MANUAIS DE ESPECIALIZAÇÃO
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DOr COORDENADORES
Fabiola Peixoto Minson Marcia Carla Morete Marco Aurélio Marangoni EDITORAS DA SÉRIE
Renata Dejtiar Waksman Olga Guilhermina Dias Farah
Dor
Manuais de ESPECIALIZAÇÃO
Dor Coordenadores Fabiola Peixoto Minson Marcia Carla Morete Marco Aurélio Marangoni
Editoras Renata Dejtiar Waksman Olga Guilhermina Dias Farah
Guias Einstein - Dor.pdf
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Copyright Albert Einstein (SBIBHAE). Logotipo: Copyright Editor gestor: Walter Luiz Coutinho Editora: Karin Gutz Inglez Produção editorial: Juliana Morais, Cristiana Gonzaga S. Corrêa, Lia Fugita Capa: Hélio de Almeida Daniel Justi Editoração eletrônica: Ilustrações: Mary Yamazaki Yorado Fotos do miolo: gentilmente cedidas pelos autores Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dor / coordenadores Fabiola Peixoto Minson, Marcia Carla Morete, Marco Aurélio Marangoni ; editoras Renata Dejtiar Waksman, Olga Guilhermina Dias Farah. -- 1. ed. -Barueri, SP : Manole, 2015. -- (Coleção manuais de especialização) Vários autores. ISBN 978-85-7868-205-7 1. Dor 2. Dor - Aspectos psicológicos 3. Dor - Diagnóstico e tratamento 4. Dor - Tratamento paliativo 5. Enfermagem 6. Medicina e psicologia I. Minson, Fabiola Peixoto. II. Morete, Marcia Carla. III. Marangoni, Marco Aurélio. IV. Waksman, Renata Dejtiar. V. Farah, Olga Guilhermina Dias. VI. Série. CDD-616.0472 NLM-WL 700
14-07662 Índices para catálogo sistemático: 1. Dor : Cuidados paliativos : Ciências médicas 616.0472 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox.
1a edição – 2015 Direitos adquiridos pela: Editora Manole Ltda. Avenida Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel.: (11) 4196-6000 – Fax: (11) 4196-6021 www.manole.com.br
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São de responsabilidade das editoras, dos coordenadores e dos autores as informações contidas nesta obra.
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editoras da série
Renata Dejtiar Waksman Pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEPAE). Médica do Departamento Materno-infantil do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Doutora em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Olga Guilhermina Dias Farah Gerente de Ensino do IIEPAE. Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP).
Sobre a série “Manuais de especialização”
O Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein oferece cursos de especialização lato sensu para diversas áreas da medicina, biomedicina, enfermagem, fisioterapia, psicologia, entre outras, ampliando o diferencial competitivo do Hospital no quadro das instituições de saúde de vanguarda no Brasil e no exterior. A série Manuais de Especialização Einstein, destinada a graduandos e pós-graduandos, traz a experiência acumulada de profissionais e especialistas das diferentes áreas, interfaces e disciplinas que compõem os cursos de especialização e de instituições renomadas no país.
coordenadores
Fabiola Peixoto Minson Anestesiologista com Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira (AMB). Especialista em Acupuntura pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Residência em Anestesiologia (1998-2000) e Terapia Antálgica e Cuidados Paliativos (2000-2001) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Coordenadora do Curso de Especialização em Dor do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEPAE). Coordenadora do Centro Integrado de Tratamento de Dor de São Paulo. Médica da Equipe de Tratamento da Dor do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Diretora da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED) – Gestão 2009-2012. Marcia Carla Morete Especialista e Mestre em Dor e Cuidados Paliativos. Doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenadora do Curso de Especialização em Dor do IIEPAE.
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MAN UAIS D E E SPE CI AL I Z AÇÃO
Marco Aurélio Marangoni Especialista em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA/AMB), com Área de Atuação em Dor. Especialista em Acupuntura pelo Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA/AMB). Mestre e Doutor em Anestesiologia pela Faculdade de Medicina da Unesp – Campus Botucatu (FMB). Professor Doutor e Coordenador do Laboratório de Habilidades e Simulação da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). Coordenador do Curso de Especialização em Dor do IIEPAE.
Autores
Achille Savarese Professor Emérito do Curso de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Adilson Girotto Narciso de Oliveira Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia. Médico Radiologista do Hospital Universitário Cajuru de Curitiba, PR. Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, PR. Médico Radiologista da X-Leme de Curitiba, PR. Adriana da Silva Martins Ferreira Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Fisioterapeuta da Unidade de Cuidados Paliativos/Dor da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Supervisora de Estágio em Fisioterapia Oncológica do Centro Universitário Claretiano de Batatais.
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Ana Luiza Lourenço Simões Camargo Mestre em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Médica Psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Ana Merzel Kernkraut Psicóloga Clínica com Formação em Psicodrama pela Escola Paulista de Psicodrama. Especialista em Psicologia da Infância pela Unifesp. MBA em Gestão de Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Coordenadora do Serviço de Psicologia do HIAE. Benedito Domingos Amorim Filho Neurocirurgião Funcional e Tratamento da Dor no HIAE. Membro da Equipe do Centro Integrado de Tratamento da Dor. Research Fellow no National Institutes of Health, Bethesda-Md, EUA. Camila Brito Faria Enfermeira-coordenadora do Ambulatório e do Pronto Atendimento da Unidade de Cuidados Paliativos/Dor da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Carlos Eduardo Paiva Pós-doutorando pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – Campus Botucatu. Docente da Pós-graduação Stricto Sensu da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Médico Oncologista Clínico do Departamento de Oncologia Clínica do Hospital de Câncer de Barretos. Cícero José Nunes Vaz Especialista em Medicina Física e de Reabilitação pela Sociedade Brasileira de Medicina Física e de Reabilitação. Especialista em Neurofisiologia
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Clínica pela Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. Médico Fisiatra do HIAE. Docente da Pós-graduação em Dor do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEPAE). Docente da Pós-graduação em Neurologia do IIEPAE. Claudinei Pereira dos Santos Capelão do Hospital de Câncer de Barretos. Cristiane Tavares Anestesiologista. Membro da Equipe do Centro Integrado de Tratamento da Dor e da Equipe de Dor do HIAE. Daniela Batista Sorato Mestre em Ciências da Saúde pela Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Psicóloga Assistencial da Unidade de Cuidados Paliativos/ Dor da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Débora Nelise Freitas Assistente Social pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (Unifeb). Ex-assistente Social da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Durval Campos Kraychete Professor Adjunto de Anestesiologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Fabiola Peixoto Minson Anestesiologista com Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira (AMB). Especialista em Acupuntura pela Unifesp. Residência em Anestesiologia (1998-2000) e Terapia Antálgica e Cuidados Paliativos (2000-2001) pela Unesp. Coordenadora do Curso de Especialização em
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Dor do IIEPAE. Coordenadora do Centro Integrado de Tratamento de Dor de São Paulo. Médica da Equipe de Tratamento da Dor do HIAE. Diretora da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED) – Gestão 2009-2012. Fabricio Dias Assis Anestesiologista e Médico Intervencionista da Dor. Área de Atuação em Dor pela AMB. Título Internacional de Fellow of Interventional Pain Practice (FIPP) pelo World Institute of Pain (WIP). Presidente do Capítulo Brasileiro do WIP. Copresidente (2007-2010) e Secretário (2011-2013) do Capítulo Latinoamericano do WIP. Presidente do Capítulo. Cofundador e Primeiro Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor (SOBRAMID). Médico e Diretor do Singular – Centro de Controle da Dor. Membro das Equipes de Dor do Instituto Wilson Mello em Campinas e do HIAE. Fernanda Rocha de Freitas Vidal Especialista em Farmacodependência pela Unifesp e em Abordagem Junguiana pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Flávia Harue Tutya Musicoterapeuta Clínica. Professora Convidada para os Cursos de Pós-graduação na Disciplina Musicoterapia e Cuidados Paliativos no Curso de Oncologia e Equipe Multidisciplinar pela Centro Universitário de Jales (Unijales) e na Disciplina Musicoterapia nos Cuidados de Final de Vida e Espiritualidade no Curso de Especialização de Enfermagem na Oncologia pela Educative São José do Rio Preto, pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Francisco Carlos Obata Cordon Anestesiologista. Membro da Equipe do Centro Integrado de Tratamento de Dor.
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Gisele Alborghetti Nai Doutora em Patologia pela Unesp. Residência Médica em Anatomia Patológica pela Unesp – Campus Botucatu. Professora do Departamento de Patologia da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). Heloisa Helena Ladeira Rosa Carvalho Scapulatempo Especialista em Clínica Médica pela Unifesp e em Geriatria pelo Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univer sidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médica-assistente da Unidade de Cuidados Paliativos/Dor da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Hudson Menezes Taveira Mestre em Biotecnologia Médica pela Unesp – Campus Botucatu. Coordenador da Unidade de Cuidados Paliativos da Fundação Pio-XII-Hospital de Câncer de Barretos. Irimar de Paula Posso Doutor em Medicina pela USP. Livre-docência em Terapêutica Clínica pela USP. Professor-associado da USP. Professor Titular da Universidade de Taubaté. Jamir Sardá Jr. Psicólogo. PhD em Medicina pela Universidade de Sydney, Austrália. Professor de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Janaina Sato Jeronimo Farmacêutica pela Fundação Educacional de Barretos. Janete Caprioli Carrocini Mestre em Morfologia – Anatomia Humana pela EPM-Unifesp. Professora do Departamento de Morfologia da Unoeste.
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Laura Resende Osinski Nutricionista do Hospital de Câncer de Barretos. Levi Higino Jales Neto Residência Médica em Clínica Médica e Reumatologia pela USP. Reumatologista do Hospital São Camilo Santana. Liége Mentz-Rosano Médica Ortopedista. Residência em Ortopedia pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT), Passo Fundo-RS. Especialista em Dor pelo IOT/ FMUSP. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Membro da SBED. Membro da International Association for the Study of Pain (IASP). Lisabelle Mariano Rossato Doutora em Enfermagem Pediátrica pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGE) da Escola de Enfermagem da USP (EEUSP). Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Psiquiátrica (ENP) da EEUSP. Líder do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto (NIPPEL). Magda Rodrigues Simões Especialista em Motricidade Orofacial pela Universidade de Franca. Mestre em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca. Fonoaudióloga da Unidade de Cuidados Paliativos da Fundação Pio XII-Hospital de Câncer de Barretos. Marcelo Saad Doutor em Ciências da Reabilitação pela Unifesp. Membro das Diretorias do Colégio Médico de Acupuntura de São Paulo e da Associação Médico-espírita de São Paulo.
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Marcia Carla Morete Especialista e Mestre em Dor e Cuidados Paliativos. Doutoranda da FMUSP. Coordenadora do Curso de Especialização em Dor do IIEPAE. Marcos Leal Brioschi Pós-doutor em Medicina pela FMUSP. Coordenador do Curso de Especialização em Termologia Clínica e Termografia da FMUSP. Presidente da Associação Brasileira de Termologia Médica (ABRATERM). Médico de Termologia do Hospital 9 de Julho de São Paulo. Médico de Termologia do Hospital Sírio Libanês de São Paulo. Maria Belén Salazar Posso Mestre e Doutora em Enfermagem pela USP. Professora da Universidade do Vale do Paraíba. Membro do Conselho Científico da Revista Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde. Membro Revisor da Revista SOBECC. Maria Lúcia P. Cesari Lourenço Especialista em Saúde Mental pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Coordenadora do Departamento de Terapia Ocupacional e Terapeuta Ocupacional da Unidade de Cuidados Paliativos/Dor da Fundação Pio-XII-Hospital de Câncer de Barretos. Maria Salete De Angelis Nascimento Médica Anestesiologista, com Área de Atuação em Dor Crônica e Medicina Paliativa. Médica-assistente da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Câncer de Barretos. Paulo Monzillo Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Atua no HIAE.
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Renata dos Santos Mestre em Oncologia pela FMUSP e em Gestão Hospitalar pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Médica Paliativista do Hospital Santa Helena. Renato Figueiredo de Santana Mestre em Biologia Funcional e Molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Membro do Núcleo de Pesquisa em Neurociência da Unicid. Professor dos Cursos de Fisioterapia e Medicina da Unicid. Samuel Lopes Aprimoramento em Psicologia Clínica e Hospitalar pelo Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Silvia Maria de Macedo Barbosa Médica Pediatra. Doutora em Ciências pela FMUSP. Chefe da Unidade de Dor e Cuidados Paliativos do Instituto da Criança do HC-FMUSP. Membro do Comitê de Paliativos da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Presidente do Departamento de Medicina Paliativa da Sociedade Paulista de Pediatria e Coordenadora do Comitê de Pediatria da SBED. Conselheira da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Thiago Amaro Machado Especialista em Psicologia Hospitalar pela Santa Casa de Misericórdia. Psicólogo Referência das Áreas de Pacientes Internados na Clínica Médica Cirúrgica e Área de Transplantes do HIAE. Vanessa de Albuquerque Citero Doutora em Ciências da Saúde pela Unifesp. Pós-doutora em Psiquiatria pela Virginia Commonwealth University, EUA. Professora-afiliada do Departamento de Psiquiatra e Coordenadora do Serviço de Saúde Mental do Hospital Universitário da Unifesp.
sumário
Carta do Presidente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXIII Palavra do Vice-presidente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXV Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXVII Seção 1 – Dor – definições, epidemiologia e fisiopatologia 1.
Bases anatômicas das vias de dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.
Bases neurofisiológicas da dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3.
Bases patológicas da dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Seção 2 – Avaliação da dor 4.
Semiologia da dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.
Avaliação da dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
6.
Exames auxiliares no diagnóstico do paciente com dor crônica
(avaliação laboratorial, de imagem, neurofisiológica e funcional) . . . . . . . . 75
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Seção 3 – Psicologia, psiquiatria e dor 7.
Avaliação psicológica do paciente com dor . . . . . . . . . . . . . . . 127
8.
Psiquiatria e dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
9.
Psicoterapia em pacientes com dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Seção 4 – Terapêutica não intervencionista 10. Anti-inflamatórios não esteroidais e corticosteroides . . . . . . . . . . 171 11. Tratamento farmacológico – opioides . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 12. Tratamento farmacológico – adjuvantes . . . . . . . . . . . . . . . . 195 13. Tratamento farmacológico – analgesia controlada pelo paciente . . . . . 209 14. Tratamento não farmacológico – reabilitação . . . . . . . . . . . . . . 215 15. Tratamento não farmacológico – acupuntura . . . . . . . . . . . . . . 229 Seção 5 – Medicina intervencionista da dor 16. Tratamento intervencionista da dor: bloqueios, procedimentos neuroablativos e radiofrequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241 17. Sistemas implantáveis para liberação de fármacos e neuroestimulação . 265 Seção 6 – Dor aguda 18. Dor aguda pós-operatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287 19. Dor em unidades de urgência e emergência . . . . . . . . . . . . . . 295 Seção 7 – Síndromes dolorosas crônicas 20. Dor no câncer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307 21. Dor em pediatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317 22. Dor na mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341 23. Dor em reumatologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351 24. Dor musculoesquelética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359 25. Cefaleias primárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381 26. Síndrome complexa de dor regional . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399
SUM Á RIO
27. Dor de origem central . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 405 28. Neuropatias dolorosas – diagnóstico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 417 Seção 8 – Cuidados paliativos 29. Conceitos, dilemas e modelos de assistência em cuidados paliativos . . 459 30. Aspectos psicossociais em cuidados paliativos . . . . . . . . . . . . . 481 31. Controle de sintomas em cuidados paliativos . . . . . . . . . . . . . . 491 32. Feridas tumorais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 545 33. Cuidados no final da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 561 34. Espiritualidade e saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 583 Seção 9 – Bioética e dor 35. Bioética em dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 595 Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 611
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Carta do presidente
A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) estima que a dor afete, pelo menos, 30% dos indivíduos durante algum momento da vida. A dor é uma das principais causas de incapacitação e sofrimento, afetando diretamente a produtividade do indivíduo atingido, gerando consequências psicossociais e econômicas. O tratamento da dor requer uma abordagem multiprofissional, por meio da qual médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e outros profissionais da área da saúde contribuam com seus conhecimentos específicos para avaliação, tratamento e alívio dessas situações. Nem sempre, porém, os cursos de graduação oferecem a instrumentalização necessária para que os profissionais possam abordar adequadamente a multidimensionalidade envolvida no atendimento aos pacientes que se apresentam com esses quadros. Assim, a questão da capacitação torna-se fundamental para enfrentar as demandas assistenciais nessa área. O curso de especialização lato sensu em Dor, oferecido de forma pioneira pelo Einstein desde 2009, vem responder à necessidade de formação espe-
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cífica dos diversos profissionais envolvidos no atendimento assistencial a esses quadros. A grande procura pelas vagas oferecidas a cada ano mostra a pertinência desse tipo de iniciativa, cujo currículo está alinhado com as abordagens mais modernas. A iniciativa de criar um manual como este, no qual profissionais das mais diversas disciplinas discorrem sobre todos os aspectos envolvidos na abordagem da dor e dos cuidados paliativos, é uma forma de complementar a formação dos profissionais que buscam aperfeiçoamento nessa área, oferecendo um referencial teórico de qualidade e preenchendo uma lacuna bibliográfica para quem busca esse tipo de especialização. Portanto, é com grande satisfação que oferecemos a você este manual com a expectativa de que ele contribua muito para seu aprimoramento profissional. Bons estudos. Claudio Luiz Lottenberg Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
Palavra do vice-presidente
A coleção Manuais de Especialização Einstein tem a finalidade de complementar como material didático os cursos de especialização desenvolvidos pelo IIEP e de ampliar seus horizontes, permitindo que as informações sejam acessíveis por um número maior de profissionais, que não tiveram a oportunidade de assisti-los presencialmente. O tema Dor tem grande importância para o contexto de um hospital moderno e de todo o sistema de saúde que se dedica a atender pacientes com doenças de maior complexidade. Este tema, mais do que tudo, testa a qualidade e a eficiência desses sistemas, pois a abordagem da dor é uma ação multiprofissional e interdisciplinar, além de exigir uma compreensão clara das necessidades do paciente em sua integralidade como ser humano. Os autores têm grande experiência no tema e o abordam de maneira compreensiva, porém objetiva. Iniciam pela apresentação da definição e fisiopatologia da dor e prosseguem com uma seção dedicada à sua avaliação. Na sequência, dedicam uma seção completa aos importantes aspectos psicológicos da dor, antes de discorrer sobre seu tratamento.
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Apresentam os principais medicamentos analgésicos, abordam reabilitação, acupuntura e, em seções dedicadas, medicina intervencionista, doenças dolorosas crônicas e cuidados paliativos. Finalizam com uma seção sobre os aspectos bioéticos. Cremos que o leitor, ao terminar de consultar esta obra, terá sido apresentado a um panorama completo do tema e poderá se tornar mais um aliado para o enfrentamento desta importante questão médica e humana, que permeia quase todas as nossas atividades como profissionais de saúde. Cláudio Schvartsman Vice-presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
Prefácio
A Medicina da Dor tem uma longa história de batalhas para a construção de teorias e práticas no setor de saúde, ganhando cada vez mais espaço em clínicas e departamentos específicos em hospitais universitários e terciários. A dor é também a principal queixa do paciente que procura atendimento na Atenção Básica de Saúde e nas unidades de Pronto Atendimento. Estudos epidemiológicos mostram que 30 a 40% da população mundial sofre com dores crônicas, gerando prejuízos na qualidade de vida e causando perdas sociais e econômicas. No Brasil, esse número chegou a quase 60 milhões de pessoas que sentem dores crônicas nos últimos seis meses. Os custos oriundos da dor subtratada têm crescido significativamente nos últimos anos. Nesse montante, estão incluídos os custos diretos e indiretos, como redução da produtividade no trabalho, hospitalizações e realização de cirurgias não efetivas. Dessa forma, a dor precisa ser bem compreendida por todos os profissionais de saúde, sejam médicos das mais diversas áreas, sejam enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, dentistas, educadores físicos, farmacêuticos e administradores no setor de saúde.
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Lembro-me quando me formei pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – Campus Botucatu, em 1997. Naquela época, já me interessava pelo assunto, mas ainda havia poucos cursos para essa especialização no Brasil. O Hospital Israelita Albert Einstein, onde logo iniciei meu trabalho, encantou-me, pois ele foi pioneiro na instalação do conceito Dor como Quinto Sinal Vital na America Latina, no ano 2000. Ao lado da temperatura, pulso, respiração e pressão arterial, mensuramos a dor de forma ativa e sistemática. Em 2009, o Hospital criou a 1ª turma do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Dor e obteve grande sucesso. Trouxe como alunos profissionais de todo o território nacional, vindos de áreas remotas e com poucos recursos, e outros que já atuavam em grandes centros universitários e tecnológicos, para, junto aos professores altamente qualificados, aprofundarem-se e difundirem os conhecimentos nesta área. Estudaram anatomia, fisiopatologia, avaliação e farmacologia da dor, assim como diversas síndromes dolorosas e cuidados paliativos. Muito já se fez, mas ainda há muito a evoluir. Este manual se dedica exclusivamente ao diagnóstico e tratamento da dor, e, de forma pioneira, abordando-a não como um sintoma, mas como a própria doença do indivíduo. O paciente tem direito ao alívio, não importa a doença que tenha. E os profissionais têm o dever de ajudá-lo a minimizar o sofrimento. Em razão da complexidade do tema, o desafio é enorme. Mais do que nunca, o conhecimento é fundamental e a educação continuada é obrigatória e muito bem-vinda. Boa leitura! Fabiola Peixoto Minson
SEÇÃO 1
DOR – DEFINIÇÕES, EPIDEMIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
1 BASES ANATÔMICAS DAS VIAS DE DOR Janete Caprioli Carrocini
INTRODUÇÃO A anatomia da eia da dor conbtitu$da babicamente por obrab aUerenteb do tipo A␦ e C, pouco mielinizadas. Contudo, em uma escala decrescente das obras tipo A consideradas espessas por abundncia de agoplasma, esta é considerada a de calibre menor e, portanto, com velocidade mais rpida na conduqo do est$mulo nervoso da dor, classiocada como aVuda. @utra obra aUerente classiocada como condutora do est$mulo da dor, aVora, cr+nica, é a do tipo C, amiel$nica, com agoplasma `uase inegistente, apresentando-se com estímulo nervoso doloroso de velocidade mais lenta.1 Ambas apresentam, em suas egtremidades periUéricas, receptores do tipo terminaq,es nervosas livres, `ue captam da pele e das vísceras os estímulos nocivos térmicos, `uímicos e mecnicos, em uma tentativa de inUormar ao c)rteg sensitivo rea t, 2, 1 de Brodman a aVresso acometida, para `ue se obtenha uma resposta compatível ao Uato.
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Ao serem estimuladas, percorrem um trajeto com início nas terminaq,es nervosas livres. Aassam pelos VnVlios espinais, adentram a medula espinal, ascendem ao tronco enceUlico, Uormaqo reticular, ao tlamo, s reas límbicas e, onalmente, ao c)rteg sensitivo do cérebro. Na realidade, os estímulos dolorosos transitam por duas vias distintas especíocas para cada tipo de dor. A dor aVuda utiliza a via espinotalmica lateral e a cr+nica, a via espinorreticulotalmica. Cada uma obedece a um trajeto, a localizaqo no sistema nervoso central SNC e o n.mero de obras envolvidas, o `ue determina o tipo de dor Eabela 1.2 @ tegto a seVuir resume essas características, evidenciando a macroscopia, com o objetivo de utilizações clínicas posteriores. TABELA 1
Demonstrativo das vias neuronais envolvidas na dor aguda e na dor crônica
Propriedades
Via paleoespinotalâmica
Neurônio II
Lâmina V de Rexed
Lâmina I de Rexed
Decussação
Fibras cruzadas ou não cruzadas
Fibras cruzadas
Trato medular
Espinorreticular
Espinotalâmico lateral
Trajeto
Espinorreticulotalâmico cortical
Espinotalâmico cortical
Projeção talâmica
Núcleos intralaminares
Núcleo ventral posterior lateral
Núcleos da base, límbico e córtex
Córtex cerebral sensitivo
Outras projeções
Via neoespinotalâmica
cerebral sensitivo Função
Dor crônica – prolongada e difusa
Dor aguda – rápida e bem localizada
0YX^O$ 6_XNcä/UWKX "4
TRATO ESPINOTALÂMICO LATERAL 6mbrioloVicamente, é a mais recente via neoespinotalmica. :niciada por estímulos mecnicos ou térmicos, utiliza-se de ag+nios com velocidade de conduço mais rpida, as obras A␦ 12 a t0 ms. É a via `ue produz a sensaço da dor aVuda, em pontada, lacerante e bem localizada. Seu impulso é transmitido da periUeria do SNC ao c)rteg cerebral, através de tr"s neur+nios 7iVura 1.
DOR
Córtex somestésico
Tálamo
Dor Temperatura
Coluna dorsal
FOR
Neurônio de 2ª ordem
FIGURA 1
Esquema das vias da dor: trajeto ascendente das raízes nervosas dorsais dos nervos espinais, até área sensitiva do córtex (3,1, 2), passando pelas áreas especificadas no texto.5
Neurônio I Do tipo pseudounipolar, cordonal lonVo, seu prolonVamento periUérico seVue das terminações nervosas livres aos nervos espinais, em suas raízes dorsais, cheVando aos VnVlios espinhais. Seu prolonVamento central Vanha a medula pela diviso lateral da raiz dorsal no sulco lateral posterior. 8anha a coluna posterior da medula, onde Uaz sinapse com o neur+nio ::.
Neurônio II Na coluna posterior da medula, ocupa a lmina : de Ceged. Seu ag+nio cruza o plano mediano na comissura branca da medula, Vanhando o Uunículo lateral oposto. Fma vez no Uunículo lateral, ascende como trato espinotalmico lateral. Ao nível da ponte, esse trato une-se ao trato espinotalmico anterior presso e passa a ser denominado lemnisco espinal. Ascende ao tlamo no n.cleo ventral posterolateral VAL, onde Uar sinapse com o neur+nio :::.
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Neurônio III No tlamo, no n.cleo posterolateral, essa dor torna-se consciente Uorma as radiações talmicas, Vanha a cpsula interna perna anterior e a coroa radiada. CheVa ao c)rteg sensitivo do cérebro, no Viro p)s-central, rea t, 2, 1 de Brodmam. A partir desse Viro, aparecem as representações somatot)picas, representações em diUerentes partes do corpo, capazes de identiocar a rea cortical comprometida.t TRATO ESPINORRETICULOTALÂMICO 6mbrioloVicamente, é a mais antiVa via paleoespinotalmica. :nicia-se por Uatores `uímicos produzidos pela pr)pria leso e utiliza ag+nios de dimetro reduzido e velocidade de conduço lenta 0,v a 2 ms s obras C. 6sta via produz dor cr+nica, mal localizada, diUusa, contínua em `ueimaço. Conduz o estímulo da periUeria do SNC até o c)rteg cerebral, através de vrios neur+nios no mínimo u, podendo cheVar a 1w.
Neurônio I :nicia-se da mesma Uorma `ue o neur+nio : da via espinotalmica lateral e é um neur+nio pseudounipolar, cordonal lonVo. Seu prolonVamento periUérico seVue das terminações nervosas livres até o corpo celular nos VnVlios espinais, onde Vanha o prolonVamento central, `ue adentra a medula espinal em sua coluna posterior. 8anha a coluna posterior da medula, onde Uaz sinapse com o neur+nio ::.
Neurônio II @cupa a lmina V de Ceged e cruza o lado oposto pela comissura branca ou no cruza. Seus ag+nios diriVem-se ao Uunículo lateral do mesmo lado ou do lado oposto e ascendem para constituir o trato espinorreticular. Na medula, junta-se ao trato espinotalmico lateral. Vai Uormaço reticular de todo o tronco enceUlico, onde Uaz sinapse com os neur+nios :::, :V e V em vrios níveis da Uormaço reticular.
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Neurônios III, IV, V, VI... Na Uormaço reticular, do oriVem s obras reticulotalmicas, as `uais terminam nos n.cleos intralaminares do tlamo lmina medular interna do tlamo, neur+nio V:, com Vrande campo receptivo. @s neur+nios Uazem sinapse a partir dessa rea do tlamo, com neur+nios `ue se diriVem para reas límbicas e n.cleos da base, neur+nios V::, V:::, etc. Neste nível, o estímulo doloroso Vanha respostas automticas e emocionais a estímulos nocivos, por entrar em contato com estruturas `ue Uazem parte do sistema límbico circuito de Aapez. Arojetam-se a amplas reas do c)rteg cerebral sensorial, neur+nio :I, podendo cheVar até I::. VIA DA DOR VISCERAL :nicia-se nos víscero-receptores, terminações nervosas livres localizadas na parede das vísceras. So obras viscerais aUerentes, oriVinadas dos nervos esplncnicos. Ftilizam-se dos VnVlios simpticos para cheVar ao SNC. 8anham os nervos espinais pelo ramo comunicante branco e passam ao VnVlio sensitivo, onde esto os neur+nios :. SeVuem o trajeto das obras sensitivas da dor, isto é, trato espinotalmico lateral e espinorreticulotalmico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Duus A. DiaVn)stico topoVroco em neuroloVia. u.ed. Cio de ;aneiro: Cultural Médica, 1zyv. 2. Eortora 8;, Derrickson B. Arincípios de anatomia e osioloVia. 12.ed. Cio de ;aneiro: 8uanabara
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2 BASES NEUROFISIOLÓGICAS DA DOR Achille Savarese Renato Figueiredo de Santana
Dor é uma sensação desprazerosa e uma experiência emocional associada a uma lesão real ou potencial, ou descrita em termos de uma lesão. Associação Internacional para o Estudo da Dor.1
Essa deonição evidencia a multiplicidade de aspectos envolvidos no processo doloroso, entre os `uais, podem ser destacados: Æ experiência sensorial; Æ experiência subjetiva; Æ sintoma não diretamente correlacionado ao dano tecidual. Neste capítulo, são descritos alVuns dos mecanismos neuroosiol)Vicos envolvidos na recepção, na transmissão, no processamento e na modulação de um estímulo potencialmente nocivo ao orVanismo, assim como sua percepção e conscientização.
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NOCICEPTORES São receptores especializados em receber os estímulos potencialmente nocivos. Estão espalhados em `uase todos os tecidos corporais. DiUerentemente dos receptores de tato e pressão, esses nociceptores são terminações nervosas livres e divididos Uuncionalmente em duas classes: receptores nociceptivos especíocos e receptores polimodais. @s nociceptores especíocos podem responder a estímulos térmicos ou mecnicos. A`ueles `ue respondem a estímulos térmicos são sensíveis a temperaturas extremas È uv°C ou Ç v°C, en`uanto os mecnicos respondem pressão intensa. As obras nervosas `ue oriVinam esses terminais são obras A␦, de pe`ueno calibre e onamente mielinizadas, com velocidade de condução nervosa de v a t0 ms. Os nociceptores polimodais, no entanto, não são seletivos a um .nico tipo de estímulo e respondem a estímulos tanto mecnicos `uanto `uímicos ou térmicos de intensidade nociva. Essa classe de nociceptores corresponde s terminações livres de obras do tipo C, ou seja, de pe`ueno dimetro, não mielinizadas e, por isso, mais lentas Ç 1 ms. De `ual`uer Uorma, toda inUormação nociceptiva é conduzida por obras relativamente lentas, se comparadas s obras `ue conduzem inUormações proprioceptivas; porém, se comparadas entre si, pode-se dizer `ue existem obras de condução de dor rpida A␦ e lenta C.2 As obras de condução rpida têm um campo receptivo menor, o `ue conUere melhor localização espacial do estímulo. De modo Veral, as obras A␦ estão envolvidas com a inUormação inicial, breve e localizada, en`uanto as obras C estão envolvidas com uma experiência nociceptiva diUusa, retardada e prolonVada. Outra classe de receptores costuma ser tratada parte: os nociceptores silentes, presentes em vísceras e Veralmente inativos. Contudo, em casos de inpamação, distensão da cpsula ou lesões `uímicas, o limiar de disparo desses receptores é reduzido.2 O mecanismo de transdução do sinal nociceptivo transUormação da enerVia do estímulo em alteração do potencial de membrana ainda é
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pouco conhecido, especialmente nos receptores polimodais. É provvel `ue o estímulo nocivo mude a conUormação de proteínas `ue compõem canais i+nicos de membrana, resultando em hipopolarização. Outra possibilidade é `ue o estímulo nocivo também atue em proteínas de membrana `ue liberem seVundos mensaVeiros e, a partir desses, provo`uem uma mudança conUormacional dos canais i+nicos, alterando o potencial de membrana. O estímulo nocivo, de alVuma Uorma, abre os canais i+nicos, o `ue muda o potencial de membrana no sentido de uma hipopolarização. Essa variação do potencial de membrana é conhecida como potencial Verador, sendo proporcional ao estímulo aplicado. Caso o potencial Verador alcance o limiar de abertura dos canais i+nicos sensíveis voltaVem, ocorrer despolarização `ue se propaVar ao lonVo do ax+nio do neur+nio sensitivo primrio, cujo corpo celular est localizado no VnVlio da raiz dorsal ou no VnVlio triVeminal, até alcançar o sistema nervoso central SNC, a medula ou o troncoencéUalo. Esse neur+nio é chamado neur+nio de primeira ordem ou primeiro neur+nio.t No caso do VnVlio da raiz dorsal, o ramo central do ax+nio projeta-se predominantemente no mesmo nível de entrada, podendo ramiocar-se para seVmentos acima e abaixo através do Uascículo posterolateral Ueixe de Lissauer. Independentemente do nível, essa projeção alcança o corno posterior da medula, onde estabelece sinapse com neur+nios de projeção ascendente e interneur+nios. O neur+nio `ue recebe inUormações do neur+nio de primeira ordem e transmite para as estruturas suprasseVmentares é chamado de neur+nio de seVunda ordem ou seVundo neurônio.t O corno posterior medular é dividido de acordo com suas características citol)Vicas em seis camadas ou lminas I a VI. As lminas I e II lmina marVinal e substncia Velatinosa, respectivamente recebem, prioritariamente, aUerências de estímulos nociceptivos provenientes de obras A␦. A maior parte dos neurônios de seVunda ordem presente nessa
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reVião da medula é chamada de neurônio nociceptivo especíoco. Os estímulos sensoriais não nocivos alcançam principalmente as lminas III e IV. Na lmina V, Uazem sinapse obras A, `ue medeiam inUormação não dolorosa, e obras A␦ e C, `ue medeiam estímulos dolorosos, projeções de interneurônios da lmina II e aUerências de nociceptores viscerais. Os neurônios de seVunda ordem presentes na camada V são chamados, em sua maioria, de neurônios dinmicos de amplo espectro ou neurônios converVentes. A converVência de inUormações nessa reVião lmina V pode explicar, em parte, o Uenômeno da dor reUerida, isto é, `uando uma dor de oriVem visceral é percebida em uma superUície corporal de maneira previsível. Fm exemplo comum é a dor irradiada para o peito e membro superior presente no inUarto aVudo do miocrdio. Isso provavelmente decorre do Uato de um .nico neurônio converVente receber aUerências de reViões distintas e, conse`uentemente, os centros superiores não conseVuirem distinVui-las. Ýs camadas VII e VIII do corno anterior da medula também cheVam inUormações sensoriais nociceptivas provenientes de circuitos complexos, inclusive contralaterais da medula.u As obras aUerentes, ao estabelecerem sinapse com neurônios de seVunda ordem, utilizam como principal neurotransmissor o aminocido Vlutamato 8lu, `ue é capaz de Verar potenciais excitat)rios p)s-sinpticos AEAS rpidos por meio da ativação de receptores VlutamatérVicos do tipo AMAA. Aor sua vez, o neurônio de primeira ordem também é capaz de liberar peptídeos neurotransmissores, como no caso da substncia A do inVlês pain, `ue siVnioca dor, `ue Veram AEAS lentos. 8lutamato e neuropeptídeos podem ser liberados simultaneamente, mas o tempo de permanência de cada um na Uenda sinptica é diUerente. O Vlutamato, ap)s liberado, atua na sinapse de maneira local, por período relativamente curto, em Uunção de processos eUetivos de sua eliminação por parte da Vlia e dos terminais pré-sinpticos recaptação. Os neuropeptídeos, no entanto, exercem ação prolonVada e diUusa por`ue sua eliminação na Uenda sinptica depende da diUusão e sua deVradação depende da ação de peptidases extracelulares.u,v
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Fma importante aplicação clínica `ue envolve os nociceptores e os neurônios de primeira ordem é o Uenômeno da hiperalVesia, `ue pode ter oriVem periUérica ou central. Na hiperalVesia periUérica, estímulos `ue antes não depaVravam inUormação dolorosa aVora o Uazem. O exemplo clssico desse Uenômeno, chamado sensibilização periUérica, corresponde experiência de `ue tudo bate no dedinho `ue est machucado. Esse aumento na sensibilidade nociceptiva é decorrente de uma variedade de compostos `uímicos liberados no local da lesão, incluindo bradicinina, histamina, prostaVlandinas, acetilcolina, leucotrienos, serotonina e substncia A, `ue reduzem o limiar de despolarização dos nociceptores. A AVE2 é um metab)lito do cido ara`uidônico produzido pela enzima ciclo-oxiVenase, liberada de tecidos com lesão celular e processo inpamat)rio. Essa enzima é blo`ueada por anti-inpamat)rios analVésicos, como no caso da aspirina.6 Contudo, a hiperalVesia central é decorrente da intensa estimulação das obras C, liberando Vlutamato nas Uendas sinpticas no corno posterior e ativando receptores VlutamatérVicos do tipo N-metil-D-aspartato NMDA. Ceceptores tipo NMDA são capazes de produzir alterações persistentes de potencial de membrana assim como o Uazem na potencialização de lonVo prazo, mecanismo envolvido na mem)ria. A hiperalVesia central, também chamada de sensibilização central, inclui mecanismos de indução Venética com reVulação positiva para a expressão de neuropeptídios, neurotransmissores e receptores, alterando a excitabilidade de neurônios do corno dorsal, podendo causar dor espontnea alodinia.u,v PROJEÇÕES ASCENDENTES O trUeVo da inUormação dolorosa é Uuncionalmente mediado de duas Uormas: dor rpida e dor lenta. Como j descrito, a dor rpida é inicialmente conduzida por obras A␦, mais velozes e com melhor capacidade de localização espacial `ue as obras do tipo C. A dor rpida é depaVrada durante a presença do estímulo nocivo, en`uanto a dor lenta continua
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mesmo `ue o estímulo nocivo cesse. A velocidade de processamento da dor rpida também é decorrente do reduzido n.mero de neurônios e sinapses até o c)rtex sensorial. O campo receptivo, a velocidade de condução e os alvos medulares e supramedulares corroboram no sentido de `ue o substrato anatômico `ue conduz a dor rpida est orVanizado de modo a preservar a sensibilidade discriminat)ria da dor. Os componentes anatômicos `ue conduzem a dor lenta constituem substrato para dimensão aUetiva da dor.7 A inUormação dolorosa é conduzida da medula para as estruturas suprasseVmentares pelo neurônio de seVunda ordem através de cinco vias ascendentes: trato espinotalmico, trato espinorreticular, trato espinomesenceUlico, trato espino-hipotalmico e, onalmente, trato cervicotalmico. O trato espinotalmico é considerado o maior Ueixe neuronal nociceptivo. Muitos anatomistas consideram-no como sendo constituído de dois tratos: neoespinotalmico e paleoespinotalmico. O trato neoespinotalmico é Uormado por axônios de neurônios nociceptivos especíocos. Essas obras cruzam para o lado oposto e ascendem na substncia branca anterolateral, terminando principalmente no n.cleo lateral posteroventral VAL do tlamo. Neurônios de terceira ordem ou terceiro neurônio deixam o VAL e projetam-se para os c)rtex somestésicos primrio S1 e secundrio S2. As obras desse trato são as principais responsveis pela condução da dor rpida. Assim, ele parece ser o trato de maior relevncia Uuncional na conscientização da dor. No tlamo, ocorre a percepção inicial da inUormação dolorosa, porém essa percepção é vaVa e imprecisa, e, somente `uando a inUormação cheVa ao c)rtex cerebral, ela pode ser deonida `uanto localização precisa, discriminação do tipo de sensação aVulhada, `ueimação, pressão, etc. e intensidade.7 Ao longo do trato paleoespinotalmico, traUegam inUormações de dor lenta. Axônios de neurônios dinmicos de amplo espectro cruzam para o lado oposto em sua maioria e também ascendem pela substncia branca anterolateral, terminando principalmente nos n.cleos da linha média e in-
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tralaminares do tlamo. Esses n.cleos talmicos têm grande campo receptivo e seus axônios projetam-se para diversas reas do c)rtex cerebral envolvidas com emoção, integração sensorial, personalidade e movimento.7 As obras constituintes do trato espinorreticular são provenientes das lminas VII e VIII, ascendem, em especial, contralateralmente e terminam nos n.cleos medianos da Uormação reticular 7C do tronco enceUlico. Esse trato parece inpuenciar o sistema de ativação reticular ascendente SACA, com projeções diUusas para diversas reas cerebrais criando um estado osiol)gico e psicol)gico de alerta no indivíduo. Arojeções ascendentes da 7C alcançam, inclusive, n.cleos da linha média e intralaminares do tlamo. Esse trato parece inpuenciar tanto reações aUetivo-motivacionais `uanto repexos neurol)gicos deUensivos e adaptativos, sejam eles somticos ou vegetativos.u,7 O trato espinomesenceUlico tem origem nas lminas I e V do corno posterior e projeta-se para o colículo superior e a substncia cinzenta peria`uedutal. O colículo superior est envolvido no direcionamento dos olhos e da cabeça para o estímulo nocivo, e a substncia cinzenta peria`uedutal participa de mecanismos de controle da dor. O trato espinoparabra`uial, parte integrante dessa via, alcança os n.cleos parabra`uiais, os `uais se projetam para a amígdala, n.cleo central do sistema límbico, contribuindo para o aspecto aUetivo da dor. Do ponto de vista clínico, a projeção de parte dos neurônios dessa via pelo `uadrante anterolateral explica por `ue a dor persiste ou reaparece ap)s procedimentos cir.rgicos utilizados no passado ou em casos extremos, como a cordotomia anterolateral.t,u Além das três principais vias de ascensão da inUormação dolorosa descritas, o trato espino-hipotalmico é Uormado por axônios de neurônios das lminas I, IV e VIII. Ele se projeta diretamente para centros hipotalmicos de controle vegetativo `ue ativam respostas neuroend)crinas e cardiovasculares.u O trato cervicotalmico origina-se de neurônios localizados no n.cleo cervical lateral. Essas obras cruzam a linha média, ascendem pelo lemnis-
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co medial e alcançam n.cleos mesenceUlicos e talmicos ventroposterior lateral e posteromedial. Ainda como parte desse sistema, axônios `ue conduzem inUormação dolorosa originria das lminas III e IV projetam-se através da coluna dorsal e terminam nos n.cleos cuneiUorme e grcil.u O processamento da inUormação nociceptiva em diUerentes níveis do SNC pode gerar respostas motoras, vegetativas ou comportamentais. Cespostas motoras, como repexos de retirada, extensão cruzada e ajustes posturais de proteção, minimizam a exposição ao agente agressor. Ajustes vegetativos, como aumento da Ure`uência cardíaca e respirat)ria, vasoconstrição ou vasodilatação e secreção hormonal hormônio adrenocorticotr)oco ACE9, preparam o organismo para respostas complexas e de longa duração. Mem)ria dolorosa, aspectos aUetivos e conscientes da nocicepção embasam respostas comportamentais, como es`uiva. Assim, o processamento da inUormação nociceptiva gera respostas adaptativas em diUerentes níveis de complexidade, como representado na 7igura 1. MECANISMOS DE MODULAÇÃO DA DOR A percepção da dor decorre da interação entre mecanismos pr)-nociceptivos e antinociceptivos. Esses mecanismos parecem estar presentes em todas as estações de processamento da inUormação dolorosa, da periUeria
Estímulos nocivos ou potencialmente lesivos
FIGURA 1
Reflexos protetores
Minimiza exposição a danos maiores Adaptação ao meio
Componente afetivo
Aprendizagem de comportamento de esquiva
Fluxograma de respostas adaptativas geradas pelo processamento da informação nociceptiva.
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ao c)rtex. Estímulos nocivos, Uenômenos inpamat)rios ou compressões neurais atuam como mecanismos pr)-nociceptivos.v Na medula, os neurônios nociceptivos de segunda ordem, além de receberem projeções dos neurônios nociceptivos provenientes da periUeria, também recebem projeções de interneurônios inibit)rios, `ue, por sua vez, são ativados por obras aUerentes A `ue conduzem estímulos tteis. Assim, uma estimulação sensorial pode inibir, ao menos parcialmente, a inUormação nociceptiva. Esse mecanismo Uoi descrito na década de 1z60, por Melzack e Wall, e ocou conhecido como a Eeoria do portal de controle da dor ou Eeoria da comporta. Acredita-se `ue este seja um dos mecanismos de atuação dos aparelhos de estimulação elétrica nervosa transcutnea EENS.2 Arojeções descendentes supramedulares também são capazes de modular a inUormação nociceptiva `ue alcança os neurônios de segunda ordem na medula. Vale destacar `ue modular pode signiocar inibir ou Uacilitar. São clssicos os exemplos de soldados ou atletas `ue, sob o estresse momentneo, não percebem `ue estão gravemente Ueridos. De maneira inversa, medo, ansiedade e depressão podem exacerbar a dor, evidenciando o papel da atividade cortical na sua modulação.2,7 Fma das projeções descendentes tem origem nos neurônios do locus ceruleus, cujos axônios alcançam o corno posterior da medula e ali liberam norepineUrina. A norepineUrina inibe a liberação de substncia A pelos neurônios aUerentes primrios antes de eles Uazerem sinapse com os neurônios de segunda ordem inibição pré-sinptica.u Outra projeção descendente tem origem na substncia cinzenta peria`uedutal AA8. A estimulação elétrica dessa região produz inibição seletiva da dor, sem prejuízo das demais modalidades sensoriais. Entretanto, poucos neurônios da AA8 projetam-se diretamente medula. De Uato, a AA8 Uaz conexões excitat)rias com o n.cleo magno da raUe, do `ual partem projeções serotoninérgicas `ue inibem, diretamente ou por meio de interneurônios, secretores de opioides, os neurônios de segunda ordem das lminas I, II e V.t,7
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Opioides, como morona e codeína, são analgésicos eocientes e de relevncia clínica. A microinjeção de derivados do )pio na AA8 produz analgesia intensa. Esse eUeito analgésico desaparece `uando é realizada a transecção bilateral do Uunículo lateral dorsal, local por onde passam as projeções antinociceptivas previamente citadas. Assim, parece `ue parte do eUeito analgésico dos opioides se d a partir da ativação das vias descendentes inibit)rias do tronco enceUlico. Ceceptores especíocos para opioides estão localizados em muitas regiões do SNC e sistema nervoso periUérico, não apenas ligadas diretamente ao controle da dor, mas também em outras Uunções osiol)gicas e comportamentais. Alta concentração desses receptores é encontrada na AA8, no n.cleo magno da raUe e no corno dorsal da medula.u As três principais classes de opioides end)genos são: enceUalinas leucina e metionina-enceUalina, dinoronas e betaendoronas. Esses opioides são sintetizados a partir de três genes diUerentes: o da pr)-enceUalina, o da pr)-dinorona e o da pr)-opiomelanocortina. EnceUalinas e dinoronas são encontradas principalmente na AA8, na raUe e nas lminas I e II do corno posterior da medula. O pr)-opiomelanocortina AOMC é um polipeptídeo precursor expresso especialmente na hip)ose, o `ual d origem betaendorona e ao ACE9, ambos liberados na corrente sanguínea em situações de estresse.u,y O corno dorsal da medula possui alta concentração de neurônios secretores de opioides end)genos, e a administração de morona, por exemplo, mimetiza esse eUeito. Ceceptores opioides podem ser encontrados nos terminais axonais dos neurônios de primeira ordem, onde, via proteína 8, inativam canais de clcio, diminuindo a liberação dos neurotransmissores glutamatosubstncia A inibição pré-sinptica. Nos dendritos dos neurônios de segunda ordem, receptores opioides, via proteína 8, abrem canais de potssio, com conse`uente hiperpolarização inibição p)s-sinptica. Dessa Uorma, oca inibida a transmissão da inUormação nociceptiva entre os neurônios de primeira e segunda ordens.u,y
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DOR AGUDA E DOR CRÔNICA A dor aguda relaciona-se diretamente a um dano tecidual eUetivo ou, pelo menos, a um risco eminente de dano. A dor crônica, porém, além de um dano tecidual contínuo, pode ser depagrada por sensibilização de neurônios das vias nociceptivas, disUunção dos sistemas end)genos de controle da dor ou por Uatores ambientais condicionamento operante.6 A dor crônica nociceptiva é resultado da estimulação dos nociceptores por longo período, como ocorre nos casos de tumores `ue comprimem os receptores sensoriais. A recepção e a transmissão central da inUormação nociceptiva ocorre de Uorma ade`uada a dor é prolongada por`ue o estímulo é contínuo.6 A dor crônica neuroptica decorre de atividade neural patol)gica diUerente da dor crônica nociceptiva em diUerentes níveis do sistema nervoso: periUérico, SNC ou sistema nervoso autônomo. Fma lesão em nervo periUérico pode modiocar a excitabilidade da membrana, gerando potenciais de ação espontneos, p)s-descarga prolongada ou despolarização em resposta a estímulos mecnicos não nociceptivos dor no coto ou sinal de Einel. Dano bainha de mielina pode prejudicar o isolamento entre os neurônios e a excitação de um neurônio `ual`uer pode induzir a despolarização de um neurônio nociceptivo excitação cruzada. No SNC, a neuroplasticidade pode desencadear uma relação desproporcional entre a estimulação sensorial periUérica nociceptiva ou não e a sensação dolorosa sensibilização central. Fma amputação, por exemplo, obriga uma reorganização das estações de processamento sensorial, inclusive na representação cortical do membro. Assim, se um polegar Uor amputado, o crescimento da arborização dendrítica dos neurônios `ue carreiam inUormação proprioceptiva do indicador pode alcançar reas de representação cortical nociceptiva desse membro, gerando dor constante no dedo Uantasma. Essas alterações plsticas ocorrem não apenas no c)rtex cerebral, mas em todos os níveis de processamento sensorial. É interessante notar `ue uma dor intensa e persistente por mais de 2u horas
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pode levar a alterações plsticas no sistema nervoso `ue se assemelham sensibilização central. O substrato neuro`uímico dessas modiocações est relacionado ao aumento do puxo de clcio decorrente da estimulação glutamatérgica em receptores ionotr)picos do tipo AMAA e NMDA, assim como sistemas de segundos mensageiros liberados por receptores metabotr)picos glutamatérgicos e de neuropeptídeos substncia A. Ap)s uma cascata neuro`uímica `ue culmina na ativação de genes, o resultado onal pode ser a geração de novos receptores, canais iônicos ou enzimas intracelulares `ue Uuncionalmente Uacilitam o processo de despolarização em alguns pontos do processamento da inUormação nociceptiva. Assim, est instituída a sensibilização central.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Merskey 9, Bond MC, Bonica ;;, Boyd DB, Carmon A, Deathe AB et al. Classiocation oU chronic pain: description oU chronic pain syndromes and deonitions oU pain terms. IASA Subcommitee on Eaxonomia 1zy6; Suppl. t:S1-226. 2. Lent C. Cem bilhões de neurônios: conceitos Uundamentais de neurociência. 2.ed. São Aaulo: Atheneu, 2010. t. Aurves D. Neurociências. 2.ed. Aorto Alegre: Artmed, 200y. u.
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y. Kigmond M;, Bloom 7E, Landis SC, Cobrts ;L, S`uire LC. 7undamental neuroscience. San Diego: Academic Aress, 1zzz.
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BASES PATOLÓGICAS DA DOR Gisele Alborghetti Nai
A dor patol)gica, ou dor clínica, reUere-se dor inpamat)ria, induzida por dano tecidual, e dor neuroptica, induzida por dano neural e `ue é Ure`uentemente crônica. A dor patol)gica é uma expressão da plasticidade neural `ue ocorre em ambos os sistemas nervosos periUéricos, sendo chamada de sensibilização periUérica, e no nervoso central SNC, `uando é chamada de sensibilização central.1 Buando o tecido é destruído, a dor chega. A destruição tecidual est associada a uma reação inpamat)ria. Esta leva ativação de nociceptores, os `uais podem se comunicar de Uorma cruzada com o inoltrado inpamat)rio. A interação entre neurônios, células teciduais e células inpamat)rias é de grande importncia para o desenvolvimento de dor na periUeria, e a percepção da dor depende do balanço entre os eUeitos excitat)rios e os eUeitos inibit)rios.
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A inpamação é uma resposta adaptativa ao dano de tecidos vascularizados, a `ual se desenvolve de acordo com uma se`uência estereotipada governada pela produção local de mediadores `uímicos.2 Normalmente, as moléculas e as células de deUesa do hospedeiro circulam no sangue, e o alvo da reação inpamat)ria é trazê-las para o local da inUecção ou da lesão tecidual. Vrias moléculas e células exercem papéis importantes na inpamação, incluindo proteínas plasmticas complemento, Uatores de coagulação, cininas, os leuc)citos polimorUonucleares, linU)citos e mon)citos do sangue e as células da matriz extracelular obroblastos, mast)citos e macr)Uagos do tecido conjuntivo circundante.3 Os principais componentes da inpamação são: a reação vascular e a resposta celular, ambas ativadas por mediadores derivados das proteínas plasmticas e de vrias células.3 Mediante uma agressão causada por um agente inpamat)rio ou pog)geno, `ue pode ser de origem end)gena ou ex)gena, no local lesado, ocorre a liberação de mediadores `uímicos `ue podem levar a um processo agudo inpamação aguda ou crônico inpamação crônica. A inpamação aguda pode evoluir para resolução do processo sem lesão cicatricial, Uormação de abscesso, cura com cicatriz residual ou inpamação crônica. A inpamação crônica, por sua vez, sempre implica destruição tecidual e cicatrização 7igura 1. A inpamação aguda é uma resposta imediata e precoce a uma agressão, `ue é designada a levar leuc)citos, principalmente neutr)olos, e proteínas plasmticas para o local da lesão. ; a inpamação crônica tem duração prolongada semanas a meses ou anos, com as seguintes características: inpamação ativa custa de leuc)citos mononucleares, destruição tecidual e reparação envolvendo obrose Eabela 1.3 A inpamação aguda possui dois componentes principais: as alterações vasculares e os eventos celulares. As alterações vasculares são a vasodilatação, com conse`uente aumento de puxo sanguíneo, e o aumento da permeabilidade vascular, `ue permite a saída das proteínas plasmticas
DOR
Lesão
Mediadores químicos
Inflamação aguda
Resolução
Inflamação crônica
Formação de abscesso
Cura
Regeneração
FIGURA 1
Possíveis evoluções da inflamação aguda e crônica.
TABELA 1
Características da inflamação aguda e da inflamação crônica
Cicatrização
Características
Inflamação aguda
Inflamação crônica
Aparecimento
Súbito
Insidioso
Duração
Rápida (dias)
Longa (semanas, meses, anos)
Alterações vasculares
Presentes
Ausentes
Tipos celulares envolvidos
Leucócitos polimorfonucleares
Leucócitos mononucleares (linfócitos
(neutrófilos)
e macrófagos)
Presentes
Ausentes
Sinais cardinais de Celsus
da circulação. Os eventos celulares são a saída de leuc)citos da microcirculação e seu ac.mulo no Uoco da lesão 7igura 2.3
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FIGURA 2
FAGOCITOSE
Quiomiotaxia
Leucopedese
Neoformação vascular
Tecido de granulação
Eliminação do agente lesivo
REGENERAÇÃO
Tecido fibroso Células parenquimatosas
REPARAÇÃO
Viscosidade
Saída de líquidos dos vasos
Aumento da permeabilidade capilar
Velocidade do fluxo
TUMOR (edema)
Aumento volumétrico
Função das células inflamatórias
Mononucleares = crônica
Neutrófilos = aguda
Marginação e adesão leucocitária
Vasodilatação prolongada
Vasoconstrição transitória
Eventos do processo inflamatório.
AGENTE LESIVO
RUBOR
Cor branco-opaca
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DOR
Vrios mecanismos podem contribuir para o aumento da permeabilidade vascular na inpamação aguda: Æ contração da célula endotelial, Uormando lacunas intercelulares nas vênulas p)s-capilares, induzida por mediadores vasoativos; Æ lesão endotelial em decorrência de necrose e desprendimento da célula endotelial em casos de `ueimadura e inUecções graves; Æ lesão endotelial mediada por leuc)citos; Æ transcitose aumentada de proteínas através de canais Uormados pela Uusão de vesículas intracelulares, principalmente ap)s exposição ao Uator de crescimento vasculoendotelial VE87; Æ extravasamento de lí`uido de novos vasos sanguíneos neoUormados angiogênese.3 Na Uase inicial da inpamação, a vasodilatação arteriolar e o volume do puxo sanguíneo aumentado provocam o aumento da pressão hidrosttica intravascular, resultando em saída de lí`uido dos capilares para o tecido. Esse lí`uido pobre em proteínas é chamado de transudato. Aosteriormente, o aumento de permeabilidade vascular permite a saída de lí`uido rico em proteínas e células, o `ual é chamado de exsudato. A perda de proteínas diminui a pressão osm)tica intravascular e eleva a pressão osm)tica no tecido, levando maior saída de gua e de íons para os tecidos extravasculares. Esse ac.mulo de lí`uido no espaço extravascular é chamado edema 7igura 3.3 Mediadores `uímicos na inpamação têm como objetivo iniciar, manter, ampliocar e encerrar o processo inpamat)rio. São Uatores `uímicos provenientes dos vasos, do plasma ou das células. Agem isolados, combinados ou em se`uência. A Eabela 2 mostra os principais mediadores `uímicos da inpamação, suas Uontes e suas principais ações. Os `uatro sinais clínicos da inpamação, também chamados sinais cardinais de Celsus, são:
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Aumento do fluxo sanguíneo
Aumento da permeabilidade
Escape de líquido rico em proteínas
Aumento da pressão hidrostática
Saída de líquido
Redução da pressão osmótica intravascular
Aumento da pressão osmótica intersticial
Acúmulo de líquido no interstício EDEMA = TUMOR TUMEFAÇÃO
FIGURA 3
Mecanismo de formação do edema na inflamação.
Æ rubor: eritema do local lesado por causa de vasodilatação e aumento do puxo sanguíneo no local da lesão; Æ tumor: em decorrência de edema local; Æ calor: em virtude de vasodilatação, aumento do puxo sanguíneo e aumento de catabolismo no local da lesão; Æ dor: em Uunção de edema local, diminuição do p9 e ação de mediadores `uímicos nos neurônios nociceptivos. Acrescenta-se a esses sinais a perda de Uunção do )rgão ou tecido, `ue é observada principalmente na inpamação crônica. O edema local leva dor por causa da compressão das terminações nervosas e perda da isotonicidade do meio, a `ual acarreta uma `ueda de p9 no interstício. A diminuição de p9 no tecido Uaz a proteína `uinase C A
DOR
TABELA 2
Ações dos principais mediadores químicos da inflamação3
Mediador
Fonte
Principais ações
Histamina
Mastócitos, basófilos, plaquetas
Vasodilatação, aumento da permeabi-
Serotonina
Plaquetas
Derivados de células lidade vascular, ativação endotelial Vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular Prostaglandinas
Mastócitos, leucócitos
Leucotrienos
Mastócitos, leucócitos
Vasodilatação, dor, febre Vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, adesão de leucócitos
Fator ativador plaquetário
Leucócitos, células endoteliais
Vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, adesão de leucócitos, quimiotaxia, degranulação, surto oxidativo
Espécies reativas do oxigênio
Leucócitos
Óxido nítrico
Endotélio, macrófagos
Destruição de micróbios, lesão tecidual Relaxamento do músculo liso vascular, destruição de micróbios
Citocinas (TNF e IL-1)
Macrófagos, linfócitos, células
Ativação endotelial local, resposta
endoteliais, mastócitos
sistêmica da fase aguda em infecções graves, choque séptico
Quimiocinas
Leucócitos, macrófagos ativados
Quimiotaxia, ativação de leucócitos
Derivados de proteínas plasmáticas Complemento
Plasma (produzido no fígado)
Ativação e quimiotaxia de leucócitos, opsonização, vasodilatação (estimulação de mastócitos)
Cininas (bradicinina)
Plasma (produzido no fígado)
Aumento da permeabilidade vascular, contração do músculo liso, vasodilatação, dor
Proteases ativadas durante
Plasma (produzido no fígado)
a coagulação
Ativação endotelial, recrutamento de leucócitos
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neurônios nociceptivos, o `ual é receptor para capsaicina, uma pimenta ardida para esses neurônios.4,5 A liberação de mediadores inpamat)rios age em receptores especíocos expressos nos neurônios nocipeptivos. A ativação dos receptores resulta
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em produção de mensageiros secundrios e ativação de proteínas `uinases e UosUolipases. Os mensageiros secundrios regulam a atividade de muitos receptores e de canais iônicos, levando sensibilização periUérica. Os canais iônicos abrem-se em resposta ao estímulo nocivo, iniciando e propagando o potencial de ação nos neurônios sensoriais. A excitação dos neurônios nociceptivos causa liberação da neurotransmissão na medula espinal. Os neurotransmissores liberados ligam-se a receptores p)s-sinpticos, levando sensibilização central. Expressões aberrantes de canais iônicos, receptores e proteínas reguladoras podem contribuir para a sinalização anormal da dor.5 9 moléculas-chave `ue participam da sinalização da dor, como bradicina, prostaglandina e ciclo-oxigenase COI 2, serotonina, adenosina triUosUato AEA, canal de potencial do receptor transit)rio ECA, Uator de crescimento neural N87, canais iônicos clcio e s)dio, glutamato e outras.5 O dano tecidual e a inpamação causam ativação de calicreínas proteolíticas. As calicreínas geram as cininas, como a bradicinina, de substratos de `uininogênio. A bradicinina é um vasodilatador potente e sua ação é mediada pela ativação de seus receptores B1 e B2. O receptor B1 é expresso somente como resultado de dano tecidual e sinais inpamat)rios, como N87 e citocinas, Uator de necrose tumoral alUa EN7-alUa e interleucina-1-beta IL-1-beta. Seus receptores ativam UosUolipase C beta ALC-beta e UosUolipase A2 ALA2. A ativação da ALC-beta leva ativação da proteína `uinase C, `ue sensibiliza o ECAV-1 humano. A ativação de ALA2 deriva em produção de cido aracdônico, o `ual ser degradado pela COI-2, gerando prostaglandina.5-8 A bradicinina é conhecida por Uacilitar a liberação de substncia A e peptídeos relacionados ao gene da calcitonina dos neurônios sensitivos. Esse aumento de neuropeptídeos sensitivos est geralmente regulado por prostaglandinas e reduzido por inibidores da COI.6 9 dois tipos de COI, a COI-1 e a COI-2. A COI-1 tem expressão constitutiva e é importante para a proteção gastrointestinal. A COI-2 pode ser induzida por citocinas pr)-inpamat)rias EN7-alUa e IL-1-beta no local
DOR
da inflamação. As COX medeiam a conversão de ácido aracdônico nos precursores das prostaglandinas (Figura 4).3,5,9 Peptídeos como a substância P, liberados dos terminais aferentes primários durante a inflamação experimental, são capazes de ativar células da micróglia, permitindo a expressão de neuroquinina 1(NK1), a qual aumenta a expressão de COX-2 e a liberação de prostaglandina E2 (PGE2), de tromboxano e de IL-6 e PGE2 dos astrócitos.10 As prostaglandinas ligam-se a receptores específicos (proteína G) e estimulam a secreção de mediadores secundários, como proteína quinase A (PKA) e PKC, além de mediarem um aumento do cálcio intracelular.
Fosfolipídios de membrana
Fosfolipase A2
Ácido aracdônico
5-lipoxigenase
Leucotrieno A4
Ciclo-oxigenase
Prostaglandina P2, F2, F2-alfa
Prostaglandina G2
Prostaglandina H2
Prostaciclina
Tromboxano A2
Tromboxano B2 Figura 4
Metabolismo do ácido aracdônico.
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A A
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O N87 é derivado de células de Schwann, mast)citos e macr)Uagos. O aumento de sua expressão é regulado por EN7-alUa, IL-1-beta e substncia A. Seu maior papel na dor é na modiocação da atividade dos neurônios sensitivos via modulação da expressão gênica através da ligação ao seu receptor Er
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o puxo sanguíneo. Os macr)Uagos utilizam o NO como um metab)lito citot)xico para destruir micr)bios e células tumorais. Buando produzido pelas células endoteliais, causa relaxamento do m.sculo liso e vasodilatação. O NO é sintetizado através da L-arginina, do oxigênio molecular, da NADA9, pela enzima )xido nítrico sintetase NOS. 9 três isoUormas da NOS: Æ tipo I, nNOS: NOS neuronal constitutivamente expressa; Æ tipo II, iNOS: induzida por vrias citocinas e mediadores inpamat)rios, principalmente IL-1, EN7, interUeron-gama I7N-gama e endotoxinas bacterianas; Æ tipo III, eNOS: NOS sintetizada constitutivamente, encontrada principalmente no endotélio.3,12 9 aumento da expressão da nNOS nos neurônios do corno posterior ap)s estímulo nocivo periUérico. A expressão iNOS est aumentada nos tecidos inpamados e é envolvida no desenvolvimento de hipersensibilidade dor no modelos de dor inpamat)ria e neuroptica. Assim, o NO produzido em excesso por nNOS e iNOS est envolvido em processos patol)gicos, como dor e inpamação. A interação entre NO e super)xido O2- leva Uormação de peroxinitrito, uma molécula citot)xica e pr)-inpamat)ria. O NO pode reagir com outros radicais, como oxigênio, Uormando as espécies reativas de oxigênio, `ue contribuem para hiperalgesia, por causarem lesão neural e retardarem a regeneração dos nervos lesados.12 A endotelina EE end)gena pertence a uma Uamília de peptídeos `ue promovem crescimento, são vasoativas e têm propriedades nociceptivas. Agem de Uorma parcrina atuam em células da proximidade ou aut)crina atuam na mesma célula `ue a secretou. A mais amplamente distribuída é EE-1, a `ual é sintetizada e liberada pelo epitélio, cardiomi)citos, leuc)citos, macr)Uagos e pelo endotélio. As EE participam de uma variedade de
DOR
processos relacionados à dor, como inflamação, incisão na pele, câncer, doenças imunológicas e dor neuropática. Elas atuam via ligação com dois receptores ETA e ETB.13,14 Uma vez secretada, a ET-1 acopla-se ao seu receptor ETA nas células nervosas, resultando em alterações agudas nos canais iônicos que aumentam a excitabilidade: a retificação tardia dos canais de potássio (K+) está inibida e a ativação dos canais de NA+ está aumentada, assim como a dos canais TRVP. O cálcio acaba sendo liberado rapidamente dos estoques intracelulares e ativa PKC (e talvez PKA).14 As proteínas quinases mitógeno ativadas (MAPK) são uma família de moléculas sinalizadoras de transdução intracelular e que regulam neurodegeneração, resposta inflamatória e morte celular. São constituídas por três grandes membros: ERK, p38 e c-Jun N-terminal kinase (JNK). Todas as três vias da MAPK contribuem com a dor depois de lesão tecidual ou neural via distintos mecanismos celulares e moleculares. A ativação (fosforilação) das MAPK nas células gliais é necessária para o desenvolvimento e a manutenção da dor neuropática. As MAPK regulam a sensibilização à dor via ambos os mecanismos periféricos e centrais. A ERK é expressa nos neurônios do corno dorsal da medula espinal após lesão neural ou inflamação. A ativação da ERK nos neurônios do corno posterior da medula espinal por atividade nociceptiva, via múltiplos receptores de neurotransmissores e usando diferentes mensageiros secundários, tem um papel crítico na sensibilização central por regular a atividade dos receptores de glutamato e os canais de K+ e por indução de transcrição gênica. A p38 aumenta a síntese de vários mediadores pró-inflamatórios, como COX-2, IL-1-beta e iNOS. A IL-1-beta aumenta a transmissão sináptica excitatória e diminui a inibitória. A p38 ativa fosfolipase A2, que levará à síntese de prostaglandina. JNK é ativado pelo TNF-alfa nos astrócitos e aumenta a regulação de muitas quimioquinas, como a proteína quimioatraente de monócitos (MPC)-1, que é um importante sensibilizador à dor.15,16
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Diversos tipos de células imunes têm sido relacionados patogênese e ao característico processo de alteração nociceptiva na dor neuroptica periUérica. Os principais tipos celulares envolvidos são mast)citos, neutr)olos, macr)Uagos, linU)citos E e células de Schwann.17 Os mast)citos são células importantes nos processos inpamat)rios alérgicos e como iniciadores da imunidade inata. 9 mast)citos residentes na periUeria do nervo, `ue, mediante uma lesão, são ativados e degranulados. Eles liberam mediadores pr)-inpamat)rios, como histamina, serotonina, citocinas e proteases. A histamina é o principal mediador dos mast)citos, a `ual é responsvel por vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Os mast)citos também contribuem para o recrutamento de outras células imunes `ue liberam mais mediadores pr)-inpamat)rios.17 Os neutr)olos leuc)citos polimorUonucleares são as primeiras células do inoltrado inpamat)rio na rea de lesão tecidual e predominam na inpamação aguda. Além de terem capacidade de Uagocitose, eles liberam mediadores pr)-inpamat)rios, como citocinas e `uimiocinas, `ue ativam e atraem mais células inpamat)rias, principalmente macr)Uagos, para a rea lesada.17 Os macr)Uagos são as células-chave imunol)gicas e Uagocíticas do nervo periUérico. São vitais para o sucesso da degeneração e posterior regeneração neural. Cespondem rapidamente ao dano neural e não re`uerem ativação por células precursoras. Liberam vrios mediadores `uímicos, principalmente citocinas, como IL-1, IL-6 e EN7-alUa. A IL-6, além de ter um eUeito excitat)rio direto nos neurônios nociceptivos, também induz liberação adrenérgica, a `ual pode ser outro mecanismo pelo `ual a IL-6 contribui para a dor neuroptica.17 Os linU)citos são células associadas inpamação crônica, importantes nas respostas imunes humorais e nas mediadas por células. Apresentam dois subtipos: os linU)citos B, associados produção de anticorpos, e os linU)citos E, associados imunidade celular.3 A população de linU)citos
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E é dividida em duas subpopulações: células E helper CD4+ e células E citot)xicas CD8+. Os linU)citos E liberam citocinas pr)-inpamat)rias. A inoltração neural de linU)citos E pode ser temporariamente relacionada hiperalgesia.17 As células de Schwann não são células imunes. São células `ue estão em íntimo contato com os neurônios sensitivos. Essas células expressam moléculas imunes do complexo de histocompatibilidade maior classe I M9C I. O estímulo com I7N-gama e linU)citos E aumenta a regulação de M9CI e a expressão de M9CII nas células de Schwann. Durante a degeneração walleriana, as células de Schwann Uagocitam debris de mielina e sintetizam uma série de moléculas biologicamente potentes, como EN7-alUa, N87, IL-1-beta, IL-6 e AEA. O aumento da regulação de N87 pelas células de Schwann é amplamente estimulado pela IL-1-beta derivada de macr)Uagos no nervo daniocado.17 O potencial de ação gerado pelo estímulo não apenas se dirige ao SNC, mas também alcança outras terminações axonais locais. Estas liberam substncia A, a `ual, ao alcançar vasos, produz vasodilatação e edema. A substncia A também alcança pla`uetas e mast)citos, os `uais, como resposta, liberam serotonina e histamina, respectivamente, aumentando as alterações `uímicas locais. Essas alterações `uímicas aumentam a chamada cascata de citocina, com a liberação tecidual de interleucinas, prostaglandinas, ciclo-oxigenase, etc. Esses vrios mediadores inpamat)rios diminuem o limiar de disparo de receptores locais, os `uais apenas disparam nessas condições de inpamação receptores silenciosos ou AMAL, polimodais de alto limiar. Dessa Uorma, mesmo terminado o estímulo desencadeante da dor, esta continua em razão da hipernocicepção inpamat)ria.18 A dor neuroptica ocorre no dano neural, onde h denervação parcial, e não total. Evidências sugerem `ue as se`uelas p)s-inj.ria são ditadas por pelo menos dois eventos principais. O primeiro é uma alteração na viabilidade de Uatores neurotr)picos, e o segundo, geração de Uatores in-
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duzidos pela lesão citocinas e `uimiocinas. A lesão neural inicia uma potente resposta imune, com liberação precoce de EN7-alUa dos macr)Uagos e das células de Schwann.10,19 O EN7-alUa estimula uma produção se`uencial e a liberação de IL-1 e IL-6, aumenta a expressão de N87, além de ter uma possível ação sobre os canais de Ca+ e Na+ neuronais. O dano ao nervo periUérico inicia uma hipertrooa das células da glia e aumento da reatividade. O aumento na liberação de neurotransmissores glutamato, substncia A e AEA ativa neurônios de segunda ordem e células da glia adjacentes. Esse gatilho parece ser crucial na habilidade das células da glia em produzir citocinas, `uimiocinas e outros mediadores inpamat)rios. A liberação dos mediadores inpamat)rios EN7-alUa, IL-1-beta, IL-6, NO, AEA e prostaglandinas inicia um mecanismo de autopropagação do aumento da expressão de citocinas pelas células gliais. Esses agentes são, então, capazes de sensibilizar aUerentes primrios e neurônios no corno posterior da medula espinhal e, assim, podem contribuir para dor neuroptica ap)s lesão neural periUérica.10 Evidências sugerem `ue a expressão prolongada de `uimiocinas e seus receptores nos gnglios sensitivos pode ter um grande signiocado, contribuindo para síndromes dolorosas neuropticas. Essas `uimiocinas aUetam a hipersensibilidade neuronal em decorrência da ativação dos canais ECA. En`uanto as citocinas pr)-inpamat)rias, como EN7-alUa e IL-6 e prostaglandina E, são expressas inicialmente e contribuem para a gênese da dor aguda, evidências sugerem `ue as `uimiocinas são expressas tardiamente e podem agir como um gatilho para converter a dor aguda em uma dor `ue é crônica em sua natureza.18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ;i CC,
DOR
3.
Feno A, Oh-ishi S. Coles Uor the
8. Mizumura <, Sugiura E,
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18. Miller C;, ;ung 9, Bhangoo S<, White 7A. Cytokine and chemokine regulation oU sensory neuron Uunction. 9andb Exp Aharmacol 2009; 194:417-49. 19. Moalem 8, Eracey D;. Immune and inpammatory mechanisms in neuropathic pain. Brain Ces Cev 2006; 512:240-64.38.
SEÇÃO 2
AVALIAÇÃO DA DOR
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SEMIOLOGIA DA DOR Marcia Carla Morete Lisabelle Mariano Rossato
INTRODUÇÃO A dor é um fenômeno universalmente conhecido. É subjetiva, uma percepção particular de cada indivíduo. Tem sido descrita como simplesmente aquilo que o indivíduo que a está experimentando diz que é. Por ser uma experiência subjetiva, a intensidade e a duração, bem como o signiocado atribuído, são determinados pelo indivíduo. Considerando-se a complexidade que envolve a sensação dolorosa, é de fundamental importância compreender os mecanismos envolvidos no sintoma doloroso, as estratégias de avaliação da dor e, assim, propor modalidades de tratamento farmacológico e não farmacológico para o seu alívio. SEMIOLOGIA DA DOR Tanto o sistema nervoso central (SNC) quanto o sistema nervoso periférico estão envolvidos na sensação de dor. A dor é um sinal de aviso para evitar lesão. Com frequência, a resposta dor é repexiva. O SNC promove a mediação de outras respostas. Células nervosas especializadas, chamadas
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nociceptores, são receptores sensoriais localizados na pele, nos músculos, nas vísceras e no tecido conjuntivo. Essas células respondem ao estímulo provocado por lesão térmica, mecânica ou química. A resposta consiste na liberação de mediadores químicos, como prostaglandinas, que fazem com que os nociceptores sejam estimulados, transportando o impulso doloroso até a medula espinal. Esses impulsos deslocam-se ao longo de obras nervosas aferentes obras A␦ mielinizadas ou obras C desmielinizadas.1 A informação sensitiva proveniente de diversas áreas no interior do corpo pode convergir nos neurônios espinais. Essa convergência é responsável pela sensação de dor referida, a dor que é percebida em uma parte do corpo diferente daquela em que teve origem a lesão ou o estímulo. No entanto, uma estrutura nervosa complexa nos cornos dorsais da medula espinal pode inibir a transmissão da sensação dolorosa até o cérebro. Esses portões operam por meio de vários neurotransmissores (substância P e somatostatina). A não transmissão até o cérebro impede o reconhecimento da sensação de dor. A lesão é respondida repexivamente e a origem do estímulo desagradável é eliminada. O estímulo apenas se transformará em dor se for percebido no cérebro.1
Dor somática A dor somática ou estrutural é localizada mais facilmente pelo paciente e com frequência está associada a traumatismo ou atividade física. A dor somática pode originar-se em músculos, articulações, ligamentos ósseos, tendões ou fáscia. A descrição do cliente pode variar desde uma dor aguda e intensa até imprecisa e dolorida. Pode ser constante ou intermitente e o cliente frequentemente a relaciona a alguma atividade física ou à postura. Tecidos estruturais podem estimular obras nervosas aferentes em decorrência de lesões traumáticas, como lacerações ou esmagamento. Fibras aferentes também podem ser estimuladas pela pressão, p.ex., como resultado de invasão de tumor, edema, congestão venosa ou inpamação nas articulações.1
DOR
Dor visceral A dor que se origina a partir da estimulação de nociceptores mais profundos pode ser visceral. A dor visceral pode ter origem nas cavidades torácica, abdominal, pélvica ou craniana. Trata-se de uma manifestação difusa, de localização imprecisa e frequentemente de difícil identiocação com o diagnóstico. Os sintomas mais comumente associados à dor visceral indicam atividade do sistema nervoso autônomo. Podem ser caracterizados por palidez, sudorese, cólicas abdominais e diarreia. Com frequência, ocorre aumento signiocativo na pressão arterial. A dor visceral é descrita como profunda, dolorida, em cólica ou de pressão intensa. Esse tipo de dor é frequentemente “referido” a outras áreas do corpo.1
Dor neuropática A dor neuropática resulta de dano ao SNC ou sistema nervoso periférico. Não é necessária a estimulação dos nervos para que o paciente informe que sente dor. A dor pode ser leve ou muito intensa, sendo descrita, muitas vezes, como uma sensação de queimação ou cauterização. Tem localização pouco deonida e não responde às intervenções convencionais. Comumente, a dor neuropática é contínua, e não intermitente. Pode ser acompanhada por parestesias, sensações de calor ou frio, formigamento, dormência ou paralisia. Como o resultado da lesão dos nervos, é comum a dor neuropática se transformar em um sintoma crônico que pode ser gravemente debilitante.1
Dor psicogênica A dor psicogênica, por sua vez, está relacionada à prevalência de fatores psicológicos na gênese da sensação dolorosa. Esse tipo de dor pode ser observado em distúrbios psicológicos, como na depressão e na ansiedade generalizada.2,3 A depressão e a ansiedade interagem na percepção da dor via mecanismos inibitórios e facilitatórios.4 As vias noradrenérgicas e serotoninérgicas
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estão envolvidas no mecanismo da ansiedade e da depressão, bem como no controle central da dor. A interação entre as unidades excitatórias e inibitórias, a condição emocional, os traços constitucionais, as experiências pregressas e presentes, a ocorrência de anormalidades orgânicas ou funcionais e as condições ambientais podem interferir na transmissão da informação nociceptiva para centros nervosos, os quais participam da percepção ou das reações repexas diante da dor. O estresse psicológico, por exemplo, torna a dor mais intensa ou menos tolerável.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Sakata RK Hisatugo MKI, Aoki SS et al. Avaliação da dor. In: Cavalcanti IL, Maddalena ML. Dor. Rio de Janeiro: Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro, 2003. p.299. 2. Furst S. Transmitters involvednin antinociception in the spinal cord. Brain Research Bulletin 1999; 48(2):129-41. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6SYT-3W4XK9B-2&_user=4740959&_coverDate= 01%2F15%2F1999&_rdoc=1&_fmt=high&_orig=search&_origin=search&_ sort=d&_docanchor=&view=c&_searchStrId=1601888095&_rerunOrigin= google&_acct=C000064695&_version=1&_urlVersion=0&_userid=4740959&md5 =071a66e85f5bd1b8c1a5fad5942543d0&searchtype=a. 3. Merkey H. Classiocation of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and deonitions of pain terms. Pain 1986; 3:S1-226. 4. Meyer RA, Raja SN, Campbell JN. Coupling of action potential activity between unmyelinated obers in the peripheral nerve of monkey. Science 1985; 227(4683):184-7. 5. Teixeira MJ. Dor e depressão. Revista Neurociências 2006; 14(2):44-53.
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AVALIAÇÃO DA DOR Marcia Carla Morete Lisabelle Mariano Rossato
INTRODUÇÃO A dor é um sintoma e uma das causas mais frequentes da procura por auxílio médico. O reconhecimento da dor como quinto sinal vital aconteceu pela primeira vez em 1996, por James Campbell. Seu objetivo foi elevar a conscientização entre os proossionais de saúde sobre o tratamento da dor. Campbell refere que “se a dor fosse aliviada com o mesmo zelo que os outros sinais vitais, haveria uma melhor chance de promover tratamento adequado”.1 Desde janeiro de 2000, a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) publicou norma que descreve a dor como quinto sinal vital.2 Portanto, ela deve ser sempre avaliada e registrada ao mesmo tempo em que se veriocam os outros sinais vitais. Esse ato é necessário para que exista conhecimento da conduta tomada, sua razão e seus resultados.3 A queixa de dor deve ser sempre valorizada e respeitada, por causa do desconforto que manifesta.
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A avaliação da dor e o registro sistemático e periódico de sua intensidade são fundamentais para que se acompanhe a evolução dos pacientes e se realizem os ajustes necessários ao tratamento. A inclusão da avaliação da dor junto aos sinais vitais pode assegurar que todos os pacientes tenham acesso às intervenções para o controle da dor da mesma forma que o tratamento imediato das alterações dos demais controles. Os componentes iniciais dessa iniciativa são: Æ adotar uma rotina de avaliação de ocorrência e intensidade da dor para todos os pacientes usando uma escala analógica visual (EAV); Æ documentar a ocorrência da dor e sua intensidade para todos os doentes; Æ documentar as intervenções planejadas para o tratamento e controle da dor, bem como o período determinado para a reavaliação.1 Dessa forma, para a implementação da dor como quinto sinal vital nas instituições de saúde, é necessário: Æ realizar um planejamento para o seu efetivo desenvolvimento, preferencialmente designando um membro da equipe para ser o responsável pela coordenação da implementação do quinto sinal vital; Æ estabelecer um plano de ação com prazos e designação de responsáveis para sua implantação em todas as unidades da instituição; Æ deonir a folha de registro de avaliação, intervenção e reavaliação; Æ deonir o instrumento de avaliação de dor que será utilizado; Æ estabelecer normas e procedimentos para a avaliação e reavaliação da dor para os pacientes nos quais ela seja identiocada; Æ educar a equipe de saúde quanto à avaliação da dor e ao seu manejo; Æ desenvolver um plano para a educação do paciente e de seus familiares quanto à avaliação e ao manejo da dor.1
DOR
AVALIAÇÃO DA DOR Não obstante essa complexidade e as dioculdades para entender a natureza do fenômeno da dor, sua análise deve, necessariamente, ser concebida dentro do contexto fundamental de uma relação, ainda incompleta, entre estímulo e sensação. O problema pode ser colocado de maneira mais simples, atentando-se apenas a duas alternativas para o aparecimento do estímulo adequado (presente ou ausente), bem como a duas alternativas para o registro da experiência da dor (presente ou ausente). Assim, o problema da avaliação e da mensuração da dor torna-se genuinamente um problema psicofísico, envolvendo a detecção, a discriminação e a magnitude da sensação a estímulos dolorosos.2,3 A mensuração da dor é provavelmente uma das mais importantes no vasto domínio do estudo da dor. De fato, os métodos atuais utilizados para sua mensuração e avaliação têm raízes históricas na psicofísica – um campo da psicologia experimental que de longa data se preocupa com as relações entre as propriedades dos estímulos e as respostas ou reações comportamentais ou percepções sensoriais.4 É essencial uma avaliação completa da dor para que sejam identiocadas intervenções apropriadas para cada episódio especíoco. A avaliação da dor envolve a coleta de dados subjetivos e objetivos. Uma rápida avaliação inicial do paciente com dor deve consistir na identiocação do tipo, da gravidade (ou intensidade), do surgimento, da duração, da localização e da história pregressa da dor. Além disso, a descrição deve ser feita a partir das palavras do paciente. Sua descrição é essencial para que se estabeleça uma comunicação efetiva e deve-se permanecer oel a essa descrição nas avaliações subsequentes.5 A identiocação de sinais e sintomas osiológicos de dor, sinais vitais, história clínica e avaliação de fatores psicossociais e culturais são dados adicionais em uma avaliação abrangente da dor.5 A dor é usualmente associada à lesão ou a um processo osiopatológico que causa uma experiência desconfortável e desagradável, sendo, geralmente, descrita em tais
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termos. Por ser assim deonida, ela é uma experiência multidimensional e, portanto, sua avaliação engloba a consideração de inúmeros domínios, incluindo o osiológico, o sensorial, o afetivo, o cognitivo, o comportamental e o sociocultural. Em outras palavras, a dor afeta o corpo e a mente e sua complexidade torna-se difícil de ser mensurada. Embora não haja qualquer marcador biológico da dor, a descrição individual e o autorregistro geralmente fornecem evidências acuradas, odedignas e suocientes para detectar sua presença e intensidade.4 O instrumento ideal para avaliação da dor, portanto, deve incluir a identiocação da presença de dor, como também o progresso da dor com o tempo ou a função do tratamento. Esse instrumento deveria, ainda, ser aplicável a qualquer indivíduo, independentemente das características osiológicas, emocionais ou culturais.4 Vários métodos têm sido utilizados para mensurar a percepção/sensação de dor. Alguns consideram a dor uma qualidade simples, única e unidimensional que varia apenas de intensidade; outros, no entanto, consideram-na uma experiência multidimensional composta também por fatores afetivo-emocionais.1
Componentes da avaliação dolorosa Existem alguns fatores que podem auxiliar na avaliação da dor, como mostra a Figura 1.
