Os Axiomas Do Commentariolus De Copernico.docx

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

BRUNO GRANERO PENTEADO

OS AXIOMAS DO COMMENTARIOLUS

Artigo apresentado como parte dos requisitos para conclusão da disciplina História da Astronomia do Bacharelado em Filosofia da UFABC Orientador: Profa. Dra. Anastasia G. Itokazu

São Bernardo do Campo - SP 2014

O astrônomo polonês Nicolau Copérnico é famoso como o primeiro a propor revolucionário sistema heliocêntrico e desencadear uma nova concepção da astronomia e do mundo. É sabido que Copérnico, embora sua imensa competência e contribuição para a ciência, não foi o primeiro a fazer similar proposta. Outros astrônomos na antiguidade propuseram o movimento da Terra, e até mesmo o heliocentrismo, como no caso de Aristarco de Samos. O sistema de Aristarco nos é conhecido pelas citações de Plutarco e Arquimedes, e considera-se que não teve força em sua época inicialmente por um desenvolvimento matemático insuficiente, e pelo desacordo com a física aristotélica, que na ocasião não tinha teorias competidoras (Rio, 2013-1). A primeira expressão da teoria copernicana foi no trabalho intitulado “Pequeno comentário sobre as hipóteses formuladas por Nicolau Copérnico acerca dos movimentos celestes” (Nicolai Copernici de hypotesibus motuum caelestium a se constitutis commentariolus), que não fora publicada, mas circulou para algumas figuras importantes da época e é considerada por muitos como a ascendente intelectual de sua obra magna, o de Revolutionibus orbium coelestium. Do Commentariolus foram encontradas três cópias recentes, que devem sua existência bem como o título conhecido atualmente ao astrônomo Tycho Brahe (Merle, 2005 e Martins, 2003). O livro apresenta sete premissas para construção de um sistema heliocêntrico, ou heliostático como bem observa Martins (2003). Com estas premissas, Copérnico desenvolve os modelos cinemáticos dos orbes planetários tendo em vista a correspondência com os fenômenos. Seus axiomas são os seguintes, conforme analisaremos. Primeiro axioma: “Não existe um centro único de todos os orbes ou esferas celestes” (Copérnico, 2003). Trata-se da negação de sistemas homocêntricos, uma noção comum à época já encontrada na obra de Ptolomeu, que visa a interpretação dos movimentos dos planetas. Note-se também que Copérnico se utiliza do termo orbe ou esfera, o que parece caracterizar uma compreensão física do universo baseada em Aristóteles, a qual sabidamente era versão da ciência normal conhecida em sua época (Franciotti, 1991).

A segunda exigência seria que “o centro da Terra não é o centro do mundo, mas apenas o da gravidade e do orbe lunar” (Copérnico, 2003). Ora, nessa exigência se inicia o abandono do geocentrismo, retirando a Terra do centro do universo. Claro que, mantendo a Terra como centro da gravidade, Copérnico visa coerência com as observações, já que sabidamente os objetos movem-se em queda livre em direção à Terra, mas tal afirmação arbitrária necessita de uma física de suporte que pudesse substituir a teoria aristotélica dos movimentos. A centralidade da Terra é a única hipótese concebível para Aristóteles e os pensadores posteriores que permite explicar o movimento dos corpos pesados em direção ao centro da Terra e dos leves se afastando dele, bem como o movimento circular no mundo supralunar (Merle, 2005) A terceira exigência é bastante significativa e propõe a principal inversão quando diz que “todos os orbes giram em torno do Sol, como se ele estivesse no meio de todos; portanto, o centro do mundo está perto do Sol” (Copérnico, 2003). Numa primeira vista, poderia haver um conflito entre o primeiro e o terceiro axiomas, mas podemos supor ao menos que, embora todos os planetas se movimentem no entorno do Sol, a Lua tem a Terra próxima ao centro de seu orbe (Rio, 2013-2). O Sol não fica situado ao centro dos orbes, pois Copérnico já sabia que era mais conveniente à explicação dos fenômenos o uso de orbes excêntricos, como fizeram seus antecessores (Martins, 2003). Na quarta exigência, Copérnico busca satisfazer uma necessidade consequente da centralidade Sol, de que “A razão entre a distância do Sol à Terra e a altura do firmamento é menor do que a razão entre o raio da Terra e sua distância ao Sol; e com muito mais razão esta é insensível confrontada com a altura do firmamento” (Copérnico, 2003). Esse axioma tem certo caráter defensivo, como observa Coronado (1994), já que com a mobilidade da Terra seria perceptível um paralaxe estelar, uma mudança na posição relativa das estrelas. O contra argumento necessário é de que a esfera das estrelas fixas é imensamente grande, e que a o orbe do movimento da Terra ao redor do Sol pode ser considerado um ponto. De fato, na astronomia a olho nu prégalileana a paralaxe estelar não podia ser medida. Essa inflação do orbe das estrelas é um ponto de crítica da teoria copernicana, já que entre o orbe de Saturno, o último planeta e o das estrelas fixas há um gigantesco vazio, que rompe qualquer harmonia dos tamanhos dos orbes (Coronado, 1994).

