Mario Covas - Acervos De Personalidades

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FUNDAÇÃO MARIO COVAS

em revista

ano 1 - março 2009 - n º 3

Em revista

acervos de

personalidades

editorial

Dançando com acervos Detalhista, minucioso, perfeccionista, Mario Covas não tomava decisões sem ter estudado a fundo o assunto. Não importava se fosse a construção de um viaduto ou o enfrentamento de um adversário político, a recepção a um chefe de Estado ou o rumo de uma campanha política. Pedia constantemente informações a seus assessores diretos e não aceitava meias respostas, dados incompletos. Era um exigente assumido. Mas, ao mesmo tempo em que desesperava o pessoal de gabinete, Covas gerava um volume enorme e importante de documentos em todo cargo público que exercia. O resultado desse detalhismo é o acervo que a Fundação Mario Covas tem o prazer de preservar. E se o acervo Mario Covas tem a marca da minúcia, o que caracterizaria outros arquivos pessoais? Como a Fundação poderia aprender com a experiência de outras instituições de preservação de memória? Como poderia compartilhar sua experiência? Assim nasceu a ideia do Seminário Acervos de Personalidades, que realizamos nos dias 20 a 22 de agosto de 2008, na sede da Fundação, reunindo arquivistas e historiadores responsáveis por acervos diversos, de vários Estados do país e até de Portugal. Nos três dias do evento, conhecemos o trabalho do Centro 25 de Abril com os documentos sobre a Revolução dos Cravos, que devolveu a democracia a Portugal. Aprendemos com a abordagem organizacional adotada pela Casa de Oswaldo Cruz para os arquivos dos cientistas. Descobrimos porque o desprendimento do escritor Erico Verissimo complica a montagem de seu acervo literário e a Fundação Energia e Saneamento tem tantas fotos de São Paulo. Nos entristecemos com as dificuldades do Centro de Memória da Bahia em obter recursos para manter suas preciosidades históricas. E nos alegramos com a bemsucedida iniciativa da Unicamp de preservar a memória da região de Campinas. O olhar de cada palestrante sobre o patrimônio histórico, cultural, científico ou arquitetônico que cuida é o que veremos nas próximas páginas. Cada um com sua trajetória, suas peculiaridades, suas marcas. Inclusive o nosso.

Antonio Carlos Rizeque Malufe Presidente da Fundação Mario Covas

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

3

Índice

Fotoclip

4



6

Em debate, os arquivos

8

Tudo em ordem no acervo Covas

12

Lei Rouanet viabiliza Centro de Memória

16

Enfim, a sede própria

18

O fio condutor de uma vida

22

“Temos de ir mais fundo no acervo”

26

Quando a pessoa é maior que o cargo

30

A minúcia dá o tom do arquivo

32

Luz, gás, água e preservação

36

No 25 de Abril, o particular é público

38

Revolução com cravos

42

Existe arquivo inocente?

43

Todo documento é importante

44

A COC na rota dos cientistas

48

Dos prédios aos documentos

53

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA



A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

108 anos de saúde

54

Facilidades para o pesquisador

56

CMU, o guardião da memória de Campinas

58

Francisco Glicério contra o rei

61

Adolfo Gordo e a primeiras leis da República

63

Grama e Izalene, prefeitos com acervo preservado

64

A memória da Bahia

66

Uma história de persistência

70

O palácio Rio Branco

72

Pedro Calmon, filho de Amargosa

73

Erico Verissimo reúne o acervo

75

Em busca de um espaço

79

Da farmácia à glória literária

81

“Lidar com o ALEV é um privilégio”

83

Créditos

86

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

5

fotoclip

Raquel Freitas, coordenadora do Centro de Memória da Fundação Mario Covas, em palestra no seminário

Em debate, os arquivos Profissionais arquivistas discutem os desafios da preservação de acervos de personalidades em Seminário da Fundação Mario Covas

Como preservar os documentos pessoais da melhor forma possível e, com eles, registrar a trajetória das personalidades que fizeram história na política, nas artes, na ciência e em outras áreas? A questão foi discutida em profundidade por profissionais arquivistas de várias entidades nos dias 20, 21 e 22 de agosto de 2008, durante o Seminário Internacional Acervos de Personalidades: Desafios e Perspectivas. Promovido pela Fundação Mario Covas (FMC) em sua sede, o evento marcou a inauguração do Centro de Memória e o lançamento do Guia do Acervo. 8

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Natércia Coimbra fala sobre a preservação de acervos de personalidades públicas em Portugal

A atuação das entidades dedicadas à manutenção

A instituição, ligada à Universidade de Coimbra,

de acervos de personalidades ainda é pouco

reúne cerca de 3 milhões de documentos

difundida no Brasil, mas o seminário realizado

referentes ao movimento que restabeleceu a

pela Fundação Mario Covas mostrou a importância

democracia no país, em 1974, após décadas de

de ações de preservação da memória como legado

convivência com o regime ditatorial salazarista.

para as gerações futuras e o aperfeiçoamento

“Ao longo dos anos, o 25 de Abril se tornou

da cidadania. Na grande maioria dos países

o principal depósito documental da história

europeus, iniciativas como as empreendidas

recente de Portugal. É nosso dever não esquecer

pela FMC têm tradição e contam com respaldo

e não deixar perder a memória contida em nossos

governamental, como se pode constatar ao

arquivos”, afirmou em sua palestra.

conhecer a bem-sucedida experiência do Centro de Documentação 25 de Abril, de Portugal.

De volta à democracia

O arquivista, segundo Natércia Coimbra, tem um papel crítico e fundamental na construção da narrativa sobre a trajetória da personalidade: “Mais do que um relato histórico e imparcial,

No primeiro dia de palestras do seminário, a

os nossos arquivos precisam ser transparentes”,

professora Natércia Coimbra, coordenadora do

disse à audiência da Fundação Mario Covas.

Centro de Documentação 25 de Abril, falou sobre

O 25 de Abril foi o primeiro centro de memória

acervos de personalidades públicas em Portugal.

português a ter uma página na internet e a

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

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Luis Sergio Matarazzo, diretor secretário da FMC, abre o evento com Natércia Coimbra e Raquel Freitas

primeira biblioteca do país – com 8 mil volumes

Os desafios e perspectivas de instituições de

– a oferecer sua base de dados via web.

memória foram o tema da palestra de Consuelo Novais Sampaio, da Fundação Pedro Calmon. A

Experiência brasileira

entidade cuida do acervo político do Estado da Bahia e vivia, na ocasião, o drama da redução de

Profissionais de centros de memória sediados em

recursos e da mudança de sede.

diferentes Estados brasileiros deram inestimável

10

contribuição ao seminário. Maria da Glória

Numa

Bordini, professora da Universidade Federal

Antonio Abrahão falou do trabalho do Centro de

do Rio Grande do Sul, falou de sua experiência

Memória Unicamp, órgão de uma universidade

com o acervo literário do escritor gaúcho Erico

pública estadual dedicado à preservação de

Verissimo, na ocasião ainda sem sede definitiva

acervos pessoais de personalidades da região de

e condição de ser aberto à pesquisa pelo público.

Campinas, interior paulista.

Paulo Roberto Elian dos Santos, vice-diretor

Raquel Freitas, coordenadora do Centro de

da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz, no Rio de

Memória Mario Covas, e Marcia Pazin, especialista

Janeiro, discorreu sobre os acervos dos cientistas

em organização de arquivos, falaram de sua

brasileiros. Dadas as especificidades dos arquivos

experiência na organização da memória Covas,

desses profissionais, a entidade adotou a

suas dificuldades e vitórias. Há atualmente no

organização dos documentos por função exercida

Centro de Memória milhares de documentos

pelo cientista, numa abordagem inovadora.

textuais, 3.639 audiovisuais, 1.918 tridimensionais

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situação

mais

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confortável,

Fernando

e outros 11.402 documentos fotográficos. Seu acervo conta a trajetória política de Mario Covas, desde a militância na cidade de Santos, onde nasceu, até o período em que governou o Estado de São Paulo, passando pela atuação como deputado federal, prefeito nomeado da cidade de São Paulo e senador da República. Contando com uma audiência de mais de cem profissionais ligados à preservação de memória, o seminário atingiu plenamente seus objetivos. Em primeiro lugar, o evento abordou temas relevantes para a área, entre eles experiência de organização de acervos de personalidades, construção da memória e potencial de pesquisa, acervos literários e de cientistas, desafios e perspectivas de instituições de preservação da

Integrantes da equipe do Centro de Memória participam do evento como ouvintes

memória. O seminário também funcionou como um meio de divulgação das metodologias de trabalho e estabeleceu um canal de comunicação entre o Centro de Memória Mario Covas e as outras instituições, fundamentais para o desenvolvimento das técnicas arquivísticas.

Profissionais arquivistas e historiadores compõem a audiência do Seminário Acervos de Personalidades

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Tudo em ordem no acervo Covas Em um ano e meio, a equipe do Centro de Memória organizou o arquivo, publicou o Guia do Acervo e abriu as portas para a pesquisa

Preservar, organizar e dar acesso público ao legado do ex-governador Mario Covas é a missão cumprida com muito trabalho e persistência pela Fundação Mario Covas. Mas como foi que isso se deu? Quem contou a história à audiência do Seminário Acervos de Personalidades foi Raquel Freitas, profissional com 13 anos de experiência na preservação e montagem de acervos, que chegou em março de 2007 à Fundação para executar o projeto de implementação do Centro de Memória. Técnico do Centro de Memória trata fotografia

Criada em 21 de abril de 2001, a Fundação Mario Covas passou três anos em fase de garimpagem de documentos. Ex-assessores, amigos e familiares do ex-governador recolheram a documentação para formar o acervo. Em seguida, realizaram-se vários estudos para a captação de recursos que viabilizassem a organização do material coletado. Um projeto estribado na Lei Rouanet (leia texto na página 16) foi então elaborado, encaminhado ao Ministério da Cultura e aprovado em meados de 2006. Seis meses depois, os primeiros aportes foram feitos, e Raquel Freitas, contratada. A documentação inicial do acervo Mario Covas foi recolhida nas diversas áreas de apoio ao exgovernador do Palácio dos Bandeirantes, como a secretaria particular, as assessorias de imprensa, de gabinete e a especial, além do núcleo de gerenciamento de informações administrativas responsável pelo protocolo do gabinete. Posteriormente foram incorporados documentos doados pela esposa, dona Lila, a filha, Renata Covas, e outros familiares. Toda a coleta foi feita por um grupo de assessores que davam suporte às ações de Mario Covas, buscando as informações necessárias para ele tomar decisões.

A organização Com o primeiro aporte de recursos, no final de 2006, iniciaram-se os trabalhos de organização

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do material. “Tínhamos um ano para montar o acervo, um prazo muito corrido”, disse Raquel Freitas à audiência do seminário. “Até porque o arquivo sofreu três mudanças de local, o que dificultou bastante o nosso trabalho.” Para começar, Raquel fez a leitura das atas da Fundação Mario Covas para entender sua formação, como o acervo chegou, os relatórios produzidos nesse processo e sua transferência para a sede, além do material sobre a trajetória política do ex-governador. Depois, tratou de conhecer o projeto Cultura, Política e Cidadania, a Organização da Memória Covas. Após dois meses se inteirando dos fatos, traçou as diretrizes para a execução dos produtos definidos no projeto. Com o apoio de patrocinadores, foi possível instituir o Centro de Memória, cuja missão é resgatar, preservar, organizar e tornar disponível o acervo, que constitui ação relevante para preservar a história brasileira e oferecer novas fontes de pesquisa. “Queremos ser referência em centro de memória, organizar e tornar acessível ao publico o patrimônio documental, desenvolver projetos culturais e educativos voltados para a responsabilidade da preservação patrimonial, incentivar e apoiar ações no âmbito da preservação dos acervos de caráter relevante

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Trainéis deslizantes acomodam os diplomas e títulos recebidos por Mario Covas em sua vida pública

para a história brasileira e fortalecer a imagem da Fundação”, disse Raquel Freitas. O segundo passo foi a formação de equipe técnica. “Nos preocupamos em contratar pessoas com boa formação, introduzi-las nas teorias de arquivística e trabalhar muito pontualmente. Foram quase quatro meses e meio de leitura, reuniões sobre a história de Mario Covas e de como trabalhar com a norma de descrição arquivística ISAD(G)”, afirmou. Foram contratados inicialmente dois técnicos documentalistas, que passaram por um processo de integração e treinamento. Diversos profissionais, entre pesquisadores, consultores ligados à organização e à preservação de acervos, deram sua contribuição ao projeto.

As quatro fases O trabalho foi dividido em quatro fases de organização: o acervo textual, o audiovisual, o fotográfico e o tridimensional. O registro topográfico foi feito já no banco de dados, o que possibilitou atender aos pedidos de consulta dos pesquisadores, abrir o acervo para o público. “Em um ano e meio saímos do zero em instrumentos de controle da documentação para números significativos: 1.167 caixas de documentos textuais, 3.639 documentos audiovisuais – fitas

VHS, cassete, Betacam –, 1.918 objetos e 11.042 documentos fotográficos”, disse a coordenadora do Centro de Memória. O registro topográfico desses documentos possibilitou uma visão panorâmica do acervo, importante para a concepção do Guia do Acervo. “Agora nós estamos caminhando para o inventário e o catálogo. Até o início de 2009 vamos disponibilizar o acervo fotográfico e o de honrarias em catálogo no nosso banco de dados.” A rotina de atendimento de pesquisa foi colocada no módulo de atendimento do sistema, de forma a manter o controle das informações liberadas para consulta, de que forma elas serão utilizadas, a quem estão sendo cedidas e o que o usuário fará com elas. O módulo de atendimento à pesquisa estabelece as etapas para o cadastramento e o controle das informações abertas aos usuários. O Guia do Acervo foi o primeiro instrumento de pesquisa elaborado para os acervos organizados. “Mais do que isso, foi um mecanismo de conhecimento da documentação e do acervo de um modo global, permitindo a análise do ponto de vista de sua criação e acumulação, das características físicas e do suporte dos gêneros documentais. Foi possível encontrar até negativo fotográfico de vidro e as cartas

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que Mario Covas escreveu quando esteve preso no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), resgatando todos os sentimentos que ele relata ali”, disse Raquel. Um material muito interessante, segundo a coordenadora do Centro de Memória, é o que abrange os dois períodos de doença do ex-governador. “A população mandou muitas cartas para ele, quase 14 mil cartas. Dá até para fazer um estudo sociológico sobre a comoção popular em relação à doença dele, os conselhos que davam. Há cartas em que relatam que tiveram um sonho, que tudo iria dar certo.” Após a abertura do acervo à pesquisa, foram atendidas até o primeiro dia do seminário 46 consultas, mesmo sem divulgação. “Agora temos a ajuda de uma assessoria de imprensa para divulgar que o Centro de Memória existe e está aberto à consulta, que é possível consultar o Guia online. Com isso, acreditamos que esse número cresça e muito.” Afinal, trata-se de um acervo de interesse geral, organizado com recursos públicos e que tem como meta ser aberto à população. Durante sua exposição, Raquel mostrou uma foto do acervo em fase de organização na antiga sede. Era um verdadeiro quebra-cabeças. “Mas a equipe se empenhou e nós conseguimos organizá-lo”, disse Raquel, lembrando que toda a organização feita no Palácio dos Bandeirantes era de arquivo

corrente e possuía uma ficha catalográfica muito próxima da utilizada em biblioteconomia. “Nós tivemos todo o trabalho de analisar essas fichas do Palácio para saber qual ação iríamos colocar adiante em relação à formatação do Guia do Acervo. Depois, com recursos obtidos com os patrocinadores, conseguimos chegar à sala climatizada, equipada com iluminação correta, arquivos deslizantes, material de acondicionamento adequado, material de proteção para os nossos técnicos documentalistas, e comprar os trainéis para pendurar os quadros. Por fim, com a compra da sede, conseguimos ter uma sala exclusiva para o acervo.” Na sala de triagem, explicou Raquel, é feito todo o tratamento técnico do acervo, como tirar cola de foto, limpar documento. Há uma sala de reserva técnica, onde todos entram de avental, trabalham de luva e máscara e limpam as mãos com álcool. “Tivemos problemas com cupins nos quadros, o que nos obrigou a chamar um especialista para eliminá-los. Há uma série de critérios que temos de obedecer e fazer valer os princípios para que nosso trabalho seja a cada dia mais qualificado. Temos de lutar por esses princípios, mostrar que nós temos qualidade técnica e disponibilizar esses acervos para consulta”, finalizou a coordenadora do Centro de Memória da FMC.

Na sala climatizada, técnicos do Centro de Memória da Fundação Mario Covas arquivam documentos

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A Fundação Mario Covas organizou

1.918

objetos

3.639

documentos audiovisuais

1.167

caixas de documentos textuais

11.042 fotos

14 mil é o número de cartas enviadas pela população desejando melhoras a Covas, todas integrantes do acervo da FMC

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

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Troféus, salvas, honrarias, esculturas e outros presentes diplomáticos integram o Acervo Mario Covas

LEI ROUANET VIABILIZA

CENTRO DE MEMÓRIA Projeto aprovado pelo Ministério da Cultura permitiu a captação de recursos para a organização do acervo MARIO COVAS

1,071 milhão de reais foi quanto a FMC pôde captar na iniciativa privada

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O Centro de Memória da Fundação Mario Covas contou com recursos captados por meio da Lei Rouanet para organizar seu acervo e tornálo acessível à pesquisa do público. O projeto Memória Mario Covas, elaborado com esse fim, foi aprovado pelo Ministério da Cultura no dia 23 de maio de 2007, permitindo que a Fundação captasse na iniciativa privada 1,071 milhão de reais até o final do mesmo ano. Os objetivos iniciais do projeto eram a criação de infraestrutura, a realização das primeiras etapas de organização, a implementação do sistema de informatização e da recuperação da informação,

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

O que é a Lei Rouanet o lançamento do primeiro instrumento de pesquisa - o Guia do Acervo -, a realização de um seminário e o lançamento de cinco publicações relacionadas ao acervo, além de abri-lo ao público em geral. Todos foram cumpridos, incluindo esta revista, uma das cinco publicadas pela Fundação Mario Covas em março de 2009.

Decretada em 23 de dezembro de 1991 pelo presidente da República Fernando Collor de Mello, a Lei Federal de Incentivo à Cultura (nº 8.313/91) prevê incentivos fiscais a empresas e indivíduos que desejem financiar projetos culturais. Entre outras medidas, permite deduzir do Imposto de Renda até 100% do valor investido em um projeto cultural, de acordo com o enquadramento.

A ideia por trás do projeto era compartilhar o legado, sob a guarda da Fundação, da trajetória de 40 anos de atuação pública de um líder que, com extremo senso de justiça, dedicou sua vida ao bem comum. A Fundação tem como preceito básico preservar e propagar o ideário de Covas, mediante a sustentação dos princípios da ética e da transparência que balizaram sua trajetória.

É conhecida também por Lei Rouanet porque sua criação se deve a Sérgio Paulo Rouanet, secretário de Cultura de Collor. Rouanet é diplomata, filósofo, antropólogo, tradutor, ensaísta e membro da Academia Brasileira de Letras desde 1992.

O acervo é composto por documentos que mostram o cotidiano de um homem público, atuando no cenário do Legislativo, à frente da municipalidade e na gestão do principal Estado brasileiro. São cartas, relatórios, estudos, atos, cartazes, programas de governo, prestações de contas, discussões temáticas, coberturas fotográficas de ações oficiais, campanhas políticas, entrevistas, publicações, artigos e matérias jornalísticas, fotografias, vídeos, correspondências e outros tantos e diversos documentos.

Acervo fotográfico Mais um projeto da Fundação Mario Covas encontrou amparo na Lei Rouanet. Em 1º de dezembro de 2008, o Diário Oficial da União publicou a aprovação do projeto de Doação e Digitalização do Acervo Fotográfico de Mario Covas pelo Ministério da Cultura, durante a 155ª reunião do Conselho Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). Com a aprovação na categoria de Patrimônio Cultural, no art. 18 da lei, a Fundação poderá captar 1, 073 milhão de reais com 100% de isenção fiscal para os patrocinadores. Os recursos serão aplicados para digitalizar, classificar e tratar mais de 330 mil cromos, doados pela A2 Comunicação. Está prevista ainda a produção de DVDs, além de um livro e uma exposição. A FormArte Projetos, Produção e Assessoria Ltda., sob a responsabilidade de Rosana Dellelis, e o Centro de Memória Mario Covas estão produzindo uma publicação especial de apresentação do projeto, que irá auxiliar na captação dos recursos necessários.

O MECENATO

Projetos com captação de recursos por ano, NO BRASIL Ano

Nº de projetos

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

1.095 1.212 1.371 1.542 2.041 2.471 2.908 3.172 1.863

Fonte: Ministério da Cultura

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Busto de Mario Covas no saguão da sede própria da FMC

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Enfim, a

sede própria

A Fundação Mario Covas mudou várias vezes de endereço até chegar ao definitivo, no coração de São Paulo Dois andares de um prédio na rua 7 de Abril, no centro de São Paulo, abrigam a sede própria da Fundação Mario Covas desde o início de 2008. Encontrar o endereço definitivo foi uma longa batalha, iniciada logo após a criação da entidade, em 21 abril de 2001. Dentre as possibilidades analisadas pela diretoria, na época, a preferida foi o aluguel de uma instalação provisória, enquanto se estudava a viabilidade de compra de uma sede definitiva ou de um terreno onde construí-la. Conseguiu-se algo melhor: a cessão, a título gratuito, de um casarão à rua Tavares Bastos, no bairro paulistano da Pompéia. O imóvel necessitava uma reforma, e ela foi realizada.