Instrumentos para avaliação da dor Os pesquisadores do fenômeno doloroso referem que a dor deve ser avaliada e tratada levando-se em conta a faixa etária e o desenvolvimento cognitivo do paciente, sendo necessário conhecer e saber aplicar os instrumentos de avaliação da dor adequados.6,7 Atualmente, há vários instrumentos que, se usados concomitantemente na avaliação da dor, podem favorecer um cuidado mais eocaz. Esses instrumentos (escalas) são caracterizados como unidimensionais e multidi-
DOR
Reações psicológicas
Fatores socioeconômicos
Observação
Autoavaliação Reações fisiológicas
AVALIAÇÃO DA DOR
Reações comportamentais fisiológicas Expressão facial
FIGURA 1
Escalas
Idade da pessoa Vocalização
Fatores capazes de auxiliar na avaliação da dor.
mensionais e devem ser adequados conforme a idade e o tipo de paciente a quem será dispensado o cuidado.6,7 As escalas unidimensionais vêm sendo caracterizadas por avaliarem apenas o aspecto intensidade da dor; as multidimensionais, por sua vez, avaliam diversos aspectos da dor (afetivo-emocionais).6,7 As escalas unidimensionais incluem:6,7 Æ escala verbal descritiva; Æ escala visual analógica (EAV); Æ escala visual numérica (EVN); Æ escala facial (FPS – faces pain scale); Æ escala NFCS (neonatal facial coding system), utilizada para neonatos. E as multidimensionais:6,7 Æ questionário de McGill; Æ escala graduada de dor crônica (EGDC-Br); Æ escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR);
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50
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Æ mensuração da dor geriátrica (GPM – geriatric pain measure); Æ escala NIPS (utilizada para neonatos); Æ escala PIIP (utilizada para neonatos); Æ escala CRIES (utilizada para neonatos); Æ Escala MOPS (utilizada em crianças); Æ escala FLACC (utilizada em crianças); Æ cartões da qualidade da dor (utilizados em crianças). Nas escalas unidimensionais,4 os instrumentos são designados para quantiocar apenas a severidade ou intensidade da dor. Entre os instrumentos unidimensionais existentes, podem ser destacados: Æ escala verbal descritiva: consiste em uma escolha de três a cinco palavras ordenadas numericamente, descritoras como nenhum, pouco, modesto, moderado ou grave. O número que corresponde à palavra escolhida é usado para determinar a intensidade da sensação dolorosa em nível ordinal. É uma escala pequena, sendo fácil para o paciente marcar e para o enfermeiro analisar, bem como aplicável para qualquer tipo de dor clínica;4 Æ escala analógica visual: a EAV é atualmente um dos instrumentos mais amplamente usados para mensurar a dor. Consiste em uma linha de 10 cm, com âncoras em ambas as extremidades. Em uma delas, é colocado o descritor “nenhuma dor” e na outra extremidade, o descritor verbal “a pior dor possível” ou a “pior dor imaginável” ou frases similares (Figura 2). Uma régua é usada para quantificar a mensuração em uma escala de 0 a 100 mm. A linha pode ser horizontal ou vertical (Figura 3). Tem sido considerada a mais sensível,
Sem dor FIGURA 2
Dor leve
Escala de descritores verbais.
Dor moderada
Dor intensa
Dor insuportável
DOR
Sem dor FIGURA 3
Dor máxima Escala analógica visual (EAV).
simples e reprodutível, bem como a mais universal das escalas de mensuração da magnitude da intensidade de dor. Pode ser facilmente entendida em muitas situações em que haja diferenças econômicas, sociais, culturais e educacionais ou mesmo de linguagem entre o avaliado e o avaliador – clínico ou examinador;4 Æ escala visual numérica (EVN): a escala de categoria numérica é uma das mais comumente utilizadas para a mensuração da intensidade da dor em contextos clínicos. A tarefa é bem simples: o paciente estima sua dor em uma escala de 0 a 10 ou em uma escala de 0 a 5 categorias, com 0 representando “nenhuma dor” e 5 ou 10 representando “a pior dor imaginável”. Tem como vantagem permitir uma pontuação precisa, sendo de fácil e rápida aplicação. Como desvantagem, destaca-se a dificuldade em ser aplicada na população de idosos, analfabetos e pacientes com déficits cognitivos ou compreensão insuficiente da linguagem (Figura 4);4 Æ escala facial de dor: a escala FPS para adultos e crianças também é uma escala de categorias, mas com descritores visuais, usando, no caso, expressões faciais que refletem magnitudes de intensidades de dor diferentes. A FPS consiste em seis imagens de faces com várias expressões. O paciente seleciona a face que é consistente com seu nível atual de dor. Essa escala pode ser aplicada na população
0
1
2
3
4
Sem dor FIGURA 4
5
6
7
8
9
10 Dor máxima
Escala visual numérica (EVN).
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
adulta e pediátrica, mas pode ocorrer de um paciente afirmar que sua dor está entre duas faces, o que torna a avaliação não precisa. Pode-se, ainda, colocar números e palavras abaixo das expressões faciais para simplificar o uso da escala. O processo de avaliar a intensidade da dor com essa escala é simples e eficiente (Figura 5);4 Æ sistema de codiocação facial neonatal:8,9 a escala NFCS10,11 é um instrumento unidimensional que visa à avaliação detalhada e mais especíoca da mímica facial dos recém-nascidos. Esse instrumento foi validado para o uso em pesquisa e à beira do leito e é indicado para avaliar a dor em recém-nascidos pré-termo, como também a termo e lactentes até 18 meses de idade. A versão da NFCS utilizada para pesquisa inclui a avaliação de nove movimentos faciais: fronte saliente, olhos apertados, sulco nasolabial, boca aberta, boca estirada na vertical, boca horizontal, língua tensa, tremor de queixo e protusão da língua (Tabela 1). Para aplicação na prática clínica, podem ser avaliados sete movimentos faciais. Deve ser utilizada em horários preestabelecidos no plano
FIGURA 5
Escala facial de dor (FPS).
TABELA 1
Escala de codificação da atividade facial neonatal (NFCS)8,9
Movimento facial
0 Ponto
1 Ponto
Fronte saliente
Ausente
Presente
Olhos apertados
Ausente
Presente
Sulco nasolabial
Ausente
Presente
Boca aberta
Ausente
Presente
Boca estirada na vertical
Ausente
Presente
Boca horizontal
Ausente
Presente
Língua tensa
Ausente
Presente
DOR
assistencial, em geral concomitantemente à aferição dos sinais vitais, antes, durante e após procedimentos dolorosos ou estressantes e no período pós-operatório. Em caso de presença de dor maior ou igual a 3, utilizam-se: Æ escalas multidimensionais de dor: as escalas de categoria multidimensionais incluem indicadores osiológicos, comportamentais, contextuais e também os autorregistros por parte do paciente;1 Æ questionário de McGill: a premissa básica subjacente a este questionário, ou inventário multidimensional de avaliação da dor, é que os aspectos sensoriais, afetivos e avaliativos estão repetidos na linguagem usada para descrever a experiência dolorosa (Figura 6). O questionário tem tido excelentes indicadores psicométricos repetidos nos altos coeocientes de odedignidade obtidos tanto pelo método de teste-reteste quanto pelos métodos de consistência interna e da forma paralela. O questionário de McGill de avaliação de dor tem sido sensível a diferentes terapias analgésicas e muito eocaz em discriminar tipos especíocos de dor;1 Æ escala graduada de dor crônica: a EGDC-Br foi desenvolvida visando a proporcionar um método breve e simples para graduar a severidade da dor crônica ou recorrente, para uso em inquéritos populacionais e em estudos de pacientes com dor em estabelecimentos de atendimento primário.12 Foi traduzida e validada para a língua portuguesa recentemente, por Bracher, em 2008. É composta por oito questões, que avaliam persistência da dor, intensidade da dor e incapacidade associada à dor crônica (Figura 7);13 Æ escala multidimensional de avaliação de dor:14 para entender o fenômeno doloroso e avaliar a eficácia dessas intervenções, são necessárias medidas mais sofisticadas, tanto da intensidade quanto das respostas motivacionais, cognitivas e afetivas à dor. Foi traduzida
53
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1
5
9
13
17
1. Vibração
1. Beliscão
1. Mal localizada
1. Castigante
1. Espalha
2. Tremor
2. Aperto
2. Dolorida
2. Atormentada
2. Irradia
3. Pulsante
3. Mordida
3. Machucada
3. Cruel
3. Penetra
4. Latejante
4. Cólica
4. Doída
5. Como batida
5. Esmagamento
5. Pesada
2
6
10
14
18
1. Pontada
1. Fisgada
1. Sensível
1. Amedrontadora
1. Aperta
2. Choque
2. Puxão
2. Esticada
2. Apavorante
2. Adormece
3. Tiro
3. Em torção
3. Esfolante
3. Aterrorizante
3. Repuxa
4. Rachando
4. Maldita
4. Espreme
4. Atravessa
6. Como pancada
5. Mortal
5. Rasga
3
7
11
15
19
1. Agulhada
1. Calor
1. Cansativa
1. Miserável
1. Fria
2. Perfurante
2. Queimação
2. Exaustiva
2. Enlouquecedora
2. Gelada
3. Facada
3. Fervente
4. Punhalada
4. Em brasa
5. Em lança 4
8
12
16
20
1. Fina
1. Formigamento
1. Enjoada
1. Chata
1. Aborrecida
2. Cortante
2. Coceira
2. Sufocante
2. Que incomoda
2. Dá náusea
3. Estraçalha
3. Ardor
3. Desgastante
3. Agonizante
4. Ferroada
4. Forte
4. Pavorosa
5. Insuportável
5. Torturante
Número de descritores: escolhidos
Índice de dor
Sensitivos
Sensitivo
Afetivos
Afetivo
Avaliativos
Avaliativo
Miscelânea
Miscelânea
Total
Total
FIGURA 6
Questionário de McGill.
e validada para a língua portuguesa por Souza et al., em 2010. O inventário dos descritores de dor em sua forma definitiva possui 100 para dor aguda e 100 para crônica (Figura 8);
DOR
Escala graduada de dor crônica Brasil – EGDC-Br Nome _________________________________________________________________
Data ____________
Nos 6 meses que se passaram, em que lugar do corpo a dor mais incomodou você? 1. Quantos dias nos 6 meses que se passaram você sentiu dor no [Iocal]? Lembre-se que 6 meses têm 180 dias. Dias com dor _________________ Se a dor não esteve presente nos últimos 6 meses, não responda as perguntas abaixo. 2. Imagine que 0 significa “nenhuma dor” e 10 significa “a pior dor possível”. Quanto está doendo o [local] agora? Nenhuma dor 0
A pior dor possível 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
3. Imagine que 0 significa “nenhuma dor” e 10 significa “a pior dor possível”. Nos 3 meses que se passaram, que nota você dá para a dor mais forte que sentiu no [local]? Nenhuma dor 0
A pior dor possível 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
4. Imagine que 0 significa “nenhuma dor” e 10 significa “a pior dor possível”. Nos 3 meses que se passaram, que nota você dá para a dor no [local] que costumava sentir na maioria dos dias? Nenhuma dor 0
A pior dor possível 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
5. Nos 3 meses que se passaram, quantos dias você não pôde fazer suas atividades do dia a dia (trabalho, ir à escola, serviços domésticos), por causa da sua dor no [local]? Dias sem fazer atividades _________________ 6. Nos 3 meses que se passaram, quanto sua dor no [local] atrapalhou suas atividades diárias (p.ex., vestir-se, tomar banho, comer, pegar condução)? Imagine que 0 significa que a dor não atrapalhou em nada e 10 significa que a dor não deixou você fazer nada até o fim. Não atrapalhou em nada 0
Não deixou fazer nada até o fim 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
7. Nos 3 meses que se passaram, quanto sua dor no [local] atrapalhou suas atividades de lazer com a família e amigos (ver televisão, passear, visitar amigos)? Imagine que 0 significa que a dor não atrapalhou em nada e 10 significa que a dor não deixou você participar de nenhuma atividade. Não atrapalhou em nada 0
Não deixou participar de nenhuma atividade 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
8. Nos 3 meses que se passaram, quanto sua dor no [local] atrapalhou sua capacidade de trabalhar, incluindo serviços domésticos? Imagine que O significa que a dor não atrapalhou em nada e 10 significa que a dor não deixou você fazer nada até o fim. Não atrapalhou em nada 0
FIGURA 7
Não deixou fazer nada até o fim 1
2
3
4
5
6
7
Escala graduada de dor crônica (EGDC-Br) (continua).
8
9
10
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Cálculos dos escores da EGDC-Br
Intensidade característica da dor
1. Intensidade característica da dor (0 - 100) Média da soma dos escores das questões 2, 3 e
(Escore das questões 2 + 3 + 4) × 10 3
4 multiplicada por 10
Escore de incapacidade (Escore das questões 6 + 7 + 8) × 10
2. Escores de incapacidade (0 - 100)
3
Média da soma dos escores das questões 6, 7 e 8 multiplicada por 10 3. Pontos do escore de incapacidade A partir do escore de incapacidade (item 2), identifique os pontos do escore de incapacidade segundo a tabela ao lado
Escore de incapacidade 0 - 29 30 - 49 50 - 69 70 ou +
Pontos 0 1 2 3
Dias de incapacidade
4. Dias de incapacidade
Número de dias (questão 5) × 2
Número de dias obtido na questão 5 multiplicado por 2 5. Pontos dos dias de incapacidade A partir do número de dias de incapacidade (item 4), identifique os pontos dos dias de incapacidade segundo a tabela ao lado
Dias de incapacidade 0-6 7 - 14 15 - 30 31 ou mais dias
Pontos 0 1 2 3
Pontos de incapacidade
6. Pontos de incapacidade Soma dos pontos do escore de incapacidade (item 3) com os pontos dos dias de incapacidade (item 5)
Pontos do escore de incapacidade (item 3) + Pontos dos dias de incapacidade (item 5)
Classificação da dor crônica Classificação da dor crônica em graus Grau 0
Sem dor
Nenhum problema de dor nos últimos 6 meses Intensidade característica da dor
Ponto de incapacidade
Grau I
Dor de baixa intensidade
Menor que 50
0-3
Grau II
Dor de alta intensidade
Maior ou igual a 50
0-3
Grau III
Dor moderadamente limitante
Qualquer intensidade
3-4
Interferência da dor Dor de baixa interferência
Dor de alta interferência
Graus I e II
Graus III e IV
Persistência da dor (questão 1 - dias com dor) Dor não persistente
Dor persistente
1 - 89
90 - 180
FIGURA 7 (continuação)
Escala graduada de dor crônica (EGDC-Br).
Fonte: adaptada de Bracher, 2008.13
DOR
ESCALA MULTIDIMENSIONAL DE AVALIAÇÃO DE DOR (EMADOR) (Souza et al., 2010) Instruções 1. O profissional solicita ao paciente que julgue a intensidade de dor utilizando os valores de 0 a 10 na escala abaixo, na qual 0 indica “sem dor”, 10 “dor máxima” e os outros escores, de 2 a 9, devem ser utilizados para indicar níveis intermediários da dor sentida. Posteriormente, marcar no gráfico o valor atribuído de acordo com o horário. 2. O paciente também deve assinalar um ou mais descritores que caracterizam a dor percebida. Posteriormente, o profissional marca com “x” no gráfico o(s) descritor(es) escolhido(s) de acordo com o horário. Esse espaço deve ser preenchido após a dor percebida ser caracterizada como aguda ou crônica, conforme descritores e respectivas definições. 3. O profissional solicita ao paciente a localização da dor percebida. Após visualizar a figura desse instrumento, o profissional situa a(s) área(s) pertinente(s) e registra no gráfico conforme o(s) número(s) correspondente(s) no corpo humano (Figura 8 – continuação), seguindo o horário da(s) dor(es) percebida(s). ESCALA DE INTENSIDADE NUMÉRICA DE DOR 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Assinale se a dor percebida é crônica ou aguda (
) Dor aguda
(
) Dor crônica
1) Terrível 1. Que infunde ou causa terror; terrificante 2. Extraordinária; estranha 3. Muito grande; enorme 4. Muito ruim; péssima
1) Deprimente 1. Que deprime; depressiva; depressora
2) Insuportável 1. Não suportável; intolerável 2. Incomoda; molesta
2) Persistente 1. Que é constante; que continua, prossegue, insiste 2. Que permanece; que se mantém; que persevera
3) Enlouquecedora 1. Que endoidece; que torna louca; que faz perder a razão
3) Angustiante 1. Que angustia; angustiosa
4) Profunda 1. Que tem extensão, considerada desde a entrada até o extremo oposto 2. Muito marcada 3. Que penetra muito; dor profunda 4. Enorme; desmedida; excessiva; demasiada 5. De grande alcance; muito importante
4) Desastrosa 1. Em que há ou que produz acontecimento calamitoso, especialmente o que ocorre de súbito, ocasionando grande dano ou prejuízo
5) Tremenda 1. Terrível; fora do comum; extraordinária
5) Prejudicial 1. Que prejudica; nociva; lesiva
6) Desesperadora 1. Que desespera; que faz desesperar; desesperativa; desesperante 2. Aquela que faz desesperar
6) Dolorosa 1. Que produz dor; dolorifica; dolorida
7) Intensa 1. Forte; impetuosa 2. Dura; árdua, penosa 3. Violenta; rude; excessiva
7) Insuportável 1. Não suportável; intolerável 2. Incômoda; molesta
8) Fulminante 1. Que fulmina; despende raios; fulminadora 2. Que assombra 3. Cruel; terrível; atroz
8) Assustadora 1. Que assusta; assustosa
9) Aniquiladora 1. Que reduz a nada; que nulifica; anula 2. Que destrói; mata; extermina
9) Cruel 1. Dura; insensível; cruenta
10) Monstruosa 1. Enorme; extraordinária
10) Desconfortável 1. Não confortável; inconfortável
FIGURA 8
Escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR) (continua).
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MAN UAIS D E E SPE CI AL I Z AÇÃO
Descritores
Intensidade
Horário 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1
20
2 3
6
13
14
23
24 9
25 8
7
Figura 8 (continuação)
22 10
12
5
21
11
4
Localização de dor
58
26
27 30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
28 29
15
16
17
18
19
Escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR).
Fonte: Sousa et al., 2010.
14
• mensuração da dor geriátrica:15 o GPM é um instrumento de rápida aplicação, fácil compreensão para idosos e com característica multidimensional. Há poucos instrumentos semelhantes desenvolvidos para essa população, o que torna sua comparação mais difícil.
DOR
A escala funcional da dor é um instrumento válido e sensível a mudanças no nível de dor nos idosos. Essa escala possui três níveis de avaliação: um componente numérico (0 a 5), um descritor da dor (sem dor a dor intolerável) e um descritor funcional (sem limitações a incapaz de se comunicar verbalmente por causa da dor). A dor pode ser relatada como ausente (escore 0), tolerável (escore 1 ou 2) ou intolerável (escore 3, 4 ou 5). O componente funcional torna o instrumento mais sensível a mudanças da dor e a correlação entre esse componente e o numérico permite que seja feita uma boa avaliação do paciente, mas é um instrumento complexo e demanda muito tempo para aplicação em idosos.15 O GPM, em sua versão original, auxilia na avaliação multidimensional das pessoas idosas com dores crônicas. Avalia a dor e o impacto que essa dor tem causado em seu humor, em suas atividades de vida e, principalmente, em sua qualidade de vida. É de fácil aplicabilidade e compreensão para ser utilizado em idosos. Não é um instrumento complexo e sua aplicação não demanda muito tempo.15 Outras escalas são: Æ escala PAINAD (pain assessment in advanced dementia):16 foi traduzida e adaptada culturalmente para a língua portuguesa do Brasil, apresentando consistência interna aceitável, concordância apurada entre avaliadores e boa reprodutibilidade. A versão brasileira da escala PAINAD revelou, em sua estrutura fatorial, um fator que explica quase metade da variância da dor. É utilizada para avaliação em idosos demenciados, sendo composta pelos indicadores respiração, vocalização, expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade, cada um deles contando de 0 a 2 pontos (Tabela 2); Æ escala PACSLAC (pain assessment checklist for seniors with limited ability to comunicate):17 é um instrumento originalmente canadense de avaliação de dor em idosos com incapacidade para se comunicar, como acontece em indivíduos com demência avançada. É composto
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Iniciais: __________ Nº da ficha médica: __________ Entrevista nº __________ Data: __________ Por favor, responda cada pergunta, marcando-a:
Resposta
Nota
1.
Você tem ou acha que teria dor com atividades intensas, como correr, levantar objetos pesados ou participar de atividades que exigem esforço físico?
(
) Não
(
) Sim
______
2.
Você tem ou acha que teria dor com atividades moderadas, como mudar uma mesa pesada de lugar, usar um aspirador de pó, fazer caminhadas ou jogar bola?
(
) Não
(
) Sim
______
3.
Você tem ou acha que teria dor quando levanta ou carrega sacolas de compras?
(
) Não
(
) Sim
______
4.
Você tem ou acha que teria dor se subisse um andar de escada?
(
) Não
(
) Sim
______
5.
Você tem ou acha que teria dor se subisse apenas alguns degraus de uma escada?
(
) Não
(
) Sim
______
6.
Você tem ou acha que teria dor se andasse mais de um quarteirão?
(
) Não
(
) Sim
______
7.
Você tem ou acha que teria dor se andasse um quarteirão ou menos?
(
) Não
(
) Sim
______
8.
Você tem ou acha que teria dor quando toma banho ou se veste?
(
) Não
(
) Sim
______
9.
Você já deixou de trabalhar ou fazer atividades por causa da dor?
(
) Não
(
) Sim
______
10.
Você já deixou de fazer algo que você gosta por causa da dor?
(
) Não
(
) Sim
______
11.
Você tem diminuído o tipo de trabalho ou outras atividades que faz por causa da dor?
(
) Não
(
) Sim
______
12.
O trabalho ou suas atividades já exigiram muito esforço por causa da dor?
(
) Não
(
) Sim
______
13.
Você tem problema para dormir por causa da dor?
(
) Não
(
) Sim
______
14.
A dor impede que você participe de atividades religiosas?
(
) Não
(
) Sim
______
15.
A dor impede que você participe de qualquer outra atividade social ou recreativa (além de serviços religiosos)?
(
) Não
(
) Sim
______
16.
A dor impede ou impediria você de viajar ou usar transportes comuns?
(
) Não
(
) Sim
______
17.
A dor faz você sentir fadiga ou cansaço?
(
) Não
(
) Sim
______
18.
Você depende de alguém para te ajudar por causa da dor?
(
) Não
(
) Sim
______
19.
Na escala de 0 a 10, com 0 significando sem dor e 10 significando a pior dor que você pode imaginar, como está a sua dor hoje? 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
___________ (0-10)
Nos últimos sete dias, em uma escala de 0 a 10, com 0 significando dor nenhuma e 10 significando a pior dor que você consegue imaginar, indique o quanto, em média, sua dor tem sido severa? 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
___________ (0-10)
20.
21.
Você tem dor que nunca some por completo?
(
) Não
(
) Sim
______
22.
Você tem dor todos os dias?
(
) Não
(
) Sim
______
23.
Você tem dor várias vezes por semana?
(
) Não
(
) Sim
______
24.
Durante os últimos sete dias, a dor fez você se sentir triste ou depressivo?
(
) Não
(
) Sim
______
PONTUAÇÃO - Dê um ponto para cada “Sim” e some as respostas numéricas PONTUAÇÃO TOTAL (0-24) ___________ Pontuação ajustada (Pontuação total × 2,38) (0-100)
FIGURA 9
Escala de mensuração geriátrica.
DOR
TABELA 2
Escala PAINAD: indicação de dor em idosos demenciados
Itens*
0
1
2
Respiração
Normal
Eventual dificuldade na
Respiração ruidosa com
independente
respiração; período curto
dificuldade
de vocalização
de hiperventilação
Período longo de hiperventilação Respirações Cheyne-Stokes
Vocalização
Nenhuma
Queixas ou gemidos
Chama repetidamente de
eventuais; fala em baixo
forma perturbada
volume com qualidade
Queixas ou gemidos altos
negativa ou desaprovativa
Gritos e choro
Sorri ou
Triste; assustado;
Caretas
inexpressivo
sobrancelhas franzidas
Relaxado
Tenso; agitado e aflito;
Rígida
inquieto
Punhos cerrados
negativa
Expressão facial Linguagem corporal
Joelhos fletidos Resistência a aproximação ou afastamento Agressivo Consolo
Sem necessidade
Distraído ou tranquilizado
Impossível de ser consolado,
de consolo
pela voz ou toque
distraído ou tranquilizado
de 60 itens observacionais divididos em quatro subescalas (Tabela 3): atividade corporal, expressões faciais, social/personalidade/humor e “outros”, que incluem mudanças psicológicas, mudanças na alimentação e no sono e no comportamento vocal. O instrumento é simples e de rápida aplicação, levando cerca de 5 minutos para completá-lo. O PACSLAC-P é um instrumento simples e adaptado para a cultura do Brasil, o que torna possível avaliar situações de dor em idosos que não conseguem expressá-la;17 Æ escala PATCOA (pain assessement tool in confused older adults):18 este instrumento foi desenvolvido nos Estados Unidos com o objetivo de avaliar a dor em idosos confusos.19 Em comparação com outros instrumentos para a avaliação da dor, acredita-se que a PATCOA responda
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TABELA 3
Check-list de avaliação de dor para idosos com habilidade limitada para se comunicar (PACSLAC-P)
Expressões faciais
Social/personalidade/humor
Caretas Olhar triste Cara amarrada Olhar de reprovação Mudança nos olhos (olhos meio fechados; olhar sem vida; brilhantes; movimentos dos olhos aumentados) Carrancudo Expressão de dor Cara de bravo Dentes cerrados Estremecimento Boca aberta Enrugando a testa Torcendo o nariz
Agressão física (p.ex., empurrando pessoas e/ou objetos, arranhando, batendo, atacando, chutando) Agressão verbal Não quer ser tocado Não permitindo pessoas por perto Zangado/furioso Atirando coisas Aumento da confusão mental Ansioso Preocupado/tenso Agitado Mal-humorado/irritado Frustrado
Atividade/movimento corporal
Outros*
Irrequieto Afastando-se Hesitante Impaciente Andando de lá para cá Perambulando Tentando ir embora Recusando-se a se mover Movendo-se violentamente Atividade diminuída Recusando medicações Movendo-se lentamente Comportamento impulsivo (p.ex., movimentos repetitivos) Não cooperativo/resistente aos cuidados Protegendo área dolorida Tocando/segurando área dolorosa Mancando Punhos cerrados Posição fetal Duro/rígido
Pálido Ruborizado Olhos lacrimejantes Suando Sacudindo/tremendo Frio e pegajoso Mudança no sono (favor circular) Sono diminuído Sono aumentado durante o dia Mudança no apetite (favor circular) Apetite diminuído Apetite aumentado Gritando/berrando Chamando (p.ex., por ajuda) Chorando Um som ou vocalização específica para dor (ai/ui) Gemendo e suspirando Murmurando Resmugando
DOR
às questões relativas à mensuração desse fenômeno, de acordo com os resultados encontrados no estudo original. Quanto às questões relativas à aplicabilidade, esse instrumento demonstra ser de fácil compreensão e operacionalização, por se tratar de uma escala com apenas nove indicadores, os quais, diante de testes estatísticos, mostraram ser conoáveis e com boa consistência interna (Tabela 4); Æ NIPS (neonatal infant pain scale):20 entre os instrumentos multidimensionais descritos na literatura, está a NIPS, indicada para avaliar a dor resultante de procedimentos dolorosos e a dor pós-operatória em recém-nascidos pré-termo e a termo. Esta escala é composta por indicadores osiológicos, comportamentais e contextuais de dor: expressão facial, choro, padrão respiratório, braços, pernas e estado de alerta. A escala NIPS deve ser utilizada em horários preestabelecidos no plano
TABELA 4
Avaliação de dor em idosos confusos (PATCOA)
Componente Vocalização Gemido Estremecimento da voz Comportamento Ficar em guarda diante da perspectiva da dor Mandíbula cerrada Suspiro Atividades motoras Aponta para o local da dor Relutância ao se mover Expressão facial Testa franzida Careta
Sim
Não
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assistencial, em geral concomitantemente à aferição dos sinais vitais, antes, durante e após procedimentos dolorosos ou estressantes e no período pós-operatório (Tabela 5). Se a presença de dor for maior que 3 pontos: Æ PIIP (premature infant pain proole):21 outro instrumento multidimensional de avaliação de dor de neonatos é a escala perol de dor no recém-nascido pré-termo (PIIP), que foi criada originalmente para avaliar a dor resultante de procedimentos dolorosos e validada para avaliar a dor pós-operatória de neonatos pré-termo e a termo. O principal diferencial dessa escala é que ela inclui a idade gestacional do neonato como indicador (Tabela 6). Até o momento, este é o único instrumento que considera a resposta à dor conforme a idade gestacional do recém-nascido. A pontuação desse instrumento varia de 3 a 21 no recém-nascido pré-termo e de 0 a 18 no recém-nascido a termo. Essa escala também deve ser utilizada em horários preestabelecidos no plano assistencial, em geral concomitante à aferição dos sinais vitais, antes, durante e após procedimentos dolorosos ou estressantes e no período pós-operatório; Æ CRIES: a escala crying, requires O2 for saturation above 95%, increased vital signs, expression and sleeplessness10 é um instrumento multidimensional que avalia alguns indicadores comportamentais, como choro e
TABELA 5
Escala de dor neonatal (NIPS)
Parâmetros
0 Ponto
1 Ponto
2 Pontos
Expressão facial
Musculatura relaxada
Contraída
–
Choro
Nenhum choro
Resmungos
Choro vigoroso
Padrão respiratório
Relaxado
Respiração alterada
–
Braços
Relaxados/em repouso
Fletidos/estendidos
–
Pernas
Relaxadas/em repouso
Fletidas/estendidas
–
Estado de alerta
Dormindo/acordado
Agitado
–
comportamental
SatO2 mínima
Testa franzida
Olhos contraídos
Acentuação do
sulco nasolabial
SatO2
Observar o RN
durante 30
segundos após o
procedimento
Nenhum
Nenhum
Nenhum
Diminuição de 0 a 2,4%
Aumento de 0 a 4 bpm
Choro
Movimentos faciais
Olhos abertos
Ativo/desperto
Mínimo
Mínimo
Mínimo
Diminuição de 2,5 a 4,9%
Aumento de 5 a 14 bpm
Nenhum movimento facial
Olhos abertos
Quieto/desperto
32 a 35 semanas e 6 dias
1
Moderado
Moderado
Moderado
Diminuição de 5 a 7,4%
Aumento de 15 a 24 bpm
Movimentos faciais
Olhos fechados
Ativo/sono
28 a 31 semanas e 6 dias
2
Máximo
Máximo
Máximo
Diminuição de 7,5% ou mais
Aumento de 25 ou mais bpm
Nenhum movimento facial
Olhos fechados
Quieto/sono
Menos de 28 semanas
3
RN: recém-nascido; FC: frequência cardíaca; bpm: batimentos por minuto; SatO2: saturação de oxigênio.
observação com a presença do indicador; máximo: rel="nofollow"> 70% do tempo de observação com a presença do indicador.
OBS.: Nenhum: 0 a 9% do tempo de observação com a presença do indicador; mínimo: 10 a 39% do tempo de observação com a presença do indicador; moderado: 40 a 69% do tempo de
Ausência de dor ou dor mínima: ≤ 6; dor moderada a intensa: > 12.
FC máxima
FC
segundos
Estado
36 semanas ou mais
Idade gestacional
durante 15
0
Indicador
Perfil da dor no neonato prematuro (PIPP)
Observar o RN
Processo
TABELA 6
DOR 65
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expressão facial, além de indicadores osiológicos, como aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, ausência de sono e necessidade de oxigênio para manter a saturação acima de 95%. Esse instrumento foi proposto para avaliar a dor pós-operatória e é de simples aplicação à beira do leito, mas é necessário o registro de frequência cardíaca e pressão arterial do período pré-operatório, para comparação com os valores do pós-operatório. Deve ser aplicado nas primeiras 24 horas do período pós-operatório, avaliando-se a cada 2 horas. Da 24ª hora à 72ª hora do período pós-operatório, avaliar a cada 4 horas (Tabela 7); Æ modioed obYective pain score (MOPS):11 utilizada em crianças, esta escala aborda componentes comportamentais de forma objetiva que podem traduzir a sensação dolorosa (Tabela 8); Æ escala de dor FLACC (face, legs, activity, cry, consolability):22 usada para crianças de até 6 anos de idade em condições clínicas e/ou cirúrgicas (Tabela 9); Æ cartões das qualidades da dor:23 cartões que representam 18 descritores de qualidade de dor (Figura 10). Esses cartões foram criados pelo
TABELA 7
Crying, requires O2 for saturation above 95%, increased vital signs, expression and sleeplessness (CRIES)
Parâmetro
0 Ponto
1 Ponto
2 Pontos
Choro
Sem choro
Alto, facilmente
Choro alto,
consolável
inconsolável
O2 < 30%
O2 > 30%
Necessidade de O2 para
Sem necessidade
manter saturação > 95%
de O2
Aumento de sinais vitais
FC e PA ≤ pré-
FC ou PA < 20% do
FC ou PA > 20% do
-operatório
pré-operatório
pré-operatório
Sem careta
Careta
Expressão facial
Careta e choro sem vocalização
Estado de alerta/sono
Dormindo
Acordado em
Acordado
constantemente
intervalos frequentes
constantemente
Obs.: Pontuação total ≥ 5 indica presença de dor. FC: frequência cardíaca; PA: pressão arterial.
DOR
TABELA 8
Modified Objective Pain Score (MOPS)
Critério
Achado
Pontos
Choro
Movimentação
Agitação
Postura
Verbal
Nenhum
0
Consolável
1
Não consolável
2
Nenhuma
0
Pouca
1
Muita
2
Sedado/dormindo
0
Calmo
0
Agitação moderada
1
Agitação severa
2
Normal
0
Fletido
1
Protegendo o local dolorido
2
Sedado/dormindo
0
Sem queixas
0
Queixa-se, mas não localiza
1
Queixa-se e localiza
2
TABELA 9 Escala de avaliação da dor pediátrica (face, legs, activity, cry, consolability – FLACC) Pontuação Categorias
0
1
2
Expressão facial
Tranquilo, sorriso
Caretas, introvertido,
Tremor no queixo e
desinteressado
rigidez de mandíbula frequentes a constantes
Choro Dorso e membros
Ausente (acordado
Gemência, choramingo,
Choro forte e queixas
ou adormecido)
queixa ocasional
frequentes
Posição normal
Dorso arcado e membros
Membros elevados,
ou relaxada
inquietos e agitados
chutes, hiperextensão do dorso
Movimentos Consolo
Quieto, dormindo,
Movimentação alterada,
Postura arqueada, rígida
posição normal
tensa, inquieta
ou movimentos abruptos
Contente, relaxado
Consolável com toque e
Difícil de consolar
carícias, distração possível
ou confortar
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
FIGURA 10
Cartões das qualidades da dor.
cartunista Maurício de Souza, o qual criou as ilustrações da elaboração dos respectivos cartões utilizando o personagem Cebolinha da Turma da Mônica. Os cartões foram apresentados a 45 crianças sem dor, com idade entre 3 e 6 anos, para avaliar se elas atribuíam à ilustração signiocado semelhante ao descritor de dor representado. As crianças compreenderam 11 cartões. Os cartões foram considerados aprovados por serem compreendidos por, no mínimo, 70% das crianças. AVALIAÇÃO DE DOR EM POPULAÇÕES ESPECIAIS
Dor em pediatria Há quase três décadas, pesquisas evidenciaram o manejo inadequado em relação à dor da criança. Hoje já se sabe que a criança, principalmente o neonato, tem condições anatômicas, neuroquímicas e funcionais para a percepção, integração e resposta aos impulsos dolorosos. Pesquisadores ozeram muitas descobertas a respeito das causas, dos mecanismos e do
DOR
tratamento da dor desde então, demonstrando que mesmo o recém-nascido mais prematuro pode necessitar de analgesia. A atualidade mostra melhora na qualidade do tratamento da dor e a criação de serviços especializados no controle da dor na criança.24 Em 1995, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), por meio da Resolução 41, aprovou em sua íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria relativo aos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados, que declarou que crianças e adolescentes têm o “direito de não sentir dor, quando existirem meios para evitá-la”.24 Atualmente, sabe-se muito mais sobre o controle seguro e efetivo da dor em lactentes e em crianças. No entanto, continua sendo muito difícil transferir esse conhecimento para a prática clínica diária. A avaliação para diagnóstico da dor, a implementação da medição analgésica em todas as crianças que potencialmente sofrem, a aplicação de tratamentos atualizados e efetivos e uma melhor pesquisa e formação sobre as causas, prevenção e efeitos, a curto e a longo prazos, especiocamente para a clientela infantil, continuam sendo prioridades importantes.24 Existem muitos fatores que diocultam a percepção e a avaliação da dor em crianças – as limitações cognitiva e de linguagem são citadas como um dos principais agravantes. Ademais, o despreparo de alguns proossionais que não receberam orientação suociente, a impossibilidade de utilizar uma técnica universal de mensuração, a resistência encontrada em outros membros da equipe multiproossional e o excesso de atividades diárias são fatores que geralmente impedem a avaliação e a intervenção adequadas.24 Reconhecer a dor aguda é uma obrigação dos cuidadores em saúde que são responsáveis pela identiocação de todos os tipos de dor, incluindo dor aguda, crônica, recorrente, relacionada a procedimentos e durante os cuidados paliativos. A Academia Americana de Pediatria, juntamente com a Sociedade Americana de Dor, salienta a responsabilidade dos proossionais que prestam assistência à criança em liderar, defender
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e assegurar um tratamento humanizado de dor e sofrimento a todos os bebês, crianças e adolescentes.24 Avaliar a dor em pediatria é uma importante ferramenta para direcionar seu adequado controle. É necessário que toda a equipe envolvida nos cuidados prestados à criança com dor conheça os métodos disponíveis para avaliação, a om de instituir um manejo adequado.24 Os instrumentos dessa avaliação são específicos para as diversas faixas etárias e envolvem alterações comportamentais de modo isolado e/ou associadas às alterações fisiológicas ou autorrelato. É recomendável utilizar escalas que associem as alterações comportamentais e fisiológicas.24
Dor em pacientes com limitações cognitivas Existe, hoje, uma grande dioculdade em se mensurar a dor em pacientes com déocits cognitivos, os quais, por sua condição, impossibilitam a aplicação de quaisquer escalas já mencionadas. No entanto, é importante observar alguns sinais sugestivos capazes de indicar a presença de dor nessa clientela. Entre eles, destacam-se: adoção de postura de proteção (p.ex., resistência a certos movimentos durante os cuidados), movimentos de retirada do estímulo doloroso, agitação persistente, mesmo após medidas não farmacológicas de conforto, diminuição do nível de atividade, expressão facial de sofrimento, vocalização (p.ex., gemência, choro), alteração do padrão de sono e diminuição do apetite ou da ingesta alimentar.25 A presença de qualquer dessas alterações sugere dor, e, nesse caso, o paciente deve ser monitorado e uma adequada prescrição para dor deve ser instituída.25
Dor em pacientes idosos A dor é um problema muito comum entre os idosos, sendo que a dor persistente (dor crônica) afeta mais de 50% daqueles vivendo no ambiente da comunidade e mais de 80% dos residentes em clínicas de repouso
DOR
para idosos.26,27 Pessoas de mais idade têm maior probabilidade de sofrer de dor crônica dos que as mais jovens. A dor é o sintoma mais frequentemente relatado por pessoas idosas, sendo referida por 73% das pessoas idosas vivendo no ambiente da comunidade.28 Nas pessoas idosas, a dor tende a ser constante, de intensidade moderada a intensa, com duração de vários anos, com múltiplos focos e decorrente de diferentes fatores.19 Nota-se que 45,8% das pessoas idosas internadas em hospitais relatam sentir dor; 19% relatam dor moderada a extremamente intensa; e 12,9% estão insatisfeitas com a forma como vêm controlando a dor.29 A alta prevalência de dor em idosos está associada a desordens crônicas, particularmente doenças musculoesqueléticas, como artrites e osteoporose. Além disso, o aumento na incidência de câncer, a necessidade de procedimentos cirúrgicos, as úlceras de pressão e as doenças cardiovasculares contribuem para o aumento das queixas álgicas nesse grupo etário.30 CONSIDERAÇÕES FINAIS Independentemente do tipo de clientela com que se depara no dia a dia da prática, nunca se deve deixar de considerar alguns aspectos importantes no que se refere à dor, entre os quais, destacam-se: Æ não subestimar a dor dos pacientes; Æ utilizar instrumentos apropriados para mensurar a dor do paciente ou aspectos considerados importantes na detecção da sensação dolorosa; Æ utilizar medidas não farmacológicas e farmacológicas para alívio da dor; Æ reavaliar a dor após medidas instituídas. Além disso, não se pode deixar de lembrar que a dor é uma sensação complexa e deve ser abordada de forma que se possa avaliá-la dentro da complexidade e individualidade do paciente, ou seja, considerando sua história de vida, seus hábitos, seus valores e suas crenças.
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DOR
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6 EXAMES AUXILIARES NO DIAGNÓSTICO DO PACIENTE COM DOR CRÔNICA (AVALIAÇÃO LABORATORIAL, DE IMAGEM, NEUROFISIOLÓGICA E FUNCIONAL) Marcos Leal Brioschi Adilson Girotto Narciso de Oliveira
INTRODUÇÃO O médico que se dedica ao tratamento da dor busca informações de todo tipo para realizar um trabalho mais eocaz a favor de seus pacientes. São muitas as dioculdades na abordagem, no acompanhamento e no alívio da dor crônica, porém, além dessas e de outras dioculdades, há uma que é preponderante, à qual não foi dada a atenção necessária ainda nos dias de hoje. É a falta de um instrumento para conduzir a prática terapêutica com maior segurança e baseada em uma informação simples, útil, fácil, objetiva e inteligível tanto para si quanto para o paciente. A clínica é soberana, mas tem limitações sensoriais, intelectuais e mentais também inerentes da capacidade e da habilidade do ser humano. Parece claro que mesmo o agricultor que conhece tudo de agricultura não terá boas colheitas se não dispuser de instrumentos para trabalhar sua terra. Da mesma forma, o médico que não lança mão de exames complementares para ratiocar seu diagnóstico, ampliar sua linha de raciocínio e assegurar o tratamento que propõe tem uma atuação proossional muito mais limitada. A avaliação clínica, apesar de soberana, não exclui a neces-
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sidade de exames complementares, hoje cada vez mais avançados. Estes nada mais fazem do que ampliocar os sentidos (visão, tato, audição), criar novas formas de “visualizar” as doenças (radiograoa, ressonância nuclear magnética e outros) e quantiocar isso tudo. Em outras palavras, determinar valores numéricos, índices e criar referências diagnósticas mais precisas que a habilidade e a capacidade humana, servindo, assim, de parâmetro objetivo para um julgamento clínico eocaz. Por meio de respostas às perguntas “O que eu tenho?” e “O que eu faço?”, os exames complementares se propõem a trazer alívio ao sofrimento humano, causado por dor, doença, medo, câncer, depressão, isolamento, discriminação social e morte. DIAGNÓSTICO A elaboração do diagnóstico talvez seja a maior dioculdade para os que estão iniciando. Como um detetive à procura do verdadeiro criminoso, o médico busca um culpado para a etiologia da dor. A falta dessa identiocação pode colocar o próprio médico no “banco dos réus”, por estar tratando apenas o sintoma, e não a causa. Se alguém vai instituir um tratamento, deve fazer um diagnóstico: analisar as dioculdades do paciente, bem como veriocar seus anseios quanto ao tratamento. Isso quer dizer estudar as possibilidades de construção de medidas terapêuticas, ou seja, decidir-se por um caminho – fazer um julgamento à luz das leis da ciência médica, leis estas que serão seus critérios de análise. A palavra “diagnóstico” origina-se do grego e signioca distinguir. O processo de diagnóstico da dor pelo proossional da saúde tem como escopo a identiocação da causa, da origem, sua intensidade e a inpuência de fatores biopsicossociais relacionados, procurando determinar o tratamento mais adequado para o paciente. O diagnóstico é um juízo sobre uma realidade que o paciente apresenta (condição clínica), à luz dos critérios de normalidade referenciais. É o distinguir entre normal e anormalidade.
DOR
Como se vê, há três elementos presentes em qualquer diagnóstico: uma realidade (condição clínica), um referencial (de normalidade e de especialidade) e um juízo.
Realidade Primeiro, deve-se responder às questões: “O que realmente está acontecendo com meu paciente”, “Do que ele precisa?”, “Quais são os problemas e as dioculdades pelos quais está passando?”. Não se trata de perguntar só o que está sentindo, mas qual é sua necessidade. É preciso distinguir problemas (situações que causam mal-estar, como dor) e necessidades (situações exigidas em um contexto humanitário, como convívio familiar e atividade proossional). Não se refere às necessidades aparentes a partir de uma análise rápida apenas, mas, sim, às mais profundas, que dizem respeito aos ons, e não somente aos meios. Por meio da análise da necessidade do paciente, é possível explorar um campo diagnóstico mais amplo e voltado a verdadeiras soluções de problemas.
Referencial Em segundo lugar, ao trabalhar no diagnóstico, pergunta-se: “A qual distância está o paciente dos indicadores de normalidade ideais propostos para ele?” e “Até que ponto estou contribuindo como proossional de saúde, dentro da minha área, para a melhora real do paciente?”. Então, nesse caso, há dois tipos de referenciais: o referencial de conhecimento, relacionado a conhecimento teórico, disciplina, formação acadêmica, escola e área de atuação; e o referencial de ideal relacionado aos indicadores de ideal de saúde para aquele paciente. O primeiro conduz o tipo de diagnóstico que se busca – p.ex., é comum encontrar diferentes designações para a mesma doença entre diversas especialidades, como neurologia, ortopedia, cinesiologia, medicina tradicional chinesa, osiatria e outras. Apesar de a doença e a pessoa continuarem sendo as mesmas, são pontos de vistas diagnósticos de acordo com a experiência de cada um
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voltados, sobretudo, à sua forma de tratamento. Por exemplo, cirurgiões tendem a buscar diagnósticos cirúrgicos, cercando-se de exames anatômicos, enquanto clínicos são mais inclinados a tratamentos conservadores, resguardando-se de exames funcionais e laboratoriais. A regra de ouro, aliás, é a de que quanto maiores forem sua abrangência de conhecimento teórico e sua experiência em diferentes áreas, melhor e mais completo será o seu diagnóstico. Indicadores são sinais e sintomas veriocáveis no paciente e em seu contexto biopsicossocial. Os indicadores podem ser clínicos ou também resultados de questionários de avaliação e resultados de exames complementares. Quanto mais caracterizado e profundo for o conhecimento teórico, mais fácil será estabelecer os indicadores e, consequentemente, o diagnóstico. Para descobrir as necessidades, o médico não pode se basear no senso comum, tem de conhecer o ideal de saúde de uma pessoa naquela idade e examinar o paciente para ver quais são as diferenças entre a realidade atual de seu organismo e aquela necessidade teórica. É perigoso basear-se no critério de normalidade, pois, como um conceito estatístico, pode não estar repetindo o ideal de saúde de uma população. A obesidade pode ser normal em determinada região, por exemplo, mas está além do ideal de saúde.
Juízo O diagnóstico depende da onalidade do tratamento. Por exemplo, se a onalidade é unicamente aliviar a dor, o diagnóstico clínico de tendinopatia supraespinal de ombro pode ser suociente. Se a onalidade é reabilitar o paciente em um contexto biopsicossocial, o diagnóstico de tendinopatia supraespinal não será suociente. É totalmente diferente e mais abrangente, por exemplo: paciente do sexo feminino, jovem, divorciada, com tendinopatia supraespinal de ombro documentada por imagem, etiologia relacionada a LER/DORT (lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), postura inadequada no local
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de trabalho, dioculdade de relacionamento familiar e baixa condição socioeconômica e cultural. Outro aspecto é que o diagnóstico é uma avaliação continuada, ou seja, de tempos em tempos a situação do doente deve ser analisada à luz de sua evolução clínica. Deve-se responder de maneira continuada a cada reconsulta a seguinte pergunta: até que ponto este paciente está vivenciando aquilo que lhe foi proposto como meta terapêutica? Após receber o paciente, o proossional de saúde vai coordenar a elaboração do diagnóstico inicial, nos primeiros dias, e do diagnóstico continuado, no decorrer do tratamento. Fica claro, de qualquer maneira, que isso tudo são hipóteses que terão muita importância para se estabelecer o diagnóstico, mas que não podem, no primeiro momento, ser consideradas deonitivas. Na prática, signioca realizar uma série concatenada de ações que terá como resultado um diagnóstico inicial e, depois, pela continuidade do acompanhamento investigatório, um diagnóstico continuado. A anamnese e o exame físico são as pedras fundamentais na elaboração de qualquer hipótese diagnóstica da causa da dor, que, aliadas aos exames complementares, como os de laboratório e de imagem, guiarão o clínico a um diagnóstico de cunho deonitivo. Essa busca pela tecnologia diagnóstica deve ocorrer de modo que não haja em momento algum a perda da interação médico-paciente, mas, pelo contrário, uma aproximação e interesse em distinguir, identiocar e resolver o real problema que o apige. Ressalta-se que o diagnóstico é uma avaliação. Fazer diagnóstico nos moldes indicados aqui é também uma maneira de dar dignidade à avaliação clínica. PONTO DE PARTIDA Muitas vezes não se tem uma resposta deonitiva da causa da dor (diagnóstico nosológico) em um primeiro momento, mas uma hipótese baseada em sintomas e sinais pode levar ao raciocínio elementar, de modo que
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se chegue a um diagnóstico sindrômico e topográoco, capaz de apontar um tratamento inicial. Exames complementares e a própria resposta terapêutica comprovam a hipótese diagnóstica inicial e, depois, o diagnóstico continuado dará o direcionamento para o tratamento deonitivo. São etapas do diagnóstico, em que a ansiedade e a precipitação, tanto do médico quanto do paciente, podem interferir, induzindo condutas terapêuticas errôneas, ou antecipar, superestimar ou, mais comumente, subestimar o prognóstico. O diagnóstico pode ser dividido em quatro subtipos: sindrômico, osiopatológico, topográoco (anatômico) e etiológico (nosológico), como mostra a Tabela 1. EXAMES COMPLEMENTARES Os exames subsidiários vieram colaborar para a elucidação diagnóstica na prática clínica diária, complementando os dados da história e do exame físico. Atualmente, dispõe-se de diversos exames complementares, tanto laboratoriais e eletroosiológicos quanto de imagem, visando a um diagnóstico rápido e o mais precoce e objetivo possível, para melhor orientação da conduta. Nas últimas duas décadas, o avanço tecnológico aumentou signiocativamente a capacidade e a eociência dos métodos diagnósticos no estudo da dor, em especial, e com forte tendência no campo dos estudos funcionais. Não só o desenvolvimento na aquisição de imagens computadorizadas e no processamento de dados permitiram interpretações mais conoáveis e decisivas, mas também a descoberta e publicação de novas informações cientíocas nas áreas de osiopatologia, bioquímica e genética. A imagem estática atingiu seu auge de resolução anatômica com a ressonância nuclear magnética (RNM), capaz de identiocar alterações estruturais milimétricas e fazer reconstruções tridimensionais odedignas capazes de conduzir com segurança procedimentos neurocirúrgicos estereotáxicos.
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TABELA 1
Subtipos diagnósticos
Sindrômico Diagnóstico da deficiência baseado na característica dos sintomas/sinais Síndrome deficitária motora Síndrome deficitária sensitiva Síndrome deficitária sensitivo-motora Síndrome deficitária autonômica Síndrome de nervos cranianos (síndrome de Claude-Bernard-Horner) Síndrome do neurônio motor superior Síndrome do neurônio motor inferior Fisiopatológico Diagnóstico do mecanismo que induz ao aparecimento dos sintomas/sinais Irritação de fibras C (queimação e choque) Lesão de fibras C (hipoestesia dolorosa) Lesão de fibras A␦ e A␣ (hipoalgesia tátil) Sensibilização de fibras A (alodinia dinâmica) Desaferentação de fibras C (anodinia) Lesão do sistema nervoso simpático cervical (infiltração tumoral) Topográfico (anatômico) Diagnóstico do local da lesão/disfunção Lesão no hemisfério cerebral direito Medula, tronco cerebral, cápsula interna, córtex Etiológico (nosológico) Diagnóstico da causa da doença Carcinoma epidermoide do ápice do pulmão esquerdo (tumor de Pancoast) Acidente vascular encefálico isquêmico
Nem sempre a patologia clínica pôde dar a palavra onal. Apenas recentemente exames mais complexos, com maior gama de informações, têm registrado o comportamento osiológico do corpo humano após estímulos mecânicos, como movimento, elétrico, térmico, visual, auditivo e até mesmo olfatório. Vários elementos numéricos podem formar gráocos e olmes coloridos para explicar um fenômeno osiológico, isto é, o desem-
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penho funcional de uma estrutura, e não somente mais uma imagem oxa estagne dela. Hoje é possível desenhar mapas das propriedades físicas das estruturas corporais com base em dados anatômicos, bioquímicos, cinéticos e osiológicos. Essa é a verdadeira essência no estudo complementar da dor, a visualização dos fenômenos neuropsicoosiológicos. Todavia, um exame útil é somente aquele cujo resultado, seja positivo ou negativo, contribua para alterar a abordagem ou para corroborar o diagnóstico formulado pelo médico. Muitos exames pedidos não atingem esses objetivos. Exames desnecessários aumentam o tempo de espera, com prejuízo de outros pacientes, desperdiçando tempo e recursos e elevando custos.
Escolha do exame mais adequado A escolha do exame auxiliar correto para o paciente com dor não pode ser fortuita ou sem fundamento lógico. Deve fomentar a boa prática clínica e a visão biopsicossocial exposta na introdução deste capítulo. Para guiar o momento certo dessa decisão, deve-se proceder com sete questões básicas, como se descreve a seguir.1
O exame já foi realizado? Não existe exame anterior que já esclareça a dúvida? Deve-se obter, por todos os meios, os exames já realizados em outros locais. Hoje, com a chamada radiologia sem olme (PACS) e a transmissão de dados digitalizados por meio de prontuários eletrônicos RIS (sistemas de informação em radiologia – radiology information system) ou HIS (sistemas de informação hospitalar – hospital information system), essa tarefa está se tornando rápida e mais fácil. A sigla PACS signioca sistema de arquivamento e comunicação de imagens (picture archival and communication system) e é um sistema computacional utilizado para capturar, armazenar, distribuir e exibir imagens médicas sem olmes (olmless) em formato DICOM.
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O PACS de quarta geração permite distribuição e visualização de laudos e imagens médicas a partir de aparelhos de celular, com base nas tecnologias 3G e Wi-Fi. Isso tem permitido, por exemplo, ao radiologista de plantão e ao médico solicitante, uma visão rápida das imagens médicas e, consequentemente, uma conduta instantânea.
O exame é necessário? Devem-se evitar pedidos de exames que provavelmente não terão consequências na abordagem do doente, como sucede comumente com as radiograoas nas doenças degenerativas da coluna vertebral, porque os dados positivos previstos nesses casos são geralmente esperados e irrelevantes na conduta terapêutica, especialmente quanto mais idade o paciente tiver.
O exame é necessário agora? Deve-se evitar demasiada frequência na solicitação de um exame. Antes de a doença ter tempo suociente para ter evoluído ou desaparecido, ou antes de os resultados poderem inpuenciar o tratamento.
Este é o exame mais adequado? Ele vai indicar o que se está procurando? Deve-se deonir o que se pretende procurar; por exemplo, uma causa anatômica ou uma disfunção para o problema apresentado pelo paciente. As opções diagnósticas para uma mesma doença podem variar conforme o que se pretende fazer. Deve-se lembrar que nem sempre há um diagnóstico etiológico deonitivo, mas é importante traçar um diagnóstico sindrômico ou osiopatológico para dar início ao tratamento.
O problema foi descrito? Foi exposto com clareza ao examinador? É importante fornecer sempre os dados clínicos necessários e as questões a serem respondidas pelo exame. Devem-se indicar claramente os motivos da requisição e apresentar dados clínicos suocientes para que o especia-
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lista compreenda os problemas diagnósticos ou clínicos especíocos que se procura resolver a partir do exame radiológico. Tais omissões diocultam a avaliação diagnóstica, subotimizando o método solicitado. Quando o examinador sabe o que deve procurar, isso aumenta a precisão de qualquer método diagnóstico. Para evitar erros de interpretação, os formulários de requisição devem ser preenchidos de forma legível e exata pelo médico solicitante, e não por auxiliares.
Estão sendo solicitados exames em demasia? Nos casos em que já se realizaram diversos exames complementares e ainda não se conseguiu um diagnóstico convincente e o paciente não sentiu melhoras após diversas consultas, é prudente utilizar a segunda opinião de um imaginologista ou junta médica, que podem revisar todos os exames realizados, comparando-os cronologicamente, e emitir um parecer único. Um programa da Universidade de Cornell (Estados Unidos) analisou a segunda opinião voluntária e obrigatória para cirurgias eletivas e concluiu que 27,6% dos pacientes não tinham conormação cirúrgica, sendo que 82% desses últimos não haviam sido submetidos à cirurgia após 6 meses de seguimento e 77,9% continuaram sem a cirurgia após 1 ano.1
O paciente está sendo exposto a excesso de radiação? Outro ponto que deve ser sempre ponderado é o risco dos exames com radiação ionizante. Sempre que possível, deve evitar-se a irradiação do feto, escolhendo outro método ou utilizando proteção especíoca da área fetal, especialmente nos casos de tomograoa computadorizada (TC) abdominal e pélvica, TC de corpo inteiro, exames com bário, urograoa intravenosa, puoroscopia e exames de medicina nuclear (MN). Para isso, deve-se atender igualmente às situações em que a própria mulher não suspeita estar grávida. Incumbe ao médico que a envia a responsabilidade fundamental pela identiocação de tais doentes. Se a doente não puder excluir uma pos-
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sível gravidez, deve-se perguntar se há algum atraso da menstruação. Até mesmo pequenas doses de radiação não são totalmente isentas de risco. Uma pequena parte das mutações genéticas e das doenças malignas da população pode ser atribuída à radiação natural e 1/6 ocorre no âmbito do radiodiagnóstico. A TC representa, hoje em dia, provavelmente, metade da dose coletiva decorrente de todos os exames radiológicos. É, portanto, muito importante que a requisição de uma TC seja plenamente justiocada e que se adotem técnicas que minimizem a dose e assegurem simultaneamente a obtenção de dados diagnósticos essenciais. Considera-se que o risco adicional de câncer fatal decorrente de uma TC de abdome é, no decurso da vida de um adulto, da ordem de 1:2.000 (sendo o risco de uma radiograoa do tórax de 1:1 milhão).
Classificação Pela complexidade do quadro doloroso, pode ser necessária a execução de exames que complementam o exame clínico, isto é, exames que, além de corroborar com a suspeita clínica, documentam o diagnóstico da doença que se pretende tratar. Esses exames podem ser classiocados nos grupos descritos a seguir.
Exames de imagem Os exames de imagem auxiliam na identiocação de anormalidades dos locais afetados, ajudando a conormar lesões em tecidos e órgãos, ou seja, são, em sua maioria, exames anatômicos. Por meio da irradiação e da captação de diferentes ondas eletromagnéticas, permitem o estudo do corpo humano na forma de imagem. O mais conhecido deles é a radiograoa simples. A medicina conta, hoje, com modernos dispositivos de exame, como TC, ultrassonograoa, termograoa infravermelha, mapeamento ósseo e estudos anatomofuncionais de imagem, entre outros.
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Eletrofisiológicos Avaliam os fenômenos bioelétricos, de neurocondução sensorial e motora e estudo muscular, ou seja, exames funcionais. Alguns exames desse grupo são: eletroneuromiograoa (ENMG), potenciais evocados somatossensoriais, visuais e auditivos, eletroencefalograma e polissonograoa.
Exames laboratoriais Os exames de sangue são importantes para detectar ou excluir anormalidades inpamatórias, metabólicas e degenerativas, entre outras. Podem ser veriocadas alterações no funcionamento de algumas estruturas do corpo por meio de alguns exames especíocos, como exames de líquido sinovial das articulações ou de líquido cefalorraquidiano da medula espinal, bem como biópsias ou exames para veriocar o funcionamento de glândulas (diabete) e outros. EXAMES DE IMAGEM1
Radiologia convencional e contrastada Os exames de radiograoa convencional (simples) continuam sendo os primeiros e mais solicitados para a investigação diagnóstica. A realização do exame é bem simples – a região do corpo a ser analisada é exposta a raios X em uma sala preparada para isso e um olme especial dentro de um chassi é sensibilizado por esses raios X. Um processo químico especial é usado para revelar essa imagem, porém, atualmente, em muitos lugares, isso já é um processo digital, com a vantagem de nitidez muito melhor, além da possibilidade de armazenamento em computadores e de transmissão para outros locais. Para dores agudas ou crônicas de origem osteomuscular, a radiograoa simples é solicitada na maioria das vezes, pois, a partir dela e com a história clínica do paciente, são propostos os diagnósticos diferenciais. Por exemplo, se a radiograoa demonstrar lesão óssea, o próximo exame pode ser a TC; se houver suspeita de alteração de partes moles (ligamen-
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to, tendão, músculo), pode ser pedida uma ecograoa e, dependendo da suspeita, até mesmo uma RNM, no caso de lesão de menisco do joelho. Outras áreas também se beneociam da radiologia simples. No tórax, determinados tipos de alterações ajudam a antecipar qual é a técnica a ser utilizada na TC, por exemplo: lesões intersticiais necessitam de cortes tomográocos de alta resolução e, por isso, necessitam de aparelhos mais modernos. Na área de infertilidade feminina, ainda, o exame de histerossalpingograoa é o melhor para a viabilidade tubária, no qual há uso de contraste iodado. O enema opaco também ainda é muito utilizado para investigação de processos tanto benignos quanto malignos do cólon, e neste há uso de contraste baritado. Dessa forma, a radiograoa simples e/ou contrastada é um dos primeiros exames a serem solicitados na população de forma geral, para, de forma barata e rápida, nortear as principais hipóteses diagnósticas e principalmente qual é o próximo exame a ser recomendado (Tabela 2).
Tomografia computadorizada Atualmente, a TC encontra-se largamente disponível. Importantes progressos na qualidade de imagem foram registrados com o desenvolvimento da TC helicoidal e com multidetectores, que permitiram a aquisição de dados volumétricos. Contudo, é importante lembrar que envolve uma dose de radiação elevada. Por isso, convém sempre ponderar alternativas,
TABELA 2
Vantagens e desvantagens do uso da radiografia
Vantagens
Desvantagens
Exame muito acessível financeiramente
Em muitas ocasiões, o diagnóstico etiológico fica
Presente em muitos lugares e de fácil
indefinido, sendo necessários outros métodos
realização
Baixa sensibilidade de detectar alterações iniciais
Pouco uso de energia ionizante
A sobreposição da imagem no filme pode
Bom exame para triagem
mascarar lesões Não tem capacidade multiplanar
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tendo em conta o papel cada vez maior e mais importante da RNM (Tabela 3). Para as crianças, o uso da ecograoa também tem grande utilidade. Os danos decorrentes da exposição sistemática à radiação ionizante em doses baixas não são totalmente conhecidos. Uma vez que não se têm modelos precisos para analisar esse risco, a posição mais prudente é procurar manter os níveis de exposição os mais baixos possíveis para a execução. Esse princípio é conhecido como ALARA (as low as reasonable achievable). TABELA 3
Vantagens e desvantagens do uso da TC
Vantagens Apesar dos riscos ligados às radiações Continua a ser o exame mais indicado para muitos problemas clínicos do tórax e do abdome Ainda é muito utilizada para problemas intracranianos, como acidentes vasculares cerebrais e traumatismos cranianos, principalmente em locais de emergência Continua a ser um método simples de estadiamento de muitas doenças malignas (como os linfomas) e de monitoração da resposta ao tratamento Fornece dados pré-operatórios valiosos sobre massas complexas e é muito utilizada nas complicações pós-operatórias Permite guiar de forma rigorosa procedimentos de drenagem, biópsias e bloqueios nervosos para anestesia É importante em caso de traumatismo Permite reconstruções multiplanares e tridimensionais (p.ex., 1.500 imagens em poucos segundos) Oferece facilidade no estudo de lesões, com o uso do meio de contraste iodado endovenoso, aumentando a sensibilidade do método Desvantagens Além da radiação ionizante e do uso em gestantes Próteses, aparelhos de fixação, etc. podem degradar a qualidade das imagens de TC É contraindicada em pacientes alérgicos a contraste iodado Nos doentes obesos, a TC fornece melhores dados anatômicos do que a ecografia, mas pode ter seu limite em obesos mórbidos. Nos doentes magros e nas crianças, a ecografia deve ser utilizada sempre que possível A TC do abdome envolve uma dose de radiação equivalente a 500 radiografias de tórax TC: tomografia computadorizada
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Imagem por ressonância nuclear magnética Uma vez que a RNM não utiliza radiações ionizantes, deve-se preferir essa técnica nos casos em que a RNM e a TC forneçam dados semelhantes e se encontrem ambas disponíveis. Entre os principais progressos no campo do estudo da dor, está o uso da RNM funcional do cérebro, porém essa técnica ainda não é utilizada de rotina (Tabela 4). Em muitas situações, a TC precede o exame de RNM, mas não é o caso em alguns tipos de lesões cerebroespinais e osteomusculares.
TABELA 4
Vantagens e desvantagens do uso da RNM
Vantagens A RNM fornece, geralmente, mais informação do que a TC nos problemas intracranianos, da cabeça, do pescoço e vertebrais, bem como nas anomalias musculoesqueléticas, em função de sua alta sensibilidade ao contraste e capacidade de gerar rápidas reconstruções multiplanares (axial, coronal e oblíquo) e tridimensionais. Há cinco anos, produzia cerca de 200 imagens; hoje, passou para 2 mil. Esse fato contribui para o estabelecimento do diagnóstico e para o tratamento apropriado com mais confiança. Sua utilização é cada vez maior nas áreas neurológica, musculoesquelética e oncológica Tem a habilidade de caracterizar tipos específicos de tecido com base na intensidade de sinal (gordura, sangue e água), diferenciando diversas doenças. Por esse motivo, oferece melhor contraste entre os tecidos e detalhes anatômicos quando comparada à TC Possibilita o estudo de lesões com o uso de contraste paramagnético, que praticamente não provoca reações adversas, podendo ser utilizado em pacientes alérgicos ao contraste iodado Desvantagens A RNM não está indicada no primeiro trimestre da gravidez Sua utilização para visualização de estruturas ósseas é inferior à TC Há algumas contraindicações à RNM, como corpos estranhos metálicos intraorbitários, determinados clipes ou molas de aneurismas, marca-passos cardíacos, implantes cocleares, algumas próteses penianas, etc. Além disso, a RNM oferece imagens de baixa qualidade (“artefatos”) em zonas próximas de próteses, etc. É um exame de custo elevado em comparação aos outros métodos Geralmente são necessários salas e equipamentos especiais de alto custo RNM: ressonância nuclear magnética; TC: tomografia computadorizada.
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Medicina nuclear Ao contrário do que geralmente se crê, as doses de radiação da maior parte das técnicas de MN são inferiores às de muitos outros exames considerados “seguros”. A dose efetiva da maior parte dos exames habituais de MN é consideravelmente inferior à da TC do abdome. Os fosfonatos (MDP/ HDP) são os agentes mais comuns na avaliação do sistema osteoarticular. No estudo das dores de origem musculoesquelética, podem-se encontrar os exames apresentados na Tabela 5.
Ultrassonografia – ecografia (ECO) A ecograoa, também conhecida como ultrassonograoa (US), além de não utilizar radiações ionizantes, apresenta variações tecnológicas conforme sua indicação, como US 3D e 4D (que é o 3D em movimento), Doppler TABELA 5
Exames úteis no estudo das dores de origem musculoesqueléticas
Exame
Indicação
Cintilografia óssea
Pesquisa de metástases ósseas
convencional de corpo inteiro (sem fluxo) Cintilografia
Suspeita de inflamação e infecção (celulite/osteomielite/artrite), tu-
óssea trifásica
mores ósseos primários, doença de Paget, próteses, displasia fibrosa, distrofia simpática reflexa, ossificação heterotópica, osteonecrose, doença de Legg Perthes, enxerto ósseo pediculado, fratura de estresse, hiperplasia de côndilo mandibular, etc.
PET/CT
Equipamento que une os recursos diagnósticos da MN (PET) e da radiologia (CT). Sobrepõe imagens metabólicas (PET) às imagens anatômicas (CT), produzindo um terceiro tipo de imagem. O estudo acoplado com TC, também denominado SPECT ósseo, é indicado na suspeita de espondilólise, espondilolistese, discite, osteoma osteoide na coluna, lombalgia em criança jovem sem alteração na imagem plana, necrose de cabeça de fêmur, Legg-Perthes e hiperplasia de côndilo mandibular
Cintilografia com
Diferenciar processos inflamatórios de processos infecciosos em
leucócitos marcados
atividade, principalmente do sistema musculoesquelético
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colorido, Power Doppler e o transdutor transvaginal, para intervenções ginecológicas. Na prática, a obtenção de imagens ecográocas requer um médico experiente para conseguir imagens perfeitas em todos os doentes. Como exemplo, a ecograoa pode ser difícil e insatisfatória em doentes obesos. Além disso, a distribuição dos gases intestinais pode mascarar determinados sinais e órgãos. No entanto, a ecograoa é econômica, rápida, conoável e não invasiva, de modo que constitui um exame inicial excelente para uma vasta gama de problemas referidos. Por isso, sempre que possível, é o exame recomendado. Como não envolve radiações ionizantes e é relativamente econômica, a ecograoa é frequentemente recomendada nos casos em que exames mais dispendiosos (como a TC) não se justiocam ou em que os recursos são limitados. Outra vantagem da ecograoa é a possibilidade de interação direta com o examinador e a avaliação dinâmica tanto de órgãos internos quanto musculoesquelética.
Termografia infravermelha – imagem térmica de alta resolução (IR) Sempre se deve procurar eliminar a causa inicial, porque a dor é consequência, então, deve desaparecer naturalmente. Em outras palavras, se não há um diagnóstico, não há um caminho lógico para o tratamento. Entretanto, nem sempre é possível estabelecer uma relação de causa-efeito entre algum distúrbio e a dor resultante dele. Há situações em que o fenômeno dor não apresenta uma causa identiocável ou em que a causa já deixou de existir há muito tempo, mas a dor permanece, tendo se tornado, por assim dizer, independente. Um exemplo muito marcante disso é a neuralgia pós-herpética, que acomete muitos pacientes que sofreram de herpes-zóster. Cerca de 87% dos pacientes com dor crônica não têm um substrato anatômico demonstrável por exames rotineiros de imagem que expliquem sua
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dor. Na maioria dos casos, são disfunções do sistema neuro-osteomuscular, o que justioca o uso de outros recursos diagnósticos, sobretudo funcionais, que possam auxiliar no estudo da dor e no direcionamento clínico e terapêutico desses pacientes. Essas alterações funcionais, sobretudo as disfunções miofasciais e neuropáticas, manifestam-se como alterações no sistema nervoso mais primitivo dos seres vivos, o sistema neurovegetativo simpático, aparelho que controla a termorregulação humana e que está envolvido desde o hipotálamo até a medula espinal, o plexo visceral, a raiz espinhal e os nervos periféricos no controle do puxo sanguíneo da microcirculação cutânea. E, nesses casos, a imagem infravermelha deve ser utilizada. A inibição ou lesão de qualquer parte desse sistema dilata microvasos dérmicos, ocasionando aumento da temperatura da pele. Do mesmo modo, sua hiperestimulação ocasiona diminuição térmica da derme. Essas alterações se processam a todo o momento no ser humano, e tornam-se assimétricas, quando comparados os lados opostos nos casos da presença de dor. Isto é, a dor de origem nociceptiva ou neuropática causa disfunção do sistema neurovegetativo, que é facilmente identiocada pelos sensores ultrassensíveis da câmera de termograoa infravermelha capazes de distinguir diferenças de até 0,03oC. Esses sensores funcionam a distância olmando a temperatura do corpo humano, sem contato. Portanto, é um exame totalmente inócuo, sem contraste, sem radiação ionizante, totalmente seguro para a avaliação do paciente com dor. A termograoa vem completar uma lacuna importante na avaliação do paciente com dor crônica, em que os exames anatômicos não apontam para uma causa orgânica ou cirúrgica. Fácil e de rápida realização, a olmagem de corpo inteiro identioca desde o processo inpamatório e alterações vasculares de grandes vasos até a microcirculação de um determinado dermátomo acometido. Mapeia a distribuição térmica por meio de isotermas coloridas que se correlacionam topograocamente com o local da dor e assume, assim, um padrão que permite um diagnóstico etiológico.
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Determinadas lesões não apresentam nenhum sinal visível nem se apresentam nitidamente nos métodos diagnósticos tradicionais, mesmo com queixa de sintomas característicos, quando não estiverem relacionadas aos motivos de falha expostos na Tabela 6. Apesar de a IR não ser exame anatômico propriamente dito, por sua alta sensibilidade, pode auxiliar no diagnóstico dessas condições, como tendinopatias, bursites, entesopatias e artropatias, quando associado à avaliação clínica do examinador, como também no acompanhamento evolutivo, de modo mais objetivo, por imagem. Portanto, a solicitação de imagem IR deve ser atendida nos casos de dor crônica, nas condições expostas na Tabela 7. EXAMES ELETROFISIOLÓGICOS
Eletroneuromiografia A ENMG é o registro da atividade elétrica dos nervos e músculos. O exame é composto por duas partes: o estudo da condução nervosa e a eletromiograoa. No estudo da condução nervosa, são realizados estímulos elétricos nos nervos periféricos, sendo efetuado o registro das respostas desses nervos através de eletrodos colocados em pontos especíocos do trajeto do nervo a ser estudado. Na eletromiograoa, coloca-se uma agulha muito ona e delicada em alguns músculos e realiza-se o registro da atividade TABELA 6
Por que exames podem ser negativos na presença de dor?
Os motivos são vários e podem ser inerentes: A quem realiza o diagnóstico Ao equipamento utilizado Às condições do paciente Podem-se ainda citar erros de: Percepção (falha no diagnóstico, falso-negativo) Falta de conhecimento Julgamento equivocado (interpretação incorreta, falso-positivo) Técnica e posicionamento inadequados
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TABELA 7
Indicações de solicitação de exame de termografia infravermelha
Se deseja documentar objetivamente síndromes dolorosas miofasciais ou neuropáticas para diagnóstico e acompanhamento terapêutico, p.ex., dor mista, dor referida, dor irradiada A hipótese diagnóstica inicial é de condição não específica, isto é, que não tem um substrato anatômico demonstrável por exames anatômicos tradicionais, p.ex., neuropatia de fibras finas O objetivo é orientar clinicamente se é ou não uma condição não específica (simulação, anormalidades psicossomáticas ou transtornos psíquicos), p.ex., perícia Os resultados descritos nos exames tradicionais não são compatíveis com os encontrados na história clínica e no exame físico, p.ex., avaliação pré-operatória de herniação discal, neuropatias compressivas As alterações encontradas não explicam todo o quadro clínico do paciente, p.ex., dor de manutenção simpática (síndrome complexa de dor regional) No caso de outros exames complementares não terem detectado alterações, p.ex., polineuropatia diabética Ausência de anormalidades ao exame clínico, p.ex., fibromialgia Atender perícias com demonstrações objetivas em lides forenses
espontânea desses músculos durante a inserção da agulha e o repouso muscular. Logo em seguida, avalia-se a atividade do músculo durante a contração muscular. A ENMG deve ser solicitada sempre que houver suspeita diagnóstica de neuropatia. A ENMG, que já foi considerada o exame padrão-ouro no diagnóstico da síndrome do túnel do carpo (STC), é um método invasivo, às vezes desconfortável, e o resultado pode ser normal na presença de compressão de nervos. Teefey et al.2 mostraram que a média da área de secção transversal do nervo mediano normal é de 8,3 mm3 nos homens e 9,3 mm2 nas mulheres, sendo que, em pacientes com STC, notaram que o nervo mediano tinha essa área aumentada. Quando os resultados eletroneuromiográocos foram correlacionados com a área de secção transversal do nervo mediano, os autores observaram que, para um resultado anormal intenso ou moderado, a medida da secção transversal teria de ser maior que 15 mm2. Contudo, uma área de secção menor que 15 mm2
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correspondia a um resultado na ENMG de normal a anormal de média gravidade, que indicava um tratamento conservador. O resultado da ENMG pode também apresentar ausência de anormalidade, não porque não haja lesão, mas porque não foi possível detectá-la. Cerca de 10% das ENMG nos casos de STC são normais. A principal contraindicação para realização do exame é a presença de feridas extensas ou edema muito acentuado no membro (perna ou braço) no qual o exame deve ser realizado. A presença de feridas (úlceras extensas) nos locais de colocação dos eletrodos pode diocultar ou mesmo impossibilitar a realização do exame. Em caso de lesão aguda do nervo, é necessário aguardar pelo menos três semanas antes de realizar o exame.
Potencial evocado somatossensitivo (PESS) O PESS é empregado na avaliação da integridade das vias sensoriais somatocorticais em nível periférico e central, através da aplicação de estímulos elétricos sobre nervos mistos, nervos sensoriais ou áreas cutâneas inervadas por raízes e nervos especíocos. É indicado como exame complementar à ENMG em pesquisa de doenças desmielinizantes (esclerose múltipla), lesões intrínsecas do tronco cerebral (tumores, hemorragias, infartos, atrooa olivopontocerebelar), tumores medulares que afetam os cordões posteriores, paraplegia espástica hereditária, ataxias, neuropatias periféricas (diabética, urêmica, alcoólica), síndrome de Guillan-Barré, doença de Charcot-Marie-Tooth, neuropatias periféricas (polineurites, lesões traumáticas e compressivas de plexos e nervos) e radiculopatias. O PESS tem risco de resultados falso-negativos e falso-positivos. Nas suspeitas de radiculopatias, os resultados normais só têm valor se os outros métodos de investigação também estiverem normais, bem como os resultados anormais só devem ser valorizados quando não conpitarem com a clínica e os demais exames complementares.
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Polissonografia A polissonograoa é o principal método para diagnóstico dos distúrbios do sono. É um exame que avalia o padrão de sono a partir de diversas variáveis, entre elas: atividade elétrica cerebral (eletroencefalograma), movimento dos olhos (eletro-oculograma), atividade de músculos (eletromiograma submentoniano e movimento dos membros inferiores), respiração (puxo aéreo nasal e bucal), oxigenação do sangue (oximetria), avaliação do ronco e da posição corporal e registro do eletrocardiograma. Durante o exame, além de todos esses registros, também é realizada olmagem do paciente (registro em vídeo). É um exame importante nos casos de dor crônica, uma vez que a ausência de sono reparador é fator perpetuante muito associado a quadro álgico persistente e recidiva do tratamento da dor crônica. EXAMES LABORATORIAIS Existe um grande número de exames laboratoriais amplamente disponíveis para estudo do paciente com dor crônica, uma vez que sua etiologia pode ser multifatorial ou estar relacionada a uma doença de base. Muitos exames são especíocos para um grupo particular de doenças, porém não existe um exame absolutamente preciso. Algumas vezes, o resultado de um exame é incorretamente anormal em uma pessoa que não apresenta a doença (resultado falso-positivo). Outras, o resultado de um exame é incorretamente normal em uma pessoa que apresenta a doença (resultado falso-negativo). Os exames são avaliados em termos de sua sensibilidade (a probabilidade de seus resultados serem positivos quando existe uma doença) e de sua especiocidade (a probabilidade de seus resultados serem negativos quando não existe uma doença). Um exame muito sensível diocilmente deixa de detectar uma doença em pessoas que a apresentam, mas pode indicar erroneamente a presença da doença em pessoas saudáveis. Já um exame muito especíoco apresenta uma chance mínima de indicar a presença da doença em pessoas saudáveis. Entretanto, ele pode não detectar a doença em algumas pessoas
DOR
que a apresentam. Os problemas de sensibilidade e especiocidade podem ser em grande parte superados pelo uso de vários exames diferentes. Por exemplo, uma pessoa com um resultado positivo de Aids por meio de um exame muito sensível é retestada com um exame mais especíoco. Frequentemente, os exames de sangue de rotina fornecem informações errôneas, acarretando ansiedade e gastos desnecessários. Quando analisadores automatizados (p.ex., análise múltipla sequencial – SMA, sequential multiple analyzer) são utilizados para a realização de vários exames de sangue, resultados falso-positivos são muito comuns. Somente pelo acaso, espera-se pelo menos um resultado falso-positivo em 50% dos pacientes submetidos a 12 exames (SMA-12) e em 2/3 das pessoas submetidas a 20 exames (SMA-20). Como o médico não pode ter certeza se um resultado de determinada pessoa é falso ou verdadeiro, pode ser necessária a retestagem de uma pessoa com um resultado anormal ou a realização de outros exames. Os valores normais dos resultados de exames são expressos como uma faixa, que é baseada nos valores médios de uma população saudável – 95% das pessoas saudáveis apresentam valores dentro dessa faixa. Esses valores variam um pouco entre os laboratórios. A Tabela 8 traz um resumo dos mais comuns. A dor musculoesquelética é uma consequência conhecida do esforço repetitivo, do uso excessivo e de distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho. Essas lesões incluem uma variedade de distúrbios que causam a dor em ossos, articulações, músculos ou estruturas circunjacentes. A dor pode ser aguda ou crônica, focal ou difusa, sendo a dor lombar baixa o exemplo mais comum de dor musculoesquelética crônica. Outros exemplos incluem a tendinite e tendinose, neuropatias, mialgias e fraturas por estresse. A resposta inpamatória sistêmica durante a fase inicial pode ser conormada pelo aumento de proteína C reativa (PCR), interleucina-6 ou fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa). A baixa concentração sérica de magnésio, vitamina D, zinco e selênio está associada à inpamação sistêmica decorrente da elevação de TNF-alfa e PCR consequente ao aumento do cálcio intracelular.
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0 mg/dL (mais de 0,1 mg/dL usualmente indica
Álcool (etanol)
Exame
0,4 a 1,5 mg/dL 18 a 23 mEq/L
Ácido ascórbico
Bicarbonato (conteúdo
Ver testes individuais: os eletrólitos
Monóxido de carbono
de carbono Menos de 5% da hemoglobina total
35 a 45 mmHg
em crianças)
8,5 a 10,5 mg/dL (discretamente mais elevado
Cálcio
Pressão de dióxido
8,5 a 9,1% do peso corporal
Volume sanguíneo
Total: até 1 mg/dL
Chumbo
Desidrogenase lática
Lactato (ácido lático)
do ferro
Capacidade de ligação
crianças) (continua)
40 mcg/dL ou menos (muito mais baixa em
50 a 150 U/L
Arterial: 4,5 a 14,4 mg/dL
Venoso: 4,5 a 19,8 mg/dL
250 a 460 mcg/dL
Mulher: 12 a 16 g/dL 60 a 160 mcg/dL (mais elevado em homens)
Homem: 13 a 18 g/dL
Homem: 45 a 52%; mulher: 37 a 48%
Jejum: 70 a 110 mg/dL
Mulher: 1 a 20 mm/hora
Homem: 1 a 13 mm/hora
magnésio, potássio e o sódio
rotineiramente dosados são cálcio, cloreto,
de dióxido de carbono) Ferro
Faixa de referência (unidades convencionais*) 0,6 a 1,2 mg/dL
Bilirrubina
Direta: até 0,4 mg/dL
Hematócrito
53 a 123 U
Amilase
Hemoglobina
Glicose
15 a 50 mcg de nitrogênio/dL
VHS
Eletrólitos
Creatinina
Amônia
intoxicação)
Faixa de referência (unidades convencionais*) 7,35 a 7,45
Exame
Exames de sangue
Acidez (pH)
TABELA 8
98 MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
15 a 60 mg/dL
98 a 106 mEq/L
Ver testes individuais: hemoglobina,
Ceruloplasmina
Cloreto
Hemograma completo
Homem: 38 a 74 U/L Mulher: 96 a 140 U/L 5% MB ou menos
Creatina cinase (CK
ou CPK)
Isoenzimas da
creatina cinase
Total: 70 a 150 mcg/dL
Cobre
de plaquetas, contagem leucocitária
média, volume corpuscular médio, contagem
concentração de hemoglobina corpuscular
hematócrito, hemoglobina corpuscular média,
Faixa de referência (unidades convencionais*) 500 a 1.500 células/mcL
Exame
Exames de sangue (continuação)
Contagem de células CD4
TABELA 8 Exame
Faixa de referência (unidades convencionais*)
40 a 200 mg/dL (mais elevados em homens)
49 anos; aumenta com a idade)
Menos de 225 mg/dL (para idades entre 40 e
10 a 150 U/L
Magnésio
1,5 a 2 mEq/L
(alanina e aspartato), protrombina
(continua)
proteínas (totais e albumina), transaminases
Provas da função hepática Inclui bilirrubina (total), fosfatase (alcalina),
Triglicerídeos
Colesterol
Lipídios:
Lipase
DOR 99
Faixa de referência (unidades convencionais*)
96 a 100% 0 a 3 U/dL (unidades Bodansky) 50 a 160 U/L (mais elevada em
Saturação de oxigênio (arterial)
Fosfatase (ácida) prostática
Fosfatase (alcalina)
3 a 4,5 mg/dL 150.000 a 350.000/mL
Fósforo (inorgânico)
Contagem de plaquetas
tireoide (TSH)
Hormônio estimulante da
Sódio
83 a 100 mm Hg
Pressão de oxigênio
bebês e adolescentes)
(alanina e aspartato), nitrogênio da ureia
0,5 a 5 mc U/mL
135 a 145 mEq/L
ureico, ácido úrico
(continua)
transaminases (alanina e aspartato), nitrogênio
(alcalina), potássio, proteínas (totais), sódio,
desidrogenase lática, magnésio, fosfatase
gamaglutamiltransferase, glicose,
cálcio, cloreto, colesterol, creatinina,
bicarbonato, bilirrubina (direta e total),
Ver exames individuais: proteínas (albumina),
(alcalina), potássio, sódio, transaminase
cloreto, colesterol, creatinina, glicose, fosfatase
Ver exames individuais: bicarbonato, cálcio,
glicose, potássio, sódio, nitrogênio da ureia
Ver exames individuais: bicarbonato, cloreto,
280 a 296 mOsm/kg de água SMA-20 (20 exames)
SMA-12 (12 exames)
SMA-6 (6 exames)
Osmolalidade
76 a 100 mcm
Exame Análise múltipla sequencial (SMA):
(VCM)
Volume corpuscular médio
corpuscular média (CHCM) 3
32 a 36% de hemoglobina/célula
Concentração de hemoglobina
média (HCM)
Faixa de referência (unidades convencionais*) 27 a 32 pg/célula
Exame
Exames de sangue (continuação)
Hemoglobina corpuscular
TABELA 8
100 MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
0 a 4 ng/mL (aumenta com a idade)
Antígeno prostático específico
Exame
Contagem leucocitária
Vitamina A
sangue (BUN)
Fonte: Manual Marck – Saúde para a família.
4.300 a 10.800 células/mcL/mm3
30 a 65 mcg/dL
7 a 18 mg/dL
7 a 27 U/L
Nitrogênio ureico do
1 a 21 U/L
Aspartato (AST)
Faixa de referência (unidades convencionais*)
Alanina (ALT)
Transaminases:
* As unidades convencionais podem ser convertidas em unidades internacionais utilizando um fator de conversão.
