suas mãos estavam bem próximas de sua arma energética, no cinturão do seu traje de combate. — Proht Meyhet, meu velho amigo, por culpa de quem tive tantos aborrecimentos. Proht se recuperara, a muito custo, de sua surpresa. — Você complica as coisas, pequeno amigo. A sua aparição traz-me novos problemas, dos quais eu realmente já tenho em profusão. Você diz que teve aborrecimentos por minha culpa? — Porque eu lhe possibilitei a fuga. — E eu não paguei por isso? Gucky anuiu. — Você tem razão. A velha conta foi saldada. — E nós estamos justamente começando a abrir uma nova — disse o senhor da galáxia. — Foi você quem trouxe a bomba de arconite para cá. Receio que esta seja uma conta elevada. Muito mais alta que a de “Midway”, suponho. — Eu não sabia que você era o comandante de Multidon — disse Gucky. — Isso mudaria alguma coisa? — perguntou Proht, friamente. Gucky sacudiu a cabeça. — Receio que não. Mas eu teria prevenido você mais cedo. Proht ergueu-se, sem dar atenção à sua arma que estava à sua direita sobre o console de comando. Ele aproximou-se de Gucky parando bem perto dele. Ficou olhando-o fixamente, depois sacudiu a cabeça. — Eu invejo os terranos por você. Nós teríamos bem mais proveito se tivéssemos aliados como você. Aliados que nos ajudam porque gostam de nós — ele suspirou. — Nem pense em querer me obrigar a livrar seus dois amigos, usando a sua arma energética. Eu jamais o faria, ainda que você estivesse preparado a me matar. A para-armadilha não pode ser desligada tão facilmente. Nem mesmo telecineticamente. É uma ligação secreta bem complicada, que eu não revelarei a você. Eu preciso levar os dois prisioneiros à presença do Fator I. A você, pequeno amigo, eu darei a mesma chance que você já me deu certa vez: dou-lhe uma nave. Você pode abandonar Multidon quando quiser. Ninguém o impedirá de fazê-lo. Gucky admirou a atitude do senhor da galáxia, mas ele teria que impedir, de qualquer maneira, que Ras e Tronar fossem levados prisioneiros para algum lugar desconhecido. Uma vez nas mãos dos dois senhores da galáxia restantes, eles estariam perdidos — e os segredos da Terra também. — Eu não posso aceitar o seu oferecimento, Proht, por mais que isto me desagrade. Eu jamais deixaria dois amigos numa enrascada. — E como é que você quer impedir isto? — Eu dificultarei a evacuação de Multidon — disse Gucky. — Isso não é tão simples, mas ainda que lhe fosse possível fazê-lo, eu não libertarei os prisioneiros, para impedi-lo. Eles são mais importantes que um planeta perdido — Proht voltou para o seu lugar e sentou-se.

Ele continuava ignorando a sua arma, que estava bem ao alcance de sua mão. Gucky leu nos seus pensamentos, mas não encontrou nos mesmos a intenção de usar a arma. — Vai levar alguns dias até Multidon transformar-se num inferno de chamas. Talvez os seus planos dêem certo. Mas como é que você pretende salvar-se? — Você não pode imaginar que isto não é muito importante para mim? Proht olhou-o longamente. Depois ele anuiu. — Sim, eu posso imaginá-lo — ele virou-se. — Eu lhe agradeceria muito se, agora, você me deixasse sozinho. Eu preciso trabalhar. Ou você ainda quer falar com seus amigos? A paragrade deixa passar ondas de luz e de som. Ela simplesmente deixa passar tudo, exceto teleportadores. — Obrigado — disse Gucky e voltou-se para Ras e Tronar. — Vocês agora estão vendo que tudo um dia recebe a sua paga? Até mesmo ações que os terranos às vezes podem ter como ilógicas? Ras sorriu. — Eu jamais critiquei as suas ações, Gucky. Nem mesmo naquela ocasião em que você deixou Proht escapar — eu não protestei. Eu entendi o que você fez. Hoje vejo que você tinha razão, ainda que com isto nós não possamos ser ajudados. — Ainda temos alguns dias de tempo — disse Gucky. — Eu posso visitá-los aqui, a qualquer hora. Proht certamente não me recusará isto, já que não posso libertá-los. E ele vai entender se eu tomar algumas providências junto aos duplos contra ele e seus planos. Nossa guerra é uma espécie de esporte, apesar disso poder parecer uma comparação meio boba. Nós ficaremos em contato. Eu virei vê-los todos os dias. E logo que encontrar o depósito de víveres, volto aqui. Proht pigarreou. — Os depósitos de víveres são vigiados. E ficam a duzentos quilômetros daqui. Eu apenas me pergunto como é que se pode levar matéria sólida para dentro de uma paragrade, sem desligar o gerador... Gucky encaminhou-se até ele. — Nós encontraremos um meio — prometeu ele — e logo depois desaparecera. Proht virou-se e ficou olhando os seus dois prisioneiros. — Eu estou numa enrascada — confessou ele. — Realmente estou numa enrascada. Vocês entenderão que não posso tornar-me um traidor. Nem de Fator I e II, nem de uma criatura que certa vez me ajudou. Eu conheço os terranos provavelmente melhor que vocês dois juntos. Eles são conseqüentes e não são exatamente meticulosos quanto à escolha dos seus meios. Nós também não, concordo. E isso fez-nos empatar. E agora eu encontrei o pequeno amigo de vocês. Ele é um Ilt, creio eu, e o seu nome é Gucky. Uma raça que me é desconhecida, mas é uma pena que não seja justamente ela a dominar o Universo. Talvez, pelo menos, algum dia acontecerá que o espírito deles dominem o Universo. Ras perguntou: — E isto diz o senhor, um dos senhores da galáxia? Isso não é um tanto estranho? Proht sorriu. — Estranho? Talvez, Ras Tschubai. Mas não invulgar. O senhor se esquece do motivo de nossas ações. Nós somos aparentados com os terranos. Nós somos como eles — brutais e obcecados quando queremos atingir uma meta predeterminada. Somos mais velhos que vocês e mais civilizados. Tecnicamente, pelo menos, nosso progresso é maior. Eu, entretanto, sou diferente dos meus colegas. Eu me pareço, em minha mentalidade, a