Além da troca de toda a instalação hidráulica e elétrica, as obras incluíam novos espaços destinados a um auditório, salas de reunião e banheiros. Um dos locais mais atraentes era o chamado Bar da Praia, um quiosque coberto de sapé, no quintal dos fundos, ambiente informal, onde surgiram várias idéias para o desenvolvimento da Fundação. A sede provisória foi inaugurada em abril de 2002, com uma exposição fotográfica intitulada “A Ação Conforme a Pregação”, que mais tarde se tornaria itinerante, percorrendo inúmeras cidades paulistas. A exibição documentava passagens significativas da vida de Covas, desde a formatura na Escola Politécnica, em 1955, até as últimas realizações de sua segunda gestão no governo de São Paulo, 45 anos mais tarde. Instalada a sede, começou a organização do acervo. A ideia do acervo partira do próprio Mario Covas. Entre o final da campanha vitoriosa em 1994 e o início de sua gestão do Estado de São Paulo, ele externara sua preocupação em preservar a memória de seu governo, algo que

lamentava não ter feito durante sua passagem pela prefeitura paulistana (1983-1985) nem em sua vida parlamentar como deputado e senador. Essa foi a origem do projeto Escriba, organizado por Lúcia Maria dal Médico. O material coletado em todas as secretarias servia a dois objetivos. O primeiro deles era alimentar o “Você sabia?”, um informativo destinado ao grande público. O segundo era a constituição de um acervo. Os recortes da imprensa, vídeos e fitas de áudio eram todos guardados. Os que Mario Covas considerava especialmente importantes eram merecedores de uma classificação especial. Do Palácio dos Bandeirantes, onde estava, esse material foi transferido para uma pequena casa alugada pela Fundação Mario Covas enquanto reformava-se a sede. Verificou-se logo que, apesar de extensa, essa documentação referiase exclusivamente aos anos de governo. Todo o resto encontrava-se espalhado com a família e os amigos e nos arquivos da Câmara, do Senado e da Prefeitura. Graças à boa vontade de todos, esse material começou a afluir à Fundação.

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Painel com os fatos mais marcantes da trajetória de Mario Covas na entrada da sede da Fundação

Na sede da rua Tavares Bastos, cuidou-se de organizar os cursos sobre política. Destinavam-se a preencher uma lacuna na educação dos jovens entre 16 e 18 anos. Essa faixa etária não conhecera as lutas em prol de democracia conduzidas pelas gerações anteriores. E também desconhecia, pois ainda não haviam chegado aos livros escolares, as conquistas da Constituição de 1988, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor ou o fortalecimento do Ministério Público.

com 10 mil reais. Todas as reformas necessárias foram novamente efetuadas. Nas instalações definitivas da nova sede, mais amplas e apropriadas, foi possível dar acesso ao público, organizar exposições e seminários. Ao abrir essa massa de documentos para a população, a Fundação presta um serviço não apenas à memória de Mario Covas, mas a todos os interessados na história e nos seus reflexos atuais na vida política do Brasil.

Além desses cursos realizados de forma permanente, a Fundação Mario Covas passou a realizar seminários sobre a administração pública baseada na eficiência, nos postulados da democracia e no respeito ao contribuinte. Quando a Notre Dame Seguros S/A, empresa proprietária do imóvel da rua Tavares Bastos, solicitou a sua devolução, a entidade se transferiu para o edifício Bandeira, antigo Joelma, no centro da cidade, onde ficou por seis anos, até a compra da sede definitiva, no início de 2008. As novas instalações ocupam dois andares de um prédio da rua 7 de abril. A aquisição foi conduzida por Antonio Carlos Malufe, presidente da Fundação desde abril de 2006, em substituição a Osvaldo Martins. O contrato assinado com a Fundação Porto Seguro, do Colégio Porto Seguro, proprietária do imóvel, estabelece um preço de 300 mil reais, sendo 40 mil de entrada e 26 parcelas mensais de 10 mil reais cada. Essas quantias foram asseguradas por doações de empresas e associações, cada uma delas se comprometendo

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Trecho de discurso de Covas destaca exposição permanente

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Capa do Guia do Acervo, primeira publicação do Centro de Memória da Fundação Mario Covas

O fio condutor de uma

vida

O Guia do Acervo reconta a história de Mario Covas desde antes de seu nascimento até pouco depois de sua morte

O Guia do Acervo, primeira publicação do Centro de Memória da Fundação Mario Covas, foi lançado no dia 20 de agosto de 2008. Elaborado com base nas normas estabelecidas pela ISAD (G) – International Standard of Archival Description (General) e pela Nobrade – Norma Brasileira de Descrição Arquivística, o Guia descreve a estrutura do acervo e traz textos complementares sobre sua implementação, além do perfil e da cronologia de vida de Mario Covas.

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Raquel Freitas e Antonio Carlos Malufe mostram diplomas e certificados de Covas a visitantes da FMC

O Acervo Mario Covas é composto, principalmente, por documentos de ordem familiar e privada,

Documentos pessoais 1901 - 2001

além daqueles produzidos e acumulados nos gabinetes de trabalho, durante os mandatos

Fazem parte do grupo de documentos pessoais

exercidos como deputado, prefeito nomeado,

e

senador e governador.

casamento, óbito e do processo de divórcio

familiares

as

certidões

de

nascimento,

dos pais de Mario Covas. Há também a carteira O maior volume de documentos refere-se aos

de identidade, o comprovante de registro no

últimos anos da vida de Mario Covas, durante

Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal,

os dois mandatos à frente do governo do Estado

os passaportes (diplomático e pessoa física),

de São Paulo, uma vez que a documentação

carteiras funcionais, carteiras de sócio de clubes,

foi recolhida inicialmente no gabinete do

documentação relacionada ao status maçônico,

governador. Posteriormente, foram incorporados

boletins escolares e diplomas, entre outros. O

ao acervo os documentos familiares doados pela

acervo dispõe ainda de um número expressivo

esposa, Florinda Gomes Covas, e a filha, Renata

de fotografias de família, formaturas, jantares e

Covas, com destaque para os álbuns de fotos.

outros eventos sociais de caráter privado.

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Campanhas eleitorais 1961 – 2000

o acervo dispõe de folhetos, cartazes, adesivos, calendários e jornais de campanha – publicações divulgando as realizações do candidato em

A documentação refere-se aos períodos de: 1961,

cargos

quando Mario Covas candidatou-se à Prefeitura

Constam também bandeirolas, bonés, bottons,

de Santos; 1962, ao concorrer a deputado

leques, camisetas, brincos, bexigas, chaveiros,

federal, e 1966, pleiteando a reeleição; 1982, ao

saca-rolhas, réguas, apitos, caixas de fósforos,

candidatar-se a deputado federal, após o período

lixas de unha, flanelas, aventais, copos, batons,

de cassação; 1986, quando disputou uma vaga

frasco contendo pó de guaraná e canetas.

públicos

exercidos

anteriormente.

no Senado; 1989, com a campanha presidencial; 1990, ao candidatar-se ao governo do Estado de

Cargos públicos

São Paulo; 1994, em que foi novamente candidato ao governo, e, em 1998, à reeleição. Da campanha

Dos três mandatos de Mario Covas como

de 2000, há documentos sobre ao apoio de Mario

deputado federal, o acervo possui preciosidades,

Covas a candidaturas municipais.

como a documentação referente ao processo de

Administração de campanhas

cassação. Entre os pronunciamentos do deputado, destaca-se o discurso realizado em defesa de Márcio Moreira Alves às vésperas da edição do Ato

Os documentos abrangem planilhas de custos,

Institucional nº 5. Há também projetos de lei,

pesquisas, comprovantes e relatórios de apuração

emendas, pareceres e requerimentos.

do Tribunal Superior Eleitoral, relatórios, alguns com registros fotográficos, de acompanhamento

O conjunto de documentos da gestão de Covas

dos serviços prestados às campanhas, cadastros

na Prefeitura de São Paulo (1983 – 1985) contém

de contribuintes de campanhas, listagens com

sua indicação pelo governador Franco Montoro e

endereços de diretórios e comitês eleitorais,

o processo de nomeação. Mario Covas foi o último

crachás utilizados em comícios, carimbos e

prefeito “biônico” da cidade.

papéis em branco timbrados com logomarcas de campanha, correspondência entre diretórios.

A documentação referente à atuação como senador (1987 – 1994) inclui registros da

Documentos partidários e planos de governo

Assembléia

Nacional

Constituinte,

na

qual

exerceu a liderança da bancada do PMDB, além da participação na CPI que culminou no processo de

O acervo conta com estatutos e diretrizes

impeachment do então presidente da República

partidárias,

Fernando Collor de Mello.

nos

quais

são

condensadas

orientações políticas, além das propostas de governo, tanto em escritos preliminares que se

Da gestão no governo do Estado de São Paulo

caracterizavam por textos sujeitos à discussão

(1988 – 2001), constam tanto os documentos

nos conselhos partidários, como em brochuras

produzidos no gabinete como aqueles coletados

para a divulgação das propostas nas campanhas.

e armazenados com objetivo de acompanhar as atividades desenvolvidas pelos órgãos e empresas

Promoção de campanhas

públicas, além do acompanhamento de serviços prestados por empresas privadas contratadas.

Os

24

materiais

promocionais

utilizados

em

campanhas políticas apresentam-se em variados

A íntegra do Guia do Acervo está disponível na

suportes e formatos. Dos materiais impressos,

internet, no endereço www.fmcovas.org.br.

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Comendas recebidas por Covas em exposição permanente na sede da FMC

“Temos de ir mais fundo no acervo” A catalogação de honrarias e 17 álbuns de fotos é o próximo passo de Raquel Freitas, coordenadora do Centro de Memória Mario Covas, na organização do acervo

Depois de identificar cada peça, o Centro de Memória Mario Covas começa a aprofundar a organização do acervo. “Estamos

catalogando

primeiro

as

honrarias, porque são peças delicadas”, diz Raquel Freitas, coordenadora do Centro. Em entrevista após o seminário, Raquel avalia a contribuição do evento para a FMC e conta quais são seus planos para o acervo e os maiores desafios que enfrentará para estar com tudo catalogado até 2011. Acompanhe.

26

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

FMC – O que o Seminário trouxe de contribuição para o Centro de Memória MARIO COVAS? RAQUEL FREITAS – Foi uma troca de informações muito rica. Cada palestrante expôs uma realidade de trabalho muito diferente da dos outros. A professora Consuelo Novais Sampaio, da Fundação Pedro Calmon, por exemplo, está numa situação delicada, porque o governo da Bahia diminuiu a verba destinada ao projeto. Como se não bastasse, ela terá de deixar o palácio onde fica o centro de memória, porque pediram o prédio. A professora Maria da Glória Bordini, dona de uma formação belíssima na análise da literatura de Erico Verissimo, não tem um lugar definitivo para o acervo. Os documentos estão numa sala fechada, não há como organizar. FMC – Quais acervos estão em melhor situação? RAQUEL FREITAS – O Centro de Memória da Unicamp é um deles. Fica dentro da universidade, que reconhece a importância do centro de preservação da memória. Além disso, gera pesquisa, porque vende prestação de serviço. Achei isso muito legal. A Casa de Oswaldo Cruz vive de pesquisa. Lá é tudo bem organizado, com uma equipe estruturada. Na Fundação Mario Covas, nós temos a infraestrutura. Agora, o desafio é ampliar as possibilidades de pesquisa, ver o que a gente pode tirar de informação desse acervo. FMC – Em relação às realidades que o seminário expôs, em que momento está a Fundação Mario Covas? Você acha que o caminho adotado está correto? RAQUEL FREITAS – Acho que sim. A primeira coisa que nós fizemos aqui foi abrir o acervo para a consulta, democraticamente. É um legado para todos os brasileiros. O primeiro passo foi dado. Mas, em termos de organização, foi um pequeno passo. Há ainda muita coisa por fazer, temos de ir mais fundo. Já sabemos o que está aqui, temos os registros, o controle sobre o acervo, mas é só o primeiro passo. FMC – E qual é o próximo? RAQUEL FREITAS – O próximo passo é a catalogação desse acervo, entrar fundo nele. Na verdade, é o que já começamos a

fazer. Estamos catalogando as honrarias, porque são peças delicadas. Muitas estavam quebradas, não havia o mínimo controle. Então estamos tratando das comendas com um cuidado maior. Depois de catalogar todas as honrarias, passaremos para as fotos doadas por dona Lila Covas. São quase 17 álbuns com fotos belíssimas. Em seguida, vamos mexer nos conjuntos documentais, catalogar cada um. É importante detalhar, porque há quem acredite que o acervo está pronto. FMC – O que são conjuntos documentais? RAQUEL FREITAS – Conjunto documental é tudo aquilo que conseguimos referenciar a um dado período. No caso da trajetória política de Mario Covas, reunimos num conjunto, por exemplo, toda a documentação que faz referência ao período em que ele foi deputado federal. Integram esse conjunto a campanha, a propaganda política, os projetos etc. Agora, vamos pegar esse conjunto e decidir como dividi-lo, seguindo critérios de datação, de catalogação de cada documento. O acervo deve estar todo catalogado em 2011, porque há todo um trabalho de pesquisa a ser feito. As pessoas precisam entender que trabalhar com um arquivo envolve muita metodologia e pesquisa, não é simplesmente pegar e cadastrar. É preciso posicioná-lo dentro do conjunto em que está inserido. FMC – O tempo da organização é diferente. RAQUEL FREITAS – Exato. É preciso ter uma equipe mínima para projetar um prazo. Catalogar um acervo enorme em duas pessoas é muito mais demorado do que com nove. FMC – A equipe da Fundação Mario Covas é formada por quantas pessoas? RAQUEL FREITAS – Quatro pesquisadores, dois técnicos documentalistas e dois estagiários. Todos são da área de História, com treinamento em arquivística realizado internamente. Daqui para a frente, o desenvolvimento da equipe vai depender do interesse de cada um. Todos os integrantes descobriram que essa é uma outra área em que o profissional formado em História pode atuar, não precisa ser só professor, e estão buscando aperfeiçoamento. Para nós é muito importante esse interesse, porque pegamos o

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

A C E R V O S D E P E R S ON A L I D A D E S

27

acervo da Fundação Mario Covas num estágio ruim, com muitas mudanças de espaço. O maior desafio era entender o caos dessa massa documental e definir como faríamos a primeira organização, que gerou o Guia do Acervo. Foi um desafio constante e, para eles, muito mais. FMC – Vocês estão na sede própria desde quaL DATA? RAQUEL FREITAS – Desde 7 de março de 2007. O projeto foi aprovado em maio de 2006, e o primeiro aporte de recursos entrou em dezembro de 2006. A criação do Centro de Memória foi oficializada no dia 27 de abril de 2007 e, em maio, começamos a traçar as diretrizes de como iríamos trabalhar. O acervo ganhou o espaço que ele merece, tem sala climatizada, arquivos, tudo o que era essencial para começarmos a organizar a documentação considerando os instrumentos de pesquisa que o banco de dados nos dá. O banco foi montado em níveis de descrição. Qual foi o nível maior? O Guia. Agora é a vez do inventário e, depois, do catálogo. Está fácil, porque temos tudo o que precisamos, infraestrutura, computador. FMC – O seminário mostrou diversas realidades nos diferentes centros de memória. Você acredita que o Brasil está pronto para esse tipo de trabalho? RAQUEL FREITAS – Que pergunta difícil. Acho que o Brasil está no processo. Quando temos uma associação de arquivistas, criada na década de 1970 em São Paulo, movimentos iniciados pela própria gestão pública, como o arquivo do Estado, criam-se procedimentos para o tratamento de tudo isso. O Seminário mostrou também que tudo esbarra na vontade política. Eu costumo dizer que trabalhar com acervos é abraçar causas, é justificar que aquilo é importante, é correr atrás de patrocínios, batalhar para ter uma infraestrutura mínima. FMC – Preservar a memória é algo novo, as pessoas não entendem muito bem o que isso vai ser lá na frente. RAQUEL FREITAS – É verdade. O trabalho do arquivista é de pesquisa, delicado, preciso. Um acervo carece de aprofundamento e tempo para se organizar. A Fundação foi criada em abril de

28

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

2001, demorou dois anos para definir o que seria o acervo Mario Covas, levou mais dois anos para definir um projeto começarmos a executá-lo. Está tudo pronto? Não, não está tudo pronto. Estamos no processo. FMC – O que o pesquisador encontra atualmente no site da Fundação Mario Covas? RAQUEL FREITAS – Nós temos o Guia do Acervo disponível no nosso site. Isso não estava previsto no projeto original. Mas como tínhamos o banco de dados e a infraestrutura de pesquisa em ambiente web, decidimos oferecer o Guia no site. Foi uma decisão importante porque ampliou o acesso à informação para além dos 3.000 exemplares do Guia impresso. Também foi um meio de descobrirmos o perfil das pessoas interessadas em consultar o acervo. FMC – O site gerou demanda por pesquisa? RAQUEL FREITAS – Atendemos a cerca de 50 pedidos de pesquisa no período de um ano. FMC – Os pesquisadores já publicaram alguma obra baseada no material da Fundação? RAQUEL FREITAS – O livro Políticos ao Entardecer, organizado pelo cientista político Ney Figueiredo. Recebemos até um convite para ir ao lançamento, que ocorreu em novembro de 2007, na livraria Cultura, do Conjunto Nacional. Essa publicação trata do final de vida de oito políticos brasileiros de expressão. O capítulo O Político Linha Reta, escrito pelo jornalista Francisco Viana, fala de Mario Covas. A pesquisa foi realizada por Tiago Abra, que passou uma semana no Centro de Memória lendo os documentos pessoais, discursos, declarações de Imposto de Renda, tudo o que foi publicado no período da doença de Covas. Em outros casos, o pesquisador nem precisou vir à sede. Nós digitalizamos os documentos e entregamos o material pronto. FMC – O acervo deve crescer na internet? RAQUEL FREITAS – Exatamente. Vamos oferecer mais ferramentas de pesquisa via

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

RAQUEL FREITAS Bacharel em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Raquel Freitas é pós-graduada em Gestão do Conhecimento (SENAC-SP), com cursos na área de organização de acervos históricos. Desde 1992 atua na implantação e organização de centros de documentação e memória. Foi coordenadora do Centro de Memória Bunge e curadora de exposições comemorativas, tais como: Exposição Memória Bunge, São Paulo 450 anos, A História da Responsabilidade Social no Brasil, dentre outras. Desde 1995 é membro da Associação dos Arquivistas de São Paulo. Atualmente é coordenadora do Centro de Memória Mario Covas.

internet. Mais adiante, vamos agregar ao Guia do Acervo a documentação doada por Rose Neubauer, secretária da Educação do governo do Estado de São Paulo na gestão Mario Covas. Agora, precisamos divulgar mais o acervo, mostrar sua utilidade, para atrair cada vez mais pesquisadores. FMC – De que forma o Centro de Memória pretende atrair pesquisadores? RAQUEL FREITAS – Temos de trabalhar muito a pesquisa, a coisa mais séria a fazer com esse acervo. Precisamos criar instrumentos de pesquisa pontuais e, ao mesmo tempo, desenvolver ações como a do seminário, que foi uma proposta legal. Nós abrimos espaço para a discussão, para a troca de informação e para avaliar que caminho a Fundação deve tomar com o Centro de Memória. FMC – Você teve algum retorno das pessoas que FIZERAM PARTE da

audiência? COMO ELAS AVALIARAM O Seminário? RAQUEL FREITAS – Muitos vieram nos cumprimentar, agradecer a iniciativa. A Ana Luísa Correia Ferrari, da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, por exemplo, me disse que viu coisas aqui tão importantes sobre a conduta de trabalho e a trajetória de cada palestrante, que iria repensar a condução de suas atividades. Claro que há um certo padrão. Você tem de manter o acervo dentro dos padrões de conservação e preservação. É preciso ter um banco de dados, pessoas disponíveis para a pesquisa e a organização interna. O que muda é como nos posicionamos nesse acervo, e temos que estar ali como pesquisadores. No caso do Centro de Memória Mario Covas, falta cumprir a etapa que eu considero a mais difícil, que é ver quais são as temáticas possíveis que o acervo pode oferecer ao pesquisador.

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

29

Quando a

pessoa é maior

que o cargo

A personalidade forte de Mario Covas influenciou a organização do arquivo, diz a consultora MÁrcia Pazin

O que é público e o que é privado em um arquivo pessoal? Que importância têm as peculiaridades do indivíduo na formação do acervo do homem público? Essas questões foram levantadas pela historiadora e arquivista Márcia Cristina de Carvalho Pazin, em sua palestra no Seminário Acervos de Personalidades. Consultora na Fundação Mario Covas, Márcia vem auxiliando na organização do acervo desde 2007, e foi nas encruzilhadas organizacionais que emergiram das discussões sobre o que era a memória Mario Covas que ela centrou sua exposição. Veja a seguir os tópicos tratados pela historiadora.