VHS: velocidade de hemossedimentação.
0,3 a 0,9 mg/dL
3 a 7 mg/dL
Ácido úrico 4,2 a 5,9 milhões/mcL/mm
2,3 a 3,5 g/ dL
Globulinas
Ácido pirúvico
3,5 a 5 g/dL
Albumina
Contagem eritrocitária
6 a 8,4 g/dL
Totais
Proteínas:
Faixa de referência (unidades convencionais*) 3,5 a 5 mEq/L
Exame
Exames de sangue (continuação)
Potássio
Tabela 8
DOR 101
102
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Não se deve esquecer que faz parte da investigação hormonal nos pacientes com dor musculoesquelética a pesquisa de diagnósticos diferenciais e enfermidades associadas, como diabete melito, hiperparatireoidismo, insuociência adrenal e disfunção tireoidiana, além dos hormônios sexuais. É comum pacientes com inpamação neuromusculoesquelética autoimune, como no caso da artrite reumatoide, apresentarem distúrbio hormonal parcial ou completo, caracterizado por elevação de estrogênio e prolactina e diminuição de testosterona, hidroepiandrosterona (DHEA) e cortisol, que promovem um círculo vicioso de mais inpamação e autoimunidade. A correção desses desequilíbrios hormonais pode resultar em melhora clínica, especialmente da dor. No caso da artrite reumatoide, os testes utilizados são VSG (velocidade da sedimentação globular, também denominado hemossedimentação e eritrossedimentação), PCR e, menos vezes, alfa-1 glicoproteína ácida. Costumam estar elevados proporcionalmente à gravidade da doença e diminuir com o sucesso do tratamento. Não se deve esquecer que estes testes não são especíocos, podendo estar elevados em qualquer doença que provoque inpamação ou infecção. O fator reumatoide (FR) é a anormalidade imunológica mais marcante da AR. Aparece em 80% dos pacientes e, portanto, é utilizado como critério diagnóstico de primeira linha. Entretanto, além de não estar presente em 20% dos pacientes com AR, pode demorar até um ano para se tornar positivo. Outro fato relevante a respeito do FR é a sua presença em outras doenças reumáticas e não reumáticas, como hepatite crônica ativa, hepatite viral, lepra, tuberculose, doenças malignas e várias outras. Nesses casos, em geral, o título (concentração) costuma ser mais baixo. O resultado do exame deve ser um número. Sugere-se não aceitar testes expressos em cruzes ou somente positivo ou negativo. Exames descritos recentemente, fator perinuclear e anticorpos antiqueratina são menos vezes positivos, mas podem ser as únicas alterações precoces e, desse modo, proporcionar diagnóstico em fase inicial da
DOR
doença. Esse fato é importantíssimo para que o tratamento correto seja iniciado logo, evitando-se as deformidades já citadas. Hemograma completo, plaquetas, transaminases e exame comum de urina são obrigatórios para que se possam avaliar os efeitos colaterais dos medicamentos usados. Ultimamente, pesquisa de vírus de hepatite (principalmente vírus C) tem sido incluída na avaliação inicial e, eventualmente, durante a evolução. Também são necessários exames para avaliar comprometimento dos rins e fígado e outros que a avaliação inicial ou evolução da doença indicarem. APLICAÇÃO PRÁTICA DOS EXAMES COMPLEMENTARES1
Ombralgia A dor no ombro é a segunda causa de queixa de dor no aparelho locomotor, precedida apenas pela dor referida na coluna vertebral. As causas de dor no ombro são várias, mas a maioria delas está relacionada às estruturas situadas entre a articulação glenoumeral e o arco coracoacromial (ACA). A compressão do manguito rotador (MR) e das bolsas adjacentes pelos elementos contidos nesse estreito espaço é a causa mais comum de dor no ombro, a chamada síndrome do impacto (SI). A aplicação prática dos exames complementares em ombralgia é descrita na Tabela 9, bem como em cervicalgia (Tabela 10) e lombalgia (Tabela 11).
Gonalgia – dor no joelho As lesões mais comuns que causam dor lateral no joelho em atletas são: síndrome do trato ílio-tibial, lesão do menisco lateral, tenossinovite do poplíteo, osteoartrose fêmuro-tibial lateral e lesões na cartilagem articular. Após uma consulta médica e exame físico, o ortopedista ou médico do esporte geralmente tem informações suocientes para diagnosticar o problema. No entanto, como a dor lateral no joelho pode ser proveniente de estruturas anatômicas bem diferentes, costuma ser solicitado ao atleta um exame complementar de imagem (radiograoas, US, TC ou RNM) para
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 9
Aplicação prática dos exames complementares em casos de ombralgia
Radiografia simples
É o primeiro e principal exame para detectar as causas da compressão extrínseca do MR e orientar o ortopedista, conjuntamente com outros dados, na conduta, que pode ser cirúrgica ou conservadora. As radiografias convencionais são bastante úteis no diagnóstico da dor no ombro, em casos de SI do tipo extrínseco primário
Ultrassonografia
É muito dependente do aparelho e do examinador. Tem pouca sensibilidade para alterações ósseas. É útil nas lesões tendíneas aguda e crônica, em idosos e em pacientes sem condições para a realização da RNM
Artrografia
Útil nos casos de pacientes operados do MR em que fragmentos metálicos prejudicam o estudo por RNM e TC. Nos casos de capsulite adesiva, pode ser utilizada, mas tende a ser substituída pela RNM e artro-RNM
TC
Tem pouca utilidade, a não ser na pesquisa de fraturas ocultas quando a RNM não puder ser realizada
RNM
É importante nas causas intrínsecas de alterações do MR. A artro-RNM é útil nos casos de instabilidade glenoumeral (SI tipo extrínseco secundário)
Termografia
Esclarece os componentes funcionais envolvidos com a dor, que podem ser únicos ou mistos, diferenciando, portanto, alterações miofasciais, neuropáticas, inflamatórias, vasculares arteriais ou venosas ou mistas
MR: manguito rotador; SI: síndrome do impacto; RNM: ressonância nuclear magnética; TC: tomografia computadorizada.
TABELA 10
Aplicação prática dos exames complementares em casos de cervicalgia
Radiografia simples cervical
Incidência AP, perfil e transoral: condição estrutural, tumores Incidência oblíqua: forames intervertebrais
TC
Avaliação de C7 e T1, hérnia discal, artrose cervical, tumores
RNM
Lesão de partes moles, hérnia discal, artrose cervical, tumores
Perimielografia
Hérnia discal, artrose cervical
ENMG
Hérnia discal, artrose cervical
Cintilografia
Tumores
Termografia
Presença de hiper-radiação linear paramediana espinal, imagem “em chama” (heat flame), correspondente aos ramos cutâneos do ramo posterior do nervo espinal envolvido, além de diminuição da radiação IR no dermátomo correspondente, achado típico visto em mais de 80% dos casos de discopatias crônicas. Correspondência de 89% com a clínica do paciente, diretamente proporcional ao grau de dor, auxiliando na determinação do prognóstico, na recuperação pós-operatória e na avaliação de dor recorrente na síndrome pós-laminectomia. A gravidade dos sintomas pode ser avaliada pela magnitude da assimetria infravermelha entre as extremidades3-5
AP: anteroposterior; IR: imagem térmica de alta resolução; TC: tomografia computadorizada; RNM: ressonância nuclear magnética; ENMG: eletroneuromiografia.
DOR
TABELA 11
Aplicação prática dos exames complementares em casos de lombalgia
Exame radiológico
Indicações: idade < 20 ou > 50 anos, história de traumatismo lombar, usuário de drogas, alcoólatras, história prévia de tumor, uso de corticosteroide, febre, déficit neurológico significativo, deformidades inexplicáveis ao exame físico, perda de peso sem causa aparente por mais de 6 meses, suspeita de espondilite anquilosante, falha no tratamento conservador após sete semanas e litígio Incidências frente e perfil: alinhamento vertebral, fraturas, luxações, anomalias congênitas, espondilolistese, alterações degenerativas Incidência oblíqua: suspeita de espondilólise, espondilolistese, fratura por estresse ou pseudoartrose Radiografia dinâmica em flexão e extensão: instabilidade lombar
Mielografia
Anormalidades intratecais. Não é empregada de rotina
computadorizada TC com contraste
Avaliação de complicações pós-operatórias, como fibrose e hérnias
endovenoso iodado
residuais
RNM
Exame de escolha para avaliação das hérnias discais (disco degenerado, disco sequestrado), tecidos moles (massas, edemas, infecções, tumores) intra e extradurais (hematoma epidural), acúmulo anormal de fluidos, fibrose, estenose de canal, disfunção neurológica progressiva, lesão traumática aguda grave, quando sintomas dolorosos não melhoram após 7 semanas. Frequentemente, não relacionado com as queixas clínicas. Cuidado: cerca de 66% dos indivíduos assintomáticos apresentam hérnia discal à RNM
RNM com
Diferenciação entre fibrose e recidiva da hérnia discal
contraste paramagnético Cintilografia óssea
Tumores, infecções, fraturas ocultas. Contraindicação: gestantes
Discografia6-8
Teste semiológico e de orientação do tratamento das doenças da coluna vertebral com o objetivo de determinar quais são suas relações clínicas e radiológicas. Necessita de informações do paciente durante o procedimento para distinguir a dor causada pela discografia das dores não axiais e técnica correta. Apesar de ter 81,4% de acurácia e 100% de sensibilidade na presença de dor, não há diferença estatística em pacientes sintomáticos e assintomáticos com sinal de hiperintensidade (HIZ) na RNM da coluna lombar submetidos à discografia (continua)
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TABELA 11
Aplicação prática dos exames complementares em casos de lombalgia (continuação)
Discografia6-8
A estimulação discal (discografia) é usada para o diagnóstico da dor discogênica, ou seja, a dor decorrente de estruturas lesionadas dos discos intervertebrais. O teste baseia-se no pressuposto de que, se o disco é a fonte da dor, a aplicação de um estímulo não doloroso no disco (uma injeção de contraste com média ou baixa pressão) evocaria a dor típica do paciente. Sua lógica baseia-se em investigação básica sobre a inervação nociceptiva do disco intervertebral e em dados de voluntários saudáveis. O referencial teórico é o som. No entanto, na ausência de um padrão de referência para o diagnóstico da dor discogênica, a validade da estimulação do disco permanece incerta
Termografia
Em estudo realizado por Kim e Cho3 em 1.458 casos de herniação discal lombar, a imagem IR teve alta sensibilidade com sintomas clínicos – 89,5%, quando comparada a outros estudos radiológicos. O nível anatômico da herniação discal na imagem IR foi igual à mielografia, tomografia e RNM em 79,1, 78,8, 76,6% dos casos, respectivamente. Após operação cirúrgica, os resultados radiográficos IR correlacionaram-se em 82,4% com os resultados clínicos. Diversos estudos retrospectivos demonstram sensibilidade da imagem IR acima de 90%, assim como boa correlação com outras modalidades de imagem.4 Em um estudo de Hubbard envolvendo 805 pacientes com cervicalgia e lombalgia, a imagem IR revelou boa correlação com mielografia (lombar 95%, cervical 81%), tomografia (lombar 80%, cervical 81%) e ENMG (lombar 68%, cervical 70%)5
ENMG
Avalia o nível da anormalidade anatômica e funcional, identifica a lesão nervosa periférica (junção mioneural, axônio, bainha de mielina, músculo) e o grau de disfunção
Potencial evocado
Localiza a lesão nervosa, avalia o nível e o grau. Utilizado quando os sinto-
somatossentivo
mas persistem e não têm correlação com os exames de imagem
Exame laboratoriais
Indicação: diferenciar lesões tumorais e infecciosas e no pré-operatório Hemograma, VHS, parcial de urina, glicemia, eletroforese de proteínas, cálcio, fósforo, lipídios
RNM: ressonância nuclear magnética; TC: tomografia computadorizada; IR: imagem térmica de alta resolução; ENMG: eletroneuromiografia; VHS: velocidade de hemossedimentação.
DOR
fazer o diagnóstico diferencial. Após as radiograoas iniciais, o melhor exame para fazer esse diagnóstico diferencial é a RNM, que diagnostica claramente a síndrome da banda ílio-tibial e dá informações essenciais ao médico. A termograoa esclarece a presença ou não de inpamação articular; quanto maior a efusão articular, maior a radiação IR da articulação. Também informa sobre a identiocação de disfunção miofascial associada ou não à gonalgia. O exame IR também é um método objetivo de avaliar resposta ao tratamento e, dessa forma, conormar o diagnóstico inicial e monitorar objetivamente o tratamento por meio de métodos gráocos.
Melalgia – dor nos membros Uma das queixas mais comuns nos atletas recreativos e proossionais que praticam esporte de corrida é a dor na perna. A síndrome da tensão tibial medial (STTM), ou “canelite”, é deonida como dor e desconforto na perna causado por corrida repetitiva em uma superfície dura ou por uso excessivo dos pexores do pé. O diagnóstico deve ser limitado a inpamações musculotendíneas, devendo, portanto, excluir fraturas por estresse ou distúrbio isquêmico (Tabela 12). A STTM é uma condição que leva à dor na região posteromedial da perna dos dois terços distais da tíbia. A condição também é conhecida como síndrome do sóleo.
TABELA 12 Radiografia
Aplicação prática dos exames complementares em casos de melalgia Solicita-se de rotina, pois pode ocorrer neoformação óssea periosteal longitudinal irregular ou hipertrofia cortical da tíbia. Mas, em geral, se a dor estiver presente há mais de 2 semanas e não for intensa, o resultado provavelmente será negativo, assim como dores localizadas nas partes moles, como músculos e tendões. A indicação está nas dores articulares e ósseas agudas de alta intensidade ou longa duração
RNM
Pode ser evidenciado edema periosteal indicando periostite de tração (continua)
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TABELA 12
Aplicação prática dos exames complementares em casos de melalgia (continuação)
Cintilografia óssea
Pode demonstrar lesões longas longitudinais, chegando a 1/3 do comprimento do osso. Alguns trabalhos mostram que a densidade mineral óssea tibial pode estar diminuída
Termografia
Auxilia a esclarecer os componentes envolvidos com a dor, que podem ser únicos ou mistos, diferenciando, portanto, alterações miofasciais, neuropáticas, inflamatórias ou vasculares arteriais ou venosas
RNM: ressonância nuclear magnética.
Calcanealgia A dor no calcâneo é um motivo frequente de atendimento ortopédico e pode ter várias causas, geralmente relacionadas ao seu uso excessivo. Raramente é causada por uma lesão única, como uma queda ou torção.
TABELA 13
Aplicação prática dos exames complementares em casos de calcanealgia
Radiografia
Pode diagnosticar fraturas ou outras alterações não traumáticas que expliquem a dor do atleta, como fratura por estresse, osteoartrose, esporões no calcâneo, deformidades congênitas ósseas ou articulares. Mesmo não sendo o método mais indicado para avaliar estruturas de partes moles, como tendões, as radiografias podem diagnosticar calcificações na região dos tendões, derrame articular e, assim, permitir eventualmente o diagnóstico de tendinopatias crônicas (tendinites)
Ultrassonografia
Frequentemente, é indicada quando se suspeita de lesões agudas ou crônicas em tendões na região do calcanhar. Pode revelar alterações nos tendões flexores do pé e tornozelo, como o tendão calcâneo (Aquiles), que pode apresentar sinais de tendinopatia crônica, comum em corredores
TC
Método excelente para avaliação detalhada dos ossos e articulações. Isso ocorre em determinados casos de fraturas que comprometem a superfície articular, lesão osteocondral, coalizão tarsal e deformidades (continua)
DOR
TABELA 13 RNM
Aplicação prática dos exames complementares em casos de calcanealgia (continuação) É muito bem indicada nos casos de suspeita de fratura por estresse, fraturas agudas ocultas às radiografias, lesões condrais (da cartilagem articular) e osteocondrais, roturas ligamentares agudas ou crônicas (decorrente de entorses), tenossinovites e tendinopatias, roturas tendinosas parciais ou completas, fasciíte plantar e bursite retrocalcânea, entre outras menos comuns
Termografia
Auxilia a esclarecer os componentes envolvidos com a dor, que podem ser únicos ou mistos, diferenciando, portanto, alterações miofasciais, neuropáticas, inflamatórias ou vasculares arteriais ou venosas
TC: tomografia computadorizada; RNM: ressonância nuclear magnética.
Síndrome dolorosa miofascial (SDM) O diagnóstico da SDM depende, sobretudo, da história e do exame físico. No entanto, em virtude da subjetividade com que cada paciente refere seus sintomas, nem sempre se identiocam todos os pontos na avaliação clínica. O não reconhecimento dessa síndrome é responsável por numerosos diagnósticos errôneos e insucessos terapêuticos de sintomas dolorosos crônicos, bem como pela perda da produtividade e consequente incapacidade biopsicossocial. Em virtude disso, muitos doentes com SDM são considerados simuladores, apresentando anormalidades psicossomáticas ou transtornos psíquicos.2,9,10 Outro fato importante é que o examinador seja treinado e experiente na avaliação desses pacientes, pois mesmo assim a conoabilidade interexaminadores varia de 35 a 74%, o que torna imprescindível a associação de métodos que aumentem a sensibilidade clínica.10 O exame IR evidencia objetivamente os pontos-gatilho (PG) na forma de pontos aquecidos (hot spots) hiper-radiantes e com sensibilidade próxima a 98%. Essas áreas hiper-radiantes correspondem a PG dolorosos anotados no exame clínico e conormados por US (Figura 1). Eles são corroborados pela sensibilidade local e pela conormação da dor pelos pacientes.10
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Figura 1
Hiper-radiação cervical paramediana esquerda (hot spot) decorrente de PG em cervicais posteriores.
As alterações de imagem IR constituem, assim, importante recurso objetivo na demonstração de PG miofasciais, correlatos com as queixas claras do paciente. A identiocação dos PG por imagem IR é útil no direcionamento para causa da dor, na orientação do tratamento adequado e na avaliação de sua resposta, assim como para a documentação médico-legal.
Fibromialgia O paciente com síndrome obromiálgica apresenta uma imagem IR hiper-radiante característica, de menor intensidade que na disfunção miofascial, porém ampla e difusa, envolvendo os pontos dolorosos clássicos da doença, extensamente distribuídos sobre a região cervicotorácica em forma de “manto” em razão de um distúrbio autonômico da termorregulação. Cerca de 70% dos casos estão associados ao fenômeno de Raynaud, leve com extremidades frias e hiper-radiação periocular causada por congestão venosa palpebral geralmente quando associado a distúrbio do sono (Figura 2).9 A imagem simétrica, porém anormal, sugere alteração do mecanismo central de termorregulação, ainda pouco compreendido. A imagem térmica oferece um critério objetivo no diagnóstico complementar da obromialgia, que geralmente tem sintomatologia vaga associada a compo-
DOR
Figura 2
Termografia documentando paciente com síndrome fibromiálgica. Presença de hiper-radiação axial (sinal do manto), extremidades hiporradiantes (Raynaud-like) e congestão periocular (distúrbio do sono).
nente psicossomático muito forte e fadiga. A IR é um método auxiliar na documentação diagnóstica e no acompanhamento dessa síndrome, principalmente quando associada a outras doenças que podem passar despercebidas na avaliação clínica, como artrites soronegativas, neuropatias compressivas periféricas, síndrome miofascial, tendinopatias e outras.9
Síndrome de dor regional complexa O diagnóstico por IR é o único meio de imagem reconhecido, inclusive pela American Academy of Physical Medicine and Rehabilitation, para identiocar correta e precocemente as alterações na microcirculação cutânea relacionadas à síndrome de dor regional complexa (SDRC) (Figura 3). O diagnóstico e o tratamento precoce podem evitar a incapacidade laboral, sequela da atrooa do membro por desuso. Nos primeiros estágios desse distúrbio neurovegetativo, a IR pode revelar precocemente súbitas mudanças assimétricas de temperatura re-
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Figura 3
Hiporradiação em membro superior esquerdo. Paciente com SDRC I.
lacionadas à instabilidade vasomotora inicial, com sensibilidade de 93% e especiocidade de 89%, podendo deonir o bloqueio simpático mais corretamente. É particularmente útil no diagnóstico diferencial das condições com sinais e sintomas que mimetizam a SDRC, como mononeuropatias periféricas, síndrome pós-traumática, inpamação localizada e doença vascular (vasoespasmos).10 A falta de concordância na detecção, no diagnóstico, no discernimento e na precisão da SDRC surgiram a partir de uma tendência de invocar o bloqueio simpático como uma medida diagnóstica absoluta. É importante lembrar que, enquanto alguns doentes com SDRC I são suscetíveis aos simpatomiméticos (p.ex., antagonistas adrenérgicos sistemicamente administrados, bloqueio simpático intervencional), as dores mantidas pelo simpático não ocorrem em todos os casos de SDRC I e, por conseguinte, não são um critério totalmente excludente. Além do mais, é um procedimento
DOR
que tem riscos e não deve ser utilizado indiscriminadamente. O bloqueio simpático está indicado nos casos de inibição da resposta vasoconstritora da extremidade afetada após teste de estímulo frio no membro oposto normal, documentada sem risco por termograoa.10 Pode-se, dessa maneira, monitorar por IR a eocácia do bloqueio simpático, simpatectomia ou estimulação elétrica medular e avaliar sua progressão e resposta ao tratamento. Após bloqueio, a IR é útil na avaliação do grau de inibição simpática da extremidade lesada.10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma diretriz não é uma imposição rígida em relação à prática clínica, mas, sim, um conceito de boa prática nos termos de que se pode analisar as necessidades de cada doente. Por isso, não é uma regra absoluta. Alguns exemplos mais comuns podem ser consultados na Tabela 14. Podem ser ignoradas quando há razões suocientemente válidas. É importante lembrar apenas que todos os exames devem ser otimizados, de forma a se obter o máximo de informação com um mínimo de radiação ou risco. Deve-se ter isso em mente, uma vez que o doente pode não receber um laudo que o médico que o enviou esperava, ou seja, um exame desnecessário. O comprometimento ético de tratar a dor obriga investigação para determinar técnicas e métodos que facilitarão diagnósticos e tratamentos seguros e eocazes, além de obrigar a utilização desses métodos na prática clínica. A medicina dedica-se à prestação de assistência tecnicamente correta e segura ao paciente. A investigação diagnóstica facilita esse om, oferecendo conhecimento que: Æ permite que o clínico avalie o valor relativo dos riscos e benefícios de aplicações terapêuticas e, em última instância, resolva os impasses clínicos;
113
114
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
TC
Indicada
TC para afastar hemorragia subarac-
Crânio Cefaleias: agudas e intensas
nóidea, intracraniana ou hidrocefalia. A RNM é melhor no diagnóstico das causas inflamatórias
Cefaleia crônica
Radiografia de crânio,
Não indicada
As radiografias têm pouca utilidade na
cervical e TC
como rotina
ausência de sinais ou sintomas locais. A TC pode ser o primeiro exame, atualmente RNM pode ser indicada
Termografia10 Articulação tempo-
Radiografia
romandibular RNM
Avaliação
Pode indicar se há componente vas-
especializada
cular ou tensional miofascial ou misto
Investigação
São frequentes os problemas da ATM
especializada
A radiografia muitas vezes é normal
Indicada
É cada vez mais utilizada Muitas vezes, os sintomas e as alterações radiológicas estão pouco correlacionados
Termografia10 Trauma cranioen-
TC
Avaliação
Correlaciona-se com as alterações
especializada
tanto miofasciais quanto artrogênicas
Indicada
cefálico
RNM para pacientes que não melhoram clinicamente e/ou como complemento à TC
Coluna vertebral Trauma
TC
Indicada
TC é superior na avaliação de fraturas RNM para pesquisa de lesões medulares e radiculares
Termografia10
Avaliação espe-
Pode ser utilizada na triagem de
cializada
pacientes inconscientes com lesão medular importante (continua)
DOR
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Dor cervical: doença
Radiografia
Sugerida na
Geralmente, em razão de alterações
sexta semana
disco/ligamentares não detectáveis
degenerativa?
na radiografia RNM
Investigação
É utilizada quando há braquialgia
especializada
Alterações degenerativas começam precocemente a partir da meia-idade e, muitas vezes, não estão relacionadas com os sintomas Considerar RNM e orientar para especialista quando a dor afeta a qualidade de vida ou quando existem sinais neurológicos
Termografia3
Investigação
Determina a presença de alterações
especializada
miofasciais (espasmo cervical), neuropáticas (radiculopatia) e inflamatórias (síndrome facetária) associadas
Coluna torácica: dor sem trauma-
Radiografia
Sugerida na
Alterações degenerativas surgem
sexta semana
invariavelmente a partir da segunda
tismo – doença
metade da vida. O exame raramente
degenerativa?
tem utilidade na ausência de sinais neurológicos que apontam para metástase ou infecção. Considerar a realização dos exames radiológicos, como TC, mais precocemente nos doentes idosos com dor de aparecimento súbito, para mostrar colapso osteoporótico ou outras formas de destruição óssea. Considerar MN na possibilidade de lesões metastáticas. A RNM pode estar indicada se a dor local é difícil de tratar ou se existem sinais de envolvimento das vias longas (continua)
115
116
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Termografia4
Investigação
Determina a presença de alterações
especializada
miofasciais (espasmo cervical), neuropáticas (radiculopatia) e inflamatórias (síndrome facetária) associadas
Coluna lombar: dor
Radiografia/TC
crônica lombar sem
Não indicadas
As alterações degenerativas são
como rotina
frequentes e inespecíficas. A
sinais de infecção
radiografia é o mais importante nos
nem de neoplasia
doentes jovens (espondilolisteses, espondilite anquilosante, etc.) e nos idosos com possibilidade de colapso vertebral Termografia4
Investigação
Permite a identificação de disfunções
especializada
miofasciais, radiculares ou inflamató-
Estão indicadas
Conjuntamente com a orientação
rias (sinovite zigoapofisária) Dor lombar com
Radiografia/RNM
características ad-
urgente para o especialista
versas: alterações
A RNM geralmente é o melhor
dos esfíncteres
exame, especialmente para cone
ou da marcha,
medular e avaliação pós-operatória
anestesia, paralisia
A realização dos exames de imagem
motora grave ou
não deve atrasar a observação pelo
progressiva, déficits
especialista
neurológicos,
A MN também é muito utilizada na
antecedentes de
investigação de destruição óssea
neoplasia, mal-
A radiografia normal pode dar
-estar geral, HIV Dor lombar aguda: hérnia discal? Ciáti-
falso-negativo Radiografia
Não está indica-
A dor aguda lombar geralmente é
da de rotina
decorrente de causas que não podem
ca sem característi-
ser diagnosticadas pela radiografia
cas adversas
simples (colapso osteoporótico é exceção). A radiografia normal pode dar falso-negativo (continua)
DOR
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Dor lombar aguda:
TC/RNM
Sugeridas na
Demonstração de hérnia discal requer
sexta semana
TC ou RNM e deve ser considerada
hérnia discal? Ciática sem característi-
imediatamente após falha no trata-
cas adversas
mento conservador A RNM é igualmente preferida e evita irradiação ionizante A RNM é melhor que a TC nos problemas pós-operatórios Termografia4
Investigação
Demonstra a alteração funcional
especializada
radicular confirmando a correlação com o achado anatômico. Utilizada no diagnóstico diferencial e dor discogênica
Coccidinia, trauma-
Radiografia
tismo do cóccix
Não está
Os achados da radiografia não
indicada
influenciam o tratamento: dor à palpação faz o diagnóstico
Termografia4
Investigação
Auxilia no diagnóstico diferencial
especializada
com as alterações miofasciais e neuropáticas
Processos infeccio-
RNM
Indicada
É a mais indicada
sos e inflamatórios
Termografia4
Indicada
Permite melhor acompanhamento da evolução clínica nos casos de difícil controle
Escoliose (principal-
RNM
Pode ser indi-
mente em crianças), doenças vasculares
Pode ser indicada
cada Termografia4
e do plexo braquial
Investigação
Permite identificação de PG
especializada
miofasciais e alterações neuropáticas
Indicadas
TC para estudo ósseo
Musculoesquelético Tumores e processos
TC/RNM
inflamatórios e
RNM para tecidos moles e medula óssea
infecciosos
Artro-RNM a critério 10
Termografia
Investigação
Permite melhor acompanhamento da
especializada
evolução clínica nos casos de difícil controle (continua)
117
118
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Lesões traumáticas
TC/RNM
Indicada
TC para fraturas
e relacionadas
RNM para lesões musculares, tendíneas,
ao esporte
meniscais e contusões ósseas Artro-RNM a critério como complementar Termografia10
Investigação
Permite melhor acompanhamento da
especializada
evolução clínica nos casos de difícil controle
Alterações
Radiografia
Não indicada
Termografia10
Investigação
Identifica fatores perpetuantes da dor,
especializada
disfunção miofascial e componente
degenerativas
RNM como avaliação mais completa TC ocasionalmente
neuropático associado Dor óssea
Radiografia/RNM
Indicadas
Quando se mantém os sintomas e a
Investigação
radiografia é negativa
especializada Osteoporose e dor
Radiografia/perfil de
Indicados
As radiografias de perfil mostram as fraturas. Densitometria quantifica a
coluna dorsal e lombar
massa óssea Termografia10 Doença inflamatória
Múltiplas radiografias
articular?
Investigação
Permite avaliar componente
especializada
miofascial envolvido
Não indicadas
Exame orientado para articulação
como rotina
sintomática. MN mostra articulações em atividade
Termografia10
Investigação
Termografia de corpo inteiro identifica
especializada
atividade inflamatória e as doenças associadas miofasciais, vasculares e neuropáticas e também no diagnóstico diferencial (fibromialgia)
Artrite reumatoide
Radiografia de mãos e pés
Indicada
A radiografia dos pés pode mostrar erosões mesmo quando mãos sintomáticas são normais. Considerar o estudo da coluna cervical em perfil (continua)
DOR
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Artrite reumatoide
Termografia9
Investigação
Termografia de corpo inteiro identifica
especializada
atividade inflamatória e as doenças associadas miofasciais, vasculares e neuropáticas e também no diagnóstico diferencial (fibromialgia)
Prótese dolorosa
Radiografia/MN
Indicadas
Primeiro, a radiografia Estudo normal exclui maioria das complicações significativas
Termografia10
Investigação
Identifica infecção, inflamação local
especializada
ou quando associada a complicações como SDRC
Ombro doloroso
Radiografia/US
Por volta da 6a
Alterações degenerativas no manguito
semana
rotador e adjacências são comuns. Muitas das lesões não são identificáveis em radiografia. Utilizar US
Termografia10
Indicada
É mais sensível para identificar alterações inflamatórias, miofasciais e neuropáticas associadas independentes do grau de lesão anatômica. Avalia envolvimento do sistema simpático
Instabilidade
Artrografia por TC
do ombro
Investigação
O labrum glenoide e a cavidade
especializada
sinovial são bem identificadas. RNM também é útil
Rotura do manguito
US, TC, RNM
Indicadas
rotador
Pode ser investigada por US, artrografia e RNM. Esta última é cada vez mais utilizada
Termografia10
Investigação
É mais sensível para identificar
especializada
alterações inflamatórias, miofasciais e neuropáticas associadas independentes do grau de lesão anatômica (continua)
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Lesão articular da
Radiografia, RNM,
Investigação
Para identificação de lesões inflama-
sacroilíaca
TC, MN
especializada
tórias (espondilite anquilosante) Quando a radiografia é duvidosa, fazer RNM, TC ou MN
Termografia10
Investigação
Também auxilia nos casos de dor mis-
especializada
ta e mais resistentes aos tratamentos. Importante nos casos de dor crônica difusa e fibromialgia
Quadril doloroso
Radiografia/US
Não indicada
Só se os sinais e sintomas são
como rotina
persistentes
Investigação
Auxilia na identificação das alterações
especializada
miofasciais e inflamatórias associadas
Ao fim de 6
Na criança, deve ser efetuada logo
semanas
no início
Investigação
Auxilia na identificação das alterações
especializada
miofasciais e inflamatórias associadas
Radiografia de quadril
Indicada
Só positivo em fase evoluída
RNM
Investigação
Pode ser útil quando radiografia
especializada
normal, especialmente nos doentes
com movimento mantido Quadril doloroso
10
Termografia Radiografia
com movimento limitado Quadril doloroso
Termografia10
com necrose avascular?
da doença
de risco MN
Investigação
Pode também fazer diagnóstico
especializada
A vantagem da RNM é poder diagnosticar outras causas possíveis de dor
Joelho doloroso
Radiografia
sem bloqueio ou limitação do movimento
10
Termografia
Não indicada
A maioria dos sintomas tem origem
como rotina
em partes moles
Investigação
Auxilia na identificação das alterações
especializada
miofasciais e inflamatórias associadas (continua)
DOR
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentários
Joelho doloroso
Radiografia
Indicada
Muitos exames são normais
com bloqueio
Radiografia necessária para identificar
ou limitação de
corpos livres radiopacos. Os sinais e
movimento
sintomas podem determinar artroscopia ou RNM Termografia10
Joelho doloroso
RNM
sendo considerada
Investigação
Auxilia na identificação das alterações
especializada
miofasciais e inflamatórias associadas
Investigação
Pode orientar a decisão entre fazer ou
especializada
não endoscopia. Mesmo nos doentes
a artroscopia
que, pela clínica, têm indicação cirúrgica, a RNM pré-operatória pode ser útil, identificando lesões não suspeitas Termografia10
Investigação
Pode apontar alterações puramente
especializada
neuropáticas que podem protelar a abordagem artroscópica em um primeiro instante ou diagnóstico diferencial com SDRC
Esporão do
Radiografia
calcâneo? Fasciíte
Não indicada
O esporão do calcâneo é achado
como rotina
acidental comum. A causa da dor raramente é identificável na radiografia.
plantar?
US, RNM e MN são muito mais sensíveis na identificação da inflamação Identifica facilmente o processo Termografia10
Indicada
inflamatório
Trauma musculoes-
Radiografia
Indicada
Para fratura
quelético
US
Investigação
Para lesões de partes moles (p.ex.,
especializada
lesão de tendão ou músculo)
Investigação
Quando a radiografia ou US são
especializada
normais ou dúbias
Não indicada
Sem vantagem em relação à RNM
RNM MN
(continua)
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico Trauma musculoes-
Exame 10
Termografia
quelético
Recomendação
Comentário
Investigação
Apenas para triagem rápida. Necessita
especializada
de exame anatômico complementar, ou nos casos de dor persistente sem achados anatômicos, avaliação do envolvimento do sistema simpático
Cardiotorácico Dor retroesternal:
Radiografia
Indicado
A radiografia não deve atrasar a
infarto do miocár-
admissão. Permite avaliar tamanho
dio? Angina?
cardíaco, edema pulmonar, etc., e pode excluir outras causas de dor MN
Investigação
Depois da prova de esforço, o estudo
especializada
da perfusão do miocárdio detecta e quantifica áreas isquêmicas
Termografia
Investigação
Identifica padrão visceral de dor,
especializada
triando para exame mais específico. Ou nos casos de dor crônica na área precordial
Dor torácica:
Radiografia
Indicada
US/TC
Indicadas
dissecção aórtica aguda?
Raramente diagnóstica, essencialmente para excluir outras causas TC é melhor. US transesofágica. Angiografia raramente é utilizada
Dissecção aórtica
RNM/TC
crônica
Investigação
RNM é o melhor exame para avaliar
especializada
extensão longitudinal. Pode-se usar também TC com contraste
Dor torácica ines-
RNM
Seis semanas
Termografia10
Indicada
Síndrome de Tietze não dá alteração na radiografia. Objetivo é tranquilizar.
pecífica
Nos casos de dor não cardíaca, a termografia auxilia na identificação das alterações miofasciais e inflamatórias associadas, especialmente síndrome de Tietze e miofasciais intercostais pós-traumáticos (continua)
DOR
TABELA 14
Exemplos de prescrição de exames de imagem para estudo do paciente com dor segundo o problema clínico (continuação)
Problema clínico
Exame
Recomendação
Comentário
Trauma torácico
Radiografia
Não indicada
Apenas fratura de costela não altera o
como rotina
tratamento. Radiografia PA se suspei-
leve
ta de pneumotórax TC: tomografia computadorizada; RNM: ressonância nuclear magnética; ATM: articulação temporomandibular; MN: medicina nuclear; PG: pontos-gatilho; SDRC: síndrome da dor regional complexa.
Æ habilita os pacientes a serem informados e participarem nas decisões relevantes para suas necessidades e cuidados clínicos, diminuindo, assim, sua inerente vulnerabilidade e desigualdades de força e capacidade. No caso da termograoa infravermelha de alta resolução, por se tratar de método recente, mas de grande utilidade diagnóstica e intimamente relacionado à clínica do paciente, as obrigações éticas e práticas são mutuamente apoiadas. Assim, argumenta-se que a investigação clínica e funcional da utilização da representação gráoca, obtida por IR, é, ao mesmo tempo, eticamente imperativa e pragmaticamente válida no estudo da dor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Royal College of Radiologists. Making the best use of a Department of Clinical Radiology: Guidelines for doctors. 4.ed. Londres: Royal College of Radiologists, 1998. 2. Teefey SA, Middleton WD, Boyer MI. Sonography of the hand and wrist. Semin Ultrasound CT & MRI 2000; 21:192-20. 3. Kim YS, Cho YE. Pre and postoperative thermographic imaging in lumbar disc herniations. In: Ammer K, Ring EFJ. The thermal image in medicine and biology. Viena: Uhlen-Verlag, 1995. 4. Thomas D, Cullum D, Siahamis G et al. Infrared imaging, MRI, CT, and myelography in low back pain. Br J Rheum 1990; 29:268-73.
123
124
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
5. Hubbard JE, Hoyt C. Pain evaluation in 805 studies by infrared imaging. Thermology 1986; 1:161-6. 6. Carregee EJ, Tanner CM, Yang B, Brito JL, Truong T. False-positive ondings on lumbar discography: Reliability of subjective concordance assessment during provocative disc injection. Spine 1999; 24:2542-7. 7.
Simmons JW, Aprill CN, Dwyer AP, Brodsky AE. A reassessment of Holt’s data on: “The question of lumbar discography”. Clin Orthop 1988; 237:120-4.
8. Walsh TR, Weinstein JN, Spratt KF, Lehmann TR, Aprill C, Sayre H. Lumbar discography in normal subjects. J Bone Joint Surg Am 1990; 72:1081-8. 9. Brioschi ML. ndice termográoco infravermelho no diagnóstico complementar da obromialgia. São Paulo, 2008. [Tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008. 10. Brioschi ML, Silva FMRM, França GV, Teixeira MJ. Termograoa no diagnóstico da dor. In: Alves Neto O, Costa CMC, Siqueira JTT, Teixeira MJ (SBED) (orgs.). Dor: princípios e prática. v.1. Porto Alegre: Artmed, 2009. p.1338-57.
SEÇÃO 3
PSICOLOGIA, PSIQUIATRIA E DOR
7 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DO PACIENTE COM DOR Jamir Sardá Jr.
INTRODUÇÃO Os aspectos psicossociais considerados mais relevantes na dor crônica e passíveis de contribuir para incapacidade física e sofrimento mental em pessoas com dor crônica serão abordados neste capítulo. É importante salientar que, independentemente da abordagem psicológica adotada, as evidências cientíocas sugerem que os aspectos descritos a seguir parecem ser os fatores que mais contribuem para o desfecho insatisfatório de um tratamento, a incapacidade física, o sofrimento mental e a redução da qualidade de vida das pessoas com dor crônica. ASPECTOS MULTIDIMENSIONAIS DA DOR Segundo a deonição da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a “dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma lesão real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos desta”.1 A deonição da IASP enfatiza a presença de componentes sensoriais e emocionais da dor e a inexistência de uma relação linear entre estímulos nociceptivos e dor, ampliando a compreensão de processos dolorosos.
128
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
No tocante à duração da dor, ela pode ser classiocada como aguda ou crônica, sendo considerada crônica quando persiste por um período superior a 3 meses.2 A prevalência média de dores crônicas na população geral é em torno de 20%.3-6 Dores crônicas podem ter alto impacto na capacidade funcional das pessoas que vivem nessa condição. Entretanto, ter algum tipo de dor crônica não é sinônimo de incapacidade – não existe uma relação direta e linear da lesão com a intensidade da dor e o sofrimento manifesto. Atualmente, existem evidências de que fatores psicossociais são determinantes na transição de dores agudas para dores crônicas e no desenvolvimento de incapacidade e sofrimento psíquico.7-10 Há mais de meio século, alguns modelos teóricos, entre eles, a teoria do controle de portais, desenvolvida por Melzack e Wall,11 propõem que a dor possui dimensões biológicas, avaliativas, afetivas, cognitivas, comportamentais e culturais (Figura 1).
Dor Percepção da dor
Reação à dor
Cérebro Passagens abertas
Passagens abertas para a dor
Dor bloqueada
Medula espinal Sinais do nervo que chegam até a medula espinal
FIGURA 1
Modelo ilustrativo da teoria do controle de portais.12
Passagens fechadas
DOR
A teoria de controle de portais, ilustrada no modelo previamente apresentado,12 estabeleceu um novo paradigma ao enfatizar a importância da modulação realizada pela espinha medular, pelo sistema nervoso central (SNC) e pelo hipotálamo nos processos dolorosos (iniciados nas obras G e P, SG e células T), reconhecendo o papel mediador dos aspectos psicológicos, comportamentais, ambientais e culturais na modulação de estímulos nociceptivos. Mais recentemente, evidências sugerem que aspectos biológicos podem iniciar, manter ou modular alterações físicas; porém, fatores psicológicos inpuenciam na avaliação e percepção de sinais osiológicos e fatores sociais mediam as respostas comportamentais do paciente à percepção de suas alterações físicas.13-16 O modelo biopsicossocial proposto por Engel17 foi aplicado à compreensão da dor,13,18 contribuindo para a ampliação do entendimento desse fenômeno de forma mais ampla e multidimensional. A Figura 2 ilustra de forma ampla as interações existentes entre aspectos biopsicossociais. Segundo esse modelo, estímulos nociceptivos são interpretados de forma diferenciada pelas pessoas. A expressão de sofrimento depende
Ambiente Comportamento (adoecer)
Sofrimento
Percepção da dor
Nocicepção (estímulo que causa dor)
FIGURA 2
Modelo biopsicossocial de dor.13
129
130
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
de aspectos afetivos, cognitivos, comportamentais e sociais, sendo reforçada pelo ambiente de formas distintas. Ou seja, um indivíduo percebe e responde a um estímulo doloroso de forma única, e isso é determinado por aspectos subjetivos e ambientais. Um número signiocativo de estudos tem investigado e revisado o papel de fatores psicossociais na dor crônica, e existem evidências suocientes de que fatores psicológicos não atuam como agentes causadores desse tipo de dor. Em contrapartida, existem fortes evidências de que fatores psicológicos podem inpuenciar a intensidade com que a dor é experienciada, as respostas à dor e o grau de interferência causado por ela.13,15,19 Diversas revisões sobre o papel de fatores psicossociais na dor crônica, em especial dores cervicais e lombalgias, têm descrito o papel desses fatores na precipitação de dores crônicas, na transição de dores agudas para dores crônicas e na incapacidade associada a dores crônicas.7-9 Atualmente, existem evidências de que cognições, humor e interações comportamentais/ambientais estão associadas a dores crônicas.7,10 Os fatores cognitivos incluem crenças relacionadas à dor, como autoeocácia, catastroozação, medo-evitação, estratégias de enfrentamento e aceitação.7,20 Os fatores afetivos e de humor incluem principalmente ansiedade, depressão e estresse.8,9 As interações comportamentais/ambientais incluem processos de aprendizagem, reforço e aspectos culturais. Outros estudos mais recentes têm investigado a relação entre dor crônica, incapacidade e condição proossional (p.ex., afastamento do trabalho) e concluem que aspectos afetivos (p.ex., depressão) e cognitivos (p.ex., satisfação, motivação e percepção do ambiente de trabalho), além de aspectos ambientais (p.ex., condições de trabalho), são determinantes mais importantes para o retorno ao trabalho do que aspectos clínicos (p.ex., intensidade da dor).21-25 A Figura 326 ilustra a contribuição de aspectos biológicos, cognitivos, afetivos e sociais no aumento da incapacidade e do sofrimento em pacientes acometidos por dores crônicas.
FIGURA 3
Perda de emprego, dificuldades financeiras e familiares
Uso prolongado de medicamentos
Falhas nos tratamentos
Visão geral de problemas causados pela dor.
Dor crônica
Crenças e pensamentos
Redução de atividades
Efeitos colaterais (constipação, letargia)
Sentimentos de desesperança, depressão, irritabilidade
Deterioração física (descondicionamento)
Sofrimento e incapacidade física
DOR 131
132
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
O modelo da Figura 3 permite vislumbrar as relações entre diversas dimensões existentes na vida das pessoas e as alterações decorrentes de um quadro de dor crônica, salientando que tanto aspectos biológicos quanto a realização de atividades físicas e o uso de medicação podem contribuir para a alteração de aspectos psicológicos, como crenças e afetos, os quais, por sua vez, interagem com aspectos orgânicos e sociais, como vida proossional, ambiente familiar, situação onanceira, entre outros. A interação entre esses aspectos contribuirá para um desfecho satisfatório desse quadro ou culminará com o desenvolvimento de incapacidade física e sofrimento mental em diferentes graus. Por exemplo, as crenças que um paciente com dor crônica tem sobre sua doença contribuíram para seu engajamento em atividades físicas, bem como para o uso de medicações. Alterações de humor (p.ex., depressão) podem interferir na disposição de uma pessoa para trabalhar, assim como em sua dinâmica familiar. Outro modelo que descreve claramente a participação de aspectos psicológicos na croniocação de um quadro doloroso é o modelo de medo-evitação (Figura 4).27 Proposto por Vlaeyen et al.27, o modelo descreve claramente a participação de aspectos psicológicos (crenças e afetos) no estabelecimento de comportamentos de evitação de dor e hipervigilância e a contribuição desses fatores no estabelecimento de um ciclo de desuso, que culmina com o aumento de descondicionamento e incapacidade física. Partindo desses pressupostos descritos nos quatro modelos previamente apresentados e nas evidências descritas na literatura, as intervenções mais efetivas sobre dores crônicas devem avaliar criteriosamente, e com base em evidências, a participação de aspectos psicossociais na incapacidade e depressão. INDICAÇÕES PARA O ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE PARA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA Para Tollison e Hinnant,28 embora uma avaliação psicológica seja requisitada quando os sintomas são mais graves do que o esperado por uma
FIGURA 4
Modelo medo-evitação.27
Medo relacionado à dor
Evitação Hipervigilância
Afetividade negativa Informação ameaçadora de doença
Catastrofização da dor
Evitação
Desuso Depressão Incapacidade
Confrontação
Experiência dolorosa
Lesão
Ausência de medo
Confrontação
Recuperação
DOR 133
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avaliação clínica, existem outras indicações melhores para sua solicitação. Uma avaliação psicológica é indicada quando: há incapacidade importante, a dor interfere signiocativamente na capacidade do paciente de realizar atividades rotineiras (p.ex., trabalho, lazer), quando existem sinais de estresse ou sofrimento excessivo (p.ex., depressão, estresse e ansiedade) e quando houver uso exagerado de medicação ou drogas, falhas enormes nos tratamentos, dioculdade de adesão ao tratamento ou suspeita de ganho secundário. A avaliação psicológica, entre outros objetivos mais especíocos, pretende estabelecer um diagnóstico dos fatores que contribuem para a incapacidade e o sofrimento associados à dor, auxiliar na tomada de decisões e estabelecimento de um plano de tratamento, avaliar mudanças ao longo do tratamento e predizer respostas a tratamentos.29 Partindo desses pressupostos, o foco da avaliação psicológica é identiocar aspectos que contribuem para incapacidade e sofrimento psíquico e oferecer subsídios para intervenções multidimensionais. INTERVENÇÕES MULTIDIMENSIONAIS Pressupondo que existem fatores que contribuem para comportamentos de dor (p.ex., usar medicação, mancar, gemer, incapacidade física), Bonica30 propôs, em 1947, um modelo de intervenção multidimensional para pacientes com dores crônicas. Esse modelo consistia em oferecer ao paciente um atendimento multiproossional sob o mesmo teto, facilitando, assim, a integração de serviços, visando a uma compreensão multidimensional do paciente que subsidiaria intervenções combinadas e em uma perspectiva interdisciplinar. Dada a aceitação do modelo multidimensional da dor e das evidências produzidas, a partir de meados da década de 1970, o conceito de clínicas de dor evoluiu e solidiocou-se, e começaram a ser realizados outros trabalhos pelo grupo de Seattle, no Canadá e na Inglaterra.
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Há cerca de duas décadas, existem evidências da efetividade de intervenções multidimensionais de orientação cognitivo-comportamental oferecidas a pacientes com dores crônicas a om de restabelecer sua capacidade funcional e reduzir seu sofrimento.31-33 Além disso, existem também evidências da maior eocácia de intervenções multidimensionais sobre as unimodais e de intervenções de orientação cognitivo-comportamental sobre as comportamentais, educativas, lista de espera e grupo-controle. Entretanto, no Brasil, salvo raras exceções, é mais comum que o paciente seja encaminhado apenas a um psicólogo, e poucas intervenções multidimensionais são realizadas. Cabe aqui ressaltar que o tratamento não necessariamente precisa ser apenas centrado na abordagem cognitivo-comportamental, porém é comum que outras abordagens não trabalhem os aspectos que contribuem para incapacidade e sofrimento e desviem seu foco para outros não tão relevantes (p.ex., aspectos inconscientes, etc.), o que pode ser pouco eocaz. INDICAÇÕES PARA A PSICOTERAPIA Conforme descrito anteriormente, é importante salientar que a reduzida resposta a uma intervenção médica, a frustração de um proossional de saúde com relação à evolução do tratamento de um paciente ou, ainda, pacientes de difícil manejo não são os principais critérios para o encaminhamento de um paciente ao psicólogo. Embora, de maneira geral, quase todos os pacientes com dor crônica possam se beneociar de uma intervenção psicológica em suas diversas modalidades (p.ex., aconselhamento, psicoterapia focal, de apoio ou psicoterapia individual ou em grupo), existem alguns critérios para o encaminhamento de um paciente ao psicólogo, descritos a seguir: Æ estresse (p.ex., perdas recentes, questões laborais), desgaste emocional importante (p.ex., irritabilidade excessiva) ou sintomas de ansiedade ou depressão associados ao quadro;
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Æ crenças ou pensamentos que contribuam para o aumento da incapacidade e do sofrimento (p.ex., pensamentos catastróocos, reduzida autoeocácia, reduzida aceitação); Æ incapacidade ou limitações físicas importantes nas atividades da vida diária; Æ realização de tratamentos anteriores sem sucesso; Æ dioculdade de engajamento em tratamentos médicos ou osioterapêuticos. OBJETIVOS DA PSICOTERAPIA Embora os objetivos da psicoterapia possam variar de acordo com a abordagem escolhida, os aspectos a serem trabalhados devem ser aqueles que a literatura identioca como mediadores/moderadores de incapacidade e sofrimento ou fatores mantenedores de dor e incapacidade, fato que nem sempre ocorre em tratamentos psicoterapêuticos ou multidimensionais. Por exemplo, não existem evidências de que fatores de personalidade tenham um papel importante na etiologia ou croniocação da dor, mas alguns psicoterapeutas insistem em abordar a etiologia da dor sob esse aspecto, o que não só é equivocado do ponto de vista de uma prática baseada em evidências, como também pouco eocaz na evolução clínica do paciente. Partindo desse pressuposto, entende-se que os objetivos de um processo psicoterapêutico devem, no mínimo, abordar e contemplar: Æ oferecimento de informações adequadas sobre fatores associados a dor, incapacidade e estados emocionais; Æ identiocação de crenças e sentimentos que contribuam para a incapacidade e o sofrimento; Æ redução da incapacidade física associada à dor crônica; Æ diminuição do desgaste emocional resultante dessa situação; Æ promoção do envolvimento do paciente em seu tratamento;
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Æ oferecimento de um diagnóstico ou de subsídios a outros proossionais (médicos e osioterapeutas) visando a contribuir para o tratamento do paciente; Æ melhora da qualidade de vida. ASPECTOS TRABALHADOS O tratamento cognitivo-comportamental da dor aborda aspectos psicoeducativos e visa a ensinar o paciente a enfrentar a dor, conscientizá-lo de que é possível diminuir sua intensidade e o sofrimento decorrente dela e trabalhar crenças e pensamentos que contribuam para a incapacidade física e o sofrimento.34 De forma geral, o conhecimento sobre aspectos biológicos da dor e emocionais, recursos individuais e participação de terceiros, bem como a identiocação de aspectos que colaboram para o aumento da intensidade da dor e o desenvolvimento de estratégias para lidar com ela e promover a mudança de pensamentos e comportamentos são as atitudes que devem ser tomadas no tratamento psicoterapêutico de pessoas com dor crônica. Partindo desses pressupostos, é importante fornecer informações ao paciente sobre aspectos biológicos da dor, principalmente no que se refere às crenças de que a dor é sempre sinal de perigo, de que o paciente deve evitar atividades para não sentir dor alguma e de que poderá fazer atividades se não tiver dor. Aspectos referentes a qualidade do sono, realização de atividades físicas adequadas e dieta também podem ser abordados. Também é importante trabalhar com o paciente a identiocação de aspectos que contribuam para o aumento e a redução da dor. A técnica do diário da dor é bastante útil para isso; consiste em pedir ao paciente que diariamente ou na frequência que for possível descreva como foi o seu dia ou período do dia, identiocando a intensidade de suas dores, as atividades que realizou e os pensamentos e sentimentos que teve durante esse período. O objetivo dessa técnica é identiocar fatores que contribuem
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para a exacerbação da dor (p.ex., realização de excesso de atividades, associação entre estados de ânimo e dor). Uma vez que o paciente identioque esses aspectos, é possível que minimize seu envolvimento em tarefas que lhe causam aumento da dor e lide com estados de ânimo que contribuam para sua percepção ou focalização (p.ex., depressão, estresse). A estimulação para que o paciente mantenha sua rede de relações e não se isole quando estiver com dor também é uma questão importante a ser trabalhada. Frequentemente, as pessoas evitam contatos sociais quando estão com dor. À medida que suas dores são frequentes, isso pode ocasionar redução de atividades sociais e isolamento (p.ex., é comum que a pessoa com dor queira ter atividades sociais apenas quando não tem dor), o que pode, em muitos casos, causar perda de prazer e depressão. O treinamento assertivo e o desenvolvimento de habilidades sociais é outro aspecto que deve ser trabalhado. Diversas pessoas têm dioculdade em identiocar seus sentimentos e necessidades e em expressá-los de forma adequada. No caso das pessoas que convivem com dores crônicas, isso é ainda mais comum. Promover essas habilidades contribui para que o paciente possa expressar de forma mais adequada suas emoções, necessidades e limitações, o que ajuda na redução de estresse e de estados de humor negativos, além de, de certa forma, poder contribuir indiretamente para a exacerbação da percepção da intensidade da dor. O trabalho com crenças e pensamentos disfuncionais é mais um dos pilares centrais da abordagem cognitivo-comportamental, e consiste em identiocar e analisar pensamentos que afetam o humor ou o estado físico do paciente.35 As crenças que mais parecem contribuir para a incapacidade e o sofrimento são aceitação, autoeocácia e pensamentos catastróocos. De certa forma, o trabalho com crenças disfuncionais implica analisar erros de interpretação da realidade ou falta de lógica no conteúdo e as interferências que essas crenças causam em comportamentos e emoções.36 Por exemplo, algumas pessoas que têm dores crônicas acredi-
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tam que encontrarão uma cura mágica para o seu problema ou um remédio que reverterá todo o quadro. Cabe, aqui, salientar que isso deve ser trabalhado quando todos os recursos terapêuticos estiverem esgotados. Pacientes que têm dioculdades em aceitar a cronicidade de seu quadro frustram-se buscando soluções inúteis para seus problemas, o que pode contribuir para a depressão.15 Pensamentos catastróocos também são crenças disfuncionais e consistem em imaginar o pior resultado ou desfecho diante de uma situação (p.ex., “Essa dor vai me matar” ou “Se eu me abaixar para pegar algo, minha coluna pode partir”). Frequentemente, esses pensamentos catastróocos contribuem para que o paciente evite diversas atividades em função de suas preocupações excessivas e/ou equivocadas, o que acaba por aumentar sua incapacidade e produzir estados afetivos negativos (p.ex., depressão). O conceito de autoeocácia foi desenvolvido por Bandura et al.37 no contexto da aprendizagem social e aplicado na compreensão da dor crônica com contribuições importantes. Segundo os autores, expectativas de autoeocácia determinam quanto esforço uma pessoa investirá e por quanto tempo persistirá na realização de uma tarefa mesmo na presença de obstáculos ou de experiências aversivas. No contexto da dor, autoeocácia é a crença sobre a habilidade de desempenhar com sucesso determinadas tarefas ou comportamentos para produzir um resultado desejável mesmo na presença da dor.36 Trabalhar a autoeocácia do paciente para ensiná-lo a realizar atividades mesmo com dor é fundamental e pode ser um dos enfoques centrais da psicoterapia.38 Por exemplo, em geral, a pessoa com dor acredita que para realizar qualquer atividade ela deve estar sem dor, o que para um grande número de pessoas é uma situação improvável. À medida que o paciente percebe e aprende que é possível realizar atividades com dor, sua autoeocácia aumenta e isso pode repercutir em diversas esferas de sua vida, minimizando a incapacidade física e o sofrimento.
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Outro aspecto importante a ser trabalhado consiste na gradação, ou pacing.26 Esse conceito implica ensinar ou trabalhar com o paciente para que ele faça suas atividades de forma gradual. Por exemplo, é comum a pessoa que vive com dor crônica fazer atividades em excesso quando está sem dor, o que pode levar a intensidade de suas dores a aumentar, ou evitar atividades quando está com dor. Esse círculo vicioso é danoso ao paciente e pode gerar crises novas. Técnicas de relaxamento26,35 e dessensibilização também são recursos terapêuticos importantes a serem ensinados ao paciente. As técnicas de relaxamento podem auxiliar o paciente a lidar com situações estressantes e a promover o relaxamento de músculos tensionados que também podem contribuir para o aumento da dor. Paradoxalmente, a técnica de dessensibilização consiste em ensinar ao cliente a focalizar sua dor sem atribuir valores ou associar pensamentos catastróocos a essa situação, o que pode contribuir para minimizar a ansiedade e o estresse. CONCLUSÃO O valor da psicoterapia no tratamento de pessoas com dor crônica é incontestável e isso tem sido frequentemente relatado na literatura e vivenciado na prática clínica. Médicos, osioterapeutas e outros proossionais de saúde que têm seus pacientes encaminhados a psicólogos percebem com bastante frequência os resultados de intervenções psicológicas. Os inúmeros aspectos psicológicos que podem contribuir para a incapacidade e o sofrimento descritos neste capítulo justiocam a realização de uma intervenção psicológica. As indicações para uma avaliação psicológica e para a realização de psicoterapia, os objetivos desse processo e os aspectos a serem trabalhados em uma intervenção psicoterapêutica dão uma ideia da complexidade dessas intervenções e dos resultados que podem ser obtidos. Nos últimos anos, a realização de tratamentos multidimensionais incluindo a abordagem de aspectos psicológicos tem aumentado. Contudo,
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essa prática é ainda reduzida no Brasil e em diversos países. Especialistas que tratam dor crônica devem incluir o tratamento psicológico não como um último recurso ou para tratar pacientes “complicados”, mas como um agente coadjuvante importante no tratamento das pessoas que convivem com dores crônicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Merskey H, Bogduk N. Classiocation of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and deonitions of pain terms. 2.ed. Pain IAftSo (ed.). Seattle: IASP Press, 1994. 2. Von Korff M, Dworkin SF, Le Resche L. Graded chronic pain status: an epidemiologic evaluation. Pain 1990; 40:279-91. 3. Blyth FM, March LM, Nicholas MK, Cousins MJ. Self-management of chronic pain: a population-based study. Pain 2005; 113:285-92. 4. Gureje O, Von Korff M, Simon GE, Gater R. Persistent pain and well-being: a World Health Organization study in primary care system. JAMA 1998; 280(2):147-51. 5. Harstall C, Ospina M. How prevalent is chronic pain? Pain Clinical Updates 2003; XI(2):1-4. 6. Pimenta CAM. Dor – companhia indesejável. Revista da Fapesp 2001; 65(6). 7.
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PSIQUIATRIA E DOR Vanessa de Albuquerque Citero Ana Luiza Lourenço Simões Camargo
INTRODUÇÃO A dor é compreendida como uma experiência cognitiva, psicológica e sensorial integrada, o que exige a utilização de modalidades terapêuticas combinadas. Estratégias psicológicas para o tratamento da dor são cada vez mais utilizadas, provando sua efetividade, e compreendem programas psicoeducativos, terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia, incluindo terapia de grupo, biofeedback, hipnose, exercícios de relaxamento e técnicas de distração do fenômeno da dor.1 Mas que pacientes devem receber tratamento psicológico para a dor? Todos? Aqueles cujo tratamento biológico falhou? Ou aqueles que parecem ser psiquiatricamente prejudicados? Este capítulo propõe-se a discutir os aspectos psíquicos relacionados à dor do paciente. Para isso, serão abordados os seguintes pontos teóricos: Æ modelo compreensivo da dor; Æ comorbidade psiquiátrica em pacientes com dor; Æ dor psicogênica.
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MODELO COMPREENSIVO DA DOR Dor tem sido deonida como “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada à lesão tecidual presente ou potencial”.2 Essa deonição possibilita compreender que a relação entre lesão tecidual e dor não é uniforme ou previsível. Por isso, a dor descrita por um paciente pode ser avaliada como apropriada, menor do que o esperado ou excessiva para o grau de patologia orgânica aparente. Essa subjetividade da percepção da dor é explicada pela diferença conceitual existente entre os termos nocicepção (atividade produzida no sistema nervoso pelo estímulo potencialmente lesivo ao tecido) e dor (percepção da nocicepção); porém, do ponto de vista clínico, confere um caráter único da dor para qualquer indivíduo, independentemente da presença ou não de comorbidade psiquiátrica. Outro aspecto fundamental é compreender que a dor não nociceptiva, também chamada popularmente de “dor psicológica”, não é factícia ou simulatória. Vários modelos compreensivos da dor têm sido desenvolvidos,3,4 mas, sem dúvida, é o modelo biopsicossocial (Figura 1) que melhor explica o fenômeno da dor,5 com base nos pressupostos delimitados por George Engel em 1977.6 Nesse modelo, a natureza e a persistência da dor decorrem da ação interligada e dinâmica de fatores biológicos, psicológicos e sociais, colocando todos no mesmo nível de importância. Nos tópicos seguintes, serão abordados alguns aspectos importantes para a compreensão das variáveis psicológicas e psiquiátricas da dor. COMORBIDADE PSIQUIÁTRICA EM PACIENTES COM DOR Em uma das melhores revisões sobre dor e comorbidades psiquiátricas,7 oca evidente a discrepância do cálculo da prevalência dos quadros psiquiátricos nessa população. A revisão aponta que o transtorno depressivo maior é identiocado em 1,5 a 55% dos pacientes com dor, sendo que a maioria dos artigos aponta 33% como taxa de prevalência. Por sua vez, os transtornos afetivos (incluindo todos os tipos) podem variar de 10 a 100%; dependência
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Variáveis biológicas t Gênero, idade t Características genéticas t Complicações médicas t Tratamento farmacológico
Variáveis psicológicas e psiquiátricas t Transtorno psiquiátrico t Estratégias de enfrentamento t Estresse t Qualidade de vida
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Variáveis sociais t Suporte social t Interações sociais negativas t Moradia t Acessibilidade FIGURA 1
Modelo biopsicossocial da dor.
de álcool e outras drogas, 0,3 a 97%; e transtorno ansioso, em 7 a 63% dos pacientes. Os transtornos de personalidade também são prevalentes em pacientes com dor, principalmente os tipos histriônico (4 a 30% de prevalência) e dependente (1 a 25%). O fato é que a presença de comorbidade psiquiátrica complica a avaliação e o tratamento da dor do paciente. Depressão e ansiedade são altamente prevalentes em dor crônica,8,9 sendo conhecidos seus efeitos no agravamento da dor e na maior intensidade subjetiva da dor aguda.10 Afetam a capacidade funcional do paciente crônico11 e aumentam a utilização de serviços de saúde.12 Outro problema é o consumo abusivo de álcool por pacientes com dor crônica, problema que se associa a maior nível de dor, incapacidade física e
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pior qualidade de vida,13 assim como maior utilização de serviços14 e baixa adesão ao tratamento médico,15 quando comparados a pacientes na mesma condição que não consomem álcool de forma abusiva. Do ponto de vista da medicina psicossomática, a comorbidade entre as doenças psiquiátricas e a dor deve ser pensada sob critérios amplos, sendo cinco as possibilidades de entendimento da coexistência dessas condições clínicas:16 1. Apresentação psiquiátrica de doença clínica: por exemplo, o idoso com quadro demencial grave que apresenta humor depressivo e irritabilidade como sinais de dor. Nesse caso, a percepção de sintomas depressivos muitas vezes precede o reconhecimento do quadro álgico. 2. Apresentação clínica de problema psiquiátrico: é o que ocorre com pacientes que não conseguem nomear percepções subjetivas como tristeza e angústia, caracterizando essas sensações como dores físicas (dor de estômago, dor no peito, etc.). 3. Comorbidade médica e psiquiátrica: nesta situação, os fenômenos físicos e psíquicos apenas coexistem, sem relação íntima entre eles (p.ex., paciente com quadro de cefaleia e depressão). 4. Complicações psiquiátricas de doença ou tratamento clínico: pacientes sob o uso de medicações, como derivados opioides, que apresentam humor depressivo após o início da medicação. 5. Resposta psicológica à condição médica: situações nas quais o paciente apresenta dioculdade em se adaptar à condição médica (p.ex., paciente com dores lombares que recebe o diagnóstico de neoplasia e reage nas primeiras semanas com humor depressivo, menos valia e desânimo).
Abuso e dependência de opioide A prevalência de abuso de substâncias na população com dor crônica é maior do que na população geral,17 em parte pelo abuso de opioides, que
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pode chegar à prevalência de 25% em pacientes com dor crônica não oncológica.18 Excluindo o abuso e avaliando apenas a dependência do opioide, a prevalência é de 13%.19 Considera-se abuso de opioide quando o paciente perde o controle sobre o uso da medicação, com uma preocupação excessiva com a dor mesmo que esteja sob analgesia, sem pensar nas consequências adversas.20 Dependência física e tolerância ao opioide constituem fenômeno osiológico normal no paciente que necessita do seu uso para controlar a dor – para se fazer um diagnóstico de transtorno aditivo a substância, é necessária a presença de comportamento mal adaptativo. Sem dúvida, o principal preditor para abuso de opioide é ter antecedente psiquiátrico pessoal de abuso ou dependência de outra substância psicoativa.7 No entanto, não é hábito o médico questionar esse antecedente ao paciente, sendo percebida essa correlação apenas depois o abuso tem início. Pacientes com alto risco de adição devem ser abordados, antes da prescrição contínua do opioide, com um contrato verbal que estabeleça os limites para o uso da medicação, enfatizando que um único médico (ou centro) ocará responsável pela prescrição, que situações serão consideradas inapropriadas se o paciente usar o opioide e a possibilidade de descontinuação da substância se houver abuso. Dessa forma, além de estabelecer os limites, o contrato contribui para a melhor adesão terapêutica.21
Depressão Sintomas dolorosos são comuns em pacientes com depressão maior, seja como sintoma da depressão (prevalência de 60%), seja como evento estressor que a antecede (prevalência de 12% se paciente relata três ou mais focos de dor).21 Os sintomas depressivos também aumentam à medida que a intensidade da dor aumenta,22 mostrando uma ligação estreita entre esses fenômenos, não apenas pelo impacto psicológico, mas também pela ação neurobiológica que se sobrepõe.
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Além da depressão, como síndrome psiquiátrica, outros fenômenos como o afeto negativo e o pensamento negativo devem ser considerados no paciente com dor. O afeto negativo é basicamente o componente cognitivo e comportamental da depressão, ou seja, junto dos sintomas somáticos, constitui a síndrome depressiva como um todo, que pode ser entendida como tristeza, falta de vitalidade, atitude depreciativa, etc. O pensamento negativo, por sua vez, é uma estratégia de enfrentamento do conpito (viver com dor) estruturada cognitiva e independentemente da depressão. Em outras palavras, o pensamento negativo representa mais o jeito de ser do indivíduo, e não apenas um momento depressivo. As principais estratégias do pensamento negativo, para lidar com a dor, são o pensamento catastróoco, a raiva e o medo. São estratégias mal adaptativas que resultam em aumento da intensidade da dor. O pensamento catastróoco, em particular, piora a relação do paciente com seu tratamento, e tende a ser alto em pacientes crônicos, aumentando também a intensidade da dor crônica.23 Esse tipo de pensamento amplioca a dor percebida, além de trazer sentimentos de desesperança e ruminação da sensação de dor. DOR PSICOGÊNICA A dor psicogênica é considerada geralmente um possível diagnóstico diferencial, quando a dor relatada pelo paciente não é reconhecida como pertinente ao estímulo nociceptivo. A inferência da causalidade da dor é o coração do dilema para o clínico, que deve encontrar uma explicação razoável para a dor não osiológica.24 Portanto, não há critério claramente deonido para o diagnóstico de dor psicogênica, mas, sim, a exclusão de critérios. Se a investigação clínica não distingue uma fonte plausível de nocicepção, a alternativa óbvia é que a dor referida é decorrente de alteração do humor, personalidade ou motivação afetiva. Em outras palavras, na falta de sinais clínicos e exames subsidiários suocientes para o diagnóstico, o médico necessita utilizar sua experiência clínica para
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avaliar a dor do paciente, mesmo que não esteja familiarizado com as características de quadros somatoformes e conversivos. No entanto, essa visão dualista e cartesiana de que a causa da dor é física ou psicológica exclui a terceira possibilidade, provavelmente a mais prevalente, de que a dor sempre é física e psíquica. O diagnóstico de dor psicogênica requer que o médico identioque a presença de um signiocado psicológico relacionado à dor, o que pode parecer especulativo para a maioria dos médicos não psiquiatras. Entretanto, os domínios da osiologia e da psicologia são claramente interligados quando se fala de dor em geral. A atual deonição de dor requer a inclusão dos aspectos afetivo, cognitivo e comportamental na transmissão da dor neurossensorial. É importante lembrar que a percepção de dor ocorre por mecanismos de neuroplasticidade, sensibilidade e modulação, os quais independem da lesão tecidual, e que os mecanismos centrais e periféricos envolvidos nessa percepção são dinâmicos e interativos.25 Uma vez que as células nervosas se modularam e se sensibilizaram ao estímulo doloroso, o fenômeno da neuroplasticidade contribui para que a memória celular esteja ativada e determine a ativação da percepção nociceptiva, mesmo sem estímulo. Consequentemente, os pacientes mais sensíveis à dor aguda serão potencialmente mais propensos à dor crônica, em decorrência da excitação central, não requerendo um estímulo nociceptivo periférico persistente. A neuroplasticidade torna necessário investigar a desregulação do sistema nervoso central (SNC) como etiologia das síndromes dolorosas intratáveis, como a obromialgia, e processos psicológicos governados por centros cerebrais (estresse, depressão, etc.) estarão conectados à modulação de dor, funcionando como estímulos nocivos, desagradáveis e aversivos. Na tentativa de explicar o fenômeno psicológico por trás da dor, três modelos psicogênicos da dor crônica têm sido discutidos:1 1. A dor como manifestação de conversão psicológica (modelo psicodinâmico): a conexão afeto-dor no processo de desenvolvimento psíqui-
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co da criança é o fundamento para o uso de estratégias de enfrentamento não adaptativas e da presença de dor no adulto sob situações de estresse. No entanto, não há comprovação cientíoca suociente de que experiências da infância, traços de personalidade e mecanismos de defesa causem mecanismos dolorosos. 2. A dor como sintoma depressivo (modelo variante de depressão): neste caso, considera-se a depressão como fator de intensiocação da dor e ressalta-se o fato de que os antidepressivos melhoram as dores. A comorbidade entre depressão e dor é conhecida, porém os estudos mostram o quanto a depressão amplioca a percepção de dor, mas não que cause dor. 3. A dor como produto de mecanismo de reforço (modelo operacional): a dor é sempre comunicada via comportamento, e a frequência e a intensidade do comportamento doloroso são suscetíveis à inpuência ambiental. Os reforços ambientais, positivos e negativos, de ordem comportamental e cognitiva, inpuenciam no surgimento e na manutenção do quadro álgico. Embora a teoria ainda seja falha em termos de comprovação cientíoca, as modalidades terapêuticas propostas têm trazido resultados satisfatórios. CASO CLÍNICO Ana tem 70 anos de idade, é viúva, professora aposentada e há sete anos foi submetida a uma mastectomia radical direita, com linfonodos negativos. Não precisou realizar quimioterapia nem radioterapia, mas evoluiu com dor neuropática. A paciente foi encaminhada para o atendimento psiquiátrico por seu geriatra, que realiza o tratamento antiálgico da paciente. Ela conta que teve três episódios de dor neuropática nos últimos dois anos e meio, cada um com duração de quatro meses e com intervalo entre eles de dez meses, de forma que a cada dez meses ela vivia quatro meses com dor intensa e seis meses com dor leve – mas sempre com dor. Os episódios de dor neuropática são caracterizados pela paciente como graves, com dor incapacitante (entre 7 e 9 em uma escala de 10
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pontos). A dor sempre começa sob o seio esquerdo e se estende pelo peito até a escápula do mesmo lado. Descreve a dor como de qualidade variável (queimação, pontada, pressão). A paciente refere, ainda, que esse não é seu único problema. Contou uma série de perdas que teve nos últimos quatro anos – o marido, dois amigos, o irmão caçula e sua irmã mais velha faleceram. Sua irmã foi a última a falecer, há dez meses, quando a paciente estava há três meses com dor intensa. Iniciou quadro de tristeza e pensamentos suicidas que, após um mês, culminaram em uma tentativa de suicídio com repercussões clínicas graves, pela ingesta intencional de medicamentos. Nessa época, começou tratamento para a depressão, tomando paroxetina na dose de 20 mg, por dois meses, mas abandonou o tratamento por considerar que estava bem. No momento da entrevista, a paciente para, pensa e diz: “Se me lembro bem, sempre oco deprimida depois de duas ou quatro semanas de dor. Nesse último episódio, foi grave, mas nos outros também oquei muito triste e desanimada”. Durante a consulta, o psiquiatra observa que a paciente aparenta ter quinze anos a menos do que realmente tem, é enérgica, educada e inteligente. No entanto, apresentava angústia e parecia estar com dor. Ela classiocou a dor no momento como 3, mas referiu que dois dias atrás era 7 a 9, tendo ocado acamada. A paciente trazia também um diário de dor, com cada medicamento e dose administrada, o que ela gostava de manter porque a lembrava de que havia dias bons entre os dias de dor. Apesar de aposentada, quando se sentia bem ela trabalhava de 5 a 40 horas por semana como voluntária em pesquisa para alunos recém-graduados. Também gostava de ir a teatros, cinemas e museus, sempre com amigos. Atualmente, com a dor voltando a se intensiocar e com a solidão que sentia, tornava a pensar em suicídio, mas temia ocar em estado vegetativo em vez de morrer. Dizia não poder suportar mais a dor e que não tinha mais disposição para fazer nenhum tratamento. Fazia uso de amitriptilina na dose de 25 mg toda noite há quatro anos e, na crise, usava opioide prescrito por seu médico.
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Discussão A paciente não apresentava quadro psiquiátrico pregresso à dor, o que excluiu a possibilidade de ser um quadro primário. Possivelmente, trata-se de depressão coexistente à dor ou decorrente dela. De fato, ambas as possibilidades se completam, pois a paciente apresentava sintomas depressivos durante episódios dolorosos, mas sempre associados a algum evento traumático de perda em sua vida. Nas entrevistas subsequentes, ocou evidente o quanto ela vivia as crises dolorosas também como uma perda. Gerava uma sensação de luto ocar submetida à experiência de dor: diminuição da autonomia, diminuição do desejo de executar qualquer tarefa, insônia intermitente, isolamento social. Nesses momentos, a paciente questionava o porquê de continuar a viver, mas ao mesmo tempo reconhecia que se sentia útil com a atividade olantrópica que desenvolvia, sentia que tinha o que oferecer. A paciente não apresentava nenhum comportamento que sugerisse abuso do opioide, mas, durante o auge da dor e dos sintomas depressivos, não via saída, não acreditava que qualquer remédio pudesse ajudar. Essa desesperança com o tratamento era marcante, e o ponto principal do atendimento psiquiátrico consistiu no tratamento da depressão (adequação da dose antidepressiva) e no manejo da vivência catastróoca da paciente diante da dor e das perdas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Todos os pacientes com dor, principalmente dor crônica, devem ter aspectos psíquicos investigados. A comorbidade psiquiátrica é alta, tendo maior inpuência a alta taxa de prevalência da depressão, que interfere na magnitude da dor. A dor psicogênica deve ser considerada não apenas na ausência de fenômenos físicos que justioquem a dor, mas sempre que um paciente com dor crônica refere mudanças em sua vida em função dela.
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9 PSICOTERAPIA EM PACIENTES COM DOR Ana Merzel Kernkraut Fernanda Rocha de Freitas Vidal Thiago Amaro Machado
INTRODUÇÃO A dor é um sintoma complexo que pode começar com trauma físico, doença ou outras circunstâncias e que acomete pessoas de diferentes faixas etárias e econômicas, sendo mantida por uma combinação de fatores osiológicos, neurológicos e psicológicos. A forma pela qual a pessoa sente dor pode ser interpretada de maneira bem variada e particular, dependendo das reações orgânicas e psicológicas individuais. Elas são provocadas por determinado estímulo e interpretadas pelo organismo e, como resposta, sente-se dor. Assim, enfatiza-se a individualidade da sensação por conta das diferentes circunstâncias e momentos de vida de cada um.1 Fatores psicológicos apresentam destaque nos mecanismos de percepção da dor, já que os aspectos emocionais e afetivos desencadeiam um impacto signiocativo nessa experiência. Aonal, as emoções do paciente, como insegurança, ansiedade e medo diante da sintomatologia dolorosa, são representadas e potencializadas na experiência e no contexto psicológico no qual a dor é experimentada.2
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Portanto, torna-se cada vez mais aceito que, na avaliação e no tratamento eocaz para a dor, a abordagem deve ser multifatorial, englobando o físico e os aspectos psicológicos. PONTOS MAIS IMPORTANTES Æ Repexão sobre os aspectos psicológicos da dor; Æ compreensão sobre pontos a serem abordados em uma avaliação psicológica; Æ elucidação sobre as formas de cuidado psicológico do paciente com dor.
Aspectos psicológicos da dor A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) deone dor como uma experiência desagradável, sensitiva e emocional, associada a uma lesão real, potencial ou descrita em termos de tais danos.3 Entre as diferentes dimensões da dor e sua inter-relação (osiológica, emocional, cognitivo-linguística), pode-se exempliocar uma rede de relações causais entre os elementos como um fenômeno multidimensional.4 As evidências da multidimensionalidade são: Æ inpuência dos pensamentos e das emoções sobre as respostas osiológicas, como tônus muscular, puxo sanguíneo, níveis de substâncias na corrente sanguínea e cérebro; Æ inpuência da valorização da dor na qualidade emocional do evento doloroso; Æ referência de como a dor é manifestada em diferentes culturas; Æ subjetividade na percepção do limiar de dor; Æ inter-relação dos neurotransmissores nos processos dolorosos; Æ possibilidade de diferentes estados emocionais, como ansiedade, depressão, raiva e outros, provocarem alterações viscerais, autonômicas e mioesqueléticas.3
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Dessa forma, a manifestação é individualizada e demonstra que a relação do paciente com sua própria dor depende de diversas características e situações, além de inpuenciar a doença apresentada. A dor também pode ser expressão de um conpito interior, que, de forma consciente ou não, deixa o sujeito angustiado.1 Na instalação das dores (crônicas ou agudas) pode haver associação entre depressão e ansiedade ou entre outros comportamentos negativos, diocultando a realização de atividades diárias e podendo alterar o estado de humor ou diocultar as relações sociais e proossionais. Assim, quando sintomas de dor não são diagnosticados de maneira adequada, podem prejudicar o controle do quadro doloroso.5 Nesse contexto, a psicologia tem desenvolvido e aplicado técnicas e métodos para avaliação, auxiliando no diagnóstico e no encaminhamento para o tratamento mais eocaz.3 A ansiedade relacionada à dor é intrinsecamente ligada a diferentes tipos de angústias que repercutem no paciente, como a falta de conhecimento da causa do problema, a falta de capacidade de resolução, o temor de uma doença mais grave ou a possibilidade de o sofrimento não ter cura. Em alguns casos, a mera catarse do problema repete-se na diminuição da queixa dolorosa, pois o acometimento doloroso pode ser determinado por necessidades psicológicas subjetivas.1 A manifestação da dor pode demonstrar um adoecimento psíquico com sintoma psicossomático, ou seja, é uma resposta a conpitos internos vivenciados como ameaçadores ao funcionamento emocional. Tais alterações destinam-se a proteger o aparelho psíquico, mas são vivenciadas como queixas dolorosas que simbolizam os conpitos.6 Como todo sintoma orgânico, a dor também é uma forma de expressar sofrimento, pedir ajuda e atenuar a angústia interior.7 É comum constatar a relação entre sintomas de dor e históricos de relações conpituosas e angustiantes na infância. As alterações osiológicas relacionadas à dor podem advir de conpitos e frustrações que condensam nela uma estraté-
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gia de fuga e esquiva para enfrentar, remover ou amenizar as fontes de estresse emocional.4 Contudo, mesmo que os fatores etiológicos sejam parcial ou totalmente de causa psicológica, não signioca que a dor não seja real. Ela será sentida em todos os aspectos da vida do indivíduo, tornando-se, possivelmente, um foco preponderante, causando um desequilíbrio interpessoal e social, entre outros.1 Pessoas acometidas pela sensação de dor crônica podem ser consideradas “um problema” para aqueles que estão em seu círculo de convivência. Esse quadro pode ocasionar dioculdades de convívio e exclusão social ou mesmo tratamento diferenciado diante do “doente”, que acaba recebendo benefícios especiais em função do rótulo. É comum haver diversas tentativas de adaptação por parte desses pacientes, o que pode acarretar mudanças permanentes em suas vidas. Muitas vezes frustradas, as mudanças repercutem em mais estresse e, consequentemente, mais sintomas álgicos.4 As repercussões emocionais relacionadas à dor interferem ou colaboram para sua continuidade. Dessa forma, é fundamental haver um encaminhamento para avaliações psicológicas com o objetivo de diagnosticar os aspectos emocionais envolvidos e intervir de forma efetiva.3
Avaliação psicológica A dor é deonida em dois tipos: aguda, que geralmente permanece por pouco tempo, e crônica, que é caracterizada após seis meses de duração contínua. A dor aguda funciona no organismo como uma defesa, assumindo papel óbvio e fundamental para a sobrevivência humana, alertando ameaça de dano aos tecidos (lesão real ou potencial). Senti-la é fundamental para manter a integridade do organismo e ela permanece enquanto durar o agente agressor.1 Essa manifestação está mais associada a acidentes e internação hospitalar com intervenção cirúrgica, e sua repercussão emocional aparece principalmente em pacientes com transtornos emocionais ou doenças psíquicas com baixa tolerância à dor.
