Noticia Jornal Em - Camelos E Pirataria Em Bh 2000

  • Uploaded by: Alexandre Atheniense
  • 0
  • 0
  • December 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Noticia Jornal Em - Camelos E Pirataria Em Bh 2000 as PDF for free.

More details

  • Words: 1,073
  • Pages: 1
POLÍTICA

3 de setembro de 2000 Domingo

ESTADO DE MINAS Página 5

Ilegalidade dita a regra no Brasil ▲

Relógios roubados, CDs piratas, jogo do bicho convivem com “a lei” nas ruas das grandes cidades

ANDRÉA FATTINI

R

ua dos Caetés, esquina de avenida Olegário Maciel, no centro de Belo Horizonte. Um senhor idoso comercializa chuveiros, resistências, descargas para vasos sanitários e objetos semelhantes, espalhados sobre lona estendida na calçada. Chuveiros das marcas Lorenzetti e Fame – recolhidos em obras e receptados por ele – podem ser adquiridos pela pechincha de R$ 25,00. Nas lojas, que pagam imposto, seriam vendidos ao mínimo de

R$ 65,00, diz o próprio receptador. Ele se gaba de vender sua mercadoria até para o SOS dos Fogões, que tem filial na esquina, logo em frente a seu ponto. “As lojas vendem bem mais caro o que compram aqui, freguesa”. Mas este é apenas um exemplo. Outro tipo de comércio comum no centro de BH é a venda de relógios roubados, que ambulantes que não receberam licença da prefeitura para trabalhar ostentam tranqüilamente nas proximidades da Rodoviária, sem ser incomodados pela polícia ou por qualquer autoridade.

Ruas Tupis, Goitacases, Rio de Janeiro, avenida Paraná. O que há de comum entre elas? A pirataria é legalizada. Camelôs comercializam os mais diversos títulos de CD’s. A maioria deles é vendida a R$ 5,00, sem que os direitos autorais sejam devidamente repassados aos artistas, como determina a lei. “Compro no Paraguai e revendo todos os CD’s ao preço único de cinco reais”, diz um comerciante, que ostenta, em sua banca, tamanha variedade de discos que permite ao consumidor adquirir desde “Boleros em Inglês” até “Os maiores

sucessos de John Lennon”, passando também por “Leonardo” e “As Meninas”. Algumas bancas vendem CD’s com o selo original. Nestas, o preço da mercadoria pode chegar a R$ 12,00, no caso de títulos recém-lançados no mercado. Os mesmos CD’s custam, em lojas especializadas, o mínimo de R$ 26,00.

Jogo “BH Loterias”. Placas como esta estão espalhadas por diferentes pontos do centro, sobretudo ao longo da avenida Paraná. Normalmente, são

postas no início de becos. O cliente que chega ao fundo encontra bares, com sinuca, bebida e, é claro, o tradicional jogo do bicho. Essa modalidade de jogo, definida como contravenção penal, convive harmoniosamente com as casas lotéricas comuns, que dispõem de alvará para funcionar. Há becos do bicho exatamente ao lado de lotéricas autorizadas pelo governo – que, por sinal, lucra com os dividendos das apostas da Sena, Megasena, Telesena e tantas outras variações de jogos numéricos e loterias estaduais e federais.

As polícias Militar e Civil fazem vista grossa. Quiosques da PM destinados a manter a segurança do cidadão que circula pelo centro funcionam bem perto das bancas de pirataria e dos pontos de jogo do bicho. Carros da Polícia Civil também passam continuamente por estes locais. Ninguém reclama. Assim é no País conhecido pelo tradicional jeitinho brasileiro. Aqui, a impunidade dos políticos e dirigentes se reflete sobre a ilegalidade socialmente tolerada para garantir a sobrevivência das camadas mais pobres da população, que vivem da informalidade.

Lei é artigo secundário no Brasil da pirataria É muito difícil tratar a questão da ilegalidade no Brasil, admite o jurista Ives Gandra. A maior ilegalidade, cita, é a própria economia informal. ‘‘Trata-se da economia de sonegação, em que ninguém paga imposto’’. Segundo o especialista, entre 33% e 40% da economia brasileira funciona na informalidade. O resultado? Competitividade desleal, que leva os que pagam tributos a serem sobretaxados pelo governo. Mas também existe o outro lado da moeda, afirma o jurista. Na medida em que a carga tributária é muito alta no Brasil, estimula-se a economia informal. Os desperdícios, a corrupção e a má aplicação do dinheiro público, observa, levam o brasileiro a apelar para a informalidade, situação que acaba criando um ciclo vicioso. ‘‘O governo é incompetente em matéria de política tributária e desperdiçador de recursos públicos’’, critica. Neste quadro, analisa Gandra, apesar das relações de trabalho fora da lei, em que não é sequer recolhida Previdência, grande parte das empresas que atuam na informalidade o fazem por questão de sobrevivência. ‘‘A carga tributária aqui representa 33% do Produto Interno Bruto nacional. No Japão e Esta-

dos Unidos, ela corresponde a 29% do PIB. Mas, enquanto nestes países o tributo é compensado pelos serviços públicos prestados, no Brasil o cidadão é obrigado a se autoprestar esses serviços’’.

Tolerância O jurista mineiro Sacha Calmon chega a pregar a tolerância para certo tipo de contravenção, como o jogo do bicho. ‘‘Este é um costume que vem dos primórdios da República, senão do Império. Foi um barão do Rio de Janeiro que criou a Loteria dos Bichos. O governo proíbe o bicho, mas torna o jogo vendido nas loterias fonte de receita. Receita de prognóstico é um eufemismo, que significa jogo. A Loteria é um jogo do bicho com números’’. No que diz respeito à pirataria e à venda de mercadorias roubadas, Calmon observa que é preciso penalizar severamente inclusive os co-autores destes crimes (receptadores). ‘‘A lei existe, o que não temos é governo. A polícia não toma as providências devidas porque isso não interessa ao governo, nos diversos níveis. O Estado não tutela os interesses privados. Só pensa em punir os sonegadores. Onde está o governo, que não fiscaliza?’’.

CRISTINA HORTA

Eles são os donos da rua Na luta pela sobrevivência financeira, vale tudo, inclusive o desrespeito ao direito alheio. Desde a última quintafeira, os perueiros retomaram as ruas de Belo Horizonte, em especial trechos da avenida Afonso Pena – entre eles a porta da prefeitura –, para reivindicar a regulamentação da atividade. Nem mesmo os soldados do Batalhão de Eventos da Polícia Militar, chamados para garantir a segurança e evitar tumultos, convenceram os manifestantes a desistir do bloqueio de parte da avenida. Resultado: trânsito conges-

tionado e prejuízo aos motoristas que têm compromissos a cumprir em curto espaço de tempo. A cena já está começando a fazer parte do cotidiano da cidade. Com excesso de liminares que tramitam na Justiça, os perueiros preferem pressionar a aguardar qualquer decisão dos tribunais. A prefeitura mostra concreta dificuldade em tratar o problema, que é mais profundo, pois envolve toda a questão do deficitário transporte coletivo urbano. Enquanto isso, a situação se arrasta, em clima de confronto e em prejuízo da comunidade.

EULER JR

O JEITINHO brasileiro é a mercadoria oferecida pelos camelôs: de relógio falso a CD pirata, vale tudo

EULER JR

Related Documents


More Documents from "Alexandre Atheniense"