Mario Covas em entrevista coletiva

Privado x público

pessoa

com

referências

culturais

próprias,

personalidade, desejos e interesses particulares. pessoal,

Mesmo atuando na administração pública, as

lembramos das relações privadas, mesmo que os

características pessoais é que farão com que

relacionamentos aconteçam no desenvolvimento

seu governo seja diferente. Ao mergulhar na

de uma atividade profissional ou acadêmica. É

dicotomia entre público e privado, nas relações

no âmbito privado que nos relacionamos. Mas

entre um e outro, chegamos à cultura que

quando se trata do acervo pessoal do titular de

envolve a formação desses arquivos.

Sempre

que

falamos

de

arquivo

um cargo público é preciso considerar que as suas decisões e realizações possuem abrangência

Características pessoais

oficial. Para a formação do acervo Mario Covas,

30

por exemplo, vieram documentos de uma série de

A personalidade do indivíduo influencia muito

fontes, como assessoria particular, de imprensa e

seu trabalho. Ele vai produzir um arquivo pessoal,

núcleo de documentação do governo do Estado.

mesmo atuando num cargo público, porque

Na maior parte das vezes, não nos damos conta

suas ações são escolhas pessoais que se tornam

do coletivo que está por trás do arquivo pessoal.

oficiais. As decisões estão nos arquivos das

O titular do cargo público, por sua vez, é uma

secretarias, dos ministérios, de todos os órgãos

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

governamentais. Mas tudo o que foi feito antes da tomada de decisão, da transformação de um

Gabinete, uma instituição

projeto de lei em decreto, do que quer que seja o

Formado por um grupo de assessores a serviço

documento que oficializou um ato, não está em

da pessoa e do país, do Estado, da coletividade,

lugar nenhum ou está no gabinete.

o gabinete é uma dificuldade a mais no arquivo do político. O grupo de assessores diretos é uma

Os papéis de gabinete têm uma diferença

instituição a serviço de uma pessoa, que acaba,

fundamental

documentação

ela própria, virando uma instituição. Não é só

institucional. Num arquivo institucional, de uma

com políticos que isso acontece. Artistas têm

empresa ou de um órgão público, há funções

assistentes, cientistas têm alunos e assistentes.

predeterminadas que encaminham a produção

Aliás, os cientistas mesclam as atividades de

do arquivo. Na realização dessas funções é que se

laboratório com as de pesquisa individual, uma

descortina que tipo de arquivo vai nascer ali. As

mistura muito complicada. O gabinete particular

mudanças são um pouco mais lentas, culturais,

é uma instituição política no Brasil. Juízes,

institucionais, de estrutura, mas elas têm uma

parlamentares, qualquer titular de cargo público

regularidade maior do que no arquivo pessoal,

tem um gabinete a seu serviço, e o arquivo

porque ele vai crescer com a vida dessa pessoa.

resultante é considerado seu, pessoal.

em

relação

à

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

31

Nos arquivos correntes de algumas instituições, no momento em que ocorre a troca de gabinete ou de presidência ou de juiz responsável, há uma coleta geral, um esvaziar de armários e um carregar de caixas para deixar o espaço liberado para o próximo ocupante. Essa memória segue com os indivíduos. Não temos visto a formação de acervos com esse material frequentemente. Essa documentação ainda está muito espalhada, mas há uma infinidade de titulares de cargos públicos que têm documentação abundante e que não sabe para onde enviar esse material. No Brasil, somente os acervos documentais privados dos presidentes da República são regulados por lei (decreto presidencial nº 4.344, de 26 de agosto de 2002, que regulamenta a lei nº 8.394/91). Pela legislação, eles devem ser preservados, organizados e ter acesso público.

Sede de informação Mario Covas tinha muitos assessores que o acompanharam pela maior parte de sua vida pública e foram responsáveis por garantir a existência desse acervo. Nas condições em que ocorreu a morte do ex-governador, esse material poderia ter se perdido facilmente. Mas por que

32

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

esses assessores se preocuparam com isso? Por uma característica pessoal de Mario Covas. Tanto Osvaldo Martins, que foi secretário de Comunicação Social, quanto Antonio Carlos Malufe, secretário particular do governador, disseram-me que Mario Covas tinha obsessão pela informação. Não era para saber mais ou menos o que estava acontecendo, mas para obter detalhes concretos, objetivos e exatos sobre os acontecimentos. São até folclóricas as brigas entre Covas e os assessores, quando a informação vinha pela metade. Assim, os assessores adquiriram a cultura de coletar e arquivar dados sobre qualquer decisão a ser tomada. Por tudo isso, devemos prestar atenção redobrada quando existem arquivos privados dessas pessoas que são entidades. Que cultura existe em torno dessa pessoa? Quem são as pessoas que tiveram influência no arquivo, que acabam fazendo com que ele seja maior, menor, mais ou menos complexo? Isso conta muito de quem é a pessoa. Pesquisei e descobri que não há muita literatura no Brasil a respeito da cultura de gabinete. Uma pena. Existem muitas questões envolvidas na produção de um arquivo, que, para compreender, é necessário que se investigue como ele nasceu, como foi formado. São várias as condições que dão característica específica a um arquivo.

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

A minúcia dá o tom do arquivo

A consultora Márcia Pazin fala das características doS acervos DA FMC e da Fundação Energia e Saneamento Detalhista e completamente dedicado aos cargos públicos que exercia, Mario Covas gerou documentos de gabinete que espelham sua personalidade. Essa seria a síntese do arquivo do exgovernador, segundo Márcia Pazin, consultora da Fundação Mario Covas e supervisora técnica do acervo da Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. Na entrevista a seguir, Márcia fala das peculiaridades de materiais tão distintos.

Márcia Pazin durante palestra na FMC

FMC – Qual é a principal característica

acervo em alguns grandes grupos, para

do fundo Mario Covas?

facilitar a diferenciação entre o público e o privado. Não são documentos que deveriam

Márcia Pazin – O fundo Mario Covas é um

estar numa secretaria. Não são documentos

arquivo pessoal de alguém que foi, durante

essencialmente públicos no sentido de que

muitos anos, titular de cargos públicos no

foram publicados ou que são resultado de

poder Legislativo ou no poder Executivo.

alguma decisão de um órgão público. São

A característica mais forte desse fundo é o

documentos dele, que ele produziu para

grande volume de acervo da atividade política

dar origem a outros documentos que são

no período em que ocupou os mandatos. A

verdadeiramente públicos. De todo modo, os

maior parte do acervo é composta desse

documentos são resultado de toda a atividade

material. Já o material privado, que são as

pública de Mario Covas. Primeiro, separamos

coisas dele como participante da família,

a vida familiar, privada. Depois, dividimos

as peças pessoais, tem um volume muito

toda a documentação pública pelos cargos

pequeno. A principal característica desse

que ele ocupou. Há um grupo de documentos

acervo, portanto, é ser de um homem que fez

relativos ao Mario Covas senador, outro dele

da vida pública a sua vida.

como deputado federal, como prefeito e assim por diante. Foi organizado dessa forma

FMC – Qual foi o critério adotado para

para podermos visualizar a atividade pública

a organização?

de Covas e a sua importância.

Márcia Pazin – O arquivo é pessoal, mas de

FMC – Como a personalidade de Mario

Covas como ocupante de um cargo público,

Covas influenciou na organização e na

em grande parte. Assim, nós dividimos o

formação do arquivo?

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

33

Márcia Pazin – Mario Covas era um homem

E isso tem um razão de ser. Terminado

minucioso, ligado a detalhes. Quando pedia

mandato, o titular precisa ter algum material

uma

tinham

para comprovar ou justificar as decisões que

de correr atrás de todos os detalhes. As

tomou. É uma forma de proteção. Embora ele

informações vinham em dossiês, relatórios,

exerça um cargo público, o arquivo é privado

estudos. Essa necessidade de saber de tudo

porque contém documentos que subsidiaram

pormenorizadamente

se

decisões que se tornaram material público.

produzissem muitos documentos, e nisso os

Acredito que é possível criar um espaço que

assessores têm um papel muito importante.

possa receber esse material. Essa é uma

O arquivo não existe somente pelo Mario

proposta da Fundação Mario Covas, que está

Covas, mas também pelos assessores, que

abrindo uma oportunidade para que outros

eram muito próximos dele e garantiram a

titulares possam deixar lá o seu material para

preservação do material, pois sabiam de

ser tratado adequadamente.

informação,

os

assessores

fazia

com

que

sua importância num momento posterior. A característica minuciosa de Covas contribuiu

FMC – Qual o maior desafio da

para que o acervo fosse tão detalhado.

organização do arquivo Mario Covas?

Para cada lei elaborada no período em que esteve no Senado, ele tinha um estudo

Márcia Pazin – É a própria identificação

anterior. Para cada problema que surgia em

do acervo, saber a qual caixinha aquele

uma das secretarias do Estado, ele tinha um

documento pertencia. Vieram coisas de

dossiê sobre aquele assunto para embasar

lugares diferentes, e passou muito tempo até

sua decisão. Nas campanhas políticas, ele

que se conseguisse ter uma sede estável. A

tinha estudos bastante completos sobre os

cada mudança local, algumas coisas somem

adversários. Só o material sobre o (Paulo)

ou quebram e se desorganizam. Para remontar

Maluf, por exemplo, enche armários. Para

a história de Mario Covas foi necessário fazer

Covas, era importante ter informações para

muita pesquisa. Além de desafiadora, a

comparar com o que ele próprio estava

identificação foi a coisa mais enriquecedora,

produzindo. Na hora de organizar esse volume

do ponto de vista da necessidade de entender

enorme de documentos, a necessidade de

a pessoa e o envolvimento de várias outras na

associar cada dossiê a um contexto correto dá

composição do arquivo de gabinete. O papel

muito mais trabalho. O arquivista é obrigado a

do assessor político é muito importante.

pesquisar de onde aquilo veio para saber que função estava ocupando. É preciso descobrir o

FMC - Falando agora do acervo da

meandro e a lógica das informações.

Fundação Energia e Saneamento, que você cuida mais de perto, quais são as

FMC – Você acredita que os acervos

diferenças entre os arquivos pessoais

de personalidades públicas estejam

de lá e o de Mario Covas?

sendo bem tratados no Brasil? Márcia Pazin – Na Fundação Energia e Márcia Pazin – Não. Nós temos pouquíssimos

Saneamento nós temos tanto acervos de

casos

como

empresas privadas, quanto arquivos pessoais

estão

de

de

presidentes

34

personagens e

públicas,

governadores,

que

profissionais,

que

normalmente

são

recebendo algum tipo de tratamento e se

técnicos, que trabalharam e foram influentes

tornando públicos para a pesquisa. No Brasil

no setor durante muito tempo. É um acervo

nós não temos a tradição de preservar arquivos

mais privado, mais individual do que o de

de gabinetes, como o que a Fundação Mario

Mario Covas. A exceção é o acervo de Catullo

Covas está fazendo. O que o homem público

Branco, um engenheiro que foi deputado

usa em seu cotidiano de trabalho para tomar

constitucionalista em 1946 e um homem muito

decisões vai com ele onde quer que vá.

importante no setor elétrico. Além disso, o

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

acervo dele uma peculiaridade. Quando ele morreu, em 1980, a família decidiu dividir o material. Para a Fundação Energia vieram documentos da atividade profissional como engenheiro. Para o IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), da USP, foi a biblioteca. E para a Unesp, foram documentos relacionados à atividade política, como deputado. Com essa divisão, perdeu-se um pouco da característica do arquivo. O que está conosco é bem técnico. FMC - Qual fundo sob a guarda da Fundação Energia e Saneamento você considera o mais precioso? Márcia Pazin – O fundo mais precioso que nós temos é o da Light/Eletropaulo. A Light chegou a São Paulo em 1899 para implantar todo o sistema de bondes e iluminação elétrica na cidade. Para isso, fotografou as obras na cidade toda. O pessoal da Light adotava um procedimento de trabalho muito organizado. Temos séries de documentos que vão desde o final do século XIX até a década de 1960. Eles registravam as obras e as ações em relatórios e em fotografia. É um acervo enorme, riquíssimo, com cerca de 170 mil imagens diferentes desde 1899. Alguns fotógrafos

bastante

importantes

MÁRCIA PAZIN

fizeram

registros de São Paulo a serviço da Light. Temos muitas fotos aéreas de São Paulo, de

Doutoranda em História Social (Historiografia e

diversos períodos, para mapear a topografia

Documentação) pela FFLCH/USP, Marcia Cristina

dos locais onde iriam passar as linhas de

de Carvalho Pazin é especialista em organização

transmissão. Dá para ver, por exemplo, que

de arquivos pelo Instituto de Estudos Brasileiros

o curso dos rios Pinheiros e Tietê era muito

da Universidade de São Paulo (IEB/USP). Há vários

diferente originalmente, tinha muito mais

anos atua como consultora na implantação de

curvas. Podemos visualizar também o que

sistemas de arquivo e organização de acervos

aconteceu com os bairros no entorno desses

históricos em instituições públicas e privadas.

rios após a retificação do curso.

Desde 2002, é docente no curso de Especialização

FMC – E qual é o acervo mais curioso? Márcia Pazin – Um acervo curioso é o de fotografias de um supermercado que a Light mantinha para os funcionários poderem comprar mercadorias a preço de custo. Temos,

em Organização de Arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros IEDB/USP e em diversos cursos de extensão cultural. Atualmente, é supervisora técnica de serviços e projetos especiais da Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento (FPHES).

por exemplo, o acervo de promoções que eles faziam para os eletricitários. É algo que foge totalmente da atividade da empresa.

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

35

Luz, gás, água e preservação A FPHES guarda e divulga o patrimônio histórico e cultural dos setores de energia e saneamento ambiental

O negócio de fornecer energia elétrica para São Paulo e cidades do interior paulista gera muita cobiça e história há mais de um século. A Empresa Paulista de Eletricidade, por exemplo, criada em 1886 pela Marques, Moutte & Cia., acabou engolida pela Companhia de Água e Luz do Estado de São Paulo, da família Guinle, a mesma que construiu o famoso Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.

Em 1890, a empresa dos Guinle gerava energia por usina a vapor em pleno centro de São Paulo, abastecendo a área comercial. Uma década depois, a combinação de brechas na legislação e uma concorrência implacável jogou a distribuidora de energia no colo da Light, dando aos ingleses domínio sobre o setor por décadas. Essa é uma pequena parte da história, contada pelos documentos guardados pela Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento (FPHES), que esteve representada no seminário da FMC por sua supervisora técnica, Márcia Pazin. A FPHES é uma instituição privada, sem fins lucrativos, criada em 1998 com a missão de preservar e divulgar o patrimônio histórico e cultural dos setores de energia e saneamento ambiental. Abriga um acervo arquivístico, bibliográfico, museológico e ambiental, referência importante para a história paulista e brasileira, especialmente no que diz respeito à industrialização e à urbanização.

Estudantes em visita ao Museu da Energia de Itu (SP)

36

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

Sob a guarda da FPHES estão 34 fundos e coleções, institucionais e pessoais. Esse material soma cerca de 2.500 metros lineares de documentos textuais, 254 mil imagens e 8 mil pranchas contendo documentos técnicos e cartográficos. Para assegurar o adequado tratamento de seu patrimônio e potencializar a divulgação, a Fundação mantém um Núcleo de Documentação e Pesquisa, na capital paulista, e um sistema de Museus da Energia implantados nas cidades de São

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Turbinas no Museu da Energia Usina Parque do Corumbataí, em Rio Claro, integrante do acervo da FPHES

Paulo, Itu e Jundiaí. Além disso, quatro pequenas hidrelétricas, localizadas nos municípios de Rio Claro, Brotas, Santa Rita do Passa-Quatro e Salesópolis, estão sendo recuperadas para voltar a gerar energia. Nesses espaços, a FPHES promove atividades culturais, educativas e de ecoturismo. O mais abrangente instrumento de pesquisa da FPHES é o Guia da Documentação Arquivística, que traz informações gerais sobre os fundos e coleções custodiados, possibilitando o acesso à pesquisa e funcionando como norteador da utilização do acervo para os mais diversos fins.

A composição do acervo

A FPHES vem desenvolvendo inúmeros projetos visando a organização de seu acervo. Para assegurar a qualidade desse trabalho, foram feitas pesquisas sobre as empresas do setor energético paulista, tomando como ponto de partida as companhias instituidoras. As pesquisas enfocaram dados sobre a trajetória administrativa de cada empresa, a formação dos monopólios, holdings e trustes e as relações de subordinação administrativa e/ou comercial entre companhias do mesmo grupo. Levantaram-se as datas de criação, autorização de funcionamento de empresas estrangeiras, incorporação, fusão e de encerramento de atividades, as alterações de competência e áreas de concessão, entre outros dados.

A maioria dos documentos sob a responsabilidade da FPHES foi recolhida ou doada pelas empresas que a instituíram, por intermédio de seus departamentos de patrimônio histórico ou centros de memória. Três grandes conjuntos, da Eletropaulo, da CESP e da Comgás, foram recolhidos na criação da FPHES e depois analisados de forma a manter a individualidade de empresas que estiveram ligadas a elas, mas que haviam tido existência jurídica individual. Fazem parte do acervo arquivos pessoais, como o do engenheiro mecânico italiano Paolo Zingales (1920-1955), que participou de projetos das usinas de Barra Bonita e Funil, entre várias outras, o de Georges Seylaz (1911-1951), superintendente da The San Paulo Gas Company, Limited, empresa que deu origem à Comgás, e o de Raul Almeida Prado (1896-1945), fotógrafo amador.

Luminárias no Museu da Energia de São Paulo

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No 25 de Abril, o particular

é público

Com doações de arquivos pessoais, o Centro de Documentação da Universidade de Coimbra construiu o principal e mais democrático acervo sobre a história recente de Portugal

Cartaz comemorativo da Revolução dos Cravos

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O dia 25 de abril de 1974 é caro aos portugueses. Nessa data, eclodiu a Revolução dos Cravos, o movimento que interrompeu um longo período de regime ditatorial e recolocou Portugal nos trilhos da democracia. Muitos documentos foram produzidos desde então. Boa parte desse material, proveniente de arquivos privados de personalidades políticas e militares, vem sendo coletada, organizada e preservada no Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra. Em mais de duas décadas de existência, o Centro transformou-se no principal repositório das memórias da história portuguesa recente. Para falar de sua experiência na construção e preservação do acervo do Centro 25 de Abril, a Fundação Mario Covas convidou Natércia Coimbra, coordenadora da instituição, para participar do Seminário Acervos de Personalidades. O trabalho de Natércia Coimbra começou com o Centro de Documentação, há 24 anos, por inspiração de Boaventura de Sousa Santos, responsável pela criação do órgão. Sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, Boaventura Santos costumava viajar muito, visitando os centros de estudos portugueses nos Estados Unidos. Numa dessas visitas, segundo Natércia, a arquivista da Universidade de WisconsinMadison quis mostrar a ele os documentos portugueses que comprara recentemente num leilão em Londres, mas ele se recusou a ver ali algo que deveria estar em seu país de origem. Ao retornar a Portugal, Santos propôs a criação de um centro de memória, com o objetivo principal de reunir materiais únicos e permitir a investigação científica séria e profunda sobre a vida política e social portuguesa do período que vai de 25 de abril de 1974 à posse do primeiro governo constitucional, em 1976. “Era um período muito limitado no tempo e exigia ação rápida, para proteger a documentação rara ou única e evitar que ela saísse de Portugal”, disse Natércia Coimbra à audiência do seminário. O Centro de Documentação 25 de Abril foi oficialmente criado em 1984, como entidade diretamente ligada à reitoria da Universidade de Coimbra. A universidade, por sua vez, é

uma instituição pública dotada de autonomia administrativa e financeira, tutelada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal. Desde a sua criação, o Centro tem recuperado material disperso, na posse de pessoas, organizações sociais, políticas, culturais e religiosas. De acordo com Natércia, tornou-se pioneiro em seu país na coleta sistemática de arquivos e fundos documentais privados, não previstos na legislação por causa da questão da propriedade. “Apenas esporadicamente é que podem entrar no Centro arquivos e papéis oficiais, que, por lei, ficam sob a guarda do Estado. Até então, não havia qualquer entidade voltada para a localização e pesquisa de arquivos privados, de pessoas que quisessem doá-los ao Estado”, disse a coordenadora do 25 de Abril.