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A dor crônica, por sua vez, não tem relação tão direta com a sobrevivência, porém pode causar danos psicológicos mais severos; aonal, sua etiologia pode ser prolongada por meses ou até anos e sua intensidade e frequência geram desconforto físico e psicológico, como irritabilidade, insônia, depressão, preocupação, estresse, desinteresse pelas atividades diárias e diversas alterações psicológicas, em função das limitações e dioculdades que impedem o portador de desenvolver suas atividades cotidianas e suas relações sociais. Ainda hoje, as doenças ou síndromes que são diagnosticadas como lombalgias, cervicobraquialgias e mialgias não possuem anormalidades orgânicas signiocativas.8 Algumas outras patologias que podem ser consideradas crônicas, como cefaleia, hérnia de disco lombar, reumatismo e outras, também apresentam perol psicológico desadaptativo.1 Os aspectos psicológicos apresentados nos quadros dolorosos (de dor tanto aguda quanto crônica) estão relacionados com o aparecimento e/ou a manutenção de transtornos comportamentais e mentais e devem ser investigados e elucidados para melhor conduta terapêutica. Assim, a avaliação psicológica pode ajudar no diagnóstico dos aspectos psicológicos associados à dor, direcionando o proossional da saúde para as melhores intervenção, manejo e tratamento.3 Na avaliação de síndromes dolorosas, o objetivo é obter um diagnóstico que permita compreender a multidimensionalidade desse fenômeno, visando a identiocar a presença de aspectos emocionais, comportamentais, socioculturais e ambientais que possam estar contribuindo para a instalação ou manifestação do sintoma. A interpretação e avaliação do estímulo da dor é uma experiência estritamente subjetiva. Dessa forma, a sensação da dor pode ser alterada por percepções pessoais como medo, raiva, ansiedade, depressão, aprendizagem, experiências anteriores, crenças, atitudes, conhecimento, somatização, signiocado simbólico da dor e possíveis ganhos secundários de ordem econômica, social e afetiva, assim como dinâmicas familiares
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e estratégias de enfrentamento.1 Avaliar é uma tarefa árdua e complexa, já que a percepção da dor envolve muitos aspectos. Ao término da avaliação, é fornecida uma devolutiva dos resultados ao paciente e encaminhado um parecer ao médico solicitante, junto com uma recomendação de tratamento.3 Para essa avaliação, são usados diferentes métodos e técnicas: testes, inventários, entrevistas, observações diretas, diários, técnicas projetivas e questionários que buscam diferenciar, avaliar e quantiocar os comportamentos do paciente. Os resultados devem ajudar no entendimento e no planejamento de estratégias de intervenção, prevenção e tratamento, propiciando a compreensão do fenômeno como um todo.8 Para um diagnóstico odedigno, a avaliação deve ser sistemática, continuada e documentada, com o total entendimento da etiologia e intensidade da dor. Assim, os instrumentos padronizados de avaliação possibilitam objetivar a subjetividade da dor, contribuindo para o tratamento.1 Na avaliação, deve-se mensurar a dor investigando a forma como ela interfere na vida cotidiana, juntamente com seus recursos de enfrentamento e o modo como seu estado emocional contribui para o aumento de sua percepção.9 Assim, é importante investigar os comportamentos esperados na crise álgica, como irritação, expressão facial, choro, isolamento, distúrbio do sono, inapetência, diminuição da atenção e do lazer e, entre estes, quais estão presentes ou ausentes.1 Como esses comportamentos são medidos de forma observacional, deve-se atentar às respostas comportamentais de dor, vocalização no choro ou gemido, expressão facial de contração muscular e movimento corporal como postura de proteção. Essa técnica inclui a utilização de formas proossionais de observação direta, objetiva e sistemática do comportamento observável do sujeito, com amostragem baseada no tempo e nos tipos de estímulos dolorosos.10 Tais comportamentos devem ser investigados de forma cuidadosa, pois podem se manifestar na presença e na ausência da síndrome dolorosa, podendo ser erronea-
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mente confundidos com simulação ou com transtornos factícios, já que ambos têm como consequência obter algum tipo de ganho. Na simulação, os sintomas somáticos têm como objetivo eximir-se de responsabilidades ou fugir de situações adversas mediante a obtenção de vantagens como a atenção de familiares, amigos e outros. Nos transtornos factícios, os sinais e sintomas são focados no físico, buscando-se obter uma condição de doente, cujos objetivos podem ser a atenção das pessoas, a aposentadoria precoce, a indenização onanceira, entre outros. Quando os comportamentos indicam a ocorrência de dor (excluem-se os transtornos factícios e a simulação), é preciso uma medida terapêutica para reduzir ou acabar com o sintoma físico e psicológico doloroso que a dor provoca.3 Para a medição dos parâmetros biológicos, são utilizados instrumentos de mensuração dos sinais vitais, como temperatura, circulação, respiração, eliminação intestinal e urinária, nutrição, entre outros.1 A avaliação do autorrelato, por sua vez, necessita de descrições detalhadas das características da dor e da interferência desta na vida diária do indivíduo. Esse procedimento inclui entrevistas, diários e escalas e é indicado para pacientes com capacidade adequada de expressão e facilidade de compreensão verbal.10 Os instrumentos de avaliação como testes, inventários e questionários são criados não só para dimensionar a dor, mas também para avaliar o êxito das terapias propostas. Também devem avaliar a utilidade dos tratamentos e medicações, bem como a intensidade e o impacto da dor nas atividades da vida diária e no bem-estar geral, incluindo as patologias associadas, entre as quais estão a depressão, as crises de ansiedade, o vegetatismo, o distúrbio do sono, a anorexia, a diminuição da libido, a constipação, a preocupação somática e a mudança de personalidade.1 Toda metodologia de avaliação de dor é baseada principalmente no uso de instrumentos de avaliação psicológicos no autorrelato, na observação dos comportamentos de dor e em medidas das respostas biológi-
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cas. Avaliar a dor é uma tarefa difícil de ser realizada tanto por causa de seu caráter multidimensional quanto pelos poucos instrumentos validados para os múltiplos aspectos que a dor compreende.1 Os métodos e as técnicas para avaliação da dor apresentam vantagens e limitações. É importante usar uma combinação de instrumentos que inclua mais de um tipo de medida, garantindo, assim, um diagnóstico mais preciso para melhor direcionamento do tratamento subsequente.3
Tratamento psicológico O tratamento psicológico no cuidado ao paciente com dor é descrito na literatura sob o olhar de diversas linhas teóricas, como terapia cognitivo-comportamental (TCC), psicanálise, psicologia analítica, psicodrama e diferentes técnicas, como as grupais, individuais, de relaxamento, comportamentais, entre outras. Embora a TCC seja bastante estudada, não há evidências de maior eocácia de uma forma de tratamento sobre outra, devendo-se avaliar qual técnica tem melhor adaptação à personalidade do paciente. Há, no entanto, um consenso de que, baseado no caráter individual e multifatorial da dor, o tratamento psicológico deve seguir uma abordagem especializada, subjetiva e multidisciplinar, focada nos aspectos biopsicossociais, buscando-se a integração desses aspectos, e não a segmentação entre os aspectos físicos e psicológicos.11 Para que o paciente possa obter auxílio no enfrentamento da dor, é necessário, em primeiro lugar, que haja um vínculo de conoança com o terapeuta. Esse vínculo vai se tornando possível à medida que o paciente fala a partir de sua perspectiva sobre seu sofrimento e a maneira como conta sua história. A qualidade dos vínculos terapêuticos também é baseada nos aspectos subjetivos e de personalidade do paciente e tem grande inpuência na maneira como será o seguimento do tratamento.12 A relação de conoança do paciente com o terapeuta é de grande auxílio na adesão ao tratamento, muito embora a adesão também deva ser compreendida como uma postura que é construída ao longo do desenvolvi-
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mento individual e que, também por isso, é bastante inpuenciada pelos recursos apresentados pelo paciente.13 O entendimento do signiocado que aquele paciente dá à dor e à forma como ela é inserida em sua vida e em suas relações interpessoais é um ponto fundamental no tratamento psicológico, que deve contar com a participação ativa do paciente. O controle da ansiedade e as de técnicas de manejo da dor, que também podem envolver exercícios corporais e de respiração, são desenvolvidas e adaptadas às individualidades do paciente.12 O objetivo é que o paciente possa ressigniocar a experiência de dor e aprender o senso de controle sobre seus efeitos, podendo, assim, conviver com ela da melhor forma possível, minimizando seus efeitos prejudiciais à vida. O cuidado sobre o medo de sentir dor e outras vivências emocionais que antecipam o sofrimento são sempre integrados ao tratamento da dor crônica.5 O tratamento psicológico para o paciente com dor também deve levar em consideração as comorbidades apresentadas e detectadas na avaliação ou mesmo durante o tratamento. Depressão, ansiedade e o possível abuso de bebidas alcoólicas e medicamentos para alívio da dor também são aspectos integrantes do fenômeno. O cuidado das comorbidades tem inpuência direta no alívio da dor e na maneira como o paciente convive com ela. É importante ressaltar que o tratamento pode ser ampliado ao suporte familiar, aos cuidadores e à equipe de saúde, que, como já foi dito, acabam sendo afetados diretamente pelo sofrimento do paciente. O cuidado dessas pessoas também auxilia o paciente.11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Fica claro que toda sensação de dor crônica ou aguda, com causa conhecida ou não, possui relação com componentes psicológicos e é inpuenciada por fatores socioculturais, ambientais, biológicos e emocionais, com forte impacto negativo no bem-estar geral e especíoco de qualquer pessoa.
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Para tratar a dor, é importante uma equipe multiproossional qualiocada e integrada que realize uma avaliação precisa de cada paciente usando todos os métodos e técnicas para o diagnóstico, contendo as questões pertinentes que inpuenciam o quadro álgico. No tratamento, é importante encontrar e usar as melhores técnicas psicoterápicas, avaliando qual delas terá melhor adaptação à personalidade do paciente e, consequentemente, o melhor efeito de controle ou extinção da queixa dolorosa. É importante salientar que ainda são necessários maiores estudos sobre a etiologia e a causa da dor, com aprimoramento de todas as fases do tratamento para a obtenção de uma avaliação odedigna que se repita em diagnóstico preciso, encaminhamento mais efetivo e, por onal, melhor técnica terapêutica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Bastos DF et al. Dor. Rev SBPH 2007; 10(1):86-96. 2. Siviero M, Nhania VT, Prado EFGB. Análise da ansiedade como fator preditor de dor aguda empacientes submetidos a exodontias ambulatoriais. Rev Odontol UNESP 2008; 37(4). 3. Cruz RM, Sardá Jr. JJ. Diagnóstico de aspectos emocionais associados à lombalgia e à lombociática. Aval Psicol 2003; 2(1). 4. Vandenberghe L, Ferro CLB. Terapia de grupo embasada em psicoterapia analítica funcional como abordagem terapêutica para dor crônica: possibilidades e perspectivas. Psicol Teor Prat 2005; 7(1). 5. Pimenta CAM, Koizumi MS, Teixeira MJ. Dor crônica e depressão: estudo em 92 doentes. Rev Esc Enferm USP 2000; 34(1). 6. Souza LPM, Forgione MCR, Alves VLR. Técnicas de relaxamento no contexto da psicoterapia de pacientes com queixas de dor crônica e obromialgia – uma proposta. Acta Fisiátrica 2000; 7(2):56-60. 7.
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SEÇÃO 4
TERAPÊUTICA NÃO INTERVENCIONISTA
10 Anti-inflamatórios não esteroidais e corticosteroides Cristiane Tavares
Anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) São uma classe de medicamentos com estruturas químicas variadas e que possuem ação analgésica, antitérmica (antipirética) e anti-inflamatória. São classificados em nove grupos químicos, contendo alguns compostos-chave em cada classe:1 • derivados do ácido acetilsalicílico: aspirina; • derivados do paraminofenol: acetaminofeno, paracetamol; • ácido acético – indóis: indometacina; • ácido acético – heteroares: diclofenaco, cetorolaco; • ácidos aril-propiônicos: ibuprofeno, cetoprofeno, naproxeno; • fenamatos: ácido mafanâmico, ácido meclofenâmico; • ácidos enólicos: oxicans (tenoxicam, piroxicam) e pirazolinedionas (fenilbutazona, dipirona); • alcanonas: nabumetona; • coxibes ou inibidores seletivos da ciclo-oxigenase-2 (COX-2): rofecoxibe, celecoxibe, valdecoxibe, parecoxibe, etoricoxibe, lumiracoxibe.
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Inpamação é uma resposta de proteção dos tecidos vivos vascularizados, cujo objetivo é livrar o organismo da causa inicial da agressão e de suas consequências. Assim, traumatismos, lesões térmicas, infecções, isquemia, reações imunológicas a agentes externos ou autoimunes são acompanhados, em maior ou menor grau, de reações inpamatórias. Os sinais clínicos de inpamação são: rubor, tumor (intumescimento), calor e dor. Estão envolvidos nesse processo diversos mediadores químicos, entre eles: Æ histamina, prostaglandina E2 e prostaglandina I2: produzidas pelas células residentes (macrófagos, mastócitos, células endoteliais) e que causam vasodilatação; Æ citocinas: agem em conjunto com os mediadores mencionados, aumentando a permeabilidade capilar; Æ bradicinina e frações C3a e C5a do complemento: contribuem agudamente para a vasodilatação e o aumento da permeabilidade vascular. Subagudamente, nas primeiras 24 horas após o estímulo inpamatório, ocorre migração de neutróolos polimorfonucleares para o local da lesão (quimiotaxia), regulada por moléculas de adesão [selectinas, moléculas de adesão intercelular (ICAM-I), molécula de adesão vascular (VCAM-I) e integrinas] no endotélio inpamado. Através da PECAM (platelet endothelium cell adhesion molecule), os neutróolos são capazes de migrar para fora do vaso. Na fase crônica e proliferativa da resposta inpamatória, que tem início 36 a 48 horas após o estímulo, ocorre migração leucocitária, com predominância de monócitos, linfócitos, plasmócitos e obroblastos, sinais de regeneração e reconstrução da matriz conjuntiva.2 Os anti-inpamatórios têm como principal mecanismo de ação a inibição da atividade enzimática da ciclo-oxigenase, com consequente inibição das prostaglandinas. Mais recentemente, foram desenvolvidos inibidores mais seletivos da COX-2, os coxibes.3
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As prostaglandinas são mediadores químicos derivados do ácido araquidônico, ácido graxo que normalmente se encontra esteriocado na membrana celular de todas as células. A partir da ação da fosfolipase A2, o ácido araquidônico é liberado em forma de substrato para a enzima COX, que realiza o primeiro passo na síntese das prostaglandinas.1 A COX é expressa de maneira constitutiva em algumas células especíocas e é induzida em células do sistema imune, como macrófagos, mastócitos e obroblastos. As células endoteliais expressam tanto a forma constitutiva quanto a induzida de prostaglandinas em resposta à agressão tecidual. Durante a reação inpamatória, além da produção de prostaglandinas, ocorre a liberação de citocinas (IL-1, TNF, IL-8 e IL-6), leucotrienos (também derivados do metabolismo do ácido araquidônico, por outra enzima), fator de ativação plaquetária (PAF), produtos da cascata do complemento (C5a) e da cascata das cininas (bradicinina), além dos prostainoides PGE2, PGI2, PGD2 e PGF2 e dos tromboxanos A2 e B2.1 Apesar da gama de mediadores que participam da resposta inpamatória, a simples inibição das prostaglandinas já causa uma diminuição marcante dos sinais e sintomas do processo inpamatório. Isso porque são as prostaglandinas que potencializam as ações vasodilatadora, edematogênica e hiperalgésica da bradicinina, além da ação edematogênica e vasodilatadora do leucotrieno e do C5a. Embora estes sejam capazes de causar uma resposta inpamatória, ela é caracteristicamente fraca quando comparada à combinação com prostaglandinas.1 Como anteriormente dito, o alvo dos anti-inpamatórios é a COX. Foram identiocadas três isoformas dela, codiocadas por genes distintos e denominadas da seguinte forma: Æ COX-1: expressa constitutivamente na maioria dos tecidos e necessária para a produção de prostaglandinas envolvidas em funções homeostáticas (mucosa gástrica, túbulos renais, plaquetas e endotélio vascular);
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Æ COX-2: essencialmente, é uma enzima induzida e sua expressão é ativada em várias células como resposta a citocinas, endotoxinas e mitógenos. No encéfalo e nos rins, a COX-2 é constitutiva e parece estar envolvida na liberação de renina pela mácula densa e nos fenômenos de ovulação, fertilização, implantação e formação de decídua. É importante para a cicatrização dos tecidos;4 Æ COX-3: importante nos estados febris e nas algias, parece ser codiocada pelo mesmo gene da COX-1. É alvo de ação do paracetamol e da dipirona.5 Os anti-inpamatórios podem ser classiocados, em relação à ação nas diversas isoformas da COX, em: Æ inibidores de COX-1 e 2: ibuprofeno, naproxeno, aspirina, cetorolaco; Æ inibidores preferenciais da COX-2: meloxicam, nimesulida; Æ inibidores seletivos da COX-2: coxibes; Æ inibidores da COX-3: dipirona e paracetamol. A escolha de um AINE deve seguir alguns critérios, segundo a história clínica do paciente. A resposta a cada tipo de AINE é individual, ou seja, existem indivíduos que apresentam melhor resposta analgésica a um tipo de anti-inpamatório do que a outro. Além disso, devem-se levar em consideração os efeitos colaterais gástricos (que são menores com o uso de inibidores preferenciais ou seletivos da COX-2) e cardiovasculares (coxibes, principalmente), o aumento da pressão arterial (tanto os coxibes quanto os inibidores não seletivos) e a toxicidade renal.6 As vias de administração mais utilizadas são: oral, intramuscular, venosa, sublingual, retal e tópica. Os efeitos colaterais comuns (náuseas, vômitos, tontura, dispepsia, indigestão, xerostomia) não dependem da via de administração.7 A hipertensão arterial é variável com diferentes AINE, os quais podem causar palpitações, arritmias, edema e retenção de sódio, com consequente aumento da pressão arterial.
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Os inibidores da COX-1 causam inibição da agregação plaquetária, reversível após 3 a 5 dias. A aspirina inibe irreversivelmente a agregação plaquetária, ou seja, após sua descontinuação, a agregação plaquetária só retorna ao normal após 7 a 10 dias, que é o tempo de duração da plaqueta. Os AINE podem causar lesões gastrointestinais (úlceras, sangramentos) e exacerbar a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, além de diversas lesões esofágicas (erosão, úlcera, eritema e hemorragia). Uma única dose pode causar petéquia hemorrágica em fundo e antro gástrico. Após 24 horas de uso, podem causar erosões múltiplas, petéquias em antro e erosão duodenal. Se usados durante duas semanas, observa-se erosão de antro. Após uso prolongado, as lesões hemorrágicas são menos observadas, ocorrendo mais lesão de fundo gástrico que em duodeno e sempre havendo lesão em antro.7 As lesões gástricas costumam ser assintomáticas. Os fatores que aumentam o risco de complicações gastrointestinais com o uso de AINE são: Æ uso concomitante de vários anti-inpamatórios; Æ histórico pessoal de úlcera ou sangramento digestivo; Æ presença de doenças cardiovasculares; Æ uso concomitante de outras drogas com toxicidade gastrointestinal; Æ uso de corticosteroides e anticoagulantes; Æ idade acima de 60 anos; Æ sexo feminino; Æ tabagismo; Æ etilismo; Æ múltiplas doses de AINE; Æ infecção por H. pylori. Todos os AINE provocam diminuição do puxo sanguíneo renal (dependente de prostaglandina) e retenção de sódio. Em paciente suscetível, pode ocorrer alteração em 3 a 7 dias de uso de AINE. É comum a insu-
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ociência renal surgir de forma insidiosa. Os rins dependem da prostaglandina na hipovolemia, na desidratação, na insuociência cardíaca e na insuociência renal crônica. A lesão renal é rara na ausência de fatores predisponentes e geralmente ocorre com uso prolongado de AINE. Os fatores de risco são: Æ disfunção renal prévia; Æ alteração de perfusão renal (hipovolemia, hipotensão arterial); Æ idade avançada; Æ ascite; Æ hipertensão arterial sistêmica (HAS); Æ insuociência coronariana (ICO); Æ colagenoses; Æ associação de AINE; Æ insuociência cardíaca congestiva (ICC); Æ cirrose hepática. A insuociência renal aguda ocorre em pacientes predispostos, como nos hipovolêmicos ou com doença renal prévia. A insuociência renal crônica é mais provável com o uso prolongado de altas doses de AINE. Os inibidores da COX-2 podem causar efeito renal do mesmo modo que os inibidores de ambas as COX. Outros efeitos colaterais relatados dos AINE são: Æ colestase; Æ complicações hematológicas: anemia hemolítica, agranulocitose, trombocitopenia e anemia aplástica (principalmente na exposição prolongada). A agranulocitose, embora rara, pode ser provocada por indometacina, fenilbutazona, diclofenaco, dipirona, amidopirina e butazona;7 Æ reações dermatológicas: prurido, erupção cutânea, urticária (com AAS, indometacina, pirazolonas e propiônicos), vasculite (com indometacina
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e pirazolonas), eritrodermia (com pirazolonas), fotossensibilização (com piroxicam e derivados propiônicos) e eritema nodoso (com AAS e pirazolonas); Æ indometacina pode causar cefaleia, vertigem, confusão, depressão, tontura e alteração de comportamento; Æ naproxeno e ibuprofeno podem causar transtornos psíquicos menores em idosos, principalmente; Æ indometacina e fenilbutazonas podem causar vasculites. CORTICOSTEROIDES Os corticosteroides promovem estabilização da membrana neural e possuem ação anti-inpamatória, diminuindo os níveis de mediadores que ativam os nociceptores. Também diminuem a atividade ectópica em locais de lesão neural e reduzem o edema.7 Podem ser usados por diferentes vias: oral, intramuscular, venosa, peridural e intra-articular. São indicados para hérnia de disco, compressão de nervo e medula espinal, síndrome de túnel do carpo, tendinite, epicondilite, bursite, osteoartrite, herpes-zóster, dor por aumento da pressão intracraniana, distensão e obstrução de vísceras, entre outros.7 Os efeitos anti-inpamatórios e imunossupressores dos glicocorticosteroides sistêmicos ocorrem principalmente em decorrência das alterações na circulação das células imunes. Quando utilizados no neuroeixo, os glicocorticosteroides apresentam uma ação anti-inpamatória direta sobre as raízes dos nervos espinais.1 Vários centros de referência utilizam a associação de corticosteroides e anestésicos locais no neuroeixo para o tratamento de quadros álgicos relacionados a radiculopatias, deixando os procedimentos cirúrgicos como uma alternativa para casos especíocos.8 O corticosteroide mais utilizado por via peridural, seja transforaminal ou caudal, é o acetato de metilprednisolona, nas doses de 40 a 80 mg. Cerca de 60% dos pacientes notam o alívio da dor em 4 a 6 dias após a
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injeção, com melhora evidente após o sétimo dia. Podem ser utilizadas até três injeções em intervalos de 14 a 20 dias entre cada uma.1 Os possíveis efeitos colaterais dos corticosteroides são: hiperglicemia, retenção de líquidos, hipertensão arterial, dispepsia, úlcera péptica, insônia, distúrbios de percepção, delirium, osteoporose, miopatia, síndrome de Cushing e necrose asséptica de cabeça de fêmur.7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Teixeira MJ, Siqueira JT, Costa CMC, Neto OA. Dor, princípios e prática. São Paulo: Artmed, 2009. 2. Rang HP, Dale MM, Ritter JM, Flower RJ. Farmacologia. 6.ed. São Paulo: Elsevier, 2007. p.202-25. 3. Ferreira SH. Peripheral analgesic sites of action of anti-inpammatory drugs. Int J Clin Pract Suppl 2002; 128:2-10. 4. Ganebaro G, Perazella MA. Adverse renal effects of anti-inpammatory agents: evaluation of selective and nonselective cyclo-oxygenase inhibitors. J Int Med 2003; 253(6):643-52. 5. Chandrasekharan NV, Dai H, Roos KL, Evanson NK, Jomsik J, Elton TS et al. COX-3, a cyclooxygenase-1 variant inhibited by acetaminophen and other analgesic/ antipyretic drugs: cloning, structure and expression. Proc Natl Acad Sci USA 2002; 99(21):13926-31. 6. Stoelting RK, Hillier SC. Pharmacology & physiology in anesthetic practice. 4.ed. Filadéloa. Lippincott Williams & Wilkins, 2006. 7.
Sakata RK, Issy AM. Dor – Guias de medicina ambulatorial e hospitalar Unifesp/Escola Paulista de Medicina. Barueri: Manole, 2004.
8. Cocicov AF, Cocicov HLF, Silva MBG, Skare TL. Uso de corticosteroides por via peridural nas síndromes dolorosas lombares. Rev Bras Anestesiologia 2004; 54(1):129-41.
11 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO – OPIOIDES Francisco Carlos Obata Cordon
INTRODUÇÃO Diante de um quando doloroso, antes mesmo de se tentar iniciar a investigação do fator causal, já se pensa nas possibilidades de seu alívio. Isso ocorre desde tempos remotos. Achados arqueológicos mostram que os homens de Neandertal já usavam o extrato de papoula para esse om, há mais de 30 mil anos. Registros mais documentados mostram o uso de ópio em populações da Antiguidade, como persas, egípcios e mesopotâmios. Nas civilizações orientais, há registros de uso dessa substância por volta de 2700 a.C. Apesar de os opioides serem de utilização muito antiga, permanecem como uma categoria de medicamentos pouco explorada e subutilizada dentro do arsenal farmacológico disponível para o controle da dor. Alguns fatores podem ser apontados para sua pouca utilização, porém não trazem justiocativas convincentes para a abordagem equivocada e o mau controle da dor. Entre esses fatores, podem ser destacados:
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• preconceito quanto ao uso de derivados opioides, tanto pela população como pela equipe de assistência; • falta de conhecimento farmacológico dos opioides; • descrença da equipe de saúde com relação à queixa do paciente sobre a intensidade da dor; • crença de que a dor é um sintoma que faz parte do processo patológico e deve ser tolerada; • crença de que a dor é um fator preditor de piora ou de não melhora da doença e que sua abolição dificultaria a avaliação de sua evolução; • falta de normas regulamentadoras com relação ao controle dos opioi des; • omissão dos governantes sobre a saúde pública. Este capítulo aborda o segundo item da lista e visa a elucidar o conhecimento dos opioides, pelo menos em parte. Muito sobre eles ainda está por ser descoberto, mas isso não impede que eles sejam utilizados e que haja promoção do alívio da dor. Diversos são os medicamentos dentro dessa categoria. A seguir, apresentam-se quais são, onde atuam e suas características para que possam ser utilizados de maneira adequada e racional no combate à dor. Classificação Os analgésicos opioides podem ser classificados de várias maneiras, de acordo com sua origem, sua atuação nos receptores opioides e sua potência analgésica. Nas Tabelas 1, 2 e 3 são apresentados os diversos analgésicos e sua classificação. A classificação norteia a correta e racional utilização do analgésico, com promoção rápida do alívio da dor, ínfimos efeitos colaterais ou efeitos indesejados e mínimas associações que podem levar a um prejuízo maior ao paciente em detrimento do controle da dor.
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TABELA 1
Opioides de acordo com a potência analgésica
Fracos
Fortes
Codeína
Morfina
Diidrocodeína
Oxicodona
Dextropropoxifeno
Hidromorfona
Tramadol
Metadona Meperidina Fentanil Buprenorfina
TABELA 2
Classificação funcional dos opioides
Agonistas
Agonista parcial
Agonista-antagonista
Antagonista
Morfina
Buprenorfina
Nalbufina
Naloxona
Fentanil
Pentazocina
Nalorfina
Naltrexone
Hidromorfona
Butorfanol
Alvimopan
Codeína Metadona Tramadol Meperidina Oxicodona
TABELA 3
Classificação dos opioides de acordo com a origem
Naturais
Semissintéticos
Sintéticos
Morfina
Heroína
Metadona
Codeína
Oxicodona
Fentanil
Tebaína
Hidrocodona
Alfentanil
Ópio
Oximorfona
Meperidina
Hidromorfona
RECEPTORES OPIOIDES Diversas vias e sistemas estão envolvidos na modulação da dor, sendo o sistema opioide endógeno um deles. Há muito tempo sabe-se que os
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opioides agem no sistema nervoso central (SNC), embora o conhecimento do mecanismo de ação tenha sido elucidado a partir dos anos 1970, quando houve a identiocação dos receptores opioides no SNC e dos opioides endógenos, endorona, encefalina e dinorona. Nesse período, foi descoberto que a naloxona, um derivado opioide sintético, tinha a capacidade de bloquear a ação da morona, passando a ser considerada o protótipo de um antagonista opioide. Assim, a partir desse momento, qualquer atividade biológica que pudesse ser revertida pela naloxona era considerada opioide. Por meio de estudos farmacológicos, foram identiocados os receptores opioides, porém detalhes pormenorizados de suas características moleculares demoram muito para ser elucidados. O primeiro receptor opioide caracterizado estruturalmente foi o ␦ e, após, os receptores e suas subunidades, e ORL1 (Tabela 4). Esses receptores estão relacionados aos receptores ligados à superfamília dos receptores ligados à proteína G (GPCR), na qual podem ser incluídos os muscarínicos, adrenérgicos e GABAérgicos. Têm seu efeito na dependência de sua localização anatômica no sistema nervoso. Assim, aqueles localizados nos núcleos da base e no tronco encefálico modulam a liberação de dopamina, ativam o sistema inibitório rostrocaudal que modula a aferência nociceptiva na medula espinal, promovem analgesia no corno posterior da medula espinal e, no sistema límbico, modiocam as reações emocionais à dor. Os receptores são os principais responsáveis pela analgesia espinal e supraespinal. Sua ativação promove analgesia, subunidade 1 e efeitos colaterais como hipoventilação, bradicardia e dependência física, subunidade 2. A ativação dos receptores promove, via canais cálcio-dependentes, inibição de recaptação de neurotransmissores. A depressão respiratória é menos intensa, se comparada à induzida pelos receptores , porém a ocorrência de disforia, alteração urinária e sedação é maior.
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TABELA 4
Receptores opioides, ações e afinidades farmacológicas
Efeito
1
2
␦
Analgesia
Analgesia
Analgesia
Analgesia
Euforia
Depressão ventilatória
Disforia
Depressão ventilatória
Bradicardia
Constipação
Sedação
Retenção urinária
Hipotermia
Dependência física
Miose
Constipação
Retenção urinária Agonista
Antagonista
Diurese
Endorfina
Morfina
Dinorfina
Morfina
Endorfina
Opioides sintéticos
Encefalina
Opioides sintéticos
Opioides sintéticos
Naloxona
Naloxona
Naloxona
Naloxona
Naltrexona
Naltrexona
Naltrexona
Naltrexona
OPIOIDES FRACOS A classiocação dos opioides pode ser feita de várias maneiras, conforme discutido anteriormente. Considerando a morona a droga-padrão, podem-se classiocar as drogas de acordo com sua potência. Os opioides fracos são, então, de baixa potência e, caracteristicamente, apresentam limitação quanto à sua dosagem e quanto ao seu efeito-teto analgésico.
Codeína A codeína, ou metilmorona, tem ocorrência natural, apresentando cerca de um décimo da potência da morona. Apresenta biodisponibilidade boa, porém variável, e duração de ação de 4 a 6 horas. Tendo a morona como seu principal metabólito, que é realmente ativo, é conseguida pela demetilação hepática sob a forma de morona e em torno de 2 a 10% da codeína administrada. A metabolização é hepática, ocorrendo glucoronidação, O-demetilação ou N-demetilação. A N-demetilação via citocromo P450 2D6 é responsável pela formação da morona. Em cerca de 10% dos caucasianos, há deociência desse tipo especíoco de isoenzima e, portanto, esse grupo não se beneocia da ação analgésica da codeína.
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Por causa de sua baixa potência, existem apresentações associadas a anti-inflamatórios com o objetivo de melhorar seu rendimento analgésico. Náuseas e vômitos são seus principais efeitos colaterais.
Dextropropoxifeno Propoxifeno é um derivado sintético relacionado à metadona, sendo seu isômero dextrogiro com propriedades analgésicas. Atua nos receptores e tem ação inibitória sobre os receptores NMDA. Sofre grande metabolização em sua primeira passagem hepática e seu principal metabólito, norpropoxifeno, tem baixa potência analgésica, mas pode causar convulsões. Causa menos náusea, vômitos e sonolência. Em baixa dose, apresenta menos efeitos colaterais que a codeína. Deve-se tomar cuidado quando administrado a idosos, principalmente em uso prolongado ou doses elevadas, e a pacientes com disfunção renal.
Tramadol Não é um opioide, mas pelo seu perfil farmacológico é inserido nessa categoria. Age nos receptores opioides, sendo a forma dextrogira 20 vezes mais específica para o receptor . Aumenta a liberação de serotonina e inibe a recaptação de norepinefrina e serotonina. Inibe também a sensibilização dos receptores NMDA. Tem alta biodisponibilidade e cerca de 1/10 da potência analgésica da morfina. Sua via de administração pode ser enteral ou parenteral. Apresenta menos efeitos colaterais que a morfina. Opioides fortes
Morfina A morfina é o opioide-padrão e o mais comumente utilizado. Pode ser administrada por todas as vias, conforme a necessidade e condição clínica do paciente.
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Tem baixa biodisponibilidade, em torno de 25%, em virtude de intensa biotransformação pela primeira passagem hepática, de 10 a 45%. Por isso, há grande variabilidade na dosagem entre os indivíduos tratados. Não apresenta efeito-teto, sendo sua dose limitada pelo controle da dor ou pela intolerância aos efeitos colaterais apresentados. Sofre metabolização hepática, conjugação com ácido glucurônico, formando seu metabólito ativo, morona-6-glucuronídeo, 5 a 15%, e é um agonista e ␦. Dessa forma, produz analgesia e também efeitos colaterais, como náuseas, vômitos e constipação. Há, também, metabolização em morona-3-glucuronídeo, em torno de 50%, que aparentemente não tem ação agonista, mas pode produzir efeitos que se opõem à ação analgésica da morona, como alodínea, mioclonia e convulsões. A administração oral de morona resulta em maiores níveis de morona-3-glucoronídeo que morona-6-glucuronídeo, em comparação à administração venosa, retal ou outra que não sofra efeito de primeira passagem pelo fígado. Embora haja metabolização de morona em outros órgãos, como intestino e estômago, a administração em indivíduos com comprometimento da função hepática deve ser evitada. Como a excreção dos metabólitos é feita pelos rins, deve-se dar especial atenção aos pacientes com função renal alterada por seu acúmulo, muitas vezes nocivo.
Metadona Opioide sintético, apresenta biodisponibilidade oral de 60 a 95%, de alta potência e longa duração, em função de seu perol farmacológico cumulativo, de longa meia-vida. Apresenta uma vantagem adicional no tratamento dos pacientes oncológicos e com dores neuropáticas, por sua ação sobre os receptores NMDA e pela inibição na recaptação de serotonina.
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Possui pouca aonidade com receptor em relação à morona e, portanto, menos efeitos colaterais mediados por ele. Em contrapartida, tem alta aonidade pelo receptor ␦ e, assim, causa menos efeitos colaterais que a morona. Outra vantagem é que não há interferência signiocativa no clearance nos pacientes com disfunção renal ou hepática. Outro importante dado relacionado à absorção e à excreção da metadona é quanto à alteração no pH gástrico ou urinário. Apresenta meia-vida prolongada, de 8 a 27 horas, o que exige cautela e individualização do seu uso no tratamento dos pacientes. Surpreendentemente, seu perol farmacológico de eliminação, bifásico, faz com que seu efeito analgésico dure até 24 horas (média de 6 a 8 horas) e que sua capacidade de evitar sintomas de abstinência seja maior ainda. Isso se deve à eliminação bifásica que, em sua primeira fase, ␣, ocorre de 8 a 12 horas, coincidente com o período de analgesia, e, na segunda fase, , pode variar de 30 a 60 horas, sendo responsável pelo controle dos sintomas da abstinência.
Oxicodona Derivado semissintético da tebaína com potência semelhante à morona. Está, atualmente, entre os opioides mais utilizados no mundo, o que não se deve às suas propriedades farmacológicas, mas, sim, às estratégias de propaganda utilizadas. Tem alta biodisponibilidade, de 60%, é uma prodroga e é metabolizada em seu metabólito ativo, oximorfona, um agonista , e em um metabólito inativo, a noroxicodona. Sua via de metabolização é semelhante à codeína, sendo dependente, portanto, da isoenzima P450 2D6 para sua metabolização. Assim, cerca de 10% da população branca que possui variação dessa isoenzima não se beneocia de seu efeito analgésico.
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Fentanil O fentanil é um potente agonista , derivado sintético, que possui alta potência analgésica, rápido início de ação e curta duração. Utilizado inicialmente como analgésico para intra e pós-operatório. Em função de suas características farmacológicas, como baixo peso molecular, alta solubilidade lipídica e alta potência, foi possível produzir apresentações transdérmica e transmucosa, de modo que começou a ser empregado no tratamento de dores crônicas e oncológicas. Apresenta como inconvenientes início de ação demorado, de 12 a 24 horas, e período de ação de prolongado, de 24 horas após a retirada do adesivo. Isso requer cautela em sua utilização em função da ocorrência de efeitos colaterais e adversos. A forma transmucosa apresenta a vantagem de evitar efeito de primeira passagem pelo fígado e tem rápido início de ação, comparável ao da morona venosa. Tem especial indicação nos casos de dor incidental.
Hidromorfona Outro derivado semissintético com alta aonidade pelo receptor , 3 a 5 vezes maior que a morona. Tem efeito analgésico similar ao da morona, porém difere quanto à potência e aos efeitos colaterais. Prurido, náuseas, vômitos e sedação são menos frequentes. Embora seja uma droga lipofílica, é 10 vezes mais hidrofílica que a morona, o que lhe confere condição especial nas situações em que a via oral não é possível e não há condições de manutenção de um acesso venoso. Nesses casos, torna-se uma excelente escolha para o uso subcutâneo. Em sua apresentação oral, é 5 vezes mais potente que morona e na parenteral, é 7 vezes mais potente. Tem metabolização hepática, sofrendo glucuronização. Seu principal metabólito, hidromorfona-3-glucuronídeo, é excretado pelo rim. Possui pouca potência analgésica e apresenta efeitos neurotóxicos, como alodínea, tremores e até convulsões.
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A produção de hidromorfona-3-glucuronídeo é baixa e pouco importante em situações clínicas normais. Deve-se dar especial atenção aos pacientes com disfunção renal, nos quais o metabólito pode acumular. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO As vias de administração são diversas e dependem de vários fatores, como condição clínica do paciente, tipo de dor, necessidade analgésica, medicamento a ser utilizado, local de administração do medicamento e condições socioeconômicas do paciente. Da mesma maneira que não existe um analgésico ideal, não existe uma via ideal. A escolha da via depende dos fatores previamente citados e de uma condição que, na maioria das vezes, não é levada em consideração: o conforto do paciente. De nada vale ter o melhor analgésico se a via escolhida trouxer desconforto e sofrimento ao paciente. Em situações agudas, a via de escolha deve ser aquela que produza analgesia rápida e potente com o mínimo de efeitos adversos ou que sejam controlados prontamente. A titulação da dose efetiva nessas situações é obtida por meio da via parenteral. Nos casos crônicos, a via preferencial é a enteral, em que há melhor aceitação, facilidade e simplicidade na administração, além de ser economicamente viável e de fácil aquisição. A administração por via parenteral nesses casos é indicada quando a situação clínica do paciente não permite ou em casos em que há necessidade de titulação de dose analgésica para readequação da analgesia. EFEITOS ADVERSOS DOS OPIOIDES Os efeitos adversos são comuns na administração dos opioides. Alguns podem determinar limitações ou alterações na terapia proposta, embora o desenvolvimento de tolerância determine uma diminuição signiocativa da maioria desses efeitos.
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Depressão respiratória Efeito temido e utilizado como justiocativa para que os opioides sejam utilizados somente em casos extremos no controle da dor. Embora sua incidência seja baixa, é a causa mais comum de morte relatada por uso abusivo. Acredita-se que os centros respiratórios recebam aferências nociceptivas e que, dessa forma, a dor seria um antagonista osiológico desse sintoma. Pacientes idosos e com problemas respiratórios preexistentes são os mais suscetíveis. Embora a tolerância seja de instalação rápida e rapidamente revertida, há necessidade de maior vigilância nesses indivíduos. Pacientes que usam doses elevadas e que são submetidos a procedimentos para controle da dor exigem especial atenção.
Náuseas e vômitos São efeitos adversos comuns e que causam maior desconforto e resistência à terapia com opioide, ocorrendo em até 70% dos pacientes na fase inicial do tratamento. Opioides têm tolerância rápida e são dose-dependentes, justiocando sua maior incidência na fase inicial do tratamento. Fisiologicamente, há atuação dos opioides nos centros do vômito do SNC, e a prescrição de antieméticos deve ser realizada na fase inicial do tratamento, a om de diminuir esse efeito.
Constipação Sintoma mais comum no uso subagudo e crônico, traz grande desconforto aos pacientes. Nesse caso, a tolerância raramente se desenvolve. A atuação dos opioides nos receptores mioentéricos, , causa diminuição do peristaltismo e das secreções intestinais e aumenta o tônus esoncteriano. Em casos mais intensos, podem ocorrer náuseas, vômitos, distensão abdominal, constipação e obstrução intestinal funcional. A utilização de laxantes é recomendada e a observação das alterações do hábito intes-
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tinal torna-se importante para que o sofrimento seja minimizado e que medidas extremas sejam tomadas. Recentemente, antagonistas especíocos sobre os receptores opioides periféricos e intestinais começaram a ser utilizados com bons resultados no controle desse sintoma.
Retenção urinária Os opioides causam aumento do tono esoncteriano e vesical, resultando em urgência e retenção. É mais comum quando a via no neuroeixo é utilizada, sendo pouco comum em outras vias.
Sedação Sintoma comum na fase inicial do tratamento, porém a tolerância é rapidamente desenvolvida. A terapia combinada com outros medicamentos depressores do SNC pode exacerbar esse sintoma. Na vigência de sedação persistente, a diminuição da dose ou a rotação de medicamento é uma alternativa.
Prurido Sensação desagradável mais comum na aplicação no neuroeixo. O mecanismo ainda é pouco conhecido, acreditando-se que ocorre em decorrência da ativação do receptor no corno dorsal da medula espinal e que, pela via sistêmica, seja pela liberação de histamina.
Alucinação e delírio A alucinação está associada aos casos de câncer, nos quais são observadas alucinações táteis e visuais, e está relacionada a fatores evolutivos e próprios da doença em associação à terapia opioide e a outros medicamentos. O delírio, em associação com alteração cognitiva, distúrbio do sono, alteração do nível de consciência e distúrbios motores, pode estar pre-
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sente e deve-se à complexidade das manifestações clínicas, bem como a diferentes fatores etiológicos. É pouco diagnosticado e, geralmente, subtratado. O reconhecimento de condições clínicas, como síndrome de abstinência, intoxicação opioide ou outras doenças que causam delírio torna-se fundamental para que o tratamento correto seja instituído. Associadas ao uso, lícito ou ilícito, de opioides podem ser observadas algumas manifestações clínicas que exigem especial atenção e cuidado no seguimento do paciente. Nesses casos, devem ser diferenciados e esclarecidos alguns conceitos e situações que podem levar ao erro de conduta e, consequentemente, trazer prejuízo ao tratamento. Nesse contexto, tolerância, dependência física e dependência psíquica devem ser diferenciadas e corretamente abordadas.
Tolerância Ocorre quando, após repetidas doses, uma determinada dose produz efeito analgésico menor, ou quando doses cada vez maiores são necessárias para se obter o mesmo efeito analgésico observado com a dose inicial.
Dependência física Ocorre quando há interrupção, redução pronunciada da dose de opioide administrada ou administração de antagonista. A abstinência do opioide caracteriza-se pela manifestação dos seguintes sinais e sintomas: hiperalgesia, fotofobia, diarreia, piloereção, taquicardia, aumento de pressão arterial, cãibras gastrointestinais, dor em articulações, ansiedade e humor deprimido.
Dependência psíquica A síndrome de dependência opioide, adição, é caracterizada por sinais e sintomas associados ao uso doentio. É deonida como um padrão mal-adaptativo de uso da substância, levando a prejuízo ou sofrimento cli-
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nicamente significativo. Manifesta-se em três (ou mais) dos seguintes sintomas, a qualquer momento em um período de 12 meses: • tolerância: –– necessidade de aumento da dose para se obter o efeito desejado; –– efeito reduzido com uso contínuo do opioide; • síndrome de abstinência; • consumo em maior quantidade ou período maior que o desejado; • desejo persistente ou esforço mal-sucedido em diminuir ou controlar o uso; • tempo maior dispendido para obter, utilizar ou recuperar seus efeitos; • evitar ou reduzir atividades sociais, ocupacionais ou recreativas por conta do seu uso; • o uso é contínuo apesar da consciência de se ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que deve ter sido causado ou exacerbado pelo opioide. Identificar e diferenciar corretamente as situações citadas é essencial para que as condutas adequadas sejam tomadas e possíveis efeitos deletérios ou manifestações de outras condições clínicas sejam prontamente controlados. A abordagem multiprofissional e multidisciplinar torna-se primordial nessa abordagem, uma vez que a capacidade técnica específica e o conhecimento de cada profissional corroboram para um efetivo tratamento dessas condições clínicas, que são cada vez mais frequentes. Os recentes avanços no entendimento da farmacocinética e da farmacodinâmica dos opioides tornam possível um aumento do emprego na prática diária para o controle da dor aguda ou crônica e maligna ou benigna. Resta romper preconceitos que, a despeito do conhecimento, dificultam sua utilização.
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Os índices estatísticos demonstram crescimento e envelhecimento populacional, assim como aumento das doenças crônicas degenerativas. A dor é uma queixa comum dessas doenças e, portanto, faz parte realizar seu tratamento e controle. BIBLIOGRAFIA 1. Baltieri DA, Strain EC, Dias JC, Scivoletto S, Malbergier A, Nicastri S et al. Diretrizes para o tratamento de pacientes com síndrome de dependência de opióides no Brasil. Rev Bras Psiquiatria 2004; 26(4):259-69. 2. Barry DT. Opioids, chronic pain, and addiction in primary care. J Pain 2010; 11(12):1442-50. 3. Cole BE. The need for chronic opioids to treat persistent noncancer pain. Gen Hosp Psychiatry 2011; 33(5):419-42. 4. Cortazzo HH, Fishman SM. Major opioides and chronic opioide therapy. In: Raj’s Pratical Management of Pain. 4.ed. Philadelphia: Mosby, 2008. 5. Dickenson A, Kiefer B. Opiates: basic mechanisms. In: MacMahon SB, Koltzenburg M (eds.). Wall and Melzack’s Textbook of Pain. 5.ed. China: Elsevier, 2006. 6. Fischer B. Deaths related to the use of prescription opioids. CMAJ 2009; 181(12):881-2. 7.
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12 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO – ADJUVANTES Cristiane Tavares
INTRODUÇÃO Adjuvantes são drogas originariamente desenvolvidas para outras indicações terapêuticas, utilizadas para aumentar a analgesia em circunstâncias especíocas, isoladas ou, mais frequentemente, associadas a outras medicações analgésicas (anti-inpamatórios, opioides).1 Podem ser usados nos três degraus da escada analgésica, de acordo com as indicações especíocas.2 Na dor neuropática, o uso de adjuvantes está indicado desde o início do tratamento, em todos os degraus da escada analgésica.1,2 Para ons didáticos, os adjuvantes podem ser classiocados nas seguintes classes de medicamentos: Æ antidepressivos; Æ anticonvulsivantes; Æ neurolépticos; Æ relaxantes musculares; Æ agonistas alfa-2; Æ anestésicos locais;
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Æ antagonistas NMDA; Æ outros: canabinoides, bifosfonados, calcitonina, agentes neuroimunomodulatórios.1 Como vantagens do uso dos adjuvantes, citam-se o efeito poupador de opioide (diminuindo a incidência dos efeitos colaterais destes e o desenvolvimento da hiperalgesia induzida por opioide) e a possibilidade de tratar outras queixas relacionadas à dor (p.ex., contratura muscular, parestesias, alterações de sono) e contrabalancear alguns efeitos das medicações analgésicas (p.ex., diminuição do limiar convulsivo que ocorre com o uso do tramadol, e que pode ser contrabalanceada com o uso de anticonvulsivantes).1-3 Como desvantagens, podem ser destacadas as interações farmacológicas (mais pronunciadas em pacientes com comorbidades, que já fazem uso de várias outras medicações, e com fármacos que apresentam metabólitos ativos), além do risco de potencializar alguns efeitos colaterais dos analgésicos (p.ex., sonolência, que ocorre com o uso de opioides e também de anticonvulsivantes, neurolépticos e outros adjuvantes) e da dioculdade de alguns pacientes em aderir ao uso de múltiplas medicações.1-3 ANTIDEPRESSIVOS Atuam no sistema inibitório descendente da dor, em vias noradrenérgicas e serotoninérgicas, além de inibirem a transmissão nociceptiva entre o primeiro e o segundo neurônio em nível medular e aumentarem a aonidade dos opioides a seus receptores.3 Esses efeitos ocorrem antes mesmo das duas semanas necessárias para o início do efeito antidepressivo dessas medicações.4 As classes de antidepressivos mais estudadas no tratamento da dor são os tricíclicos e os duais. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina parecem ter menos efeito adjuvante do que essas duas classes.1,3 Entre os tricíclicos, os mais utilizados são a amitriptilina e a nortriptilina. A nortriptilina é o resultado da demetilação da amitriptilina no fígado, ou seja, é um metabólito da amitriptilina e é mais bem tolerado, pois apresenta
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menos efeitos anticolinérgicos. Ambos aumentam a concentração de serotonina e noradrenalina na fenda sináptica, pois diminuem a recaptação pré-sináptica desses neurotransmissores. Ambos são contraindicados em pacientes com glaucoma de ângulo estreito (pois aumentam a pressão intraocular) e com arritmias cardíacas (bloqueio atrioventricular, prolongamento de QT). A dose utilizada varia de 25 a 100 mg/dia, geralmente administrados à noite, pois causam sonolência e melhoram o padrão do sono. A dose utilizada para tratamento da dor é geralmente menor que a dose antidepressiva e vários estudos indicam benefício nas dores neuropáticas (principalmente quando a queixa é queimação) e proolaxia de enxaqueca.5 Deve ser utilizada com cautela em pacientes com distúrbio bipolar do humor, pelo risco da virada maníaca, e o intervalo de duas semanas da interrupção do uso dos inibidores da MAO deve ser respeitado.6 Os efeitos colaterais mais relatados são: xerostomia, hipotensão postural, náuseas, ganho de peso, sonolência, tremores, obstipação e retenção urinária.5 Raramente, podem causar depressão da medula óssea, agitação, diminuição do limiar convulsivo e alterações sexuais.6 Os antidepressivos duais inibem a recaptação neuronal de serotonina, noradrenalina e dopamina, ou seja, aumentam a concentração desses neurotransmissores na fenda sináptica.6
Duloxetina É utilizada, inicialmente, na dose de 30 mg – a dose terapêutica é de 60 mg, 1 vez/dia, podendo atingir um máximo de 120 mg/dia. Tem metabolismo hepático e excreção principalmente renal, devendo ser utilizada com cautela em pacientes com grave comprometimento hepático ou clearance de creatinina (ClCr) menor que 30. Os efeitos colaterais mais relatados são náuseas, tontura e xerostomia. Geralmente não aumenta o apetite nem causa sonolência. Raramente ocasiona disfunções sexuais (diminuição da libido). Sua retirada deve ser gradual, pelo risco dos sintomas de abstinência (cefaleia, vômitos, irritabilidade, pesadelos). Muito raramente
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podem ocorrer urticária, edema facial, trombocitopenia, linfadenopatia, hiponatremia e crise hipertensiva.5
Venlafaxina Também é utilizada em psiquiatria, para transtornos de ansiedade generalizada, síndrome do pânico e transtorno obsessivo compulsivo. A dose inicial é de 37,5 mg (cápsula de liberação prolongada), podendo chegar a até 225 mg/dia – a dose usual como adjuvante no tratamento da dor é de até 150 mg/dia. Efeitos colaterais relatados são náuseas, cefaleia, tremores, xerostomia, aumento da pressão arterial, taquicardia, hiponatremia, diminuição da agregação plaquetária, perda de peso, disfunção sexual, obstipação e retenção urinária. Raramente, podem ocorrer pneumopatia intersticial, pneumonite eosinofílica, rabdomiólise, sintomas extrapiramidais, alterações da tireoide, do cálcio, do fósforo e da glicemia, agranulocitose e prolongamento do intervalo QT.5,6
Bupropiona É um antidepressivo dual estruturalmente diferente dos outros antidepressivos. É utilizada como auxiliar na cessação do tabagismo e tem menor incidência de disfunção sexual do que os outros. Diminui o limiar convulsivo, devendo ser utilizada com cautela em pacientes com antecedente de convulsão. Efeitos colaterais relatados são náuseas, taquicardia, diminuição do apetite, cefaleia, insônia, acatisia (dioculdade em ocar parado, pelo efeito dopaminérgico), tremores e xerostomia. Raramente, pode ocorrer uma reação de hipersensibilidade retardada, com artralgia, febre, rash cutâneo e mialgia. A dose utilizada é de 150 a 300 mg/dia.5,6
Trazodona Também tem ação antidepressiva dual e possui destaque no tratamento da insônia e das disfunções sexuais, já que um dos efeitos colaterais
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relatados é o aumento das ereções espontâneas, podendo chegar a um priapismo. Tem pouco efeito na condução cardíaca. A dose utilizada é de 25 a 50 mg antes de dormir.5
Mirtazapina É um antidepressivo tetracíclico. Não inibe a recaptação de serotonina nem de noradrenalina, mas aumenta a atividade noradrenérgica e serotoninérgica central, além de ser antagonista alfa-1 adrenérgico periférico e ter ação agonista em receptores de histamina H1, causando sedação. Tem baixa biodisponibilidade (50%) em função do efeito do metabolismo de primeira passagem. A dose inicial é de 7,5 mg à noite, podendo chegar até 45 mg. Os efeitos colaterais principais são: sedação, xerostomia, edema, obstipação e raros casos de agranulocitose, neutropenia e dispneia.6 ANTICONVULSIVANTES A dor neuropática apresenta uma osiopatologia semelhante à epilepsia, ou seja, um estado de hiperexcitabilidade neural. Ocorre uma upregulation dos canais de sódio (Na) e cálcio (Ca) nas membranas dos neurônios do corno dorsal da medula espinhal e no gânglio da raiz dorsal, causando descargas ectópicas e diminuindo o limiar de disparo desses neurônios.7 Desse modo, para a dor neuropática, os anticonvulsivantes são considerados analgésicos primários, e não mais adjuvantes.8 Na dor crônica, são descritos os fenômenos de sensibilização central e periférica, em que também ocorre um estado de hiperexcitabilidade neuronal, justiocando-se, assim, o uso de anticonvulsivantes como adjuvantes.1 Na dor neuropática, os anticonvulsivantes mais utilizados são a gabapentina e a pregabalina. Esse último ganhou destaque no tratamento da obromialgia. Na neuralgia do trigêmio, a carbamazepina é a droga de escolha. Outras opções são oxcarbamazepina e a lamotrigina.1 Tanto a gabapentina quanto a pregabalina, apesar de estruturalmente semelhantes ao ácido gama-aminobutírico (GABA), não parecem atuar
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nesse neurotransmissor. Ligam-se à subunidade alfa-2 delta-1 dos canais de cálcio voltagem-dependentes, inibindo a liberação de neurotransmissores excitatórios.
Pregabalina Tem alta biodisponibilidade, não se liga a proteínas plasmáticas e é pouco metabolizada. A dose inicial é de 75 mg à noite, podendo ser titulada até o máximo de 600 mg/dia, e deve ser ajustada em casos de insuociência renal. Como efeitos colaterais, os mais frequentes são sonolência, edema periférico, retenção hídrica, fraqueza, tontura, turvação visual, mioclonias e tremores. Menos frequentemente, ocorrem trombocitopenia, cefaleia, rash cutâneo, angioedema, rabdomiólise e aumento do intervalo PR. A suspensão deve ser gradual, pelo risco do aumento do limiar convulsivo na retirada.5,6
Gabapentina É absorvida em 50 a 60% no intestino delgado pelo sistema de transporte L-amino, que é saturável. Por esse motivo, sua biodisponibilidade vai diminuindo conforme se aumenta a dose administrada. A dose inicial é de 300 mg à noite, podendo ser aumentada até 3.600 mg/dia divididos em três tomadas. Pode ser utilizada em crianças e a dose deve ser ajustada em idosos e pacientes com insuociência renal. Os efeitos colaterais mais relatados são sonolência, fraqueza, náuseas, xerostomia, tontura, ataxia, tremores, dispepsia e patulência. Mais raramente podem ocorrer leucopenia, alteração de enzimas hepáticas e disfunção sexual.5
Carbamazepina É um estabilizador de membrana, pois é um bloqueador de canal de Na. Também possui ação miorrelaxante, estabilizadora de humor, antiarrítmica e anticolinérgica, além de aumentar a produção do hormônio antidiurético (ADH). Tem metabolismo hepático, com formação de meta-
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bólito ativo e autoindução enzimática. A dose usual é de 200 a 400 mg, 2 vezes/dia, podendo-se chegar a 1.600 mg/dia. Além dos efeitos anticolinérgicos, pode causar bloqueio atrioventricular, bradicardia, urticária, hiponatremia e, em casos mais raros, pancitopenia, alterações na função hepática e síndrome de hipersensibilidade (hepatoesplenomegalia, eosinoolia, adenomegalia, vasculite). É contraindicada em pacientes com pororia aguda intermitente. Devem-se monitorar função hepática, HMG, plaquetas e Na a cada 3 ou 6 meses.5,6
Oxcarbamazepina É uma alternativa à carbamazepina. Também possui metabólito ativo, mas causa menos indução enzimática que a carbamazepina e tem biodisponibilidade aumentada em idosos. É excretada principalmente pela urina, devendo sua dose ser ajustada em pacientes com ClCr menor que 30. A dose inicial é de 300 mg à noite, podendo-se chegar até 1.200 mg/ dia divididos em duas tomadas. Como efeitos colaterais, podem ocorrer tontura, diplopia, hiponatremia, náuseas, nistagmo, cefaleia e tremores. Deve-se monitorar o Na.
Lamotrigina Também é um estabilizador de membrana, pois inibe os canais de Na voltagem-dependentes. Inibe também a liberação de glutamato, que é um neurotransmissor excitatório, e inibe fracamente os receptores de 5-HT3. In vitro, inibe a di-hidrofolato redutase, sendo, por esse motivo, classiocada como risco D na gravidez (inibe o ácido fólico e pode causar teratogenicidade). A dose inicial é de 25 mg e o aumento deve ser gradual, a cada duas semanas. A dose usual é de 100 mg/dia, podendo chegar a 400 mg/dia. Existe o risco de rash cutâneo grave, mas este geralmente ocorre nas primeiras 8 semanas. Deve-se atentar também para os sintomas da síndrome de hipersensibilidade (pancitopenia, eosinoolia, adenomegalia, vasculite, púrpura). Os efeitos colaterais mais comumente relatados são
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náuseas, xerostomia, obstipação e aumento da libido. Quando usada em associação com o ácido valproico, tem seu nível sérico aumentado.6
Ácido valproico Aumenta a disponibilidade do GABA, que é um neurotransmissor inibitório. Tem alta ligação proteica, metabolismo hepático e excreção urinária. É utilizado na proolaxia da enxaqueca na dose de 500 a 1.000 mg/dia. Como efeitos colaterais, náuseas, tontura, tremores e fraqueza são bastante relatados. Mais raramente podem ocorrer alopecia, alterações de coagulação, trombocitopenia, hepatotoxicidade, distúrbios do ciclo da ureia (hiperamonemia, encefalopatia), vasculite cutânea, edemas, hiponatremia e espasmos musculares.6
Topiramato Age tanto aumentando a atividade do GABAA quanto bloqueando os canais de Na voltagem-dependentes, além de antagonizar receptores de glutamato AMPA/cainato.5 É utilizado tanto na proolaxia da enxaqueca e da cefaleia em salvas quanto na dor neuropática, na dose inicial de 25 mg à noite, podendo chegar a 100 mg a cada 12 horas. Como efeitos colaterais, dioculdade de concentração, sonolência, tontura e anorexia são bastante relatados. Mais raramente podem ocorrer púrpura, leucopenia, trombocitopenia, rash cutâneo, prurido e parestesias. Diminui as concentrações séricas de bicarbonato, podendo causar acidose metabólica e nefrolitíase, além do risco de hiperamonemia com ou sem encefalopatia, principalmente se associado ao valproato. Deve ser usado com cuidado em pacientes com glaucoma de ângulo fechado e pode causar oligoidrose e hipertermia.5,6 NEUROLÉPTICOS São drogas de diversas famílias (fenotiazinas, butirofenonas, dibenzodiazepínicos, benzisoxazol, tioxantinas, etc.) que exercem efeito antipsicótico. Os de primeira geração agem antagonizando os receptores dopa-
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minérgicos D2, abundantes no sistema extrapiramidal (corpo estriado, caudado e putâmen), e, como efeitos colaterais, causam os sintomas de liberação extrapiramidal e hiperprolactinemia. São eles: clorpromazina (Amplictil®), haloperidol (Haldol®), tioridazida (Melleril®), trifluoperazina (Stelazine®) e pimozida (Orap®).9 Os antipsicóticos de segunda geração (ou atípicos), por sua vez, bloqueiam muito mais os receptores serotoninérgicos 5HT2c do que os receptores D2, embora também bloqueiem estes. O efeito antipsicótico é obtido sem que ocorram necessariamente os sintomas de liberação extrapiramidal. Contudo, há ocorrência de ganho de peso e síndrome metabólica, associada ao bloqueio desses receptores serotoninérgicos. A clozapina (Leponex®) também está associada ao desenvolvimento de discrasias sanguíneas. Outros neurolépticos atípicos são a risperidona (Risperdal®), a olanzapina (Zyprexa®), a quetiapina (Seroquel®), a ziprasidona (Geodon®), o aripiprazol (Abilify®) e a paliperidona (Invega®).9
Clorpromazina É bastante empregada como adjuvante no tratamento da dor neuropática e também por seu efeito antiemético, sendo muito útil quando são utilizadas altas doses de opioide, bem como nos quadros de agitação psicomotora. Pode ser usada por via oral (cada gota equivale a 1 mg) em doses tituláveis até 10 mg a cada 6 horas e por via endovenosa de 10 a 25 mg a cada 6 ou 8 horas. Pode causar hipotensão arterial, principalmente quando administrada por via endovenosa, e sonolência.5 Relaxantes musculares A dor miofascial é uma causa frequente de dor crônica. Para seu tratamento, muitas vezes é necessário utilizar os relaxantes musculares. Os mais utilizados são os de ação central, entre eles ciclobenzaprina e baclofeno. Em outras síndromes dolorosas, se houver espasticidade ou contratura muscular associada, o emprego de relaxantes musculares também pode ser benéfico.1
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Ciclobenzaprina É estruturalmente semelhante aos antidepressivos tricíclicos, devendo ser utilizada com cautela em pacientes com arritmias cardíacas e glaucoma de ângulo estreito. A dose utilizada varia de 5 a 10 mg até 3 vezes/ dia e deve-se evitar usar por mais de três semanas. Efeitos colaterais relatados são xerostomia, sonolência, tontura, retenção urinária e, mais raramente, reações alérgicas, alterações de enzimas hepáticas e fraqueza muscular.5
Baclofeno É um análogo do GABA, que é um neurotransmissor inibitório, e tem ação especíoca nos receptores GABA-B.1 Pode ser utilizado por tempo prolongado, mas sua retirada deve ser gradual, pelo risco de taquicardia, febre e espasticidade rebote, sendo relatado até espasmo de corda vocal e alucinações.4 A dose inicial por via oral é de 5 mg, 3 vezes/dia, até o máximo de 80 mg/dia. Pode ser administrado por via intratecal com uma dose-teste de 25 a 100 mcg, e a programação da bomba intratecal é de 2 vezes a dose-teste em 24 horas. Os efeitos colaterais relatados são tontura, fraqueza, confusão mental, fala desarticulada, hipotensão arterial, obstipação, náuseas, poliúria, ataxia e fraqueza muscular. Mais raramente podem ocorrer dispneia, palpitação, impotência e retenção urinária. Diminui o limiar convulsivo e, em uma overdose, pode causar coma e depressão ventilatória.5,6 AGONISTAS ALFA-2: CLONIDINA Utilizada por via epidural, promove alívio da dor em nível de receptores alfa-2 adrenérgicos pré-sinápticos e pós-juncionais, impedindo a transmissão do sinal álgico nos segmentos espinais em que existe concentração analgésica de clonidina. É utilizada em associação a opioides na dose de até 30 mcg/hora em adultos e de 0,5 mcg/kg/hora em crianças. Essa dose deve ser ajustada nos pacientes com ClCr menor que 10.5
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Como adjuvante aos anestésicos locais para bloqueios periféricos, potencializa o efeito dos anestésicos locais e prolonga a analgesia pós-operatória, porém aumenta o risco de bradicardia, hipotensão ortostática e sedação.10 É altamente lipossolúvel e, quando administrada por via epidural ou subaracnóidea, tem meia-vida de 1 a 2 horas, mas seus efeitos podem perdurar até 24 a 36 horas. Muito raramente pode causar confusão e delírios, quando administrada por essas vias, além de hipotensão arterial, bradicardia e sedação.3 ANESTÉSICOS LOCAIS: LIDOCAÍNA Age bloqueando canais de sódio, diminuindo a excitabilidade neuronal. Pode ser administrada por via transcutânea (patch de lidocaína: Lidoderm® 5%, importado – utilizar por 12 horas e remover por 12 horas), bastante útil na neuralgia pós-herpética, em outras dores neuropáticas e nas fraturas de arcos costais.1 No bloqueio simpático venoso, é utilizada a lidocaína endovenosa na dose de 3 a 5 mg/kg em 40 minutos a 1 hora, visando a atingir um nível sérico próximo de 5 mcg/mL. Acima desse nível aparecem sintomas como parestesias, tinitus, gosto metálico, mioclonias, hipotensão, depressão miocárdica e até convulsões. Pode ser utilizado para tratamento das dores neuropáticas ou miofasciais generalizadas e refratárias, além da obromialgia. Deve ser realizado acompanhamento por anestesiologista, em ambiente monitorado.4,5 ANTAGONISTAS NMDA: CETAMINA Em associação com opioides, proporciona alívio da dor 20 a 30% maior, possibilitando a redução da dose de opioide em 25 a 50% na dor oncológica.1 É uma droga anestésica, que produz um estado similar à catalepsia, em que o paciente é dissociado do ambiente circundante pela ação direta
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no córtex e no sistema límbico. Libera catecolaminas endógenas (epinefrina, norepinefrina) e reduz repexos espinais polissinápticos.5,6 Os receptores NMDA estão envolvidos na sensibilização central (fenômeno de Wind up) e na hiperalgesia induzida por opioides. Assim, seu bloqueio parece ser útil inclusive na analgesia preemptiva (p.ex., antes da incisão cirúrgica), até porque também previne a náusea e o vômito pós-operatórios. Além de bloquear esses receptores NMDA, a cetamina também age em receptores opioides e monoaminérgicos. Em altas doses, atua também nos receptores sigma opioides, bloqueia receptores muscarínicos colinérgicos e potencializa o GABA. Produz broncodilatação e sialorreia e deve ser utilizada com cuidado em pacientes com glaucoma, pois aumenta a pressão intracerebral (PIC) e a pressão intraocular (PIO), além de diminuir o limiar convulsivo.11 A dose adjuvante no tratamento da dor é de 10 a 15 mg, endovenosa, em 1 hora. Utiliza-se o enantiômetro S, que é 3 a 4 vezes mais potente e causa menos efeitos colaterais, como alucinação. Também pode ser utilizada por via epidural.5 OUTROS ADJUVANTES
Canabinoides O 9-delta-tetraidrocanabinol (D9THC) é o mais estudado. Parece ter atividade analgésica e agir tanto no cérebro e na medula espinal quanto na periferia. Doses de 2 a 3 mg já produzem euforia e relaxamento (concentração plasmática: 3 ng/mL). Parecem ter uma atividade periférica anti-inpamatória em doses menores. Seus efeitos benéocos são: aumento do apetite e efeito antiemético. Como reações adversas, podem-se citar taquicardia, hipotensão, diminuição da espermatogênese, aumento do risco de infarto agudo do miocárdio e tromboangiíte obliterante (pela ativação plaquetária), além do risco de dependência física e psíquica.1
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Capsaicina Ativa os receptores de membrana neuronal valinoides. Após uma despolarização inicial (sensação de queimação), depleta substância P. É utilizada por via tópica nas concentrações que variam de 0,025 a 0,075% (nos Estados Unidos, existe em concentrações bem maiores).1
Bifosfonados Os mais usados são os de segunda e terceira geração, como ácido zolendrônico e ibandronato. São utilizados nas dores ósseas e na síndrome de dor complexa regional. Apresentam risco de osteonecrose da mandíbula, principalmente nos pacientes em uso prolongado e com histórico de manipulação dentária recente.1,5
Calcitonina Reduz a reabsorção óssea, inibindo a atividade osteoclática e a osteólise. É usada nas dores ósseas, principalmente fraturas espontâneas ou metástases.1,5
Benzodiazepínicos Podem ser usados por causa de seu efeito ansiolítico, indutor do sono e relaxante muscular.5,6
Cafeína Pode ser utilizada por via oral ou endovenosa, como adjuvante no tratamento das cefaleias.12
Agentes neuroimunomodulatórios Talidomida, anti-TNF-alfa, antirreceptor de IL-1 e inibidores da ativação da microglia e do fator de transcrição NF-kB.1
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NOVAS DROGAS Os alvos emergentes no tratamento da dor que estão sendo investigados são drogas antagonistas de receptores TRPA1, agonistas de receptores canabinoides CB2, agonistas de receptores GABAA e agonistas de receptores imidazolínicos I2.13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Knotkova H, Pappagallo M. Adjuvant analgesics. Anesthesiology Clin 2007; 25(4):775-86. 2. Diretriz de tratamento farmacológico da dor. HIAE, março 2012. 3. Vane LA. Manual de fármacos em anestesia. Rio de Janeiro: SBA, 2006. 4. Stoelting RK, Hillier SC. Pharmacology & physiology in anesthetic practice. 4.ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wikins, 2006. 5. Lacy CF, Armstrong LL, Goldman MP et al. Medicamentos Lexi-Comp. 1.ed. brasileira. Barueri: Manole, 2009. 6. Lacy CF, Armstrong LL, Goldman MP et al. Drug information handbook. 15.ed. Hudson: Lexi-Comp, 2007. 7.
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13 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO – ANALGESIA CONTROLADA PELO PACIENTE Marcia Carla Morete Francisco Carlos Obata Cordon
Com o avanço dos tratamentos e das técnicas cirúrgicas, cada vez mais os pacientes são submetidos a procedimentos invasivos que auxiliam na cura. No entanto, é bastante comum presenciar a dor como uma realidade no pós-operatório, gerando estresse, sofrimento e insatisfação do paciente. O controle da dor pós-operatória é essencial para a assistência integral ao paciente cirúrgico, visto que estímulos dolorosos prolongados parecem predispor a maior sofrimento e a complicações no pós-operatório.1,2 O subtratamento da dor pós-operatória induz à liberação de mediadores químicos ligados ao estresse, resultando em indesejáveis disfunções pulmonares, cardiovasculares, gastrointestinais, urinárias, metabólicas e neuroendócrinas.3 Essas alterações poderiam ser facilmente evitadas com o emprego de técnicas analgésicas adequadas, obtendo melhor recuperação no período pós-operatório.4
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Apesar de todos esses progressos e da contribuição que a analgesia pós-operatória pode oferecer, é de conhecimento geral que a dor aguda pós-operatória continua sendo tratada de maneira inadequada.4-6 Para a abordagem farmacológica adequada da dor aguda, podem ser utilizados analgésicos de ação periférica e central, bem como anestésicos para uso em bloqueios peridurais e periféricos.7,8 As prescrições de analgésicos devem ser regulares e em esquema “se necessário”. Tal esquema propicia constância do nível plasmático e oferta para episódios de picos de dor.9 Quando se fala em analgesia, pode-se destacar o desenvolvimento de sistemas de liberação e infusão de fármacos para tratar dor aguda e crônica. O uso de bombas de infusão para a analgesia controlada pelo paciente (ACP) e a analgesia por cateter peridural com opioides, associado ou não a drogas anestésicas, é considerado uma técnica soosticada, que envolve alta tecnologia.7,10,11 A ACP funciona com dispositivos. Assim que o paciente sente dor, pode disparar uma dose de analgésico, de modo independente e dentro das prescrições médicas. Essa prescrição determina um intervalo de liberação do medicamento, de forma programada e ajustável, e inibe a liberação de doses adicionais até que o tempo apropriado tenha ocorrido. Acredita-se que a ACP, quando acionada, mantém a concentração plasmática com o mínimo de droga, diminuindo efeitos colaterais, e que a autoadministração dá ao paciente senso de controle sobre a dor, reduzindo a ansiedade, ao contrário da oferta tradicional de horário e de doses complementares “se necessário”, em que se obtém a dose após o preparo e a administração da injeção, prolongando a ansiedade e a dor do paciente.12 A bomba de ACP pode ser utilizada por via endovenosa, subcutânea ou peridural, e seus usuários devem estar conscientes, orientados a respeito do procedimento e sob supervisão de um proossional treinado. As vantagens da bomba de ACP são: redução do tempo empregado da enfermagem em relação ao tratamento analgésico, fazendo com que haja mais tempo para prestar assistência a outras necessidades do paciente; dimi-
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nuição dos riscos de complicações respiratórias; deambulação precoce; utilização de menor quantidade de analgésicos; redução dos custos; e diminuição do período de internação.12 Para maior segurança e comodidade da equipe, a bomba de ACP possui um registro das doses administradas pelo paciente, sendo possível a veriocação da dosagem total administrada. Seu uso hospitalar requer protocolos especíocos e uma equipe multiproossional treinada para monitorar e manter o tratamento, controlando eocazmente a dor do paciente.12 A introdução da ACP no Brasil trouxe grande pexibilidade para o tratamento da dor no pós-operatório, com opções para analgesia venosa, subcutânea e peridural. Os pacientes que a utilizam apresentam rápido controle da dor em relação aos métodos tradicionais e as complicações observadas não devem ser consideradas um fator limitante para a indicação da técnica de analgesia prescrita.13 No entanto, para a efetividade dessa modalidade de tratamento, a equipe deve estar sempre treinada e atualizada para que o objetivo seja alcançado. ORIENTAÇÕES PRÉ-PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DA ANALGESIA CONTROLADA PELO PACIENTE Deve-se orientar o paciente: Æ sobre a instalação de bomba de ACP em cateter (peridural, venoso central ou periférico), contendo medicação para dor; Æ sobre a prescrição; Æ quanto ao uso de bolo; Æ quanto ao alarme; Æ sobre a importância de relatar à enfermagem a intensidade da dor; Æ quanto aos possíveis efeitos colaterais; Æ sobre a necessidade do controle dos sinais vitais a cada hora, nas primeiras 24 horas, e a cada 4 horas após, ou conforme protocolo da instituição.
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ORIENTAÇÕES PÓS-PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DA ANALGESIA CONTROLADA PELO PACIENTE Æ Orientar o paciente a chamar a enfermagem quando quiser sair do leito para a equipe certiocar-se da correta oxação do cateter e para não o tracionar nem dobrar; Æ orientar o paciente a chamar a enfermagem se soar o alarme; Æ estimular a atividade do paciente. ATRIBUIÇÕES DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NA ANALGESIA CONTROLADA PELO PACIENTE
Médico-anestesista ou médico de dor Æ Realizar a prescrição médica para instalar a ACP, no centro cirúrgico ou na unidade de internação; Æ programar a bomba de infusão; Æ instalar a bomba de infusão no paciente, na introdução da terapia; Æ testar o cateter antes da instalação da ACP; Æ monitorar o controle dos sinais vitais e o aparecimento dos efeitos colaterais na introdução da terapia; Æ validar e avaliar a prescrição da analgesia diariamente ou sempre que necessário.
Enfermeiro Æ Preparar a medicação prescrita; Æ se necessário, reprogramar a bomba de infusão, seguindo a prescrição médica, nos dias de terapias sequenciais; Æ reinstalar a bomba de infusão no paciente, se necessário, seguindo a prescrição médica, nos dias de terapias sequenciais e atentar a sinais pogísticos nos dispositivos (venoso, subcutâneo e peridural); Æ acompanhar a infusão da medicação e monitorar o controle dos sinais vitais e o aparecimento dos efeitos colaterais, conforme protocolo da instituição;
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Æ monitorar a efetividade da analgesia, registrando em impresso próprio; Æ realizar a troca da medicação e/ou alteração da programação, quando necessário; Æ retirar a bomba de infusão quando a medicação for suspensa pelo anestesista; Æ realizar a troca da solução a cada 48 horas, para soluções com morona, e a cada 24 horas, para as demais soluções, mesmo se a solução prescrita não tiver terminado; Æ realizar a troca de equipo e conexões a cada 72 horas, se for sistema fechado de infusão.
Técnico ou auxiliar de enfermagem Æ Realizar o controle dos sinais vitais, no primeiro dia a cada hora e, após, a cada 4 horas; Æ observar e monitorar o local do cateter (endovenoso, subcutâneo ou peridural), conforme determinação do protocolo institucional. CUIDADOS COM O CATETER PERIDURAL Para melhor manutenção da analgesia controlada pelo paciente por via peridural, deve-se estar atento a alguns cuidados, entre os quais, destacam-se: Æ uso de oltro: todos os pacientes que estiverem fazendo uso dessa modalidade de tratamento por essa via devem ter acoplado no equipo de infusão, por recomendação do fabricante, oltro 0,2 micra; Æ o curativo deve ser realizado apenas pelo médico responsável pela analgesia, utilizando solução antisséptica e gaze estéril, e sua oxação deve ser feita com película transparente em posição vertical, de tamanho grande. E, no local de inserção do cateter, deve-se usar película transparente em posição horizontal, de tamanho médio.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Donovan BD. Patient attitudes to postoperative pain relief. Anaesth Intens Care 1983; 11(2):125-9. 2. Portenoy RK, Kanner RM. Pain management: theory and practice. Filadéloa: FA Davis, 1996. 3. Moon MR, Luchette FA, Gibson SW, Crews J, Sudarshan G, Hurst JM et al. Prospective, randomized comparison of epidural versus parenteral opioid analgesia in thoracic trauma. Ann Surg 1999; 229:684-92. 4. Ready LB, Edwards WT. Adult postoperative pain. In: Ready LB, Edwards WT. Management of acute pain. Seattle: IASP Publications, 1992. p.22-5. 5. Mcleod GA, Davies HT, Colvin JR. Shaping attitudes to postoperative pain relief: the role of the acute pain team. J Pain Symptom Manage 1995; 10:30-4. 6. Scherperell P. Patient controlled analgesia. Ann Fr Anesth Reanim 1991; 10:169-283. 7.
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14 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO – REABILITAÇÃO Cícero José Nunes Vaz
INTRODUÇÃO Antes de se abordar o papel da área de medicina física e de reabilitação (MF&R) no contexto do tratamento da dor, algumas deonições básicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) devem ser ressaltadas:1,2 Æ deociência (impairment): qualquer perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, osiológica ou anatômica. Exemplo: lombalgia mecanopostural; Æ incapacidade (disability): qualquer restrição ou perda resultante de uma deociência de habilidade para desenvolver uma atividade, da forma ou dentro dos parâmetros considerados normais para um ser humano. Exemplo: incapacidade (gerada pela lombalgia) de permanecer em pé por muito tempo; Æ desvantagem (handicap): uma dioculdade imposta a um indivíduo resultante de uma deociência ou incapacidade que limita ou impede o desempenho de um papel que é normal (dependendo de fatores cultu-
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rais e sociais, idade e sexo) para ele. Exemplo: pode existir desvantagem proossional se o paciente trabalhar como engenheiro em campo de obras, mas talvez não haja tal desvantagem se sua proossão for desempenhada de forma predominante na posição sentada, como faz, atualmente, um analista de sistemas computacionais. REABILITAÇÃO Aplicada à incapacidade, entende-se por reabilitação o uso combinado e coordenado de medidas médicas, sociais, educacionais e vocacionais para treinar ou retreinar o indivíduo ao maior nível possível de habilidade funcional.
Reabilitação médica É a parte da assistência médica que objetiva o desenvolvimento das habilidades funcionais e psicológicas do indivíduo e, se necessário, seus mecanismos compensatórios, a om de permitir-lhe atingir com autonomia e levar uma vida ativa. A visão atual é de que a reabilitação médica deve ser considerada muito cedo no processo de tratamento médico e ser iniciada tão logo as condições gerais do paciente permitam. Terapias como osioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia são prescritas com o intuito de acelerar os processos de regeneração natural e prevenir ou reduzir sequelas. Para pessoas incapacitadas, com destruição morfológica ou funcional, a reabilitação médica deve concentrar-se na promoção de todos os processos osiológicos essenciais ao desenvolvimento de mecanismos compensatórios. A área de MF&R é considerada pela OMS como a “quarta fase” nos cuidados gerais em saúde, ou seja: Æ promoção da saúde; Æ prevenção das doenças (medicina social e preventiva); Æ tratamento/controle das doenças (medicina curativa);
DOR
Æ tratamento/controle das deociências e incapacidades (medicina de reabilitação) (Figura 1). Na área de medicina de reabilitação, há apenas uma especialidade médica dedicada, a osiatria, ou MF&R, mas que, ao mesmo tempo, contém diversas disciplinas não médicas igualmente importantes, como neuropsicologia, osioterapia, terapia ocupacional, psicologia de reabilitação, fonoaudiologia, musicoterapia, enfermagem de reabilitação, nutrição de reabilitação, serviço social, técnico em órteses e próteses, etc. Os conceitos fundamentais da OMS relacionados à área de reabilitação levam à conclusão da necessidade de uma abordagem que seja o mais abrangente possível, ou global, da pessoa portadora de deociência, para que tanto os esforços terapêuticos quanto as medidas de promoção e reinserção social tenham êxito. Ao se definir reabilitação, devem-se considerar os elementos: o es3
forço conjunto de uma equipe multidisciplinar, capaz de estabelecer comunicação eficaz e periódica entre seus membros, de forma a realizar um plano de reabilitação para determinado paciente, com base nas experiências pessoais e profissionais presentes em cada área envolvida, cujos objetivos possam ser mensuráveis (p.ex., escalas para avaliação de dor, qualidade de vida, espasticidade, fadiga, etc.). Além disso, o plano em questão deve ser empreendido mediante uma infraestrutura terapêutica adequada (centro de reabilitação).
Medicina social e preventiva
FIGURA 1
Medicina curativa
Interações entre “fases” da assistência em saúde.
Medicina de reabilitação
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DOR A grande maioria das deociências cursa com quadros dolorosos. A própria dor crônica pode ser considerada uma deociência, visto que gera incapacidade (limita a funcionalidade e as atividades de vida diária, reduz a qualidade de vida e a independência do indivíduo). A seguir, são apresentados alguns exemplos da associação entre dor e deociência: Æ dor “fantasma” no amputado; Æ dor central no hemiplégico; Æ dor segmentar no paraplégico; Æ síndrome dolorosa regional complexa tipos I e II, relacionada, respectivamente, a lesões nos sistemas nervoso central e periférico; Æ síndrome dolorosa miofascial; Æ dor nas deformidades articulares da artrite reumatoide; Æ lombalgia mecanopostural; Æ dor neuropática na polineuropatia diabética; Æ obromialgia. Assim, conforme se detecta maior complexidade na síndrome dolorosa, o paciente vai migrando também pelas etapas do modelo de atenção à saúde da OMS, já citadas anteriormente, as quais constituem oportunidades de tratamento (Figura 2). Em primeiro lugar, medidas para prevenção da dor têm de ser sempre almejadas e executadas. Se esse objetivo não puder ser alcançado, a dor deve ser tratada o mais precocemente possível, ainda em sua fase aguda, por todas e quaisquer especialidades da área curativa. Isso signioca que são necessários conhecimentos fundamentais sobre manejo da dor (aguda e crônica) de forma ampla e generalista. Quando a dor se torna crônica e ainda mais complexa, recomenda-se que todo paciente seja submetido a um tratamento de reabilitação multidisciplinar integrado, com equipes especialmente treinadas no tratamento e acompanhamento do indivíduo com queixa de dor. Finalmente,
DOR
Medicina social e preventiva
Medicina curativa
Medicina de reabilitação
Complexidade
Grupo de dor
Reabilitação FIGURA 2
Continuum de complexidade da dor versus oportunidades de tratamento em relação ao modelo de atenção à saúde da OMS.
se essa última instância falhar, esses pacientes devem ser encaminhados ao grupo de dor, que também é multiproossional e “contém” a equipe da reabilitação. RELATOS CLÍNICOS Em vez de descrever em detalhes técnicos as possíveis contribuições de 4
cada disciplina da reabilitação no tratamento das dores, este texto apresenta alguns relatos clínicos que permitem exempliocar de forma prática o funcionamento interdisciplinar de uma equipe de reabilitação e seus efeitos no bem-estar dos pacientes.
Relato 1 (“A união faz a força”) Paciente do sexo feminino, 46 anos de idade, comerciante, com diagnóstico de obromialgia há cerca de 11 anos, hipertensa, distímica e obesa. Queixava-se de dor generalizada [escala analógica visual (VAS) = 8,5], mais intensa no membro superior direito e na cabeça, locais em que era recorrente e de evolução mais prolongada.
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Houve piora do quadro há um ano e a paciente encontrava-se com péssima qualidade de vida e importantes limitações. Na escala de independência funcional (FIM), apresentava uma pontuação de 84 em um total de 126, o que signioca comprometimento signiocativo da independência. Associavam-se perda do interesse sexual, prejuízo da produtividade no trabalho, constipação intestinal e sono não reparador. Realizou tratamento com anti-inpamatórios não esteroides (AINE), ciclobenzaprina, puoxetina, benzodiazepínico, osioterapia e hidroterapia (grande número de sessões), com melhora apenas parcial e transitória. Ao exame físico, mostrava 18 tender-points (total de 18), retiocação da lordose lombar, anteriorização cervical, amplitudes de movimento articular (ADM) globalmente reduzidas e presença de dois pontos-gatilho (PG) relacionados à síndrome miofascial dos músculos trapézio superior e supraespinhoso, os quais reproduziam os padrões irradiados de dor relatados como recorrentes (Figura 3). Estabeleceu-se um plano de reabilitação pela equipe e, como parte da abordagem terapêutica, foi redigido um contrato com a paciente de ade-
TP 1
A
FIGURA 3
B
(A) Padrão de irradiação miofascial de PG no músculo trapézio superior (dor referida como cefaleia). (B) Padrão de irradiação miofascial de PG no músculo supraespinhoso.
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são aos seis meses de tratamento, durante três vezes por semana. Orientações e esclarecimentos sobre a importância de cada item do plano de reabilitação foram dados. A osiatria aplicou toxina botulínica para bloqueio neuromuscular e desativação dos PG recorrentes e introduziu nortriptilina como adjuvante (após avaliação de possíveis interações medicamentosas, contraindicações e advertências). A psicologia de reabilitação trabalhou ganhos secundários, condições de enfrentamento e motivação para o programa de reabilitação, dinâmica familiar e adesão. A osioterapia deu ênfase em ganho e manutenção das ADM, com reeducação muscular leve (com exercícios de curta duração e baixa intensidade). Foi utilizada estimulação elétrica analgésica com frequência variável – TENS-VIF (para evitar o efeito de tolerância), além de orientações para o uso do TENS portátil em casa (admitindo-se que, quanto maior a participação da paciente em seu próprio tratamento, melhor sua eocácia sobre dores crônicas) e alongamento muscular para desfazer os PG. Colong foi realizado com o objetivo de restruturação da postura e diminuição das sobrecargas biomecânicas. A paciente iniciou um programa de condicionamento cardiovascular aeróbio estrito e supervisionado, cuja meta era a elevação dos limiares de dor e fadiga. Por meio da terapia ocupacional, ela foi orientada e treinada quanto às técnicas de conservação de energia. A enfermagem de reabilitação, por sua vez, ensinou estratégias para estimular o trânsito intestinal e acompanhou a adesão à medicação prescrita. A nutrição de reabilitação corrigiu as inadequações alimentares e forneceu dicas para resolver a constipação intestinal. Como resultados, observaram-se redução da dor (VAS = 3), mas, mais signiocativamente, aumento da independência funcional (FIM = 118). Obteve-se redução ponderal e da medicação necessária para controle da hipertensão, bem como melhor satisfação sexual e proossional.
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Relato 2 (“A dor escondida”) Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, médica, relatava dores pélvicas incapacitantes (VAS = 10) pré e perimenstruais, dispareunia importante e depressão. Ao ser diagnosticada como portadora de endometriose, realizou cirurgia videolaparoscópica e controle medicamentoso, com diminuição da dor e melhora do humor. No entanto, continuou com queixa de dor leve, intermitente, mas persistente (VAS = 2,5), pélvica, profunda e mal deonida. Ocasionalmente, referia “dor na vagina”. Os sintomas apareciam ou pioravam em momentos de estresse emocional, porém estava em acompanhamento psiquiátrico adequado, com boa resposta ao antidepressivo, e já fazia psicoterapia, com bom vínculo. O exame médico osiátrico foi normal e o encaminhamento feito pelo ginecologista explicitava não haver novos procedimentos diagnósticos e condutas a serem empreendidos pela ginecologia. Somava-se ao quadro uma resposta ruim aos analgésicos, incluindo opioides. O médico osiatra prescreveu, então, no âmbito da reabilitação, uma prova terapêutica com biofeedback associado à estimulação elétrica funcional (FES), intravaginal, para os músculos do assoalho pélvico (Figura 4), a ser cumprida no setor de osioterapia uroginecológica. A suspeita osiátrica inicial era de síndrome miofascial acometendo os músculos formadores do assoalho pélvico, os quais, por serem profundos e de difícil acesso ao exame físico, poderiam reproduzir um padrão referido de dor semelhante àquele mencionado pela paciente (Figura 5). O racional para essa hipótese estava baseado no fato de que as síndromes dolorosas miofasciais são consideradas a “ponta do iceberg”, ou seja, são apenas consequências agudas ou crônicas de estímulos nociceptivos diversos (sobrecarga biomecânica, fraturas, cirurgias, tumores, estresse físico ou emocional, compressões nervosas periféricas, etc.) repetidos em um ou mais miótomos relacionados. Portanto, considerou-se a história pregressa de endometriose, mesmo já tratada, como geradora de PG miofasciais ainda persistentes.