um dos senhores da galáxia que já não está mais conosco. Talvez ele merecesse ter sido nomeado Fator I. Como disse: eu sou diferente. Nenhuma criatura inteligente é igual a outra, mesmo que pertença à mesma raça. Talvez este reconhecimento os ajude a explicar o meu modo de agir. Mas não tenham esperanças vãs. Os senhores irão comigo, como meus prisioneiros. Vou levá-los diante do Fator I. E nada poderá impedir-me de fazê-lo, nem mesmo a perda total de Multidon. Ras sorriu. — Nós não estamos tendo esperanças vãs, Proht. Mas nós conhecemos Gucky. Ele tem uma meta, e ele o conseguirá, quer o senhor queira ou não. Nós já não temos mais medo do futuro. E já lastimamos agora por não podermos conhecer o Fator I. Nos interessaria muito dizer-lhe o que pensamos dele. *** Gucky estava tentando orientar-se. Primeiro ele partiu em busca do depósito de víveres — e logo o encontrou. A indicação de Proht fora suficiente para este caso. Apesar de grande quantidade de guardas, ele penetrou no depósito de onde tirou uma boa quantidade de provisões, que levou para estocar na gruta da montanha. Um pouco mais tarde, ele teleportou novamente para a central de comando da Proht, entregando-lhe algumas conservas. O senhor da galáxia prometeu dar um jeito de fazê-las entrar na parajaula dos prisioneiros. Depois Gucky voltou para a sua gruta, e resolveu dormir. A noite em Multidon era longa... No dia seguinte, ele passou por todas as instalações subterrâneas do planeta, sempre com os grupos de rastreamento nos seus calcanhares. Ele entrava nos circuitos dos alto-falantes, incitando os duplos contra os tefrodenses, mas o êxito esperado não se consumou. Realmente alguns grupos de duplos abandonaram seus alojamentos penetrando até os hangares dos cargueiros prontos, mas eles não tinham a capacidade de pilotar estas naves. Os guardas tefrodenses não ofereciam resistência, deixando os duplos penetrarem nas naves, onde estes simplesmente se instalavam, como se estivessem em suas casas. Eles saqueavam as provisões, para mais tarde, felizes e satisfeitos, caírem no sono nos gigantescos porões de carga. Entrementes, a fogueira atômica, provocada pela bomba de arconite, alcançou a superfície. Onde antigamente havia os morros de aluvião das minas, agora chamejavam crateras, cheias de lava líquida e vermelha. Estas tornavam-se visivelmente maiores para em seguida esparramarem a lava incandescente no deserto mais abaixo. Ali formavam-se grandes fendas das quais surgia a lava ígnea num burburinho infernal. Logo todo o deserto transformou-se num lago vermelho brilhante, que avançava inexoravelmente contra as zonas habitadas. Proht Meyet começou com a evacuação. Quando as primeiras naves dos tefrodenses partiram, começou a revolta dos duplos, insuflada pelos esforços de Gucky. Em toda a parte em Multidon houve lutas violentas, que, de ambos os lados, entretanto, eram levadas a efeito sem muito entusiasmo ou paixão. Ninguém estava muito convencido de sua causa — os duplos devido à sua constituição, e os tefrodenses porque, no fundo, reconheciam o desejo dos duplos, por segurança. Somente os robôs lutavam dura e implacavelmente, porque para isso tinham sido programados. Em muitos casos, eram atacados por ambos os lados, e destruídos desesperadamente. Em Multidon reinava o caos.