Um documento puxa outro No início dos trabalhos, a equipe do Centro era muito pequena. “Escrevíamos cartas às pessoas para saber onde estavam os arquivos que nos interessavam, porque os oficiais, mal ou bem, sabíamos que estavam preservados por lei”, relatou Natércia. A Constituição de Portugal prevê que os arquivos oficiais podem incorporar documentos privados, mas como sua missão não é essa, o 25 de Abril tomou a tarefa para si. Ao coletar os arquivos, a pequena equipe percebeu que parte da documentação sobre o período de 1974 a 1976 recuperava muita informação referente a movimentos sociais e políticos ativos na oposição política e na resistência organizada à ditadura. “Na busca que fizemos, deparamonos com muita gente que viveu anos exilada na França, na Holanda ou no Brasil, que tinha papéis, jornais, correspondência da época e não sabia o que fazer com esse material”, disse Natércia em sua palestra. “A todos, pedimos que levassem seus documentos ao Centro.” Os destinatários das cartas eram, principalmente, militares e políticos de presença forte naqueles anos importantes, além de ativistas sociais. Nas cartas, Natércia e equipe propunham: “Se algum dia você quiser se desfazer de seus papéis políticos, não os jogue fora, nós os queremos”. A estratégia funciona até hoje. “Alguns chegam até nós dizendo que receberam o pedido há dez anos, que talvez este seja o momento de doar os papéis.” Em outros casos, os motoristas da

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reitoria iam buscar os documentos, quando não ia Natércia mesmo, em seu próprio carro, carregando caixotes e caixotes de papéis. A busca por determinados documentos acabou trazendo outros. Se a personalidade foi importante e atuante no pós-25 de abril, certamente tinha convicções políticas construídas muito antes. Poderia ter passado por um período de exílio ou participado de grupos de resistência. Seus arquivos, portanto, continham papéis sobre o que fez antes e depois do 25 de abril, apresentando conexões com outras temáticas, como o apoio à luta de libertação colonial em Angola, Moçambique e Cabo Verde. O fato de o Centro ser uma instituição pública universitária, segundo Natércia, estimula as doações de documentos, embora haja em Portugal outras instituições privadas credenciadas, como a Fundação Gulbenkian e a Fundação Mário Soares. “Imbuídas do espírito do 25 de abril, muitas pessoas preferem doar a uma instituição pública que possa tratar, organizar, catalogar e difundir a informação, abrindo o acervo à consulta gratuitamente”, afirma a coordenadora. Como o trabalho de construção de um arquivo é moroso e caro, Natércia considera correto que os contribuintes paguem pela conservação das diferentes memórias. Outra garantia que a instituição pública oferece ao doador é o pessoal qualificado. Na Universidade de Coimbra, segundo Natércia, ninguém é contratado sem ter um curso de especialização. É necessária uma licenciatura de base e cerca de 60 horas de especialização em Ciências Documentais e Arquivísticas. Além disso, oferece a garantia de isenção ideológica ou partidária. “Há sempre a tentação de controlar. Mas todos os partidos podem lá deixar os seus arquivos, com a garantia de que tudo será preservado”, afirmou. Raramente chegam ao Centro arquivos organizados. Em geral, são papéis de pessoas que desempenharam funções na administração pública, por exemplo, ou em instituições privadas das quais tenha decorrido a produção de um conjunto de documentos que faz sentido só no exercício dessa atividade. Mas, com essa pequena porção de coisas, vêm quase sempre os livros, as revistas e a correspondência pessoal. Os pôsteres e adesivos de campanha, por exemplo, são coisas

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Soldados e crianças em pleno 25 de abril

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que foram muito importantes para a história da arte em Portugal, porque vários artistas plásticos ajudaram a confeccioná-los. “Quando chega uma coleção, as coisas mais improváveis a acompanham: documentos pessoais, carteira de identidade, carteira de sócio de agremiações, óculos de grau. Por essa razão, já temos cerca de oito mil livros e fazemos uma seleção. O que não nos interessa, enviamos para bibliotecas de outras especialidades”, afirmou.

Internet e história oral O catálogo da coleção de livros está disponível no site do 25 de Abril (www1.ci.uc.pt/cd25a/), numa base de dados pesquisável. São cerca de 17 mil registros bibliográficos entre artigos de revista e monografias. O Centro tornou-se também uma espécie de museu, porque possui objetos raros, como bandeiras dos países colonizados por Portugal, fantoches usados em comícios e o brasão militar de Otelo Saraiva de Carvalho, estrategista do 25 de abril. Há ainda uma sala com cerca de 1.500 pastas com recortes de jornais e revistas, um minucioso trabalho de clipping realizado de 1976 a 1986 pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e o Conselho da Revolução. A leitura seletiva feita pelos órgãos oficiais é, atualmente, uma fonte importante de informação para os pesquisadores. O acervo foi crescendo e, com o tempo, ficaram evidentes partes nebulosas da história. Para esclarecê-las, o Centro criou, em 1990, o projeto de história oral, que entrevista personalidades integrantes da mesma lista montada no início dos trabalhos da instituição. Em 1994, as novas tecnologias entraram em ação. “A primeira decisão que tomamos no 25 de Abril foi de não ter máquinas de escrever. Começamos com o computador, com tudo automatizado desde o início. A única coisa que mantivemos manual foram as fichas dos nossos doadores, porque era mais simples para nós”, contou Natércia. Depois, passou-se à catalogação informatizada da biblioteca, uma das primeiras de Portugal a ter acesso online. “Criamos uma página na internet em 1994, quando o browser disponível ainda era o Mosaic.” Daí em diante, muita documentação foi digitalizada, especialmente a partir de 2005, quando o órgão obteve financiamento do Estado para esse fim. Embora defenda o uso de novas

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tecnologias, Natércia recomenda cautela com a digitalização, para que o documento que se quer preservar não acabe se perdendo com a obsolescência da tecnologia adotada. No arquivo online, há o guia de fundos, área em são descritas cerca de 300 doações. Basta um clique para chegar ao inventário do acervo doado, pesquisável em texto livre. Quase todo o acervo é liberado para a pesquisa. “Exigimos credencial apenas para uma documentação que não pode ser entregue a qualquer um. Quando o interesse é defensável, quando a pessoa chega, já encontra as pastas separadas.”

No 25 de Abril, os limites ao acesso são a reserva da vida privada e o segredo de Estado. Quando há alguma dúvida sobre as questões da vida privada, o Centro de Documentação segue a legislação portuguesa, dado que a maior parte da correspondência arquivada lá é de teor político. Se o problema for de caráter pessoal, é feita uma fotocópia do documento, e a parte preocupante é riscada. Quando os direitos de privacidade e acesso à informação estão em conflito, a ponderação é feita caso a caso. “Se o interesse público for superior ao da vida privada, nós damos acesso ao conteúdo”, afirmou Natércia. É esse o critério que fala mais alto no 25 de Abril.

nas ruas, solidárias com os soldados revoltosos. Até o meio da tarde, os golpistas haviam ocupado a Emissora Nacional, a Rádio Clube Português, o Aeroporto de Lisboa, o Estado Maior do Exército, o Ministério do Exército e o Banco de Portugal. Marcello Caetano, então chefe de governo, rendeu-se no final do dia, entregando o poder ao general António de Spínola.

Foto de pintura mural do acervo do Centro 25 de Abril

Revolução com cravos Passava da meia-noite em Lisboa, quando a Rádio Renascença começou a tocar a canção Grândola Vila Morena, de José Afonso. A música, transmitida nos primeiros minutos de 25 de abril de 1974, era a senha de confirmação do golpe de Estado militar que livraria Portugal do regime salazarista, em vigor desde 1926. O golpe, coordenado e comandado pelo capitão Otelo Saraiva de Carvalho do quartel da Pontinha, na capital portuguesa, teve a colaboração de vários regimentos militares e encontrou quase nenhuma resistência. Ao amanhecer, as pessoas começaram a juntar-se

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O movimento ficou conhecido como a Revolução dos Cravos. Reza a lenda que o cravo vermelho tornou-se seu símbolo porque uma florista, que levava cravos para a abertura de um hotel, distribuíra as flores aos soldados. Um deles encaixou o cravo no cano da espingarda e logo foi seguido pelos demais. Às vésperas da revolução, Portugal era o último império colonial do mundo ocidental. Fazia seus jovens cumprir serviço militar de quatro anos e mandava-os lutar na África contra os movimentos de libertação de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Opiniões contrárias ao regime e à guerra eram reprimidos. No dia seguinte ao do golpe, formou-se a Junta de Salvação Nacional, responsável pelo governo de transição. Entre as medidas imediatas dos militares revolucionários estavam a extinção da polícia política e da censura, a liberação dos sindicatos e a legalização dos partidos. Os presos políticos foram libertados, e os líderes políticos no exílio começaram a voltar para casa. Em alguns meses a guerra colonial terminou, dando lugar à independência das ex-colônias.

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Existe arquivo inocente? Lidar com registros do passado requer constantes questionamentos no presente. Partindo dessa premissa, Natércia Coimbra convidou a audiência do seminário a uma reflexão sobre conceitos e preocupações que permeiam o trabalho de arquivistas, bibliotecários e documentalistas. O primeiro conceito avaliado foi o de arquivo, mais comumente entendido como um lugar onde se guarda documentos ou materiais diversos relacionados a uma pessoa, um acontecimento ou uma época. Aprofundando a análise, Natércia citou o filósofo francês Michel Foucault, que usou o termo arquivo para designar o sistema de formação de afirmações, um conjunto de regras que determina o que pode ser dito num determinado contexto. Uma outra abordagem identifica o arquivo como um lugar de poder que se manifesta pelo ato de reunir, estruturar e interpretar signos. “De acordo com essas teorias, as normas técnicas estabelecidas estão longe de ter um papel inocente no processo de arquivagem”, ressaltou a coordenadora do Centro 25 de Abril. Embora a atitude de conservação e de reunião seja sempre intelectualmente muito ponderada e muito rigorosa, segundo Natércia, a arquivagem visa fins, bons ou maus, que determinam o conteúdo do próprio arquivo. “O que se reúne, a seleção que se faz, nunca é inocente, visa objetivos, e nesse momento temos ainda um maior desafio, que não são só os papéis, os materiais iconográficos, suportes de tipologia variada, mas o mundo virtual”, assinalou. As discussões em torno do conceito de arquivo, segundo Natércia, evoluem no final da década de 1990, princípio dos anos 2000, entre dois diferentes pólos. O arquivo é atual ou virtual? Será ele um lugar ou um conjunto de princípios e orientações?

Criança põe cravo em arma de soldado, em pôster do acervo do Centro 25 de Abril Ou será, simultaneamente, o lugar e o princípio? Constitui-se para documentar determinados acontecimentos históricos ou cria os fatos a partir da própria narrativa dos documentos? Qual a sua ação sobre os documentos que reúne? “Creio que essas questões apontam para respostas que têm a ver com três conceitos: história, memória e democracia”, afirmou Natércia. O acesso público aos arquivos históricos é uma conquista dos regimes democráticos. Já o conceito de memória remete ao dever de não esquecer, o dever de preservar. “É muito difícil perceber, num determinado momento, o que é história ou não. É fácil para as instituições que querem controlar e manipular a história. Portanto, o dever de não esquecer é extensível a todo o legado histórico”, afirmou a coordenadora do 25 de Abril. Os arquivistas, segundo Natércia, desempenham um importante papel como mediadores na seleção dos documentos a preservar e da colocação das coleções à disposição dos pesquisadores. Ao identificar e ultrapassar os obstáculos criados por grupos com poder de influência, os arquivistas conseguem manter uma característica do passado mais equilibrada e permitem às gerações futuras examinar e avaliar a atividade e a contribuição das diferentes vozes que se fazem ouvir numa determinada época. “O arquivista deve chamar a atenção para documentos incômodos e preserválos”, afirmou Natércia. “Até pode evitar que eles sejam vistos, ouvidos ou lidos em determinada época, mas deve sempre preservá-los.”

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Todo documento é importante Pequenos jornais de sindicato podem ser tão úteis ao pesquisador quanto um manuscrito estratégico, defende Natércia Coimbra, do Centro de Documentação 25 de Abril

O mais importante num arquivo histórico é tentar localizar o documento que falta e, localizando, é bom ter condições de conservar, porque se não fizermos mais nada, já fizemos muito. Palavras de Natércia Coimbra, coordenadora do Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra. No caminho da preservação da memória, proatividade é a palavra de ordem. “Temos de procurar incessantemente, pôr anúncios pedindo doações, aproveitar todas as nossas iniciativas para pedir: traga as suas coisas, tudo tem valor”, disse Natércia em entrevista à Fundação Mario Covas, após sua palestra no seminário. Veja alguns trechos dessa conversa.

FMC – Em sua palestra, você disse que a forma como se reúne o material não é inocente. Como o CENTRO 25 de Abril lidou com essa questão? Natércia COIMBRA – O Centro 25 de Abril está à disposição do investigador e da ciência, e a ciência não pode ser partidária. Desse ponto de vista, tentamos recolher tudo o que vier até nós, documentos repetidos ou não, o mais possível sem censura. Tudo é importante, do menor jornal de bairro a um manuscrito de Otelo Saraiva de Carvalho, estrategista da revolução, da crônica de jornal feita por um jornalista antifascista aos panfletos distribuídos por partidos políticos nas primeiras eleições livres. Não podemos fazer distinção do que é ou não importante para o investigador. Se temos problemas de espaço, evitamos os documentos repetidos. Mas tudo o que diz respeito àquela época, seja a visão de esquerda seja a anarquista, de direita, da política militar ou da civil, para nós é documentação que pode ser útil ao pesquisador e ao historiador. Não podemos descuidar de documento nenhum, suporte nenhum, como vídeo, papel, manuscrito, revistas e jornais. Temos pequenos jornais representativos de lutas sociais muito importantes, como os de sindicatos e sobre a reforma agrária. Esses movimentos sociais em luta produziram publicações que duravam um ou dois números. Ninguém mais tem senão nós. Não é o tipo de material que iria para

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Procure casar texto com foto quando possíve

a Biblioteca Nacional. Se não fôssemos nós a recolher esse tipo de documentação de acesso mais restrito e efêmero, teria se perdido. E hoje se sabe de muita coisa a partir desses pequenos testemunhos. FMC – Do período anterior, salazarista, também há documentos?

Natércia COIMBRA – Infelizmente, em Portugal, sobre o Estado Novo só há o arquivo oficial. Toda a produção burocrática do Estado, o governo guarda nos arquivos nacionais. Nem todos os arquivos pessoais dos políticos do regime autoritário estão guardados. Há alguns dispersos em bibliotecas municipais, porque esse tipo de arquivo muitas vezes ia parar nas terras onde as pessoas tinham nascido. Não há em Portugal a prática do recolhimento sistemático de arquivos privados. Daí que, em relação ao Estado Novo, temos que adotar critérios de escolha. Nós procuramos preservar sobretudo os arquivos dos militantes políticos que foram importantes para a mudança do regime. Quando, por acaso, aparece outro tipo de documentação, nós guardamos. Um exemplo disso são os documentos sobre militares e campanhas na África. Chegaram a nós muitas fotografias da guerra colonial, documentos de propaganda do regime sobre o funcionamento das instituições, discursos de Salazar e de Marcello Caetano e de planos de fomento do governo da época. Mas isso não é para nós a parte mais importante.

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l

FMC – O que o Centro faz para atrair as pessoas para a pesquisa no acervo? Natércia COIMBRA - O instrumento mais importante, sem dúvida, é nossa página na internet. Temos uma política de difusão seletiva de informação digital que faz com que muita gente que pesquisa encontre o que procura e chegue até nós. O resultado é impressionante. Nós somos o site mais visitado da Universidade de Coimbra, possivelmente porque temos conteúdo, cerca de duzentas mil páginas digitalizadas online. São arquivos iconográficos, texto integral. Embora nossa sala de leitura seja muito pequena, com seis lugares, há sempre gente lá. Mas a nossa maior valia é o apoio à distância através do arquivo e da biblioteca digital. Nós colocamos à disposição informação estruturada e tratada. Quem lá procura artistas plásticos encontra os muros da revolução, as fotografias, os textos, o 25 de abril contado aos mais jovens com uma cronologia. Temos online o Pulsar da Revolução, uma obra ilustrada que editamos em 1997, esgotou e reeditamos, mostrando o 25 de abril hora a hora até 1976. FMC - As fotos dos muros pintados, cada um com uma forma de representação diferente do cravo, chamam mesmo a atenção. Natércia COIMBRA - Os artistas plásticos tiveram uma participação importante no movimento. Nós estávamos muito sujeitos à ditadura, à censura, e com o 25 de abril houve uma explosão de informação. Nessa altura, Portugal era um país muito pobre, com muitas fachadas estragadas. Então os artistas utilizaram a pintura mural como forma de comunicação de uma mensagem política. Todos os partidos tinham os “pintores de parede”. É possível encontrar ainda hoje, olhando para os diferentes partidos, a mão e o traço de alguns de nossos grandes artistas. FMC – O site recebe quantas visitas por ano? Qual área é a mais visitada? Natércia COIMBRA – Em 2007, tivemos 6.800.000 visitantes únicos, um número enorme em se tratando de Portugal. Os conteúdos mais visitados são o que nós chamamos de arquivo eletrônico da democracia portuguesa. Há documentos

Militar revolucionário e o cravo em cartaz

iconográficos e textos. Os estudantes buscam esses conteúdos para fazer os trabalhinhos da escola. Temos também muitos pesquisadores que utilizam o guia do acervo online. FMC - E quanto por cento do acervo já está digitalizado? Natércia COIMBRA - Temos neste momento 300 doações de grandes espólios, dos quais 240 já estão catalogados. Disponíveis online há cerca de cinco grandes arquivos. FMC - Os pesquisadores que utilizaram o acervo conseguiram extrair um olhar novo sobre a história? Geraram publicações relevantes? Natércia COIMBRA - No início do projeto, tínhamos sobretudo investigadores estrangeiros, porque em Portugal ninguém queria tratar da história portuguesa recente. Tivemos, por exemplo, a professora Norrie MacQueen, que trabalhou lá e publicou, em 1997, o livro The Decolonization of Portuguese Africa: metropolitan revolution and the dissolution of empire (A Descolonização da África Portuguesa: revolução metropolitana e a dissolução do império), que se tornou uma referência sobre a descolonização portuguesa na África. Uma pesquisadora norte-americana fez no Centro grande parte de sua investigação sobre a história do partido socialista em Portugal. Há duas obras publicadas recentemente sobre práticas

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culturais da juventude muito baseadas na nossa documentação sobre os movimentos estudantis em Portugal na década de 1960. Entre os estrangeiros temos um italiano muito engraçado, que está comparando a tradição democrática de Itália, Espanha e Portugal. Todos os anos saem livros publicados tendo como referência a documentação vista no Centro. Agora vai sair uma sobre os exilados políticos em Argel, da doutora Suzana Martins. Ela finaliza também sua tese de doutorado e publicará uma obra sobre a oposição política portuguesa na década de 1960 em Argel. FMC - Do acervo inteiro, o que é para você o bem mais precioso? Natércia COIMBRA – Manuscritos do estrategista Otelo Saraiva de Carvalho, porque foi o plano de operações que permitiu a derrubada do regime. Outro manuscrito importante é o livro de apontamentos da revolução. À medida que os alvos iam sendo conquistados, eram anotados pelos militares que estavam na sede clandestina do movimento, no quartel da Pontinha. Esse livro tem muito valor por ter ficado perdido durante dez anos. Um dia, apareceu-nos um dos militares que atuaram no 25 de abril com os livros nas mãos. Estavam todos manchados, alguns roídos de ratos, mas os recuperamos, digitalizamos, editamos em livro e o conteúdo está disponível na internet. Esses são os principais do ponto de vista do valor exterior. Agora, o que é muito importante para o estudo da formação política das elites portuguesas é a correspondência privada, entre políticos. Por exemplo, as cartas de Fernando Piteira Santos, que foi jornalista, historiador, militante comunista e exilado político. A correspondência dele com outros intelectuais é fundamental para percebermos como se procedia em Portugal nas décadas de 1930, 1940, 1950 e 1960. Também temos fotografias que ninguém mais tem. São coleções que estavam nas casas das pessoas e teriam sido perdidas porque as fotos descoram ao longo dos anos. Foi possível recuperar uma coleção de 1.200 murais, hoje disponíveis na internet. Muita gente esquece como Portugal viveu os dois primeiros anos após a revolução. As pessoas estavam nas ruas, queriam participar, viver

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depois de muito tempo de ditadura, de ficar cada um em seu casulo. O que é importante nesse período é a explosão de ideias. As pessoas sabiam o que queriam e criaram movimentos, associações de moradores, creches, clínicas para o povo, habitações populares. São hoje grandes nomes, todos muito bem pagos, os arquitetos que fizeram a primeira construção social com qualidade em Portugal, num projeto muito conhecido e que foi logo desmantelado por acreditarse que era demasiado luxo para os pobres. Nós temos muitos documentos sobre essas assembléias populares, são coisas únicas. FMC – Preservar a memória é tarefa que demanda recursos, em geral escassos. Além disso, a tecnologia de armazenamento de informações muda ao longo do tempo. Como o Centro enfrenta essas questões? Natércia COIMBRA - Nós lidamos sempre com otimismo, porque falta de meios e recursos humanos há sempre. O mais importante é tentar localizar o documento e, localizando, é bom ter condições de conservar, porque se não fizermos mais nada, já fizemos muito. A prioridade é encontrar o que anda perdido, ir atrás de uns e outros, contatar pessoas e dizer o que é que nos falta ainda. Agora nos chegam muitas coisas repetidas e sempre que isso acontece, as encaminhamos para arquivos nacionais. A primeira questão é mesmo localizar, procurar incessantemente, pôr anúncios de vez em quando pedindo doações, aproveitar todas as nossas iniciativas para fazer apelo à doação: traga as suas coisas, nós vamos buscar se não as quiser trazer, tudo tem valor, não jogue nada fora sem nos perguntar, porque uma das coisas que as pessoas mais fazem é jogar fora, não têm noção do valor do documento. Como as pessoas consumiram cultura naquela época, quais espetáculos viam, quais filmes. Sabemos que correram todos ao cinema para ver o que antes era proibido. Seria tão importante ver os ingressos de cinema, por exemplo. Sempre dizemos para mandar tudo o que tiver, que é para saber o que foi feito depois de 25 de abril. Procuramos avançar no caminho também da divulgação, por meio da construção de instrumentos de pesquisa, colocando guias na internet e catalogando.