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FIGURA 4
Probe intravaginal para captação de atividade mioelétrica (biofeedback) e/ou para estimulação elétrica funcional do assoalho pélvico.
A FIGURA 5
B (A) Padrão de irradiação miofascial de PG em músculos do assoalho pélvico. (B) Principais PG em músculos do assoalho pélvico.
Sessões de progressão gradual com contrações isométricas alternadas com relaxamentos (biofeedback intravaginal), assim como estímulos elétricos para contração maciça e intensa da musculatura pélvica (FES intravaginal) foram realizados. Se a impressão diagnóstica estivesse correta, essas técnicas ajudariam a eliminar os PG existentes por um mecanismo de relaxamento muscular induzido por fadiga. Além disso, o médico osiatra
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também realizou sessões de acupuntura para dessensibilização da dor, a om de promover relaxamento e alívio do estresse. O resultado foi o esperado, com abolição das queixas de dor (VAS = 0) e melhora da qualidade de vida. Após alta desse primeiro programa reabilitacional, prescreveu-se também um programa de condicionamento cardiovascular aeróbio, como estratégia de manutenção e prevenção das dores.
Relato 3 (“Por onde começar?”) Paciente do sexo masculino, 52 anos de idade, diagnosticado com osteoartrose (OA) grave bilateral de quadris, obeso, com dor crônica intensa e incapacitante (VAS = 10), piorando muito quando anda ou oca sentado por tempo prolongado. Não se detectou outra afecção reumatológica associada após investigação especializada. Histórico de indicação cirúrgica ortopédica para colocação de prótese coxofemoral, a qual o paciente recusou. A equipe médica da reabilitação (osiatria) sugeriu procedimento de viscossuplementação, para minimizar o atrito (e a dor) entre as superfícies articulares, que foi rejeitado pelo ortopedista encaminhador. Optou-se pela introdução de metadona (após avaliação de possíveis interações medicamentosas, contraindicações e advertências), mas foi logo interrompida por causa da alteração de concentração no trabalho. Neste caso em especial, a reeducação muscular (principalmente o fortalecimento) é de fundamental importância para manutenção de estabilidade articular, com redução de sobrecarga, impacto, atrito e, consequentemente, da dor. Entretanto, essa reeducação estava bastante comprometida pela presença da dor articular. Decidiu-se por iniciar programa supervisionado de condicionamento cardiovascular aeróbio em cicloergômetro de membros superiores, preservando-se, assim, as articulações afetadas e com vistas à redução ponderal e ao aumento do limiar álgico. O paciente submeteu-se, ainda, a exercícios isométricos, os quais evoluíram para isocinéticos em dina-
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mômetro isocinético (na osioterapia), bem como treino de propriocepção na hidroterapia. Indicou-se um par de palmilhas de silicone medicinal (providenciado pelo técnico em órteses), para “amortecimento” do impacto nas articulações coxofemorais, que pode prejudicar a propriocepção, tornando ainda mais importante o treino dessa habilidade pela osioterapia. A nutrição de reabilitação procedeu à correção das inadequações alimentares, com foco na diminuição do peso. Obteve-se, portanto, como efeito, diminuição do peso corporal e na escala de dor (VAS = 2) e aumento na percepção de qualidade de vida, com maior participação proossional e de lazer, aliada a melhora no humor.
Relato 4 (“O paciente com dor, sem sentir dor”) Este curioso relato diz respeito a um paciente do sexo masculino, 48 anos de idade, portador de tetraplegia espástica por severa lesão medular (transecção, Frankel A) causada por trauma raquimedular (TRM), nível neurológico C5. Chegou ao centro de reabilitação aos quatro meses pós-TRM, em cadeira de rodas com assento almofadado, sem úlceras por pressão, emagrecido, com intestino neurogênico com bom esvaziamento e bexiga neurogênica (realizando cateterismo vesical intermitente a cada 6 horas e sem infecções). Apresentava crises de disrepexia autonômica duas vezes por semana, em média. A disrepexia autonômica é uma condição grave de perturbação do controle autonômico mediado pela medula espinal, geralmente em lesões acima do nível T6, causada pela perda do controle modulador vindo superiormente do encéfalo. Dessa forma, estímulos de dor ou desconforto podem não ser percebidos conscientemente (pela interrupção gerada pela lesão medular), mas depagram uma reação não inibida medular caracterizada por níveis variáveis de piloereção, dispneia, taquicardia, dessaturação, palidez com rash cutâneo e, principalmente, crises hipertensivas severas, as quais podem desencadear acidentes vasculares cerebrais, infartos, encefalopatia, entre outros.
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O grande desaoo deste caso estaria em determinar a fonte (ou as fontes) de nocicepção (dor ou desconforto) sem a ajuda do paciente, pois ele não possuía sensibilidade abaixo do segmento lesionado. Ao ser examinado, ainda revelava espasticidade importante (Ashworth modif. = 3), diocultando o posicionamento e a higiene. Havia pequena redução na ADM do quadril esquerdo, deformidades em equino-varo redutíveis, com clônus inesgotável, bem como deformidades em extensão dos punhos (igualmente redutíveis e com clônus). Encontrava-se em uso de oxibutinina (para controle da hiperatividade vesical) e baclofeno, na dose de 10 mg/dia. Promoveu-se, então, uma revisão das técnicas de Rosing (para estímulo ao peristaltismo intestinal) e de cateterismo intermitente, pela enfermagem de reabilitação, na busca de oportunidades de se corrigir erros e minimizar a chance de constipação intestinal, impactação fecal, retenção urinária, dissinergia vesicoesoncteriana e infecções do trato urinário. A retenção urinária e a impactação fecal são, de fato, a primeira e a segunda maiores causas de disrepexia autonômica, respectivamente. Investigou-se a presença de um possível fecaloma bloqueando o trânsito intestinal por meio de uma radiograoa simples do abdome, mas a imagem foi negativa. Contudo, as radiograoas das articulações coxofemorais revelaram o desenvolvimento de ossiocação heterotópica à esquerda – uma neoformação óssea entre os tecidos moles e ao redor das articulações periféricas. A ossiocação tende a restringir as ADM e diocultar o processo de reabilitação, mas, ao mesmo tempo, pode representar causa de dor e inpamação intensas. A princípio, o paciente foi colocado pela osiatria (após avaliação de possíveis interações medicamentosas, contraindicações e advertências) em um esquema farmacológico no qual se acrescentaram etidronato dissódico (no intuito de desacelerar a ossiocação heterotópica), um protetor da mucosa gastrointestinal (pantoprazol) e um benzodiazepínico (diazepam, 5 mg/dia). Essa última droga, juntamente com o aumento da dose de baclofeno para 40 mg/dia (em quatro tomadas), objetivava maior
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controle da espasticidade que, em níveis mais acentuados, pode provocar dor de forma direta ou por meio do surgimento de encurtamentos ou deformidades. Com essa mesma onalidade, injetou-se toxina botulínica em alguns músculos selecionados. Evoluiu-se, após a prescrição, com a confecção, pelo técnico em órteses, de órteses suropodálicas para correto posicionamento de membros inferiores e splints, pela terapia ocupacional, para posicionamento dos punhos. A nutrição de reabilitação percebeu também um excesso de obras na dieta, podendo originar muitos gases, distensão visceral e cólicas, sendo o paciente reorientado a esse respeito. Em conjunto com a terapia ocupacional (setor de Seating), foram recomendadas adaptações na cadeira de rodas, incluindo o assento ROHO®, mais adequado às necessidades de redistribuição de pressão para pacientes que permanecem longos períodos na posição sentada. Finalmente, médico e enfermeiro de reabilitação orientaram e forneceram material educacional sobre os passos a serem seguidos (diretrizes vigentes) se houver nova crise de disrepexia autonômica, incluindo “cartão” de recomendações, caso o paciente seja atendido em serviço de emergência não habituado ao tratamento de lesado medular. Como resultado das intervenções citadas previamente, houve abolição das crises de disrepexia autonômica e, por conseguinte, aumento na medida de independência funcional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. World Health Organization Technical Report Series 1969; 419. 2. World Health Organization. The WHO Family of International Classiocations. Disponível em: www.who.int/classiocations. Acesso em: 27 maio 2005. 3. Halstead LS. Team care in chronic illness: a critical review of literature of past 25 years. Arch Phys Med Rehabil 1976; 57:507-11. 4. Braddom RL. Physical medicine & rehabilitation. 2.ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 2000.
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15 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO – ACUPUNTURA Marcelo Saad
INTRUDUÇÃO Atualmente, há grande interesse dos pacientes em relação ao uso de terapias complementares como adjuvantes ao tratamento convencional. Neste contexto, a acupuntura destaca-se por ser a terapia complementar mais estudada cientiocamente. Trata-se da terapia que consiste no uso de agulhas em pontos do corpo capazes de regular funções orgânicas. É um tratamento de saúde milenar baseado na Medicina Tradicional Chinesa que vem sendo resgatado e valorizado pelo Ocidente. A partir da década de 1970, a acupuntura começou a ganhar popularidade no Ocidente por conta de sua origem milenar, sua segurança e sua eocácia. Popularizou-se, em especial, por sua eociência no tratamento das dores musculoesqueléticas. Relativamente poucas complicações têm sido registradas, com frequência resultante de técnica incorreta. Em geral, o tratamento por acupuntura é seguro se executado adequadamente por um médico treinado.1 Praticamente não há contraindicações absolutas à sua utilização. Distúrbios da coagulação e imunodeociência, por
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exemplo, podem ser contraindicações relativas se a acupuntura for realizada com cuidados especiais. MECANISMOS DE AÇÃO No início das pesquisas cientíocas sobre acupuntura, os pesquisadores associaram a eocácia analgésica da técnica apenas à ativação de opioides endógenos. Posteriormente, foram descritos outros mecanismos de ação para sua eocácia (Figura 1). Hoje, sabe-se que seus efeitos osiológicos e clínicos podem ser explicados também por modulação da função neuroendócrina e de expressão gênica de neuropeptídios.2
Mecanismos neuro-humorais A analgesia por acupuntura envolve a ativação de neurônios do tronco cerebral (área cinzenta periaquedutal) e do hipotálamo. Isso dispara mecanismos de opioides endógenos. A resposta inclui mudança no nível plasmático ou liquórico de endoronas, encefalinas e hormônios relacionados a estresse (como hormônio adrenocorticotróoco). De fato, a acu-
? Placebo Humoral Inflamatório Neurológico
FIGURA 1 Esquema dos principais mecanismos de ação da acupuntura.
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puntura afeta os níveis liquóricos de endorona e encefalina e seu efeito analgésico pode ser bloqueado por naloxona.
Ação anti-inflamatória Endoronas podem interagir com citocinas, algumas das quais modulam o componente inpamatório de doenças em que a acupuntura pode ser útil. Especula-se que a acupuntura possa ampliocar a interação entre neuropeptídeos e citocinas, agindo sobre a inpamação.3
Efeito placebo Há uma falsa noção de que os resultados clínicos da acupuntura se devam principalmente ao efeito placebo. A eocácia da acupuntura possui alguma participação de efeito placebo, como em qualquer outra modalidade terapêutica, porém o peso desse fator deve ser pequeno. Em contraste com analgesia por placebo, a analgesia por acupuntura demora mais para se instalar e dura por mais tempo. Assim, alguns dos efeitos de longo prazo da acupuntura não podem ser explicados por mecanismo placebo.4
Outros mecanismos Mais substâncias, incluindo serotoninas, catecolaminas, glutamato e ácido gama-amino-butírico podem estar associadas a efeitos analgésicos e cardiovasculares da acupuntura. Outro mecanismo de ação pode ser a estimulação da expressão genética de neuropeptídios.5 Mais mecanismos devem estar envolvidos, mas atualmente ainda são desconhecidos.
Teoria energética Originalmente, a Medicina Tradicional Chinesa atribuía o efeito da acupuntura ao equilíbrio que ela produziria sobre uma suposta energia vital. Essa energia, quando em equilíbrio, resultaria em um organismo saudável. A doença seria consequência do desequilíbrio dessa suposta energia vital e a acupuntura seria uma via para restabelecer a harmonia desse sistema.
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INDICAÇÕES DE ACUPUNTURA EM CUIDADOS PALIATIVOS
Náusea e vômito A acupuntura, em conjunto com drogas antieméticas, é eocaz no tratamento de náusea e vômito induzidos por quimioterapia, reduzindo signiocativamente o número de episódios de vômito nesses pacientes.6 O ponto de acupuntura PC6 é o mais eociente para prevenção e tratamento de náusea e vômito de diversas etiologias (Figura 2). A pressão sobre o ponto PC6 tem se mostrado uma terapia simples e eocaz, que não apresenta efeitos colaterais dos medicamentos convencionais, podendo levar à redução da dosagem destes. Há evidências cientíocas apoiando o uso da acupressão do ponto PC6 para prevenção e tratamento de náusea e vômito de diversas etiologias.7 As formas de estimulação do ponto PC6 incluem a autoaplicação pelo paciente ou a pressão aplicada por um terapeuta.
FIGURA 2 Localização do ponto de acupuntura PC6.
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Outras condições clínicas A acupuntura é um meio bem documentado de reduzir muitos dos sintomas secundários ao câncer ou ao seu tratamento.8 Efeitos positivos nos poucos estudos sobre sintomas oncológicos incluem:6 desconforto respiratório, xerostomia por irradiação em glândulas salivares e fadiga pós-quimioterapia. Além disso, benefícios potenciais documentados esporadicamente incluem:6 fogachos por desequilíbrio hormonal, neuropatia periférica, leucopenia induzida por quimioterapia, anorexia e obstipação. INDICAÇÕES NO TRATAMENTO DE DOR
Síndrome dolorosa miofascial No tratamento desta condição, os resultados da acupuntura são comparáveis aos de outros métodos. Os efeitos incluem diminuição da percepção da intensidade da dor, melhora nas atividades de vida diária, diminuição do consumo diário de medicamentos para a dor e o retorno ao trabalho e melhora da qualidade de vida.9
Fibromialgia O efeito da acupuntura foi mostrado, mas provas adicionais são necessárias.10 A acupuntura pode melhorar a dor em obromialgia, mas os efeitos mais pronunciados são sobre a fadiga e a ansiedade.
Lombalgias Estudos em pacientes com lombalgia aguda apresentam resultados controversos. Muitos pacientes que recebem acupuntura falsa (agulhamento superocial da pele) também melhoram, possivelmente porque esse modelo imperfeito de “placebo” poderia ter efeitos terapêuticos. Para a lombalgia crônica, por sua vez, a acupuntura está bem indicada, pois está documentado que o tratamento convencional associado a essa terapia é superior ao tratamento convencional isolado.11
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Cefaleia Há evidência consistente de benefício pela acupuntura na crise aguda e na prevenção de crises. Os estudos sugerem que a acupuntura é tão ou mais efetiva que tratamento medicamentoso e que deveria ser considerada como opção terapêutica para enxaqueca.12
Dor neuropática Vários estudos examinaram o efeito da acupuntura para tratamento de neuropatia periférica de diversas etiologias: diabética, associada ao HIV, induzida por quimioterapia, entre outras. Os resultados, apesar de promissores, não permitem corroborar sua eocácia.13 Aparentemente, deve haver relação entre a eocácia da acupuntura e a etiologia da neuropatia, sendo que a diabética parece ser a que melhor responde a esse tratamento.
Dor intra e pós-operatória Na dor pós-operatória, condição mais homogênea, previsível e autolimitada, há praticamente unanimidade de que a acupuntura é melhor que o placebo.10 Esse efeito é observado mesmo em pós-operatório de cirurgia odontológica.
Dor oncológica Os resultados variam em decorrência de quadros clínicos heterogêneos.6 Talvez muito dessa controvérsia se deva ao fato de abrigar sob o nome “dor oncológica” elementos diferentes, como dor aos procedimentos, dor por envolvimento tumoral direto e dor como sequela do tratamento. Apesar dessa falta de consenso, o United States National Comprehensive Cancer Network recomenda acupuntura se, após modiocação da medicação, a pontuação de dor permanecer 4 ou mais na escala visual analógica (VAS).14
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Outras síndromes dolorosas Além das condições citadas, a acupuntura já mostrou efeitos positivos também nas seguintes condições dolorosas:15 Æ cervicalgia; Æ dor dentária; Æ disfunção articular temporomandibular; Æ dor facial; Æ artrite reumatoide; Æ osteoartrite (ombro, joelho); Æ cólica renal; Æ epicondilite do cotovelo; Æ ciatalgia; Æ contusões. GRUPOS ESPECIAIS DE PACIENTES
Pediatria A acupuntura e a acupressão poderiam ser usadas com segurança em neonatos para ajudar a tratar a agitação, a dor e os sintomas da retirada de opioides ou benzodiazepínicos. Acupuntura mostrou resultados promissores como tratamento potencial em pediatria para tratamento de dor.16 De modo geral, é aplicável a pacientes pediátricos e tem mostrado eocácia para algumas condições clínicas. O procedimento tende a ser bem tolerado pelas crianças (especialmente com doenças crônicas) e os efeitos adversos são pouco frequentes e geralmente restritos a distúrbios leves e temporários.
Ginecologia e obstetrícia Pacientes com dismenorreia recebendo tratamento convencional e acupuntura mostraram melhora da dor e da qualidade de vida superior à
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do tratamento convencional isolado.17 Gestantes podem se beneociar do tratamento de dor lombar, púbica, pélvica e ciatalgia por acupuntura.18 A acupuntura pode ser usada na gravidez com segurança, sem efeitos adversos sobre a gestação, a mãe, o feto, o parto e o recém-nascido, porém há pontos especíocos a serem evitados.
Pacientes em hospitais A acupuntura tem sido uma modalidade terapêutica tanto para pacientes de centros ambulatoriais quanto para pacientes que se internam em hospitais gerais. Está demonstrado que a acupuntura usada em ambiente hospitalar auxilia na recuperação, encurta o período de hospitalização e ajuda a evitar cirurgias desnecessárias.19 CONSIDERAÇÕES FINAIS A acupuntura apresenta efeitos mensuráveis em diversas condições clínicas que cursam com dor. Igualmente, pode colaborar com a redução de sintomas em pacientes sob cuidados paliativos. Múltiplos mecanismos de ação devem estar envolvidos, como neurológicos, humorais-inpamatórios, placebo e outros ainda não catalogados. A documentação sobre acupuntura permite inferir que esse procedimento é uma alternativa eocaz e segura em inúmeras condições clínicas, nas quais o tratamento convencional é ineocaz ou produz efeitos colaterais indesejáveis. Embora os estudos bem desenhados esbarrem em limitações metodológicas, há evidências suocientes do valor da acupuntura para expandir seu uso e encorajar mais estudos sobre sua osiologia e seu potencial clínico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. World Health Organization. Acupuncture. Review and analysis of reports on controlled clinical trials. Genebra: WHO, 2003. 87p.
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2. Saad M, Almeida CI. Analgesia por acupuntura: eocácia, limites e cuidados recomendados. Einstein 2005; 3(3):220. 3. Kavoussi B, Ross BE. The neuroimmune basis of anti-inpammatory acupuncture. Integr Cancer Ther 2007; 6:251-7. 4. Pariente J, Whiteb P, Frackowiaka RSJ, Lewith G. Expectancy and belief modulate the neuronal substrates of pain treated by acupuncture. NeuroImage 2005; 25(4):1161-7. 5. Kaptchuk TJ. Acupuncture – Theory, efocacy, and practice. Ann Intern Med 2002; 136:374-83. 6. Cohen AJ, Menter A, Hale L. Acupuncture: role in comprehensive cancer care – a primer for the oncologist and review of the literature. Integr Cancer Ther 2000; 4(2):131-43. 7.
Saad M, de Medeiros R. Prevenção e tratamento de náusea e vômito de diversas etiologias pela pressão sobre o ponto de acupuntura P6. Einstein Educ Contin Saúde 2008; 6(1 Pt 2):44-5.
8. Wesa K, Gubili J, Cassileth B. Integrative oncology – Complementary therapies for cancer survivors. Hematology-Oncology Clinics of North America 2008; 22(2):343-53. 9. Carneiro NM. Acupuntura no tratamento da dor miofascial: Projeto Diretrizes. São Paulo: Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, 2001. 10. Birch S, Hesselink JK, Jonkman FA, Hekker TA, Bos A. Clinical research on acupuncture. Part 1. What have reviews of the efocacy and safety of acupuncture told us so far? J Altern Complement Med 2004; 10(3):468-80. 11. Ammendolia C, Furlan AD, Imamura M, Irvin E, van Tulder M. Evidence-informed management of chronic low back pain with needle acupuncture. The Spine Journal 2008; 8(1):160-72. 12. Linde K, Allais G, Brinkhaus B, Manheimer E, Vickers A, White AR. Acupuncture for tension-type headache. Cochrane Database Syst Rev 2009; 1:CD007587. 13. Head KA. Peripheral neuropathy: pathogenic mechanisms and alternative therapies. Alternative Medicine Review 2006; 11(4):294-329. 14. Benedetti C, Brock C, Cleeland C, Coyle N, Dubé JE, Ferrell B et al. NCCN practice guidelines for cancer pain. Oncology (Huntingt) 2000; 14:135-50. 15. Chen L. Acupuncture in pain management. Pain Management Rounds 2005; 2(7):1-6.
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16. Gold JI, Nicolaou CD, Belmont KA, Katz AR, Benaron DM, Yu W. Pediatric acupuncture – A review of clinical research. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine 2009; 6(4):429-39. 17. Witt CM, Reinhold T, Brinkhaus B, Roll S, Jena S, Willich SN. Acupuncture in patients with dysmenorrhea: a randomized study on clinical effectiveness and cost-effectiveness in usual care. American Journal of Obstetrics and Gynecology 2008; 198(2):166. e1-166.e8. 18. Guerreiro da Silva JB, Nakamura MU, Cordeiro JA, Kulay Jr L. Acupuncture for low back pain in pregnancy – A prospective, quasi-randomised, controlled study. Acupunct Med 2004; 22(2):60-7. 19. Saad M, Jorge LL, Vieira MSR, de Medeiros R. Integration of acupuncture for outpatients and inpatients in a general hospital in Brazil. Acupuncture in Medicine 2009; 27(4):178-9.
SEÇÃO 5
MEDICINA INTERVENCIONISTA DA DOR
16 TRATAMENTO INTERVENCIONISTA DA DOR: BLOQUEIOS, PROCEDIMENTOS NEUROABLATIVOS E RADIOFREQUÊNCIAS Fabricio Dias Assis Fabiola Peixoto Minson
INTRODUÇÃO A terapia intervencionista baseia-se no conceito de que para um determinado tipo de dor existe uma base estrutural anatômica. O bloqueio neural altera ou interrompe o estímulo nociceptivo proveniente de tal estrutura. Nos Estados Unidos, o tratamento intervencionista da dor é deonido como a disciplina médica voltada ao diagnóstico e tratamento de doenças relacionadas à dor, principalmente com a aplicação de técnicas intervencionistas para o controle de dores subagudas, crônicas, persistentes ou intratáveis, independentemente ou em conjunto com outras modalidades de tratamento.1 No Brasil, ainda não é considerado uma especialidade e, em geral, anestesiologistas, neurocirurgiões e ortopedistas especialistas em coluna são os proossionais que se dedicam a essa área de atuação. O tipo de dor apresentado pelo paciente é importante para determinar onde e quando os procedimentos invasivos podem ser instituídos. Casos de dor oncológica apresentam resposta muito boa ao tratamento medicamentoso e apenas 15 a 20% dos pacientes necessitam da terapia
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intervencionista. Contudo, apesar do avanço da indústria farmacêutica com pesquisas e lançamentos de novos analgésicos, determinados tipos de dor, como dores neuropáticas, dores crônicas de coluna, entre outras, respondem mal aos medicamentos e uma grande parte desses pacientes evolui para procedimentos invasivos. Atualmente, é descrita uma variedade de técnicas percutâneas e muitas delas têm sido decisivas no diagnóstico e tratamento da dor. Os procedimentos são realizados sob orientação radiológica, o que aumenta a segurança e a eocácia, diminuindo de forma considerável sua morbidade. A seleção dos pacientes que serão submetidos ao tratamento intervencionista da dor deve obedecer aos seguintes critérios: Æ falha nos tratamentos conservadores; Æ achados objetivos para a patologia dolorosa; Æ ausência de contraindicações gerais. Os procedimentos intervencionistas só devem ser instituídos após investigação precisa da real origem da dor, que obrigatoriamente deve incluir os procedimentos diagnósticos.1 PONTOS ESSENCIAIS PARA COMPREENSÃO Æ Compreender o conceito da multidisciplinaridade e sua inpuência na indicação dos procedimentos intervencionistas; Æ conhecer as aplicações do intervencionismo no âmbito diagnóstico e terapêutico; Æ entender a importância do bloqueio diagnóstico, o qual determina osiologicamente a origem da dor; Æ diferenciar procedimentos neuroablativos e neuromoduladores; Æ entender os princípios da radiofrequência (RF) e as diferenças entre o método convencional e o pulsátil;
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Æ tomar contato com as técnicas intervencionistas disponíveis, conhecendo alguns procedimentos especíocos. EQUIPE INTERDISCIPLINAR O tratamento intervencionista é considerado o quarto degrau no sistema de escadas proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o controle da dor (Figura 1). A abordagem invasiva deve ser instituída de forma interdisciplinar, em conjunto com o osioterapeuta, o psicólogo especialista em dor, uma equipe de enfermagem especializada e outros proossionais médicos e paramédicos, dependendo das características individuais de cada serviço. A interação dessa equipe parece ser o principal determinante para o sucesso do tratamento do paciente com dor crônica. Essa forma de tratamento em equipe é chamada de modelo biopsicossocial e baseia-se no conceito da dor total (Figura 2). Conforme esse modelo, uma análise de todos os aspectos do paciente é realizada, não centralizando a terapia somente nas alterações de ordem física. Os aspectos emocionais, socioculturais, familiares, onanceiros, entre outros, também são avaliados. Outros aspectos avaliados pela equipe também são importantes para selecionar quando instituir a terapia intervencionista. Pacientes com distúrbios afetivo-emocionais devem ser vistos com reserva para esses procedimentos, assim como aqueles com problemas trabalhistas. A atuação do psicólogo especialista em dor é muito importante nesses casos para auxiliar na seleção correta dos pacientes. PROCEDIMENTOS Os procedimentos intervencionistas podem ser divididos, em relação à sua onalidade, em terapêuticos e/ou diagnósticos. O bloqueio terapêutico tem como objetivo tratar a dor. O bloqueio diagnóstico pode ser realizado para testar a hipótese de que determinada estrutura seja a fonte da dor do paciente.
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Tratamento da dor crônica
Tratamento da causa quando possível
4o degrau
3o degrau 1o degrau + opioide forte
o
2 degrau
1o degrau Analgésicos comuns + analgésicos adjuvantes
FIGURA 1
Tratamento intervencionista
1o degrau + opioide fraco
Sistema de escadas para o tratamento da dor.
Conceito multidimensional do tratamento da dor
Cognição
Tratamento somático
FIGURA 2
/ P D J D F Q Î Í P
Emoção Tratamento psicossocial Condições socioambientais
Tratamento da dor total. Modelo biopsicossocial.
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As instalações necessárias para a sua realização devem incluir sala cirúrgica com intensiocador de imagens e sala de recuperação anestésica (Figura 3).
Procedimentos diagnósticos Estudos demonstrando alterações na ressonância magnética (RM) em pacientes assintomáticos evidenciam a dioculdade pra determinar a estrutura exata responsável pela dor do paciente,2,3 sendo o bloqueio diagnóstico ferramenta fundamental para isso.4 A partir de uma avaliação clínica completa do paciente (história e exame físico), decide-se que procedimento realizar. Se o teste terapêutico for positivo, a investigação termina. Se for negativo, segue-se investigando até que se obtenha um bloqueio positivo. Dessa maneira, determina-se osiologicamente se uma estrutura é a causa da dor do paciente ou não. É importante lembrar que há casos nos quais a dor é mista e pode possuir duas ou mais causas. Esses pacientes podem apresentar uma resposta parcial com determinado procedimento. A American Society of Interventional Pain Physicians (ASIPP) publica, quase anualmente, as linhas gerais baseadas em evidências com protocolos para diagnóstico da dor espinal crônica1 (Figuras 4 a 6).
FIGURA 3
Sala preparada para a realização de procedimentos intervencionistas com radioscopia.
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Dor lombar crônica
Baseado na avaliação clínica
Bloqueio facetário
Positivo
Negativo
Discografia provocativa
Positivo
Negativo
Infiltração sacroilíaca
Positivo
Negativo
Peridural transforaminal
Positivo
Negativo
Infiltração sacroilíaca
Peridural
Positivo
Negativo
Bloqueio facetário
Positivo
Negativo
Discografia provocativa
Positivo
Negativo
Infiltração sacroilíaca
Positivo
Negativo
Positivo
Bloqueio facetário
Positivo
Negativo
Discografia provocativa
Positivo
Negativo
Peridural transforaminal
Positivo
Parar o processo
FIGURA 4
Negativo
Adaptada de protocolo proposto pela ASIPP para diagnóstico de dor lombar crônica.1
Negativo
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Dor cervical crônica
Baseado na avaliação clínica
Bloqueio facetário
Positivo
Peridural interlaminar
Negativo
Positivo
Peridural interlaminar
Positivo
Negativo
Bloqueio facetário
Positivo
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo ou
Discografia provocativa
Positivo
Negativo
Parar o processo
FIGURA 5
Adaptada de protocolo proposto pela ASIPP para diagnóstico de dor cervical crônica.
Obs.: Na região cervical, deve-se evitar a abordagem transforaminal.1
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Dor torácica crônica
Baseado na avaliação clínica
Bloqueio facetário
Positivo
Peridural interlaminar
Negativo
Positivo
Peridural interlaminar
Positivo
Negativo
Bloqueio facetário
Positivo
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo ou
Discografia provocativa
Positivo
Negativo
Parar o processo
FIGURA 6
Adaptada de protocolo proposto pela ASIPP para diagnóstico de dor torácica crônica.
Obs.: Na região torácica, deve-se evitar a abordagem transforaminal.1
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As técnicas intervencionistas diagnósticas baseadas em evidência incluem discograoa provocativa, bloqueio da articulação facetária, inoltrações da articulação sacroilíaca e peridural transforaminal ou bloqueio seletivo de raiz. A discograoa provocativa tem como objetivo identiocar o disco doloroso. Envolve a introdução de uma agulha dentro do disco intervertebral-alvo e posterior injeção de contraste, na tentativa de reproduzir a dor sentida pelo paciente. Os pacientes selecionados para a discograoa provocativa são aqueles com lombalgia crônica suspeita de dor discogênica. A dor discogênica lombar apresenta-se como queixa de dor axial pobremente localizada, podendo irradiar-se para os membros inferiores. O paciente pode apresentar dor à depexão da coluna lombar e à palpação dos processos espinhosos nos níveis correspondentes. O comitê de taxonomia da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) deoniu os critérios diagnósticos para dor discogênica:5 a discograoa reproduz a dor do paciente, mas a provocação de discos adjacentes não reproduz dor ou reproduz dor não familiar para o paciente O bloqueio para diagnóstico da dor facetária pode ser realizado com injeções intra-articulares ou com bloqueio do ramo médio do ramo posterior, responsável pela inervação das facetas articulares. No exame físico, o que mais chama a atenção é a dor, além da dioculdade nos movimentos de extensão e lateralização da coluna. A tensão da musculatura paravertebral adjacente também está presente em um grande número de casos. A dor com origem na articulação sacroilíaca (SI) tem comportamento muito semelhante à dor facetária lombar. O exame físico revela dor na palpação dos tecidos adjacentes à articulação. Várias manobras e testes podem ser utilizados, porém apresentam baixa sensibilidade e especiocidade. A inoltração intra-articular com anestésico local certioca seu diagnóstico.5
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Pode-se testar se um nervo espinal especíoco é a causa da dor do paciente realizando peridural transforaminal ou bloqueio radicular seletivo. Isso pode ser muito interessante em casos de hérnias discais múltiplas ou sempre que houver dúvidas se um ou mais nervos espinais são realmente a causa da dor. Por causa das complicações relacionadas às transforaminais na região cervical e torácica, a ASIPP, desde 2007, retirou esse tipo de procedimento de seu protocolo.6 Nesses segmentos, deve-se realizar a abordagem ao espaço peridural pela via posterior interlaminar. Nos outros segmentos, lombar e sacral, a abordagem transforaminal é um meio seguro e eociente para auxílio na propedêutica do paciente com dor radicular.1 A utilização desses bloqueios aumenta a precisão diagnóstica, embora ainda haja casos de falso-positivo e falso-negativo, principalmente em pacientes com problemas emocionais envolvidos, os quais podem ser identiocados em uma avaliação multidisciplinar pelo psicólogo especialista em dor.
Procedimentos terapêuticos Os procedimentos terapêuticos podem ser divididos em dois grupos: neuroablativos e neuromoduladores. Os procedimentos neuroablativos são aqueles nos quais há uma interrupção anatômica das vias da dor. Exemplos são os bloqueios neurolíticos com agentes químicos, os procedimentos percutâneos por RF convencional (RFC) e lesões nervosas por outros métodos, como em cirurgias abertas. A neuromodulação é a interrupção dinâmica e funcional das vias da dor. Nesse caso, não há lesão do tecido neural e os exemplos são a estimulação medular, cerebral ou de nervos periféricos, os sistemas de liberação espinal de fármacos e a RF pulsátil (RFP). Entre as várias técnicas terapêuticas utilizadas por anestesiologistas, destacam-se bloqueios anestésicos com corticosteroides, RF convencional ou pulsátil, neuroplastia peridural percutânea, procedimentos intradis-
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cais, como anuloplastias e técnicas de descompressão discal percutânea, procedimentos para tratamento das fraturas por compressão do corpo vertebral, toxina botulínica (BTx-A), viscossuplementação intra-articular com ácido hialurônico e colocação de estimuladores medulares ou de nervos periféricos e de bombas de infusão espinal de fármacos. A aplicação de ozônio por diferentes vias, como intradiscal, intramuscular, peridural ou sistêmica, pode ser uma excelente alternativa em pacientes selecionados, como na obromialgia7 ou intradiscal em pacientes com doenças do disco intervertebral.7 Embora no Brasil a ozonioterapia ainda seja considerada um procedimento experimental, é uma técnica amplamente utilizada na Europa. Em um futuro próximo, as terapias biológicas, como a aplicação de fatores de crescimento ou de células-tronco, devem fazer parte do arsenal terapêutico do intervencionista. Elas objetivam não apenas o alívio da dor, mas principalmente a reparação e regeneração do tecido degenerado. Estudos com a aplicação desse método em pacientes com artroses e doenças discais degenerativas são animadores.8,9 BLOQUEIOS PERIDURAIS As injeções no espaço peridural, via convencional interlaminar (cervical, torácica ou lombar), transforaminal (cervical, torácica, lombar ou sacral) ou caudal, são as técnicas mais utilizadas para o tratamento da dor nos Estados Unidos.
Indicações Dor crônica na coluna ou em membros superiores/inferiores ou intercostal que não responde ou responde mal ao tratamento conservador, causada por uma ou mais das seguintes patologias: Æ hérnia discal; Æ radiculopatia;
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Æ estenose de canal; Æ síndrome pós-laminectomia; Æ obrose peridural; Æ fraturas do corpo vertebral; Æ metástases no corpo vertebral; Æ doença degenerativa discal. A osiopatologia da dor radicular causada por hérnia discal é bem conhecida. Além de um mecanismo compressivo isquêmico sobre a raiz emergente, obviamente justiocável, há um componente inpamatório muito importante em sua origem. Em função do contato do núcleo pulposo, ácido, com o gânglio da raiz dorsal (GRD) ou a raiz acometidos, há uma série de substâncias pró-inpamatórias liberadas no local da hérnia. É nessa cascata inpamatória que o bloqueio age. A utilização das injeções peridurais baseia-se na premissa de que o corticosteroide liberado diretamente nesse espaço alcance altas concentrações sobre o nervo inpamado e seja mais efetivo do que quando administrado pela via oral ou intramuscular.10 A dispersão da solução no sítio-alvo depende de muitas variáveis. A via de administração é a principal delas. Os corticosteroides injetados pela via posterior interlaminar podem ser impedidos de alcançar a emergência da raiz, que oca no espaço peridural anterior e lateral, por causa da presença de ligamentos peridurais ou de tecido obrocicatricial. Existe forte evidência (nível II) para a eocácia das injeções caudal e transforaminal, porém, para a interlaminar, os estudos mostram evidência de moderada a limitada (nível III para IV) no tratamento de hérnias e prolapsos dos discos intervertebrais.10 Os bloqueios peridurais por qualquer via devem preferencialmente ser realizados sob radioscopia. Na abordagem transforaminal, a utilização da radiograoa é obrigatória.
DOR
RADIOFREQUÊNCIA Os geradores modernos de RF utilizam altas frequências (500.000 a 1.000.000 Hz). A corrente é aplicada com o uso de um eletrodo ono, o qual é inserido através de agulha isolada em sua parte mais distal, chamada de ponta ativa. O paciente é conectado a uma placa dispersiva, que levará a corrente de volta ao gerador de RF. O tecido comporta-se como um resistor. A exposição tecidual ao campo elétrico e a passagem da corrente geram fricção das moléculas ionizadas e subsequente produção de calor, além da exposição tissular a um campo magnético. O tecido aquece e transmite secundariamente o calor ao eletrodo, e não o inverso. O mecanismo de aquecimento é, portanto, iônico, em vez de dielétrico. Temperaturas acima de 45¤C destroem as obras nervosas. Entre 42 e 45¤C, as lesões são reversíveis. Vários estudos levaram ao questionamento do papel do calor na RF. No principal deles, em 1997, Slappendel et al. não encontraram diferenças signiocativas no resultado da aplicação de RF no GRD cervical, em temperaturas de 40 a 67°C, para tratamento de radiculopatias crônicas.11 Nesse contexto de questionamentos, em 1998, Sluijter desenvolveu a radiofrequência pulsátil (RFP).12 A RFP consiste em uma utilização diferente da corrente elétrica, embora as agulhas e os eletrodos utilizados sejam os mesmos da RFC. Nessa técnica modiocada, a cada 1 segundo, dois pulsos de corrente de RF, de 20 ms cada, são liberados. Durante um ciclo, a fase ativa de 20 ms é seguida por um período silente de 480 ms, permitindo a dispersão do calor gerado, limitando a temperatura a 42°C. A RFP é uma técnica pouco destrutiva e as alterações teciduais demonstradas com esse método são temporárias e reversíveis. Clinicamente, pode ser considerada uma técnica neuromoduladora, pois não há sinais clínicos de lesão do neurônio. Seu mecanismo de ação principal está relacionado ao campo elétrico formado, o qual é três vezes maior que após exposição à RFC. Dessa forma, a RFP está baseada no conceito do efeito dual da exposição do tecido à corrente de RF. Além da fricção iônica que causa a produção
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de calor, existe um efeito independente, não térmico, que tem o potencial de produzir uma modiocação do comportamento neuronal. Entre os efeitos demonstrados com a RFP, destacam-se a indução trans-sináptica, a transcrição genética e um efeito anti-inpamatório.13 O desenvolvimento da RFP permitiu ampliar de maneira considerável as indicações da RF, uma vez que não haveria problemas em aplicá-la em nervos periféricos, no GRD ou em nervos motores. Pode-se, então, considerar que a RFC e a RFP são procedimentos diferentes com indicações diferentes. Enquanto a RFC é um método neuroablativo, a RFP comporta-se clinicamente como um procedimento neuromodulador, vide indicações na Tabela 1. EPIDUROPLASTIA A epiduroplastia, lise de aderência peridural, neuroplastia percutânea ou neurólise peridural, é uma técnica intervencionista que vem se destacando no controle da dor. Tem como objetivo eliminar os efeitos deletérios da obrose peridural e assegurar a liberação de solução dentro da área-alvo.
TABELA 1
Indicações de radiografia convencional e pulsátil
Procedimento
Alvos
Indicações
Níveis de evidência
RFC
Ramo médio
Dor facetária com curta resposta
Nível II para cervical
à infiltração facetária
e lombar. Torácica
Dor sacroilíaca com curta
é limitada
resposta à infiltração articular Gânglios simpáticos
SDCR
Trigêmio
Dor visceral Dor facial
RFP
Gânglio da raiz dorsal
Dor radicular
Nível II/nível III
Dor discogênica Nervos periféricos
Dor do território de nervo periférico específico
RFC: radiofrequência convencional; RFP: radiofrequência pulsátil; SDCR: síndrome dolorosa complexa regional.
DOR
Embora a fibrose peridural seja mais comumente observada após intervenções cirúrgicas na coluna, o vazamento de material discal para o espaço peridural após fissura anular causa deposição de fibroblastos e resposta inflamatória, as quais vão causar a fibrose no espaço peridural.14-16
Indicações • Síndrome pós-laminectomia; • fibrose peridural; • radiculopatia; • estenose de canal. Tratamento percutâneo das fraturas por compressão do corpo vertebral As fraturas compressivas do corpo vertebral (FCCV) decorrentes de osteoporose são um problema comum no Brasil e no mundo, com estimativa de incidência anual de 500 mil novos pacientes nos Estados Unidos. A FCCV é definida como diminuição de pelo menos 15% na altura do corpo vertebral. Sua prevalência é maior no sexo feminino e aumenta com a idade, atingindo 40% das mulheres com 80 anos. As vértebras mais frequentemente afetadas são T12 e L1. O tratamento conservador tradicional dessas fraturas consiste na utilização de anti-inflamatórios não esteroides (AINE), eventualmente opioides, um período de repouso e, possivelmente, uma órtese espinal e fisioterapia. Esse regime pode resolver a maioria dos casos de dor, porém o repouso está associado a várias complicações, principalmente nos pacientes idosos, como doenças pulmonares, úlceras de decúbito e trombose. Consequentemente, a vertebroplastia pode ser considerada para o tratamento das fraturas por compressão, e a experiência clínica com o método sugere resultados bastante positivos. O método consiste na injeção de polimetilmetacrilato (PMMA) através de uma agulha colocada dentro do corpo vertebral afetado.
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A cifoplastia por balão é outra técnica semelhante à vertebroplastia.17 TRATAMENTO DAS SÍNDROMES DOLOROSAS MIOFASCIAIS A síndrome dolorosa miofascial (SDM) foi conceituada por Janet Travell na década de 1950.18 O diagnóstico é feito pela presença de pontos-gatilho (TP – trigger points) miofasciais. Os TP são caracterizados por bandas tensas de obras musculares sensíveis à digitopressão. Travell e Simons foram os primeiros a sugerir a inoltração dos TP para o tratamento da SDM.19,20 Os músculos mais frequentemente afetados são iliopsoas, piriforme, quadrado lombar, glúteos, trapézio, escalenos, entre outros. As inoltrações podem ser feitas com anestésico local ou com toxina botulínica do tipo A (BTx-A). Os corticosteroides devem ser evitados nas injeções musculares, por causa dos efeitos deletérios no tecido muscular relacionados a essas drogas. A utilização da radioscopia deve ser preferida para injeções em músculos profundos, como o piriforme, o quadrado lombar e o psoas. VISCOSSUPLEMENTAÇÃO E TERAPIAS BIOLÓGICAS A injeção intra-articular do ácido hialurônico é um método conservador para o tratamento da dor causada pelas artroses. Pode ser feito em qualquer articulação, sendo o joelho e o ombro as mais comuns. As inoltrações podem ser feitas guiadas pela radioscopia, que certioca o correto posicionamento da agulha, aumentando sua eocácia e segurança. O processo de cicatrização envolve mecanismos complexos em que acontecem interações entre células, envolvendo a matriz extracelular e reações mediadas pelos fatores de crescimento (FC). Os FC atuam como mensageiros que regulam os vários passos do reparo tecidual. De acordo com a gravidade da lesão, o processo de reparo pode exigir um grupo maior de mediadores biológicos, assim como maior tempo para acontecer. O papel dos FC derivados das plaquetas (PDGF) no mecanismo de cicatrização tem sido amplamente estudado, e os resultados de sua aplicação no
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tratamento da dor causada pelas artroses e doenças degenerativas discais são animadores.21,22
Sistemas implantáveis A estimulação medular utiliza a estimulação elétrica da medula espinal para o controle da dor. Vários mecanismos estão envolvidos nesse método, o qual, quando bem indicado, pode trazer alívio expressivo do quadro doloroso. Pode ser utilizada em várias patologias, porém suas melhores indicações são as síndromes pós-laminectomia e as síndromes dolorosas complexas regionais tipos I e II.23,24 As bombas de liberação de drogas espinais são uma ótima opção para determinado grupo de pacientes. Opioides puros ou em associação com clonidina e/ou anestésicos locais são as drogas mais comumente utilizadas. A implantação desses dispositivos está muito bem estabelecida em pacientes oncológicos, porém seu uso em pacientes com dores crônicas não oncológicas vem sendo cada vez mais difundido.25,26 Pacientes com espasticidade também se beneociam com infusão contínua de baclofeno intratecal.27,28
Bloqueios do sistema nervoso simpático A principal onalidade dos nervos simpáticos é manter o tônus constritor normal nos vasos sanguíneos. O bloqueio regional simpático produz um efeito fundamentalmente vasodilatador. O sistema nervoso simpático (SNS) é também o principal responsável pela informação nociceptiva visceral. O efeito antiálgico do bloqueio simpático parece estar relacionado ao restabelecimento do puxo sanguíneo nos quadros dolorosos associados a hiperatividade simpática e consequente vasoconstrição, hipóxia tecidual, aumento da permeabilidade vascular, melhorando o aporte nutritivo e diminuindo o edema. Além disso, o bloqueio de determinados gânglios simpáticos produz interrupção da via nociceptiva visceral.29 O bloqueio do SNS pode ser realizado nas seguintes estruturas, vide Tabela 2:
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TABELA 2
Indicações de bloqueios do sistema nervoso simpático
Bloqueio Gânglio esfenopalatino
Indicações Neuralgia do esfenopalatino Neuralgia de trigêmio Cefaleias em salvas Enxaqueca Dor facial atípica Herpes-zóster oftálmico
Gânglio estrelado e simpático
Síndrome de dor regional complexa tipo I e II de tronco e membros
torácico
superiores Doenças vasculares Neuralgia pós-herpética de tronco e membros superiores
Esplâncnico e plexo celíaco
Dor de manutenção simpática de flanco, retroperitônio e parede abdominal alta Dor por insuficiência vascular abdominal Dor abdominal não maligna incluindo pancreatite
Simpático lombar
Síndrome de dor regional complexa tipos I e II de membros inferiores Insuficiência vascular de membros inferiores Dor urogenital intratável, incluindo cólica renal
Simpático lombar
Dor fantasma, dor em coto de amputação de membros inferiores Lombalgia Hiperidrose
Plexo hipogástrico superior
Dor pélvica de origem oncológica Cólon descendente, reto, útero e colo uterino, vagina, ovários, bexiga, próstata, testículos, tenesmo pós-anastomose colorretal Dor pélvica de origem não oncológica Endometriose, dispareunia, prostatodínea, cistite intersticial crônica, dor pélvica em geral
Gânglio de Walther
Dor perineal
(gânglio ímpar)
BLOQUEIOS DE CABEÇA E PESCOÇO Os bloqueios de cabeça e pescoço podem ser realizados para vários tipos de neuralgia conforme Tabela 3.
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TABELA 3
Indicações de bloqueios de cabeça e pescoço
Bloqueio Bloqueio do trigêmio
Indicações Neuralgia trigeminal idiopática Dor neuropática facial secundária a câncer terminal ou esclerose múltipla Dor ocular intratável
Nervo glossofaríngeo
Neuralgia do glossofaríngeo Dor oncológica
Nervo vago
Neuralgia do nervo vago Dor oncológica
Nervo occipital maior
Cefaleias tensionais Lesão traumática em chicote da coluna cervical
Caso clínico Paciente do sexo masculino, 28 anos de idade, com queixa de dor lombar há quatro meses, com irradiação para face posterior e lateral de coxa direita. Sintomas de início insidioso, com piora gradativa. Dor contínua, que piorava ao se abaixar, permanecer sentado e caminhar. Tratado com osioterapia e acupuntura, sem melhora. Ao exame apresentava dor à pexão e extensão da coluna lombar, além de dor à palpação dos discos lombares baixos maior do que das facetas bilaterais. Exame neurológico sem alterações. A ressonância magnética evidenciou degeneração discal L5-S1. Baseada na avaliação clínica do paciente e segundo protocolo da ASIPP, a hipótese diagnóstica foi de dor discogênica lombar, e foi indicado o bloqueio diagnóstico do gânglio da raiz dorsal de L2.30,31 Ao ser reavaliado 30 minutos após o procedimento, o paciente continuava com a mesma dor, ou seja, os discos lombares não eram a fonte da dor. Foi proposto novo bloqueio diagnóstico, dessa vez das facetas articulares de L3-L4 bilateral, determinadas por palpação sob radioscopia, e o paciente apresentou melhora signiocativa dos sintomas (alívio de 80% da dor). A dor retornou em duas semanas, quando, então, foi indicada a denervação percutânea por RF das facetas lombares.
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Foi realizada RF convencional (80°C, 60 segundos) nos ramos médios de L2 a L4 bilateral (Figura 7). A escala visual analógica (EVA) do paciente no dia do procedimento era 10. No terceiro dia pós-operatório, 6, e diminuiu progressivamente até 30 dias depois da RF, quando a EVA chegou a 1. Após 6 meses, o paciente estava assintomático e assim permanece até a descrição deste caso, 32 meses após RF. Este caso ressalta a importância do bloqueio diagnóstico, uma vez que a ressonância e até o exame físico indicavam o disco intervertebral como provável fonte da dor, o que não se conormou. O bloqueio facetário, por sua vez, foi positivo, estabelecendo um diagnóstico que é menos comum nessa faixa etária; mas sendo comprovadamente a causa dos sintomas do paciente, possibilitou o tratamento com a RF e seu consequente sucesso.
A
C FIGURA 7
RF de facetas lombares. A: radiografia em oblíquo; agulhas em tunnel vision nos ramos médios de L2, L3 e L4 direitos. B: radiografia em perfil; agulhas posteriores à parte posterior do forame intervertebral. C: radiografia em AP; agulhas na junção do processo transverso com
B
o processo articular superior.
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CONCLUSÃO O tratamento intervencionista da dor é uma especialidade emergente no Brasil e no mundo e, se aplicado de forma interdisciplinar e baseado em protocolos, pode ser determinante tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento de diversas síndromes dolorosas. As técnicas minimamente invasivas são o padrão-ouro para o diagnóstico da dor espinal crônica, devendo ser instituídas antes de quaisquer procedimentos mais invasivos. As evidências para a utilização desses procedimentos são crescentes e algumas sociedades na Europa e nos Estados Unidos disponibilizam protocolos para sua utilização racional. O treinamento adequado é condição fundamental para sua aplicação. No Brasil, ainda são poucos os proossionais que se dedicam a essa área. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Manchikanti L, Boswell MV, Singh V. Evidence-Based Guidelines for Spinal Interventional Techniques. Pain Physician 2009; 12:699. 2. Boden SD, McCowin PR, Davis DO, Dina TS, Mark AS, Wiesel S. Abnormal magnetic-resonance scans of the lumbar spine in asymptomatic subjects. A prospective investigation. J Bone Joint Surg Am 1990; 72(8):1178-84. 3. Boden SD, Davis DO, Dina TS, Patronas NJ, Wiesel SW. Abnormal magnetic-resonance scans of the lumbar spine in asymptomatic subjects. A prospective investigation. J Bone Joint Surg Am 1990; 72(3):403-8. 4. Bogduk N. Low back pain. Clinical anatomy of lumbar spine and sacrum. 4.ed. Nova York: Churchill Livingstone, 2005. p.183-216. 5. Merskey H, Bogduk N. Classiocation of chronic pain. In: Descriptions of chronic pain syndromes and deonition of pain terms. 2.ed. Seattle: IASP Press, 1994. p.180-1. 6. Wallace MA, Fukui MB, William RL, Ku A, Baghai P. Complications of cervical selective nerve roots block performed with puoroscopic guidance. AJR Am J Roentgenol 2007; 188:1218-21. 7.
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17 SISTEMAS IMPLANTÁVEIS PARA LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS E NEUROESTIMULAÇÃO Benedito Domingos Amorim Filho
INTRODUÇÃO Neste capítulo, serão discutidas duas modalidades de tratamento modulador da dor (não ablativos) aplicadas a pacientes que não obtiveram sucesso com o tratamento mais conservador da dor tanto oncológica quanto da dor de origem não oncológica. Ambos os procedimentos também são indicados no controle de outras alterações funcionais, além do controle da dor, e serão expostos a título de conhecimento. PONTOS ESSENCIAIS PARA COMPREENSÃO Após a leitura deste capítulo, o leitor deve ser capaz de compreender: Æ seleção de pacientes; Æ mecanismo de ação dos métodos aplicados; Æ seguimento desses pacientes; Æ complicações possíveis relacionadas aos procedimentos; Æ resposta esperada com os procedimentos.
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SISTEMAS IMPLANTÁVEIS PARA LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS Atualmente, existe um enorme arsenal terapêutico de fármacos que, administrados por via oral ou parenteral, são capazes de conferir um bom controle analgésico nos diferentes tipos de dor, seja ela de origem neuropática ou nociceptiva, benigna ou oncológica, aguda ou crônica. Quando esse arsenal se torna insuociente em oferecer adequado controle analgésico e compromete sobremaneira a qualidade de vida do paciente, pode-se pensar em administrar o fármaco diretamente no neuroeixo. Quando se utiliza o neuroeixo como via de administração de fármacos, há a vantagem de concentrar doses da medicação próximas ao sítio de sua ação, além de a dose total terapêutica ser reduzida consideravelmente em relação a doses comparadas por via oral ou outras vias alternativas. Na literatura, encontram-se diferentes equações para conversão de doses oral:intratecal, variando desde 12:1 até 300:1.¹ Outra vantagem é reduzir o aparecimento de efeitos indesejáveis, comumente encontrados quando se utilizam outras vias, além de eliminar subprodutos metabólicos, como a morona-3-glicuronídeo. Os primeiros casos de administração de fármacos no neuroeixo datam de 1898, quando August Bier realizou uma cocainização da medula espinal, e, posteriormente, apareceram vários outros relatos de utilização do fenol intratecal no tratamento de dor oncológica, na década de 1960.2 Mas foi a partir de 1976, com os trabalhos de Yaksh e Rudy3 e a publicação de um estudo conduzido em animais sobre a utilização de morona intratecal no tratamento da dor, que os neurocirurgiões começaram a explorar essa área do manejo da dor. A partir daí, diversos trabalhos começaram a ser desenvolvidos com a utilização de morona intratecal no tratamento de diferentes tipos de dor com determinação de doses terapêuticas bem menores em relação à via oral, observando-se que essa via oferece diversas vantagens além da ação direta no neuroeixo. Também se observa reversibilidade mais rápida de efeitos colaterais, quando estes ocorrem, os quais são bem menores quando comparados à via oral.
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Nos anos 1980, Rico et al.4 e Leavens et al.5 relataram em seus trabalhos respostas analgésicas satisfatórias com a administração de bolo de morona intratecal com pouco efeito colateral. Nesse trabalho, eles conseguiram mostrar que houve melhora considerável da dor em pacientes oncológicos (Rico et al., 78%; Leavens et al., 66%), fato que junto a outros trabalhos semelhantes levou à rápida aprovação da utilização de morona intratecal para o tratamento da dor, assim como à maior exploração de outros tipos de dor controláveis com a utilização de fármacos por via intratecal. Vários estudos com aplicação de morona intratecal em pacientes com dor não oncológica seguiram e, em 1996, Paice et al.6 publicaram um estudo multicêntrico com 429 pacientes, dos quais 2/3 tinham dor não oncológica. O resultado, de modo geral, se mostrou bem semelhante entre os grupos (oncológicos e não oncológicos), sendo que a maior parte dos casos era de pacientes portadores de síndrome pós-laminectomia. O resultado foi mais favorável nos casos envolvendo dor de origem nociceptiva em relação aos casos de dor neuropática.6 Outros estudos começaram a ser feitos combinando a morona a outras substâncias, como anestésicos locais e agonistas alfa-2.7,8 Com isso, as indicações se expandiram, visando, então, ao controle da dor em pacientes com síndrome pós-laminectomia, síndrome dolorosa regional complexa, neuralgia pós-herpética e neuropatia periférica.9 Nessa fase, começou-se a pensar em meios de levar as soluções mediante sistemas de infusão contínua externos para se conseguir um nível constante de medicação e máximo efeito terapêutico. O contraponto é que esses sistemas carregam um risco mais elevado de complicações infecciosas, além do aparecimento de vazamento de liquor. Assim, em resposta a esses problemas, a bomba Infusaid Shiley® (Norwood, Estados Unidos) foi a primeira bomba de infusão contínua implantável, seguindo a partir daí a primeira bomba implantável e programável SynchroMed® (Medtronic®, Minneapolis, Estados Unidos), aprovada em 1991 pela Food and Drug
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Administration (FDA).10 Agora com a versão mais moderna, SynchroMed II, existem mais de 50 mil bombas implantadas para o controle da dor crônica (Figuras 1 e 2).
Seleção dos pacientes Dor de origem oncológica A indicação de analgesia intratecal por meio do uso de bombas implantáveis nos pacientes oncológicos depende de vários fatores, mas principalmente da interação da equipe de controle da dor com a equipe responsável pela doença de base. Deve-se procurar saber sobre o comportamento
FIGURA 1
Bomba programável SynchroMed® (Medtronic®) e programador por telemetria.
FIGURA 2
Bomba de fluxo contínuo (Medtronic®, Estados Unidos).
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da doença oncológica, as perspectivas de cura ou controle da doença a médio e longo prazos, a resposta esperada da medicação com base na etiologia da dor envolvida e também conhecer as perspectivas do paciente diante do tratamento oferecido, tanto oncológico quanto no combate à dor. Ao oferecer uma opção terapêutica diferente em relação ao tratamento que já vinha sendo instituído, o paciente e sua família criam várias expectativas, mas o bom resultado do tratamento depende também do quanto a equipe multidisciplinar é capaz de esclarecer os objetivos e o caminho a ser percorrido para alcançá-los. Em geral, os pacientes candidatos ao implante de bombas são aqueles que sofrem com efeitos colaterais intensos com a medicação (sedação excessiva, constipação, déocit cognitivo) ou que apresentam persistência de dor limitante a despeito do tratamento multimodal realizado.11,12 Quando se avalia a sobrevida de um paciente oncológico, o implante de bomba costuma ser indicado nos casos em que se tem expectativa de vida mais longa ou quando a doença se encontra sob controle do ponto de vista oncológico. Nos casos de doença em progressão rápida, em que a expectativa de vida seja inferior a 6 meses, por exemplo, uma opção seria indicar o tratamento com uso de cateter peridural por meio de sistema externo, ou analgesia peridural, além da farmacoterapia oral ou parenteral.
Dor de origem não oncológica Entre as indicações de tratamento de dor benigna por meio de bombas de infusão implantáveis, podem-se citar: síndrome pós-laminectomia, espasticidade, síndrome dolorosa regional complexa, dor central, dor pós-acidente vascular cereral (pós-AVC), dor neuropática, plexopatia braquial, aracnoidite, neuropatia periférica e falha no tratamento com estimulação medular.13 Nos casos de dor não oncológica, é importante que esses pacientes passem sempre por adequada avaliação psicológica em busca de identi-
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ocar componentes que possam comprometer o resultado do tratamento. Em geral, os pacientes com pendências trabalhistas, ganho secundário, comprometimento cognitivo, comorbidade psiquiátrica ou dependência química não tratada devem ser muito bem avaliados antes de se considerar o implante de um sistema.11,14,15 Com relação às informações a serem passadas ao paciente, deve-se esclarecer que: Æ o paciente deve realizar reabastecimentos rotineiros para que não haja sintomas de abstinência ou mesmo evitar que o sistema seja daniocado pela ausência de solução; Æ as soluções devem ser sempre trocadas por um proossional capacitado em manipular esses sistemas e especializado no manejo de dor crônica; Æ o paciente terá ajustes de dose conforme a necessidade ou o aparecimento de efeitos colaterais; Æ o paciente deve evitar manusear ou operar máquinas até o completo controle da dor ou o desaparecimento de efeitos colaterais; Æ o paciente deve evitar o consumo de álcool e drogas ilícitas pela associação a medicações analgésicas; Æ o paciente nunca deve faltar aos reabastecimentos, com risco de danos ao equipamento; Æ é proibido violar a via de acesso ao reservatório; Æ o tratamento pode ser interrompido se houver falha no controle álgico ou em decorrências dos efeitos colaterais; Æ a interrupção só pode ser feita sob orientação do especialista envolvido.
Seleção do método (tipo de infusão) Vários trabalhos têm avaliado a relação custo-benefício envolvendo o implante de um sistema de infusão intratecal e o tratamento convencional multimodal. Hassenbusch et al.16 veriocaram que o custo do implante de um sistema automatizado cobriria o custo do tratamento clínico em
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22 meses. Além disso, em pacientes com expectativa de vida inferior a 3 meses, o custo do tratamento clínico seria superior em relação ao custo do uso de um cateter peridural exteriorizado. O tratamento com medicação intratecal por longo prazo deve ser sempre realizado por meio de sistemas implantáveis. Existem dois tipos básicos de sistemas de infusão: o de infusão contínua, que não permite modiocação da velocidade de infusão, a qual já é predeterminada (se for preciso modiocar a dose diária, deve-se esvaziar o reservatório e alterar a concentração da solução), e o sistema programável, o qual, por um processo de telemetria por radiofrequência, permite não só a modiocação da velocidade de infusão da solução, mas a leitura de vários parâmetros da solução ou modiocação da curva diária de infusão com bolo de solução no meio do dia, por exemplo. Nesses sistemas, o reservatório tem capacidade que varia de 20 a 40 mL, de acordo com o modelo, e, dependendo da dose diária do fármaco, pode garantir uma infusão que dure de semanas até alguns meses. Isso reduz as visitas hospitalares, podendo diminuir também a necessidade de medicações por via oral.
Seleção dos fármacos Dependendo do tipo de dor envolvida, é possível escolher um fármaco em detrimento de outro. No entanto, a morona é considerada o fármaco-padrão para se iniciar um tratamento com bomba. Antes da indicação da bomba, costuma-se realizar um teste com injeção de uma dose em bolo de morona intratecal ou por meio de cateter peridural, avaliando-se a resposta e facilitando a decisão sobre o implante de um sistema deonitivo. Ao se considerar a conversão da dose de morona oral para intratecal, adota-se a seguinte razão: a dose de morona oral corresponde a 300 vezes a dose intratecal ou 100 vezes a dose intravenosa. Após o implante, o paciente passa por um período de ajuste de dose (titulação), até que se atinja uma resposta analgésica satisfatória com mínimo efeito colateral. O período de titulação é variável e a dose de
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morona utilizada no teste pode ajudar a chegar mais facilmente à dose terapêutica diária da infusão. Quando se trata de paciente oncológico, costuma-se fazer uma titulação mais rápida do analgésico, assim como a associação de um ou mais fármacos em esquema de polianalgesia por bomba, pois o tempo é fundamental quando se deseja melhorar a qualidade de vida de um paciente com câncer.
Opiáceos A morona é a medicação para início de tratamento, como dito anteriormente, por suas características hidrofílicas e aonidade pelos receptores na coluna dorsal da substância cinzenta. A concentração da morona decai muito lentamente, o que leva a uma distribuição rostral (puxo cranial), podendo causar depressão respiratória e analgesia dermatomérica durante o uso crônico.17,18 Apesar disso, existe uma margem de segurança muito confortável quando se mede a dose total diária limite de morona intratecal (cerca de 15 mg/dia). A morona pode ser administrada isoladamente ou em combinação, pois não raramente se encontra tolerância – e, daí, a necessidade de mudar o esquema analgésico. O fentanil também pode ser utilizado como outra opção de opiáceo, pois, como possui uma atividade intrínseca maior em relação à morona (ativa menor quantidade de receptores para produzir o mesmo efeito analgésico em relação à morona), tem menor tolerância. No entanto, ainda necessita de maiores estudos que possam sustentar sua indicação no tratamento de dor crônica. Os efeitos colaterais que podem ocorrer após administração isolada e bolo intratecal são retenção urinária, náusea, vômito e prurido. Em relação aos efeitos colaterais esperados com o uso crônico de opiáceos intratecais, podem-se citar: hiperidrose, ginecomastia, queda de libido, impotência, amenorreia, ciclos menstruais irregulares, hipogonadismo hipogonadotróoco, hipocortisolismo, deociência de hormônio de cres-
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cimento, retenção de líquidos e edema. Os efeitos colaterais com altas doses de opiáceos intratecais incluem mioclonia, hiperalgesia, paranoia, síndrome de Ménière, nistagmo, poliartralgia, sedação e depressão respiratória.
Anestésicos locais Os anestésicos também podem ser utilizados em solução para infusão intratecal. Eles agem bloqueando a condução de impulsos nervosos ligando-se a receptores de canais de sódio. Em geral, quanto mais lipossolúvel o anestésico, maior sua potência e menor a concentração necessária em solução para produzir o efeito equianalgésico de soluções menos lipossolúveis. Por enquanto, a bupivacaína é considerada o único anestésico local liberado para infusão intratecal contínua. Quando administrado em solução juntamente com a morona, a bupivacaína é capaz de aumentar o efeito analgésico da morona, resultado na redução da dose.19,20 Quando ocorrem efeitos colaterais pelo uso de bupivacaína intratecal, estes estão relacionados à dose administrada e incluem parestesia, bloqueio sensitivo-motor, hipotensão arterial, diarreia e retenção urinária.21-23 Esses efeitos são observados quando a dose excede 45 mg em 24 horas.22,24 A bupivacaína é considerada superior em relação à lidocaína para administração intratecal, em virtude de efeitos colaterais como dor e disestesia glútea ou de membros inferiores. A ropivacaína não está liberada para uso intratecal.
Clonidina A clonidina é um agonista alfa-2 adrenérgico de ação central cuja atividade é inibitória sobre os neurônios pré e pós-sinápticos no corno posterior da medula.25 É um fármaco que pode ser usado em associação com a morona e cujo efeito analgésico é superior quando comparado isoladamente com cada um.
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A clonidina tem resposta superior quando usada no tratamento de dor neuropática em relação à dor com padrão nociceptivo predominante. Os efeitos colaterais mais comuns são sedação, hipotensão, xerostomia e bradicardia.
Ziconotide O ziconotide é um bloqueador reversível de canal de cálcio do tipo N no gânglio espinal. Ele parece ter o maior efeito suprimindo a transmissão dolorosa no corno dorsal de obras mecanoceptoras do tipo A e obras nociceptivas do tipo C.26,27 O ziconotide ainda é uma medicação de uso restrito no Brasil em razão de seu elevado custo e dos efeitos colaterais que não são raros e incluem tonturas, náuseas, perda de memória, nistagmo, confusão, dioculdade para encontrar palavras, psicose, distúrbio de marcha, constipação e retenção urinária.28,29
Baclofeno O baclofeno é um agonista de receptores gama-aminobutíricos do tipo B e tem sua indicação bem comprovada no controle da espasticidade. Esses receptores estão localizados nas lâminas I-III do corno posterior da medula. O efeito agonista é atingido aumentando a condutância de potássio, levando à hiperpolarização dos neurônios de segunda ordem. Além disso, a ativação dos receptores GABA-B leva à inibição da condutância de cálcio pelos canais voltagem-dependentes. O baclofeno é usado para o controle de espasticidade, mas pode ser associado à morona quando se deseja também o controle de dor nesses casos. Os efeitos colaterais mais comumente encontrados são fraqueza, sedação, constipação, impotência, perda do controle esoncteriano e depressão respiratória.30-32
Medicações não liberadas para uso intratecal contínuo Adenosina, buprenorona, gabapentina, quetamina, quetorolaco, meperidina, metadona, neostigmina, octreotide, ropivacaína e tizanidina.
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Complicações Entre as complicações que podem ocorrer com esse tipo de tratamento, as mais comuns estão relacionadas às drogas utilizadas – erro na seleção do fármaco utilizado, dose inadequada, abstinência e falha na prescrição do puxo de medicação. Outras complicações estão relacionadas com o próprio sistema e os procedimentos de implante e manutenção, podendo-se citar hemorragia subaracnoide, meningite e granuloma de ponta de cateter. Se o paciente apresentar alguma deterioração do quadro neurológico, suspeita de falha no controle analgésico ou piora do quadro geral, o especialista deve rever o sistema e a terapia e, com base em seu pleno conhecimento sobre a técnica e o manuseio dos fármacos, procurar corrigir os problemas com a terapia e, acima de tudo, garantir o bem-estar do paciente. NEUROESTIMULAÇÃO A neuroestimulação é uma forma de tratamento não ablativo/modulatório da dor e consiste na liberação de uma corrente elétrica terapêutica e ajustável no sistema nervoso periférico ou central para a modulação da informação nociceptiva e o consequente controle da dor. É um método de tratamento indicado para diversas enfermidades, como síndrome pós-laminectomia, síndrome dolorosa regional complexa, dor de origem isquêmica de membros e angina. Além disso, alguns relatos surgiram com trabalhos sobre dor abdominal visceral, neurite cervical, dor por lesão medular, neuralgia pós-herpética e síndrome do desoladeiro torácico. O entusiasmo com a neuroestimulação começou com os trabalhos de Melzack e Wall,33 em 1965, em que os autores notaram que a estimulação de grandes obras mielínicas de nervos periféricos eram capazes de produzir parestesias e inibir a atividade de pequenas obras amielínicas nociceptivas. Em 1967, Shealy realizou o primeiro implante de estimulador na coluna dorsal em um paciente com dor oncológica em fase terminal.34,35
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A partir daí, seguiram vários outros casos de implante de estimuladores pelas mais variadas técnicas. Subsequentemente, foram desenvolvidas técnicas de implante menos invasivas por vias percutâneas.36 Ao longo desse período, vários geradores de pulso também foram desenvolvidos, começando pelos primeiros receivers por radiofrequência, seguidos por geradores com bateria de lítio implantáveis (década de 1970). Em 1980, surgiu o eletrodo quadripolar com um gerador que podia ser reprogramado por via transcutânea não invasiva por meio de um transmissor externo. Mais recentemente, surgiram geradores que podem ser tanto reprogramados quanto recarregados por via transcutânea.
Mecanismo de ação Apesar de inúmeros trabalhos publicados, ainda não se sabe o exato mecanismo de ação da neuroestimulação. Os estudos de Holsheimer, Coburn e Struijk37,38 trouxeram alguma luz, pelo menos na teoria, sobre a distribuição dos campos eletromagnéticos nas estruturas espinhais em modelos de estimulação medular. Sabe-se que a estimulação elétrica no espaço epidural gera campos eletromagnéticos complexos que afetam uma série de estruturas neurais. No entanto, não se sabe se o fato de ativar as vias aferentes nos nervos periféricos leva colunas dorsais ou vias supraleminiscais a compartilhar esse mesmo mecanismo. Além disso, deve haver potenciais antidrômicos seguindo caudalmente para ativar mecanismos segmentares espinais na coluna dorsal, assim como potenciais de ação ascendentes ativando células no tronco cerebral que, por sua vez, geram impulsos inibitórios descendentes. Em termos bioquímicos, os estudos em animais sugerem que a estimulação medular provoca a liberação de serotonina, substância P e GABA na coluna dorsal.
Alvos de tratamento A neuroestimulação pode ser feita desde em nervos periféricos até em alvos no sistema nervoso central, sendo eles a medula, alvos cerebrais
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profundos (substância cinzenta periaquedutal-periventricular) e o córtex cerebral. A localização da dor e sua osiopatologia são os motivos que levam a optar por um ou outro tipo de tratamento. São exemplos: estimulação medular no tratamento de síndrome pós-laminectomia, estimulação cortical no controle da dor central pós-AVC e estimulação do nervo occipital maior em quadros de cefaleia crônica.
Seleção dos pacientes Algumas observações são imprescindíveis antes de se indicar um tratamento de dor crônica por meio de neuroestimulação: Æ avaliação adequada do tipo de dor: a dor neuropátca é a que responde melhor com a neuroestimulação; Æ todo paciente deve passar por adequada avaliação multiproossional e, principalmente, psicológica, com o objetivo de identiocar comorbida-
FIGURA 3
Eletrodo cervicotorácico.
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des psiquiátricas, ganho secundário, pendências trabalhistas, etc. Na presença desses fatores, o resultado terapêutico pode ser duvidoso; Æ neuroestimulação deve ser indicada respeitando-se um protocolo terapêutico mediante o cumprimento das etapas clínicas do tratamento de dor crônica – tentar esgotar as opções não invasivas no controle da dor; Æ em alguns casos, o paciente pode passar por um período de teste com a estimulação para que, a partir daí, se possa indicar o implante deonitivo com base em sua resposta ao alívio da dor.
Indicações de neuroestimulação As principais indicações de neuroestimulação no tratamento de dor são: Æ síndrome pós-laminectomia; Æ síndrome dolorosa regional complexa; Æ angina; Æ doenças arteriais periféricas em membros; Æ dores abdominais viscerais; Æ neuralgia pós-herpética; Æ dor do membro fantasma; Æ dor central pós-AVC; Æ dor mielorradicular; Æ neuralgia occipital. Outras aplicações da neuroestimulação incluem: Æ distúrbios do movimento (doença de Parkinson, distonias); Æ transtornos psiquiátricos (transtorno obsessivo compulsivo, depressão); Æ síndrome de Gilles de la Tourette; Æ tinnitus; Æ epilepsia.
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Complicações As complicações relacionadas à neuroestimulação são pouco frequentes e incluem: Æ déocit neurológico; Æ infecção; Æ dor persistente no local do implante; Æ fístula liquórica; Æ quebra ou mau funcionamento do equipamento; Æ migração de eletrodo; Æ estimulação provocando dor, o que requer reposicionamento ou retirada do eletrodo. CASO CLÍNICO M.P., 37 anos, sexo masculino, ex-funcionário do metrô. Apresenta antecedente de queda no vão do trem, com fratura de coluna torácica baixa, paraplegia e dor de padrão mielorradicular refratária a tratamento com opiáceos fortes e adjuvantes. Qual é o passo a seguir? 1. Indicar bomba com solução de morona. 2. Indicar avaliação psicológica e teste de morona intratecal para bomba. 3. Indicar avaliação psicológica e neuroestimulação medular. 4. Encaminhar à medicina física e trocar esquema de tratamento clínico em função das grandes chances de ganho secundário envolvido.
Discussão Considerando o acidente de trabalho com sequela motora grave e deonitiva, o paciente deve apresentar componente psicoafetivo importante aliado ou não a provável ganho secundário. É importante que, nesse caso, seja realizada uma boa avaliação psicológica para tentar identiocar e abordar
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prováveis componentes desse tipo. Em relação à indicação, por se tratar de dor de padrão neuropático, o melhor tratamento é o de neuroestimulação medular. Se fosse pensar em bomba, a morona talvez não fosse uma boa opção, pois durante o tratamento clínico, o paciente não obteve resposta com opiáceos. CONCLUSÃO Neste capítulo, foram discutidos dois métodos de tratamento de dor crônica não ablativos que agem modulando a informação dolorosa. É importante salientar que, apesar de serem métodos seguros e com baixo índice de complicação quando realizados por um proossional capacitado nesse tipo de tratamento, são invasivos e passíveis de complicação. É fundamental que, antes de indicar um tratamento invasivo, se esgote o arsenal terapêutico clínico e que o paciente seja bem informado sobre a proposta e o objetivo que se quer alcançar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lindsay SM. The conversion challenge: from intrathecal to oral morphine. Am J Hosp Palliat Care 2004; 21:143-7. 2. Brill S, Gurman GM, Fisher A. A history of neuraxial administration of local analgesics and opioids. Eur J Anaesthesiol 2003; 20:682-9. 3. Yaksh TL, Rudy TA. Analgesia mediated by a direct spinal action of narcotics. Science 1976; 192:1357-8. 4. Rico RC, Hobika GH, Avellanosa AM, Trudnowski RJ, Rempel J, West CR. Use of intrathecal and epidural morphine for pain relief in patients with malignant diseases: a preliminary report. J Med 1982; 13:223-31. 5. Leavens ME, Hill CS Jr, Cech DA, Weyland JB, Weston JS. Intrathecal and intraventricular morphine for pain in cancer patients: initial study. J Neurosurg 1982; 56:241-5. 6. Paice JA, Penn RD, Shott S. Intraspinal morphine for chronic pain:a retrospective, multicenter study. J Pain Symptom Manage 1996; 11:71-80.
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SEÇÃO 6
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18 DOR AGUDA PÓS-OPERATÓRIA Francisco Carlos Obata Cordon
INTRODUÇÃO A dor é um sintoma muito comum e uma das principais manifestações pelas quais o indivíduo sabe que alguma coisa em seu corpo está errada, sendo a situação clínica mais importante para a procura de um serviço médico e uma das razões mais comuns de indicação de cirurgia em condições agudas.1 A dor aguda é o mecanismo de alerta da ocorrência de lesões teciduais originadas de processos inpamatórios, infecciosos, traumas ou outras causas que podem perdurar por algumas semanas. Está relacionada com a instalação de um processo patológico, seja traumático ou inpamatório, atuando nesse sentido como um mecanismo de alerta diante de uma lesão tecidual, a qual pode se dar por excesso de estímulos nociceptivos, sensibilização ou hipoatividade dos mecanismos supressores da dor. Contudo, ambos os eventos podem estar envolvidos. O tratamento da dor aguda ainda é um grande desaoo, porque, embora tenham ocorrido inegáveis avanços na área médica, tanto no conhecimento cientíoco quanto na utilização de moderna tecnologia, o diagnóstico e o tratamento da dor são questionáveis, estando longe de ser adequados e efetivos.2
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Muitas são as repercussões das dores agudas nos diversos sistemas do corpo, diretamente sobre a doença de base e outras comorbidades. Dessa forma, o controle adequado da dor pode minimizar esses efeitos, proporcionando ao indivíduo restabelecimento em período menor e com poucos efeitos sobre as outras doenças ou funções vitais. No passado, muitos proossionais da saúde pouco faziam para aliviar o sofrimento desses pacientes, apoiados em crenças errôneas de que a dor poderia ser um preditor da evolução do processo patológico instalado, pela falta de conhecimento dos mecanismos osiopatológicos da dor e pela inabilidade no manejo de medicamentos analgésicos em geral.3 São grandes os esforços para que haja mudança nesse panorama e para que a avaliação e o controle da dor sejam efetivamente realizados, embora, de fato, haja poucos proossionais ou serviços que realmente o fazem. Nesse contexto, a publicação de normas para o atendimento dos pacientes com dor pela Joint Comission on Acreditation on Healthcare Organizations objetiva propor mudanças para tentar reverter esse quadro de desrespeito com o paciente em franco sofrimento.4 A evolução para dor crônica ocorre quando, mesmo com o om do fator causal, a dor persiste. Nessas situações, o controle adequado da dor pode prevenir e evitar essa evolução, que pode atingir até 70% de incidência em casos de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos.5-8 A dor aguda está presente em várias situações e condições clínicas. Pertencem a esse grupo: dor pós-operatória, condição mais comumente associada à dor aguda; dor pós-traumas; dor em emergências clínicas, nas quais se podem considerar as crises de falcização, anginas e infecções; e, por último, mas não menos importante, dor obstétrica. REVENDO A DOR AGUDA A dor aguda está relacionada diretamente com a instalação de um processo patológico, seja ele traumático ou inpamatório. Nessas condições, os estímulos nociceptivos, mecânicos, térmicos e químicos ativam e sen-
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sibilizam os nociceptores e desencadeiam potenciais de ação nos nervos periféricos. O trauma tecidual libera substâncias como íons hidrogênio, neurocininas (substância P, neurocinina A), ATP, AMP-c, cininas (bradicinina, calicreína) e outras substâncias que atuam diretamente nos nociceptores, com o recrutamento de células inpamatórias que liberam citocinas e serotonina, e na fase seguinte surgem as prostaglandinas. Todos atuam sobre os nociceptores, de maneira direta ou indireta, sensibilizando-os. Na presença de todas essas substâncias, o processo inpamatório se instala e ocorre a sensibilização periférica. Após a ativação dos nociceptores, o estímulo é conduzido para a medula espinal, através das obras aferentes primárias A␦ e C. As obras A␦ são mielinizadas, de condução rápida, enquanto as obras C são amielínicas, de condução lenta. Esses neurônios fazem sinapse no corno dorsal da medula espinhal, mais precisamente nas lâminas I, II e V de Rexed. A lâmina II, chamada de substância gelatinosa, apresenta grande quantidade de receptores opioides, sendo uma região de grande importância na modulação da nocicepção medular. No corno posterior da medula espinal, ocorre a modulação da informação nociceptiva, onde pode haver facilitação ou inibição da transmissão nóxica. Na membrana pré-sinática, estão presentes os receptores opioides , ␦, , alfa-2-adrenérgicos, neurocinina-1 (NK-1), 5HT-2 e GABA-b. Na pós-sináptica, os opioides e ␦, AMPA, NMDA, alfa-2-adrenérgicos, 5HT-1, adenosina e GABA a e b. Os terminais dos aferentes de obra C contêm os mediadores excitatórios glutamato, aspartato, substância P, neurocinina A e CGRP. O glutamato atua sobre os receptores NMDA, AMPA e metabotrópicos e, por meio de vários eventos, aumenta a excitabilidade dos neurônios do corno posterior da medula espinhal. A substância P ativa os receptores NK-1 no segundo neurônio, o qual produz um aumento da atividade dos receptores NMDA.
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A ativação dos receptores NMDA, por vários eventos, leva à ativação de proteinocinase C e ao aumento do cálcio intracelular. Esse aumento do cálcio promove a ativação da enzima óxido nítrico sintetase (NOS) e estimula a transcrição de genes quiescentes, C-fos e C-jun. O C-fos ativa a transcrição de RNA mensageiro, que promove aumento na formação de receptores glutamatérgicos, NMDA, tornando o neurônio mais sensível ao glutamato. Durante a inpamação prolongada, a ativação de cinases produz mudanças na transcrição genética, levando a aumento do campo receptivo, resposta exagerada ao estímulo normal e redução do limiar para a ativação de novos impulsos.9 Os neurônios do corno dorsal da medula espinhal cruzam a linha média em direção ao lado oposto da medula para formar as vias de condução neoespinotalâmicas, paleoespinotalâmicas e espinorreticulares, as quais carrearão a informação nociceptiva para o tálamo e para a formação reticular e, após processadas, ao córtex sensorial. A modulação inibitória descendente ocorre por meio dos sistemas encefálicos e corticais, por vias da substância cinzenta periaquedutal, do núcleo magno da rafa, do locus coeruleus e do corno posterior bulbar e medular. Em nível medular, a inibição segmentar ocorre por atuação do sistema gabaérgico, via atuação da glicina e por inibição dos neurônios excitatórios pelas obras aferentes grossas da sensibilidade epicrítica. A inibição suprassegmentar depende das vias descendentes, por receptores de catecolaminas e receptores opioides.9 REPERCUSSÕES DA DOR AGUDA Em condições traumáticas, os estímulos nociceptivos ativam e sensibilizam nociceptores dos aferentes primários e são carreados para o corno dorsal da medula espinal, onde ocorre a transmissão do estímulo nóxico. Esses mesmos estímulos nociceptivos ativam também neurônios da coluna intermediolateral e da ponta anterior da substância cinzenta medular, desencadeando fenômenos neurovegetativos e contração da muscular
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regional. A modiocação da atividade do sistema neurovegetativo resulta em alterações hemodinâmicas, gastroenterológicas e respiratórias, entre outras. As reações neuroendócrinas levam a aumento da atividade cardíaca e ao consequente aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, aumento do trabalho cardíaco, aumento do consumo de metabólitos, do metabolismo proteico, de retenção hídrica e de hiperglicemia. Assim, aumenta o risco de ocorrer isquemia miocárdica.9 O imobilismo, causado por importantes traumas e cirurgias de grande porte, pode ocorrer em até 82% dos pacientes e alteração do sono e da deambulação, em 25%. Nessa situação, há aumento nas chances de ocorrer fenômenos tromboembólicos, escaras, acúmulo de secreções, perda de massa muscular e diminuição do trânsito intestinal.9 O comprometimento da função respiratória em pacientes com traumas toracoabdominais e em pós-operatório torácico ou abdominal é comum e pode ocorrer em até 56% dos casos. A limitação da expansibilidade pulmonar resulta em diminuição da capacidade vital, capacidade residual funcional, volume residual e volume expiratório forçado no primeiro segundo. Repexamente, há aumento do tono muscular toracoabdominal e, consequentemente, comprometimento da função diafragmática, aumentando a ocorrência de atelectasias. A diminuição da mobilidade torácica e das capacidades pulmonares favorece o acúmulo de secreções e altera a relação ventilação/perfusão, culminando, dessa forma, com hipoxemia, hipercapnia e infecções pulmonares.9,10 Na presença de dor, o esvaziamento gástrico e a motilidade intestinal estão diminuídos em decorrência dos hormônios liberados. A incidência de náuseas e vômitos aumenta, consequentemente.9,10 A cirurgia e outras condições dolorosas agudas causam dores de graus variados e com respostas sistêmicas diversas que predispõem o paciente ao aumento da morbidade decorrente de sua doença. O tratamento adequado da dor evita que essas respostas ao estresse sejam intensas e prolongadas,
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fazendo com que o sofrimento físico e emocional seja menor, como também o tempo de convalescimento.1 A escolha da modalidade analgésica e dos medicamentos analgésicos depende do tipo de dor, da sua localização, de seu mecanismo desencadeador, da preferência do paciente e de suas comorbidades e, sobretudo, da capacidade da equipe assistente. A terapia analgésica deve ser sempre multimodal, visando a utilizar efeitos sinérgicos dos diversos medicamentos à disposição no arsenal farmacológico, inclusive com a adoção de métodos não farmacológicos que são de grande importância na terapêutica. A abordagem multimodal e multimedicamentosa proporciona ao paciente um controle adequado da dor com doses menores dos medicamentos e efeitos adversos ou colaterais minimizados. Como os opioides são os principais analgésicos utilizados e têm efeitos adversos expressivos, a diminuição da dose efetiva proporciona analgesia adequada com o mínimo de efeitos adversos.9 A analgesia regional proporciona analgesia de melhor qualidade com doses reduzidas de opioides, além de ser a que resulta em recuperação mais precoce. As modalidades analgésicas descritas a seguir referem-se às vias de administração de analgésicos.