Espaçonaves Terranas Tipo Velox-Procul Fr. Alfa/l

Categoria: Cargueiro leve, ultra-rápido para longas distâncias. Medidas: Comprimento: 167 m. — Largura: 63 m. — Altura: 24 m. (Capacidade de carga: 621 m2.) Massa: 6,8 - 107 kg. Propulsão: 2 impulsores energéticos cada um de 2,01 1013 N de impulso, bem como 2 cada um de 6,72 . 1012 N impulso. 2 impulsores especiais para vôos lineares. Rendimento: Aceleração máxima 790 km/s2 = 80.530 g; Alcance: 100.000 anos-luz. Campos Defensivos: Campo energético defensivo e campo defletor (AO = 1,29 . 1021 W/m2). Tripulação: 2 x 5 pessoas (Para trabalho em 2 turmas). Naves Auxiliares: 2 miniplanadores. Observações: A firma IFU (International Freighters United) goza, em toda a galáxia, da fama de melhorar sempre suas naves de carga, com novas construções. Depois do surpreendente sucesso do cargueiro de baixo custo Pack-horse I a empresa viu-se colocada diante da questão da colocação dos ganhos com a economia terrana. A firma, composta de diversas firmas autônomas coloniais, a princípio entrara no mercado galáctico contando apenas com lucros mínimos. Com seus grandes lucros, entretanto, decidiram finalmente desenvolver um microcargueiro de velocidade ultraluz, que pudesse alcançar qualquer destino dentro da Via Láctea, com uma rapidez dez vezes maior que, por exemplo, uma nave dos saltadores. Logo verificou-se que a solução dos problemas técnicos parcialmente de fácil solução, entretanto, consumiria os meios que, a princípio, haviam sido postos à disposição. A decisão arriscada de, mesmo assim, continuar com os trabalhos de desenvolvimento, finalmente se fez pagar largamente. Antes mesmo do primeiro vôo já havia mais de cem encomendas da nave do tipo Velox-Procul. Depois da ligeira hesitação inicial, também o Império Solar acabou encomendando um grande número destas naves para o transporte ultra-rápido de cargas para as mais remotas regiões da Via Láctea.

7 Quando Melbar Kasom e John Marshall captaram as primeiras irradiações da frota de vigilância tefrodenses, no seu space-jet, ficaram sabendo que os três mutantes haviam conseguido pousar em Multidon e que haviam ativado a bomba de arconite. Dos próprios mutantes, infelizmente, não tiveram qualquer notícia. No quarto dia, John Marshall disse: — Precisamos ir até Multidon. Se tudo tivesse corrido normalmente, Tronar teria voltado com a lentilha. Talvez eles precisem de nossa ajuda. Kasom tinha dúvidas. — Nós combinamos cinco dias, com eles, John. Precisamos nos ater a isto, mesmo que não nos agrade esperar. — Vou continuar captando as mensagens de rádio. Por sorte, o transmissor de matéria já não funciona mais. Os tefrodenses não estão acostumados a manobrar dentro da nebulosa escura. Eles ficam em contato radiofônico constante para orientar-se. Talvez um dos comandantes se traia e nós ficaremos sabendo mais do que eles gostariam. E foi assim que John Marshall recebeu algumas mensagens, que reproduziam a verdadeira situação dos acontecimentos em Multidon. Ele soube que Ras e Tronar tinham sido feitos prisioneiros e que o comandante de Multidon se chamava Proht Meyhet, enquanto Gucky ainda se comprazia na sua duvidosa liberdade. Com isto deu-se a decisão. — Muito bem — decidiu Kasom, depois de muito refletir. — Vamos voar de volta até a borda da nebulosa escura, de onde entraremos em contato com Rhodan. Talvez tenha chegado o momento de atacarmos Multidon abertamente. Acho que não precisamos mais contar com uma verdadeira resistência. Mas sozinhos, com um space-jet, eu não gostaria de me arriscar. Ainda temos dois dias de tempo, para libertar os prisioneiros. Quanto mais cedo informarmos Rhodan, melhor para eles. Vamos partir. Com três ousadas manobras de vôo linear eles alcançaram a borda da nebulosa escura de Uklan, entrando imediatamente em contato de rádio com Rhodan. Por seu lado, Rhodan imediatamente avisou Atlan e a sua frota, que estavam em compasso de espera. Junto com os maahks, Atlan, em seguida, avançou na direção da nuvem de Uklan, envolvendo-a. A partir de então, era muito improvável que os tefrodenses pudessem fugir sem serem notados. A Tokyo abandonou a proteção de rastreamento do sol duplo, encontrando-se com o space-jet. Rhodan teve uma longa entrevista com Melbar Kasom e John Marshall. O resultado foi que Kasom recebeu ordens para voar imediatamente para Multidon, onde fariam a tentativa de ajudar os prisioneiros. — Nós vamos esperar aqui, exatamente por trinta horas — disse Rhodan ao fim da entrevista. — Se até então não recebermos nenhuma notícia dos senhores, teremos que supor que aconteceu-lhes alguma coisa. Neste caso, avançaremos com a Tokyo e mil naves para dentro da nebulosa escura, para atacar Multidon diretamente. Nós evitamos isto até agora, devido ao grande risco, mas agora possuímos as suas coordenadas de vôo para o espaço linear. E sabereremos usá-las.