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FMC - E a digitalização? Natércia coimbra - Partimos sempre do princípio de que primeiro temos que organizar. Só depois de tudo organizado é que podemos criar as seções e digitalizar. FMC – Que tipo de mídia vocês escolheram para o armazenamento das informações? Natércia coimbra - Vamos conservando e mudando. Tivemos muita fita VHS e passamos para o CD digital. Agora estamos migrando para grandes discos rígidos, onde cabem grandes filmes compactados. Mas é muito caro e não temos pessoal qualificado para isso. Assim, além das doações de documentos, procuramos voluntários para fazer esse trabalho. Temos um especialista na conversão de arquivos digitais, que nos faz esses trabalhos de cópia e passagem para DVD. Apesar do orçamento pequeno, com o trabalho voluntário conseguimos fazer muita coisa. Nós envolvemos a comunidade no nosso trabalho. Procuramos fazer com que as pessoas trabalhem conosco, gostem tanto do Centro quanto nós e o considerem delas.

NATÉRCIA COIMBRA Maria Natércia Coimbra é licenciada em Direito e pós-graduada em Ciências Documentais pela Universidade de Coimbra, Portugal. Em 1985 foi convidada pelo sociólogo e professor da Faculdade de Economia de Coimbra, doutor Boaventura de Sousa Santos, para coordenar a instalação e dirigir os serviços técnicos do recém-criado Centro de Documentação 25 de Abril, organismo ligado à reitoria da Universidade de Coimbra, do qual é diretor. Tratava-se de um projeto pioneiro e inovador de localização, preservação, tratamento técnico e disponibilização ao público de documentos integrados em espólios privados de políticos cujo papel tenha sido relevante para a história da revolução de 25 de abril de 1974 e da transição portuguesa para a democracia. Desde então, Natércia Coimbra tem trabalhado nesse projeto como adjunta do diretor e responsável pela negociação e orientação técnica da catalogação de cerca de 300 incorporações de coleções e espólios privados de políticos que o Centro de Documentação 25 de Abril possui em seu acervo documental. Integrou durante dez anos o conselho técnico da Porbase – Base Nacional Portuguesa de dados Bibliográficos. Assumiu diversos cargos na Associação Portuguesa de Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas – BAD, tendo sido presidente do Conselho Regional do Centro entre 1992 e 1996. Desde essa data faz parte da subcomissão nacional de Normalização e Catalogação. Coordena desde 1995 a página oficial do Centro de Documentação 25 de Abril na internet.

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A COC na rota

dos cientistas

Construído em grande parte com arquivos pessoais, o acervo da Casa de Oswaldo Cruz adota a organização por funções exercidas pelas personalidades

Contar a história da saúde pública no país e preservar sua memória passa de

pelos

arquivos

personagens

pessoais

eminentes

da

área, mesmo que os teóricos da arquivística clássica torçam o nariz para esse tipo de documento. A organização desses acervos, por sua vez, tende a ser mais eficiente se a classificação dos arquivos for feita por conjuntos de funções exercidas pela personalidade em questão. Essa é a posição de Paulo Elian dos Santos, vice-diretor de informação e patrimônio cultural da Casa de Oswaldo Cruz (COC), exposta no Seminário Acervos de Personalidades,

realizado

Fundação Mario Covas.

Foto autografada de Oswaldo Cruz

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pela

O Pavilhão Mourisco, prédio central da Fiocruz, no Rio de Janeiro, começou a ser construído em 1904

A Casa de Oswaldo Cruz (COC) é um centro de pesquisa, documentação e informação dedicado à memória e à história das ciências biomédicas e da saúde pública e à educação e divulgação em ciência e saúde. A COC é responsável pelo arquivo permanente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição pública vinculada ao Ministério da Saúde, da qual faz parte. O acervo da Casa de Oswaldo Cruz possui, atualmente, 2 quilômetros de documentos de texto. No arquivo institucional permanente da Fiocruz há perto de 1,5 quilômetro de documentos recolhidos. O restante é composto por cerca de 80 arquivos pessoais de cientistas, médicos, sanitaristas, dirigentes e técnicos com atuação no campo das ciências biomédicas e da saúde. A forma como os arquivos pessoais eram organizados estava em discussão na COC quando Paulo Elian dos Santos ingressou na Fiocruz,

em 1996, vindo de uma experiência no Arquivo Nacional. “O modelo tradicional estava esgotado”, disse o vice-diretor de informação e patrimônio cultural em sua apresentação no Seminário Acervos de Personalidades. “Era possível pensar aqueles arquivos de outra maneira.” Na busca de uma abordagem inovadora no tratamento desses acervos, Santos revisitou a literatura arquivística sobre a classificação de documentos e a descrição de arquivos pessoais, um trabalho que deu origem ao seu projeto de dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo, em História Social, sobre Organização de Arquivos Pessoais de Cientistas.

Oposição e contraposição A literatura arquivística clássica, expôs Santos, trata as diferenças entre arquivos institucionais e pessoais, estabelecendo uma oposição: enquanto

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os primeiros representam conjuntos orgânicos, homogêneos e resultados de uma atividade administrativa, os arquivos pessoais são produto da intenção de perpetuar uma determinada imagem, portanto fruto de uma seleção arbitrária. São apresentados como agrupamentos artificiais e antinaturais, desprovidos de objetividade e, portanto, do sentido próprio dos arquivos. Em contraposição a essa idéia, Santos encontraria um bom material brasileiro. Um texto da professora Ana Maria de Almeida Camargo, da USP, por exemplo, publicado em 1988, discutia arranjo e descrição de arquivos pessoais, com base na experiência obtida com o arquivo do integralista Plínio Salgado. “Ali começou a reflexão para trazer os arquivos pessoais para a arquivística. Ou seja, o documento pessoal não é não-arquivo, é arquivo também”, afirmou o vice-diretor da Casa de Oswaldo Cruz.

Três aspectos a observar Na avaliação de Ana Maria, os arquivos pessoais oferecem uma variedade de peculiaridades que obrigam o arquivista a rever seus conceitos. Para ela, são três os pontos a observar. O primeiro, a recontextualização dos documentos operada pelo titular do arquivo ou por seus sucessores. O segundo, a constituição do universo coberto pelo arquivo, que envolve, além das ações que o vinculam às instituições sociais, outras cujas regras são menos visíveis, como as relações de amizade, opções intelectuais, obsessões etc. O terceiro aspecto ressaltado pela professora Ana Maria de Almeida Camargo é a inexistência de parâmetros normativos que transformem o trabalho de classificação e descrição num esforço em que o levantamento das funções e áreas de ação, como categorias classificatórias dos documentos, é também a construção de uma biografia. “Na base da reflexão da Ana Maria está a idéia de construir uma biografia, como meio de pensar como classificar os arquivos pessoais”, afirmou o vice-diretor da COC. Outro trabalho considerado importante por Santos tem como autora Priscila Fraiz, que integrou a equipe do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, instituição que criou uma metodologia de como

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organizar arquivos privados. É uma dissertação de mestrado sobre o arquivo de Gustavo Capanema, ministro dos mais importantes de Getúlio Vargas, responsável pela estruturação da área de cultura durante o Estado Novo. Uma parte do arquivo de Capanema foi construída para contar a biografia do ministro, mostrar sua obra.

O indivíduo e sua trajetória Um dado comum nos arquivos pessoais é a presença de documentos produzidos por instituições, na maioria das vezes públicas, nas quais o titular exerceu funções e atividades ao longo de sua trajetória profissional. Nos arquivos de políticos e de cientistas isso é muito comum. Segundo Santos, a professora Ana Maria sugere tratar, sob o ponto de vista da arquivística, dos contextos e das relações, os materiais não arquivísticos, bibliográficos e museológicos, embora fisicamente tenham um tratamento específico na biblioteca, reserva técnica ou área de museologia. “Eles devem ser pensados na concepção única do acervo e contextualizados como documentos”, afirmou Santos. Pensar a organização desses arquivos é pensar a trajetória do indivíduo da forma mais completa. Aí valem os contratos, viagens, momentos mais significativos, eventos que devem ser organizados de forma cronológica, com o detalhamento que merecem. “Muitas vezes, nas biografias, algumas coisas estão encobertas. Olhando o arquivo pessoal, descobrimos os fatos e eventos da vida da instituição e do personagem.” O interesse do vice-diretor da COC sobre o tema levou-o a mergulhar na literatura da Sociologia da Ciência, especialmente no livro A Vida de Laboratório, do filósofo, antropólogo e sociólogo francês Bruno Latour. Escrito no final dos anos 1970, o livro é um trabalho antropológico realizado dentro de um laboratório de pesquisa em neuroendocrinologia, nos Estados Unidos. A obra descreve a vida cotidiana de um laboratório de pesquisa, a cultura dos cientistas e da instituição a que pertencem. Para Santos, que trabalha numa instituição que possui mais de 500 laboratórios, a abordagem de Latour

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caiu como uma luva. “Os arquivos de cientistas que nós temos, institucionais e pessoais, trazem essa realidade. Fichas, cadernos de laboratório, diários de pesquisa de campo, algumas coisas absolutamente incompreensíveis. Conhecer bem esse material significava conhecer o que faz um cientista no laboratório e fora dele”, disse em sua palestra. Entre as atividades extra-laboratório, o cientista pode fazer política, buscar recursos, estabelecer cooperações no país ou no exterior, ocupar cargos em organismos internacionais, daí a necessidade de conhecer esse mapa. Foi também fonte de inspiração para Santos o trabalho da pesquisadora Helen Samuels no MIT (Massachusetts Institute of Technology) sobre organização e avaliação de documentos de instituições científicas. Ela parte da idéia de que os cientistas, em geral, desempenham um conjunto de funções, que seriam uma primeira aproximação de classificação dos arquivos pessoais. “Tenho sempre a dimensão da vida pessoal, da formação e da administração da carreira. Não entra no acervo apenas aquilo que diz respeito à formação e à titulação como cientista, mas tudo o que se refere à administração da carreira. A carreira é fundamental, é a essência do trabalho do cientista”, disse Santos.

Pesquisa administrada Uma outra função, que o diretor da COC chama de administração da pesquisa, envolve a questão dos recursos necessários para o cientista desenvolver a pesquisa, toda a produção de laboratório e a comunicação do conhecimento, artigos, participação em congressos, tudo o que se pode chamar de comunicação da ciência. Conta também a docência, sobretudo para aqueles que estão na universidade ou em institutos que têm programas de pós-graduação. Aqui entram desde as atividades de orientação de teses e participação em bancas de seminários à gestão de instituições e políticas científicas. Fazem parte do pacote os circuitos em que esses cientistas atuam, o conjunto de redes de relacionamento que eles estabelecem em comitês, grupos de trabalho, missões oficiais, conselhos editoriais científicos, redes informais, prestação de serviços, consultorias das mais

Carlos Chagas em seu laboratório na Fiocruz

diversas, sociedades e associações científicas. “Tal conjunto de funções serve de base para pensar como organizar os arquivos, e, a partir delas, chegamos aos documentos e às séries documentais”, afirmou Santos. A nova proposta de organizar os arquivos teve uma primeira aplicação no arquivo de Frederico Simões Barbosa, um sanitarista da Fiocruz, que trabalhou em várias instituições, universidades e outros centros de pesquisa. “Temos discutido algumas adaptações na organização dos arquivos. No caso da investigação científica, trabalhamos com tudo o que diz respeito às grandes áreas de pesquisa em que o cientista esteve. Na gestão da pesquisa, reunimos tudo o que diz respeito à gestão dos projetos, desde a solicitação de recursos, bolsas, aprovação, relatórios de aprovação até a infraestrutura necessária.” Gestão de instituições, relações entre funcionários e intergrupos com os subgrupos de filiação profissional, consultoria e aconselhamento também estão contemplados. Atualmente, a COC trabalha em dois arquivos: o

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O Pavilhão da Peste ou Prédio do Relógio abriga a Casa de Oswaldo Cruz e seu acervo

do cientista Carlos Chagas, um dos nomes mais importantes das ciências biomédicas no Brasil, da própria Fiocruz, e o do Carlos Chagas Filho, que também se tornou um cientista. Entre os documentos pessoais que compõem o acervo da COC, Santos destacou as cartas escritas por Oswaldo Cruz a seus pares, como o pesquisador Rocha Lima, e sua esposa, Emília. “No arquivo de Oswaldo Cruz, a correspondência é expressiva e muito significativa”, disse Santos. “Não existe limite entre o que é correspondência pessoal e o que não é. Como ele passou muito tempo em expedições no Norte do Brasil, combatendo doenças, em boa parte das cartas escritas para a esposa ele trata de assuntos profissionais. São dúvidas, questionamentos, o tempo todo presentes nessa correspondência intensa.” Do arquivo de Carlos Chagas, um dos destaques é o diário de campo, escrito pelo pesquisador numa

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das expedições que fez à Amazônia, no começo da década de 1910. A viagem resultou em extensa documentação fotográfica, relatórios e diários.

2 KM de documentos de texto compõem o acervo da Casa de Oswaldo Cruz

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(Scientific Electronic Library Online, www.scielo. org), bilioteca online de trabalhos científicos de vários países. A revista abriu possibilidades de trabalho para pesquisadores da história da saúde, da ciência e da medicina no Brasil, tanto do Brasil quanto da América Latina, Europa e Estados Unidos. Começou com periodicidade quadrimestral, atualmente é trimestral e possui uma demanda que supera a publicação, segundo Paulo Elian dos Santos, vice-diretor. Aos poucos, a Casa de Oswaldo Cruz foi formando, nos seus quadros, doutores em História, Sociologia e Ciência Política. Quase que naturalmente, em 2001, a instituição criou um programa de pósgraduação em História das Ciências e da Saúde, com a perspectiva de formar pesquisadores nessa área. A COC, assim, em pouco tempo titulou cerca de vinte pesquisadores, que, ao longo de dez anos, tornaram-se doutores. A direção da COC é apoiada por três vice-diretorias. A que cuida de informação e patrimônio cultural, comandada por Santos, responde por todas as macropolíticas nas áreas de informação e documentação, tudo o que diz respeito aos acervos e aos produtos e serviços realizados pela instituição, sobretudo na internet.

Dos prédios aos documentos A Casa de Oswaldo Cruz foi criada em 1986, na esteira do trabalho do grupo de preservação do patrimônio arquitetônico da Fiocruz. Boa parte do campus da fundação é tombada, por conta dos prédios construídos no começo do século 20, sob a direção de Oswaldo Cruz, e pela arquitetura modernista de alguns pavilhões erguidos nos anos 1950. O grupo responsável pela preservação do patrimônio arquitetônico agregou-se ao projeto da COC e, depois, criou a área de Educação e Divulgação em Ciências, da qual faz parte o projeto Museu da Vida. Em 1994, a COC criou a revista História, Ciência e Saúde em Manguinhos, disponível no SciELO

Três serviços estão ligados a essa vice-diretoria: gestão da informação, biblioteca e tecnologia da informação. Há ainda dois departamentos, o de arquivo e documentação e o Museu da Vida, com áreas responsáveis pela guarda, tratamento e acesso a esses acervos. O departamento de arquivo oferece dois serviços, um de arquivo histórico e outro de gestão de documentos.

Arquivo permanente Responsável pelo arquivo permanente da Fiocruz, à COC cabe a guarda e o tratamento do sistema de arquivos das 14 unidades da instituição. Além do centro de pesquisa do Rio de Janeiro, a fundação conta com cinco outros distribuídos em Manaus, Curitiba, Recife, Salvador e Belo Horizonte. O serviço de arquivo histórico cuida da sala de consulta, dos arquivos pessoais e de uma área de preservação de documentos. Seu

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laboratório realiza procedimentos preventivos de conservação e pequenas restaurações. “Temos a higienização como tarefa permanente e constante para a manutenção desses acervos”, disse Paulo Elian dos Santos. É o caso do Museu da Vida, que conta com um serviço de museologia, responsável pelo armazenamento dos objetos, dos instrumentos e equipamentos médicos e científicos mais diversos. No âmbito do departamento de arquivo e documentação, há o serviço de arquivo histórico, com a atribuição de reunir, organizar, referenciar e dar acesso ao acervo arquivístico permanente da Fiocruz e aos arquivos institucionais e pessoais sob sua guarda e responsabilidade. Além de tratar e se responsabilizar pelo acervo permanente da Fiocruz, esse arquivo histórico recebe doações de arquivos pessoais, inclusive de outras instituições, que não têm condições de abrigar e guardar esses acervos de antigos diretores sobre dermatologia, pediatria, as mais diversas áreas da medicina. Nesses casos, a COC faz convênios de cooperação, para que a instituição crie as condições de tratar, organizar, preservar e dar acesso ao acervo. “Em casos excepcionais, se houver o interesse da instituição, a COC pode receber o acervo mediante um contrato que estabeleça cláusulas que garantam a guarda e a disponibilização. Mas, fundamentalmente, trabalhamos com arquivos pessoais”, diz Santos. A COC recebe arquivos de cientistas, médicos, sanitaristas, dirigentes e técnicos com atuação no campo das ciências biomédicas e da saúde. Parte do acervo da COC está tratada, disponível para pesquisa e é bastante demandada. “Tentamos lidar com isso da melhor maneira, porque nós não temos uma área que tenha sido pensada para abrigar um arquivo”, disse Santos. A COC funciona num prédio ainda com muita improvisação, embora tenha havido investimentos em sistemas de climatização e arquivos deslizantes. O laboratório de conservação, por exemplo, é ainda uma solução de adaptação. “Estamos pensando num projeto de um prédio construído especificamente para abrigar o arquivo”, disse Santos.

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108 anos de saúde A peste bubônica era um caso tão sério no Brasil, em 1899, que Cesário Alvim, então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, encarregou o barão de Pedro Affonso de providenciar os soros para combatê-la. Mas onde produzi-los rapidamente? O barão escolheu a Fazenda Manguinhos, às margens da baía de Guanabara. A área abrigara o incinerador de lixo da cidade, e os dois prédios em que moravam os operários dos fornos podiam ser usados como laboratórios improvisados. Assim, em 25 de maio de 1900, foi inaugurado ali o Instituto Soroterápico Federal, que deu origem à Fundação Oswaldo Cruz. Oswaldo Cruz era diretor técnico do instituto e, dois anos depois, assumiu a direção-geral com grandes planos: produzir remédios e vacinas, realizar pesquisa científica e atividades ligadas à saúde pública, seguindo o modelo do Instituto Pasteur. Em 1903, Rodrigues Alves, então presidente da República, nomeou o cientista como diretor-geral de saúde pública do país, com a missão de combater a febre amarela, a peste

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Oswaldo Cruz usa o microscópio em seu laboratório na Fiocruz, observado pelos assistentes

bubônica e a varíola. Daí em diante, o instituto e

A idéia da convivência de biólogos e médicos

a importância de Oswaldo Cruz só fizeram crescer.

sanitaristas

com

sociólogos,

historiadores,

antropólogos, bibliotecários e arquivistas causou Em 1970, o Instituto Soroterápico Federal e

estranhamento, mas o projeto foi em frente.

outros institutos de pesquisa e órgãos da área

Em 1986, foi criada a Casa de Oswaldo Cruz,

de saúde passaram a fazer parte da recém-

unidade dedicada à preservação da memória da

criada Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Uma

instituição e às atividades de pesquisa, ensino,

das entidades reagrupadas na época é a Escola

documentação e divulgação da história da saúde

Nacional de Saúde Pública. Fundada em 1954,

pública e das ciências biomédicas no Brasil.

a Escola desempenhava um papel importante na formação de profissionais de saúde pública

Atualmente, a Fiocruz é uma das maiores

no Brasil. Nesse mesmo ano, a ditadura militar

instituições não-universitárias do país formadoras

que governava o país recrudesceu. Dez cientistas

de pesquisadores das áreas de saúde, ciência,

ligados à fundação tiveram seus direitos políticos

tecnologia e educação. Oferece 15 cursos de pós-

cassados, foram aposentados compulsoriamente

graduação, mestrado e doutorado e possui uma

e impedidos de trabalhar em qualquer instituto

escola politécnica que forma profissionais para

que tivesse ajuda do governo federal.

atuar no Sistema Único de Saúde (SUS).