Analgesia sistêmica A via sistêmica consiste na administração através das vias enterais ou parenterais. As vias enterais (oral e retal) devem ser evitadas nos casos de dores agudas, pois as alterações gastrointestinais provocadas pela dor diocultam a absorção dos medicamentos administrados, bem como pela baixa biodisponibilidade, efeito de primeira passagem e tempo de início de ação maior que em outras vias. A analgesia pela via oral é útil quando o esquema analgésico está em regressão. A via intramuscular deixou de ser adotada por causa do desconforto que causa durante a administração dos medicamentos e pela irregu-
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laridade na absorção do medicamento proporcionada pelas alterações vasculares da musculatura durante a vasoconstrição que ocorre. A via subcutânea é uma opção à administração de opioides, porque é menos dolorosa que a intramuscular e tem absorção lenta do medicamento, o que reduz os riscos da ocorrência de efeitos indesejados. Alterações vasculares no período pós-operatório e decorrentes de traumas diminuem sua efetividade. A via intravenosa é a principal via de administração de medicamentos, porque assim eles têm início de ação mais rápido. Além disso, proporciona titulação rápida e eocaz dos analgésicos e com alívio imediato da dor. Contudo, os efeitos adversos são mais frequentes e de maior gravidade com o uso dessa via, demandando maior vigilância quando utilizada.11
Analgesia espinal A via espinal, especiocamente a subaracnóidea, é utilizada para a aplicação de medicamento em dose única, preferencialmente em analgesia pós-operatória. O fentanil, por ser lipossolúvel, tem período de ação menor, em comparação com a morona, e é hidrossolúvel, com período de analgesia prolongado. A via peridural é a melhor via de administração de analgésicos, tanto para pós-operatório quanto em casos obstétricos ou pós-traumas. Tem a vantagem de ser utilizada de modo contínuo com o uso de cateteres epidurais e bombas de infusão, o que permite uma analgesia por período prolongado e sem complicações, quando tomadas as devidas precauções e cuidados com a solução analgésica, a antissepsia do cateter e o correto manuseio dos equipos de infusão.
Analgesia regional Analgesia regional consiste na injeção de medicamentos, principalmente anestésicos locais, em plexos e troncos nervosos ou perto da lesão, objetivando diminuir ou bloquear a condução do estímulo nóxico, impedin-
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do, desse modo, que ele chegue ao corno posterior da medula espinal, sensibilizando-o.9
Métodos não farmacológicos As técnicas não farmacológicas, como estimulação transcutânea, acupuntura, termoterapia e massoterapia, são muito úteis para o controle da dor. Contudo, para a sua escolha, é necessário conhecer a etiologia da dor, o local e as estruturas envolvidas em sua gênese.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Teixeira MJ. Dor aguda. Dor – Contexto multidisciplinar. São Paulo 2003; 241-71. 2. Marks RM, Sachar E. Undertreatment of medical inpatients with narcotic analgesics. Ann Intern Med 1973; 78:173-81. 3. Fernandes CV, Rees EP. Pain management in canadian level 3 neonatal intensive care units. Can Med Assoc J 1994; 499-504. 4. Oakbrook IL. Comphrensive accreditation manual for hospitals 2001. Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations, 2001. 5. Katz J, Seltzer Z. Transition from acute to chronic pain following surgery. What do we know? Schmerz 2010; 24517-31. 6. Perkins FM, Kehlet H. Chronic pain as an outcome of surgery. Anesthesiology 2000; 93:1123-33. 7.
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19 DOR EM UNIDADES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA Francisco Carlos Obata Cordon
O sistema de saúde no Brasil é bastante precário. A atenção primária dada à população segue esse padrão de precariedade e, em muitos casos, não existe. Dessa forma, tem-se uma população mal assistida e com dioculdade de acesso ao serviço básico de saúde, que passa a utilizar o serviço de urgência e emergência para esse propósito. O setor de urgência e emergência de um hospital é a principal porta de admissão de clientes e deveria ter seu atendimento voltado aos casos de urgência e emergência. Contudo, passou a suprir as necessidades da população, adaptando-se às necessidades vigentes. Relevando esse fato e focando nos casos agudos e traumáticos, as casuísticas mostram que a dor é sintoma comum, estando presente em 78% dos pacientes.1 Apesar disso, 70% deles não recebem analgesia adequada nem algum analgésico.2 Diversos são os argumentos utilizados para tentar justiocar essa situação, entre eles:
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• inabilidade em avaliar a intensidade da dor; • crença de que o paciente supervaloriza a dor; • desconhecimento ou inabilidade na utilização dos medicamentos analgésicos; • receio de alterar ou mascarar a evolução da doença; • crença de que o controle da dor interfira no diagnóstico; • medo de adição; • interferência do sexo e da idade (jovens e mulheres recebem mais analgésicos que os outros); • falta de medicamentos analgésicos no setor. Acrescenta-se a essa lista a falta de compromisso dos próprios hospitais, que não adotam protocolos que normatizem o correto manejo da dor no setor.3 As situações clínicas nesse setor são diversas e cada uma tem sua fisiopatologia, apresentação clínica e tratamento. Apesar disso, a dor é um fator comum a todas e igualmente mal abordada. O correto manejo da dor em qualquer doença, seja a agudização de uma doença prévia ou um trauma, pode evitar complicações deletérias que, muitas vezes, agravam as condições clínicas dos pacientes. Assim, a dor aguda, tal qual a dor pós-operatória, deve ser tratada a fim de se evitar complicações pulmonares, cardiovasculares e metabólicas. Contudo, antes de iniciar diagnóstico ou tratamento da dor, deve-se entender seu mecanismo fisiopatológico, que, a partir de uma lesão tecidual periférica, e por eventos desencadeados por esta, atinge o sistema nervoso central (SNC) e desencadeia uma série de outras respostas em consequência à lesão. Os eventos iniciais que se sucedem são: transdução, condução, transmissão, percepção e modulação. A partir de uma lesão tecidual periférica, seja por agente físico (térmico ou mecânico) ou químico, ocorre a ativação dos nociceptores, que são terminações nervosas tegumentares com limiar de alta excitabilidade, ou seja, que necessitam de forte estímulo para serem ativadas. A ativa-
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ção produz um sinal elétrico que é conduzido ao gânglio da raiz dorsal e daí para o corno posterior da medula espinal, onde ocorre liberação de neurotransmissores e ativação, estímulo pós-sináptico, do neurônio de segunda ordem localizado na medula espinal (transmissão). Na medula espinal, o estímulo é conduzido para várias regiões do SNC, chegando aos centros superiores do sistema nervoso onde será interpretado (percepção). Nesse momento, ocorre a representação da dor em seus aspectos sensitivo-discriminativo, afetivo-sensorial e cognitivo-avaliativo. No corno dorsal da medula espinal, ocorre a modulação do estímulo nóxico, o qual, então, pode ser atenuado ou ampliocado por meio de mecanismos locais ou por inpuência de centros superiores, pelo sistema descendente inibitório. Durantes esses eventos, diversos neurotransmissores são liberados, sejam excitatórios ou inibitórios, e o correto entendimento do mecanismo de ação de cada um deles pode proporcionar a adoção de medidas e a utilização de medicamentos adequados para o controle esperado da dor. De fato, a elucidação pormenorizada da atuação dos neurotransmissores, principalmente na transdução e na modulação da dor, assim como seu controle, é um desaoo para todos que estudam e tratam a dor. Aliadas aos aspectos interpretativos da dor (afetivo-emocional, sensorial-discriminativo e cognitivo-avaliativo), outras respostas osiológicas são desencadeadas e podem ter repercussões sistêmicas frequentemente fatais ao paciente. O comprometimento da função respiratória, com diminuição da expansibilidade pulmonar, pode levar ao acúmulo de secreções e atelectasias. A ocorrência de atelectasias altera a relação ventilação/perfusão, podendo ocorrer hipoxemia e hipercarbia. O acúmulo de secreções pode facilitar a ocorrência de infecções e aumentar a retenção de gás carbônico (hipercarbia). O sistema cardiovascular é afetado pela liberação de catecolaminas adrenérgicas. A ocorrência de taquicardia e aumento da pressão arterial,
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do consumo de O2, do trabalho cardíaco e do débito cardíaco podem levar a eventos isquêmicos ou infarto do miocárdio. Efeitos gastrointestinais são: estase gástrica, diminuição da mobilidade intestinal, aumento de náuseas e vômitos. Respostas neuroendócrinas podem ocorrer e determinar alterações sistêmicas decorrentes da liberação de hormônios e catecolaminas. O eixo hipotálamo-hipóose-adrenal estimulado libera catecolaminas e hormônios catabólicos (cortisol, ACTH, ADH, GH, glucagon, aldosterona, renina e angiotensina II e interleucinas) e leva à diminuição de hormônios anabólicos (insulina, testosterona).4 Deve-se ressaltar que, de acordo com a deonição de dor, conforme a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), o paciente experimenta uma sensação, diante de um estímulo doloroso, sensorial e emocional desagradável. O controle da dor, dessa forma, contribui para a diminuição dos fatores emocionais que podem interferir na avaliação e na evolução do quadro clínico do paciente. Os pacientes emocionalmente instáveis são, com frequência, subavaliados e seu tratamento, postergado. Muitas vezes, a dor não é controlada adequadamente como uma forma de contenção desses pacientes. Nas situações de urgência e emergência, a correta avaliação da dor proporciona uma analgesia adequada. Todavia, poucos são aqueles que conhecem e sabem utilizar os instrumentos de mensuração da dor. A utilização das escalas é muito simples e de fácil aplicação. Atenção especial deve ser dada aos pacientes graves ou com alteração da cognição, casos em que a mensuração será diocultada ou impossível de ser realizada. Para o controle da dor, preferencialmente, a via parenteral é utilizada, em função da facilidade de administração, do rápido início de ação do analgésico e da facilidade na sua titulação. Os medicamentos analgésicos devem ter meia-vida curta e rápido início de ação. Nesse contexto, por suas características farmacológicas, os analgésicos opioides são medicamentos, dentro do arsenal terapêutico, adequados para a utilização.
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TRAUMA Por suas próprias características, as unidades de urgência e emergência recebem uma grande variedade de situações clínicas de diversos níveis de gravidade. A triagem realizada para priorizar o atendimento com base na gravidade e no risco à vida é fundamental e de alta eocácia. Apesar disso, o controle do sintoma mais comum – dor – é frequentemente postergado. A utilização de doses inadequadas ou a não utilização de analgésicos é fato comum e corriqueiro.5 Considerando que as manobras de ressuscitação e estabilização cardiovascular, respiratória e volêmica são medidas imediatas e fazem parte do atendimento inicial, a dor deveria ser avaliada e tratada durante a avaliação secundária, em que, muitas vezes, os próprios procedimentos de investigação são causadores de dor.4 Contudo, a analgesia no paciente vítima de trauma é pouco utilizada ou postergada para momentos tardios do atendimento. Na realização de pequenos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, são comuns as queixas de dor e sofrimento, pois a técnica analgésica empregada – anestesia local – é insuociente e superocial, além de não se aguardar o tempo necessário para o início de ação do anestésico local. A analgesia adequada, quando empregada, pode, inclusive, facilitar o diagnóstico correto.6,7 Em outras situações, apesar da administração de analgésicos nos momentos iniciais de atendimento, reavaliações posteriores são incomuns e doses subsequentes deixam de ser realizadas. A analgesia nas situações de trauma deve ser adequada às condições gerais da vítima e não interferir na estabilidade cardiovascular e pulmonar. Nessas situações, o emprego de doses adequadas repercute pouco na condição hemodinâmica, na função cardiorrespiratória e no nível de consciência do paciente. A escolha da modalidade analgésica empregada, sistêmica ou regional, da via de administração e do analgésico depende do estado geral do paciente e de suas condições hemodinâmica, cardiorrespiratória e neurológica. A analgesia adequada diminui o sofrimento do paciente e a
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ansiedade, proporcionando à equipe um ambiente de atendimento mais calmo e menos conturbado. QUEIMADOS As queimaduras são frequentes nas unidades de urgência e emergência, sendo lesões tegumentares provocadas por agentes físicos ou químicos. Sua gravidade varia conforme a profundidade e a extensão da superfície corporal atingida. De acordo com a profundidade, pode ser classiocada em: Æ primeiro grau: queimadura superocial, atingindo apenas a primeira camada da pele (epiderme). Caracteriza-se por ser uma queimadura não exsudativa, dolorosa, mas que regride em poucos dias; Æ segundo grau: queimadura mais profunda, na qual há aparecimento de bolhas, e muito dolorosa, porque há a exposição das raízes nervosas que foram atingidas; Æ terceiro grau: queimadura esbranquiçada, tão profunda que atinge os músculos e ossos. Os tecidos ocam negros e desvitalizados. Pode não ocorrer dor, porque as terminações nervosas responsáveis pela sensibilidade à dor foram queimadas também. Nas bordas da queimadura de terceiro grau, há queimadura de primeiro e segundo graus, e nessas regiões há ocorrência de dor; Æ quarto grau: denominada carbonização, em que há perda total da estrutura e da função morfológica. O tipo de agente causador pode variar de acordo com a faixa etária dos pacientes, sendo mais comuns as lesões por líquidos aquecidos na faixa pediátrica e por líquido inpamável nos adolescentes e adultos. As queimaduras de segundo grau são a de maior ocorrência.8-10 A avaliação e o controle da dor fazem parte do tratamento integral do paciente, tanto na fase aguda quanto nos períodos subsequentes, quando
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podem ocorrer debridamentos e enxertias. Depende do grau, da extensão das lesões e das áreas acometidas.4 Existem diferentes tipos de dores que podem ocorrem no paciente queimado; cada uma delas tem características peculiares e exige diferentes modalidades analgésicas para seu controle. Assim, a dor da queimadura propriamente dita, que ocorre em repouso, é constante, profusa, de intensidade moderada. A dor que é desencadeada pela manipulação, realização de curativos e desbridamentos, ou mesmo pela mobilização do membro ou região acometida, tem curto tempo de duração e forte intensidade. Durante a recuperação, na fase cicatricial, a dor ainda pode persistir por longo período. As lesões nervosas, com disfunção posterior e sensibilização periférica e central, são causadas pelos mediadores inpamatórios e neurotransmissores excitatórios liberados, fatores contributivos.11 A escolha do analgésico depende da avaliação da intensidade da dor e dos fatores mencionados previamente. Contudo, na fase aguda e no período de tratamento das lesões, o emprego de medicamento por via parenteral é recomendado, pois proporciona analgesia efetiva, de rápido início, fácil titulação e com facilidade de realização de doses suplementares para complementação da analgesia. No período de recuperação, há preferência pela via enteral, cujo seguimento é ambulatorial. Todos os medicamentos de uso parenteral devem ser convertidos pra via enteral para facilitar o manuseio e a administração no ambiente domiciliar. ANEMIA FALCIFORME Anemia falciforme (ou drepanocitose) é o nome dado à doença hereditária que causa a malformação das hemácias. Durante as crises de falcização, as hemácias assumem forma semelhante a foices com maior ou menor severidade, de acordo com o caso, o que acarreta deociência do transporte de oxigênio nos indivíduos acometidos pela doença.
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A dor de origem vaso-oclusiva é a maior responsável pela procura dos serviços de urgência e emergência pelos doentes com anemia falciforme. Apesar disso, o tratamento é insatisfatório e pouco eocaz. Para muitos pacientes com essa doença, a dor passa a ser constante em suas vidas. Alguns questionamentos são feitos para tentar justiocar essa situação, porém infundados e sem embasamento cientíoco.12,13 Os pacientes apresentam dor aguda e crônica, com componente neuropático presente, com certa frequência. A dor aguda é vaso-oclusiva e a dor crônica pode ser consequente às complicações da doença, como infecções, falência de órgãos, anemias, necroses e úlceras avasculares.14 A abordagem da dor aguda deve priorizar o fator desencadeante da crise de falcização e o controle da dor. O uso de analgésicos opioides é recomendado, apesar de ser pouco utilizado.12 A ocorrência de dor crônica nos pacientes com anemia falciforme gera sofrimento e angústia, tendo em vista que esses pacientes, muitas vezes, não têm tratamento adequado da dor. O tratamento ineocaz faz com que esses pacientes, frequentemente, procurem o serviço de urgência e emergência, contribuindo para a superlotação do serviço.15 A dor é um sintoma presente e comum nos serviços de urgência e emergência, embora seja mal avaliada e tratada. O sofrimento dos clientes é injustiocável – se o conhecimento não é suociente para atenuá-la, a humanização e a preocupação com um indivíduo sofrendo deveriam bastar. Embora a padronização e a normatização do manejo adequado da dor sejam preconizadas e cada vez mais requisitadas, a implementação efetiva desses protocolos está longe de ser uma realidade.2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Todd KH, Ducharme J, Choiniere M, Crandall CS, Homel P, Sandre P et al. Pain in the emergency departament: results of the pain and emergency medicine initiative (PEMI) multicenter study. J Pain 2007; 8(6):460-6.
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SEÇÃO 7
SÍNDROMES DOLOROSAS CRÔNICAS
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DOR NO CÂNCER Fabiola Peixoto Minson
A dor no paciente com câncer pode ser ocasionada por mecanismos e fatores diversos e estar relacionada à própria doença ou ser secundária a processos diagnósticos e/ou terapêuticos (quimioterapia, radioterapia, cirurgia), ou à dor não relacionada ao câncer. Estatísticas mostram que mais de 50% dos pacientes com câncer apresentam dor em algum momento no decorrer da doença, presente em 75 a 90% dos pacientes em fase onal da vida. Nos casos de pacientes com doença avançada, 65 a 85% apresentam dor relacionada ao câncer e 15 a 25% sofrem de dor indiretamente relacionada à doença, ou seja, decorrente de seu tratamento.1 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dor oncológica é bem controlada em mais de 90% dos casos, sendo o restante considerado dor de difícil controle.1 A dor pode ser de característica nociceptiva ou neuropática, e a maioria dos indivíduos apresenta mais de um tipo de dor (dor mista). O diag-
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nóstico e o tratamento nesses pacientes são de suma importância, uma vez que a dor é o sintoma que apresenta o maior impacto na qualidade de vida. É comum a dor relacionada ao câncer estar presente nos tumores sólidos, que geram efeito de massa sobre as estruturas vizinhas. Esses tumores podem comprimir estruturas nervosas ou vasculares e ocasionar inoltração óssea ou de vísceras ocas ou sólidas. Além disso, os nociceptores são estimulados por substâncias liberadas pelo tumor ou pelas células inpamatórias, que são algogênicas.1 Das dores indiretamente causadas pelo câncer, procedimentos diagnósticos como coleta de líquido cefalorraquidiano e biópsias, entre outros, são causas de dor e desconforto, especialmente para os pacientes pediátricos. O tratamento da doença também é uma causa de dor, geralmente aguda, mas que pode, eventualmente, se tornar crônica. As cirurgias que em geral podem deixar sequelas dolorosas são: mastectomias, toracotomias e amputações (dor fantasma). A quimioterapia e a radioterapia também podem ser seguidas de dor crônica: neuropatias actínicas ou periféricas, mucosites, queimaduras cutâneas, entre outras. A dor não relacionada ao câncer nos pacientes oncológicos tem prevalência igual à da população geral. Representa 3 a 10% das dores e pode ser causada por hérnia de disco, neuropatia diabética, enxaqueca, etc. É importante ressaltar que o melhor tratamento para a dor é aquele que trata sua causa. Mas quando isso não é possível, o alívio adequado e eficaz da dor oncológica pode ser obtido com uma boa relação médico-paciente, após avaliação do estadiamento da doença e do tempo de sobrevida do paciente, além de seus aspectos psicológicos e sociais. Em 1986, a OMS propôs um método para alívio das dores oncológicas: a “escada analgésica”.1,2 Ela foi traduzida em 22 idiomas e impressa em mais de 500 mil cópias. Foi revisada em 19963 e persiste até os dias atuais, sendo indicada também para outras síndromes dolorosas. A OMS
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sugeriu a organização e padronização do tratamento analgésico baseado em uma escada de três degraus, de acordo com a intensidade de dor que o paciente apresenta (Figura 1): Æ o primeiro degrau recomenda o uso de medicamentos não opioides para dores fracas; Æ o segundo degrau sugere opioides fracos, que podem ser associados a analgésicos simples do primeiro degrau, para dores moderadas; Æ o terceiro degrau consta de opioides fortes, associados ou não aos não opioides, para dores fortes. Os adjuvantes podem ser usados nos três degraus da escada. A escada de três degraus indica classes de medicamentos, e não drogas especíocas, proporcionando ao clínico pexibilidade e possibilidade de adaptação de acordo com as particularidades de seu país. A escada analgésica da OMS é um método simples, relativamente barato e eocaz em 70 a 90% das dores decorrentes de neoplasias malignas. Segundo Zech4 , 76% de 2.118 pacientes oncológicos avaliados apresen-
Dor forte
Dor moderada Dor fraca
Não opioides (p.ex.: dipirona, paracetamol, anti-inflamatórios não esteroidais) + adjuvantes FIGURA 1 Escada analgésica da OMS.
Opioides fracos (p.ex.: tramadol, codeína) +/– não opioides + adjuvantes
Opioides fortes (p.ex.: morfina, fentanil, oxicodona) +/– não opioides + adjuvantes
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taram alívio do quadro álgico com o tratamento proposto pela OMS. De forma similar, Schug5 estima que apenas 11% são refratários a essa terapêutica. Um estudo de Grond6 mostrou que 75% dos pacientes oncológicos em estádio avançado tiveram controle álgico efetivo com o uso dos medicamentos preconizados pela escada analgésica da OMS. O tratamento inicia-se com uma explicação ao paciente sobre as causas das dores oncológicas. Muitas delas são tratadas com a combinação de medicamentos e métodos não medicamentosos. O tratamento antiblástico e o controle álgico devem ser aplicados simultaneamente. Os princípios da farmacoterapia propostos pela OMS podem ser resumidos em cinco tópicos:7 escada, via oral, intervalos oxos (pelo relógio), individualização e atenção aos detalhes. ESCADA O uso sequencial dos medicamentos está esquematizado na Figura 1. Inicia-se pelo primeiro degrau, que consiste em medicamentos não opioides (analgésicos simples e anti-inpamatórios não esteroidais). Quando não ocorre alívio da dor, adiciona-se um opioide fraco para a dor de intensidade leve a moderada (segundo degrau). Quando essa combinação falha, deve-se substituir esse opioide fraco por um opioide forte, para dor de intensidade moderada a alta. Somente um medicamento de cada categoria deve ser usado por vez. Os medicamentos adjuvantes devem ser associados em todos os degraus da escada, de acordo com as indicações especíocas (antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos, bifosfonados, corticosteroides, etc.). VIA ORAL Sempre que possível, os analgésicos devem ser administrados pela via oral. Vias de administração alternativas, como retal, transdérmica ou parenteral, podem ser úteis em pacientes com disfagia, vômitos incoercíveis ou obstrução intestinal.
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INTERVALOS FIXOS (PELO RELÓGIO) Os analgésicos devem ser administrados em intervalos regulares. A dose subsequente precisa ser administrada antes que o efeito da dose anterior tenha terminado. Por exemplo, morona a cada 4 horas. A dose do analgésico precisa ser condicionada à dor do paciente, ou seja, inicia-se com doses pequenas, sendo progressivamente aumentada até que receba alívio completo. Alguns pacientes que utilizam opioides necessitam de doses de resgate além das doses regulares para as dores incidentais ou súbitas (10 a 30% da dose total diária).
INDIVIDUALIZAÇÃO Não existem doses padronizadas para os opioides. A dose correta é a que causa alívio da dor com o mínimo de efeitos colaterais. A variação da dose de morona oral, por exemplo, varia de 5 mg a mais de 500 mg a cada 4 horas. Alguns medicamentos indicados no segundo degrau da escada analgésica (opioides fracos) têm, na prática clínica, um limite de dose em função de algumas formulações associadas a analgésicos ou anti-inpamatórios (p.ex., paracetamol + codeína). Se o medicamento deixa de atuar, deve-se subir um degrau da escada analgésica, e não prescrever similar (p.ex., não substituir codeína por tramadol), já que não se obteve sucesso terapêutico com essa classe medicamentosa.
ATENÇÃO AOS DETALHES Deve-se enfatizar a necessidade da administração regular dos medicamentos analgésicos. Os horários dos medicamentos devem ser detalhadamente explicados e possíveis complicações e efeitos colaterais devem ser antecipados, sendo tratados proolaticamente. O paciente que usa opioide de forma crônica deve receber orientações sobre laxativos.
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A escada analgésica da OMS indica o uso de três classes de medicamentos – não opioide, opioide e adjuvante – descritas a seguir: • analgésicos não opioides: este grupo de analgésicos é representado por salicilatos, paracetamol, dipirona e anti-inflamatórios não esteroidais. Suas desvantagens estão relacionadas, em especial, aos seus efeitos colaterais, como doença péptica, insuficiência renal, disfunção plaquetária e interação medicamentosa. Possuem como vantagens mecanismo de ação e toxicidade diferentes dos opioides e, portanto, podem ser associados a eles. Não há desenvolvimento de tolerância; • analgésicos opioides: este grupo age principalmente em receptores mu, delta e kappa no sistema nervoso central. Podem ser subdivididos segundo sua potência em fracos e fortes. Os opioides fracos correspondem ao segundo degrau da escada analgésica e são representados por codeína e tramadol. O uso de opioides fortes corresponde ao terceiro degrau, representado por morfina, metadona, oxicodona, fentanil e outros derivados. Recomendam-se utilizar analgésicos opioides agonistas puros como primeira opção terapêutica; • adjuvantes: este grupo heterogêneo de medicamentos contribui para o alívio da dor, trata os efeitos adversos dos analgésicos e melhora distúrbios psicológicos associados ao quadro álgico;
antidepressivos tricíclicos: bloqueiam a reabsorção de monoaminas e aumentam a atividade das vias de modulação da dor. A dose analgésica é frequentemente menor do que a antidepressiva. Os medicamentos mais indicados são amitriptilina, nortriptilina e imipramina. A dose inicial de amitriptilina é de 12,5 mg ao dia, com aumento gradativo até atingir 50 a 75 mg. Analgesia é usualmente obtida em sete dias. Os efeitos colaterais mais frequentes são sonolência, boca seca, hipotensão ortostática e retenção urinária. Os antidepressivos duais como a venlafaxina e duloxetina também possuem efeitos de analgesia;
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anticonvulsivantes: reduzem a hiperexcitabilidade neuronal e impedem as descargas paroxísticas da atividade elétrica ligada à neuropatia. São indicados nos casos de dor neuropática lancinante e paroxística. Podem ocorrer confusão mental, sedação, alteração de função hepática e, raramente, leucopenia e trombocitopenia. Os medicamentos mais indicados são carbamazepina, oxcarbazepina, gabapentina e pregabalina;
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corticosteroides: inibem a produção de prostaglandinas com redução da inpamação e do edema. São indicados em aumento da pressão intracraniana, compressão nervosa e inoltração de partes moles. As doses são individualizadas e não há consenso na literatura quanto à melhor droga e dose;
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bifosfonados: são análogos do pirofosfato inorgânico e inibem a atividade osteoclástica, sendo, portanto, usados como adjuvantes na dor por metástases ósseas generalizadas. Os bifosfonados mais utilizados são pamidronato, ácido zoledrômico e samário (radiofármaco ligado a um bifosfonado);
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neurolépticos: os fenotiazínicos e as butirofenonas são os neurolépticos mais utilizados para analgesia e produzem suas ações antagonizando a dopamina. Apresentam efeito antiemético desejado, prevenindo a ocorrência de vômitos quando associados aos analgésicos opioides.
Apesar do alto índice de efetividade da analgesia para pacientes oncológicos com a prescrição segundo a escada, existe falha em 10 a 30%. Uma porção signiocativa dos pacientes com câncer necessita receber outras estratégias, como vias alternativas de administração de fármacos, bloqueios anestésicos e procedimentos neuroablativos. A realização desses procedimentos ocorre quando as técnicas menos invasivas, principalmente as medidas farmacológicas, falham em obter analgesia ou causam efeitos adversos de difícil controle.
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Estudos atuais sugerem que a aplicação precoce de alguns procedimentos invasivos resulta em analgesia efetiva e menores efeitos adversos. Wong et al.8 mostraram diminuição signiocativa da intensidade da dor em 100 pacientes com neoplasia pancreática submetidos a bloqueio neurolítico de plexo celíaco, em comparação com aqueles submetidos a analgesia sistêmica. Em outro estudo, Oliveira et al.9 mostraram que bloqueios de plexo celíaco, hipogástrico ou simpático-lombar resultaram em controle efetivo da dor, menor consumo de opioide e melhora da qualidade de vida. Esses dados sugerem que os procedimentos invasivos podem ser considerados adjuvantes aos esquemas analgésicos em qualquer estágio do tratamento e podem deixar de ser prescritos como a “última alternativa”. CONCLUSÃO A escada analgésica da OMS não deve ser descontinuada, mas pode ser reonada após 20 anos de experiência clínica com seu uso,10 desde a sua criação em 1986. Alguns medicamentos indicados no segundo degrau da escada analgésica (opioides fracos) têm, na prática clínica, um limite de dose e baixa eocácia. Nos casos de dores moderadas ou fortes, podem-se já indicar os opioides fortes em baixas doses em uma primeira avaliação. Em dores oncológicas de características de neuropáticas, os anticonvulsivantes, os neurolépticos e os antidepressivos são a base do tratamento e os opioides assumem um papel secundário na terapêutica. Novos algoritmos foram propostos, porém, na realidade, são necessários maior e melhor disponibilidade de opioides fortes (incluindo formulações orais) e, principalmente, treinamentos e educação da equipe médica para a prescrição desses analgésicos. Acredita-se atualmente que a escada analgésica da OMS mantém sua função educativa e permanece como orientação para o tratamento farmacológico.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. World Health Organization. Cancer pain relief. Genebra: WHO, 1986. 2. World Health Organization. Cancer pain relief with a guide to opioid availability. Genebra: WHO, 1986. 3. World Health Organization. Cancer pain relief. 2.ed. Genebra: WHO, 1996. 4. Zech DF, Grand S, Lynch J et al. Validation of WHO guidelines for cancer pain relief: a 10 year prospective study. Pain 1995; 63:65-76. 5. Schug SA, Zech D, Dorr V. Cancer pain management according to WHO analgesic guidelines. J Pain Symptom Manage 1990; 5:27-32. 6. Grond S, Zech D, Schug SA et al. Validation of WHO Guidelines for cancer pain relief during the last days and hours of life. J Pain Symptom Manage 1991; 6:411-22. 7.
Brurera E, Hingginson I, Neumann CM. Cancer pain: management. In: Loeser JD (ed.). Bonica’s management of pain. 3.ed. Filadéloa: Lippincott Willians & Wilkins, 2000. p.658-703.
8. Wong GY, Schroeder DR, Corns PE et al. Effect of neurolytic celiac plexus black on pain relief, quality of life, and survival in patients with unresectable pancreatic cancer: a randomized controlled trial. JAMA 2004; 291:1092-9. 9. De Oliveira R, Dos Reis MP, Prado WA. The effects of early or late neurolytic sympathetic plexus black on the management of abdominal or pelvic cancer pain. Pain 2004; 110:400-8. 10. Eisenberg E, Marinangeli F, Birkhahn J et al. Time to modify the WHO Analgesic Ladder? Pain Clinical Updates 2005; 13(5):1-4.
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DOR EM PEDIATRIA Silvia Maria de Macedo Barbosa
Há cerca de 26 anos, pesquisas evidenciaram o manejo inadequado em relação à dor da criança. Hoje, sabe-se que a criança, principalmente o neonato, tem condições anatômicas, neuroquímicas e funcionais para a percepção, a integração e a resposta aos impulsos dolorosos. Pesquisadores ozeram muitas descobertas a respeito de causas, mecanismos e tratamento da dor desde então, demonstrando que mesmo o recém-nascido mais prematuro pode necessitar de analgesia. A atualidade mostra uma melhoria na qualidade do tratamento da dor e a criação de serviços especializados no controle da dor na criança.1,2 Em 1979, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) conceituou a dor da seguinte forma:3 (...) uma experiência sensorial e emocional desagradável que é associada a lesões reais ou potenciais ou descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva. Cada indivíduo aprende a utilizar este termo através de suas experiências.
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A partir de então, as pesquisas evoluíram ainda mais a respeito do diagnóstico e tratamento da dor. Em 1995, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), por meio da Resolução 41, aprovou em sua íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), relativo aos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados, que declarou que crianças e adolescentes têm o “direito de não sentir dor, quando existirem meios para evitá-la”.4 Atualmente, sabe-se muito mais sobre o controle seguro e efetivo da dor em lactentes e em crianças. No entanto, continua sendo muito difícil transferir esse conhecimento para a prática clínica diária. A avaliação para diagnóstico da dor, a implementação da medição analgésica em todas as crianças que potencialmente sofrem, a aplicação de tratamentos atualizados e efetivos, bem como pesquisa e formação melhores sobre causas, prevenção e efeitos, a curto e a longo prazo, especiocamente para a clientela infantil, continuam a constituir prioridades importantes. Existem muitos fatores que diocultam a percepção e a avaliação da dor em crianças, sendo as limitações cognitiva e de linguagem citadas como um dos principais agravantes. Ademais, o despreparo de alguns proossionais que não receberam orientação suociente, a impossibilidade de utilizar uma técnica universal de mensuração, a resistência encontrada em outros membros da equipe multiproossional e o excesso de atividades diárias são fatores que geralmente impedem a avaliação e as intervenções adequadas. Reconhecer a dor aguda é uma obrigação dos cuidadores em saúde que são responsáveis pelo reconhecimento de todos os tipos de dor, incluindo dor aguda, crônica, recorrente, relacionada a procedimentos e durante os cuidados paliativos. A Academia Americana de Pediatria, juntamente com a Sociedade Americana de Dor, salienta a responsabilidade dos proossionais que prestam assistência à criança em liderar, defender e assegurar um tratamento humanizado de dor e sofrimento a todos os bebês, crianças e adolescentes.5,6
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Dor aguda é o termo geralmente utilizado para descrever a dor associada a um breve episódio de lesão relacionada a afecções traumáticas, infecciosas ou inpamatórias. Na maioria dos casos, a intensidade da dor é limitada e diminui gradativamente com a resolução do processo patológico ou do fator causal. Geralmente, acompanha-se de alterações neurovegetativas, como elevação da pressão arterial, taquicardia, taquipneia, alteração da saturação de oxigênio, etc.5 Dor crônica costuma ser descrita como uma dor constante ou que persiste além de um período de três meses ou mais. Distingue-se da dor recorrente cujo episódio doloroso se alterna com intervalos sem dor. A dor pode persistir ou recorrer por várias razões e pode estar associada a processos patológicos crônicos. Além disso, não costumam ocorrer respostas neurovegetativas associadas ao sintoma e ansiedade e depressão são respostas emocionais frequentemente associadas ao quadro. Dor neuropática pode também ocorrer secundariamente a uma lesão em andamento proveniente de estímulos totais das vias do sistema nervoso periférico ou central.6 Embora algumas crianças e adolescentes tenham dor crônica persistente severa, a dor recorrente é muito mais comum. Alguns tipos de dor recorrente, incluindo dor de cabeça, dor abdominal e dor torácica, podem ocorrer em 5 a 10% das crianças sadias. Um considerável número de crianças com dor recorrente pode não apresentar evidências osiológicas ou mesmo sinais especíocos de doença.6 Em muitos países, a dor crônica tem sido o principal problema social e econômico entre os adultos. No entanto, dor crônica e recorrente em crianças tem um enorme número de vítimas em sofrimento, levando, muitas vezes, ao aumento do absenteísmo escolar. ANAMNESE6-9 A história clínica detalhada é a parte mais importante da avaliação do paciente com dor.
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A anamnese da dor aguda tende a ser mais rápida do que a da dor crônica. Ao entrevistar um paciente com dor crônica, interroga-se sobre pensamentos, sentimentos, comportamentos e respostas osiológicas à dor. As perguntas feitas devem tentar determinar como a dor afeta o estado mental, as relações sociais e o desempenho na escola e no trabalho. São perguntas a serem feitas sobre a dor: Æ início e duração: tentar determinar com precisão o início do quadro álgico – se súbito ou gradual, se contínuo ou intermitente –, a periodicidade e a frequência; Æ localização: localizada, referida, repexa, generalizada; Æ intensidade: conforme escalas de dor; Æ qualidade: descrição detalhada das características; Æ fatores atenuantes; Æ fatores agravantes. A história pregressa do paciente pode oferecer indícios da origem da dor ou fatores que podem exacerbá-la ou atenuá-la. Deve-se questionar, também, sobre cirurgias e patologias prévias, bem como sobre tratamento medicamentoso pregresso e atual. EXAME FÍSICO6-9 Ao iniciar o atendimento, deve-se fazer, concomitantemente, a inspeção geral, com observação de atitudes, comportamento e expressão facial. O exame físico geral deve ser realizado com especial ênfase ao exame neurológico e osteoarticular.
Exame neurológico6-9 Æ Nível de consciência; Æ comportamento; Æ nervos cranianos; Æ motilidade geral (mobilidade ativa e passiva dos diversos músculos, assimetrias, hipotonias ou hipertonias, paralisias);
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Æ força muscular; Æ repexos tendinosos (bicipital, tricipital, patelar e Aquileu); Æ outros repexos (abdominal, cremastérico, plantar); Æ coordenação motora (estática e dinâmica); Æ sensibilidade (superocial e profunda, térmica e dolorosa).
Exame osteoarticular6-9 O exame osteoarticular inicia-se com a inspeção do paciente. Os itens a serem avaliados são: Æ marcha: 䊊
uniformidade e simetria de sua movimentação;
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igualdade bilateral;
Æ escápula e tórax: 䊊
assimetria;
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atrooa;
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fraqueza muscular;
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deformidade;
Æ coluna: 䊊
posição central;
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ausência de curvaturas e abaulamentos (escoliose e cifose);
Æ membros superiores: 䊊
deformidades;
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aumento do volume muscular;
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atrooa;
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contraturas;
Æ palpação: 䊊
sensibilidade dolorosa à digitopressão;
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calor e edema nos tecidos adjacentes;
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calcinose;
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ossiocação nos músculos;
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cistos sinoviais;
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Æ articulações: 䊊
dor;
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crepitação;
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desvios;
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derrames;
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limitação ou aumento da mobilidade articular.
A complementação do exame do aparelho locomotor avalia a função das estruturas analisadas. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO6 Os recursos não farmacológicos têm como vantagens o baixo custo de aplicação, o fato de serem técnicas não invasivas que apresentam pouco ou nenhum efeito colateral e a possibilidade de serem utilizados de forma coadjuvante à terapia farmacológica. Entre os métodos não farmacológicos, alguns são destacados a seguir.
Recursos para faixa etária neonatal7 Em berçários e unidades de terapia intensiva (UTI) neonatal, os métodos não farmacológicos comumente utilizados são: oferta de soluções adocicadas (sacarose ou glicose, 12,5% ou 24%) diretamente sobre a língua do neonato em pequenos volumes (1 a 2 mL); sucção não nutritiva, utilizando-se chupeta ou o dedo mínimo enluvado do proossional; aconchego no leito (manter membros petidos junto ao tronco); contato pele a pele; e redução de estímulos externos, como luminosidade, ruídos e manipulação frequente do neonato.
Recursos psicocomportamentais8 Incluem aplicação isolada ou associada de técnicas de relaxamento dirigido, ludoterapia, brinquedo terapêutico, musicoterapia, aromaterapia, distração e participação dos pais durante procedimentos.
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Recursos físicos Calor Aumenta o puxo sanguíneo e o metabolismo local, reduz o tônus vasomotor e a rigidez articular, otimiza a liberação e ação das endoronas. Modos de aplicação Utilizar temperatura entre 40 e 45°C durante 20 a 30 minutos. Para obtenção de calor superocial, usam-se bolsa de água quente, compressas, imersão, paraona e infravermelho. Para o calor profundo, usam-se ultrassom e ondas curtas. Indicações Dor não relacionada a processos inpamatórios e preparação para realização de técnicas de cinesioterapia. Contraindicações Processos infecciosos, sangramento ou alteração de coagulação, alteração do nível de consciência e sensibilidade.
Frio Reduz o puxo sanguíneo local, o edema e a velocidade de condução nervosa. Modos de aplicação Utilizar temperatura aproximada de 15°C durante 10 a 15 minutos por meio de bolsas de água fria, imersão em água fria, compressas frias, mistura de gelo e água. Indicações Lesões musculoesqueléticas agudas, edemas.
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Contraindicações Alteração de sensibilidade e de consciência, doenças vasculares periféricas, hipersensibilidade ao frio.
Massoterapia Consiste na aplicação de toques suaves ou de força com o objetivo de melhorar a circulação local, gerar sensação de conforto e relaxamento, aliviar a ansiedade. Modos de aplicação Massagem clássica, massagem repexa, Shantala. Contraindicações Lesões cutâneas ou pacientes que não toleram o toque.
Posicionamento e trocas posturais A utilização e a orientação em relação ao posicionamento para criança, pais e equipe têm como objetivos evitar a adoção de posturas antálgicas, minimizar ou prevenir retrações musculares e deformidades, aliviar a descarga de peso e, assim, prevenir o aparecimento de escaras de decúbito, evitando complicações decorrentes do imobilismo.
Cinesioterapia Promove o relaxamento ou fortalecimento da musculatura, melhora a circulação local e global, otimiza a propriocepção e formulação da imagem corporal, preserva ou aumenta a amplitude de movimento e previne as complicações do imobilismo. Modos de aplicação Exercícios passivos, assistidos, ativos, ativos resistidos e alongamentos.
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Acupuntura Técnica milenar da medicina chinesa que estimula vias nervosas dérmicas e musculares mediante a inserção de agulhas em pontos especíocos do corpo, que ativam o sistema supressor de dor. Modos de aplicação Clássica, eletroacupuntura.
Hidroterapia Utiliza as propriedades físicas da água para diminuir a dor, aumentar a amplitude de movimento e a força, melhorar a circulação e o metabolismo e promover o relaxamento muscular.
Estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) Utiliza a emissão de corrente elétrica através da pele para ativar o sistema supressor da dor, com promoção de analgesia, melhora da circulação local e manutenção do troosmo muscular. Indicação Dores de caráter agudo e crônico. Contraindicações Aplicação em região de seios carotídeos e epiglote, alergia ao gel condutor, dermatites de contato, paciente com marca-passo de demanda.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO10 O tratamento tem início com a explicação sobre os recursos que serão utilizados e combina abordagens físicas e psicológicas, utilizando tratamentos farmacológico e não farmacológico.
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É importante ter uma sequência de objetivos bem definidos, como: • aumentar o tempo de sono livre de dor; • aliviar a dor quando a criança está em repouso; • aliviar a dor quando a criança está acordada e ativa. Um método eficiente de tratar a dor, proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ser resumido nos seguintes passos: escada analgésica, horário, rota apropriada, individualmente e com atenção aos detalhes.
Escada analgésica11 A OMS preconiza o uso sequencial de drogas para analgesia segundo o esquema da escada com três degraus (Figura 1). O primeiro degrau é o uso de um analgésico não opioide. Se a dor persiste, um opioide fraco deve ser associado.6 A codeína é um opioide fraco que está amplamente disponível e foi previamente recomendado para controlar a dor moderada. Contudo, apresenta problemas de eficácia relacionados à farmacogenética na sua biotransformação. A codeína é uma pró-droga que é convertida no seu metabólito ativo a morfina pela enzima CYP2D6.6
Opioide forte + não opioide + adjuvante Dor pós-operatória
Opioide fraco + não opioide + adjuvante Não opioide + adjuvante
Figura 1
Escada analgésica, de acordo com a OMS, 1996.
Dor oncológica
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A eocácia de um pró-fármaco depende da quantidade do metabólito formado. As expressões variáveis das enzimas envolvidas na biotransformação de pró-fármacos podem provocar diferenças na taxa de conversão substancial interindividual e interétnico e na concentração plasmática do metabólito ativo. No que se refere à codeína, o efeito o efeito analgésico é (muito) baixo ou ausente em recém-nascidos e crianças pequenas. A porcentagem de metabolizadores fracos relacionados à codeína podem variar em grupos étnicos, de 1 a 30%, resultando em ineociência do medicamento em grande número de pacientes, incluindo crianças. Inversamente, os indivíduos que metabolizam codeína rapidamente e extensivamente estão em risco de grave toxicidade opioide, dada a elevada e descontrolada taxa de conversão de codeína em morona.6 Tramadol é outro analgésico opiáceo, com efeitos que têm sido considerados para o controle da dor moderada. No entanto, não há atualmente nenhuma evidência disponível para a sua comparativa eocácia e segurança em crianças. Além disso, tramadol não está licenciado para uso pediátrico em vários países, sendo necessárias pesquisas sobre tramadol e outros opioides de potência intermediária na faixa etária pediátrica. No passado, a indicação de codeína ou de tramadol ocorreria no segundo degrau. Atualmente, a recomendação da OMS é da introdução de morona no segundo degrau na dose equivalente a biotransformação da codeína em morona. Ou seja, a dose de codeína seria de 0,5 a 1 mg/ kg/dose, via oral. Pela proposta da OMS, neste segundo degrau está indicada a introdução de morona na dose de 0,05 a 0,1 mg/kg/dose, via oral, eliminando com isso a biotransformação e oferecendo ao paciente a analgesia que ele obteria com o fornecimento da dose da codeína que se biotransforma em morona.6 Caso a dor seja classiocada inicialmente como moderada, o tratamento deve iniciar pela introdução de morona nas doses já descritas no segundo degrau. Se a dor for classiocada como intensa, o tratamento deve iniciar pelo terceiro degrau.
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Desde o primeiro degrau o uso de medicamentos adjuvantes acompanha o tratamento da dor crônica. Quando a dor persiste após o emprego das medidas preconizadas no terceiro degrau, pode ser considerado um quarto degrau, que consiste na intervenção (cateteres peridurais, analgesia controlada pelo paciente, bloqueios nervosos). No tratamento da dor aguda o uso das drogas desce a escada conforme a intensidade da dor diminui (como exemplo típico a dor pós-operatória).
Horário6,11 Analgésicos devem ser administrados com horário, em intervalos oxos. A dose deve ser titulada pela dor da criança, sendo aumentada gradualmente até que ela esteja confortável. Não se deve esperar que a dor retorne para que seja administrada a dose seguinte (o efeito da dose anterior não pode ter acabado). Algumas crianças necessitam de doses de resgate entre as doses estabelecidas. Esses resgates devem ser de 50 a 100% da dose que é administrada a cada quatro horas e somam-se à dose total diária.
Rota apropriada6,11 Para a escolha da rota de administração, deve-se considerar a maneira mais simples, mais eociente e menos dolorosa, levando em conta a intensidade e o tipo de dor, a potência da droga e o intervalo entre as doses. A via oral é a preferencial. Em pediatria, a via retal também é bastante utilizada, principalmente nas crianças menores. Existe a possibilidade de via transdérmica, quando a necessidade de opioide para analgesia é elevada. O uso da via subcutânea na pediatria é menos comum que em adultos, em função da maior intolerância a injeções. A via endovenosa também é bastante útil, quando a quantidade de opioide necessária é elevada e o acesso venoso é possível. A via intramuscular é a última opção, quase não utilizada para analgesia, por ser dolorosa.
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Em alguns casos, pode ser necessário o uso de anestésicos peridurais ou a prática de bloqueios de nervos (quarto degrau).
Individualmente6,10,11 Não existe dose-padrão para as drogas opioides. A dose correta é aquela que alivia a dor da criança, com atenção aos efeitos colaterais. Os opioides fracos têm dose-teto, por causa de associações nas formulações (com dipirona ou paracetamol) ou de seus efeitos colaterais em doses elevadas (como a codeína e o tramadol).
Atenção aos detalhes6,10,11 É necessário administrar os medicamentos para dor regularmente, respeitando o horário. A avaliação constante da resposta à terapêutica é essencial para garantir o melhor resultado com o mínimo de efeitos colaterais.
Escolha dos analgésicos6,10,11 Analgésicos não opioides são os medicamentos iniciais no tratamento farmacológico da dor. Estão no primeiro degrau da escada analgésica e consistem em analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios não esteroides (AINE). As drogas mais utilizadas e as doses indicadas estão nas Tabelas 1 e 2, assim como seus principais efeitos colaterais e suas contraindicações. Ao passar para o terceiro degrau da escada, é indicada a associação de um opioide forte ao analgésico não opioide (o uso do opioide fraco deve ser suspenso neste momento). As doses iniciais dos opioides fortes são descritas na Tabela 3.
Cálculo da dose diária de fármaco12 Calcula-se a dose total diária utilizada de opioide em miligramas e multiplica-se pelo fator de conversão para obter a dose total diária de morfina oral.
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25 a 30 mg/kg
5 a 10 mg/kg
Adultos
Ibuprofeno (> 6 meses)
650 mg
5 a 7 mg/kg
Acima de 12 anos
Naproxeno (> 2 anos)
A cada 8 a 12 horas
Até 4 horas
4g 1.250 mg
(continua)
Diástese hemorrágica, pós-operatório com risco de sangramento
Irritação gastrointestinal, plaquetopenia, cefaleia, tontura, vertigem, zumbido
60 a 120 mg/kg
Anti-inflamatório
4g
Infecções virais (associado à síndrome de Reye)
A cada 6 a 8 horas
Irritação gastrointestinal, disfunção plaquetária 4g
10 a 60 mg/kg
Diástese hemorrágica, pós-operatório com risco de sangramento
diarreia, azia, constipação
Irritação gástrica, alterações na função plaquetária, náuseas, vômitos,
Hipersensibilidade e discrasia sanguínea
Analgésico/antitérmico
A cada 6 a 8 horas
40 mg/kg
3g
2g
Ácido acetilsalicílico
Adultos: 200 a 600 mg a cada 6 horas
A cada 6 a 8 horas
A cada 6 horas
A cada 6 horas
gastrointestinal, anúria, reações alérgicas
25 mg/kg
Escolares
1g
15 mg/kg
Pré-escolares
A cada 6 horas
mia hemolítica, rash, edemas, tremores, náuseas, vômitos, hemorragia
1g
Necrose hepática dose-dependente Deficiência de G6PD Agranulocitose fatal, púrpura, trombocitopenia, anemia aplásica, ane-
A cada 6 horas
2,6 g
Contraindicações
Efeitos colaterais
10 mg/kg
A cada 6 horas
Máx./dia
Lactentes
10 a 15 mg/kg
Paracetamol/acetaminofeno
Intervalo
Dipirona (oral ou parenteral)
Dose
Analgésicos antipiréticos e anti-inflamatórios não esteroides (AINE)
Droga
TABELA 1
330 MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
100 a 200 mg
IM: via intramuscular; EV: via endovenosa.
Celecoxibe (> 18 anos)
A cada 12 horas
A cada 8 horas
3 a 4 mg/kg
400 mg
3 mg/kg
Risco cardiovascular
dispneia
Dor abdominal, náuseas vômitos, prurido, constipação, tontura e
lactentes, doentes renais, úlceras de estômago ou duodeno
Diástese hemorrágica, pós-operatório com risco de sangramento,
e retinopatias
mental, alucinações e distúrbios psiquiátricos, depósitos corneanos
tos, diarreia, azia, constipação, cefaleia, vertigem, tontura, confusão
Irritação gástrica, alterações na função plaquetária, náuseas, vômi-
A cada 8 horas
0,35 a 1 mg/kg
Indometacina
Irritação gastrointestinal Úlceras de estômago ou duodeno
150 mg
oral ou parenteral
A cada 12 horas
lactentes, doentes renais, úlceras de estômago ou duodeno
1 a 1,5 mg/kg
60 mg
Diclofenaco (> 14 anos)
A cada 6 a 8 horas
1 mg/kg
IM
60 mg
Diástese hemorrágica, pós-operatório com risco de sangramento,
A cada 6 a 8 horas
Contraindicações
Efeitos colaterais
0,5 a 0,8 mg/kg
Máx./dia
EV
Intervalo Irritação gastrointestinal
Dose
Analgésicos antipiréticos e anti-inflamatórios não esteroides (AINE) (continuação)
Cetorolaco (> 2 anos)
Droga
TABELA 1
DOR 331
332
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 2
Doses iniciais da codeína e do tramadol
Opioide
Dose inicial
Intervalo entre doses
Dose máxima
Codeína oral
0,5 a 1 mg/kg
A cada 4 a 6 horas
120 mg/dose
Tramadol oral/parenteral
0,7 a 1 mg/kg
A cada 4 a 6 horas
100 mg/dose (400 mg/dia)
TABELA 3
Doses iniciais dos opioides fortes
Opioide
Dose inicial*
Intervalo entre doses
Morfina oral (ação rápida)
0,2 a 0,5 mg/kg
A cada 4 horas
Morfina parenteral
0,1 mg/kg
A cada 4 horas
Oxicodona (oral de liberação
**
A cada 12 horas
lenta) Hidromorfona oral
0,03 a 0,08 mg/kg
A cada 4 a 6 horas
Hidromorfona parenteral
0,006 a 0,016 mg/kg
A cada 4 a 6 horas
Metadona oral
0,1 a 0,2 mg/kg
A cada 6 a 12 horas ***
Metadona parenteral
0,1 mg/kg
A cada 6 a 12 horas ***
Fentanil parenteral
1 mcg/kg (1 mcg/kg/h)
A cada 1 hora ou EV de uso contínuo
Fentanil transdérmico
****
A cada 48 a 72 horas
* Os opioides fortes não têm dose máxima determinada. O limite para o tratamento é o controle adequado da dor com o mínimo de efeitos colaterais. A presença de efeitos colaterais como sedação ou depressão respiratória é sinal de que a dose utilizada pode ser excessiva.
** A dose de oxicodona de liberação cronogramada é calculada a partir da dose total diária de morfina oral, por meio da equipotência analgésica (tabela para conversão a morfina oral, Tabela 4).
*** A metadona tem efeito cumulativo porque se deposita nos tecidos. Por esse motivo, a necessidade de metadona pode diminuir com o passar dos dias, devendo, então, ser aumentado o intervalo entre as doses. Deve-se ter cuidado para o risco de intoxicação (exacerbação dos efeitos colaterais).
**** A dose de fentanil transdérmico é calculada pela dose total diária de morfina. EV: via endovenosa.
TABELA 4
Tabela para conversão a morfina oral
Medicamento
Fator de conversão
Intervalo entre doses
Morfina oral (ação rápida)
1
A cada 4 horas
Morfina parenteral
3
A cada 4 horas (continua)
DOR
TABELA 4
Tabela para conversão a morfina oral (continuação)
Medicamento
Fator de conversão
Intervalo entre doses
Codeína (oral)
1/8
A cada 4 a 6 horas
Tramadol parenteral
1/4
A cada 6 horas
Tramadol oral
1/6
A cada 4 a 6 horas
Oxicodona (oral de liberação lenta)
2
A cada 12 horas
Metadona oral
10 (5)*
A cada 6 a 12 horas**
Metadona parenteral
20
A cada 6 a 12 horas **
Fentanil parenteral
300
EV contínuo ou a cada 1 horas
Fentanil transdérmico
***
A cada 48 a 72 horas
* Quando a dose total diária de morfina é menor que 100 mg, o fator de conversão é 5. ** A metadona tem efeito cumulativo porque se deposita nos tecidos. Por esse motivo, a necessidade de metadona pode diminuir com o passar dos dias, devendo, então, ser aumentado o intervalo entre as doses. Deve-se atentar para o risco de intoxicação (exacerbação dos efeitos colaterais).
*** A dose de fentanil transdérmico é calculada pela dose total diária de morfina.12 EV: via endovenosa.
Para a conversão de morona oral para outro medicamento, calcula-se a dose total diária de morona oral e divide-se pelo fator de conversão do medicamento desejado. Para a conversão entre dois medicamentos que não a morona oral, calcula-se inicialmente a dose total diária, converte-se a morona oral multiplicando pelo fator de conversão do primeiro medicamento, depois converte-se ao outro medicamento, dividindo o valor pelo fator de conversão do segundo medicamento.
Cálculo da dose de fentanil transdérmico12 Uma maneira de calcular a dose de fentanil transdérmico é dividir a dose total diária de morona oral por 3 e, então, escolher a posologia por aproximação (existem adesivos de 12,5, 25, 50, 75 e 100 mcg/h). Outra maneira é seguir a tabela de conversão (Tabela 5).
333
334
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 5
Tabela de conversão da dose de fentanil transdérmico
Morfina oral (mg/dia)
Morfina parenteral (mg/dia)
Fentanil transdérmico (mcg/h)
45 a 134
8 a 22
25
135 a 224
23 a 37
50
225 a 314
38 a 52
75
315 a 404
53 a 67
100
405 a 494
68 a 82
125
495 a 584
83 a 97
150
585 a 674
98 a 112
175
675 a 764
113 a 127
200
765 a 854
128 a 142
225
855 a 944
143 a 157
250
945 a 1.034
158 a 172
275
1.035 a 1.124
173 a 187
300
O fentanil transdérmico atinge efeito pleno após 8 horas da colocação do adesivo; portanto, nas primeiras 8 horas deve ser mantido o esquema analgésico anterior. Após 8 horas, o esquema analgésico anterior é suspenso, porém o uso de doses de resgate, quando necessário (habitualmente com uso de morona oral), deve ser orientado.
Medicamentos adjuvantes6 O uso de medicamentos adjuvantes é indicado desde o primeiro degrau da escada analgésica, quando se tratar de dor crônica. Seu emprego é mais frequente nas síndromes de dor neuropática. Podem ser divididos em medicamentos coanalgésicos e medicamentos para o tratamento de efeitos colaterais. Os principais medicamentos adjuvantes coanalgésicos se encontram na Tabela 6.
Efeitos colaterais Sempre que um medicamento opioide é prescrito, o médico deve estar atento aos efeitos colaterais, que aparecem frequentemente. É muito im-
Carbamazepina
Gabapentina
Anticonvulsivantes
Nortriptilina
Amitriptilina
Antidepressivos contínua com insônia
5 mg/kg à noite
lancinante Neuropatias periféricas Dor do membro fantasma
2,5 a 5 mg/kg, 2 vezes/dia
Aumentar 20 mg/kg/dia divididos 2 vezes/dia a
cada semana; dose máx. 100 mg/dia, 2 vezes/dia
6 a 12 anos
5 mg/kg, 2 vezes/dia
cada semana; máx. 100 mg/dose, 2 vezes/dia
Aumentar 10 mg/kg/dia divididos 2 vezes/dia a
Dor neuropática
< 6 anos
Dose máx. 300 mg/dia
3 vezes/dia no D3
Aumentar para 2 vezes/dia no D2 e
Dor neuropática
sem insônia
Aumentar 0,5 mg a cada 5 a 7 dias
Dose máx. 25 mg/dose
Dor neuropática
0,2 a 1 mg/kg, 1 ou 2 vezes/dia
se necessário
Dor neuropática
Aumentar 0,25 mg/kg a cada 5 a 7 dias,
Indicação
0,2 a 0,5 mg/kg, 1 vez/dia
Dose
Principais medicamentos adjuvantes coanalgésicos
Medicamento
TABELA 6
testinal
(continua)
Efeitos colaterais: pancitopenia, ataxia, irritação gastroin-
Monitorar níveis séricos para toxicidade
Efeito analgésico semelhante ao da amitriptilina
Efeitos colaterais: sedação, ataxia, nistagmo, tontura
Mecanismo de ação desconhecido
Efeitos colaterais: boca seca, constipação, retenção urinária
Efeitos analgésicos percebidos antes que antidepressivos
se o paciente estiver sedado)
Auxilia na dor associada à depressão (utiliza-se nortriptilina
norepinefrina (retarda a transmissão do impulso doloroso)
Analgesia pelo bloqueio da recaptação de serotonina e
Comentários
DOR 335
Dexametasona
Corticosteroides
Hidrato de cloral
Diazepam
Lorazepam
Ansiolíticos
intracraniana aumentada Metástase óssea Compressão de nervo/raiz
Tentar diminuir dose e passar para AINE se dor
permitir
Edema cerebral: 1 a 2 mg/kg ataque e depois
cada 6 a 12 horas
Dose anti-inflamatória: 0,08 a 0,3 mg/kg/dia a
Dose máx. 4 mg/dose
manutenção com 1 a 1,5 mg/kg/dia a cada 6 horas
Dor por pressão
Dose variável conforme situação clínica
Doses em bolo se compressão nervosa
Dose máx. 1 g/dose ou 2 g/dia
25 a 100 mg/kg a cada 6 horas
Dose máx. 10 mg/dose Agitação
muscular ou ansiedade
0,1 a 0,3 mg/kg a cada 4 a 6 horas
Espasticidade
0,03 a 0,1 mg/kg a cada 4 a 6 horas
Dose máx. 2 mg/dose
cada semana; dose máx. 1,6 a 2,4 g/dia
Aumentar 200 mg/dia divididos 2 vezes/dia a
200 mg, 2 vezes/dia
> 12 anos
Principais medicamentos adjuvantes coanalgésicos (continuação)
Carbamazepina
TABELA 6
hepática e em sedação prolongada
Evitar em neonatos, pacientes com disfunção renal e
Efeitos colaterais: irritação gástrica potencia anticoagulantes
Efeito cumulativo
Sem efeito analgésico, não causa depressão respiratória
Pode causar depressão com uso prolongado
Pode aumentar a sedação se associado a opioides
336 MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
DOR
portante diagnosticar o efeito colateral e tratá-lo adequadamente para que o tratamento que visa a aliviar o sofrimento não cause desconforto. Os principais efeitos colaterais e seu tratamento estão na Tabela 7.
TABELA 7
Principais efeitos colaterais ao tratamento da dor com medicamento opioide e seu tratamento
Efeito colateral
Medicamento adjuvante
Técnicas não farmacológicas
Constipação
Óleo mineral: 1 a 2 colheres de chá/dia
Aumentar ingesta hídrica
Leite de magnésia:
Suco de ameixa, farelo de
< 2 anos: 0,5 mL/kg/dose, 1 vez/dia
trigo, aveia, vegetais
2 a 5 anos: 5 a 15 mL/dia 6 a 12 anos: 15 a 30 mL, 1 vez/dia > 12 anos: 30 a 60 mL, 1 vez/dia Lactulose: 7,5 mL/dia após café da manhã Adulto: 15 a 30 mL/dia Polietilenoglicol (PEG) 1 envelope (54,8 g) diluído em 1 L de água (conservar em geladeira por até 3 dias) Iniciar com 50 a 100 mL, 1 ou 2 vezes/dia e titular dose até efeito desejado (pode ser administrado na sopa ou papa) Vômitos
Metoclopramida (oral, IM, retal):
Relaxamento
< 6 anos: 0,1 mg/kg/dose a cada 8 horas
Respiração profunda e lenta
> 6 anos: 0,15 mg/kg/dose a cada 8 horas Até 10 mg a cada 8 horas Dimenidrato (oral, IM, EV): 1,25 mg/kg/dose a cada 6 horas 2 a 6 anos: dose máx. 75 mg/dia 6 a 12 anos: dose máx. 150 mg/dia > 12 anos: dose máx. 300 mg/dia Ondansetrona (VO, EV): indicado para vômitos por quimioterapia ou radioterapia (relatos episódicos de uso para vômitos por outras causas): (continua)
337
338
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
TABELA 7
Principais efeitos colaterais ao tratamento da dor com medicamento opioide e seu tratamento (continuação)
Efeito colateral
Medicamento adjuvante
Vômitos
0,1 a 0,15 mg/kg/dose a cada 8 horas ou a cada 12
Técnicas não farmacológicas
horas (até a cada 4 horas) Dose máx. 8 mg/dose Depressão
Naloxone:
Oxigênio
respiratória
Uso crônico: 0,5 mcg/kg em 2 minutos, aumentar
Bolsa-máscara, se necessário
até melhora respiratória Sedação para procedimento: 5 a 10 mcg/kg até melhora respiratória Diminuir dose de opioide, se possível Considerar troca de opioide IM: via intramuscular; EV: via endovenosa.
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DOR
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339
340
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
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22
DOR NA MULHER Fabiola Peixoto Minson Liége Mentz-Rosano
A dor afeta homens e mulheres de todas as faixas etárias. Entretanto, apresenta diferenças signiocativas entre os sexos masculino e feminino. Estudos epidemiológicos revelam maiores taxas de incidência de dor crônica nas mulheres do que nos homens. Estima-se que de 10 a 15% da população feminina sofra com a dor crônica. Isso ocorre porque as mulheres têm maior probabilidade do que os homens de apresentar dores múltiplas simultaneamente, o que é um fator de risco para o aparecimento de novas síndromes dolorosas e dores generalizadas. Estudos sugerem que as variações hormonais e as diferenças anatômicas no cérebro podem explicar as diferenças nas dores entre homens e mulheres. Enquanto as mulheres focam nos aspectos emocionais da experiência dolorosa, os homens se concentram nos aspectos físicos.1 As mulheres procuram mais os serviços de saúde para o tratamento da dor, provavelmente porque a intensidade da dor na mulher é muitas vezes reportada como maior do que nos homens ou porque as mulheres têm o hábito de cuidar mais da saúde do que os homens.
342
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Algumas dores são mais frequentes na mulher, como obromialgia, cervicalgia, cefaleia tensional, enxaqueca, distúrbios da articulação temporomandibular, dor nos ombros, entre outras (Tabela 1). A frequência de dor articular nas mulheres aumenta após os 45 anos de idade.1-4 Contrariamente, a dor abdominal e visceral decresce após a idade reprodutiva.5 A dor na mulher provoca alterações tanto físicas quanto psicológicas, o que leva a altos níveis de incapacidade nas atividades do dia a dia, de lazer e no trabalho. Muitas causas de dor na mulher estão associadas à sua saúde reprodutiva. Alterações hormonais que podem ocorrer nos períodos pré-menstruais, menstruais ou na gravidez provocam oscilações na dor e podem contribuir, por exemplo, para a alta prevalência da enxaqueca na mulher. Entre os fatores que inpuenciam as experiências dolorosas entre homens e mulheres, podem-se citar os fatores osiológicos, perceptivos, sociais, comportamentais e, principalmente, hormonais. A capacidade perceptiva da mulher é maior e seu limiar sensitivo é mais baixo que o do homem.6 De outubro de 2007 a outubro de 2008, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) e a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) dedicaram-se ao Ano de Combate à Dor na Mulher, com o objetivo de dar voz às inúmeras mulheres pelo mundo todo que sofrem de dor, bem como sensibilizar proossionais de saúde, familiares e amigos para esse problema, lembrando que o alívio da dor é um direito de todos
TABELA 1 Condições que afetam predominantemente mulheres Fibromialgia Dor crônica pélvica Síndrome do cólon irritável Disfunção de articulação temporomandibular Artrite reumatoide Osteoartrose Cefaleia/enxaquecas
DOR
os doentes. Estudar a dor na mulher é procurar compreender melhor as diferentes necessidades entre homens e mulheres em matéria de saúde e controle da dor (Figura 1). A mulher tem sido vítima de preconceito, segregação e violação de seus direitos. Os relatos de abusos sexuais e de violência doméstica, associados a uma possível catastroozação e vitimização psicológica, são fatores que estão fortemente associados à presença de dor crônica. Por isso, é importante a abordagem de outros fatores que possam estar relacionados aos sintomas, incluindo a avaliação psicológica. Algumas condições dolorosas exclusivas da mulher, como a dismenorreia e a dor do parto, são consideradas normais pela sociedade. Outras condições, como doenças ginecológicas, mutilação genital e violência
FIGURA 1 Campanha da SBED pelo Ano de Combate à Dor na Mulher.
343
344
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
sexual, causam não apenas dor física, mas dor emocional, moral e espiritual7 (Tabela 2). DOR NAS MAMAS Grande parte das mulheres tem queixas de dor nas mamas no período pré-menstrual. As dores mamárias podem ser causadas por traumas, lesões benignas, processos inpamatórios e lesões nos mamilos. Outra causa frequente de dor na mama é a doença oncológica. A síndrome dolorosa pós-mastectomia é uma dor neuropática crônica conhecida por se desenvolver após cirurgia de câncer de mama, podendo afetar 20 a 50% das mulheres.8-10 A dor após tratamento de câncer de mama é uma complicação reconhecida por ter impactos negativos na qualidade de vida das mulheres, que, associada à mutilação da retirada da mama, aumenta o sofrimento psicossocial.11 Muitas mulheres sofrem de dor e alterações funcionais de membro superior após mastectomia com esvaziamento axilar, o que, na maioria das vezes, persiste por longos períodos.12 Nos últimos anos, os casos de síndrome dolorosa miofascial no pós-operatório de cirurgias torácicas têm aumentado.13,15 Existem também TABELA 2 Dores exclusivas das mulheres Endometriose Vulvodínea Dismenorreia Dor na amamentação Placenta prévia Trabalho de parto prematuro Torção ovariana Ruptura de cisto ovariano Gravidez ectópica Amnionite Ruptura uterina Dor na gestação
DOR
relatos de dor crônica após cirurgias para colocação de prótese mamária.14 Muitas vezes, a amamentação é interrompida precocemente por alterações que geram dor nas mamas, como mastites ou disfunções psicológicas.16,17 A dor mamilar é a segunda causa mais comum de desmame precoce nos Estados Unidos.16,17 DOR PELVIPERINEAL Cerca de 10% das consultas ginecológicas são por queixas de dor pélvica. Na emergência, as causas mais frequentes de dor pélvica aguda são psoíte, processos infecciosos agudos, moléstia inpamatória pélvica aguda, apendicite, doença diverticular, perfuração intestinal, hemorroida, torção de cisto de ovário, gravidez ectópica, abortamento e ruptura da tuba uterina. Entre as causas de dor crônica, estão endometriose, infecções ginecológicas, vulvodínea, síndrome do cólon irritável e afecções do sistema musculoesquelético. A dor pelviperineal pode, também, ser causada por afecções inpamatórias, oncológicas, urológicas, gastroenterológicas, vasculares, neurológicas, peritoneais, ligamentares, ósseas e musculares ou, ainda, por distúrbios psicológicos.18 É fundamental o exame físico minucioso para que sejam feitos o diagnóstico correto e a instituição do melhor tratamento precocemente. É importante lembrar que, muitas vezes, a preocupação do médico está apenas em tentar descobrir a causa da dor, mas ela deve ser tratada mesmo quando não se encontra uma causa. A dor pélvica crônica caracteriza-se por dor abdominal baixa ou em região pélvica, não cíclica, intermitente ou contínua, de duração maior do que três a seis meses, sem a presença de doença visceral especíoca e, frequentemente, sem identiocação de uma causa especíoca.7 A vulvodínea, dor vulvar crônica, apresenta aspectos de dor neuropática, com dor em queimação, difusa e contínua na região vulvar, com irritação local e parestesia, na ausência de alterações clínicas.19 As pacientes tornam-se obsessivas por sua dor, em virtude da dioculdade diagnóstica, com consequente descrédito por parte dos médicos e familiares. O
345
346
MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
sucesso terapêutico fundamenta-se na adequada comunicação médico-paciente e na abordagem multidisciplinar. A endometriose é uma das alterações ginecológicas mais frequentes, caracterizando-se pela presença de implante ectópico, extrauterino, de glândulas e/ou estroma endometriais. Ela afeta uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva. Contudo, muitas mulheres sofrem em silêncio, acreditando que seus sintomas sejam normais. O sintoma mais comum é a dor, representada pela dispareunia e pela dismenorreia, presentes em cerca de 80% dos casos. A dor começa antes do início da menstruação, tornando-se progressivamente maior até o início do sangramento e diminuindo, gradativamente, após a menstruação.20 Estudos evidenciam maior prevalência da doença nos dias atuais, o que pode ser justiocado pelo perol da mulher moderna, mais preocupada com o trabalho, retardando a idade da primeira gestação e diminuindo a quantidade de olhos. A mulher atual tem tido a menarca cada vez mais precoce e apresenta maior estresse, o que afeta o sistema imunológico. Esses fatores podem aumentar a exposição da pelve às menstruações retrógradas, que é um dos fatores etiopatogênicos relevantes no desenvolvimento da endometriose. A prevalência de obromialgia, poliartralgia e alterações musculoesqueléticas é alta nas pacientes com endometriose. DOR NA GRAVIDEZ Algumas dores são muito frequentes no período gestacional, quando o corpo feminino sofre muitas alterações osiológicas. Além disso, a mulher nesse período está mais suscetível a alterações emocionais. Entre as causas mais frequentes de dor na gravidez, destacam-se as dores de cabeça, mais comumente a cefaleia tensional e migrânea. A dor pode ser recorrente em razão da resistência ao uso de analgésicos durante a gestação. É importante excluir depressão, privação de sono, pré-eclâmpsia, hemorragia subaracnoide, tumores cerebrais e outras lesões focais. A dor lombar ocorre em aproximadamente 50% das grávidas. Não é apenas o ganho
DOR
de peso durante a gestação que inpuencia na dor lombar, visto que ela pode aparecer no primeiro trimestre da gestação. Mecanismos neuronais e endócrinos estão envolvidos, alterando a estrutura ligamentar pélvica. Outra alteração comum é a sacroileíte. O manejo dessas dores inclui atividades diárias normais, osioterapia, analgésicos e acupuntura. Na acupuntura, devem ser evitados alguns pontos que possam estimular o trabalho de parto. Síndromes compressivas podem aparecer por causa da retenção de líquidos e do espessamento ligamentar. A mais comum é a síndrome do túnel do carpo – aproximadamente 50% das mulheres com este mal sofrem de dor. O tratamento pode ser feito por meio do uso de órteses ou tratamento cirúrgico. O nervo cutâneo lateral da coxa pode ser comprimido, originando a meralgia parestésica, que pode causar dor e parestesia na coxa. A dor abdominal inespecíoca pode estar presente na gravidez e ser relacionada ao aumento do volume uterino e ao deslocamento das estruturas abdominais. O amolecimento e alongamento dos ligamentos da sínose púbica podem causar dor suprapúbica, especialmente quando há distração da sínose púbica. Os traumas também são importantes causas de dor nas gestantes, sendo frequentes os casos de grávidas vítimas de violência doméstica. As causas de dor especíocas da gestação são: torção ou ruptura de cistos ovarianos, gravidez ectópica, infecção pélvica, amnionite, ruptura uterina, placenta prévia e trabalho de parto prematuro.21 O tratamento da dor na mulher é extremamente complexo, sendo necessária uma abordagem individualizada, levando-se em conta aspectos sociais, psicológicos, hormonais e comportamentais. É imprescindível a atuação da equipe interdisciplinar, contando com a presença de médicos de várias especialidades, como osioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, enfermeiros e terapeutas ocupacionais. O tratamento medicamentoso e não medicamentoso deve ser instituído de acordo com as alterações encontradas em cada mulher.
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DOR EM REUMATOLOGIA Levi Higino Jales Neto
A reumatologia é uma especialidade clínica que estuda doenças crônicas que afetam o sistema osteomuscular, acometendo articulações, músculos, tendões e ligamentos. Atualmente, são conhecidas mais de 100 doenças que atingem as articulações. Essas doenças devem ser classiocadas em degenerativas ou inpamatórias, e sua etiologia deve ser investigada para que se institua um tratamento eocaz e se deona um prognóstico baseado em evidências clínicas.1 A queixa principal na reumatologia é a dor osteomuscular, geralmente uma dor crônica. Essa dor deve ser valorizada e ter suas anatomia, etiologia e patogênese investigadas. Em uma articulação, há diversas estruturas, como cartilagem, cápsula articular, membrana sinovial, ligamentos e osso subcondral. Existem, também, estruturas extra-articulares que podem causar dor perto das articulações ou irradiá-la para articulações como tendões, bursas, músculos e periósteo. É importante entender que a cartilagem articular não apresenta inervação, de modo que sua lesão exclusiva não causa dor, ou seja, quando apresentar dor, é pelo acometi-
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mento de estruturas adjacentes. Durante a avaliação de um paciente com dor osteomuscular, deve-se diferenciar anatomicamente a área afetada. A limitação da amplitude de movimento da articulação sugere acometimento intra-articular.1 Na avaliação da dor articular, é importante diferenciar artralgia de artrite, pois a artrite, além da dor articular, tem associação com sinais pogísticos como calor, rubor ou edema articular. Uma vez deonida a presença de artrite pela história clínica ou pelo exame físico, caracteriza-se uma doença inpamatória. O número de articulações com artrite é útil para classiocar a doença em monoartrite (uma articulação acometida), oligoartrite (duas a quatro articulações acometidas) ou poliartrite (cinco ou mais articulações acometidas). Com base nessa classiocação, deve-se investigar sua causa. Exemplo: monoartrite sugere causas infecciosas ou artropatia microcristalina (gota e pseudogota), oligoartrite sugere espondiloartropatia (espondilite anquilosante, artrite reativa, artrite psoriásica e artrite enteropática) e poliartrite sugere colagenoses (artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do tecido conjuntivo, esclerose sistêmica, síndrome de Sj(gren, miosites e vasculites primárias).1 A lombalgia deve ser diferenciada em causas mecânicas e inpamatórias pela história clínica. A lombalgia mecânica é a mais comum e acomete pacientes com mais de 40 anos de idade. Caracteriza-se pela redução da dor em repouso com piora aos movimentos e por não apresentar dor noturna. Para um paciente com lombalgia mecânica, a principal hipótese diagnóstica é a osteoartrite. A lombalgia de causa inpamatória tem história de dor em repouso que reduz de intensidade após exercícios. Acomete com maior frequência homens jovens (menos de 40 anos de idade), sendo comum a dor lombar noturna, induzindo o despertar. Quando se tem um paciente com lombalgia inpamatória, deve-se pensar em espondiloartrites, neoplasias ou doenças infecciosas.1 Outro sintoma comum das doenças reumatológicas é a rigidez matinal, que é diretamente proporcional ao grau de inpamação articular. Quanto
DOR
mais intensa for a inpamação articular, mais líquido sinovial é gerado e maior é o tempo de rigidez da articulação após repouso prolongado, sendo um sintoma importante para o diagnóstico e o seguimento das doenças inpamatórias. Na artrite reumatoide, a rigidez matinal costuma ter duração maior que uma hora, sendo um dos critérios diagnósticos do Colégio Americano de Reumatologia.2 Manifestações sistêmicas como febre, fadiga e perda de peso podem estar presentes em colagenoses e vasculites primárias, sendo importante seu questionamento durante a anamnese para diagnóstico diferencial de doenças degenerativas, como osteoartrite, bursites e tendinites.2 Além do aparelho osteomuscular, as doenças reumatológicas sistêmicas podem acometer diversos órgãos, com manifestações dolorosas como cefaleia, peritonite, pleurite, pericardite, uveíte, conjuntivite, esclerite, dermatite, condrites, úlceras orais, úlceras genitais, úlceras cutâneas e neurites. Essas manifestações estão presentes principalmente em doenças autoimunes (Tabela 1).3
TABELA 1 Manifestações dolorosas das doenças reumatológicas Doenças autoimunes
Sintomas dolorosos
Artrite reumatoide
Artralgia
Lúpus eritematoso sistêmico
Artrite
Síndrome de Sjögren
Mialgia
Dermatopolimiosite
Neuropatias
Esclerose sistêmica
Cefaleia
Síndrome antifosfolípide
Lesões isquêmicas
Artrite psoriásica
Lesões oftálmicas
Artrite reativa
Dermatite
Espondilite anquílosante
Úlceras
Vasculites primárias
Condrite Parotidite Pneumonite Pericardite
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A investigação diagnóstica é baseada em história clínica, exame físico, exames laboratoriais e exames de imagens. As provas inpamatórias mais utilizadas são a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa (PCR); quando elevadas, são indicativas de processo inpamatório. Esses exames são muito sensíveis, mas pouco especíocos. A investigação de anticorpos como fator antinúcleo (FAN), fator reumatoide, anti-RO, anti-LA, anti-DNA, anti-ENA, anti-Sm, anti-RNP, anti-SCL 70, anticentrômero, anticardiolipina, anticoagulante lúpico, anti-Jo 1 e anti-CCP é importante para indicar as causas autoimunes. Os exames de imagens mais utilizados são a radiograoa das mãos e dos pés e a ultrassonograoa de partes moles. A ressonância magnética é o exame de imagem mais sensível e especíoco para avaliar sinovites iniciais, osteomielites e lesões de partes moles.3 A Tabela 2 apresenta diferencial por imagens das doenças reumatológicas. O tratamento varia conforme a doença reumática diagnosticada, podendo ser utilizados imunossupressores nas doenças autoimunes. Metotrexato, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida e micofenolato são medicações que têm em comum o início tardio de ação analgésica e o potencial de retardar a evolução natural de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. Por causa desse efeito analgésico tardio, é necessário associar medicações anal-
TABELA 2 Diferencial por imagens das doenças reumatológicas Achados Sinovite
Artrite reumatoide
Soronegativos
++++
+++
DDTC
Osteoartrite
++
+
Variável Erosões Axial Sacroilíacas Mãos IF distal
++++
+++
⫺/+
++
++
++++
⫺
+++
+
++++
⫺
⫺
+++
+
++
+
⫺
+
⫺/+
+++
DDTC: doença mista do tecido conjuntivo; IF: interfalangeal
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gésicas de ação imediata nas primeiras semanas do tratamento, como analgésicos comuns (paracetamol e dipirona), anti-inpamatórios não esteroidais (AINE – p.ex., profenid, naproxeno, meloxicam, tenoxicam, diclofenaco, ibuprofeno), corticosteroides (p.ex., prednisona, depazacort, hidrocortisona), opioides fracos (tramadol, codeína) e, em alguns casos, opioides fortes (morona, hidromorfona, oxicodona, metadona). A terapia combinada de AINE com analgésicos tem efeito sinérgico e deve ser recomendada, apresentando melhor controle álgico em comparação com a monoterapia.1,2 Conforme revisão da Cochrane Database, não é recomendada a utilização de benzodiazepínicos como relaxante muscular para doenças reumáticas como a artrite reumatoide, pois não resulta em diferença na analgesia após duas semanas e apresenta elevada incidência de tonturas e sonolência.4 Os antidepressivos também não mostraram evidências de melhora analgésica na artrite reumatoide, sendo necessários mais trabalhos cientíocos para recomendar seu uso.5 A capsaicina tópica pode ser utilizada em casos de dor persistente como terapia adjuvante no controle da dor.6 Nos últimos anos, ocorreram avanços signiocativos no tratamento das doenças reumatológicas com as medicações imunobiológicas que apresentam ação especíoca na patogênese das doenças, como os anti-TNF-alfa na artrite reumatoide, na artrite psoriásica e nas espondiloartrites. Os principais anti-TNF são inpiximabe, etanercepte, adalimumabe, certolizumabe e golimumabe. O rituximabe é outra medicação imunobiológica que atua bloqueando os linfócitos B anti-CD20, sendo indicado em casos de artrite reumatoide refratária ao anti-TNF e no lúpus refratário. O tocilizumabe inibe a interleucina 6 (IL-6), bloqueando a ampliocação do processo inpamatório, sendo indicado na artrite reumatoide refratária ao anti-TNF. O abatacepte bloqueia o receptor CTLA4, inibindo a coestimulação da célula apresentadora de antígeno com o linfócito T CD4, e apresenta evidências cientíocas na artrite reumatoide refratária. Outras medicações imunobiológicas, como sarilumabe, sirukumabe, secukinu-
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mabe e SMIP, estão em estudo clínico fase II e III, sendo medicações promissoras para artrite reumatoide.7 Além da terapia medicamentosa, é necessário associar terapia não medicamentosa, como hidroterapia, exercícios de fortalecimento muscular, termoterapia, alongamentos, inoltrações com corticosteroide ou ácido hialurônico e acupuntura. Orientações sobre calçado, postura e atividades cotidianas também devem ser realizadas em conjunto com essas medidas.7-12 Conclui-se, assim, que o paciente com dor osteomuscular precisa de um diagnóstico preciso, analgesia adequada, utilização de medicações que atuem na patogênese da doença e reabilitação precoce. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ramiro S, Radner H, van der Heijde D, van Tubergen A, Buchbinder R, Aletaha D et al. Combination therapy for pain management in inpammatory arthritis (rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis, psoriatic arthritis, other spondyloarthritis). Cochrane Database Syst Rev 2012; 90:47-55. 2. Radner H, Ramiro S, Buchbinder R, Landewé RB, van der Heijde D, Aletaha D. Pain management for inpammatory arthritis (rheumatoid arthritis, psoriatic arthritis, ankylosing spondylitis and other spondylarthritis) and gastrointestinal or liver comorbidit. Cochrane Database Syst Rev 2012; 1. 3. Barnabe C, Bessette L, Flanagan C, Leclercq S, Steiman A, Kalache F et al. Sex differences in pain scores and localization in inpammatory arthritis: a systematic review and metaanalysis. J Rheumatol 2012; 39(6):1221-30. 4. Richards BL, Whittle SL, Buchbinder R. Muscle relaxants for pain management in rheumatoid arthritis. Cochrane Database Syst Rev 2012; 1. 5. Richards BL, Whittle SL, Buchbinder R. Antidepressants for pain management in rheumatoid arthritis. Cochrane Database Syst Rev 2011; (11). 6. Richards BL, Whittle SL, Buchbinder R. Neuromodulators for pain management in rheumatoid arthritis. Cochrane Database Syst Rev 2012; 1.