— Nós daremos conta, sozinhos, do recado — prometeu: Kasom. — Ainda há esperança, enquanto Gucky está em liberdade. Ele aproveitará o tempo e agirá. Talvez ele já pudesse até libertar Ras e Tronar, mas está apenas esperando para serem resgatados. — Apressem-se — pediu Rhodan, simplesmente, mas nesta palavra colocou toda a sua preocupação pela vida dos seus três mutantes. — Eu iria com os senhores, mas carrego a responsabilidade pela frota de Atlan e das naves dos maahks. Além disso eu sei que posso confiar plenamente nos dois. — Nós não o decepcionaremos. Cinco minutos mais tarde, o space-jet voou novamente, a toda velocidade, em direção à nebulosa escura, enquanto a Tokyo recuava outra vez para as proximidades da estrela dupla. *** No quinto dia do fogo atômico, Multidon se modificara tão flagrantemente, que já se podia olhar o planeta como um meio-sol. A metade daquele mundo transformara-se numa bola de fogo chamejante, e não havia mais nem na superfície nem no interior um lugar onde pudesse existir vida. Proht Meyhet dera instruções para que os tefrodenses conduzissem os duplos até os cargueiros que estavam à sua disposição. As naves de combate da frota de defesa haviam pousado às dúzias, tomando a bordo a guarnição do planeta perdido. Durante esta operação, muitas vezes ocorriam duros combates, pois os duplos sentiam-se prejudicados. Mas os robôs se impuseram de modo enérgico e a ordem foi restabelecida. Continuamente Gucky surgia entre as massas rebeladas, fazendo discursos de propaganda. Ele se intrometia nos alto-falantes, denunciando aos duplos que eles não passavam de carne de canhão para os tefrodenses e senhores da galáxia. Até mesmo a operação corrente de salvamento não era destinada a mantê-los vivos por muito tempo. Eles logo seriam lançados na batalha e sacrificados. Os comandos especiais caçavam Gucky, mas ele sempre conseguia escapar deles, naquela confusão generalizada. Que eles tinham recebido ordens categóricas de matá-lo sem aviso, ele já tivera que experimentar por mais de uma vez. Proht portanto não estava mais tendo consideração para com ele. Mesmo assim, Gucky ainda não o odiava. Ele compreendeu as razões do senhor da galáxia e respeitou-as. Naturalmente agora, por seu lado, ele poderia tentar ameaçar Proht com sua arma, para que libertasse os prisioneiros, mas ele sabia o quanto era sem sentido uma tentativa semelhante. Proht jamais cederia. Os prisioneiros eram sua única salvação. Em caso de necessidade ele os usaria, junto a Rhodan, como reféns. Multidon ainda existia — pela metade. Trabalhava-se febrilmente para carregar alguns multiduplicadores especiais, e levá-los em segurança. Enquanto no lado do inferno tudo submergia em lava líquida, o lado “frio” oferecia uma imagem de grande movimentação. A central de comando ainda não estava ameaçada de destruição iminente. Mais dois dias ainda, e então também aqui estaria um inferno. As diferenças de temperatura na atmosfera causavam terríveis tempestades, na superfície. A alta temperatura, nada natural, do lado da lava, criava uma espécie de vácuo, para dentro do qual precipitava-se o ar do lado mais fresco. A tempestade era tão violenta que até mesmo os gigantescos cruzadores de vigilância dos tefrodenses tinham dificuldade nos seus pousos. Gucky, há muito tempo, tivera que abandonar a sua gruta na montanha. Não tinha mais um esconderijo certo e muitas vezes escondia-se bem no meio dos duplos, em