Memória preservada

Desenvolve

atividades

desenvolvimento

de

pesquisa

e

tecnológico,

prestação

de

serviços hospitalares, ambulatoriais de referência Nos anos 1980, sob a gestão do médico sanitarista

em saúde, fabricação de vacinas, medicamentos,

paulista Sérgio Arouca, a idéia de preservação da

kits de diagnóstico e reagentes, informação e

memória e da história ganha espaço, na esteira

comunicação em saúde, ciência e tecnologia e

da redemocratização do país. Arouca e um grupo

controle de qualidade de produtos e serviços.

de sanitaristas da Fiocruz defendiam a criação

Emprega cerca de 7.500 servidores e outros

de uma área que unisse as ciências sociais e

profissionais em 14 unidades, entre institutos de

biológicas, dando uma nova perspectiva à saúde.

pesquisa, escolas, hospitais e fábricas.

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Facilidades para o pesquisador Paulo Elian dos santos, vice-diretor da Casa de Oswaldo Cruz, fala dos produtos e serviços que a instituição oferece via web

Saúde pública, vacinas, psicologia. O pesquisador que quiser ir fundo em algum desses grandes temas e em outros ligados à medicina e à pesquisa científica vai encontrar farto material de consulta na Casa de Oswaldo Cruz. Para facilitar a vida do pesquisador, a COC oferece uma série de recursos via internet, como o Guia do Acervo, fontes de informação bibliográfica e bibliotecas virtuais. Nesta entrevista, Paulo Elian dos Santos, vice-diretor da COC, fala um pouco desses recursos, entre outros assuntos.

FMC - Em sua palestra, o senhor chamou a atenção para a organização dos acervos de cientistas por funções exercidas. Esse tipo de organização pode ser aplicado a acervos de políticOs? Quais seriam os benefícios dessa abordagem? Paulo Elian – Pode ser aplicado sim a personalidades políticas, uma vez que elas exercem cargos diversos ao longo da vida pública. São várias as vantagens dessa abordagem, que eu resumiria em apenas

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uma: a garantia de respeito ao contexto de produção dos documentos que estão relacionados às atividades e funções desempenhadas pelo titular. FMC - Por qual razão a construção de biografias seria facilitada pela organização do acervo por funções? Paulo Elian - A organização dos arquivos pessoais não pode prescindir de um exaustivo levantamento biográfico com os eventos que ocorreram na trajetória pessoal e profissional

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do titular. Esse levantamento fornece aos responsáveis pela organização do arquivo elementos para conhecer as grandes áreas de ação/atuação do titular. Posteriormente, por meio dos instrumentos de pesquisa elaborados, os pesquisadores terão acesso ao resultado desse trabalho, que deve procurar respeitar o contexto de produção do material documental encontrado no arquivo. FMC - Todos os arquivos pessoais sob a guarda da COC estão disponíveis para a pesquisa? Há alguma restrição? Paulo Elian - Nem todos os arquivos estão organizados. As possíveis restrições que existam estarão sempre relacionadas aos limites da legislação arquivística quanto à proteção da intimidade e da vida privada e aos casos em que determinado documento ou conjunto de documentos necessite de cuidados especiais quanto à conservação. FMC - Como a COC estimula a demanda por pesquisas? Paulo Elian - De diversas formas, sobretudo por meio de serviços e produtos que disponibilizamos na internet. Entre eles temos o Guia do Acervo da Casa de Oswaldo Cruz, inventários, catálogos de depoimentos orais, repertórios de fontes e bases de dados. As fontes de informação bibliográfica encontram-se acessíveis nas bases de dados COC e HISA (Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe). Um programa de bibliotecas virtuais vem se desenvolvendo, tendo como primeiros produtos a Biblioteca Virtual Carlos Chagas, a Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz, a Biblioteca Virtual Vital Brazil e a Biblioteca Virtual de Museus e Centros de Ciências. Essa linha de atuação se consolida com a elaboração do Dicionário Histórico e Biográfico da Saúde Pública e das Ciências Biomédicas, em sua versão online, e da Biblioteca Virtual em História da Saúde e da Medicina. Outro produto na internet é o site História dos Saberes PSI e Cultura Brasileira, que disponibiliza artigos, resumos de teses e dissertações, resenhas de livros e outros links, além de funcionar por meio de listas de discussão. Realizamos exposições, como A Revolta da Vacina, sobre a revolta popular ocorrida no Rio de Janeiro em 1904, devido a uma lei federal que obrigava a a população a vacinar-se contra a varíola, e diversas

publicações, entre elas a revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos. FMC - Como a Fundação Mario Covas poderia aproveitar a experiência da Casa de oswaldo cruz? Paulo Elian - Por meio da troca de experiências. O instrumento mais adequado para viabilizar possíveis parcerias é o convênio de cooperação técnica. FMC - Quais são as preciosidades do acervo da COC? Paulo Elian - É difícil falar de preciosidades. Seria uma arbitrariedade da minha parte. Mas eu poderia destacar o conjunto da correspondência do arquivo Oswaldo Cruz, os livros de registro dos primeiros grupos de funcionários do Instituto Oswaldo Cruz no início do século XX, e alguns conjuntos de fotografias que encontramos, por exemplo, no arquivo pessoal Belisário Penna (médico sanitarista brasileiro participante da Revolução de 1930), e nos arquivos do próprio Instituto, da Fundação Rockefeller, e da Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública. FMC - Há ainda algum documento importante faltando ao acervo? Paulo Elian - Ainda nos falta, no acervo, os conjuntos de documentos que ainda não recolhemos dos institutos da Fiocruz.

PAULO ELIAN DOS SANTOS Bacharel e licenciado em História pela Universidade do Rio de Janeiro (PUC/RJ), Paulo Elian dos Santos é mestre e doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Como tecnologista sênior da Casa de Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, coordena o sistema de gestão de documentos e arquivos. É membro do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), integra o conselho editorial da revista Arquivo&Administração da Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB). Acumula experiência em Arquivologia, com ênfase em organização de arquivos, atuando principalmente nas seguintes áreas: classificação e descrição em arquivos permanentes, sistemas de arquivos, arquivos pessoais e gestão de arquivos de instituições de ciência, tecnologia e saúde.

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Fernando Abrahão, diretor da área de arquivos históricos do Centro de Memória Unicamp (CMU)

CMU, o guardião

da memória de Campinas

O Centro de Memória da Unicamp preserva documentos que recontam a história da região desde a escravatura

Preencher a lacuna deixada pelo poder público, que pouco valor dava aos arquivos permanentes. Esse foi o mote para a criação do Centro de Memória Unicamp (CMU), que preserva a memória não só da universidade, mas de toda a região de Campinas, no interior paulista. “Nada mais correto do que salvar da destruição esse patrimônio, e nada melhor para historiadores, demógrafos, sociólogos e demais pesquisadores do que ter à disposição um acervo de fontes originais de pesquisa no próprio ambiente universitário”, defendeu Fernando Abrahão, diretor da área de arquivos históricos do CMU, durante sua palestra no Seminário Acervos de Personalidades, da Fundação Mario Covas. 58

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O CMU nasceu da vontade de um grupo de professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, liderado por José Roberto do Amaral Lapa. Desde o final dos anos 1970, esse grupo acalentava a idéia de levar para dentro da universidade uma significativa parte do patrimônio documental preexistente na região de Campinas. Vários fatores justificavam essa proposta. A cidade e as áreas vizinhas assistiram a uma das mais altas concentrações do trabalho escravo no país e acompanharam o fluxo expressivo de imigrantes desde meados do século XIX. Depois, engajaram-se nos setores de ponta da economia desde o ciclo da canade-açúcar até o café, definindo sua estrutura fundiária e projetando suas forças políticas, que contribuíram decisivamente para a mudança de regime de governo do país em 1889. Para completar, essa tradição acabou formando uma cultura, que avançou até a fase industrial que marca a atualidade.

Unicamp, em julho de 1985. “Os processos cíveis e criminais são uma fonte riquíssima para qualquer historiador. Rendem teses de mestrado e doutorado na universidade até hoje, reafirmando que um arquivo de porte é uma fonte inesgotável de produção do conhecimento”, disse Abrahão.

“As agendas das reuniões daquele grupo de professores estão repletas de críticas quanto ao estado de conservação da documentação e de severas preocupações com o sucesso das futuras pesquisas”, disse Abrahão. Para fazer frente a esse problema, o professor Amaral Lapa propôs um convênio entre a universidade e a Prefeitura, para que a Unicamp assumisse os arquivos permanentes do poder Legislativo e do poder Executivo campineiro.

Outros arquivos foram chegando, como o do Tribunal de Justiça. “Nós estendemos o convênio com o Tribunal de Justiça de São Paulo e trouxemos os documentos de Jundiaí, porque Campinas fez parte da Comarca de Jundiaí durante um bom período. Esses documentos estavam num cartório. Se o cartório precisar deles, vamos devolver em melhor estado do que recebemos”, afirmou o diretor do CMU.

A proposta de Lapa não encontrou reciprocidade na administração pública, por ser uma antítese do princípio arquivístico, que preconiza a guarda no próprio local de produção. Travouse uma batalha entre o professor Amaral Lapa e os especialistas em arquivologia, que, em apoio aos profissionais de Campinas, foram à Unicamp para brecar o convênio. Os arquivistas convenceram a administração pública a não fazer a doação, embora a Prefeitura não tivesse todas as condições para manter o arquivo histórico. Lapa não desistiu de preservar o patrimônio documental da cidade. Negociou com o Tribunal de Justiça de São Paulo e trouxe para a universidade, sob custódia, o arquivo do Tribunal de Justiça de Campinas, composto de 50 mil processos, datados de 1793 até 1940. E foi esse arquivo que deu início ao Centro de Memória

Impostos e feridos de guerra Na pequena e empoeirada sala do centenário prédio da Cúria Metropolitana de Campinas estava guardada, num canto, a documentação da Coletoria de Rendas, de 1831 a 1890. “Entre os registros de coleta de impostos, há o que incidia sobre o comércio de escravos. Também havia imposto sobre o abate de rezes para a venda de carne, o tráfego de carroças e seges, aquela carroça mais chique, a produção e o comércio de aguardente”, disse Abrahão. Em seguida, foi incorporado o arquivo do Corpo de Bombeiros municipal, quando foi extinto.

Além dos documentos públicos, interessavam ao CMU os acervos pessoais e os de instituições de caráter público, mas mantidas pela iniciativa privada. Por exemplo, o arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Campinas, que possui documentos desde 1876. “Entre os registros da Santa Casa estão os das pessoas que se feriram em batalha na época da Revolução de 1932 e deram entrada no hospital. A febre amarela, em 1889, em Campinas, está toda documentada. Tem relatório dos provedores, prestações de contas, registros do cotidiano médico-hospitalar, é bem interessante. Só os prontuários médicos ficaram na própria Santa Casa”, relatou Abrahão. O acervo do CMU conta também com alguns documentos de fazendas produtoras de café, de antigas indústrias e de associações de classe, como a dos ferroviários, muito fortes em Campinas. A estrada de ferro Mogiana, que passava pelo Sul de Minas e ia até Brasília, saía de lá.

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uma indústria de fundição de 1880; de Antonio Ferreira Cezarino Junior, advogado do trabalho; de Teodoro de Souza Campos Junior, membro de uma família tradicional da cidade. “Do acervo das famílias Quirino dos Santos e Simões, nós resgatamos cadernos de receita antigos, lá de 1860, e fizemos um livro”, disse Abrahão à audiência do seminário.

Presente e futuro Ao assumir o papel de um dos principais guardiões da memória de Campinas, o Centro de Memória Unicamp procurou modernizar suas dependências e aumentá-las. Para isso, obteve o apoio da própria Unicamp e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fapesp, em 1998 e 2000.

Técnico do CMU trata documento datado de 1900

Cartas e receitas culinárias Arquivos pessoais não apareciam com freqüência no Centro de Memória Unicamp, por conta da desconfiança das pessoas sobre a qualidade do trabalho, segundo Fernando Abrahão. “Não vencemos a insegurança da sociedade sem mostrar o nosso trabalho. Quando você mostra o que faz, a sociedade reconhece.” Com o tempo, a resistência foi sendo vencida. Na fase inicial, dois importantes arquivos pessoais chegaram ao CMU. Um é o de Nelson Backer Omegna, ministro do Trabalho nos quase três meses do governo Nereu Ramos (de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956), que antecedeu ao de Juscelino Kubitscheck. Nelson Backer Omegna foi jornalista e professor, antes de exercer diferentes funções públicas, como vereador e deputado federal. O outro conjunto relevante é o de Francisco Glicério de Cerqueira Leite, um republicano abolicionista (leia texto na página ao lado). “Não é o arquivo completo do Glicério, mas são documentos de riqueza inestimável”, afirmou Abrahão. Com a confiança que o CMU foi ganhando, outros arquivos pessoais e familiares agregaram-se ao acervo: os documentos da família Faber, dona de

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No final dos anos 1990, o CMU contava com a mais completa biblioteca especializada em história regional, uma área para guarda e tratamento dos documentos fotográficos, um laboratório de história oral e um laboratório de restauração de documentos, fundamental para a preservação de papéis com mais de 200 anos, como os que estão lá. Há uma sala de pesquisa, áreas de processamento técnico e conservação, e a sala de acervo, ocupando 80 metros quadrados com estantes deslizantes. O acervo está todo descrito num banco de dados informatizado. A digitalização está em discussão. “Se eu for digitalizar os 50 mil processos do Tribunal, cada um com duzentas páginas, são milhões e milhões. Tenho de escalonar prioridades, e isso é complicado”, disse Abrahão. A existência do Centro de Memória Unicamp, para seu diretor, revela que a universidade é capaz de atender à demanda da sociedade por uma nova cultura de preservação de seu patrimônio documental e de acesso a ele. Mas há desafios a vencer. “Não podemos captar todos os documentos. Por isso, estabelecer uma política de captação é fundamental, por contraditório que pareça. O nosso espaço físico é limitado e não é mais possível ampliá-lo. Então, promovemos cursos, treinamentos e elaboração e execução de projetos de preservação de acervos junto às empresas públicas e privadas”, afirmou.

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Francisco Glicério contra o rei O arquivo pessoal de Francisco Glicério de Cerqueira Leite sob a guarda do Centro de Memória Unicamp é pequeno e rico. São pouco menos de mil manuscritos, entre cartas, ofícios, telegramas e bilhetes recebidos de vários correligionários republicanos, entre eles nada menos que Rui Barbosa, Prudente de Morais, Campos Salles, Quintino Bocaiúva, Júlio de Mesquita e Herculano de Freitas. As cartas de Glicério trazem detalhes importantes acerca das batalhas políticas travadas entre os defensores do regime imperial e os republicanos, e entre os escravagistas e os defensores da abolição, a partir do terceiro quarto do século XIX. Glicério participou, em 1868, da fundação do partido republicano em Campinas. Pouco depois, com Quirino dos Santos e Campos Salles, fundou o jornal A Gazeta de Campinas. Assinou o manifesto republicano de 1870 e, em 1873, participou da Convenção de Itu. Francisco Glicério foi para São Paulo estudar Direito na faculdade do Largo São Francisco, mas, no meio do curso, o pai morreu, e ele teve de voltar a Campinas para cuidar da mãe e dos nove irmãos. Volta, não consegue concluir o curso, mas trabalha como auxiliar de advogado. Como rábula - aquele que advoga sem ter o diploma -, Glicério é reconhecido e cria uma clientela enorme, que permite a ele trabalhar no movimento republicano e nos processos de liberdade de escravos. “O Glicério era aquele cara que apaziguava os ânimos e tinha uma atuação importante. Ele propôs, no caso da morte de um imperador, que o povo fosse convocado para opinar sobre um terceiro reinado ou a República. É claro que não foi adiante a idéia dele”, disse Fernando Abrahão, diretor do Centro de Memória Unicamp. Em 1888, Glicério foi indicado para uma vaga no Senado pelo Partido Republicano. Obteve uma votação superior ao dobro

Carta de Campos Salles a Francisco Glicério datada de 1882

de seu adversário, mas D. Pedro não o indicou para o cargo, por motivos óbvios. A República acabou sendo proclamada, em 1889. Glicério foi então ministro interino dos Negócios da Justiça, ministro dos Transportes e da Agricultura (1890-1891), deputado federal e senador da República Velha (1902-1916). Francisco Glicério faleceu em 1916 como senador e está enterrado em Campinas. A principal avenida do centro da cidade tem o nome dele, dado 15 dias depois da proclamação da República. De suas cartas, 200 foram reunidas pelo CMU num livro. “Reunimos as mais significativas para a compreensão do movimento republicano e do abolicionismo. Incluímos índices temático e onomástico, para facilitar a busca”, disse Fernando Abrahão.

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

61

Processo de inventário de 1896, uma das peças da Justiça de Campinas preservada pelo CMU

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Adolfo Gordo e aS primeiras leis da República Uma nova leva de arquivos públicos pessoais de políticos chegou recentemente ao Centro de Memória Unicamp. Um dos mais interessantes é o do senador Adolfo Afonso da Silva Gordo, um republicano contemporâneo de Francisco Glicério Cerqueira Leite. Adolfo Gordo incorporou ao sobrenome o apelido do pai, um cidadão robusto, chamado de gordo pelos fregueses do armazém que mantinha em Piracicaba. Bacharel em Direito, foi nomeado governador do Rio Grande do Norte pelo governo provisório da República, ficando no cargo apenas três meses. Como deputado federal e senador, legou seu nome a duas leis que fizeram história. A primeira, de 1907, dispunha sobre a expulsão de estrangeiros. A segunda, também conhecida como Lei Adolfo Gordo, de 1923, foi a primeira lei de imprensa brasileira, que tentava silenciar. Os adversários e jornalistas a chamavam de lei infame. No arquivo do senador há material sobre a lei de expulsão de estrangeiros e o direito das mulheres ao voto. “Tem um cartão postal comemorativo com a professora Júlia Barbosa, a primeira mulher a ser alistada pela Justiça Eleitoral. Adolfo Gordo

Francisco Glicério escreve a Adolfo Gordo em 1914

participa com ênfase nessa lei”, diz Fernando Abrahão, diretor do CMU. O senador atuou também em causas importantes, combatendo vendas fraudulentas de imóveis da antiga estrada

No segundo, da vida profissional no escritório de

de ferro Araraquarense. Gordo morreu atropelado

advocacia, estão as publicações sobre legislação

em 1929. “Morrer atropelado em 1929, imagina-

e disposições gerais. No terceiro grupo, estão

se que tenha sido um atentado, porque, naquela

os documentos da vida política, como material

época, os carros não deviam andar tão rápido.

das eleições, as nomeações, correspondência,

Ocorre que estavam atravessando a rua cinco

pedidos de votos que ele mandava, leis e decretos,

senadores, e só ele faleceu”, conta Abrahão.

eventos, finanças e toda a documentação que ele gerou para a produção das leis que propunha, as

O arquivo de Adolfo Gordo está organizado em

primeiras da República. “Esse arquivo já foi fonte

três grupos: a vida pessoal, a profissional e a

de uma tese de doutorado defendida na USP por

política. No primeiro, estão documentos pessoais,

Alice Beatriz Lang, descendente de Adolfo Gordo

correspondência

que passou o arquivo do senador para o Centro

familiar,

recordações

de

formatura, guias de viagem, títulos hipotecários.

de Memória Unicamp”, afirma Abrahão.

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

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Gaveteiro de peças do Centro de Memória Unicamp

Grama e Izalene, prefeitos com acervo preservado Dois arquivos pessoais de ex-prefeitos de Campinas ampliaram, recentemente, o acervo do Centro de Memória Unicamp: o do tucano José Roberto Magalhães Teixeira, conhecido como Grama entre os amigos do PSDB, e o da petista Izalene Tiene, que assumiu o cargo porque o prefeito eleito, Antonio da Costa Santos, o Toninho, foi assassinado um dia antes dos atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Grama começou a carreira política militando nos grêmios estudantis da PUCCamp, onde estudava Odontologia no final dos anos 1950 e início dos 1960. Em 1977, elegeu-se vice-prefeito de Campinas, ocupando também o cargo de secretário da Cultura. Entre 1978 e 1981, foi suplente do senador André Franco Montoro, período em que se tornou amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Assumiu a Prefeitura de Campinas em 1982, no mesmo período em que Mario Covas foi indicado a prefeito em São Paulo pelo então governador Franco Montoro. Em 1990, Grama elegeu-se deputado federal com o maior número de votos na história de Campinas. “Na ocasião, idealizou o programa Bolsa-família, que a gente conhece hoje”, disse

64

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Fernando Abrahão, diretor do CMU. Em 1992, foi eleito para o segundo mandato como prefeito, que não chegou a concluir. Como Covas, de quem era amigo, também morreu vítima de câncer. Faz parte de seu currículo a coordenação da campanha presidencial de Fernando Henrique, em 1994. A parte do arquivo de Grama que chegou ao CMU é composta pela hemeroteca e a videoteca de suas campanhas eleitorais e de suas administrações como prefeito. “Veio tudo organizadinho, encadernado. O nosso trabalho foi o de catalogar”, observou Abrahão. Izalene Tiene assumiu a Prefeitura de Campinas em meio a grande tristeza no CMU. Toninho, um dos fundadores do PT, foi também um dos fundadores do Centro de Memória. Quando Izalene chegou à Prefeitura, encontrou todos os documentos dos nove meses da gestão Toninho. Para começar a administração dela, teve de fazer a transição. Assim, o arquivo de Izalene está dividido entre a gestão dela e a do Toninho. “Pelos documentos da gestão de Izalene Tiene, ficamos sabendo que as mulheres representavam 64% do funcionalismo público em Campinas, por exemplo”, diz Abrahão. Esse arquivo ainda está em fase de organização.