O próximo dos axiomas fala que “qualquer movimento aparente no firmamento, não pertence a ele, mas à Terra. Assim a Terra, com os elementos adjacentes, gira em torno dos seus pólos invariáveis em um movimento diário, ficando permanentemente imóveis o firmamento e o último céu” (Copérnico, 2003). Assim, é introduzido um movimento da Terra, o de rotação. Copérnico tem que afirmar que os “elementos adjacentes”, como ar, nuvens, água também se movem, como resposta a um clássico argumento da física aristotélica. Esse argumento diz que, se a Terra descrevesse um movimento de rotação em torno de seu eixo, quando eu soltasse uma pedra do alto de uma torre, ela não poderia cair na mesma direção de que foi lançada. Ptolomeu ainda amplia o argumento, dizendo que se considerarmos a imensa velocidade com que a Terra deveria se mover para completar uma volta a cada 24h, nós seríamos lançados do planeta, ou que ao se observar o movimento de um pássaro, este sempre seria para oeste (Martins. 2003). Copérnico coloca esta observação em seu sistema, mas certamente

não

possuía

argumentos

físicos

para

sustentá-la,

que



se

desenvolveriam posteriormente com Galileu. O movimento de translação aparece na sexta exigência, a qual estabelece que “qualquer movimento aparente do Sol não é causado por ele mas pela Terra e pelo nosso orbe, com o qual giramos em torno do Sol como qualquer outro planeta. Assim, a Terra é transportada por vários movimento” (Copérnico, 2003). Esse axioma seria de se imaginar como consequência do terceiro, porém parece relevante ao contexto se explicar como o modelo heliostático seria compatível com as observações mais imediatas das posições relativas entre o Sol e a Terra. Com a sétima e última exigência, Copérnico apresenta uma vantagem do seu sistema, ao dizer que “os movimentos aparentes de retrogressão e progressão dos errantes não pertencem a eles, mas à Terra. Apenas o movimento desta é suficiente para explicar muitas irregularidades aparentes no céu” (Copérnico, 2003). Os “astros errantes”, uma denominação da época para os planetas, que exerciam movimentos irregulares em relação às estrelas fixas, tinham movimentos complexos como a retrogradação, quando o astro muda seu sentido aparente. Uma das vantagens e simplicidades da “reorganização do céu” copernicana (Coronado, 1994) é justamente explicar estes movimentos com mais facilidade, já que leva em conta o movimento da Terra e a

velocidade relativa com os outros planetas, e não uma órbita peculiar ou influências do movimento solar, como fizeram seus predecessores. Copérnico, então, no decorrer do Commentariolus apresenta a alguns detalhes matemáticos,

não

pormenorizados,

do

funcionamento

de

seu

sistema.

Um

desenvolvimento consequencial do heliocentrismo, e também uma de suas grandes vantagens, é apresentado logo em seguida, que seria a determinação da ordem dos planetas e a comparação de suas órbitas. As teorias antigas, como afirma Martins (2003), tinham como objetivo apenas a descrição de deslocamentos angulares. O modelo de Copérnico elimina epiciclos que visam apenas compensar o tamanho da órbita da Terra. Se o valor arbitrário dos epiciclos ptolomaicos fosse alterado para o tamanho da órbita da Terra, os deferentes indicariam as relações de proporcionalidade. Semelhante situação ocorre nos planetas inferiores, que pela primeira vez puderam ser ordenados com precisão. Mesmo com estas vantagens, o modelo de Copérnico não teve vigor de explicar a física subjacente, não sendo aceito de imediato como modelo cosmológico. Todavia, devido à sua concordância e a certa simplicidade, que é citada como argumento pelo próprio Copérnico, o modelo foi respeitado matematicamente, tanto por que, na época, a atividade da astronomia e da matemática era quase a mesma. O Commentariolus por seu caráter preliminar e sucinto não se abre muito a essa questão, mas podemos observar na obra de Copérnico que o heliocentrismo não se tratava apenas de uma abordagem teórica instrumental, mas de uma hipótese física que ainda teria vigor posteriormente, culminando na famosa revolução astronômica.

BIBLIOGRAFIA COPÉRNICO,N. Commentariolus - Pequeno comentário de Nicolau Copérnico sobre suas próprias hipóteses acerca dos movimentos celestes. Tradução, introdução e notas de Roberto A. Martins. Editora da Física, 2º ed, São Paulo. 2003 CORONADO, G. Nicolas Copernico: Reorganizador de los cielos. Revista Repertorio Científico. EUNED.. Vol 2, N°1. San Jose – Costa Rica.1994. Disopnível em , Acesso em 12 de setembro de 2014 FRANCIOTTI, M. A, Copérnico e a Tradição Aristotélica. Jornal A Notícia, Ediçãode 15 de Dezembro de 1991, disponível em <www.cfh.ufsc.br/wfil/cope.htm>, acesso em 12 de setembro de 2014. MARTINS, R.A. Introdução Geral ao Commentariolus de Nicolau Copérnico. In COPÉRNICO, N. Commentariolus - Pequeno comentário de Nicolau Copérnico sobre suas próprias hipóteses acerca dos movimentos celestes. Editora da Física, 2º ed, São Paulo. 2003 RIO, F. El Commentariolus de Copérnico y el heliocentrismo de Aristarco. Suit 101. 2013 - 1. Disponível em <suit101.net>. Acesso em: 12 de setembro de 2014. ____. Los siete axiomas básicos de Commentariolus de Copérnico. Suit 101. 2013 -2. Disponível em <suit101.net>. Acesso em: 12 de setembro de 2014.

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