algum pavilhão qualquer. Certa vez, chegou a ficar dentro de um cruzador, e quase partiu com ele, sem querer. No último instante porém ainda conseguiu saltar de volta para o hangar. Ele pegou um pacote com concentrados de víveres e tabletes de água que encontrou num depósito, e teleportou para dentro da sala de comando de Proht. O Fator III tinha tomado todas as providências para sua fuga definitiva. O fogo atômico já era visível no horizonte, como um brilho fulgurante na atmosfera. Gucky materializou junto da jaula de grades. Ras e Tronar estavam deitados no chão, sobre cobertores. O rato-castor não sabia como Proht conseguira colocar cobertores e víveres dentro da parajaula, sem ter desligado o campo de força psi. Ras ergueu os olhos. Ele viu Gucky e sorriu, agastado. — As coisas estão pretas, não é? Proht virou-se. No seu rosto não havia muita simpatia. — Quer dizer que ainda não agarraram você? Você sabe que eu passei ordem aos comandos para que o matassem. Mesmo se eu quisesse, não poderia ter agido de outro modo. — Você não precisa desculpar-se — Gucky olhou na direção da pesada arma energética, que agora estava dependurada na parede, ao lado das telas de imagem. — Por que é que não tenta, você mesmo, fazê-lo? Proht sacudiu a cabeça. — Para quê? Você tem, para viver, no máximo mais dois ou três dias, se não aceitar meu oferecimento. Uma nave só para você, Gucky. — Eu poderia pegar qualquer uma, se o quisesse. Somente mais ou menos a metade das telas de imagem ainda funcionava. As telas dos satélites mostravam o inferno atômico do outro lado do planeta, e o que ainda restava de Multidon. — Eu ainda deixarei Multidon hoje — disse Proht. — Os tefrodenses já receberam ordens de encerrar as desmontagens e o carregamento dos multiduplicadores. Eles também entrarão, ainda hoje, nos cargueiros, para se porem em segurança. Para os duplos também há lugar suficiente. Ninguém deles precisará morrer, caso não houver uma nova onda de pânico. Você deveria estar satisfeito com a sua obra. Por que você continua sabotando, ainda agora, os necessários trabalhos de evacuação? Gucky encolheu os ombros. — Foi por pura legítima defesa, Proht. Eu continuava tendo esperança de que você se decidiria a libertar meus amigos. — Jamais, isto eu já lhe disse. Eu preciso deles. Eles são meu seguro de vida. — Como é que você pretende tirá-los daqui? Agora Proht sorriu, ligeiramente. — Por que eu deveria revelar-lhe isto? Você tudo faria para me impedir de fazê-lo, não é mesmo? Ó, eu já pensei exatamente em como o farei — ele mudou de assunto. — Ainda vamos nos ver, antes que eu deixe Multidon? Se quiser, você pode vir comigo. Isto sempre ainda seria melhor do que morrer aqui, inútil e dolorosamente. — Eu não vou morrer — disse Gucky, que não deixara passar inutilmente a oportunidade de explorar os pensamentos de Proht. — Mas, ainda assim, é possível que ainda nos vejamos, mais uma vez. Uma pergunta: Por que é que você não usa o seu campo energético defensivo individual? — Você devia saber que em Multidon não é possível usar-se este tipo de proteção. Caso contrário, vocês jamais teriam conseguido pousar aqui. Assim como não é possível erigir os grandes campos energéticos defensivos, também os pequenos falham. Mas eu tenho outras possibilidades para me proteger.

Gucky na realidade já sabia o bastante. Proht, em pensamento, estava muito ocupado em repensar todos os detalhes de sua fuga iminente. E desta vez, ele não usava um bloqueio mental nem um campo defensivo energético. — Desejo-lhe tudo de bom, Proht. Nós não temos outra escolha, a não ser sermos adversários. Mas acho que ambos aprendemos alguma coisa com nossa rivalidade. Talvez você consiga fazer com que o Fator I entenda isto, assim como eu vou tentar fazer com que a minha gente o compreenda. Posso falar, mais uma vez, com Ras e Tronar? — Você tem minha permissão. Gucky foi até a jaula e acocorou-se ao lado da mesma. Não tirava, entretanto, os olhos de Proht, pois neste derradeiro desespero, todas as leis de lealdade e consideração perdiam sua validade. Mas o senhor da galáxia ocupava-se com seu console de comando, para transmitir ordens e para que deixassem pronta para partir a sua nave-correio. Ele não o disse tão claramente, mas Gucky sabia de tudo. — Não se preocupe, Ras — murmurou ele, rápido. — Eu conheço os planos dele e estarei junto de vocês ao saírem daqui. Mantenham-se calmos. Nós o ludibriaremos — espero eu. Ras anuiu, mas não respondeu. Tronar murmurou: — Em caso de necessidade, eu posso me enfiar no circuito energético do gerador, mas o campo energético de quinta dimensão... — Eu sei — disse Gucky. — Mais tarde. Ele levantou-se. — Obrigado, Proht. Proht virou-se. Ele anuiu. — Você fica com sua chance até o último segundo. Venha comigo. Eu lhe prometo que nada lhe acontecerá, e... — Ainda vou pensar nisso — prometeu Gucky. Depois ele teleportou de volta para os hangares subterrâneos. Desta vez, ele sabia exatamente para onde teria que ir. Proht pensara claramente demais nisso. Fora num minuto de irreflexão, ou então ele esquecera de que Gucky era telepata. De repente, Gucky achou o hangar com as naves-correio. Era o mesmo hangar que se transformara em armadilha para Ras e Tronar. Entrementes as paragrades haviam sido retiradas. Ele agora estava seguro aqui. Gucky escondeu-se numa das naves, cuja propulsão havia sido desmontada. Aqui ele certamente ficava livre de ser descoberto. Ninguém se preocuparia mais com uma nave imprestável. E agora tudo que ele poderia fazer era esperar. Esperar — até Proht finalmente agir. *** Os cargueiros já tinham tomado a bordo os sobreviventes e tinham partido. Imediatamente foram recepcionados pela frota de vigilância que os aguardava, recebendo cobertura e proteção. Muito acima de Multidon, e já bastante nas profundezas do espaço, reunia-se o grosso da Frota de Multidon. No total, eram mais de quinze mil naves. Os comandantes tinham recebido ordens correspondentes do Fator III. Primeiramente fora planejado que cada uma das naves deveria tentar atravessar, por conta própria, a nebulosa escura de Uklan, para pôr-se em segurança. Mas logo este plano foi