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

A memória da Bahia O Centro de Memória da Fundação Pedro Calmon preserva cerCa de 34 acervos de homens públicos do Estado

Consuelo Novais em palestra na FMC

O arquivo privado do governador baiano Otávio Mangabeira foi a peça fundamental do Centro de Memória da Bahia, da Fundação Pedro Calmon, que guarda, atualmente, cerca de 34 acervos de homens públicos do Estado. No total, são 135.515 documentos, computados por páginas, segundo afirmou sua diretora, Consuelo Novais Sampaio, durante palestra no Seminário Acervos de Personalidades. Parte dos documentos foi cedida por deputados durante a execução do projeto Dicionário Histórico Biográfico da Bahia. Do total recolhido, 43.160 estão digitalizados.

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

As atividades do Centro de Memória da Bahia

homem importantíssimo na evolução da cidade.”

podem ser resumidas, de acordo com sua diretora,

A recuperação desse arquivo é um projeto da

em duas ações: a preservação e a difusão da

Faculdade de Arquitetura, com apoio do CNPq.

memória histórica do Estado. A preservação da memória compreende todo o processo de

A higienização do acervo iconográfico é realizada

higienização dos documentos.

com flanelas especiais. Depois disso, é feita a triagem e a organização das fotografias por

“O primeiro processo é o de desinfetação. Os

período. “Nessa fase, principalmente, pedimos a

documentos são colocados num saco plástico, e

colaboração de pessoas que conheceram aqueles

o ar é retirado com um aspirador. O saco com o

personagens. Mesmo assim, não conseguimos

documento vai ao freezer por 15 dias, para matar

ainda identificar todas as fotos. Tem sido um

todos os microorganismos. Após esse período, o

processo lento”, disse Consuelo. Finalizado o

freezer é desligado e fica dois dias sem abrir, para

processo de preservação, a documentação está

que não haja o choque térmico. Depois disso, o

preparada para ser digitalizada, microfilmada

documento vai para a mesa, onde um técnico,

em duas cópias, uma para o Centro de Memória

com a escova, remove os fungos mortos no

e outra para a imprensa pública, colocada num

congelamento. É uma fase que precede qualquer

cofre de segurança e cadastrada.

tratamento que se queira dar posteriormente aos documentos”, explicou Consuelo.

“A elaboração e a publicação do catálogo de cada acervo tem sido muito lenta, por falta de apoio,

No Centro de Memória da Bahia, são os

mas a Fundação Pedro Calmon está trabalhando

estagiários

A

para integrar esse banco de dados à internet.

higienização prossegue, numa mesa específica,

que

fazem

a

desinfetação.

Encontra-se instalado um banco de dados no

com um aspirador que vai sugando todos

servidor da própria Fundação. Assim, as imagens

os microorganismos. A fase seguinte é de

que o pesquisador escolhe para a pesquisa dele

cadastramento em formulário criado no próprio

só podem ser recuperadas no nosso Centro de

Centro de Memória. O cadastramento envolve

Memória. Não está ainda ao alcance de todos,

a organização dos documentos em ordem

mas chegaremos lá”, afirmou.

cronológica, a classificação em séries, e a codificação através de ementas e descritores.

Difusão da memória

Todos os colaboradores da instituição são terceirizados. “Um deles é Alvito, bisneto do

A atividade de difusão da memória histórica da

Barão de Jeremoabo, que está nos ajudando na

Bahia envolve a promoção de cursos, palestras,

transcrição das cartas do primeiro governador

exposições

constitucional da Bahia, José Gonçalves da Silva,

produção do conhecimento. O Centro de Memória

que era muito amigo do Barão de Jeremoabo,

realiza anualmente o curso Conversando com a

e a letra dele é terrível. Alvito lê e um outro

sua História, que abrange os períodos colonial,

colaborador transcreve, facilitando a consulta

imperial e republicano da Bahia. “Priorizamos

pelos pesquisadores”, disse a diretora do Centro

como

de Memória da Bahia à audiência da FMC.

e doutores que fizeram suas teses e pouca

e

pesquisas

palestrantes

que

aqueles

resultem

jovens

na

mestres

oportunidade têm de exibir seu trabalho.” Depois O Centro utiliza três tipos de formulário: um para

da apresentação do palestrante, há um debate.

documentos textuais, outro para iconografia e fotos e um terceiro para recortes de jornais.

“Na última apresentação do curso, em 2006,

“Nós adaptamos esses formulários à nossa

o professor Charles Almeida falou sobre as

necessidade, mas os temos cedido a várias

filarmônicas baianas. Depois, a filarmônica de

entidades da Bahia, inclusive para a organização

Santo Antônio de Jesus fez uma bela exibição em

do Arquivo Privado Mário Mendonça, que é um

frente ao palácio. Raramente temos menos de

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

67

Aula do curso Conversando com a sua História, promovido anualmente pelo Centro de Memória da Bahia

cem espectadores, todos intervêm. Em 2008, a

1.510 homens públicos”, disse Consuelo. Foram

apresentação da filarmônica Amantes da Lira, de

feitos 415 verbetes com recursos do Fundo de

Santo Amaro, encerrou o curso”, disse a diretora.

Cultura do Estado da Bahia. Outros cem foram possíveis com recursos da FAPESB, que deixou

De nove a dez palestras do curso costumam

de colaborar em 2008. “As ações da secretaria

ser selecionadas, transformadas em artigos

de Cultura, sob a qual fica a Fundação Pedro

e publicadas na revista História da Bahia, da

Calmon, estão sendo carreadas para a construção

Fundação Pedro Calmon. Segundo Consuelo

de outro modelo, mais voltado para as artes e

Novais, a revista teve muito boa aceitação, foi

ações populares.” Até a realização do seminário,

distribuída por todo o Estado, mas deixou de

o Centro de Memória da Bahia construíra 520

circular por falta de recursos.

verbetes biográficos e 20 verbetes temáticos, que se encontram disponíveis para o pesquisador em

O projeto Mostra Memória estabeleceu uma maior

cópias digitalizadas em volumes de DVD.

identidade do público com o acervo. Realizaramse exposições com documentos e objetos de

A publicação das cartas que Otávio Mangabeira

várias personalidades, entre elas o patrono,

escreveu e recebeu em dois exílios – de 1930 a

Pedro Calmon, e o governador Otávio Mangabeira.

1934 e de 1937 a 1945 – é um outro projeto em pauta. “É emocionante ler as cartas dele. A

68

“Um outro projeto que eu gostaria que fosse

correspondência espontânea revela muito do que

levado à cabo é o Dicionário Biográfico Histórico

a documentação oficial esconde. Conseguimos

da Bahia, que vai desde a proclamação da

a aprovação de uma parte do projeto, para

República até 2006, abrangendo um total de

trabalhar as cartas do primeiro exílio.”

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Reunião de toda a equipe de pesquisadores e colaboradores do Centro de Memória da Bahia

Muitos desafios

uma visão de mundo.” A diretora do Centro de Memória da Bahia considera que os arquivos

Para Consuelo Novais, os desafios de gerir um acervo

público

são

muitos,

principalmente

quando há uma mudança de governo, que tem um poder maior do que o da instituição e outras prioridades. Um dos grandes desafios, em sua opinião, é fazer com que a memória histórica seja entendida pelos gestores das instituições mantenedoras como fenômeno coletivo social, e não algo que seja relativo apenas às elites. “O objetivo maior desses acervos em que nós estamos trabalhando é a produção do conhecimento, é impulsionar o homem para a frente.” “Pessoalmente, gosto muito de uma citação de Jung (Carl Gustav, psiquiatra suíço): ‘o homem que cresce sem conhecimento histórico é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão’. Assim, o que fazemos com os acervos é constituir

privados têm a vantagem de conter escritos no calor do acontecimento e, por isso, estão menos sujeitos à preocupação do personagem com a imagem que dele se faz ou faria. Lembrou ainda que a instituição foi criada para estancar a sangria de valiosas fontes documentais baianas, recuperar acervos perdidos e disponibilizar para a pesquisa o material sob sua guarda. “Mais de 14 ou 15 arquivos importantes da Bahia estão no CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, inclusive o de Juracy Magalhães (governador em três mandatos), por não confiar no tratamento que receberia na Bahia”, lamentou. “Somente preservando a memória poderemos contribuir para o progresso do conhecimento e para a afirmação da identidade da sociedade baiana, assegurando-lhe o desenvolvimento que tanto tem buscado”, finalizou Consuelo Novais.

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

69

Uma história de persistência A história do Centro de Memória da Bahia, da Fundação Pedro Calmon, é praticamente indissociável da trajetória acadêmica de sua diretora, Consuelo Novais Sampaio. A dificuldade de obter dados para a sua tese de mestrado, em 1973, sobre o Poder Legislativo - Partidos Políticos da Bahia, levou a baiana de Jequié aos professores Kátia Matoso, Johannes Ioguel e João José Reis. Os quatro, juntos, decidiram criar um centro de memória para reunir as informações perdidas, disse a diretora, em sua palestra no Seminário Acervos de Personalidades. “Na condição de coordenadora, fui ao Rio de Janeiro buscar recursos na Ford Foundation, então administrada pelo professor Richard Morse. Ao analisar o nosso projeto, Morse recomendou que eu fosse à Fundação Getúlio Vargas ver o projeto da Celina do Amaral Peixoto, que era semelhante. Fui ao CPDOC, conversei com a Celina, combinamos de trocar idéias e voltei à Bahia”, disse Consuelo. Como ainda não era reconhecida pela sociedade acadêmica baiana, os professores bloquearam o projeto. Morse, então, recomendou que ela se candidatasse ao doutorado. E foi o que fez. O tema escolhido para a tese, defendida na The

também de comparação de biografias coletivas,

Johns Hopkins University, nos Estados Unidos,

do Estado de New Jersey. “Para fazer a biografia,

foi Crise no Sistema Oligárquico Brasileiro. “Eu

ele teve apenas de ir à biblioteca da própria

objetivava uma comparação da biografia coletiva

universidade e tirar os livros com todos os dados.

do Legislativo de antes e depois de 1930, e vim à

E o Legislativo de estudo dele era de 1783, século

Bahia coletar dados. Reuni pesquisadores, mas a

XVIII. O meu era de pleno século XX, e não tinha

dificuldade continuou a mesma. Para identificar

nada. Ele conseguira dados biográficos dos

as datas de nascimento e morte de um deputado,

deputados, o que eles fizeram”, contou Consuelo.

em Belmonte, tivemos de ir ao cemitério ver a lápide, porque o filho dele não sabia”, disse

De volta à Bahia, iniciou uma pesquisa que

Consuelo. Resultado: não saiu a biografia, a tese

estudava o período entre o golpe de Getúlio

não ficou com a comparação que ela queria fazer.

Vargas, de 1937, e o militar, de 1964. Mais uma vez, deparou-se com a dificuldade em colher dados

70

A frustração foi ainda maior porque um colega

de deputados. “Comecei a fazer entrevistas com

de departamento na universidade americana

os remanescentes e seus descendentes. Numa

tinha uma proposta de dissertação semelhante,

delas, com o já falecido senador Josafá Marinho,

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

falei das minhas tentativas de criar um centro de memória da Bahia e ele resolveu dar forma jurídica a ele.” Assim, criou-se a Fundação Pedro Calmon, com a colaboração de Jorge Calmon, irmão de Pedro Calmon, que foi deputado e romancista. Era 1986, ano de eleição, e todos os cargos foram distribuídos a políticos. Consuelo assumiu a direção em 2003, depois que a Fundação Pedro Calmon incorporou os arquivos estaduais, municipais e também a biblioteca e passou a denominar-se Fundação Pedro Calmon, Centro de Memória e Arquivo Público da Bahia. Assim, passou a funcionar efetivamente como repositório da memória política do Estado, guardando arquivos privados de políticos e ex-g

CONSUELO NOVAIS SAMPAIO A História é o cerne da vida acadêmica de Consuelo Novais Sampaio. Graduou-se e licenciou-se em História pela Universidade do Brasil (1958), é mestre pela Universidade Federal da Bahia (1973) e pela The Johns Hopkins University (1977). Doutorouse pela The Johns Hopkins University (1979) e fez pós-doutorado na University of California Los Angeles (1986). Atualmente, é diretora do Centro de Memória da Bahia da Fundação Pedro Calmon. Sua experiência na área de História tem ênfase em História Latino-Americana, com destaque para economia regional, oligarquias, regionalismo, poder político e história da Bahia.

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

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O palácio Rio Branco O Centro de Memória da Fundação Pedro Calmon

de seus salões. Fora formada com o propósito

foi instalado no Palácio Rio Branco, antiga sede

de reunir informações sobre a Nova Lusitânia,

do governo do Estado da Bahia e um dos mais

que seriam enviadas para a Corte e anexadas à

velhos do Brasil. Localiza-se em Salvador, na

História de Portugal, que estava sendo redigida

Praça Tomé de Sousa, onde também estão os

pela Academia Real de História Portuguesa.

prédios da Prefeitura da cidade e da Câmara

Funcionou como quartel e prisão e abrigou Dom

Municipal e o Elevador Lacerda.

Pedro II, quando esteve na Bahia, em 1859.

O palácio começou a ser construído pelo

No final do século XIX, o Palácio Rio Branco

primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de

ainda ostentava a velha fachada colonial

Sousa, em meados do século XVI, para servir

portuguesa,

como o centro da administração portuguesa.

nascente República Federativa do Brasil. O

No início, era feito de taipa de pilão, recebendo

prédio recebeu, então, uma reforma radical,

posteriormente pequenas ampliações.

finalizada em 1900, na gestão do governador

símbolo

de

decadência

na

Luís Viana. Reformado, passou a exibir um

72

A sede da Academia Brasílica dos Esquecidos,

imponente estilo neoclássico. Internamente,

a primeira Academia de Letras fundada no

agregou uma sofisticada escadaria de ferro

Brasil, em 23 de abril 1724, abrigou-se em um

inglês com vidro francês.

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

PEDRO CALMON, FILHO DE AMARGOSA Pedro Calmon Moniz de Bittencourt, patrono do Centro de Memória da Bahia, nasceu em Amargosa, interior baiano, em 23 de dezembro de 1902, filho de Pedro Calmon Freire Bittencourt e Maria Romana Moniz de Aragão Calmon de Bittencourt. Foi professor, político, historiador, biógrafo, ensaísta e grande orador. Em

1920,

Pedro

Calmon

ingressou

na

Faculdade de Direito da Bahia. Dois anos depois, transferiu-se para o Rio de Janeiro, para secretariar a Comissão Promotora dos Congressos do Centenário da Independência, continuando seus estudos na Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, diplomando-se em 1924. Foi

secretário

Agricultura

no

particular governo

do Artur

ministro

da

Bernardes,

habilitando-se, em 1925, no concurso de provas para conservador do Museu Histórico Nacional. No Museu, realizou ampla reforma administrativa e criou a cadeira de História da Civilização Brasileira, para a qual escreveu um Sede da administração portuguesa nos tempos do Império, o Palácio Rio Branco abrigou o Centro de Memória da Bahia

livro com o mesmo título. Em 1927, ingressou na política como deputado estadual pela Bahia. Em 1935, foi eleito deputado federal e, de 1950 a 1951, assumiu o

Em 10 de janeiro de 1912, o palácio foi um dos

comando do Ministério da Educação e Saúde,

pontos atingidos pelo bombardeio ordenado

no governo do presidente Eurico Gaspar Dutra.

pelo presidente da República, Hermes da Fonseca, em Salvador. O ataque destruiu o acervo de livros raros, que ficava na parte térrea. Começou a ser reconstruído no mesmo ano e foi reinaugurado pelo governador Antônio Ferrão Moniz de Aragão, em 1919. O palácio reconstruído recebeu o nome de Rio Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco. Mais recentemente, em 1984, o prédio passou por uma restauração completa, devido ao péssimo estado de conservação em que se encontrava. Em 2009, a pedido do governo Jaques Wagner, o prédio histórico deixará de abrigar o Centro de Memória da Bahia. Seu novo endereço será a

Seu primeiro trabalho jurídico data de 1926 – Direito de Propriedade –, inicialmente destinado à tese de doutorado. Em 1935, publicou o primeiro volume da História Social do Brasil, uma das obras que o habilitaram a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras. Elegeu-se em 16 de abril de 1936 para a Cadeira nº 16, cujo patrono é Gregório de Matos, da qual foi o terceiro ocupante. Ocupou a presidência da Casa, em 1945. Foi orador oficial do Instituto dos Advogados do Brasil, em dois períodos; delegado do Brasil à conferência Interamericana do México, em 1945. Morreu no Rio de Janeiro, em 16 de junho de 1985.

Biblioteca Central, na avenida Sete.

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

73

Erico VerIssimo REÚNE O ACERVO A natureza desprendida do escritor gaúcho é uma das pedras no caminho da organização de seu aRQUIvo

O escritor Erico Verissimo na juventude

Mafalda Verissimo olhava todo santo dia para a papelada deixada pelo marido, o escritor gaúcho Erico Verissimo, e não se animava e mexer. Doía lembrar dele ali, no escritório de casa, em plena atividade. Doía lembrar de sua partida deste mundo. Em 1982, sete anos após a morte de Erico, Mafalda tomou coragem e convidou Maria da Glória Bordini, então professora de Teoria da Literatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), para organizar tudo. Começou assim a se formar o acervo literário do autor de O Tempo e o Vento, como contou a professora à audiência do Seminário Acervos de Personalidades.

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

75

O escritor gaúcho Erico Verissimo e sua biblioteca particular, em Porto Alegre

O convite de Mafalda devia-se ao fato de Maria

por tópicos ou por espécies. “Era muita coisa,

da Glória Bordini ter sido secretária editorial da

estava tudo revirado, não havia uma ordem

Editora Globo e trabalhado com Erico Verissimo

deixada pelo escritor porque muitos anos haviam

no período de 1969 a 1975, últimos anos da vida

se passado.” Na época, a coordenadora não

do escritor. “Tínhamos uma relação profissional

sabia coisa alguma de arquivologia, mas tinha

muito boa”, afirmou Maria da Glória. O emprego

experiência editorial e era formada em Letras.

na editora fora o próprio Erico quem conseguira para ela, ao ser expurgada da Universidade

Como não conhecia arquivologia, tratou de

Federal do Rio Grande do Sul, em 1969, por conta

aprender. Visitou o Museu Nacional, no Rio

de arbitrariedades do regime militar.

de Janeiro, a Biblioteca Nacional, observou como é que as coisas se organizavam e criou

76

Maria da Glória começou a montagem do acervo

uma ficha de catalogação básica para poder

com o básico: seleção do material e organização

trabalhar com o material. Tais fichas permitiram,

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

que nunca termina e nunca está totalmente organizado, é um trabalho sem fim.” Os sistemas de recuperação da informação foram sendo aperfeiçoados aos poucos, com o tempo. Quando o acervo literário de Erico Verissimo passou a ser muito procurado pelos pesquisadores, ficou inviável sua permanência na residência da família. Foi então transferido para a PUC, onde Maria da Glória era ainda professora e colaboradora. Quando ela se aposentou na UFRGS, ficou um período na PUC como professora titular de Teoria da Literatura, e o acervo foi junto com ela. Na universidade, organizaram-se, nos mesmos moldes do material de Erico Verissimo outros acervos de escritores gaúchos, como Dionélio Machado, Mário Quintana e Dalila Ripol. A informatização do catálogo do acervo foi realizada

com

um

software

desenvolvido

especialmente para o acervo do Erico. Em 2007, quando fechou o centro de memória da PUC-RS, o acervo de Erico foi para a casa do filho, o também escritor Luís Fernando Veríssimo.

A estrutura do acervo O acervo de Erico Verissimo é constituído de dezesseis séries ou classes de documentos. A classe um reúne os originais, englobando material que não foi publicado ou a última versão de manuscritos ou prototextos. dois anos depois, que ela apresentasse, como professora convidada da PUC-RS, um projeto de

Na classe dois, enquadra-se a correspondência

organização do acervo ao Conselho Nacional de

ativa e passiva, do escritor e de outras pessoas

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

para ele. Já a série três reúne publicações na

Esse projeto e um outro, sobre Guimarães Rosa,

imprensa, desde os recortes que o escritor

foram aprovados em 1984. “Foram pioneiros,

guardava até entrevistas, qualquer material

porque o CNPq não trabalhava com esse tipo de

que saiu na mídia impressa, seja notícia de

pesquisa científica”, disse Maria da Glória.

lançamento de livro seja resenha. Há a classe Esboços e Notas, que contém todos os prototextos

O acervo continuou sediado na casa de Erico

que o Erico deixou de algumas obras.