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Dor musculoesquelética Fabiola Peixoto Minson Liége Mentz-Rosano
Introdução Todos os adultos experimentaram ou experimentarão um ou mais episódios de dor musculoesquelética ao longo da vida. A ocorrência de dor, principalmente a crônica, é crescente na população, em função de modificações nos hábitos de vida e no meio ambiente, além de inúmeras outras razões. As dores podem ser agudas, ocasionadas por traumas, processos infecciosos ou lesões por esforço excessivo, ou crônicas ou persistentes, originadas por vícios posturais, sobrecargas mecânicas, lesões traumáticas não tratadas adequadamente, câncer, entre outras causas. Comumente, há recorrência ou persistência dessas dores, levando à cronicidade. A dor crônica musculoesquelética é caracterizada pela persistência de desconforto doloroso por mais de 3 meses. Alguns autores caracterizam como um período acima de 6 meses e outros, ainda, acima de 12 meses. Um estudo recente realizado pela Universidade de São Paulo (USP) indicou que 28,7% da população acima de 18 anos de idade e residente na cidade
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de São Paulo sofre de dor crônica. O estudo mostrou uma prevalência de problemas na coluna em 22,1%, dor de cabeça e enxaqueca em 19,6%, ansiedade e outros transtornos psiquiátricos em 14% e depressão em 9%, entre as queixas mais comuns. A pesquisa mostrou também que 32,9% das pessoas que sofrem desse mal não utilizaram nenhum medicamento nos últimos 12 meses, 42% dos indivíduos procuraram ajuda médica e outros 15,5% tomaram algum remédio por decisão própria.1 Crombie e LeResche descrevem uma grande variação na idade e gênero em relação a muitos problemas musculoesqueléticos.2,3 Dores nos joelhos por osteoartrite são extremamente comuns no idoso, afetando mais de 1/3 das pessoas com mais de 60 anos, mas são pouco comuns em jovens. Em contraste, outras condições musculoesqueléticas, como a disfunção temporomandibular, diminuem após os 45 anos. Dores em região cervical, lombar, nos ombros e joelhos são cerca de 1,5 vez mais comuns em mulheres do que em homens. Na disfunção temporomandibular, há uma proporção de prevalência de duas mulheres para cada homem e, na obromialgia, de sete mulheres para cada homem.2 FATORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DA DOR MUSCULOESQUELÉTICA Vários fatores têm sido apontados como causas de aumento do risco individual de desenvolver dor musculoesquelética persistente:4 Æ idade e gênero; Æ presença de alterações degenerativas (artrite reumatoide e osteoartrite); Æ uso repetitivo ou falta de uso das estruturas musculoesqueléticas; Æ fatores psicológicos, incluindo depressão, afeto negativo e, em adolescentes, problemas comportamentais; Æ fatores genéticos;
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Æ história prévia de dor, seja musculoesquelética ou não musculoesquelética, que pode predizer o aparecimento de outras dores musculoesqueléticas. INCAPACIDADE NA DOR MUSCULOESQUELÉTICA Pessoas com dor musculoesquelética podem apresentar limitações para realizar suas atividades habituais, tanto da vida diária quanto da proossional. As taxas de incapacitação pela dor musculoesquelética na população geral são mais baixas do que as taxas entre pessoas que procuram atenção primária. Por exemplo, entre as pessoas idosas que buscam atendimento para dor no joelho, as taxas de dor incapacitante são de 37%, em comparação com 22% na população como um todo. Como os problemas de dor musculoesquelética são extremamente prevalentes, suas implicações econômicas são signiocativas. Além dos custos dos benefícios por incapacidade pagos às pessoas que não podem trabalhar em função da dor musculoesquelética, a perda de produtividade entre as pessoas empregadas é extremamente comum e gera gastos elevados.5 Um estudo realizado na população empregada dos Estados Unidos mostrou que 7,2% dos trabalhadores perdem duas horas ou mais de trabalho por semana por motivo de dor nas costas, artrite ou outras condições de dor musculoesquelética (incluindo o tempo passado no trabalho sem produtividade por causa da dor). A média de perda de tempo foi de 5 a 5,5 horas/semana, com um custo anual total estimado de US$ 41,7 bilhões em 2002.5 FISIOPATOLOGIA DA DOR MUSCULOESQUELÉTICA A dor indica a ocorrência de alguma lesão, exercendo um papel de defesa que alerta para a ocorrência de lesão tecidual instalada ou em vias de se instalar. Contudo, a dor crônica corresponde a mecanismos de adaptação, especialmente musculoesqueléticos e psicocomportamentais, que levam a incapacidade e repercussões biopsicossociais desfavoráveis.4
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Estudos têm mostrado anormalidades celulares e subcelulares e alterações na concentração de moléculas que regulam a sensibilidade dolorosa e a atividade, a neuroplasticidade e a expressão genética das unidades nociceptivas nas estruturas envolvidas na discriminação da dor, nos comportamentos motor e psíquico e nas funções neurovegetativas, neuroimunitárias, neuroendócrinas, metabólicas e modulatórias de sensibilidade. Inúmeros mecanismos estão envolvidos na ativação e na supressão das unidades nociceptivas. Traumatismos físicos e químicos sensibilizam e ativam os nociceptores dos tecidos, resultando na liberação tecidual de neurotransmissores excitatórios que sensibilizam e ativam as vias nociceptivas do sistema nervoso central (SNC) e periférico. No SNC, ocorrem anormalidades nas unidades envolvidas nos mecanismos sensitivo-discriminativos, afetivo-motivacionais e quantitativo-avaliativos da sensibilidade. No sistema nervoso periférico, ocorrem alterações nos gânglios sensitivos e nos neurônios da medula espinal que comprometem a atividade dos mecanismos supressores da dor. Como consequência do desbalanço da atividade das vias excitatórias e das vias supressoras, ocorre a dor.4,6,7 SÍNDROME DOLOROSA MIOFASCIAL A síndrome dolorosa miofascial (SDM) é uma condição dolorosa muscular que pode afetar várias regiões corporais, como coluna cervical, coluna lombar, cintura escapular, cintura pélvica e vários outros pontos do corpo. Caracteriza-se pela ocorrência de bandas musculares tensas palpáveis (nódulos musculares), nas quais se identiocam pontos intensamente dolorosos, os pontos-gatilho (PG). Esses pontos, quando estimulados, ocasionam intensa dor local que pode se irradiar para outros locais do corpo. Geralmente, a dor afeta apenas uma região e pode ser ocasionada por algum trauma (acidentes), por sobrecarga em determinadas regiões (erguer peso, alterações posturais, atletas de om de semana) ou por estresses emocionais. Pessoas afetadas pela SDM podem ter alterações no sono, fadiga e intolerância a exercícios físicos.7,8
DOR
Apesar de a SDM ser uma das causas mais comuns de dor e incapacidade em pessoas com dores musculoesqueléticas, muitos proossionais da área da saúde têm dioculdade para reconhecê-la. A SDM apresenta uma prevalência de 85 a 93% em centros de dor.7,8 O diagnóstico depende exclusivamente do relato do paciente quando descreve sua dor e do exame físico feito pelo médico. Entre os achados do exame físico, há a presença de bandas musculares tensas palpáveis em que se encontram pontos intensamente dolorosos, os PG, os quais, quando estimulados por palpação digital ou durante punção localizada com agulha, ocasionam dor local ou referida à distância. Esses pontos podem ser palpados e geralmente estão associados a banda muscular tensa ou “nódulo muscular”. Segundo Travell e Simons, os PG medem entre 3 e 6 mm. Podem ser decorrentes de sobrecargas dinâmicas (overuse ou traumas) ou estáticas (sobrecargas posturais).7 Uma das características encontradas na SDM é a presença da twitch response (repexo contrátil localizado), ou seja, a contração muscular visível e palpável localizada no PG ou na banda muscular tensa (Tabela 1). Os PG podem ser ativos ou latentes. O PG ativo situa-se em regiões nas quais há queixa de dor, com bandas musculares tensas, e é caracterizado TABELA 1
Características da síndrome dolorosa miofascial
Dor difusa em um músculo ou grupo muscular Dor regional em peso, queimação ou latejamento Surtos de dor a distância ou referida Queixas de parestesia sem padrão neurológico Banda muscular tensa palpável Presença de PG ativos e/ou latentes Reprodução das queixas pela compressão do PG Twitch response à palpação ou inserção de agulha no PG Diminuição da dor após estiramento do músculo ou infiltração do PG Encurtamento muscular PG: pontos-gatilho.
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por um foco de hiperirritabilidade muscular sintomática. Quando pressionado, gera dor local e em áreas especíocas referidas para cada músculo. A dor é espontânea, mas pode surgir aos movimentos, limitando a amplitude de movimento (ADM) e ocasionando sensação de fraqueza no grupamento muscular envolvido. O PG latente está presente em áreas assintomáticas. Costuma ser menos doloroso à palpação e não se associa à dor durante atividades físicas normais. Pode tornar-se ativo por estressores físicos exógenos, endógenos ou emocionais (Figura 1). CERVICALGIA As dores na região cervical ocorrem em 55% das pessoas em alguma fase da vida, sendo mais frequentes nas mulheres. A região cervical é constituída por sete vértebras. A primeira, chamada de atlas, articula-se com o crânio (osso occipital) e a sétima, com a primeira vértebra dorsal. A coluna cervical exerce função de sustentação, proteção e movimentação. Há diversos músculos que atuam na movimentação cervical, sendo as estruturas mais frequentemente relacionadas com a cervicalgia. Entre as causas da cervicalgia, estão: anormalidades musculoesqueléticas, neurológicas, viscerais, tegumentares e condições sistêmicas ou localizadas a
T4-5
L2 S1 S4
FIGURA 1
Ilustração de pontos-gatilho (x) e padrão de dor referida (pontilhado).
DOR
distância, como o tórax e a cabeça, podendo ser de natureza traumática, inpamatória, degenerativa e neoplásica. Algumas situações ocupacionais, como posturas inadequadas mantidas durante períodos prolongados, em ambientes insatisfatórios do ponto de vista ergonômico ou psicológico, podem gerar dores na região cervical.4 A causa mais comum de dor cervical é a SDM, a qual pode ser ocasionada por traumas, alterações degenerativas e/ou inpamatórias, posturas inadequadas, ansiedade e depressão. O diagnóstico é realizado pela pesquisa dos PG nos músculos da região cervical. Os músculos mais comumente afetados são o trapézio, o esternocleidomastóideo, os escalenos e o levantador da escápula (Figura 2).
TrP2
TrP3
T12 FIGURA 2
Pontos-gatilho cervicais.
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Em pessoas com queixas de dores cervicais, é importante a investigação de traumatismos cervicais ou cranianos, disfunções intervertebrais (alterações nos discos intervertebrais), doenças como obromialgia, tumores, doenças infecciosas (tuberculose), inpamatórias (artrite reumatoide, polimiosite, dermatomiosite ou espondilite anquilosante), doenças metabólicas e endócrinas e neuralgias. Essa investigação pode ser feita com a realização de uma boa história clínica, exame físico minucioso e exames complementares, como exames laboratoriais, radiograoas, tomograoa computadorizada e ressonância magnética. O tratamento da cervicalgia baseia-se na eliminação da causa e no tratamento da dor, que pode ser feito com medicamentos, osioterapia, massagens, acupuntura, psicoterapia, inoltrações e, quando necessário, procedimentos cirúrgicos. Para auxiliar no tratamento, deve-se recomendar o uso de travesseiros com altura adequada para acomodar a curvatura cervical, evitar posturas inadequadas (como segurar o telefone entre o ombro e a cabeça), realizar exercícios físicos regularmente e ajustar lentes de correção visual. DORSALGIA A dorsalgia é a síndrome clínica caracterizada por dor na região torácica posterior. A dor nessa região pode estar relacionada às estruturas ósseas (12 vértebras torácicas), à musculatura, aos tecidos adjacentes e às vísceras intratorácicas ou intra-abdominais (Figura 3). Mais frequentemente, a dorsalgia é decorrente de alterações musculoesqueléticas, incluindo a SDM, que pode estar relacionada a alterações posturais para atividades da vida diária e do trabalho. É importante uma avaliação ergonômica do ambiente de trabalho para que algumas causas de dor possam ser eliminadas.4 Podem, ainda, ser decorrentes de lesões traumáticas (fraturas de vértebras, fraturas de costelas, luxações), inpamatórias, fraturas vertebrais
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Coluna cervical
Coluna torácica (dorsal)
Coluna lombar
FIGURA 3
Segmentos da coluna vertebral.
por osteoporose e alterações degenerativas. Outras causas de dor podem estar relacionadas a osteomielite vertebral (doença de Pott), anormalidades congênitas da coluna ou do tórax (escoliose, hipercifose), artrite infecciosa, doença de Paget, epiosite vertebral infecciosa (doença de Scheuermann), discite, lesões vertebrais por tumores e herniação discal torácica. Em doentes com lesões do corpo vertebral, podem ser encontradas hiperalgesia, hiperestesia e disestesias e, nos exames de imagem ou laboratoriais, anormalidades.4,6 No exame físico desses indivíduos, é fundamental a avaliação de deformidades na coluna total, contraturas musculares e limitações a determinados movimentos. Os órgãos intratorácicos e intra-abdominais também devem ser examinados. O tratamento consiste em remoção dos fatores causais, uso de medicações (anti-inpamatórios, analgésicos, relaxantes musculares, opioides, antidepressivos, etc.), meios físicos (termoterapias, eletroterapias), cinesioterapia, educação postural, acupuntura, psicoterapia e, em raros casos, procedimentos cirúrgicos.
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LOMBALGIA A dor na região lombar é uma das queixas mais comuns nos consultórios médicos. Aproximadamente 80% das pessoas sofrerão de lombalgia alguma vez na vida. A prevalência aumenta com o avançar da idade, havendo discreta predominância no sexo feminino. A dor lombar está intimamente relacionada a certas atividades proossionais, nas quais se realizam esforços excessivos ou posturas inadequadas por tempo prolongado. Outros aspectos também estão relacionados, como fatores psicossociais, desmotivação, insatisfação com a atividade proossional, depressão e gestação.9 A lombalgia pode ser aguda, com duração de até 3 meses, em que cerca de 90% dos doentes se recuperam espontaneamente. Entretanto, mais da metade dos doentes pode ter recorrência dos sintomas e mais de 1/3 pode apresentar croniocação da dor. Entre os fatores que podem contribuir para a cronicidade estão falta de correção dos fatores desencadeantes, fatores posturais e psicossociais, benefícios ou perdas secundárias, imobilismo, doenças associadas (alterações psiquiátricas, uso de drogas, depressão, ansiedade), fatores mecânicos e degenerativos e lesões do sistema nervoso periférico ou SNC.9,10 Existem alguns fatores de risco para a ocorrência de dores lombares. Podem-se citar fatores constitucionais, como aumento de peso, fraqueza dos músculos paravertebrais e abdominais e frouxidão ligamentar. Outros fatores são os ocupacionais, gerados por sobrecarga na região lombar ao erguer pesos excessivos ou permanecer muito tempo em uma mesma posição. Os hábitos de vida diários, como fumo, alcoolismo e sedentarismo, também são fatores de risco. Exames complementares devem ser realizados de acordo com a história clínica e o exame físico, a om de descartar hérnias discais, estenose do canal medular, tumores e neuropatias. Para o tratamento ter um bom resultado, é importante que o diagnóstico preciso seja feito. A partir disso, o primeiro passo é o controle da dor, que pode ser feito inicialmente com medicações anti-inpamatórias,
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miorrelaxantes e analgésicas. O repouso pode durar de 2 a, no máximo, 7 dias. O repouso prolongado leva à atrooa muscular, diocultando a reabilitação e aumentando a incapacidade do indivíduo. Nos casos de dores crônicas, podem-se usar também medicações psicotrópicas e antidepressivas, por suas propriedades analgésicas e miorrelaxantes, reguladoras do sono e do humor. Analgésicos opioides fracos ou potentes podem ser necessários. A cinesioterapia é essencial no tratamento das lombalgias, assim como a correção postural. As atividades físicas devem ser estimuladas. Alguns casos podem se beneociar de inoltrações em pontos dolorosos ou PG, com anestésicos locais e técnicas de medicina intervencionista, como bloqueios peridurais ou radiculotomias por radiofrequência. O tratamento cirúrgico deve ser indicado somente após a adequada tentativa de tratamento conservador, havendo indicações precisas para ele. Somente 1 a 3% dos doentes requerem tratamento cirúrgico.6 DOR DOS MEMBROS SUPERIORES As dores musculoesqueléticas dos membros superiores podem ser decorrentes de diversos processos inpamatórios, metabólicos, degenerativos, infecciosos, neoplásicos ou traumáticos de estruturas localizadas tanto localmente nos membros superiores quanto nas regiões cervical, torácica, abdominal, medula espinhal ou encéfalo.
Dor no ombro O ombro é uma das articulações mais complexas, de grande mobilidade, em que atuam músculos, tendões e três articulações (esternoclavicular, acromioclavicular e glenoumeral), o que o torna mais suscetível a lesões por sobrecarga, movimentos repetitivos e instabilidades. Entre as causas de dor no ombro, estão artropatias, artroses, síndrome do impacto, lesão do manguito rotador, peritendinite calcárea, capsulite adesiva ou ombro congelado, bursites, entre outras. Traumas com lesões ligamentares e/ou
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fraturas são outras causas de dor no ombro. As dores nos ombros são mais comuns em indivíduos acima dos 40 anos de idade.
Dor no cotovelo Ao contrário do ombro, o cotovelo é uma articulação de pequena mobilidade. Apesar disso, é uma articulação submetida a grande sobrecarga durante atividades que exigem força e alavanca. A dor no cotovelo é mais comumente causada por afecções periarticulares, como a epicondilite lateral ou medial, podendo ser de origem articular em doenças reumatológicas e artrites. Também podem ser causas de dor no cotovelo sequelas de fraturas, bursite olecraniana e neuropatias compressivas ao nível do cotovelo. A epicondilite lateral é muito frequente em tenistas, assim como a epicondilite medial é muito frequente em jogadores de golfe.
Dor no punho e na mão A anatomia da mão e do punho é muito rica, o que faz com que seja sede de muitas afecções dolorosas. A dor pode ser causada por tendinopatias, como a tendinite de DeQuervain, tendinite dos extensores do punho e dos dedos, cistos sinoviais, dedo em gatilho, osteoartrose (entre elas, pode-se destacar a rizartrose), lesões ligamentares e fraturas. Causas muito comuns de dor e perda de força na mão são as neuropatias causadas por compressões de nervos periféricos, sendo a mais comum a síndrome do túnel do carpo. DOR NOS MEMBROS INFERIORES As dores musculoesqueléticas dos membros inferiores podem ser ocasionadas, comumente, por alterações degenerativas, principalmente nos quadris e joelhos. Podem, ainda, ser causadas por processos infecciosos, neoplásicos ou traumáticos (em especial, nos esportes de contato) e alterações vasculares. A origem da dor nos membros inferiores também pode vir de afecções na coluna torácica e lombar, com ou sem comprometimento neurológico.
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Dor no quadril e na coxa Quando existe uma queixa de dor no quadril, não se pode deixar de examinar e investigar a coluna lombossacra e o joelho. São muito comuns as dores irradiadas e referidas a distância. A osteoartrose coxofemoral é muito comum nos idosos e os processos inpamatórios, como bursite trocantérica e tendinites (glúteo médio e mínimo), nos jovens. A síndrome do piriforme também deve ser um diagnóstico diferencial em dores em quadril, glúteo e coxa, assim como alterações no músculo iliopsoas. Podem-se citar, ainda, síndromes compressivas (neuropatia do nervo cutâneo lateral da coxa, do nervo femoral, do nervo safeno, do nervo ciático, do nervo obturador e do nervo glúteo inferior ou superior), necrose avascular da cabeça femoral, sinovite transitória do quadril, doença de Legg-Calvé-Perthes (em crianças de 3 a 12 anos), epiosiolistese de cabeça femoral (em adolescentes), doenças reumatológicas, fraturas e luxações, tumores e doença de Paget.
Dor no joelho Assim como nas dores do quadril, dores no joelho exigem que sempre se examine o quadril para se descartar dores referidas. O joelho é uma articulação de muita sobrecarga nas atividades do dia a dia, como subir e descer escadas. Nas atividades físicas e esportivas, é uma das articulações mais exigidas, o que leva a um alto índice de lesões traumáticas. Essas lesões costumam gerar dor de forte intensidade no momento da lesão, mas, se tratadas adequadamente na fase inicial, não costumam croniocar. As lesões podem ser ligamentares (ligamento cruzado anterior e posterior e colaterais lateral e medial), meniscais e tendíneas (tendão patelar). Em idosos, principalmente nos obesos, é comum a dor por osteoartrose femorotibial e femoropatelar, o que leva a grandes limitações na marcha e piora na qualidade de vida.11 Outras doenças de origem inpamatória podem levar à dor, assim como hemartroses causadas por alterações hematológicas. A bursite pré-patelar é muito
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comum em pessoas que trabalham agachadas, mas nem sempre é seguida de dor. As tendinopatias podem originar dor em diversos compartimentos do joelho, conforme a localização do músculo afetado. As mais comuns são as tendinites anserinas e patelares. Uma causa frequente de dor anterior do joelho é o encurtamento da musculatura isquiotibial, o que é facilmente resolvido com exercícios de alongamento muscular. Outras possibilidades são tumores, instabilidade patelar, condromalácia, lesão condral, corpo livre intra-articular e sinovites.
Dor no tornozelo e no pé As dores no tornozelo e no pé podem ser causadas por lesões traumáticas (fraturas, entorses) e por deformidades que se agravam com o passar do tempo, como hálux valgo (joanete), pé cavo, pé plano e calosidades plantares ou no dorso dos dedos. Uma das causas mais comuns de dor no pé é a fasciíte plantar, muito conhecida como esporão calcâneo, que gera dor na porção plantar do pé e no calcanhar. Síndromes compressivas podem causar dor e parestesia no pé (neuropatia do nervo safeno, do nervo obular, do nervo tibial, do nervo sural e do nervo obular profundo – síndrome do túnel do tarso). Na região do antepé, a dor pode ser causada por metatarsalgia, osteocondrites, fraturas por estresse, gota, sesamoidites e neuroma de Morton (ramos do nervo tibial). No tornozelo, podem-se encontrar tendinites do tendão de Aquiles, de tibial anterior e posterior, além de instabilidades por frouxidão ligamentar ou após entorses. FIBROMIALGIA A obromialgia, ou síndrome obromiálgica (SFM), é uma doença de etiologia desconhecida, caracterizada por ocorrência de dor musculoesquelética generalizada crônica, fadiga, alterações no sono, estresse, entre outros sintomas. A ocorrência da obromialgia independe de idade ou nível socioe-
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conômico e cultural, afetando 2 a 10% da população, sendo 4 a 7 vezes mais comum em mulheres. A osiopatologia da SFM não está completamente deonida, mas um número de distúrbios neurossensoriais, neuroendócrinos e relacionados a neurotransmissores, assim como predisposição genética, tem sido implicado em sua causa:12 Æ neuroendócrino: disfunção do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, incluindo diminuição das respostas ao cortisol, e regulação anormal do hormônio do crescimento; Æ neurotransmissor: diminuição de serotonina no SNC, níveis elevados de substância P e fator de crescimento neural no liquor; Æ neurossensorial: ampliocação central da dor e/ou antinocicepção reduzida (sensibilização central, anormalidades das vias descendentes inibitórias da dor); Æ genético: forte agregação familiar para SFM, evidências de polimorosmos de genes dos sistemas serotoninérgicos, dopaminérgicos e catecolaminérgicos na etiologia da SFM. Algumas atividades pioram os sintomas da obromialgia, como digitar, permanecer sentado ou caminhar por muito tempo, estresse, levantamento de peso, realização de movimentos repetitivos e manutenção de qualquer posição por tempo prolongado. Atividades discretamente sedentárias, que permitam tarefas variadas e mudanças de posição, são mais bem toleradas. Entre as queixas apresentadas, estão dor generalizada, localizada no hemicorpo direito e esquerdo, acima e abaixo da cintura, além do eixo axial (região cervical, face anterior do tórax, dorso e região lombar), com duração superior a 3 meses. Ao exame físico do doente com obromialgia, encontram-se pontos dolorosos (tender points) em pelo menos 11 dos seguintes 18 pontos, bilateralmente (Figura 4):
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Æ inserção dos músculos suboccipitais na nuca; Æ ligamentos dos processos transversos da V a VII vértebra cervical (região cervical baixa); Æ músculo trapézio, no ponto médio da sua borda superior; Æ músculo supraespinal (no ombro, acima da borda medial da escápula); Æ junção do músculo peitoral com a articulação costocondral da segunda costela; Æ 2 cm abaixo do epicôndilo lateral do cotovelo (face lateral); Æ quadrante laterossuperior da região glútea, abaixo da espinha ilíaca; Æ inserções musculares no trocânter femoral (face lateral do quadril); Æ face interna do joelho (no coxim gorduroso, pouco acima da linha média do joelho).
FIGURA 4
Pontos miofasciais na fibromialgia.
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Quando o número de pontos dolorosos é inferior a 11, mas existem outros sinais e sintomas, o diagnóstico de obromialgia também pode ser realizado. Muitos doentes apresentam, ainda, ansiedade, depressão, nervosismo, insônia, cefaleia, síndrome do cólon irritável, infecções urinárias de repetição, irregularidades no puxo menstrual, sensibilidade ao frio, déocits de memória e concentração e cãibras nas pernas, condições clínicas mais frequentemente vistas em SFM do que na população em geral. São muito frequentes as queixas de fadiga generalizada, referida como sensação de falta de energia, exaustão e fatigabilidade durante a execução de exercícios físicos triviais, presentes em 85% dos doentes. Formigamento e adormecimento nas extremidades, sensação de inchaço e edema nas mãos, nos pés e nos tornozelos são referidos por 50 a 75% dos doentes. Dioculdade para o início do sono, despertares durante a noite, dioculdade para retomada do sono, sono agitado e superocial e despertar precoce ocorrem em cerca de 65% dos casos. É comum o paciente acordar cansado e com dor no corpo. A dor crônica compromete diversos aspectos da vida diária, relacionados a estresses emocionais, comprometimento da produtividade e do nível de educação e maior frequência de divórcios. O estresse pode desempenhar papel relevante na mediação e perpetuação dos sintomas da obromialgia. Muitos doentes referem que os primeiros sintomas iniciaram após períodos de estresse ou traumas, ou que os sintomas se agravaram após estresses físicos ou emocionais de curta duração. É comum a queixa de desconoança e falta de credibilidade por parte de amigos, familiares e proossionais da saúde, em função de as queixas serem poliformes e subjetivas, os exames complementares serem normais, haver recorrência dos sintomas e melhora não signiocativa com as terapias empregadas. O descondicionamento físico é característico na obromialgia, predispondo a microtraumatismos musculares e fadiga crônica. O tratamento da obromialgia baseia-se na abordagem interdisciplinar, incluindo controle da dor e da fadiga, melhora do padrão do sono,
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controle do estresse, melhora do humor, condicionamento físico e reintegração psicossocial. Para tanto, uma grande variedade de medicamentos pode ser utilizada, como anti-inpamatórios não esteroidais (AINE), corticosteroides, opioides, anestésicos locais, ansiolíticos, neurolépticos, miorrelaxantes, anticonvulsivantes e antidepressivos. Além da terapia medicamentosa, podem ser utilizados meios físicos como calor, massagem e eletroterapia, condicionamento físico, acupuntura, inoltrações de pontos dolorosos ou PG, cinesioterapia e tratamento psicoterápico. Programas educativos são de grande importância. A prevenção da recorrência dos sintomas e a manutenção da qualidade de vida são fundamentais no processo de reabilitação do obromiálgico. EXAMES COMPLEMENTARES Os exames complementares nas dores musculoesqueléticas devem ser realizados para se descartar doenças infecciosas, reumatológicas, tumorais, degenerativas e síndromes compressivas. Podem ser feitos exames laboratoriais e de imagem (ultrassonograoa, tomograoa computadorizada e ressonância nuclear magnética). Na obromialgia e na SDM, esses exames costumam ser normais. Atualmente, pode-se usar a termograoa para ajudar no diagnostico de obromialgia (Figura 5). TRATAMENTO O princípio do tratamento das dores musculoesqueléticas deve basear-se no conceito da multidisciplinaridade. Devem agir, conjuntamente, diversos proossionais, como médicos, osioterapeutas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicólogos e educadores físicos. Antes de se pensar no tratamento, deve-se lembrar que o diagnóstico bem feito é fundamental para tratar não só a dor, mas também sua causa. Avaliações cirúrgicas devem ser realizadas em casos especíocos e sempre que necessário.
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FIGURA 5
Termografia.
Os objetivos do tratamento da dor musculoesquelética são: Æ controle da dor, com medicações, meios físicos, etc.; Æ controle da fadiga; Æ melhora do padrão de sono; Æ controle das anormalidades do humor; Æ melhora da funcionalidade; Æ reintegração psicossocial; Æ prevenção da recorrência dos sintomas; Æ melhora e manutenção da qualidade de vida.
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Tratamento medicamentoso O tratamento medicamentoso pode ser utilizado em todas as fases da dor. Atualmente, o arsenal de medicações no mercado para dor e medicações adjuvantes no tratamento da dor é muito extenso. Na dor musculoesquelética, pode-se fazer uso de várias medicações citadas a seguir. O AINE é uma das medicações mais usadas por médicos nos pronto-socorros, por ortopedistas nos ambulatórios e por desportistas como automedicação. Apresentam boa eocácia nas dores agudas, relacionadas a processos inpamatórios decorrentes de traumas ou esforços, assim como outras doenças de origem inpamatória, porém não em dores crônicas. Os relaxantes musculares são importantes em dores de origem muscular, como a SDM e a obromialgia. Entre eles, podem-se citar a ciclobenzaprina, a tiazidina, o carisoprodol e o baclofeno. Frequentemente, analgésicos comuns são utilizados tanto na fase aguda quanto na fase crônica das dores musculoesqueléticas. Analgésicos mais potentes, como os opioides fracos e fortes, podem ser utilizados nos casos de dores intensas que não apresentaram melhora com analgésicos fracos e medicações adjuvantes, por curto período. As medicações adjuvantes são fundamentais nas dores crônicas. Pode-se associar às medicações citadas antidepressivos tricíclicos, antidepressivos duais, inibidores seletivos da recaptação de serotonia, anticonvulsivantes e benzodiazepínicos. Medicações tópicas (Cordia verbenacea, capsaicina e AINE) têm demonstrado bons resultados, principalmente quando associadas à massagem terapêutica.
Tratamento não medicamentoso Na fase aguda da dor musculoesquelética, deve-se iniciar o tratamento com medidas analgésicas antes dos exercícios de fortalecimento e condicionamento físico. Como medidas analgésicas, podem-se citar os meios
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físicos (calor, massagem e eletroterapia). Como adjuvantes, há a acupuntura, a psicoterapia, a meditação, entre outros. Após a diminuição da dor intensa, pode-se iniciar com liberação miofascial, exercícios de fortalecimento muscular, intensiocar os exercícios de alongamento muscular, hidroginástica, hidroterapia e outras atividades físicas, conforme a tolerância de cada paciente. Na SDM, é importante a inativação dos PG, tanto os ativos quanto os latentes. A inativação pode ser feita com o uso de técnicas de liberação miofascial, agulhamento seco e bloqueios anestésicos. Outros procedimentos da medicina intervencionista na dor também podem ser usados. Na obromialgia, deve-se, primeiro, tratar a dor generalizada e depois pensar em fazer a inativação de pontos isoladamente, para não correr o risco de piora na dor do paciente. Os encurtamentos e espasmos musculares também devem ser tratados, mesmo quando assintomáticos, a om de evitar a recidiva dos sintomas. Os programas educativos são de extrema importância para pacientes que sofrem com dores crônicas, principalmente na obromialgia, pois aprimoram o entendimento do paciente sobre o que acontece em seu corpo e melhoram a adesão ao tratamento. Devem ser realizadas correções nos fatores agravantes, precipitantes e/ou perpetuantes das dores, como alterações posturais, falta de condicionamento físico, cargas excessivas no trabalho ou nas atividades físicas e equipamentos inadequados no ambiente de trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ferreira KASL. EPI-Dor: retratos da dor no Brasil. Universidade de São Paulo Instituto do Câncer “Octávio Frias de Oliveira”. Centro Interdisciplinar de Dor — HCFMUSP. Liga de Dor FMUSP/EEUSP Universidade Guarulhos — UnG. 2. Crombie IK, Croft PR, Linton SJ, LeResche L, Von Korff M (eds.). Epidemiology of pain. Seattle: IASP Press, 1999.
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CEFALEIAS PRIMÁRIAS Paulo Monzillo
INTRODUÇÃO Neste capítulo, serão abordadas as denominadas cefaleias primárias, que constituem, sem dúvida, uma das mais frequentes queixas em ambulatórios gerais e de especialidade e causas de visitas recorrentes a serviços de emergência. Fazem parte desse grupo: Æ enxaquecas (com e sem aura); Æ cefaleia em salvas (CS); Æ cefaleia tipo tensional (CTT – episódica e crônica); Æ cefaleias relacionadas ao esforço físico;1 Æ cefaleia em trovoada primária. As duas primeiras são de alta prevalência na população geral (90%) e causas frequentes de absenteísmo, além de manterem dependência direta com a frequência de crises de baixa qualidade de vida. Menos da metade das pessoas que sofrem de dores de cabeça procura auxílio médico no
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decorrer de sua enfermidade, de modo que somente 2% são avaliadas e tratadas por um especialista.2 Embora muito prevalentes na população, são subdiagnosticadas e, portanto, tratadas de forma inadequada. Serão descritos nesse grupo de cefaleias os critérios diagnósticos, a epidemiologia, as noções básicas da osiopatologia e os aspectos gerais do tratamento agudo (crise) e preventivo. Além disso, serão incluídos os principais sinais de alerta eleitos pela literatura como indicativos de investigação subsidiária adicional, com a onalidade de excluir cefaleias secundárias a processos orgânicos subjacentes. ENXAQUECAS A enxaqueca, ou migrânea, é uma cefaleia primária comum e incapacitante. Estudo feito pela Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) encontrou prevalência estimada de enxaqueca em aproximadamente 15,2% da população. Se for considerado somente o sexo feminino, essa prevalência atinge 20% da população. Mulheres em uso de anticoncepcional hormonal apresentam 1,3 vez mais enxaqueca, quando comparadas às que não fazem uso dele. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a enxaqueca ocupa a 19ª posição mundial entre todas as doenças causadoras de incapacidade funcional temporária.3,4 A enxaqueca pode ser dividida em dois subtipos principais: enxaqueca sem aura (ESA) e enxaqueca com aura (ECA). Alguns pacientes apresentam uma fase premonitória, que antecede o aparecimento da cefaleia em horas ou dias. Os sintomas são inespecíocos, geralmente não percebidos e, portando, não relatados. São eles: hiper ou hipoatividade, depressão do humor, apetite especíoco para determinados alimentos, bocejos repetidos, entre outros. Cabe ressaltar que esses mesmos sintomas podem voltar a aparecer após o término da crise e constituem a “fase de resolução”, que pode durar algumas horas. Essa fase pós-crise é geralmente referida pelo paciente como sensação de “ressaca”.
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Enxaqueca sem aura É descrita pela International Headache Society (IHS)1 como uma cefaleia recorrente, que se manifesta sob a forma de crises de dor de cabeça que duram de 4 a 72 horas, com ou sem tratamento abortivo. Apresenta como características típicas: Æ localização unilateral; Æ caráter pulsátil ou latejante da dor; Æ intensidade moderada ou forte; Æ exacerbação da intensidade da dor por atividade física rotineira. Comumente, associam-se à enxaqueca náuseas, vômitos, fotofobia (intolerância à claridade), fonofobia (intolerância ao barulho) e, não raramente, osmofobia (intolerância a cheiros). A IHS recomenda que ocorra um mínimo de cinco crises para que se possa concluir o diagnóstico. Soma-se aos critérios descritos a realização de exame clínico e neurológico, que não deve apresentar anormalidades.
Enxaqueca com aura A aura é deonida como um transtorno neurológico recorrente, transitório e totalmente reversível que se desenvolve gradualmente em 5 a 20 minutos e dura menos de 60 minutos. Geralmente antecede a crise, mas pode ser concomitante ou, ainda, em algumas situações (raramente), a fase de dor pode estar ausente. São descritos três tipos de auras: Æ visual: luzes tremulantes, manchas (escotomas), linhas em formato de zigue-zague (espectros de fortiocação), diminuição da acuidade visual (embaçamento visual) ou perda de parte do campo visual (hemianopsia); Æ sensitiva: formigamento ou dormência em um hemicorpo; Æ dioculdade de expressão (disfasia).
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A aura visual é a mais frequente (90%), sendo que alguns pacientes podem apresentar mais de um tipo de aura (em sequência) em uma mesma crise. A cefaleia com características de ESA geralmente sucede os sintomas da aura. São necessárias duas crises com sintomas neurológicos focais e reversíveis precedendo uma enxaqueca para que se deona a ECA.
Complicações da enxaqueca Enxaqueca crônica É deonida como crises de dor que ocorrem em 15 ou mais dias por mês, por mais de 3 meses, na ausência de uso excessivo de medicação analgésica. A maioria dos casos de enxaqueca crônica tem início como ESA de caráter episódico. Para que se deona uma enxaqueca como crônica, não pode haver o uso excessivo de analgésicos pelo paciente (uso por 10 ou mais dias no mês, por pelo menos 3 meses).
Estado de mal enxaquecoso São crises incapacitantes de enxaqueca que duram mais que 72 horas e que não respondem a tratamento analgésico rotineiro, sendo causa frequente de visitas a serviços de emergência.
Fisiopatologia Em relação à osiopatologia da enxaqueca, diversos mecanismos parecem estar envolvidos, sem que até o momento haja seu conhecimento completo. Destacam-se alguns mecanismos que, atualmente, são aceitos pela literatura: Æ enxaqueca como enfermidade genética; Æ enxaqueca como enfermidade dismodulatória: cérebro hiperexcitável ou com dioculdade de inibir-se diante de estímulos internos ou externos
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(variação hormonal nas mulheres, odores fortes, claridade, estresse diário, entre outros); Æ fenômeno da depressão cortical alastrante (responsável pela aura); Æ sensibilização do sistema trigeminovascular: 䊊
vasodilatação com inpamação neurogênica dos vasos cerebrais e meníngeos (fase de dor);
Æ sensibilização central (hipersensibilidade cutânea durante as crises); Æ funcionamento anormal do tronco encefálico (modulação e bloqueio de estímulos dolorosos para centros corticais).5 Vários estudos demonstram que pacientes portadores de enxaqueca, principalmente aqueles com enxaqueca crônica, apresentam comorbidades (enfermidades associadas), como transtorno de humor (depressão), ansiedade e síndrome do pânico.6-8
Tratamento O tratamento da enxaqueca requer abordagem farmacológica e não farmacológica que inclui orientação em relação aos hábitos de vida (sedentarismo, tabagismo e higiene do sono), bem como a identiocação de alguns desencadeantes de crise enxaquecosa, como cafeína, álcool, chocolate, ciclamato, aspartame, vinho tinto, queijos amarelos, etc. Os desencadeantes devem ser identiocados para cada paciente em particular, já que não são comuns a todos que sofrem de enxaqueca. O uso abusivo de analgésicos, se presente, deve ser minimizado em função de seu potencial para aumentar o risco de croniocação da dor de cabeça. O tratamento da enxaqueca pode ser subdividido em farmacoterapia aguda e preventiva. As opções de tratamento agudo incluem analgésicos simples, anti-inpamatórios não esteroidais (AINE), triptanos e ergotaminas. Cabe lembrar que a utilização precoce do medicamento abortivo, seja ele qual for, aumenta a chance de encerrar a crise com maior rapidez. O uso desses agentes deve ser limitado a 2 dias ou me-
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nos por semana, para minimizar o risco de uma cefaleia que não mais desaparece (croniocação) induzida pelo uso abusivo e constante desse grupo de drogas. Já o tratamento preventivo enfoca diversas classes diferentes de medicamentos, incluindo antidepressivos, anticonvulsivantes, betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio e, para alguns pacientes, necessidade de tratamentos coadjuvantes, como aplicação de toxina botulínica ou bloqueio anestésico dos nervos occipital maior e menor. Recomenda-se, inicialmente, o tratamento com uso de um medicamento (monoterapia), sempre com doses baixas e com incrementos de acordo com a resposta clínica ou presença de efeitos colaterais. Pacientes que iniciam terapia preventiva devem ser informados de que os resultados benéocos podem não ser imediatos (para alguns medicamentos, até 4 semanas), visando à adesão ao tratamento proposto. CEFALEIA EM SALVAS A cefaleia em salvas (CS), também chamada de cluster headache, faz parte do grupo 3 da classiocação da IHS.1 A característica em comum das cefaleias pertencentes a esse grupo diz respeito à ativação trigeminoautonômica, compartilhando aspectos clínicos proeminentes de hiperatividade parassimpática que diferenciam esse grupo de cefaleias primárias. A incidência da CS é muito menor que a das enxaquecas, sendo estimada em apenas 2 a 9% na população geral. Ao contrário da enxaqueca, que apresenta nítido predomínio entre as mulheres, a CS compromete o sexo masculino em uma proporção de 5:1. Nos homens, tende a iniciar mais precocemente (30 a 40 anos de idade), quando comparada às mulheres. Dos pacientes com CS, 80% são fumantes e 50% têm história de uso de etanol em grandes quantidades. Compromete igualmente qualquer raça. Ao contrário da enxaqueca, a CS não apresenta comorbidades, embora a ideação suicida tenha sido relatada em pacientes cujas crises são frequentes, graves e rebeldes ao tratamento.
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A intensidade da dor em uma crise é geralmente descrita como excruciante, sendo uma das dores mais intensas descritas em medicina. Portanto, as CS são altamente incapacitantes, obrigando os pacientes a interromper suas atividades durante as crises.
Descrição Crises de dor muito intensa, estritamente unilateral, que envolve as regiões orbital, supraorbital e temporal ou qualquer combinação dessas áreas. Cada crise dura entre 15 e 180 minutos e pode ocorrer desde 1 vez a cada 2 dias, até 8 vezes em um mesmo dia. Os períodos de dor são acompanhados de sinais de disfunção autonômica característicos dessa enfermidade, cuja presença é parte obrigatória dos critérios diagnósticos, citados a seguir: 1. Pelo menos cinco crises preenchendo os critérios de 2 a 4. 2. Dor forte e muito forte unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal, durando de 15 a 180 minutos, se não tratada. 3. A cefaleia acompanha-se de pelo menos um dos seguintes: Æ hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilateral; Æ congestão nasal e/ou rinorreia ipsilateral; Æ edema palpebral ipsilateral; Æ sudorese frontal e facial ipsilateral; Æ miose e/ou ptose ipsilateral; Æ sensação de inquietude ou agitação. 4. As crises têm frequência de uma a cada 2 dias a oito por dia. 5. Não atribuída a outro transtorno. A CS apresenta-se sob duas formas clínicas distintas: Æ forma episódica: períodos durante os quais a(s) crise(s) se apresenta(m) diariamente, denominados “salvas”, com duração média de 45 dias. Mais
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da metade dos pacientes é despertada pela dor cerca de 90 minutos após o início do sono. Depois do período ativo ou de “salva”, sobrevêm longos períodos em que os pacientes ocam completamente assintomáticos, até que uma nova salva apareça novamente; Æ forma crônica: geralmente ocorre em pacientes que apresentavam a forma episódica no passado. Nessa situação, os pacientes não mais apresentam períodos livres de dor superiores a 30 dias. Na forma crônica, costuma ocorrer uma diminuição no número de crises diárias ou podem ocorrer dias sem paroxismo de dor. A CS apresenta outras particularidades de interesse clínico. Os períodos de “salvas” ocorrem geralmente em uma mesma época do ano (sazonalidade), que nos países europeus corresponde às épocas de troca de estação climática. As crises podem ocorrer sempre nos mesmos horários. Essa cronobiologia faz supor que a CS seja regida por um “relógio biológico” interno (região hipotalâmica). A ingestão de bebida alcoólica em qualquer quantidade é um desencadeador de crises na fase ativa da CS e, portanto, deve ser evitada a qualquer custo.
Fisiopatologia A osiopatologia da CS, ainda com aspectos não conhecidos, envolve o sistema trigeminovascular, participação hipotalâmica (relógio biológico) por meio da alteração na neurotransmissão serotoninérgica (down regulation) e de alguns hormônios (testosterona, tireotropina e melatonina) e hipoxemia.10,11
Tratamento O tratamento, à semelhança das enxaquecas e da CTT, também é subdividido em agudo (crise) e preventivo (salva).
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Tratamento agudo Æ Inalação de oxigênio a 100%, com máscara, de 7 a 8 L/min durante 20 min; Æ sumatriptano subcutâneo ou intranasal; Æ tartarato de ergotamina. As três opções possuem a mesma eocácia terapêutica. Para alguns pacientes com crises que ocorrem em horários determinados, pode-se fazer uso de naratriptano oral, cerca de 2 a 3 horas antes do horário da crise, com bons resultados.
Tratamento preventivo Os medicamentos mais utilizados são o verapamil, o valproato de sódio, a prednisona em doses decrescentes, o carbolitium e a metisergida. Pode-se realizar, para cada caso em particular, a monoterapia ou a associação de medicamentos, na dependência da resposta clínica de cada paciente. A duração do tratamento preventivo deve prolongar-se, em pacientes com história prévia de salvas, por período alicerçado na duração média das salvas anteriores. Para pacientes que apresentam primeiro episódio, recomenda-se, empiricamente, que eles oquem assintomáticos por pelo menos 15 dias para que se inicie a retirada cautelosa da(s) medicação(ões). CEFALEIA TIPO TENSIONAL (CTT) De acordo com a classiocação da IHS,1 a CTT é assim deonida: “crises de dor de cabeça de localização bilateral, descrita como sensação de ‘peso’ ou aperto, de intensidade fraca a moderada e que habitualmente não interrompem as atividades diárias dos pacientes”. De acordo com a frequência de crises, são subclassiocadas em: Æ CTT episódica: nessas formas, as crises podem durar de minutos a alguns dias e são separadas por intervalos assintomáticos;
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Æ CTT crônica: crises que ocorrem em frequência superior a 15 dias por mês, por período superior a 3 meses. Nessa situação, pode não haver períodos assintomáticos. Independentemente da forma clínica com que a CTT se apresente (episódica ou crônica), a IHS recomenda a citação se há a ocorrência ou não de dolorimento da musculatura pericraniana acompanhando as crises, com a onalidade de detectar-se a presença de componente muscular, que pode ser de auxílio na estratégia terapêutica a ser escolhida.1 A CTT difere da enxaqueca quanto a aspectos osiopatológicos e clínicos. Na enxaqueca, as crises são de intensidade moderada a forte, geralmente parcial ou totalmente incapacitantes, a dor é referida como latejante ou pulsátil e os períodos de dor são acompanhados de comemorativos característicos dessa enfermidade (náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia).2 Embora a CTT tenha alta prevalência na população geral, poucos estudos populacionais são encontrados na literatura. Um estudo populacional mostrou que a CTT episódica (CTTE) tem prevalência em um ano de 38,3%. A idade de maior acometimento é entre 30 e 39 anos de idade e o sexo feminino é mais comprometido, mas não de forma tão nítida quanto na enxaqueca (5:4). São mais prevalentes nos brancos e naqueles com maior grau de instrução. Cerca de 8,3% dos pacientes com CTTE relatam perda de dias de trabalho e 43,6% referem incapacidade funcional parcial. A CTT crônica (CTTC), por sua vez, tem taxa de prevalência de 2,2% e seus dados demográocos assemelham-se às CTTE. Nessa condição, a perda de dias trabalhados é mais expressiva (27,4 dias/ano).9 Alguns pacientes com CTTE podem, com o decorrer do tempo, ter um aumento progressivo na frequência de crises e passar de uma condição da forma episódica para a forma crônica. Essa transformação ainda tem origens pouco esclarecidas. Podem guardar relação com a presença concomitante de enfermidades psicoafetivas, como depressão, ansiedade e
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síndrome do pânico, além de, à semelhança da enxaqueca, ser consequência do uso abusivo e indiscriminado de medicação analgésica. Também pouco se conhece sobre sua osiopatologia. Acredita-se que vários e diferentes mecanismos estão envolvidos, os quais devem ser individualizados para cada paciente. Mecanismos periféricos (nocicepção miofascial) depagradores de dor parecem predominar nas formas episódicas de CTT, enquanto mecanismos centrais (sensitização e falhas no controle endógeno de dor) estariam mais relacionados com a forma crônica de CTT.10 Entre os principais depagradores de dor nessa população de pacientes, acredita-se que esteja o estresse da vida diária, associado à dioculdade em lidar com os estressores característicos dessa população de pacientes.11 Também parece ser uma verdade o aspecto bidirecional entre CTTC e quadros de depressão do humor. Um diagnóstico correto é sempre a base de um tratamento adequado e com maiores chances de sucesso. Recomenda-se para esses pacientes a realização prévia de um diário de dor por, pelo menos, quatro semanas. Talvez a maior dioculdade diagnóstica entre a CTTE e a CTTC seja diferenciá-las de crises leves de enxaqueca e da enxaqueca crônica, respectivamente. Na estratégia de tratamento a ser adotada, é importante a detecção de prováveis desencadeantes, como estresse físico ou mental, irregularidade na alimentação, consumo excessivo de café ou outras bebidas que contenham cafeína, desidratação, má higiene do sono, falta de atividade física rotineira e, nas mulheres, variação hormonal normal do ciclo menstrual, bem como a troca de contraceptivo oral. O tratamento tido como ideal deve unir medidas farmacológicas e não farmacológicas. Entre as últimas, preconizam-se: atividade física rotineira, técnicas de postura e relaxamento, bolsas quentes ou frias (dependendo de cada paciente), ultrassom e estimulação elétrica transcutânea (TENS).
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O tratamento farmacológico das crises não frequentes de CTTE pode ser abordado com razoável sucesso com o uso de analgésicos comuns ou de AINE. Entre os analgésicos comuns mais utilizados no Brasil, estão a dipirona, o ácido acetilsalicílico (AAS) e o acetaminofeno. Entre os AINE, são utilizados mais frequentemente o ibuprofeno, o naproxeno e o diclofenaco. É importante ressaltar que a eocácia de quaisquer dos medicamentos citados é individual e, portanto, deve-se encontrar a melhor opção para cada paciente em particular. Deve-se ocar atento para o fato de que, na dependência direta da frequência e/ou intensidade das crises, pode haver uso abusivo dessas medicações, o que, por si só, pode agravar a história natural da CTT, ocasionando um aumento progressivo na frequência de crises (cefaleia rebote por uso abusivo de medicação analgésica). Recomenda-se não ultrapassar a ingestão desses medicamentos por mais de 2 dias por semana.1 Se a frequência de crises for elevada ou duradora, oca recomendado o tratamento preventivo ou proolático. No Brasil, os medicamentos mais utilizados são a amitriptilina e a nortriptilina (antidepressivos tricíclicos). Os piores resultados, em termos de sucesso terapêutico, pertencem ao grupo de pacientes com CTTC associada a comorbidades psicoafetivas, como ansiedade e depressão. CEFALEIAS RELACIONADAS AO ESFORÇO FÍSICO As cefaleias desencadeadas por tosse, exercício físico prolongado e atividade sexual podem ser primárias ou secundárias, apresentando-se como sintoma de enfermidades neurológicas e, portanto, de investigação adicional obrigatória. A investigação por meio de exames de neuroimagem – tomograoa computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) de crânio –, obrigatória nessas circunstâncias, visa a excluir essas possibilidades. Outros
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exames, como o do líquido cefalorraquidiano ou mesmo de puxo liquórico por RM, podem, em algumas situações, complementar a investigação. Estudos prospectivos mostram que esses tipos de cefaleia correspondem a 1,5% do total de pacientes com queixa de dor de cabeça em um hospital geral.12
Cefaleia primária da tosse É descrita como dor de cabeça desencadeada somente pela tosse ou por esforço abdominal, na ausência de lesão orgânica intracraniana. Encontra-se lesão estrutural entre 40 e 58% dos pacientes.1,12 Na grande maioria das vezes, são lesões intracranianas situadas na fossa posterior, sendo a mais frequente a malformação de transição craniocervical de Arnold-Chiari e, mais raramente, a presença de tumores dessa região. Outras enfermidades menos frequentemente encontradas são aneurismas cerebrais e doença carotídea e do sistema vértebro-basilar.1 Nas formas primárias, a dor compromete ambos os lados da cabeça, tem início súbito, o tipo é habitualmente mal deonido pelo paciente e geralmente dura poucos segundos. Inicia-se após os 50 anos de idade. As formas secundárias, por sua vez, têm início em idade mais precoce (40 anos), a localização mais importante é na região occipital e são ligeiramente mais duradouras que as anteriores. O tratamento de escolha é um AINE, a indometacina, valendo lembrar que também pode ser eocaz em casos sintomáticos.
Cefaleia primária do esforço físico Antigamente conhecida como cefaleia benigna do esforço, segundo a IHS,1 é descrita como uma dor de cabeça desencadeada por qualquer forma de atividade física ou por exercícios. Pode ocorrer durante ou logo após o término da atividade física. A idade de início é ao redor dos 40 anos. Aparentemente, não há diferença de incidência entre os gêneros. A dor é habitualmente referida como latejante e de localização predomi-
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nantemente occipital bilateral. A duração da crise está entre 5 minutos e 48 horas. Ocorrem mais frequentemente em climas quentes ou quando da realização de exercícios em altas altitudes. Existe pouca literatura que estabeleça a melhor abordagem terapêutica. A indometacina ainda é a droga de escolha, embora existam relatos anedóticos de sucesso com o uso do tartarato de ergotamina.12
Cefaleia da atividade sexual Cefaleia desencadeada pela atividade sexual. Pode ser subdividida em duas formas clínicas: Æ cefaleia pré-orgasmática: início concomitante com a atividade sexual, de localização bilateral, que sofre incrementos na intensidade com o desenrolar da relação e que atinge seu pico máximo com o orgasmo. Referida habitualmente como sensação de peso ou aperto, envolvendo a musculatura da região do pescoço e/ou mandíbula; Æ cefaleia orgasmática: dor intensa, de instalação súbita, de caráter explosivo (latejante) e holocraniana, com predomínio na região das têmporas. Sua duração pode ser de minutos até 4 dias (média de 10 minutos).1 Tem seu pico de maior incidência ao redor dos 40 anos de idade e, na grande maioria dos casos, não se encontram causas estruturais subjacentes. Sempre diante do primeiro episódio de cefaleia, nessa circunstância em especial, com característica explosiva, é obrigatória a exclusão de hemorragia meníngea ou dissecção arterial por meio de investigação apropriada (TC de crânio, RM de crânio, angiograoa cerebral e exame do líquido cefalorraquidiano). A cefaleia da atividade sexual predomina no sexo masculino. Em alguns pacientes, a dor pode ser acompanhada de comemorativos de enxaqueca, como náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia. Segundo a IHS, pode ser encontrada associação entre a enxaqueca, a cefaleia do esforço
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e a da atividade sexual em cerca de 50% dos casos. Da mesma forma, vários pacientes podem apresentar, no curso de sua história clínica, o relato de ambas as cefaleias (esforço físico e atividade sexual).1 Essas cefaleias não têm uma osiopatologia esclarecida, devendo-se considerar alterações hemodinâmicas súbitas que podem estar presentes nessas entidades. Os betabloqueadores e a indometacina são recomendados para sua proolaxia. Devem ser tomados, em média, 40 minutos antes da atividade sexual, com bons resultados. CEFALEIA EM TROVOADA PRIMÁRIA (THUNDERCLAP HEADACHE) Cefaleia intensa de início súbito que lembra a ruptura de aneurisma cerebral. Atinge sua intensidade máxima em menos de 1 minuto. A duração varia de 1 hora até 10 dias. Pode ter caráter repetitivo por determinado período para desaparecer completamente. Sempre se deve ter em mente que uma série de enfermidades pode cursar com cefaleia de características clinicamente indistinguíveis. É obrigação do médico excluir exaustivamente essas possibilidades, já que algumas delas podem, caso não sejam diagnosticadas, colocam em risco a vida do paciente. As principais causas secundárias são: Æ hemorragia meníngea, por ruptura de malformações vasculares intracranianas; Æ cefaleia sentinela (aneurisma cerebral não roto); Æ dissecção arterial cervical; Æ trombose venosa cerebral; Æ acidente vascular cerebral; Æ síndrome da vasoconstrição reversível; Æ leucoencefalopatia posterior reversível.
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Alguns autores chegam a preconizar que o diagnóstico de cefaleia em trovoada primária deva ser sempre de exclusão.13,14 CONCLUSÃO Finalizando este capítulo, será abordado de forma sucinta outro aspecto importante dentro do tema, que se refere a quando investigar uma cefaleia. O médico que lida com cefaleias em seu dia a dia enfrenta o problema do diagnóstico diferencial entre as cefaleias primárias, de natureza disfuncional, e as cefaleias sintomáticas, de natureza estrutural e dependentes de patologia do sistema nervoso e/ou de suas vizinhanças ou de uma enfermidade sistêmica que também curse com cefaleia. As cefaleias primárias descritas neste capítulo geralmente apresentam um curso crônico, de apresentação episódica ou contínua e de natureza disfuncional. Esse tipo de cefaleia raramente exige uma investigação complementar, como as enxaquecas e a CTT. Como as cefaleias primárias não apresentam marcador biológico conhecido, a avaliação do paciente com essa queixa depende fundamentalmente de uma anamnese cuidadosa e de um exame clínico-neurológico pormenorizado. Os exames complementares só devem ser solicitados se forem absolutamente necessários para esclarecimento diagnóstico e/ou para auxílio no tratamento. A literatura especializada elege alguns sinais de alerta que, quando presentes, são mandatórios de investigação complementar com exames de imagem (TC e/ou RM do crânio) e outros que se ozerem necessários conforme o caso. São eles: Æ início de cefaleia em pacientes acima de 50 anos de idade; Æ cefaleia de instalação súbita; Æ exacerbação da cefaleia prévia em intensidade e frequência; Æ cefaleia de início recente em pacientes de risco para Aids ou neoplasia; Æ cefaleia na vigência de enfermidade sistêmica;
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Æ cefaleia e sinais neurológicos focais ou de outras enfermidades sistêmicas (p.ex., colagenoses); Æ cefaleia e presença de papiledema no exame de fundo de olho; Æ cefaleia após traumatismo craniano.15
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INTRODUÇÃO A síndrome complexa de dor regional (SCDR) é uma doença que atinge as extremidades. É caracterizada por dor, edema, limitada amplitude de movimento, instabilidade vasomotora, alterações cutâneas e desmineralização óssea. Frequentemente, surge após uma lesão, cirurgia ou evento vascular, excedendo tanto em magnitude quanto em duração o curso clínico esperado pelo evento gerador. A Classiocação de Dor Crônica da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP)1 redeoniu a síndrome dolorosa anteriormente conhecida como distrooa simpático-repexa e causalgia. Na SCDR tipo I (distrooa simpático-repexa), lesões pequenas ou fraturas de extremidades precedem o início dos sintomas. A SCDR tipo II (causalgia) surge após lesão de nervo periférico. A dor simpateticamente mantida (DSM) é considerada um fenômeno variável associado a diversos distúrbios, incluindo SCDR.
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EPIDEMIOLOGIA As mulheres são mais acometidas por SCDR do que os homens; a razão de sexo mulher:homem varia de 2:1 a 4:1. A faixa etária mais atingida é a dos 37 aos 50 anos.2 A SCDR I é mais frequente que a SCDR II. Um estudo populacional calculou a incidência da SCDR I de 5,5 para 100.000 pessoas/ano e prevalência de 21 para 100.000. A SCDR II apresentou incidência de 0,8 para 100.000 pessoas/ano e prevalência de 4 para 100.000.2 Estudos estimam que, dos pacientes que apresentam SCDR, 1 a 2% sejam provenientes de fraturas e 4% das lesões nervosas evoluem para SCDR II.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Fraqueza dos músculos afetados está presente associada com alteração da acurácia de pequenos movimentos. Estudos de condução nervosa e eletromiograoa são normais, exceto em estágios avançados da doença. Aproximadamente metade dos pacientes apresenta tremor de ação ou postural e 10% apresentam distonia de pé ou mão afetada. SÍNDROME COMPLEXA DE DOR REGIONAL (SCDR) TIPO II (CAUSALGIA)
Procedimento diagnóstico O diagnóstico obedece aos critérios clínicos estabelecidos pela IASP.4
Síndrome complexa de dor regional tipo I 1. A síndrome tem início após evento lesivo. 2. Ocorre dor espontânea ou alodínia/hiperalgesia, não há limite territorial de nervo periférico especíoco e é desproporcional à lesão causadora. 3. Há evidência de edema, anormalidade do puxo sanguíneo cutâneo ou atividade sudomotora anormal na região da dor após evento lesivo.
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4. Exclui-se o diagnóstico por outras condições que promoveriam esse tipo de dor ou disfunção.
Síndrome complexa de dor regional tipo II 1. A síndrome tem início após lesão de nervo. 2. Ocorre dor espontânea ou alodínia/hiperalgesia, que não necessariamente se limita ao território de nervo periférico especíoco e é desproporcional à lesão causadora. 3. Há evidência de edema, anormalidade do puxo sanguíneo cutâneo ou atividade sudomotora anormal na região da dor após evento lesivo. 4. Exclui-se o diagnóstico por outras condições que promoveriam tal dor ou disfunção. A dor é essencial para o diagnóstico. Sintomas e achados motores, apesar de comuns, não estão incluídos nos critérios diagnósticos. Os mecanismos envolvidos na gênese e sustentação da síndrome ainda são desconhecidos. Provavelmente, diferentes eventos osiopatológicos ocorrem em locais distintos, simultaneamente ou em sequência. Não existe um modelo que explique todas as formas de apresentação e evolução da síndrome.
Disfunção do sistema nervoso simpático Este modelo, mais extensamente estudado nos dias de hoje, pressupõe que ocorra uma resposta inpamatória exagerada e persistente diante do trauma inicial, com o intuito de promover a cura e preservar a integridade do organismo, pois todos os sinais clássicos da inpamação estão presentes na síndrome: calor, rubor, edema, dor e perda de função.5 Em indivíduos com SCDR, são observados sangue e liquor nos líquidos intersticiais, além do aumento de mediadores inpamatórios IL-2, IL-4,IL-6, TNF-alfa e bradicinina.6-12
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FATOR GENÉTICO A importância clínica da genética sobre a SCDR ainda está para ser deonida. A incidência e a prevalência da doença não seguem padrões mendelianos de herança. Há poucos estudos que indicam que alguns genótipos predispõem a SCDR. Associações de antígenos leucocitários humanos (HLA) com diferentes fenótipos têm mostrado aumento dos antígenos A3, B7 e DR2 do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) em pacientes com SCDR. Os antígenos HLA-DQ1 e HLA-DR13 também parecem estar associados à ocorrência e à gravidade de SCDR.13 Os estudos são poucos e com uma população pequena de casos, o que permite concluir que ainda há um longo caminho a ser percorrido no conhecimento da genética da SCDR. Assim, os estudos cada vez mais indicam que a SCDR é uma doença neurobiológica incluindo o sistema nervoso central e seus componentes sensitivos, motores, autonômicos, bem como corticais, envolvendo processamento cognitivo e afetivo. Tais anormalidades são particularmente afetadas na fase aguda da doença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Merskey H, Bogduk N. Classiocation of chronic pain. 2.ed. IASP Task Force on Taxonomy. Seattle: IASP Press, 1994. 2. Sandroni P, Benrud-Larson LM, McClelland RL et al. Complex regional pain syndrome type I: incidence and prevalence in Olmsted County, a population-based study. Pain 2003; 103:199-207. 3. Veldman PH, Reynen HM, Arntz IE et al. Signs and symptoms of repex sympathetic dystrophy: prospective study of 829 patients. Lancet 1993; 342:1012-6. 4. Stanton-Hicks M, Janig W, Hassenbusch S, Haddox JD, Boas R, Wilson P et al. Repex sympathetic dystrophy: changing concepts and taxonomy. Pain 1995; 63:127-33. 5. Huygen FJ, De Bruijn AG, De Bruin MT, Groneweg JG, Klein J, Zijlstra FJ. Evidence for local inpammation in complex regional pain syndrome type 1. Mediators of Inpammation 2002; 11:47-51.
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DOR DE ORIGEM CENTRAL Benedito Domingos Amorim Filho
INTRODUÇÃO De acordo com a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), dor de origem central é a dor neuropática crônica iniciada ou causada pela lesão ou disfunção do sistema nervoso central (SNC – encéfalo/medula). Em um artigo posteriormente publicado, foi proposta a deonição de dor central como a dor decorrente de lesão direta ou doença do SNC.¹ HISTÓRICO Em 1883, Greiff² relatou o caso de um paciente com dores após a ocorrência de um acidente vascular cerebral (AVC). Alguns anos depois, Edinger propôs a ocorrência de um mecanismo central na origem da dor pós-AVC.³ Somente em 1906, Dejerine e Roussy introduziram o conceito da síndrome dolorosa talâmica na dor central, descrevendo pacientes com hemiparesia, hemi-hipoestesia, hemiataxia, hemiastereognosia e hemicoreoatetose acompanhados de dor paroxística, ona e, algumas vezes, muito limitante. Nesses casos, a localização da dor era contralateral ao lado da lesão talâmica em suas porções mais posteriores e laterais.
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Atualmente, sabe-se que a dor central pode ocorrer não somente após o AVC, mas também em diversos tipos de doenças que acometem o SNC. ETIOLOGIA Há diversos tipos de doenças que levam à ocorrência de dor central, tendo como causas doenças vasculares, doenças desmielinizantes, neoplasias, doenças infecciosas e doenças degenerativas (Tabela 1). O mecanismo envolvido em cada uma dessas doenças na gênese da dor ainda não está completamente elucidado e, conforme será exposto, existem algumas teorias. A seguir, são apresentados alguns exemplos de doenças que causam dor central.
Acidente vascular cerebral O AVC é o exemplo mais comum de dor de origem central e também um dos mais estudados quanto aos mecanismos envolvidos. Em média, 8% dos pacientes vítimas de AVC sofrem de dor central,5 e diz-se também que cerca
TABELA 1 Causas de dor central Doenças vasculares encefálicas e medulares Isquemia Hemorragia Malformações vasculares Esclerose múltipla Traumatismo craniano Trauma raquimedular Siringomielia e siringobulbia Cordotomia Tumores encefálicos Tumores encefálicos e medulares Infecções virais ou bacterianas (abscessos/encefalites) Doenças autoimunes (p.ex., lúpus) Epilepsia Doença de Parkinson
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de 90% dos casos de dor central são de pacientes vítimas de AVC. Cerca de 20% dos casos de dor pós-AVC sofrem de dor talâmica, sendo o tálamo o alvo de injúria vascular nesses casos (síndrome talâmica).6,7 A dor geralmente está localizada no território, respeitando a somatotopia como o território em que ocorreu o insulto vascular, e deve aparecer poucos meses após o AVC (Figura 1). Cabe ainda ressaltar que se deve diferenciar a dor neuropática de origem central de outras dores neuropáticas ou nociceptivas que podem ocorrer secundariamente nesses pacientes. A própria espasticidade pode levar à dor no lado parético, sendo essa dor do tipo nociceptivo, não se enquadrando
A
B Direita
Frente Esquerda
C
FIGURA 1
(A) Tomografia de crânio de um paciente com dor central pós-AVC exibindo hemorragia putaminal esquerda com extensão capsular. (B) Esquema de representação do território de dor desse mesmo paciente – a densidade do escuro é proporcional à intensidade de dor. (C) SPECT com Tc99 exibindo hipoperfusão na região frontoparietal esquerda e nos núcleos da base. Fonte: Pain Medicine 2009; 108(5).
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na classiocação de dor central. Pode haver também alterações de ordem funcional de sobrecarga do lado não parético com dor associada ou lesões articulares ocorridas pela deformidade imposta a determinado membro, como na síndrome ombro-braço por subluxação da articulação escapuloumeral. Além disso, pode haver dor neuropática, (p.ex., síndrome dolorosa regional complexa causada por lesão direta em um membro parético). O mecanismo de origem da dor central pós-AVC ainda não está bem esclarecido, mas sugere-se que haja alguma forma de desinibição central, desbalanço de estímulos e sensibilização central envolvidos. Head e Holmes, propuseram a teoria da desinibição, pela qual a lesão ao tálamo lateral deixaria o tálamo medial livre de seu controle.8 Posteriormente, descobriu-se que uma lesão em qualquer nível do trato espinotalâmico levaria a um aumento de atividade do tálamo lateral. O componente essencial dessa hipótese é que o déocit sensitivo discriminatório na dor central pós-AVC resulta em desinibição, que leva à dor espontânea e alodínea. A população neuronal especíoca que se encontra sensibilizada não é bem conhecida, mas alguns grupos de neurônios podem estar envolvidos. Os neurônios talâmicos podem ser divididos em dois grupos principais: neurônios relês de projeção cortical e interneurônios GABAérgicos que produzem inibição local. Os núcleos de formação reticular que se encontram na porção dorsolateral do tálamo exercem ação inibitória sobre os neurônios relês. Lesões que ocorrem na formação reticular peritalâmica podem mudar o padrão de atividade neuronal, alterando, assim, a ação inibitória dessa estrutura. Da mesma maneira, neurônios corticotalâmicos atravessam os núcleos reticulares, estabelecendo sinapses com esse núcleo por meio de colaterais, de modo que lesões corticais também podem inpuenciar o padrão de descarga dos neurônios reticulares. Na dor neuropática, atividade neuronal espontânea é encontrada nos núcleos mediodorsal, centrolateral, centromediano e parafascicular, bem como no principal núcleo sensitivo ventral caudal.9
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Outro mecanismo sugerido para a gênese da dor central pós-AVC é mediante lesão das obras talamoparietais nociceptivas laterais, juntamente com a liberação da atividade do giro do cíngulo anterior e de áreas parietais posteriores.10
Neurotransmissores na modulação talâmica A mudança no padrão de atividade neuronal no tálamo é determinada por vias serotoninérgicas, noradrenérgicas e colinérgicas. A noradrenalina originária do locus ceruleus e as vias serotoninérgicas do núcleo dorsal da rafe modulam a atividade talâmica através dos núcleos reticulares e dos neurônios relês. O efeito terapêutico da amitriptilina ou duloxetina pode ocorrer por meios desses mecanismos modulatórios. Estudos de PET com ¹¹C-diprenorona mostraram haver uma redução da expressão de receptores de opioides não somente no tálamo contralateral à dor, mas também na ínsula, no giro do cíngulo anterior e no córtex sensitivo secundário. Isso deve ocorrer por conta de liberação aumentada de opioides endógenos, internalização de receptores, desregulação dos receptores ou perda de neurônios carreadores desses receptores.11
Lesão medular Cerca de 30 a 40% dos pacientes com lesão medular têm dor central. Essa dor, em geral, contribui com boa parte da perda de qualidade de vida. Assim como na dor decorrente do AVC, deve-se distinguir a dor nociceptiva da dor neuropática. Em 2002, a IASP estabeleceu os seguintes critérios para a classiocação de dor crônica em pacientes com lesão medular:12 Æ dor abaixo do nível da lesão: dor diretamente relacionada à lesão medular; Æ dor ao nível da lesão: dor que pode estar relacionada a alterações medulares, assim como lesões de raízes ou ambos; Æ dor acima do nível da lesão: dor que pode ser decorrente de sobrecarga muscular, postural ou instabilidade da coluna.
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Esclerose múltipla A dor central é encontrada em cerca de 30% dos pacientes portadores de esclerose múltipla. A neuralgia do trigêmeo pode ser a primeira manifestação da doença e ocorre em cerca de 5% dos casos. Está relacionada a alterações nas vias trigeminais ao nível do tronco cerebral e pode ocorrer bilateralmente.
Doença de Parkinson Dor é a reclamação mais comum de 40 a 75% dos pakinsonianos com queixas sensitivas.13 Com base no fato de haver comprometimento das vias estriatonigrais, sugere-se que haja contribuição na gênese da dor. Nesses pacientes, deve-se observar que há dois principais grupos de dor: dor relacionada a comprometimentos motores e dor não relacionada ao quadro motor. Nos casos em que não há relação com o quadro motor, pode-se atribuir dor de origem central. Em geral, esses pacientes queixam-se de dor bilateral em extremidades, sendo mais intensa a queixa no lado onde o comprometimento motor é mais intenso. Essa dor costuma ser descrita como difusa, em cãibras ou em queimação. APRESENTAÇÃO CLÍNICA DA DOR
Início da dor Uma característica comum da dor de origem central é o aparecimento da dor passados meses ou mesmo anos da ocorrência da lesão que a gerou. Em média, no caso do AVC, a dor costuma ocorrer após 3 a 6 meses. Na lesão medular, esse prazo aumenta para uma média de 1,8 ano, com 1,8 ano de desvio-padrão.1,2
Distribuição da dor A distribuição da dor respeita a área de sensibilidade anormal correspondente à lesão de base. Na dor talâmica, costuma ser contralateral ao lado
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da lesão e, na lesão medular, em geral, é bilateral e abaixo do nível da lesão. O tamanho da área de distribuição da dor pode ser igual à área de sensibilidade anormal, mas, na maioria dos casos, é menor.
Tipos de dor A dor costuma respeitar o padrão neuropático de dor, ou seja, pode ser espontânea ou evocada por meio de estímulos externos ou não. A dor pode ser desencadeada por estímulo tátil, movimentos ou mesmo estados emocionais, como estresse, depressão, ansiedade, barulho, imaginações. Pode ser contínua ou paroxística, em queimação, agulhadas ou cãibras. A alodínia mecânica parece ser a forma mais comum, quando comparada a estímulos térmicos, na geração da dor em pacientes com AVC ou lesão medular.14,15 TRATAMENTO O tratamento da dor central ainda é um grande desaoo, uma vez que na maioria dos pacientes consegue-se somente controle parcial da dor e de suas limitações. O tratamento inclui, como em outros casos de dor crônica, uma abordagem multidisciplnar com envolvimento de medidas farmacológicas, osioterapia, terapia ocupacional e terapia cognitivo-comportamental. Atualmente, novas pesquisas estão trabalhando com realidade virtual, imagem corporal e simuladores com o objetivo comum de modular vias envolvidas na dor central.
Tratamento farmacológico Como não há base osiopatológica bem estabelecida na dor central, o tratamento farmacológico, em geral, é comum em diferentes situações, exceto neuralgia do trigêmeo em esclerose múltipla, em que a droga de escolha inicial é a carbamazepina. Sempre se deve respeitar a individualidade do paciente na escolha do fármaco, considerando efeitos colaterais, comorbidades, etc.
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Antidepressivos Os antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, que são inibidores não seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina, têm sua indicação bem estabelecida na dor central pós-AVC e na lesão medular.16,17 Têm como efeitos colaterais mais comuns: xerostomia, ganho de peso, sonolência, confusão mental e alucinações (principalmente em idosos). São contraindicações: bloqueio atrioventricular, glaucoma de ângulo fechado e hiperplasia prostática benigna. Inibidores seletivos de serotonina e noradrenalina, como a venlafaxina e a duloxetina, ainda não têm estudos bem deonidos no tratamento de dor central, embora possuam indicação bem estabelecida em dor neuropática periférica. Inibidores seletivos de serotonina não são eocazes no tratamento de dor neuropática.
Anticonvulsivantes A gabapentina e a pregabalina, que agem como bloqueadores do canal de cálcio, são eocazes no tratamento de dor central de diferentes causas. O tratamento com a pregabalina costuma ser bem tolerado, e os efeitos colaterais mais comuns são tonturas e sonolência. A lamotrigina apresentou efeito analgésico signiocativo no tratamento de dor central pós-AVC.² A carbamazepina tem indicação clínica em casos de dor lancinante neuropática em choques, encontrada na neuralgia do trigêmeo (esclerose múltipla, convulsões dolorosas). Seus efeitos colaterais importantes são: alteração na contagem de células do sangue, enzimas hepáticas, hiponatremia, farmacodermias e interações medicamentosas com outras drogas por indução enzimática.
Opioides A metadona é o opioide com melhor ação no tratamento da dor neuropática central ou periférica. Em alguns casos, o uso do fentanil transdér-
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mico também é uma opção. Efeitos colaterais comuns são: sonolência, constipação, náuseas e prurido. Um estudo pequeno demonstrou a eocácia do tramadol, que age como inibidor de serotonina-noradrenalina, em pessoas com lesão medular.18
Canabinoides Dois estudos encontraram efeito analgésico do tetraidrocanabinol e do dronabinol, respectivamente, na dor central pós-AVC e na lesão medular.19,20 Efeitos colaterais comuns são: taquicardia, hipotensão, tonturas, náuseas e sedação.
Neuromodulação A neuromodulação consiste em técnicas de tratamento modulatórias da dor e, no caso da dor central, compreende a neuroestimulação, que pode ser realizada de forma não invasiva ou invasiva. O método não invasivo inclui estimulação transcutânea periférica de nervos e estimulação magnética transcraniana. O método invasivo compreende estimulação medular, estimulação cortical e estimulação cerebral profunda.
Indicação de neuromodulação O tratamento com neuromodulação deve ser indicado nos casos de pacientes que não obtiveram alívio satisfatório da dor ou que presenciaram efeitos colaterais que não permitiam ajuste de dose nem controle da dor. CONCLUSÃO A dor central pode ocorrer em diferentes tipos de situações e é um dos principais fatores de piora da qualidade de vida, além da própria doença. É importante que se diferencie a dor de origem central de outros tipos diferentes de dor que podem ocorrer no mesmo paciente. O diagnóstico pode envolver não somente uma detalhada investigação clínica, como
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também investigação laboratorial complementar. Seu tratamento também envolve participação multidisciplinar intensa do médico, osioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, etc. Com isso, pode-se ver que, uma vez presente, exige a demanda de uma estrutura proossional grande, além da própria demanda para o doente. Portanto, é importante, antes de mais nada, trabalhar na prevenção primária e secundária e reconhecer os sinais e a dor para melhorar com sucesso a qualidade de vida desses pacientes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Treede RD, Jensen TS, Campbell JN, Cruccu G, Dostrovsky JO, Grifon JW et al. Neuropathic pain: redeonition and a grading system for clinical and research purposes. Neurology 2008; 70:1630-5. 2. Greiff F. Zur Localisation der hemichorea. Archiv Psychologie Nervenkrankheiten 1883; 14:598-624. 3. Edinger L. Giebt es zentral entstehende Schmerzen. Dtch Z Nervenheilk 1891; 1:262-82. 4. Dejerine J, Roussy G. Le syndrome thalamique. Rev Neurol 1906; 14:521-32. 5. Schott GD. From thalamic syndrome to central poststroke pain. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1996; 61:560-4. 6. Andersen G, Vestergaard K, Ingeman-Nielsen M, Jensen TS. Incidence of central post-stroke pain. Pain 1995; 61:187-93. 7.
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28 NEUROPATIAS DOLOROSAS – DIAGNÓSTICO Durval Campos Kraychete
INTRODUÇÃO As neuropatias periféricas são frequentes e a prevalência estimada na população geral está em torno de 2%, sendo que em adultos acima de 55 anos de idade pode chegar a 8%. Contudo, a avaliação e o diagnóstico das neuropatias periféricas podem ser um grande desaoo, por causa das inúmeras possibilidades etiológicas. Assim, a despeito da avaliação apropriada, entre 25 e 40% das neuropatias permanecem sem causa deonida. Neste capítulo, será abordado o diagnóstico diferencial das neuropatias periféricas, com ênfase às doenças mais prevalentes que cursam com dor neuropática. Também será discutido o tratamento focado na dor neuropática.1-7 As neuropatias periféricas podem ser classiocadas em três grandes grupos: Æ mononeuropatias que comprometem apenas um tronco nervoso; Æ mononeuropatias múltiplas caracterizadas por comprometimento sucessivo de vários troncos nervosos; Æ polineuropatias distais com comprometimento difuso e simétrico dos quatro membros.
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As polirradiculoneuropatias distinguem-se das neuropatias distais pela presença de alteração sensitiva ou motora proximal e distal. Desse modo, diante de uma neuropatia, é imprescindível identiocar a causa e se a doença é do axônio, da mielina ou do neurônio. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial das neuropatias é importante e evita a solicitação de exames que não são necessários. A história da doença atual, os antecedentes médicos, a história social e o exame físico, nesse contexto, tornam-se fundamentais. Além disso, a apropriada caracterização das queixas clínicas e dos achados do exame físico é essencial para uma avaliação eociente, custo-efetiva e de sucesso. É recomendável caracterizar a neuropatia, respondendo a quatro perguntas básicas: o que, onde, quando e em qual situação. Esse simples algoritmo pode ser um passo inicial para caracterizar o problema ou o sumário que deonirá as características do caso. Criar a representação acurada do problema ajuda o proossional de saúde a focar em uma pequena lista de possibilidades etiológicas.
O quê? Determina a modalidade de obra nervosa envolvida – motora, sensitiva ou autonômica. As neuropatias do sistema nervoso periférico podem ser sensoriais, motoras ou autonômicas. Os sintomas motores frequentes são espasmos musculares, clônus, fasciculações, amiotrooas e perda de destreza e de força muscular. Os sintomas sensoriais negativos caracterizam-se por anestesia, anestesia dolorosa, hipoalgesia ou hipoestesia, e os positivos, por parestesia, disestesia, hiperpatia, hiperalgesia e alodínia, além das sensações de picada, formigamento ou zumbido. As neuropatias com disfunção de obras grossas (motora ou sensorial) com perda da propriocepção, da sensibilidade vibratória ou do toque leve, relaciona-
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das à desmielinização, provocam sintomas de fraqueza muscular com ou sem ataxia e sintomas sensoriais positivos, como formigamento. Contudo, sintomas sensoriais positivos ou negativos costumam indicar o comprometimento de pequenas obras do tipo A␦ e C. Os sintomas sensoriais positivos, entretanto, podem sugerir neuropatia adquirida, pois as neuropatias hereditárias tendem a apresentar mais sinais do que sintomas no exame físico. A identiocação do envolvimento da obra sensorial, na maioria das vezes, exclui doenças do neurônio motor, da junção neuromuscular e do músculo. Avaliar se a fraqueza muscular ou o sintoma sensitivo é o mais prevalente facilita o diagnóstico, visto que as neuropatias desmielinizantes inpamatórias podem provocar fraqueza muscular, mascarando os sintomas sensoriais. É comum, no exame neurológico, encontrar hipo ou arrepexia simétrica na polineuropatia ou assimétrica na mononeuropatia. Na forma motora da síndrome de Guillain-Barré ou na forma espinal da Charcot-Marie-Tooth (CMT), contudo, os repexos osteotendinosos podem estar normais.1-7
O que é importante lembrar Neuropatia sensitiva afetando obras onas pode acontecer no paciente com diabete, lepra, infecção por HIV, sarcoidose, amiloidose, mal de Tangier e doença de Fabry. Expressa-se, principalmente, como queimação nos pés e alteração da sensibilidade térmica e dolorosa. A sensibilidade epicrítica e proprioceptiva é normal, assim como os repexos osteomusculares. A eletroneuromiograoa (ENMG) pode ser normal. Na neuropatia sensitiva, associadas ao comprometimento do sistema nervoso neurovegetativo, podem ocorrer as seguintes alterações: Æ neuropatia pupilar: perda da adaptação da pupila à luz; Æ cardiovascular: taquicardia, intolerância a exercício, hipotensão ortostática e isquemia silenciosa do miocárdio;
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Æ sudomotora: anidrose, intolerância ao calor, salivação e pele seca; Æ gastrointestinal: dismotilidade esofagiana, gastroparesia, diarreia, constipação e incontinência fecal; Æ geniturinária: disfunção erétil, ejaculação retrógrada e bexiga neurogênica. As doenças que geralmente provocam envolvimento sensitivo e autonômico são: diabete, amiloidose, síndrome paraneoplásica, síndrome de Sj(gren, pororia, HIV e polineuropatias inpamatórias desmielinizantes. Na neuropatia com comprometimento de obra de grosso calibre pode haver arrepexia generalizada, ataxia proprioceptiva responsável por instabilidade do paciente ao caminhar e tremor de extremidades ou ao ocar em posição ortostática. É possível acontecer nas polineuropatias desmielinizantes associadas a IgM monoclonal com atividade anti-MAG, nas polirradiculoneuropatias inpamatórias crônicas associadas à forma ataxiante da síndrome de Guillain-Barré e nas gangliopatias caracterizadas por distribuição assimétrica de problemas sensitivos secundários à síndrome paraneoplásica, à síndrome de Sjögren ou à intoxicação medicamentosa.1-7
Onde? Este passo determina se a distribuição da neuropatia é dependente do comprimento do nervo ou se é simétrica ou assimétrica. As neuropatias dependentes do comprimento manifestam-se, inicialmente, nos pés e são simétricas (as hereditárias, as metabólicas, as tóxicas e as idiopáticas). As não dependentes são focais ou multifocais e geralmente estão associadas a doenças infecciosas ou imunológicas (as polirradiculoneuropatias, as plexopatias, as poliganglionopatias e as mononeurites múltiplas). Nas polineuropatias é comum a instalação lenta dos sinais e sintomas na medida do comprometimento do axônio e a alteração motora caminha da porção distal para a proximal do membro afetado. Na polirradiculoneuropatia, entretanto, a alteração motora é proximal. As mononeuropatias
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caracterizam-se por alteração motora ou sensitiva assimétrica, comprometendo um ou vários troncos nervosos. Se houver lesão do gânglio raquidiano posterior, com comprometimento de obras mielinizadas de grosso calibre, a neuropatia é normalmente assimétrica, caracterizada por ataxia proprioceptiva, tremor de extremidades e arrepexia. O comprometimento dos nervos cranianos, entretanto, é raro em neuropatia periférica, podendo ocorrer na sarcoidose, doença de Lyme ou síndrome de Sjögren. Outros sintomas, como a síndrome das pernas inquietas, podem acontecer na neuropatia em pacientes submetidos a diálise. O tremor de extremidades é comum nas neuropatias hereditátias do tipo CMT e nas neuropatias desmielinizantes associadas a anticorpo monoclonal do tipo IgM para glicoproteína associada a mielina (anti-MAG). É importante pesquisar deformações articulares e desvios de coluna, além de hipertrooas de raízes lombossacras.1-7
Quando? Quanto ao modo de instalação, a neuropatia pode ser aguda (de qualquer hora até um mês), subaguda (qualquer semana a qualquer mês) ou crônica (ao longo dos anos, iniciando na infância). As neuropatias agudas e subagudas estão relacionadas a doenças infecciosas ou imunomediadas. O início lento e insidioso é mais comum nas neuropatias hereditárias, metabólicas, tóxicas e idiopáticas.
Em qual situação? A história clínica e o exame físico, como já mencionado, são fundamentais na elaboração diagnóstica. Por exemplo, história de perda de peso sugere doenças metabólicas, imunes ou neoplásicas (diabete, linfoma, vasculites). História de alcoolismo também favorece a hipótese de neuropatia por deociência nutricional. A história de trabalho facilita a associação de fatores causais e neuropatia na intoxicação por chumbo, arsênico e tálio ou por organofosforados, tricloroetileno, hexacarbonos e acilamida. Outros
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agentes listados adiante também devem ser investigados ao se interrogar sobre o uso de medicamentos na história clínica, pois são neurotóxicos (Tabela 1). O exame físico geral pode levantar algumas possibilidades diagnósticas, como úlceras plantares e aquelas por trás das falanges, características das neuropatias carenciais, alcoólicas ou diabéticas. A presença de púrpuras ou necrose dos dedos favorece a hipótese de vasculite e a presença de despigmentação, sarcoidose ou lepra. A alopecia indica a possibilidade de hipotireoidismo, lúpus eritematoso sistêmico ou intoxicação por tálio. Alterações oculares inpamatórias ou degenerativas também estão presentes em certas neuropatias.1-7 CASOS CLÍNICOS
Caso 1 Paciente de 52 anos de idade com quadro de dor em queimação, agulhadas, picadas nos pés e nas pontas dos dedos há três anos. Às vezes, sente os pés em fogo, como se uma tocha os estivesse queimando, com piora quando anda. Refere, além disso, sensações de punhaladas ou de choque elétrico nos pés. Os sapatos, as meias e o leve toque do cobertor o incomodam, limitando sua qualidade de vida. O exame físico é compatível com perda da sensibilidade em ambos os pés até 5 cm acima do tornozelo. Força muscular grau V. Ausência de repexo Aquileu.