descartado, pois Proht Meyhet fora bastante inteligente para colocar-se na situação dos terranos. Ele refletiu o que faria se estivesse no seu lugar. E deste modo, deu-se conta de que os terranos estariam esperando por eles do lado de fora da nebulosa escura. Cada nave, que sairia sozinha de dentro da nuvem negra, seria apresada por eles ou destruída. Mas os terranos não podiam saber quando e onde uma nave tefrodense surgiria. Portanto teriam que postar a sua frota em toda a volta da nebulosa. E isto os enfraqueceria. Por isto as últimas ordens de Proht diziam que toda a frota deveria ficar junta, avançar em conjunto através da nebulosa, e sair de dentro da mesma, de modo concentrado. O vôo deveria ser feito em pequenas etapas lineares, por mais perigoso que isto fosse. Teriam que contar com perdas, mas estas nunca seriam tão grandes, como se eles entrassem na armadilha dos terranos. Quando Proht deu o comando, a gigantesca frota pôs-se em movimento. Avançou até o transmissor de situação, agora sem qualquer utilidade. Depois, as primeiras coordenadas de vôo foram anunciadas. A frota venceu o trecho até a borda da nebulosa em sete etapas, e no total mais de duzentas naves se perderam. Eles voltaram ao Universo normal nas proximidades de sóis pulsantes, onde se queimavam, ou fortes tempestades gravitacionais atiravam-nas dentro de estrelas em chamas. Outras, por seu lado, corriam, às tontas, devido aos seus instrumentos estragados, para dentro daquela formação compacta de naves, causando danos ou destruindo ainda outras unidades. Mas logo depois alcançaram a borda da nebulosa. O comandante da gigantesca frota fez exatamente aquilo que lhe fora recomendado tanto pelo Fator III. Ele passou os próximos dados de saltos e enviou uma pequena navecorreio em patrulha. Esta ficou fora por algumas horas, para depois voltar em perfeito estado. Neste lugar, esperavam diante da nebulosa sete naves maahks e uma nave de combate dos terranos. Levando em conta o tamanho da nebulosa escura não era de admirar que houvesse lacunas no cinturão de vigilância. Os tefrodenses saíram de dentro da nebulosa escura e voaram a grande velocidade em direção ao ponto das coordenadas, no qual pretendiam entrar no espaço linear. Os terranos e maahks ficaram demasiadamente surpresos, para poderem fazer muita coisa. Não lhes restou mais nada que comunicarem, por hiper-rádio, esta fuga em massa, para Perry Rhodan, que aliás já esperava por algo semelhante, e sabia que seria completamente sem sentido uma perseguição através do espaço linear. Multidon tinha sido abandonado pelos senhores da galáxia. E exatamente isto era o principal! Ao mesmo tempo ergueu-se uma nova questão, e Rhodan não descansaria antes de ter encontrado uma resposta para a mesma. — O que aconteceu com Ras, Tronar e Gucky? O Major Don Redhorse olhou fixamente aquela mancha negra que encobria as estrelas. — Vamos dar uma olhada? — perguntou ele. *** Proht Meyhet, Fator III e comandante de Multidon, deixou a sala de comando, juntamente com a parajaula, sua última e mais valiosa propriedade. Na esteira rolante ele

dirigiu-se em direção ao hangar onde estavam as pequenas naves-correio. Alguns robôsoperários o aguardavam. Eles carregaram a jaula para dentro de uma das naves e saíram do hangar. Em algum lugar eles iriam agora esperar por sua destruição, conforme lhe fora ordenado. A parajaula ficou no compartimento de carga da nave-correio. Não havia muito lugar disponível. Somente um corredor estreito e uma porta separavam o recinto da sala de comando, na qual Proht se sentara diante do console de pilotagem. Ele não tinha pressa. A frota estava a caminho e tentaria alcançar o destino que lhe fora ordenado. Ele a seguiria. Talvez fosse bom se, de saída, o imaginassem morto. Tanto maior seria a surpresa, quando ele surgisse com os seus prisioneiros. Multidon! Levaria séculos, até haver novamente um mundo como Multidon. O poder dos senhores da galáxia fora decisivamente enfraquecido. Um bastião após outro fora perdido para os terranos. E um dos senhores da galáxia após outro caíra, vitimado por eles. Proht estremeceu. Ele era imortal devido ao seu ativador celular, mas até mesmo um tiro de arma energética era capaz de matá-lo, se ele não estivesse com seu campo defensivo ligado. Enquanto permanecesse dentro da nebulosa escura, ele não estaria fora de perigo. Ele suspirou e apertou o botão que acionou o mecanismo de lançamento da nave. A pequena espaçonave deslizou pela rampa, lateralmente, até alcançar o elevador vertical. Com velocidade cada vez maior, ela então foi atirada para cima — e para fora, no invólucro superaquecido do planeta perdido. Proht não manobrou a nave imediatamente para o espaço, mas voou paralelamente à superfície, mais uma vez por cima do espaçoporto e das instalações industriais. Em toda a volta o céu parecia estar em chamas, e a atmosfera muito quente revelava o quanto a fogueira atômica já tinha progredido. Mais um dia, e Multidon simplesmente se partiria ao meio. Nada restaria, além de um montão de destroços incandescentes, que continuaria orbitando o sol vermelho, ou então se precipitaria para dentro do mesmo. Atrás dele ouviu um ruído. Assustado, voltou-se imediatamente. Fora dele e dos prisioneiros ninguém estava a bordo da nave... Era Gucky, que estava parado no umbral da porta, a arma energética, pronta para atirar, na mão. — Você? — perguntou Proht, surpreso, e ignorou a arma. — Você pensou melhor? Vem comigo? Gucky sacudiu a cabeça. — Eu não irei com você e meus dois amigos também não, Proht. Você vai abrir a jaula. Eu mesmo já tentei fazê-lo, mas não funcionou. Essa coisa tem algum sistema defensivo contra telecinese? — É claro que tem. O que é que você esperava? — Proht fez um movimento com a cabeça na direção da arma energética. — Para que isso? — É só para que você não invente alguma coisa boba. Neste momento Tronar está abrindo a jaula. Ele se enfiará no circuito do gerador, para desligá-lo. Tronar é um cavalgador de ondas, Proht. Ele é capaz de desmaterializar, sempre que tenho à sua disposição uma corrente energética. Naturalmente, na paragrade, trata-se de campos de força de quinta dimensão, por isso ninguém de nós sabe o que vai acontecer...