Verissimo, mas foi crescendo com o trabalho de coleta, organização e catalogação. “Muita coisa

“O Erico não guardava muito material. Muita coisa

chega até hoje. Um acervo é uma coisa viva,

ele pôs fora. Muitos originais ele encadernou e

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

77

deu de presente. Vamos descobrindo isso aos

livros, revistas, periódicos científicos e jornais,

poucos, quando morre quem ganhou a obra de

principalmente nos suplementos literários.

presente, e os filhos ou colocam à disposição ou leiloam por altos preços. Não temos todos os

A adaptação da obra do escritor para outras

originais por esse motivo, eles vão aparecendo

linguagens tem uma série própria. Lá estão

aos poucos. Compramos dois, mas custaram caro.

“cartazes ou fotos de uma peça de teatro ou de

Somos contra aquisições e, portanto, sempre

um filme, a letra do samba enredo da Escola de

pedimos doações”, disse Maria da Glória. A

Samba X, programa de balé, tem de tudo”. Outra

categoria Esboços e Notas inclui desde fichários

classe é a pinacoteca, com os quadros que Érico

até esboços em folhas datilografadas, com

comprou ou recebeu de presente, incluindo

emendas em vários estágios de realização.

outros objetos de arte. Em história editorial estão os contratos, como prestação de contas

Erico Verissimo tinha uma vocação frustrada para

para ver a circulação da obra em determinados

desenhista. Por isso, há uma classe Ilustrações,

períodos. “Tentamos manter isso atualizado, mas

no acervo. “Ele desenhava muito, às vezes em

é difícil porque as editoras não costumam nos

folhas brancas, nas margens dos originais, dos

enviar. A série inclui elementos voltados para a

esboços. Há muitas caricaturas e caligramas.” A

produção de livros, como o esboço de uma capa,

classe seis comporta os documentos audiovisuais,

um desenho que ele mesmo faz para dizer para o

como fotografias, fitas cassete, discos e vídeos.

capista como é que ele gostaria que fosse a capa

“A discoteca dele era basicamente clássica. Temos

do livro X, que às vezes não é aproveitada.”

vídeos de programas em que ele apareceu.” Uma classe problemática é a Biblioteca. “A Na classe Memorabília, que honra a memória

biblioteca sempre esteve na casa dele, e a família

do escritor, estão honrarias, como diplomas,

usa, empresta, somem os livros.” Como a biblioteca

medalhas, troféus, prêmios e também souvenirs

do pai se misturou com a do filho, que é enorme,

de viagem, presentes recebidos, homenagens

decidiu-se que os livros até 1975 eram do Erico.

públicas

e

Na classe Vida, ficaram as coisas não literárias,

homenagens particulares. “Tem muita gente que

documentos pessoais, objetos como óculos,

manda para os autores uma obra ou carta ou

canetas, máquina de escrever, comprovantes de

desenho. Incluímos nessa classe os monumentos,

atividades profissionais não ligadas à literatura.

ruas e edifícios que têm o nome de personagens

“Ele foi diretor do departamento de assuntos

do Erico. Como há muitos, apenas fotografamos.”

culturais da Organização dos Estados Americanos

de

governantes,

parlamentares

(OEA). A parte diplomática está preservada, Os comprovantes de edição foram reunidos na

um material que conseguimos há muito pouco

classe oito do acervo, que não possui todas as

tempo, uns dois anos.”

primeiras edições das obras de Erico. “Ele não guardava mesmo, dava os livros de presente.

Uma das classes do acervo literário tem um

Mas nós temos muitos comprovantes de várias

catálogo para descrever as obras. Com o tempo, a

edições das muitas editoras que publicaram a

ideia de Maria da Glória é linkar os comprovantes

obra dele e também os comprovantes das edições

de edição para saber quantas edições cada

estrangeiras, desde o Japão até a Finlândia.”

obra teve e fazer cruzamentos com outros itens do catálogo. A última é a classe História do

Uma

outra

pesquisadores

classe,

muito

de

literatura

procurada brasileira,

pelos

Acervo, destinada a guardar a memória de quem

traz

trabalhou nele e dos eventos e publicações que

os comprovantes de crítica acadêmica em

78

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

foram realizados sobre o arquivo.

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Fachada do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, em Porto Alegre

Petrobrás, para reformar um prédio e instalar ali o acervo. Fizemos todo o trâmite, mas não deu certo, porque mudou o presidente da empresa na hora em que nós estávamos terminando.” Mais adiante, tentou-se obter um prédio com a Associação Rio-grandense de Imprensa, mas também não deu resultado. Mais algum tempo, e surgiu a oportunidade de fazer o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. O prédio, na região central de Porto Alegre, foi construído entre os anos de 1926 e 1928 pelo engenheiro Adolfo Stern, ocupando 2.775 metros quadrados. Em estilo eclético, mas com influência francesa do início do século XX, foi tombado em 1994 pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul. A reforma do edifício, também conhecido por Força e Luz, por abrigar as concessionárias de energia gaúchas, foi patrocinada pela Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, custou 4,4 milhões de

Em busca de um espaço

reais e durou dois anos. “O prédio tem laboratório, auditório, projeção digital, copiadoras potentes para fazer a reprodução, arquivos deslizantes, mas nós nunca usamos”, disse Maria da Glória. Discordâncias entre o Estado e os Verissimo sobre a gestão do Centro teriam influído na decisão.

As várias mudanças de lugar dificultaram o trabalho de organização do acervo de Erico

No prédio do Centro Cultural funcionam salas

Verissimo, iniciado em 1982. Primeiro, o material

de exposições, teatro, biblioteca, o Museu da

foi da casa do escritor para a PUC-RS, numa

Eletridade do RS, além de um espaço permanente

instalação provisória. Depois de algum tempo,

de exposição de acervo de Erico Verissimo,

houve uma reforma no prédio da universidade,

atualmente composto de primeiras edições de

que criou um espaço específico para o centro de

livros do escritor, 26 fotografias da década de

memória. “As coisas melhoraram, mas nós nunca

70 e manuscritos, segundo Sabrina Lindemann,

tivemos, por exemplo, um laboratório para fazer

coordenadora cultural do Centro.

a conservação adequada do material”, disse Maria da Glória Bordini, coordenadora do acervo.

Quando Maria da Glória saiu da PUC-RS, o acervo voltou para a casa de Luís Fernando Verissimo.

As tentativas de obter a sede definitiva foram

Está numa situação mais precária, mas com a

muitas. “Procuramos conseguir recursos com a

promessa de uma nova sede, desta vez definitiva.

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

79

O retrato do escritor gaúcho, de 1956, faz parte do Acervo Literário Erico Verissimo

80

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Da farmácia à glória literária Dinheiro curto, inconveniências políticas, cargo diplomático e mais de uma dezena de obras compõem a trajetória de Erico VerIssimo O escritor brasileiro Erico Verissimo nasceu em Cruz Alta, interior do Rio Grande do Sul, em 17 de dezembro de 1905, filho do farmacêutico Sebastião Verissimo e da dona-decasa Abegahy Lopes Verissimo, ambos de tradicionais famílias gaúchas. O pai queria que fosse estudar na Universidade de Edimburgo, na Escócia, mas ao completar 18 anos, a difícil situação financeira da família não permitiu. Erico foi então estudar em Porto Alegre e, de volta a Cruz Alta, trabalhou num armazém e, depois, num banco. Fez um pé de meia e aplicou o dinheiro na sociedade de uma farmácia. Os negócios com remédios não iam nada bem, mas serviram para conhecer Mafalda Halfen Volpi, com quem se casaria. Montou nos fundos da farmácia uma escola de inglês, que se tornou ponto de encontro de pensadores, dando a Erico a chance de ter contato com o que gostava: literatura e arte.

Seus contos e desenhos foram publicados pela

tempos de Cruz Alta. No ano seguinte, lança o

primeira vez nos jornais Correio do Povo e Diário

livro infantil Aventuras de Tibicuera.

de Notícias, de Porto Alegre. Em 1930, mudouse para a capital gaúcha e passou a conviver

O romance Olhai os Lírios do Campo, um de seus

com escritores renomados. No final do ano, foi

maiores sucessos, é publicado em 1938. Conquista

contratado para ocupar o cargo de secretário de

sua primeira noite de autógrafos com Saga, um

redação da Revista do Globo e, no dia 15 de julho

ano depois. Em 1941, Erico passa três meses nos

de 1931, casou-se com Mafalda.

Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado, e faz conferências em várias cidades.

Erico Verissimo começa a publicar suas obras.

Publica Gato Preto em Campo de Neve e, no ano

Fantoches, livro de contos, vai para as prateleiras

seguinte, O Resto é Silêncio. A discordância com

das livrarias em 1932. Um ano depois, é a vez do

a ditadura Vargas faz o escritor aceitar o convite

romance Clarissa. Em 1935, ano do nascimento

para lecionar Literatura Brasileira na Universidade

de sua primeira filha, Clarissa, lança Caminhos

da Califórnia, nos Estados Unidos, e muda-se

Cruzados. No mesmo ano, com o livro Música ao

com toda a família para Berkeley.

Longe, obtém o primeiro lugar no Grande Prêmio de Romance Machado de Assis, da Companhia

Seus romances Caminhos Cruzados, O Resto é

Editora Nacional para obras inéditas, e publica a

Silêncio e Olhai os Lírios do Campo são editados

biografia A Vida de Joana D’Arc.

nos Estados Unidos. Mais tarde suas obras seriam traduzidas para os idiomas francês,

No ano de 1936, nascem o filho Luis Fernando,

alemão, espanhol, finlandês, holandês, húngaro,

seu primeiro livro infantil, As Aventuras do Avião

indonésio, italiano, japonês, norueguês, polonês,

Vermelho, e Um Lugar ao Sol, um retrato dos

romeno, russo, sueco e tcheco, o que fez de Erico

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

81

Página inicial de O Continente, volume um da trilogia O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo Verissimo um dos escritores brasileiros mais lidos

1959, para a Europa. Faz palestras em Portugal,

no mundo todo. No retorno ao Brasil, lança A

defendendo a democracia, e entra em choque

Volta do Gato Preto, um livro de observações

com a ditadura salazarista. Publica O Ataque. Em

sobre a vida em terras americanas.

1961, quando escrevia a última parte da trilogia O Tempo e o Vento, sofre um infarto.

O Tempo e o Vento, a obra que tanto sonhara,

82

começa a ser escrita em 1947 e se transforma na

Durante o período de recuperação, de quase um

trilogia apontada pela crítica como seu maior

ano, faz as correções de O Arquipélago. O golpe

sucesso. Em 1953, a família Verissimo volta aos

militar de 1964 inspira O Senhor Embaixador,

Estados Unidos e Erico assume, em Washington,

lançado em 1965. Erico faz uma visita a Israel, que

a

Assuntos

rende mais um diário de viagem: O Prisioneiro, de

Culturais da União Panamericana, na Secretaria

1967. Em 1971, publica Incidente em Antares. Em

da Organização dos Estados Americanos. Com a

28 de novembro de 1975, não sobrevive a mais um

mulher Mafalda e o filho Luis Fernando, viaja, em

infarto e deixa inacabado Solo de Clarineta.

direção

do

Departamento

de

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A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Maria da Glória Bordini, coordenadora do acervo de Erico Verissimo, durante palestra na FMC

“Lidar com o ALEV é um privilégio” Maria da Glória Bordini, coordenadora do Acervo Literário de Erico Verissimo, fala de sua experiência no trato da memória do escritor gaúcho

Um acervo é uma obra viva. A cada momento surgem descobertas, confirmações ou refutações do conhecimento acumulado ao longo do tempo dedicado ao arquivo, e isso permite ao organizador realizar um trabalho de memória e história ou memória e crítica, impossível em outras circunstâncias. Essa é a visão de Maria da Glória Bordini, coordenadora do Acervo Literário de Erico Verissimo (ALEV), exposta na entrevista à Fundação Mario Covas. F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

83

FMC - O Acervo Literário de Erico Verissimo mudou várias vezes de lugar. Algum documento importante se perdeu ou estragou nessa movimentação?

esse material ao acervo e dar acesso aos pesquisadores? MARIA DA GLÓRIA - Normalmente não temos notícia dos destinatários das doações que

MARIA DA GLÓRIA BORDINI - O ALEV primeiro

Erico Verissimo costumava fazer aos amigos.

foi organizado na residência dos Verissimo e,

Só sabemos delas quando a pessoa que

depois, foi posto sob a guarda da Pontifícia

recebeu entra em contato conosco ou quando

Universidade Católica do Rio Grande do Sul

há algum leilão de manuscritos. Erico não

(PUC-RS), onde ocupou dois espaços em

deixou registros de suas doações, e a família

andares diversos, sendo por fim devolvido

também não os possui.

à residência dos Verissimo. Até onde pude constatar, não houve perda de nenhum documento importante, fundamental, apenas os descartes usuais de material insignificante para a memória de Erico Verissimo ou para a pesquisa acadêmica.

FMC - Algum trabalho de coleta mais incisivo do material foi realizado? MARIA

DA

GLÓRIA

-

Fizemos

anúncios

em jornais e programas de televisão nos primeiros anos de funcionamento do ALEV,

FMC - Qual é a maior preciosidade desse acervo, na sua opinião?

sem resultados. Através de exposições e publicação de artigos, o ALEV tornou-se conhecido, e então começamos a receber

MARIA DA GLÓRIA - Sem dúvida, os datiloscritos

cartas, fotografias e edições raras, bem como

e os esboços das obras, em especial de O Tempo

críticas sobre sua obra.

e Vento, Incidente em Antares, O Senhor Embaixador, O Prisioneiro e Solo de Clarineta, entre outros. E não se podem esquecer as cartas de Erico e seus correspondentes. FMC - Qual documento lhe deu mais satisfação recuperar?

FMC – Por ter formação em Letras e especialização em Teoria da Literatura, a senhora fez alguma especialização em arquivologia para lidar com o ALEV? MARIA

DA

GLÓRIA

-

Minha

experiência

com arquivos literários é essencialmente MARIA DA GLÓRIA – Foi uma enorme satisfação

autodidata. De início, para aprender sobre

recuperar os textos datilografados de O

a organização de arquivos, visitei o Museu

Retrato, segunda parte de O Tempo e o

Nacional e o Museu de Literatura Brasileira

Vento, completando o que tínhamos da

da Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro,

trilogia. Também foi muito bom obter a cópia

o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP),

fotográfica do datiloscrito de Olhai os Lírios do

em São Paulo, a Fundação Jorge Amado, em

Campo, doada por José Mindlin (empresário e

Salvador, e fui fazendo contatos e observações

colecionador de livros raros), as cartas trocadas

em cada local por onde passei.

com Herbert Caro (bibliotecário e tradutor do alemão) e Vianna Moog (romancista e

Fiz apenas um estágio no ITEM/CNRS (Instituto

ensaísta), doadas pelas respectivas famílias,

de Textos e Manuscritos Modernos do Centro

e os discursos e outros documentos de Erico

Nacional de Pesquisa Científica) de Paris,

na Organização dos Estados Americanos (OEA),

graças à colaboração dos colegas do IEB e à

coletados em Washington pela então minha

CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de

doutoranda Ana Letícia Fauri.

Pessoal de Nível Superior do Ministério da

FMC - As pessoas presenteadas com originais e primeiras edições de Erico Verissimo não se sensibilizam em doar

84

F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA

Educação), mas dedicada à crítica genética. Em Paris, visitei outras instituições dedicadas ao patrimônio material de escritores. Na

A c erv o s d e Pers o n a l i d a d es

Brown

University,

nos

Estados

Unidos,

estudei brevemente o sistema de arquivos da Biblioteca John Carter Brown. FMC - Como é para uma pessoa dedicada à obra literária passar tantos anos na montagem da memória do autor? MARIA DA GLÓRIA - Trabalhar com fontes primárias

é

um

privilégio

que

poucos

pesquisadores têm, em especial quando se trata de organizar e manter um acervo pessoal inteiro. A cada momento surgem descobertas, confirmações ou refutações do conhecimento estabelecido sobre o autor, dados novos, permitindo um trabalho de memória e história, ou de memória e crítica, como não se pode realizar em outro local. O Acervo Literário também me proporcionou pensar teoricamente sobre a materialidade da literatura, assunto que ainda é muito pouco explorado no Brasil. Afora o fato de que tive a grande oportunidade de conhecer Erico Verissimo num nível de profundidade que outras áreas não possibilitam. FMC - O acervo, mesmo sediado na casa de Luis Fernando, está aberto à consulta dos pesquisadores? Como eles fazem para ter acesso? MARIA DA GLÓRIA - No momento, o ALEV está fechado a consultas. Só podemos atender interessados em parte da fortuna crítica e parte do material fotográfico e epistolar, de que temos exemplares extras ou cópias digitalizadas. O acesso é feito através do meu e-mail, como coordenadora do ALEV. FMC - A senhora disse que teríamos surpresas sobre a sede do acervo. O novo endereço está definido? Como está sendo o processo? MARIA DA GLÓRIA - A definição da futura sede do Acervo Literário de Erico Verissimo está em fase de finalização. No momento, estamos envolvidos nas tratativas contratuais e não podemos adiantar mais detalhes.

MARIA DA GLÓRIA BORDINI Doutora em Letras pela PUC-RS, Maria da Glória Bordini especializou-se em Teoria da Literatura. Atualmente, é pesquisadora do CNPq e professora colaboradora do programa de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi professora titular do programa de pósgraduação em Letras da PUC-RS, onde coordenou o Centro de Memória Literária, atualmente extinto, que reunia acervos de dez escritores sul-rio-grandenses, e organizou cinco edições dos Encontros Nacionais de Acervos Literários Brasileiros. Desde 1991, é editora associada da revista binacional Brasil/Brazil Revista de Literatura Brasileira, publicada em nova fase pela Associação Cultural Acervo Literário de Erico Verissimo e pela Brown University, dos Estados Unidos. Coordena, desde 1982, o Acervo Literário de Erico Verissimo. Publicou Fenomenologia e Teoria Literária, pela Edusp, Criação Literária em Erico Verissimo, pela L&PM, e Caderno de Pauta Simples: Erico Verissimo e a Crítica Literária, pelo IEL/RS, entre outras obras em co-autoria, além de traduções e artigos sobre literatura em livros e em periódicos nacionais e estrangeiros.

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a c erv o s d e p ers o n a l i d a d es

85

Fundação Mario Covas Diretoria

Presidente da Fundação Mario Covas

Antonio Carlos Rizeque Malufe

Diretor Secretário

Luis Sergio Serra Matarazzo

Diretor Tesoureiro

Marcos Martinez

Conselho Curador Presidente

Bruno Covas Lopes

Vice-Presidente

Belisário dos Santos Junior

Secretário

Marco Vinício Petrelluzzi

Membros Vitalícios

Florinda Gomes Covas



Mario Covas Neto



Renata Covas Lopes



Rubens Naman Rizek

Membros Eletivos

Edson Tomaz de Lima Filho



Edson Vismona



Fernando Padula Novaes



José da Silva Guedes



Luiz Carlos Frigério



Marcos Arbaitman



Marco Ribeiro de Mendonça



Mauro Guilherme Jardim Arce



Michael Paul Zeitlin



Osvaldo Martins de Oliveira Filho



Sami Bussab

Administração

Rosangela Lopes Moreno Baptista



Eduardo Strabelli



Odair Aparecido Ribeiro Campos

Centro de Memória Mario Covas

86

Coordenação

Raquel Freitas

Consultora Arquivística

Maria Cristina de Carvalho Pazin

Técnicos Documentalistas

Gustavo Molina Turra



Noubar Sarkissian Junior



Tiago Silva Rodrigues Navarro



Wesley Cunha Soares

Pesquisadores

Pedro Rodrigues de Albuquerque Cavalcanti



Renato de Mattos

Gestão de Projeto Cultural

FormArte – Projetos, Produção e Assessoria Ltda.

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Fundação Mario Covas em revista Coordenação Editorial

Atelier de Imagem e Comunicação



Teresa Cristina Miranda - MTb 12.170

Editora

Lucia Reggiani - MTb 11.479

Redação

Teresa Cristina Miranda



Lucia Reggiani

Administração

Cláudia Sardinha



Projeto Gráfico e Diagramação

Anibal Sá Comunicação & Design

Fotografia

A2 Fotografia

Edição

Angelo Perosa

Produção

Rosana Jerônimo Ribeiro



Ana Paula de Oliveira Silva

Fotógrafo

Milton Michida

Agradecimentos A Fundação Mario Covas agradece aos Centro de Documentação 25 de Abril, Centro de Memória Unicamp, Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento, Casa de Oswaldo CruzArquivo Fiocruz, Centro de Memória da Bahia e Acervo Literário Erico Verissimo por terem cedido gentilmente as reproduções de documentos e fotografias que ilustram os textos sobre seus respectivos acervos, produzidas pelos fotógrafos:

Juca Ferreira



Salomon Cytrynow



Leandro Melo



Paixão Esteves



Luiz Rodrigues



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87

patrocínio

apoio

88

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FUNDAÇÃO MARIO COVAS RUA 7 DE ABRIL, 59 | 2º E 3º ANDARES | CENTRO | SÃO PAULO | SP | CEP 01043-090 TEL/FAX: 55 11 3129-7341 / 55 11 3129-7657 www.fmcovas.org.br

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