O senhor da galáxia continuou sentado, bem quieto. Gucky aproximou-se dele e, juntos, olharam lá para baixo, para Multidon. A nave continuava em vôo baixo, talvez com não mais de duzentos metros de altura. A temperatura aqui era suportável, pois os ventos quentes varriam o desfiladeiro. — Voe mais baixo e pouse — ordenou Gucky. — Lá embaixo, junto ao lago... Mais não conseguiu dizer. Sem qualquer aviso a nave bateu contra um obstáculo invisível e logo estourou, desintegrando-se. Proht foi atirado para fora do seu assento, caindo depois, inexoravelmente, para as profundezas. Gucky não pôde preocupar-se com ele, pois ouviu Ras gritar. Com um salto ele teleportou os poucos metros e conseguiu agarrar Ras justamente ainda em tempo de não ser morto pela jaula que se desintegrava. — Onde está Tronar? Ras gesticulou vivamente com as mãos. Gucky não entendeu o que ele dizia, mas deu-se conta de que ambos caíam. A sua volta estavam os destroços da nave. Também eles caíam em direção à superfície. — Para baixo! — gritou Gucky, envolvido pelo pânico. — Teleportar! Ele simplesmente levou Ras consigo, pois este estava tão paralisado pelo choque que não conseguia teleportar sozinho. De Tronar não conseguia ver nada. Lá embaixo, alguma coisa bateu na água. Aquilo devia ter sido Proht. Gucky teleportou para uma ilhota rochosa, que ficava bem no centro do lago. Ele soltou Ras, e olhou para cima, para aquele céu quase branco. Os destroços da nave tornaram-se visíveis. Muito dispersos, eles caíram no lago, nas margens do mesmo e, em parte, também sobre a ilhota. Com um ruído bastante forte, um bloco de metal atingiu a água sem profundidade e logo submergiu. Quando as ondas se abateram nas margens, houve um novo movimento e novas ondas. Ras abriu a boca e ia dizer alguma coisa, mas logo sentiu o calor. A temperatura era de, no mínimo, cinqüenta graus. Tronar Woolver veio nadando para a margem e pôs-se de pé. — Como na banheira lá de casa — disse ele, sacudindo-se. — Mas suportável. Depois olhou para o alto, para o céu. — Por sorte consegui sair ileso desta queda, já que estava desmaterializado. Fiquei passeando dentro do circuito energético. Onde está Proht? Gucky apontou para o lago. — Ele está morto. Ninguém sobrevive a uma queda destas, se não for um mutante. Tronar aproximou-se deles. Eles se encontravam numa pequena elevação e tinham uma excelente vista. Naturalmente não podiam enxergar muito longe, já que as encostas do grande desfiladeiro obstruíam a visão. Em contrapartida, quase não havia vento. — O que foi que aconteceu, afinal de contas? — perguntou Ras. — Só posso adivinhar — Tronar sentou-se numa pedra e mais uma vez sacudiu a cabeça. — Quando desmaterializei e me enfiei no circuito energético do gerador da paragrade devo ter ocasionado uma interferência no campo energético de quinta dimensão. Perdi o controle sobre mim mesmo e não sei mais o que aconteceu. Só sei que consegui refugiar-me no gerador da instalação energética da nave. Junto com ele eu me precipitei para dentro do lago — pois é, e aqui estou eu. Gucky sentou-se também. — Tudo muito bom e bonito. Você me assusta, Tronar. Ora, mas está bem. Só que agora nós estamos encalhados, aqui nesta ilha. O fogo atômico vai levar, no máximo, ainda um dia para atingir o desfiladeiro. Mas então tudo estará encerrado. Talvez ainda

possamos teleportar para algum outro lugar, mas se ali as coisas estarão melhores que aqui, só os deuses sabem. Ras enfiou a mão no bolso e retirou de lá um pequeno telecomunicador, que normalmente usava no seu pulso. Ele olhou-o, como em dúvida. — Com isso, acho que também não conseguiremos nada. — Se Kasom estiver nos procurando, talvez consigamos — disse Gucky e ligou o seu próprio aparelho. — Ele não tem mais muitas escolhas, se estiver nos procurando em Multidon. Talvez uns dois mil quilômetros quadrados, no máximo. Vamos, temos que tentar. Ligue isto...! Quatro horas mais tarde, eles conseguiram contato com John Marshall. O space-jet pouso logo depois e recolheu os três mutantes a bordo. Já a pouca altura era possível verificar que de Multidon tudo que sobrara era uma ilha redonda que ainda não fora atingida pelo fogo atômico. Destroços incandescentes já se destacavam do planeta, atirados para o espaço, por violentas explosões. — Só mais algumas horas — murmurou Ras exausto, fechando os olhos. — Não quero lembrar-me que ajudei a destruir um mundo... — Não tínhamos outra alternativa — disse Kasom, acelerando. — Podemos dar-nos por felizes por termos encontrado vocês ainda em tempo. Rhodan já estava ficando aflito. Ele está a caminho com a Tokyo, usando nossas coordenadas, e portanto já sem perigo. Gucky continuava olhando Multidon lá embaixo. — Não existe mais nenhum Fator III — espero que agora se acalmem todos aqueles que, naquela ocasião, ficaram tão agitados, quando o deixei escapar. Se um outro comandante estivesse em Multidon, talvez nem tudo teria dado tão certo. Talvez fosse um homem que teria matado Ras e Tronar imediatamente. Eu acho que tudo se faz pagar, até mesmo a consideração que se tem para com um inimigo. Nós matamos Proht Meyhet, mas não o fizemos deliberadamente. E ele morreu rapidamente, quase sem sentir. John Marshall aproximou-se de Gucky e bateu-lhe com a mão no ombro. — Todos nós somos de sua opinião, baixinho. Mas nós acreditamos que somente os assassinos um dia são assassinados. Até mesmo guerras podem ser travadas de modo humano. Os sobreviventes de Multidon escaparam. Gucky ergueu-se um pouco. Depois sorriu. — Isso é bom, pois não poderão mais causar nenhum dano. E os senhores da galáxia não têm mais o seu centro de poder. No ponto de encontro previamente combinado, a Tokyo esperava. O space-jet foi recebido a bordo, e o cruzador tomou o caminho de volta. Na orla da nebulosa, Atlan e os maahks aliados os esperavam. Rhodan escutou, em silêncio, o relato dos três mutantes. Quando Tronar finalizou, ele anuiu-lhes com a cabeça. — Vocês conseguiram realizar uma coisa que nem mesmo uma grande frota jamais teria conseguido. Os senhores da galáxia perderam o seu último bastião, e agora só restam dois deles — o Fator I e o Fator II. É claro que devem ser os dois senhores da galáxia mais duros e mais espertos. Talvez também os mais brutais. Mas nós também os encontraremos. E então a Nebulosa de Andrômeda nos pertencerá. Mas nós a deixaremos aos maahks, pois eles têm direito a ela. Ninguém nos impedirá de despacharmos naves de exploração para cá, para explorar os desconhecidos mundos de oxigênio. Vamos descobrir muita coisa, vamos achar muita coisa que ultrapassará a nossa imaginação. Eu lhes agradeço por esta operação, amigos. Vocês contribuíram muito para trazer a decisão mais para o nosso lado. A luta por Andrômeda agora está praticamente decidida.

Gucky estufou o peito, e começou a andar, muito ereto, de um lado para o outro, no cassino. Junto do bar ele parou. Colocou-se na ponta dos pés, e assim conseguiu alcançar a borda do balcão do bar com o seu nariz. — Um suco de frutas, bem gelado — piou ele. — Mas de laranjas terranas, nada de química aromatizada, se me faz o favor. O meu estômago não aceita essas drogas. Com o copo na mão, ele voltou para a mesa. O Major Mário já estava desenhando outra vez. Gucky olhou-o de través. Depois começou a sorrir abertamente. Mário o desenhara com alguns traços rápidos. Só que, desta vez, Gucky já não tinha uma hélice sobre a cabeça, mas sim uma verde coroa de louros. E tinha um dos seus pés colocado sobre a esboçada Nebulosa de Andrômeda, que estava colocada, como um tigre abatido, numa dimensão do tempo, desenhada em ligeiros traços. — Eu quero explicar aos senhores — continuou Rhodan, que permitira aquela pequena interrupção — o que planejamos, como nosso próximo passo...

*** ** *

Apesar do centro do poder dos senhores da galáxia já não mais existir, o perigo que emana dos dois senhores da galáxia sobreviventes ainda não foi absolutamente eliminado. Mirona Thetin, uma mulher fascinante e bonita, que depois da operação Multidon é salva por dois homens da nave-capitânia da USO, de uma emergência espacial, possui informações que são de vital importância para a sobrevivência dos homens na Terra. Este assunto é tratado no próximo volume da série Perry Rhodan, que aparecerá com o título “A Senhora das Estrelas”.

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