TABELA 1
Agentes relacionados à neuropatia periférica
Classe
Agentes
Antibióticos
Izoniazida, metronidazol, etambutol, nitrofurantoína, colistina, dapsone
Antimitóticos
Vincristina, ciplastina, taxol, vimblastina, doxorrubicina
Antivirais
DDI, DDC, interferon-alfa
Outros
Amiodarona, talidomida, colchicina, vitamina B6, sais de ouro, penicilamina, cloroquina, ciclosporina, fenitoína, dissulfiram, lítio, cimetidina
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Comentários Trata-se de uma neuropatia periférica crônica progressiva de natureza sensitiva e provavelmente de obras onas, associada a sintomas sensoriais positivos em sua maior expressão. As três causas mais frequentes são: Æ diabete; Æ alcoolismo; Æ desnutrição (deociência de tiamina). Outras possibilidades são: amiloidose, síndrome de Sjögren ou deociência de cobre. Na neuropatia diabética, a intensidade dos sintomas evolui de forma imprevisível e independente do grau de lesão do nervo e pode persistir por muitos anos. A prevalência de neuropatia é de 10 a 15% em pacientes diabéticos e em 50% destes a neuropatia tem início com sintomas dolorosos. Os sintomas costumam ser leves em intensidade, mas quase sempre são incapacitantes. A remissão da dor somente acontece quando existe controle metabólico ou quando a perda sensitiva está completa e o paciente apresenta ataxia. Pode haver, contudo, nova deterioração do quadro clínico, principalmente se houver comprometimento psíquico. A polineuropatia pode ser dolorosa, com ou sem alteração sensorial, ou não dolorosa com alteração sensorial. Não se sabe por que alguns pacientes com o mesmo tipo de lesão neurológica não desenvolvem dor, parece haver inpuência de outras doenças concomitantes (osteoartite) ou de transtornos psíquicos, como ansiedade e depressão, na deonição da expressão do sintoma.8-10 Na polineuropatia diabética, há envolvimento de obras onas mielinizadas (A␦) e não mielinizadas (C), além de obras grossas mielinizadas (A␣ e A). A redução ou perda de pequenas obras provoca a perda sensitiva térmica e mecânica. A perda de obras grossas, por sua vez, causa a redução ou perda da sensação vibratória, da discriminação tátil
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e para pressão, além de ataxia. A perda progressiva de obras onas de pequeno calibre leva a queimação e alterações sensoriais térmicas. A perda distal de obras C epidérmicas e de obras grossas mielinizadas provoca parestesias e disestesias, afetando os dedos com perda da sensação vibratória. A dor decorrente da neuropatia diabética pode estar relacionada a descargas ectópicas, disparos espontâneos de obras C e alterações neuroplásticas associadas ao aumento dos canais de sódio e condução anormal de estímulos nociceptivos por obras grossas (A). Também pode relacionar-se com alterações neuroquímicas no gânglio da raiz dorsal e no corno dorsal da medula espinal. Os sinais e sintomas são distais, inicialmente em dedos e pés e bilaterais. A dor é de intensidade leve a moderada, variando de 3 a 7 na escala numérica. Ocorre uma sensação prolongada e permanente de queimação nas pernas que aumenta à tarde ou no onal da noite e alivia parcialmente com o movimento. Dormência e formigamento são sintomas não dolorosos comuns e, como a parestesia, estão correlacionados à percepção anormal da vibração. É comum a ocorrência de alodínia e hiperalgesia térmica ou mecânica que interfere em atividades como calçar sapatos, andar ou tomar banho. Disestesias nas panturrilhas variam ao longo do dia e podem ser desencadeadas por contato com meias ou calças. Cãibras, entretanto, conoguram sintoma motor encontrado em estágios avançados de polineuropatia.8-10
Caso 2 Paciente do sexo masculino, 50 anos de idade, apresentando, há oito meses e de forma lenta e progressiva, perda da capacidade para deambular e do equilíbrio, além de leve adormecimento e formigamento nos pés. O exame revela pequena perda de força muscular nos braços, no quadril e nas coxas (grau 4/5) e moderada nas pernas (grau 3/5). A sensibilidade
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ao toque leve e a picadas estava claramente reduzida em ambos os pés e até a altura acima do tornozelo, com perda da percepção vibratória e propriocepção. O exame dos pares cranianos estava normal e o paciente negava dor. Os repexos tendinosos estavam ausentes.
Comentários Trata-se de polineuropatia crônica sensitiva e motora, apesar da ausência de dor como sintoma. O tempo de evolução, mais de oito semanas, sugere neuropatia desmielinizante inpamatória (CIDP), e não a hipótese de síndrome de Guillain-Barré. Nesses casos, é importante afastar gamopatia monoclonal, linfoma, macroglobulinemia de Waldenström, amiloidose e outras doenças sistêmicas. Hiperpigmentação da pele, crescimento excessivo de pelos e pele pouco elástica também apontam para a possibilidade de síndrome de POEMS (polineuropatia, aumento de órgãos, endocrinopatia, gamopatia monoclonal e alteração de pele).
Caso 3 Paciente do sexo feminino, 45 anos de idade, há quatro meses apresentando diversos sintomas. Inicialmente, referiu dor, dormência na região anterior do pé e perda da força muscular. Três semanas depois, evoluiu com dormência e formigamento na face ulnar da mão esquerda, acompanhada de fraqueza muscular. Duas semanas antes, todavia, relatara dor lombar intensa e fraqueza na coxa. O exame mostrava a presença de queda do pé direito e achados sensoriais de neuropatia peroneal, fraqueza e perda sensitiva compatível com neuropatia femoral à esquerda, alterações sensoriais e motoras sugestivas de neuropatia ulnar à esquerda, fraqueza para levantar (pexores do quadril) ou estender o joelho (quadríceps) direito e fraqueza dos músculos interósseos da mão esquerda (dedos espalhados). Os repexos de estiramento muscular estavam reduzidos ou normais, exceto pela ausência do patelar esquerdo ou do Aquileu direito.
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Comentários Existe, nesse caso, neuropatia periférica caracterizada por comprometimento de vários nervos, ou seja, mononeurite múltipla. Trata-se de uma doença crônica, pois se desenvolve gradualmente, em semanas a meses, e pode cursar com dor aguda e intensa. Para o diagnóstico, deve-se lembrar de investigar vasculites, incluindo poliarterite nodosa, síndrome de Sjögren ou vasculite necrotizante associada à doença mista do tecido conjuntivo. Outras causas incluem: mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldenström, crioglobulinemia, linfoma e sarcoidose. Diabete melito deve sempre ser investigado.
Caso 4 Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, apresentou há três semanas quadro de dormência e formigamento dos pés e das mãos associado à marcha atáxica. O exame neurológico revelou perda sensitivo-vibratória, proprioceptiva e à picada de agulha na região distal dos membros e bilateralmente. Houve, também, redução dos repexos musculares e perda do equilíbrio com os olhos fechados.
Comentários Nesse caso, deve-se pensar em neuronopatia com lesão provável do gânglio da raiz dorsal e obras sensoriais de grosso calibre. Assim, existe a possibilidade de a paciente ter desenvolvido a forma sensitiva da síndrome de Guillain-Barré ou deociência de vitamina B12. Caso haja comprometimento das obras descendentes corticoespinais, pode haver algum grau de espasticidade, rigidez nas pernas ou sinal de Babinski. Outras possibilidades seriam síndrome de Sjögren e doença paraneoplásica.
Caso 5 Paciente do sexo masculino, 51 anos de idade, apresenta há três semanas intenso desconforto do tipo queimação e picadas na face lateral da coxa.
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Interrogatório sistemático e antecedentes médicos resultam sem alterações dignas de notas. No exame físico, há evidência de uma área circular de hipersensibilidade ao toque suave com algodão e alonetada. Força muscular e repexos tendinosos normais.
Comentários É um quadro de mononeuropatia em território do nervo cutâneo lateral da coxa, também conhecido como meralgia parestésica. Devem-se investigar ou associar como fator causal, nesses doentes, diabete, gravidez, obesidade, cirurgia pélvica e abdominal, uso de cinto de segurança ou cirurgiões que se inclinam por muito tempo em frente à mesa de cirurgia. Outras neuropatias de membro inferior incluem: Æ neuropatia de nervo íleo-inguinal: dor em queimação em abdome inferior irradiando para a porção interna da parte superior da coxa, dos testículos ou dos grandes lábios, piorando na posição em pé ou ao movimentar o quadril. Se há comprometimento de obras motoras, pode ocorrer aumento de volume do abdome. As causas mais comuns são decorrentes de trauma, principalmente após herniorraoas ou cirurgias ginecológicas e urológicas; liopomas, leiomiomas ou endometriose no canal inguinal; compressão direta do nervo na gravidez e alterações da cabeça do fêmur; Æ neuropatia do nervo genitofemoral: caracterizada por dor crônica e parestesia na região de distribuição do nervo e exacerbada pela extensão do quadril. Ocorre após herniorraoas, cesáreas ou apendicectomias. Deve ser diferenciada da radiculopatia lombar; Æ neuropatia do nervo cutâneo femoral posterior: dor em queimação na área testicular ou perineal irradiando para a área inferior das nádegas, fossa poplítea até a região posterior e inferior do calcanhar. Pode haver perda sensitiva na área descrita. As causas comuns são trauma e tumores da região pré-sacral.
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Caso 6 Paciente do sexo feminino, 46 anos de idade, com história de evolução progressiva há um ano de dormência, formigamento e dor aguda nos dedos polegar, médio e indicador, além de formigamento na face palmar da mão com desconforto no braço e no antebraço. Os sintomas pioram à noite e, muitas vezes, requerem que a paciente balance a mão repetidas vezes até obter melhora. Sem outros dados de história clínica. O exame neurológico revela fraqueza para abdução do polegar e sensação de redução da sensibilidade na região palmar dos dedos polegar, médio e indicador. Sinais de Phalen e Tinel positivos.
Comentários Trata-se de um quadro clássico de síndrome do túnel do carpo, apesar de a sintomatologia ser comum em apenas um dedo. Os sintomas em braço e antebraço, entretanto, podem confundir o proossional de saúde. Sinais de Phalen (hiperpexão do pulso por 7 minutos) e Tinel (percussão do nervo mediano) positivos são comuns em cerca de 50% dos pacientes. Deve-se investigar a possibilidade de hérnia de disco cervical C6-C7, diabete, artrite reumatoide, gravidez, síndrome pós-mastectomia, mucopolissacaridoses, acromegalia e amiloidose. Se houver histórico de mononeuropatia de ulnar ou de nervo peroneal, é prudente considerar a possibilidade de neuropatia hereditária com suscetibilidade a paralisia por compressão. Outras neuropatias que cursam com dor ou alterações sensoriais no membro superior incluem: Æ neuropatia do nervo torácico longo: esse nervo estabiliza a cintura escapular durante o movimento e seu comprometimento provoca escápula alar, reduzindo o movimento de abdução no membro afetado em torno de 90o. A escápula como um todo, incluindo o ângulo inferior, muda para a posição medial. Pode haver dor ao redor do ombro e a biomecânica alterada favorece a lesão do manguito rotador. O diagnóstico diferencial
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deve ser feito com lesão do nervo escapular dorsal (romboide) e lesão do XI par craniano (trapézio). Devem-se pensar em amiotrooa neurálgica, trauma (ressecção de primeira costela, mastectomias, escalenectomais, inserção de tubos para drenagem de tórax, anestesia de plexo braquial), movimentos repetitivos que causam tração ou alongamento excessivo do nervo (cortar lenhar, esportes em geral), espasmos dos escalenos, angulação do nervo ao cruzar a segunda costela, compressão do nervo entre a segunda costela e o processo coracoide e inpamação da bursa em que o nervo está associado; Æ neuropatia do nervo supraescapular: dor na região superior e na articulação do ombro irradiando para o braço, além de fraqueza muscular. No diagnóstico diferencial, devem-se investigar doenças do ombro (bursite, tendinite bicciptal, lesão do manguito rotador, capsulite adesiva, síndrome do impacto, artrite acromioclavicular), discopatia degenerativa da região cervical, neuropatia axilar e amiotrooa neurálgica. Trauma, compressão na passagem pelo túnel supraescapular, calos ósseos após fraturas escapulares, deslocamento agudo do ombro, movimentos repetitivos e cistos gangliônicos; Æ neuropatia axilar: apresenta-se com perda sensitiva na região lateral do ombro e fraqueza e atrooa do deltoide. Deve-se afastar a possibilidade de neuropatia supraescapular, radiculopatia C5-C6 e amiotrooa neurálgica. As causas mais comuns são trauma (deslocamento anterior do ombro, uso de muletas, injeção na região posterior do ombro, golpes na cintura escapular) e compressão do nervo por vasos ou músculos hipertrooados em atletas.
Caso 7 Paciente do sexo masculino, 50 anos de idade, com diagnóstico de diabetes, foi atendido três semanas após hospitalização para pneumonia. Mesmo se sentindo bem, reportou dormência e formigamento no quinto dedo, bilateralmente, com discreta perda na capacidade para segurar objetos.
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O exame neurológico revelou perda sensitiva para picada ao redor do quinto dedo, em sua face ulnar, estendendo-se para mão e punho bilateralmente. Há fraqueza da musculatura interóssea e da capacidade para estender os dedos.
Comentários O diagnóstico, nesse caso, é uma provável neuropatia ulnar, no nível do cotovelo. Diabete pode predispor a neuropatias compressivas, em decorrência de posições inadequadas no leito, principalmente durante hospitalizações.
Caso 8 Paciente do sexo masculino, há três semanas com dor intensa, aguda, em facada, no lábio superior e no nariz, agravadas ao fazer a barba, mastigar, beber ou escovar os dentes. Procurou vários dentistas, que não explicaram os sintomas. Relatou, entretanto, ter apresentado episódio semelhante, de menor intensidade, que se resolveu espontaneamente em quatro semanas. O exame neurológico foi normal.
Comentários Esse paciente parece apresentar neuralgia de trigêmeo, que tipicamente afeta uma das divisões do nervo trigêmeo. Outras possibilidades diagnósticas (neoplasias, malformações vasculares, quadros vasculares isquêmicos ou hemorrágicos do tronco cerebral, neuralgia facial atípica, cefaleia em salvas ou pulpite) devem ser lembradas em caso de alteração do exame neurológico ou dor persistente que não responde à terapêutica habitual.
Caso 9 Paciente do sexo masculino, 24 anos de idade, com queimação, ferroada e formigamento nos pés, ascendendo gradualmente até o mento e deslocando-se até as mãos de forma simétrica. Havia dioculdade para
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andar no dia da internação, com fraqueza bilateral das pernas e queda do pé. O exame neurológico evidenciava perda de sensibilidade em forma de luva nas extremidades. Os repexos tendinosos estavam ausentes. Havia hiperceratose da palma das mãos e unhas com estrias esbranquiçadas.
Comentários Apesar de esse quadro sugerir síndrome de Guillain-Barré ou neuropatia inpamatória, a presença da linha de Mees e hiperceratose indica envenenamento por metal pesado (arsênico ou tálio).
Caso 10 Paciente de 77 anos de idade com perda progressiva da capacidade de utilizar as mãos e os punhos. Havia fraqueza muscular nos punhos e nos extensores do dedo. Os repexos osteomusculares estavam hipoativos.
Comentários Esse quadro é muito característico de pororia aguda intermitente. Na fase aguda, os sintomas iniciam-se com cólica abdominal, encefalopatia com alucinação, psicose, delírio e convulsões. Outras dicas para o diagnóstico incluem hipertensão e taquicardia. A neuropatia periférica costuma ocorrer após os ataques, com quadro de dor nos membros e nas costas. Há envolvimento motor assimétrico, podendo o paciente evoluir, semelhante a um caso de síndrome de Guillain-Barré, com insuociência respiratória. Uma variante da pororia cursa predominantemente com encefalopatia ou com alterações de pele (fotossensibilidade, vesículas, pigmentações escuras ou cicatriciais, em especial na face e no dorso das mãos, e aumento dos pelos, principalmente na fronte, nas bochechas e nos membros). Deve-se afastar a possibilidade de intoxicação por chumbo que cursa com dor abdominal, anemia e neuropatia predominantemente motora, afetando, classicamente, o nervo radial, com fraqueza progressiva dos extensores e queda do punho.
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Caso 11 Paciente do sexo masculino, 59 anos de idade, branco, motorista de ônibus, natural de Feira de Santana, Bahia. Dois meses antes da consulta, apresentou dor em queimação na região torácica esquerda irradiando para a linha hemiaxilar. A intensidade da dor aumentou, irradiando, em faixa, pela região lateral e posterior esquerda do tronco, melhorando pouco com compressas de água gelada e não respondendo a analgésicos simples e anti-inpamatórios. Notou, três dias depois, o aparecimento de eritema e vesiculação na área dolorida, que se tornou extremamente sensível até ao toque da roupa ou banho. Não houve febre, perda de peso ou outras alterações orgânicas. Foi tratado para herpes-zóster, porém manteve o quadro de dor com as mesmas características após cicatrização das lesões. O exame revelou manchas hipo e hipercrômicas na pele e área de alodínia mecânica em área unilateral extensa da região torácica em trajeto de intercostal.
Comentários Trata-se de um quadro clássico de neuralgia pós-herpética, cuja prevalência aumenta com a idade (de 3,3% entre 40 e 49 anos para 34,4% em maiores de 80 anos). A frequência é de 20 a 100 vezes maior em pacientes com supressão da imunidade celular. É comum após ou no curso de infecção, doenças hematológicas, transplantes, lúpus, terapia imunossupressora, estresse psicológico ou trauma físico. A incidência de herpes-zóster oftálmico está em torno de 10 a 15%, cursando com lesão da córnea e da úvea com ulceração, glaucoma, neurite ótica, retração da pálpebra, distúrbio visual e cegueira; arterite granulomatosa da carótida, com acidente vascular cerebral; paresia motora focal; meningoencefalite; perda de audição; alteração da marcha; paresia de nervos cranianos; e infecção. Os fatores de risco para neuralgia pós-herpética incluem: idade, pródromos de disestesia, dor intensa, além da intensidade e duração das manifestações cutâneas, como o grande número de dermátomos afetados. Pode ocorrer fadiga crônica, anorexia, perda de peso e distúrbio do humor.8-10
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DIAGNÓSTICO DE DOR NEUROPÁTICA O termo dor neuropática refere-se à dor decorrente de lesão ou doença afetando o sistema somatossensorial. O diagnóstico, por sua vez, deve basear-se em testes laboratoriais que utilizam instrumentos quantitativos e medidas de respostas objetivas, bem como teste sensitivo-quantitativo, exame à beira do leito e questionários especíocos.
Testes de laboratório Respostas neuroosiológicas a estímulos nociceptivos, como estudos da condução nervosa (NCS) e de potencial evocado somatossensitivo (SEP) podem identiocar, localizar e quantiocar o dano ao longo das vias sensoriais centrais ou periféricas, apesar de não avaliar a função nociceptiva. Atualmente, o estímulo preferencial utiliza radiação a laser para deliberar pulsos de calor radiante que excita seletivamente as obras nervosas do tipo A␦ e C. Consenso de mais de 200 estudos conorma que respostas retardadas a potencias evocados por laser (A␦ – LEP) são de natureza não nociceptiva. Resposta ultrarretardada (ativação de obra C) é tecnicamente mais difícil de gravar e pouco utilizada nos estudos clínicos. As neuropatias dolorosas, tipicamente, envolvem obras onas e a biópsia por punção de pele pode ser útil para quantiocar a densidade de obras intraepidérmicas (IENF). A biópsia de pele por punção é fácil de fazer, minimamente invasiva e ótima para deonir prognóstico.
Teste sensitivo-quantitativo O teste sensitivo-quantitativo (QST) analisa a percepção em resposta a estímulo externo de intensidade controlada. O limiar para dor é detectado após a aplicação de estímulo doloroso na pele de modo crescente e decrescente. A sensibilidade mecânica a estímulo tátil é medida com olamentos que produzem:
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Æ pressão graduada; Æ sensação de alonetadas com agulhas; Æ sensação de vibração com o vibrômetro eletrônico. A sensibilidade térmica é medida com aparelhos que operam com efeito termoelétrico. O QST é útil no diagnóstico precoce da neuropatia diabética, quando NCS não podem evidenciar neuropatia de obra ona. Nesses pacientes, o QST pode revelar disfunção sensitiva térmica (quente ou frio) no pé com aumento do limiar de atividade das obras C. Esse achado, contudo, não é preditivo para presença ou intensidade dos sintomas dolorosos. QST não é especíoco para dor neuropática e pode mostrar alterações na artrite reumatoide e artromialgas, porém pode quantiocar a alodinia e hiperalgesia térmica ou mecânica.
Exame à beira do leito Localização, qualidade e intensidade da dor devem ser avaliadas, identiocando os sintomas e sinais positivos e negativos. A dor neuropática pode ser espontânea ou provocada. A dor espontânea costuma ser em queimação, pode ser intermitente ou paroxística e inclui parestesias ou disestesias. A dor provocada (hiperalgesia ou alodinia) ocorre após estímulo térmico, químico ou mecânico. É necessário avaliar o sistema motor, sensitivo e autonômico. A sensibilidade táctil, térmica (calor e frio) e vibratória deve ser pesquisada com instrumentos simples. Desse modo, na análise da dor neuropática, devem ser rotineiras as pesquisas de: Æ alodínia mecânica estática: pressão manual leve na pele; Æ alodínia puntiforme: “pinicada” com olamento de Von Frey; Æ alodínia mecânica dinâmica: escovar a pele; Æ alodínia mecânica profunda somática: pressão manual leve; Æ alodínia térmica ao frio: contato com objetos a 20°C; Æ alodínia mecânica ao calor: contato com objetos a 40°C;
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Æ hiperalgesia mecânica à “pinicada”; Æ hiperalgesia ao frio: contato com acetona; Æ hiperalgesia ao calor: contato com objetos a 46°C. Dor provocada por toque, frio ou escovação é mais comum em pacientes com dor neuropática.
Questionários Nos últimos anos, vários questionários para dor neuropática têm sido validados, incluindo o questionário para dor neuropática (NPQ) ID Pain e PainDETECT, com base apenas em questões. Desse modo, a presença de disestesias, disfunção autonômica, associada a paroxismos de dor e sensibilidade alterada esteve associada a dor neuropática. O PainDETECT é aplicável para o diagnóstico de dor neuropática em pacientes com dor lombar e foi validado em oito mil pacientes com dor lombar baixa com sensibilidade e especiocidade em torno de 80%. As escalas para mensuração da dor neuropática (LANSS) e de dor neuropática em quatro questões (DN4) utilizam tanto dados de história como o exame físico, com sensibilidade e especiocidade altas. Outro teste, chamado avaliação modelo da dor (StPEP), combina seis questões com dez testes físicos. Esse teste pode diferenciar as diversas manifestações fenotípicas de dor, repetindo mecanismos osiopatológicos individuais para dor neuropática, oferecendo a possibilidade de tratamento especíoco. StPEP alcançou em torno de 90% de sensibilidade e especiocidade para diagnóstico de dor neuropática em paciente com dor lombar. Alguns autores, utilizando o inventário de sintomas para dor neuropática (NPSI) em diversas doenças, em 482 pacientes, evidenciaram que havia uma associação entre sintomas positivos e dor neuropática em doenças especíocas: neuralgia de trigêmeo, por exemplo, com choques elétricos; dor em queimação, alodínia evocada pela escovação, ausência de dor profunda, disestesia ou parestesia com neuralgia pós-herpética; e
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paroxismos de dor (tipo choque elétrico e punhaladas) com avulsão de plexo braquial ou amputação de membro. CLASSIFICAÇÃO DA DOR NEUROPÁTICA Alguns autores sugerem a classiocação a seguir para caracterizar dor neuropática.
Dor neuropática Dor localizada em área neuroanatômica, preenchendo dois dos seguintes critérios: Æ redução de sensibilidade em toda ou em alguma parte da área dolorosa; Æ doença atual ou anterior que justioque a lesão do nervo e que tenha relação com a dor; Æ lesão nervosa conormada por exames neuroosiológicos, neuroimagem ou cirurgia.
Dor neuropática possível Dor localizada em área neuroanatômica, preenchendo dois dos seguintes critérios: Æ redução de sensibilidade em toda ou em alguma parte da área dolorosa; Æ etiologia não esclarecida; Æ doença atual ou anterior que cause dor inpamatória ou neuropática e que tenha relação com a dor; Æ presença de dor irradiada ou paroxismos.
Dor neuropática improvável Dor que preenche dois dos seguintes critérios: Æ dor não localizada em área neuroanatômica;
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• doença atual ou anterior que cause dor inflamatória; • ausência de perda sensorial. Em estudo com 214 pacientes, a classificação previamente apresentada excluiu apenas 24 pacientes que habitualmente seriam diagnosticados como portadores de dor neuropática, ficando 22 com o diagnóstico de dor neuropática possível e dois com o de dor improvável. Isso pode ser justificado pelo tipo de amostra (ampla e heterogênea) ou pelo fato de o diagnóstico ter sido considerado após exame físico durante a inclusão do paciente no estudo. As palavras do grupo afetivo, pelo questionário de McGill, também foram as menos utilizadas pelos pacientes com diagnóstico de dor neuropática ou dor neuropática possível. Os sintomas mais comuns foram descritos como dor contínua superficial ou dor provocada por toque, escovação e frio. A fisiopatologia da dor neuropática é complexa e envolve os seguintes tópicos: • sensibilização de nociceptor (Figuras 1 e 2); • ativação aferente espontânea e de nociceptores silenciosos; • regulação para cima de canais de sódio (Nav 1.3; Nav 1.7; Nav 1.8); • sensibilização do aferente primário a catecolaminas (Figura 3); • descargas ectópicas do gânglio da raiz dorsal (Figura 4); • ativação do sistema imune e das células da glia com liberação de citocinas pró-inflamatórias, quimiocinas e outras substâncias neuroexcitatórias (Figuras 5 a 7). Na neuropatia diabética, de outro modo, ocorrem alterações decorrentes do excesso de glicose fora da célula. Isso causa: • fluxo de glicose aumentado para via poliol ou para via hexosamina; • ativação excessiva ou inapropriada da fosfocinase de proteína C (PKC);
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Agressão tissular Liberação de neurotransmissores excitatórios
PGE2 H+ ATP
Fibras A e C
Ação em receptores específicos
Histamina
Abertura ou fechamento de canais iônicos
Figura 1
Citocina
Bradicinina
Mecanismo de sensibilização de nociceptores.
Ativação de segundos mensageiros
Aumento da pressão de cinases de proteína
Fosforilação de proteínas
Transcrição gênica
Excitabilidade neuronal
Figura 2
Resposta à sensibilização de nociceptores.
DOR
Papel das fibras noradrenérgicas
NE
NE
Aferente NE
Pós-ganglionar
NE
Pré-ganglionar Figura 3
Sensibilização do aferente primário a catecolaminas.
R
C A S A
C
S R
C A S A S Figura 4
Respostas ectópicas do gânglio da raiz dorsal.
C
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1
Fibras simpáticas
Macrófago
Varicosidade
3
Fibras aferentes
Macrófago
Capilares
Terminação linear
4
Vênulas Arteríolas Mastócito Macrófago SP
5
Aferente
NE Simpática
TNFα IL1 NE SP
6
Receptores NK Adrenoceptores
NE
Figura 5
Ativação do sistema imune da dor neuropática.
Microglia Sinapse espinal
Gânglio
PG’s
Glu
PG Glu Microglia
PGI PGE
Inflamação central HIPERALGESIA secundária
Figura 6
Ativação das células da glia da dor neuropática.
HIPERALGESIA primária
DOR
Lesão tecidual Mastócito
Neutrófilo
Macrófago
TNF-α IL1-β, IL6, NO, Bradicinina, NGF, H+ Cox-2 EP/IP
H+
Ca 2+ PKC
Nav
Figura 7
Receptores de citocinas
PGs
TRPV1
PKA
B1/B2
trkA
ERK1,2
Potencial de ação
Participação das substâncias excitatórias inflamatórias na gênese da dor neuropática.
• acúmulo de produtos finais glicosilados; • desequilíbrio do estado reduzido da via mitocondrial; • aumento da formação de radicais superóxidos. Esses fatores associados provocam reações inflamatórias, alteração da angiogênese, espessamento da membrana basal capilar, proliferação do endotélio vascular e da musculatura lisa do vaso, alteração da permeabilidade capilar, redução do fluxo neurovascular e do metabolismo, ativação de fatores transcricionais (NF-B, TGF-beta) e disfunção neural responsáveis por alterações fenotípicas, morte mitocondrial e celular que facilita a excitação nervosa e a queixa de dor.5,11-15
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EXAMES COMPLEMENTARES A eletroneuromiograoa permite deonir o local da lesão (troncular, radicular, plexular ou do corpo do neurônio sensitivo ou motor), determinar o mecanismo da lesão (axonal ou desmielinizante), orientar diagnóstico etiológico e estabelecer prognóstico. A presença de um retardo ou de bloqueio de condução na velocidade de condução motora em zonas de estreitamento anatômico permite suspeitar de neuropatia hereditária com áreas de hipersensibilidade a pressão no exame físico. Além disso, bloqueios de velocidade de condução sugerem neuropatia desmielinizante, comuns na polirradiculoneuropatia aguda e crônica e nas neuropatias motoras. Essas alterações, contudo, estão fora do ponto de compressão do nervo, são persistentes e proximais nas neuropatias motoras e transitórias nas polirradiculoneuropatias. Por sua vez, a intensidade da neuropatia é caracterizada pela redução do potencial de amplitude motora (PAM) e sensitiva, das velocidades de condução motora (VCM) e sensorial, bem como de denervação ativa na eletromiograoa (obrilações e ondas lentas positivas). O diagnóstico das neuropatias de obras onas, entretanto, é difícil pela ENMG, sendo necessários outros métodos diagnósticos. Na polineuropatia axonal aguda, a ENMG revela alterações dos potenciais sensitivos e motores associadas à normalidade das vias de condução motora e uma alteração neurogênica associada ou não à desnervação (obrilação e ondas lentas positivas). Deve-se pensar, contudo, nas formas axonais da síndrome de Guillian-Barré, em infecções por Campylobacter jejuni, na pororia aguda intermitente, em intoxicação por lítio, arsênico e tálio, na neuropatia alcoólica e diabética, em polineuropatias urêmicas e das vasculites necrotizantes. Na polineuropatia desmielinizante, a ENMG caracteriza-se por um retardo difuso da condução do nervo, alongamento das ondas F, bloqueios de condução, dispersão do PAM e alteração multifocal não dependente de comprimento. Deve-se considerar, também, síndrome de Guillian-Barré ou difteria. Nas neuropatias motoras (seletivas de obras motoras), a ENMG
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revela alteração única dos neurônios motores. É comum nas polirradiculoneuropatias agudas e nas neuropatias multifocais associadas a bloqueio de condução, acometendo principalmente os membros superiores. Na neuronopatia, a ENMG revela alteração dos potencias motores (corpo celular do neurônio motor) ou dos sensitivos e, na mononeuropatia múltipla, o ENMG constata alteração axonal de vários troncos nervosos. É comum em diabete, linfoma, síndromes paraneoplásicas, doenças reumatológicas tipo poliarterite nodosa, doença de Churg-Strauss e de Wegener. O exame do sistema nervoso autonômico consiste na avaliação da função cardíaca, como o teste da avaliação da pressão arterial sistólica após mudança de posição (queda maior que 30 mmHg) e da pressão diastólica após exercício (aumento menor que 16 mmHg) ou da mensuração do intervalo RR no ECG, cujo principal achado é a variação da frequência cardíaca em repouso (taquicardia), a respiração profunda, a mudança de posição e a manobra de Valsalva. O registro da função sudomotora pode ser analisado utilizando eletrodos de superfície aplicados na palma das mãos e nas plantas dos pés. Após a estimulação sonora ou elétrica, mede-se a amplitude da resposta sudomotora cutânea. Se essa resposta estiver ausente ou reduzida em 50%, é um sinal de que existe comprometimento dessas obras do sistema nervoso autonômico. Esse exame, contudo, não é um teste quantitativo. Os exames laboratoriais necessários dependem da suspeita diagnóstica. Hemograma, velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa devem ser considerados quando se pensa em doenças inpamatórias. Glicemia de jejum e pós-prandial, hemoglobina glicosilada, ureia, creatinina, T3, T4, TSH ultrassensível, colesterol total e frações e triglicerídeos são considerados na suspeita de síndrome metabólica; TGO, TGP e ␥-GT, urina de 24 horas e amostras de unhas e cabelos para análise nas causas tóxicas ou infecciosas; dosagem de vitaminas (B1, B12, folatos) na deociência nutricional; sorologias para hepatite B, hepatite C, HIV1 e 2, HTLV 1 e 2 e doença de Lyme para diagnóstico diferencial; imunoele-
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troforese de proteínas (sangue e urina), quando há suspeita de gamopatia monoclonal de cadeias leves, além da dosagem de crioglobulinemia; radiograoa de tórax, na pesquisa de massas mediastinais, ou síndrome intersticial. Na suspeita de pororia aguda intermitente, ocorre deociência da porfobilinogênio deaminase (PGB-D), com elevação ou acúmulo do ácido ␦-aminolevulínico (␦- ALA) e porfobilinogênio (PGB). Isso pode ser constatado com baixa ativividade de PGB-D no eritrócito ou acúmulo de PGB, uropororina e ALA na urina. A urina, também nesse caso, torna-se cor de rosa ou vermelha quando exposta à luz. Nas formas cutâneas, pode ocorrer aumento das uro e heptapororinas ou de copro e pentapororinas. O aumento de copro e pentapororinas pode sugerir outras formas de pororia (variegata, copropororia hereditária), tirosinemia tipo I ou intoxicação por chumbo. Na intoxicação por chumbo, existem níveis baixos de ␦-ALA de-hidrase no soro e aumento de ␦-ALA na urina e no soro da protopororina eritrocitária do zinco. Outros exames incluem dosagem de anticorpos especíocos antinucleares (anti-SSA, SSB, p- e c-ANCA) na suspeita de lúpus, síndrome de Sjögren ou doença de Wegener. Na doença celíaca, devem-se solicitar anticorpos especíocos, pelo fato de essa doença causar neuropatia sensitiva de evolução crônica. Também nesses casos deve-se pensar em síndrome paraneoplásica, dosando anticorpo anti-Hu no soro, principalmente se houver encefalomielite associada. O anticorpo anti-Yo está relacionado à degeneração cerebelar em pacientes com câncer ovariano. Outros anticorpos paraneoplásicos incluem os anti-Ri e os antianoosina em pacientes que cursam com rigidez muscular (síndrome da pessoa rígida ou com mioclonia) e os anti-VPS para aqueles que cursam com retinopatia. Os anticorpos antiglicolipídios reagem contra epítopos da região de carboidratos dos glicolipídios e estão presentes em grande quantidade no sistema nervoso central e periférico. Esses anticorpos são importantes no diagnóstico das neuropatias sensitivomotoras desmielinizantes associadas a uma gamopatia monoclonal do tipo IgM, estando presentes, em 50%
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dos casos, uma atividade anti-MAG (mielina associada à glicoproteína) e uma atividade cruzada com outros glicolipídios, como o SGPG (sulfoglucuronylparagloboside) e o SGLPG (sulfoglucuronyllactosylparagloboside). Nesses casos, a biópsia de nervo revela um aspecto decomposto de mielina, caracterizado por alargamento de espaços entre as lamelas de mielina. Nas neuropatias motoras com bloqueio de condução (NMBC), anticorpos do tipo anti-GM1 do tipo IgM estão descritos em 30 a 50% dos casos. Para síndrome de Miller-Fisher, acompanhada de ataxia, oftalmoplegia e arrepexia, podem ser especíocos anticorpos anti-GQ1b do tipo IgG. O estudo do liquor revela aumento de proteínas nos pacientes com polirradiculoneuropatias, neuropatias paraneoplásicas ou diabete. É comum linfocitose no linfoma, na infecção por HIV ou na doença de Lyme. A presença de células anormais e de anticorpos antineuronais sugere origem neoplásica para neuropatia. Contudo, a biópsia de glândulas salivares acessórias é útil no diagnóstico da síndrome de Sjögren, na sarcoidose, na amiloidose ou nas vasculites. A biópsia de medula óssea também é importante no diagnóstico do linfoma, das gamopatias monoclonais e na síndrome de POEMS. A tomograoa por emissão de pósitrons (Pet-scan) pode evidenciar carcinoma pulmonar, linfoma ou outra doença sistêmica. A necessidade de certos exames de biologia molecular justioca-se em pacientes com critérios clínicos e eletroosiológicos precisos. Para CMT, nas formas autossômicas dominantes com VCM inferior a 30 m/s, podem-se citar as formas de mutação do gene PMP22 (peripheral myelin protein 22). Outros genes, ditos 32, estão implicados em uma forma intermediária, com VCM entre 30 e 40 m/s. Nas formas axonais de CMT, com VCM maior que 40 m/s, a análise genética é feita de rotina. Nas neuropatias no curso da amiloidose, pode ser feita biópsia da gordura periumbilical ou do músculo para análise. As biópsias neuromusculares possuem indicação restrita, principalmente após o avanço da biologia molecular. Normalmente, é utilizado o nervo musculocutâneo ou o sural no membro inferior ou um ramo sen-
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sitivo do nervo radial no membro superior, podendo ocorrer dor, parestesias ou hipoestesias no território da biópsia do nervo. Deve-se retirar de 3 a 5 cm do nervo. Este deve ser oxado, inicialmente, em formol a 10%, seguido da inclusão de paraona para o estudo do tecido intersticial, permitindo evidenciar inoltrados inpamatórios, depósito anômalo (amiloidose) ou vasculites. Outro exame deve ser a pesquisa de marcadores imunológicos, incluindo depósito de imunoglobulinas. Além disso, uma terceira parte do nervo deve ser oxada em glutaraldeído, permitindo a realização de cortes onos e ultraonos na microscopia eletrônica. Essa técnica permite quantiocar, além do estudo do interstício, perdas especíocas de obras mielinizadas e não mielinizadas. As biópsias neuromusculares, então, estão indicadas em vasculites, amiloidose, sarcoidose, inoltrações tumorais (linfomas e outras neoplasias), lepra, formas atípicas das polirradiculoneurites inpamatórias e em certas neuropatias hereditárias (formas autonômicas recessivas da doença de CMT). Na neuropatia diabética, é útil a biópsia de pele para registro de anormalidades de obras pouco mielinizadas intraepidérmicas. Ocorre, então, redução da densidade das obras C intraepidérmicas, e essa diminuição é mais pronunciada nos portadores de dor neuropática. De outro modo, pode haver anormalidades de obras C em pacientes com poucos sinais de neuropatia periférica, mas com queixa de dor de início recente. Naqueles com neuropatia avançada, entretanto, pode não haver anormalidades. Há, então, degeneração e regeneração de obras onas mielinizadas em pacientes com dor e naqueles sem dor, há redução da densidade de obras C intraepidérmicas.1-7 ASPECTOS DO TRATAMENTO Com base em teorias cartesianas, seria esperado que, ao se bloquear a transmissão neural, houvesse alívio da dor. Isso, contudo, não acontece consistentemente na prática clínica. A terapia da dor, então, deve ser
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multimodal, incluindo técnicas farmacológicas e não farmacológicas. As recomendações terapêuticas, por sua vez, devem ser baseadas em evidências clínicas e sustentadas em estudos clínicos controlados. O primeiro passo seria colocar como objetivos: Æ o diagnóstico acurado de dor neuropática, utilizando instrumentos discutidos anteriormente; Æ identiocar e tratar outras doenças associadas que podem contribuir para a apresentação dos sintomas clínicos da dor neuropática; Æ reconhecer outras comorbidades que frequentemente complicam o curso clínico da dor neuropática, como depressão, ansiedade e distúrbio do sono; Æ intensiocar a relação médico-paciente, esclarecendo sobre a doença, as expectativas de resultado e os efeitos colaterais; Æ orientar sobre as técnicas não farmacológicas, incluindo redução do estresse, melhora do sono e terapia física; Æ compreender diferenças nos efeitos farmacodinâmicos dos agentes; Æ avaliar a inpuência da cultura (hábito de exercício, dieta), do uso de álcool ou fumo e de doença associada (obesidade, doença metabólica, insuociência renal ou hepática) nos resultados do tratamento. A administração de medicamentos sempre deve ser iniciada pela via oral, com o cuidado de não associar fármacos que possuam o mesmo mecanismo de ação. A escolha do agente deve ser baseada nas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos fármacos, considerando a experiência clínica e os riscos de efeitos colaterais, dependência física, abuso ou risco relacionado a dose excessiva do fármaco. Além disso, é importante avaliar as contraindicações em determinadas doenças ou a possibilidade de o agente escolhido ser também eocaz no tratamento de depressão, ansiedade ou insônia. A combinação de fármacos com eocácia comprovada pode resultar em efeito aditivo e sinérgico, contudo, com maior possibilidade
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de efeitos colaterais, inconveniência, risco de interação medicamentosa e alto custo. É importante lembrar que uma dose relativamente cara, mas com boa eocácia, pode evitar internações repetidas em unidades de emergência, reduzindo, assim, o custo geral com a saúde. O tratamento da dor neuropática requer o emprego de fármacos que reduzam a hiperexcitabilidade neuronal por meio das seguintes ações: Æ bloqueio de canais de sódio e de cálcio; Æ aumento da transmissão GABAérgica; Æ inibição da liberação do glutamato; Æ inibição da formação do óxido nítrico; Æ aumento da ação serotoninérgica. A eocácia clínica de diferentes opções terapêuticas pode ser comparada ao se calcular o número necessário para tratar (NNT), que é o número de pacientes que devem ser tratados com determinado fármaco, a om de se obter uma redução de 50% da intensidade da dor em um paciente. O NNT pode ser utilizado apenas em estudos placebo-controlados. Quanto menor o NNT, melhor a eocácia do medicamento. De outra maneira, o número necessário para causar dano (NNH) indica quantos pacientes deveriam ser tratados para se obter efeito colateral maior ou menor em um paciente. Normalmente, são valores negativos ou extremamente altos calculados a partir do NNT, baseados na quantidade de pacientes que saem do estudo por conta de efeitos colaterais. Desse modo, um NNT de -20 a Ñ em uma escala de redução de risco atribuído signioca um NNH de 20 a Ñ em uma escala para NNT. Um sinal de inonito nas tabelas signioca que a redução do risco absoluto é zero ou negativa. Nesse contexto, as medicações adequadas para tratar dor neuropática devem ter NNT entre 2 e 6. Os antidepressivos tricíclicos apresentam os menores valores para NNT e são indicados, assim como os inibidores seletivos de recaptação da serotonina e de noradrenalina
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(SNRI), como fármacos de primeira linha, com recomendação A (baseada em vários estudos controlados, aleatórios e encobertos). Apesar de os antidepressivos tricíclicos (TCA) serem os agentes mais efetivos para o controle da dor neuropática, provocam uma série de efeitos colaterais (retenção urinária, boca seca, sonolência, taquicardia sinusal e ventricular, constipação, hipotensão ortostática, visão borrada e disfunção sexual), os quais podem limitar seu uso ou a adesão do paciente. Há relato de morte súbita com dose de TCA maior que 100 mg/dia, sendo o ECG indicado para maiores de 40 anos de idade. Não se deve utilizar TCA em cardiopatas e em pacientes portadores de glaucoma, hipertrooa prostática ou insuociência hepática. As vantagens do uso dos TCA, todavia, são o baixo custo, o emprego em dose única diária e os efeitos benéocos na depressão. Na ausência de amitriptilina, a nortriptilina ou a desipramina são os mais indicados, na dose inicial de 25 mg, aumentando entre 3 e 7 dias, ou de 25 mg até a resposta terapêutica. Nas polineuropatias, os TCA inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina possuem NNT de 2,1 (1,8 a 2,6) e os noradrenérgicos NNT de 2,5 (1,9 a 3,6). Na neuralgia pós-herpética, os TCA mistos possuem, de modo semelhante, NNT de 2,5 (1,8 a 3,9), e os noradrenérgicos, NNT de 3,1 (2,2 a 5,5). Os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (SSRI) e os mistos com noradrenalina (SNRI) possuem NNT em torno de 7 e a venlafaxina (SNRI), de 4 nas polineuropatias, incluindo a diabética, mas é ineocaz na neuralgia pós-herpética. A duloxetina demonstrou eocácia na polineuropatia diabética em estudo controlado por um ano. A duloxetina também trata depressão e pode ser usada na dose de 30 a 120 mg/dia, sendo náusea o efeito colateral comum. Diversos são os anticonvulsivantes e anestésicos locais que podem ser utilizados no tratamento da dor neuropática, incluindo carbamazepina, fenitoína, ácido valproico, pregabalina, gabapentina, lamotrigina, topiramato, mexiletina, lidocaína e procaína. Os estudos placebo-controlados que comprovam a eocácia desses fármacos são mais frequentes na neuropatia
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periférica. Além disso, a comparação entre esses agentes também é rara na literatura. Os anticonvulsivantes agem bloqueando canais de sódio ou de cálcio, reduzindo a liberação de aspartato e glutamato ou aumentando a transmissão GABAérgica. A gabapentina e a pregabalina têm sido bem utilizadas na neuralgia pós-herpética e na neuropatia diabética, aliviando a dor e melhorando a qualidade de vida, o sono e o humor. São consideradas agentes de primeira linha no tratamento da dor neuropática. Em trabalhos com gabapentina em doses que não ultrapassam 2.400 mg/dia, o NNT é de 3,8 (3,1 a 5,1) e o NNH de 26,1 (14,1 a 170). Um estudo, entretanto, mostrou eocácia semelhante da gabapentina (até 1.800 mg) à aminotriptilina (até 75 mg) na neuropatia diabética. Alguns autores sugerem a associação desse fármaco com venlafaxina ou morona em casos de dor de difícil controle na neuropatia diabética ou pós-herpética. A pregabalina, em estudos de neuropatia diabética ou pós-herpética, com doses variando de 150 a 600 mg, apresentou NNT de 4,2 (3,4 a 5) e NNH de 11,7 (8,3 a 19,9). Tanto a gabapentina quanto a pregabalina devem ser iniciadas lentamente, em função do risco de efeitos colaterais, principalmente sonolência. A dose não deve ultrapassar 3.600 mg para gabapentina e 600 mg para pregabalina e precisa ser ajustada em pacientes com insuociência renal crônica. A carbamazepina está indicada principalmente nas dores localizadas na cabeça e no pescoço. Um estudo em neuropatia diabética revelou NNT de 2,3 (1,6 a 3,9) e NNH de 21,7 (12,6 a 78,5) quando se utilizou dose variando de 200 a 600 mg em 30 pacientes. A oxcarbazepina pode ser uma alternativa quando há intolerância à cabarmazepina, pois possui atividade analgésica semelhante, mas com menor efeito colateral. Alguns autores, em estudos controlados, obtiveram analgesia com lamotrigina no tratamento da neuralgia pós-herpética e da dor central, e com oxcarbazepina em diversos tipos de dor neuropática. O NNT na neuralgia de trigêmeo
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em doses até 400 mg/dia foi de 2,1 (1,3 a 6,1) e na neuropatia diabética foi de 4 (2,1 a 42). Em relação ao topiramato, apesar de ser um medicamento eocaz na proolaxia da migrânea, os resultados em dor neuropática são controversos, por conta da ausência de estudos controlados. Existe estudo em neuropatia diabética com NNT de 7,4 (4,3 a 28,5) e NNH de 6,3 (5,1 a 8,1). Outros agentes, como ácido valproico, hidantoína e mexiletina, são pouco utilizados na prática clínica. Alguns autores utilizaram hidantoína na neuropatia diabética, encontrando NNT de 2,1 (1,5 a 3,6). Estudos com valproato são controversos, mas há relato de eocácia na neuropatia diabética e na neuralgia pós-herpética com doses de até 1.200 mg. O maior problema do emprego dos anticonvulsivantes é a tolerabilidade. Esses fármacos provocam sonolência, tontura, ataxia, distúrbios gastrointestinais, fadiga, anorexia, náuseas, vômitos, alterações cutâneas e disfunção cognitiva, hepática, cardíaca, renal e hematológica. Os anestésicos locais são bem tolerados por via venosa, possuem eocácia clínica comprovada na dor neuropática e apresentam como grande vantagem a ação anti-inpamatória, podendo inibir, inclusive, a liberação de citocinas. Os inconvenientes desses agentes são a neurotoxicidade central e a necessidade de internação ambulatorial para sua administração. Os adesivos de lidocaína a 5% possuem NNT de 4,4 (2,5 a 17,5) no tratamento da neuralgia pós-herpética com alodínia e mostraram-se também eocazes em tratar alodínia em outros tipos de dor neuropática periférica. Esse agente é bem tolerado, podendo ocorrer pequenas reações cutâneas. Na dor neuropática, o emprego de opioides é discutido, com resultados controversos na literatura, sendo considerados agentes de segunda linha. Os opioides provocam mais efeitos colaterais que os TCA ou a gabapentina, com risco de provocar alterações imunológicas, hipogonadismo, hiperalgesia associada ao opioide, mau uso, abuso ou adição. Apesar disso, a morona foi superior ao placebo em pacientes com neuralgia pós-herpética, com NNT de 2,5 (1,9 a 3,4). A oxicodona foi utilizada tanto
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na neuropatia pós-herpética quanto na neuropatia diabética, com NNT de 2,6 (1,9 a 4,1). Fármacos como o tramadol, com NNT de 3,9 (2,7 a 6,7) e NNH de 9 (6 a 17,5), ou a metadona podem ser utilizados por tempo prolongado com maior tranquilidade, por possuírem menor risco de induzir a dependência ou a tolerância e apresentarem ação ao nível de receptor NMDA. Os opioides, por promoverem alívio imediato da dor, podem ser utilizados durante a titulação de fármacos de primeira linha até sua dosagem especíoca, respeitando as recomendações para seu uso crônico e tratando os efeitos adversos comuns, como vômito, constipação e sedação. É importante lembrar das regras gerais para a administração de opioides: Æ individualizar o tratamento; Æ fazer medicamento de horário; Æ prescrever dose de escape para dor espontânea ou desencadeada por algum esforço físico ou estresse emocional; Æ iniciar o tratamento baseado em doses equivalentes de opioides; Æ aumentar a dose em 25%, conforme a necessidade do paciente; Æ fazer a rotação do opioide, quando necessário. Outros agentes que podem ser eocazes no alívio da dor neuropática são os bloqueadores NMDA (cetamina), os agonistas adrenérgicos alfa-2 (clonidina, dexmedetomidina), os anticolinérgicos (prostigmine), os canabioides e os inibidores das encefalinazes. Nenhum desses fármacos, contudo, é recomendado isoladamente e, além de provocarem efeitos colaterais de impacto, não são validados por ensaios clínicos bem controlados. A capsaicina está bem indicada na neuropatia diabética ou pós-herpética – NNT de 6,7 (4,6 a 12) e NNH de 11,5 (8,1 a 19,8) –, podendo ser utilizada na concentração de 8%. Inúmeras são as técnicas invasivas para o tratamento da dor, incluindo a neuromodulação (estimulação da coluna dorsal ou talâmica) e as técnicas neuroablativas (lesão de zona de entrada de raiz). As técnicas
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neuroablativas, entretanto, não são sempre eocazes e podem provocar piora da dor a longo prazo. A estimulação talâmica, assim como a estimulação do córtex motor, modula a transmissão da dor através das obras de grosso calibre e, se bem indicada, pode ocasionar bons resultados. O emprego de recursos físicos (estimulação elétrica transcutânea ou transcraniana, termoterapia), de terapia manual e de acupuntura em síndromes dolorosas especíocas, embora com eocácia discutida na literatura, pode ser utilizado como tratamento complementar, principalmente se houver dor miofascial associada. Pode-se, então, sintetizar o tratamento da dor neuropática nas neuropatias periféricas do seguinte modo: Æ fármacos de primeira linha: gabapentina e pregabalina ou TCA: pode-se utilizar duloxetina na neuropatia diabética ou adesivo de lidocaína na neuralgia pós-herpética. A pregabalina é 2,5 vezes mais potente que a gabapentina, possui perol favorável farmacocinético e farmacodinâmico, é mais fácil de usar e o paciente adere melhor ao tratamento. Ambos devem ser utilizados com cautela na insuociência renal. O médico deve esperar 2 a 8 semanas para obter resposta ao tratamento. Se houver dor intensa nesse período, o opioide pode ser utilizado por 1 a 2 semanas. O TCA pode ser interessante na insuociência renal (metabolização hepática sem excreção renal). Preferencialmente, utilizam-se nortriptilina e desipramina, principalmente em idosos, em vez de amitriptilina ou imipramina. É importante lembrar as precauções necessárias com o uso de ADT, já descritas; Æ fármacos de segunda linha: duloxetina e venlafaxina: apresentam menor efeito anticolinérgico e risco cardiovascular. A duloxetina está contraindicada na insuociência renal ou hepática. Também podem causar sonolência, náusea, tontura, fadiga, insônia, dor de cabeça e disfunção sexual. Oxicodona e tramadol também podem ser utilizados, com atenção ao risco de tolerância, adição e abuso;
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• fármacos de terceira linha: carbamazepina, lamotrigina, oxcarbazepina, topiramato e valproato, bupropiona, citalopram, paroxetina, antagonista de receptor NMDA, mexiletina e capsaicina tópica não devem ser utilizados na prática clínica, visto que não há evidência racional na literatura.15-29 Há como perspectiva a descoberta de novos agentes, como bloqueadores seletivos de locais específicos nos receptores NMDA, de canais de sódio e de cálcio. Na área biomolecular, outros fármacos podem ser desenvolvidos: bloqueadores de citocinas, de fatores tróficos e de seus receptores, bloqueadores de moléculas tradutoras de sinais e imunoterapia. Esse desafio, seguramente, contribui para a melhora e a reabilitação física e social de inúmeras pessoas que sofrem de dor crônica. Referências Bibliográficas 1. Stojkovic T. Peripheral neuropathies: the rational diagnostic process. Rev Med Intern 2006; 27(4):302-12. 2. Vallat JM, Magy L. Peripheral neuropathies: an overview. EMC-Neurologie 2005; 2:175-81. 3. Pascuzzi RM. Peripheral neuropathy. Med Clin N Am 2009; 90:317-42. 4. Cornell RS, Ducic I. Painful diabetic neuropathy. Clin Podiatr Med Surg 2008; 25:347-60. 5. Edwards JL, Vincent AM, Cheng HT et al. Diabetic neuropathy: mechanisms to management. Pharmacol Therap 2008; 120:1-34. 6. Perrot S, Trèves R. Les douleurs neuropathiques en rhumatologie. Rev Rhum [Éd Fr] 2002; 69:961-70. 7. Mauermann ML, Burns TM. Pearls and Oy-sters: evaluation of peripheral neuropathies. Neurology 2009; 72(6):28-31. 8.
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SEÇÃO 8
CUIDADOS PALIATIVOS
29 CONCEITOS, DILEMAS E MODELOS DE ASSISTÊNCIA EM CUIDADOS PALIATIVOS* Maria Salete De Angelis Nascimento Janaina Sato Jeronimo Magda Rodrigues Simões Hudson Menezes Taveira
INTRODUÇÃO O sistema atual de saúde no Brasil, assim como o de muitos outros países, falha em cumprir as necessidades e expectativas dos pacientes e familiares que estão vivendo com doenças como o câncer, que ameaçam a vida. Algumas pessoas morrem com dignidade e de maneira confortável, enquanto outras morrem de maneira estressante e vivenciando grande sofrimento junto a suas famílias. Este capítulo enfatiza os conceitos básicos de cuidado interdisciplinar a pacientes oncológicos cuja doença ameaça a vida, os dilemas em cuidados paliativos e os modelos de assistência. Vale destacar que existem diretrizes avançadas em cuidados paliativos, que são revistas periodicamente e que merecem a atenção para que a boa prática em cuidados paliativos esteja sempre alinhada a todo o desenvolvimento que a Medicina Paliativa tem experimentado recentemente.
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O texto deste capítulo foi elaborado no ano de 2010.
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OBJETIVOS Æ Descrever o conceito e os princípios atuais de cuidados paliativos; Æ conhecer os dilemas vivenciados em cuidados paliativos, como integração do cuidado paliativo no cuidado clínico, avaliação do prognóstico, dioculdades e limitações no planejamento antecipado de assistência, comunicação das más notícias e barreiras aos cuidados paliativos; Æ descrever os modelos de cuidados paliativos, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. DEFINIÇÃO DE CUIDADOS PALIATIVOS Muitos tratamentos com a onalidade de prolongar a vida de pacientes com neoplasia metastática, incluindo quimioterapia, terapias-alvo, radioterapia e cirurgia estão disponíveis, porém poucos proporcionam a cura, o que leva esses pacientes, seus familiares e a equipe de saúde a enfrentar decisões difíceis e, consequentemente, escolhas ainda mais difíceis em relação ao tratamento a ser instituído principalmente no onal da vida.1 Há 20 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar que os pacientes oncológicos fossem tratados com os cuidados paliativos sempre que a doença não respondesse mais aos tratamentos que tentam a cura. “Cuidados paliativos” é uma abordagem que objetiva a melhoria na qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que ameaça a vida, por meio da prevenção e do alívio de sofrimento, sendo necessários a identiocação precoce, a avaliação e o tratamento impecável da dor e de outros problemas físicos, psicológicos e espirituais.2 Assim, não há lugar para a ogura do paciente antes considerado fora de possibilidades terapêuticas, pois existe sempre a possibilidade de oferecer tratamento paliativo, o que não exclui a cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia. É fundamental avaliar o paciente, a fase da doença e o contexto em que se encontra: Æ doença ativa: pode ser conormada por exame clínico e investigação com o uso de exames de imagem;
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• doença em progressão: também avaliada clinicamente e por meio de exames, quando indicados; • doença avançada: mais difícil de definir (p.ex., doença metastática extensa, doença refratária ao tratamento) e avaliação a partir de fatores prognósticos; • fase terminal: período em que o prognóstico pode ser estimado em dias ou horas, mas, mais especificamente, nas últimas 48 horas de vida. Para isso, o trabalho de uma equipe de cuidados paliativos deve ser regido por princípios claros, os quais devem ser seguidos e respeitados em toda a abordagem terapêutica:2 • promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis; • afirmar a vida e considerar a morte um processo natural; • não acelerar nem postergar a morte; • integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente; • oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até o momento de sua morte; • oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e o luto; • oferecer abordagem multiprofissional para suprir as necessidades dos pacientes e familiares; • melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença; • iniciar o mais precocemente possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida, como quimioterapia e radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para a melhor compreensão e manejo dos sintomas. Integração do cuidado paliativo no cuidado clínico Apesar da crescente disponibilidade de cuidados paliativos e hospice no mundo, existem inúmeras dificuldades para sua utilização em tempo hábil. Uma
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das mais preocupantes é a associação persistente de cuidados paliativos e hospice com morte iminente. Para os pacientes com câncer que estão em busca da cura ou de prolongamento de sua vida e para os médicos que procuram satisfazer essa obstinação, a falta de percepção da realidade pode limitar a aceitação apropriada de intervenções de cuidados paliativos. Nenhum hospice ou programa de cuidados paliativos se restringe a pacientes que estão morrendo, pois o objetivo maior é prevenir e aliviar o sofrimento, e, no onal da vida, é quase impossível proporcionar um cuidado holístico.3 Atualmente, não existem critérios que restrinjam o acesso aos serviços de cuidados paliativos. Na verdade, as organizações nacionais e internacionais recomendam a integração das práticas de cuidados paliativos e cuidados curativos. A National Comprehensive Cancer Network recomenda que todos os pacientes oncológicos tenham acesso aos cuidados paliativos desde o diagnóstico e que sejam reavaliados continuamente, durante todo o tratamento antineoplásico. Tradicionalmente, nesse âmbito, esses cuidados são realizados pelos oncologistas clínicos. Muitas vezes, são denominados suporte em oncologia e incluem o manejo dos sintomas decorrentes do câncer e de seus tratamentos, como dor, náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia e citopenias, bem como a abordagem psicossocial associada ao diagnóstico e tratamento. O encaminhamento ao médico paliativista pode ser necessário em casos complexos ou com sintomas refratários. Tanto os oncologistas quanto os paliativistas precisam abordar explicitamente as associações incorretas entre cuidados paliativos e onal de vida, para que os pacientes se sintam confortáveis em aceitar esses cuidados simultaneamente. Recentemente, vários estudos com modelos de cuidados oncológicos e paliativos concomitantes concluíram que os benefícios desses programas incluem: aumento do número de pacientes encaminhados precocemente a hospice,4,5 diminuição do número de consultas em unidades de emergência e hospitalização, melhora da qualidade de vida6 e diminuição dos custos.5,7
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AVALIAÇÕES DE PROGNÓSTICO Os pacientes portadores de neoplasia avançada seguem uma trajetória previsível com perda funcional gradativa no último ano de vida – nos meses que precedem a morte ocorre um declínio acentuado. Apesar disso, os médicos encontram dioculdade para determinar com precisão a sobrevida média dos pacientes e tendem a superestimá-la. Estudos mostrando correlação entre o desempenho funcional, previsões clínicas e sobrevida real são inconsistentes. O Karnofsky Performance Status (KPS) alto pode cair rapidamente, pois é difícil prever um evento catastróoco como hemoptise, embolia pulmonar maciça e sepse. Entretanto, pacientes com KPS baixo por causa da associação de doenças crônicas podem sobreviver por longos períodos. A Tabela 1 apresenta os fatores associados a baixo prognóstico em câncer avançado.8.9 TABELA 1
Fatores prognósticos
Categoria Estimativas de prognóstico
Fator prognóstico CPS* (previsão clínica de sobrevida) KPS baixo* Escores prognósticos (PaP/PPI)*
Sinais/sintomas
Anorexia* Astenia Delírio* Disfagia* Dor Taquicardia Dispneia Febre Perda de peso* Xerostomia*
Características do paciente
Masculino Múltiplas comorbidades
Características da doença
Metástases cerebrais Sítios metastáticos múltiplos Metástases viscerais: fígado Tumor primário: pulmão, pâncreas, ovário, glioblastoma (continua)
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TABELA 1
Fatores prognósticos (continuação)
Categoria
Fator prognóstico
Laboratório
Hipercalcemia Hiponatremia Anemia Proteína C reativa elevada* Desidrogenase lática elevada Hipoalbuminemia Leucocitose* Linfocitopenia*
*Fatores com melhor evidência. PaP: Palliative Prognostic Score; PPI: Palliative Prognostic Index. Fonte: adaptada de Finlay e Casarett, 2009.1
Diversos indicadores prognósticos em cuidados paliativos oncológicos foram validados para pacientes hospitalizados. A Tabela 2 apresenta alguns. TABELA 2
Indicadores prognósticos em cuidados paliativos oncológicos – Palliative Prognostic Score (PaP)10
Dispneia Não Sim
CPS (semanas) 0 1
Anorexia Não Sim
0 1,5
KPS > 50% 30 a 40% 10 a 20%
0 0 2,5
> 12 11 a 12 9 a 10 7a8 5a6 3a4 1a2
0 2 2,5 2,5 4,5 6 8,5
Leucometria Normal Elevada Muito elevada
0 0,5 1,5
% de linfócitos Normal Baixa Muito baixa
0 1 2,5 (continua)
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TABELA 2
Indicadores prognósticos em cuidados paliativos oncológicos. Palliative Prognostic Score (PaP)10 (continuação)
A pontuação varia de 0 a 17,5 Grupos
Pontuação
Sobrevida em 30 dias
Grupo A
0 a 5,5
> 70%
Grupo B
5,6 a 11
30 a 70%
Grupo C
11,1 a 17,5
< 30%
Palliative Prognostic Index (PPI)11 – útil para as últimas semanas de vida.
Indicadores
Pontuação Palliative Performance Scale (PPS)
10 a 20
4
30 a 50
2,5
> 60
0 Ingesta oral
Redução moderada
1
Redução severa
2,5
Normal
0 Edema Dispneia em repouso Delírio
1 3,5 4
Pontuação varia de 0 a 15 Grupos
PPI
Sobrevida
Grupo A
<2
> 6 semanas
Grupo B
2a<4
3 a 6 semanas
Grupo C
>4
< 3 semanas
CPS: provisão clínica de sobrevida.
Entretanto, mesmo o melhor dos indicadores prognósticos atuais, o Palliative Prognostic Score (PaP), proporciona um guia geral baseado em probabilidade. Portanto, as previsões clínicas de sobrevida, os dados laboratoriais, o exame clínico e os indicadores de prognóstico ajudam a estimar uma sobrevida.
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DIFICULDADES E LIMITAÇÕES NO PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE ASSISTÊNCIA Apesar da certeza, muitas pessoas vivem suas vidas sem realmente considerar sua própria morte. Entretanto, o diagnóstico de uma doença que ameaça a vida coloca o paciente diante dela. O processo de planejar com antecedência os cuidados médicos, atualmente uma prática comum no sistema de saúde norte-americano e na Inglaterra,12,13 é uma maneira de o paciente deixar registrados seus valores e preferências, incluindo seus desejos quanto aos tratamentos a serem realizados no futuro, no caso de ele se tornar incapaz de tomar suas próprias decisões. É um processo voluntário e deve ser realizado ao longo dos atendimentos de rotina, gradativamente e antes da fase terminal, como no momento do diagnóstico de uma doença que ameace a vida, na progressão da doença que leva a múltiplas internações hospitalares, no risco de parada cardiorrespiratória e na admissão em internação domiciliar.14 Esse modelo de planejamento antecipado de assistência também pode ser aplicado a decisões referentes a funeral, cremação, tutela e escolhas de cuidadores. O planejamento antecipado de assistência envolve discussões entre proossionais de saúde e pacientes e, se o paciente desejar, familiares e cuidadores. Para isso, várias etapas estão envolvidas: Æ informar o paciente de sua doença e situação atual; Æ explicar claramente as vantagens e desvantagens das várias opções de tratamento; Æ identiocar as preferências e os objetivos pessoais sobre sua saúde e seu tratamento; Æ identiocar a pessoa que o paciente gostaria que tomasse as decisões de saúde em seu nome no caso de ele não poder tomá-las por si; Æ garantir que seus desejos sejam respeitados, como, por exemplo, protegê-lo de tratamentos não desejados.
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A discussão deve ser documentada, revisada regularmente e comunicada a um procurador legal envolvido em seu cuidado. Essa autonomia, com que são tratados os pacientes nos Estados Unidos e no Reino Unido, faz repetir sobre a possibilidade de políticas legislativas semelhantes no Brasil. Entretanto, na realidade brasileira, existem várias limitações para um planejamento adequado: Æ dioculdade de o médico abordar o tema (falta de preparo para comunicar más notícias, sanções legais); Æ falta de tempo na rotina diária do médico; Æ necessidade de reconhecer quando um paciente é incapaz de tomar decisões; Æ falta de clareza e dioculdade de entendimento do paciente; Æ não inclusão de equipe interdisciplinar, familiares e cuidadores no processo de planejamento e realização dos desejos; Æ não abordagem de fatores culturais, étnicos e etários; Æ discussões e falta de concordância entre membros da família sobre decisões de tratamento; Æ pacientes que já chegam pela primeira vez ao hospital sem condições de tomar decisões. No entanto, não devem ser utilizadas generalizações para explicar a omissão deste tema. É fundamental que cada conduta seja tomada com base no caso clínico em particular e que se leve em consideração os desejos do paciente e/ou da família, compartilhando o processo de tomada de decisões de assistência, de modo que haja consenso e autonomia tanto do paciente quanto do proossional médico. As vantagens do planejamento são:13 Æ o paciente pode escolher onde deseja morrer; Æ diminuição da procura por emergências de pacientes que desejam morrer em casa;
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Æ diminuição das internações nas últimas semanas de vida; Æ construção de relação de conoança; Æ evita discussões e conpitos; Æ permite paz de espírito para o paciente, seus familiares, o cuidador e a equipe. O princípio do planejamento antecipado de assistência não é algo novo, pois é comum um paciente consciente que se aproxima da morte discutir com seus cuidadores sobre como ele deseja ser tratado. Contudo, nem sempre seus desejos são respeitados, e isso não é documentado. COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS Informações potencialmente difíceis e importantes são frequentes e necessárias em cuidados paliativos. Enquanto os avanços no tratamento do câncer tornaram mais fácil oferecer esperanças aos pacientes no momento do diagnóstico, eles também criaram a necessidade de maior habilidade médica para discutir más notícias. Essas situações incluem recidiva da doença, aparecimento de metástase ou falha do tratamento e progressão da doença, o prognóstico e a questão dos cuidados paliativos, nutrição e hidratação artiocial, medicações como antibióticos no onal da vida, encaminhamento para unidades de terapia intensiva e ressuscitação cardiopulmonar. Dar uma má notícia requer perícia (conhecimento e aptidões especíocas) e tato, os quais podem ser aprendidos e treinados, mas não são ensinados nos cursos de medicina. É ao médico que cabe essa tarefa, pois é ele quem primeiro sabe o diagnóstico e a evolução clínica e é dele que o paciente espera receber a notícia.15 Por que comunicar? Vários estudos no mundo demonstraram que: Æ fortalece a relação médico-paciente; Æ reduz a incerteza da situação vivida pelo paciente;
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Æ oferece uma direção ao doente e sua família, o que leva a colaborar melhor com o tratamento; Æ minimiza sentimentos de isolamento, solidão e medo; Æ a grande maioria das pessoas quer saber seu diagnóstico; Æ é um direito fundamental dos pacientes e um dever ético dos proossionais de saúde. É vedado ao médico: Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal (Art.34).16
A maneira como se comunica ao doente é fundamental, pois revelar uma má notícia pode resultar em empatia e conoança, mas também, se a comunicação for inadequada, isso pode ser devastador. Saber comunicar evita desgaste emocional e previne burnout. Pacientes de médicos que sabem se comunicar apresentam maior adesão ao tratamento, maior controle da dor e resolução dos sintomas físicos e funcionais, estabilidade emocional e satisfação. Existe um protocolo (de Buckman) conhecido como SPIKES15 (Tabela 3), que, quando aplicado, é de grande utilidade na transmissão das más notícias. Esse protocolo pode ser utilizado para além do âmbito da doença oncológica. Consta de seis passos e só a partir do quarto passo é que se dá a informação, caso o doente assim o deseje. Durante os primeiros três passos, prepara-se para as informações. Essa é uma estratégia de comunicação entre médicos e pacientes que facilita a informação do diagnóstico e prognóstico de uma forma verdadeira e sistemática, respeitando a autonomia, mantendo a esperança e oferecendo apoio durante esses momentos. Não deve ser considerada um roteiro a ser seguido à risca, mas, sim, um guia para interações nas quais informações difíceis são compartilhadas.13
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Definir antes o que dizer (ler prontuário, ver resultados de exames)
Estar preparado para as emoções do paciente
Setting
Preparar a entrevista
Escuta ativa – permite conhecer o significado da doença para o paciente, as distorções sobre a gravidade e expectativas irreais
Facilitar o encaixe da má notícia
Descobrir o quanto o paciente quer saber
Existem pacientes que preferem não receber nenhuma informação
Avaliar a percepção que o
doente tem da doença
Invitation
Convite à verdade
envolver equipe e/ou comitê de ética. Transferir para outro médico, se necessário (continua)
Explorar o porquê, os medos, as experiências com más notícias. Oferecer-se para ir junto perguntar o quanto o paciente quer saber,
O que fazer se a família diz para não contar?
O paciente pode designar um familiar
Começar por uma pergunta aberta: O que o senhor sabe sobre sua doença? O que tem lhe preocupado ultimamente?
Perception
Toque – uma forma de mostrar que não foi abandonado
Evitar obstáculos entre médico e paciente (livros, prontuários, computador, papéis)
Fazer contato com os olhos – evitar os papéis estabelecidos de médico e paciente
Conforto – mostrar disponibilidade de tempo, evitar interrupções
Permitir a presença de familiares e consultar o paciente sobre essa possibilidade
Privacidade
Passos
Protocolo SPIKES
Protocolo SPIKES15
TABELA 3
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Transmitir a informação de acordo com o nível de compreensão do paciente
Fazer pausas – não dizer tudo de uma vez
Knowledge
Fornecer informações
Permitir que o paciente/família reaja
Responder às emoções
Discutir possibilidades de suporte da equipe interdisciplinar
Compartilhar a tomada de decisões
Planejamento e
acompanhamento
Oferecer forma de contato: telefone
Verificar se o paciente está seguro e se tem suporte quando distante do serviço
Marcar um retorno breve
Planejar os próximos cuidados; oferecer opções de tratamento
Sumarize/Strategize
Esclarecer as dúvidas
Encorajar a descrição dos sentimentos
Ouvir atentamente/tocar
Estar preparado para as emoções e para uma vasta gama de reações
Emotion/Empathy
Não minimizar a gravidade do problema
Usar o silêncio
Sempre verificar que o paciente entendeu o que foi dito
Evitar eufemismos, tecnicismos
Evitar monólogos
Passos
Protocolo SPIKES (continuação)
Protocolo SPIKES15
TABELA 3
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BARREIRAS AOS CUIDADOS PALIATIVOS Muitos pacientes com câncer avançado não recebem cuidados paliativos, pois ainda não são referenciados, e alguns são encaminhados tão tarde no curso de sua doença que pouco se beneociam do tratamento. Isso se deve a fatores médicos, sociais, regulamentação e aos próprios pacientes (Figura 1).17 A partir de 13 de abril de 2010, entrou em vigor o sexto Código de Ética Médica reconhecido no Brasil. Revisado após mais de 20 anos de vigência do Código anterior, ele trouxe novidades como a previsão de cuidados paliativos e o reforço à autonomia do paciente:16 Æ autonomia: o documento diz que o médico deve aceitar as escolhas de seus pacientes, desde que adequadas ao caso e cientiocamente reconhecidas. O inciso XXI determina que, no processo de tomada de decisões proossionais, “o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos”; Æ conceito de cuidado paliativo: o inciso XXII do Preâmbulo observa que nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.
Portanto, o proossional deve aceitar a escolha do paciente depois de informar adequadamente sobre riscos e benefícios. Além disso, não pode se opor ao pedido de uma segunda opinião. Acelerar a morte (eutanásia) continua sendo vetado ao proossional de saúde no País, e, agora, também, submeter o paciente a tratamentos e exames desnecessários quando a situação é irreversível (distanásia) é expressamente contraindicado. A prioridade, nesses casos, são os cuidados paliativos, para que o paciente sofra o mínimo possível (ortotanásia).
Figura 1
Pacientes • Preconceitos e mitos • Acreditar em um melhor prognóstico do que é dito • Expectativa irrealista do tratamento • Discordância de opções de tratamento entre paciente/família • Falta de planejamento antecipado de assistência • Minorias étnicas • Barreiras de linguagem • Limitações financeiras • Ignorância dos recursos disponíveis
Barreiras para os cuidados paliativos efetivos em pacientes oncológicos.
Médicos Encaminhamento tardio: • Prognóstico ruim • Falta de habilidade de comunicação para abordar questões de vida Relutância em encaminhar: • Carência de formação profissional • Não acreditar em cuidados paliativos • Perda de rendimentos • Falta de normas institucionais para cuidados no final da vida
Cuidados paliativos Falhas no tratamento
Regulamentação • Alto custo de assistência, tratamentos e medicamentos em países em desenvolvimento • Falta de subsídios governamentais • Leis e regulamentações que restringem os cuidados paliativos • Precariedade de assistência e política
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Ortotanásia é o termo médico usado para deonir a morte natural do paciente, sem interferência de cuidados terapêuticos, quando não há mais possibilidade de cura. O procedimento agora é regulamentado para todos os hospitais. MODELOS DE CUIDADOS PALIATIVOS Com o aumento da prevalência do câncer e, principalmente, com a maior ocorrência de pacientes em fase avançada, observa-se um despreparo dos serviços para o atendimento desses pacientes sem chances de cura. Sem possibilidades, mas necessitando de tratamento paliativo, eles sofrem indevidamente. Não existe um modelo correto ou errado para a prestação de cuidados paliativos, sendo que o melhor modelo é determinado pelas necessidades e pelos recursos locais. A International Association for Hospice & Palliative Care acredita que cada país em desenvolvimento deve ser incentivado a desenvolver seu próprio modelo de cuidados paliativos, adequado à necessidade dos pacientes locais e aos recursos disponíveis, aproveitando a experiência e os conhecimentos acumulados nos países industrializados.17 Os pacientes podem ser atendidos em ambulatório, domicílio, internação hospitalar ou hospice.
Internação hospitalar17 Æ Unidade de cuidados paliativos inserida em um hospital (ala especial dentro do hospital ou unidade independente osicamente), mas com acesso aos diversos serviços hospitalares e à equipe multidisciplinar; Æ critérios de admissão dos pacientes: controle dos sintomas (físicos ou psicossociais), cuidados em onal da vida de pacientes com dioculdade de permanecer em domicílio, reabilitação de curta duração ou necessidade de proporcionar um período de descanso ao cuidador ou aos familiares;
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Æ tempo médio de internação: 10 a 15 dias; Æ taxa de alta: 40 a 60% (depende das necessidades locais, dos recursos e da relação com outros serviços comunitários); Æ proossionais disponíveis 24 horas, horários de visitas restritos, número de acompanhantes restritos.
Assistência domiciliar Æ Representa diversas modalidades de atenção à saúde desenvolvida em domicílio, entre elas o atendimento e a internação domiciliar;18 Æ atendimento domiciliar é deonido como um conjunto de atividades de caráter ambulatorial, programadas e continuadas por meio de ações preventivas e/ou assistenciais com participação de equipe interdisciplinar (Anvisa); Æ internação domiciliar representa um conjunto de atividades caracterizadas pela atenção em tempo integral a pacientes com quadros clínicos mais complexos e com necessidade de tecnologias especializadas de recursos humanos, equipamentos, materiais, medicamentos, atendimento de urgência/emergência e transporte (Anvisa); Æ visa a diminuir a demanda por atendimento hospitalar e seus custos, bem como reduzir o tempo de permanência do paciente internado, diminuir o risco de infecção hospitalar, promover adaptação e autonomia do paciente e dos familiares;19 Æ critérios de elegibilidade: variam de acordo com as circunstâncias individuais do paciente (p.ex., paciente com histórico de reinternações recorrentes, dioculdade de locomoção), condições ambientais (residir em domicílio que ofereça condições mínimas de higiene e no perímetro urbano, continuidade de uso de medicação, disponibilidade de material médico hospitalar) e característica do grupo familiar (ter cuidador responsável e capaz de compreender as orientações dadas pela equipe).
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Hospice É uma olosooa de cuidados. Geralmente acontece na casa ou no local em que são atendidos os pacientes fora de possibilidade terapêutica curativa, mas pode se tratar de atendimento em hospitais, ambulatórios ou em domicílio. Exige critérios de elegibilidade, como expectativa de vida menor que 6 meses ou disponibilidade de renunciar a tratamento direcionado ao câncer, como quimioterapia.1
Atendimento ambulatorial Æ Pacientes encaminhados de outras especialidades clínicas ou cirúrgicas, por meio de um pedido de consulta ou encaminhamento; Æ critérios de inclusão: ter doença ativa ou progressiva e encontrar-se fora de possibilidades de cura, alto risco de mau controle da dor ou outros sintomas refratários ao tratamento, comorbidades severas, ter capacidade de se locomover com ou sem auxílio, barreiras de comunicação, circunstâncias sociais e questões de luto antecipatório; Æ equipe interdisciplinar que atenda aos critérios de atendimento padronizados e individualizados para cada paciente. MULTIDISCIPLINARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE Para um atendimento bem-sucedido, qualquer que seja a modalidade, é necessária atenção a todos os aspectos do sofrimento de um paciente, o que requer a intervenção de uma equipe interdisciplinar. Isso porque os proossionais precisam discutir a assistência ao paciente e desenvolver um plano de cuidados conjunto a partir de reuniões regulares e revisões, além de se apoiar mutuamente. Ao contrário, a multidisciplinaridade implica que os membros da equipe trabalhem de forma independente. O atendimento pode se tornar fragmentado e as informações dadas aos pacientes e familiares podem vir a ser contraditórias.17
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O paciente e a família devem ser considerados membros da equipe, uma vez que qualquer tratamento precisa do consentimento do paciente ou familiar responsável e suas opiniões e seus desejos devem ser incluídos. Os voluntários também desempenham papel importante em muitos serviços de cuidados paliativos. Uma equipe multidisciplinar ideal consta de: médicos, enfermagem, osioterapeuta, terapeuta ocupacional, nutricionista, assistente social, psicólogo, capelão, voluntários, fonoaudiólogo, musicoterapeuta, membros da família e paciente. CASO CLÍNICO Paciente I.S., 56 anos de idade, sexo feminino, ativa, auxiliar de enfermagem, com histórico de tabagismo e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Apresenta diagnóstico recente de neoplasia de pulmão (não pequenas células) com metástases ósseas. Vai à consulta com oncologista, para avaliação e tratamento, acompanhada da olha e de uma prima. Relata estar preocupada que sua condição possa ser grave e diz querer operar. Ela já ouviu falar dos tratamentos de câncer, incluindo cirurgia, radioterapia e quimioterapia, mas não tem conhecimento de suas indicações e seus possíveis efeitos. Ao exame clínico, apresenta dispneia moderada, dor intensa em hemitórax direito, que limita as atividades de vida diária, e mostra-se bastante emagrecida. Antes do om da consulta, ela pergunta: “Quanto tempo eu tenho de vida?”. O cenário descrito é parte da experiência cotidiana de muitos oncologistas. 1. Repetindo sobre a conversa da paciente I.S. com o médico, quanto à sua disponibilidade para se submeter a uma cirurgia e à pergunta “Quanto tempo eu tenho de vida?”, sugere-se que ela vê sua condição de cura, por um lado, e o onal da vida, por outro. Isto é, ela não sabe a situação real de sua doença. Neste momento, pode-se empregar o que
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se aprendeu com o protocolo SPIKES para comunicar que a neoplasia de pulmão metastática é uma doença incurável e que as opções de tratamento oferecem benefício mínimo, com baixa taxa de resposta. Devem-se incluir na discussão os potenciais benefícios e toxicidade do tratamento quimioterápico, em linguagem acessível, e a possibilidade de cuidados paliativos exclusivos, bem como esclarecer as dúvidas, planejar antecipadamente os cuidados e compartilhar a tomada de decisões. 2. Quando a paciente pergunta quanto tempo ela viverá, isso também pode signiocar o desejo de realizar alguma coisa – neste caso, era o desejo de ver o nascimento de sua primeira neta (o que aconteceria em cinco meses), além de gerenciar melhor o impacto onanceiro com a perda de produtividade e os sentimentos da olha quanto a seu adoecimento e sua morte. Podem-se utilizar os indicadores de prognóstico para estimar o tempo de sobrevida, porém não se pode prever o futuro e perder a conoança do paciente e sua família nem correr o risco de destruir a esperança e a motivação para os dias remanescentes. A troca de conhecimentos favorece a compreensão do paciente quanto à real situação de sua doença e permite ao médico conhecer a perspectiva do paciente quanto ao tratamento e tempo de vida com a família. CONCLUSÃO Todas as dimensões dos cuidados paliativos repetem documentos oociais de organizações representativas comprometidas com a deonição de diretrizes para o cuidado dos pacientes que estão morrendo. Não existe um modelo das melhores práticas em cuidados paliativos, talvez por conta da relevância de questões inevitáveis, como as variáveis culturais, pessoais e familiares. Isso implica constantes adaptações dos modelos de cuidar baseados nas necessidades especíocas, nos valores de cada paciente e nos recursos locais. Os pilares são: controle de sintomas físicos e psicossociais, respeito aos valores culturais e às preferências pessoais,
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suporte à família, preparação e participação na tomada de decisões no onal de vida, qualidade de vida e, acima de tudo, dignidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Finlay E, Casarett D. Making difocult discussions easier: using prognosis to facilitate transitions to hospice. CA Cancer J Clin 2009; 59:250-63. 2. World Health Organization. Who Deonition of Palliative Care. Disponível em: http:/ www.who.int/cancer/palliative/en/. Acessado em: 30/5/2010. 3. National Comprehensive Cancer Network Guidelines: Palliative Care. National Comprehensive Cancer Network. January 19, 2010. Disponível em: http://www.nccn.org/ professionals/physician_gls/PDF/palliative.pdf. Acessado em: 16/5/2010. 4. Meyers FJ, Linda J. Simultaneous care: disease treatment and palliative care throughout illness. J Clin Oncol 2003; 21(7):1412-5. 5. Meyers FJ, Linda J, Beckett L, Christensen S, Blais J, Gandara DR. Simultaneous care: a model approach to the perceived conpict between investigational therapy and palliative care. J Pain Symptom Manage 2004; 28:548-56. 6. Ford PE, Beckham AM, Sivec HD. Project Safe Conduct integrates palliative goals into comprehensive cancer care. J Palliat Med 2003; 6:645-55. 7.
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30 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS EM CUIDADOS PALIATIVOS* Daniela Batista Sorato Débora Nelise Freitas Claudinei Pereira dos Santos Samuel Lopes
INTRODUÇÃO Os centros de cuidados paliativos caracterizam-se por serem ambientes de decisões difíceis, que implicam às pessoas o limite vida-morte. Observa-se, no entanto, que níveis de tensão controlados são, de alguma forma, necessários à manutenção do equilíbrio e do funcionamento psíquico. Assim, o psicólogo que trabalha com pacientes fora dos recursos de cura deve ter seu olhar voltado para a angústia desses enfermos, esforçando-se para auxiliá-los a encontrar possibilidades de adaptação para melhor lidarem com seus sofrimentos. Esse proossional também detecta sintomas como ansiedade, depressão, medo e dor, não só do paciente e da família, mas também dos membros da equipe, e colabora para seu tratamento utilizando uma variada gama de estratégias e técnicas psicológicas com o objetivo de aliviar o sofrimento psíquico e emocional dos envolvidos.1 *
O texto deste capítulo foi elaborado no ano de 2010.
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O ser humano insere-se em um contexto global, sendo necessário, além da manutenção do equilíbrio e do funcionamento psíquico e biológico, manter sob controle seu aspecto social. Desse modo, o assistente social volta-se ao acolhimento à família ou à rede social em que o indivíduo está inserido, com o intuito de conscientizar, orientar e repetir junto a ele sobre a nova realidade presenciada, que o angustia e assombra. Ele busca alternativas de apoio e amparo aos pacientes por meio da concretização de direitos, a qual se efetiva por meio do sistema de proteção social mais amplo, como a saúde, a assistência e a Previdência Social.2 PONTOS ESSENCIAIS PARA COMPREENSÃO Æ Identiocar e compreender as necessidades e demandas psicossociais de pacientes atendidos em unidade de cuidados paliativos oncológicos; Æ descrever a intervenção proossional do psicólogo e do assistente social, inseridos na equipe interdisciplinar.
Demandas Independentemente do prognóstico, o câncer ainda é entendido como um evento que coloca a vida do indivíduo em risco. Transtornos de ordem psíquica são frequentes e levam a uma diminuição de sua qualidade de vida e de seus familiares. Muitos pacientes apresentam algum grau de ansiedade e/ou depressão, e o sofrimento psíquico (emocional) é capaz de exacerbar outras formas de sofrimento, como a dor. No cotidiano dos cuidados paliativos, percebe-se que o sofrimento psíquico é tão perturbador quanto o sofrimento físico e, para muitos, menos tolerável.3 Os pacientes em estágio avançado da doença podem sofrer impacto psicológico pelo estigma de serem considerados pacientes “terminais”, por medo da degeneração e decadência do corpo e do isolamento, do abandono ou do futuro dos familiares, interrupção prematura de planos e metas de vida, medo da separação, medo da própria morte e da onitude
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da vida, perda da autonomia e da identidade, sentimento de impotência, fracasso, desesperança, desamparo ou solidão, medo da mutilação, das limitações e da dor e medo do sofrimento físico causado pelo agravamento do quadro clínico ou por intervenções invasivas e desconhecidas.4 As relações sociais também podem se modiocar pela presença do câncer e afetar direta ou indiretamente a dor “social” expressa pelo paciente, pois, tanto para o paciente oncológico quanto para seus familiares e amigos, questões como perda do poder aquisitivo, isolamento social, tensão familiar, manutenção dos laços de amizade, capacidade de manter o emprego ou os estudos, entre outros, são comuns e desaoadoras para os que convivem com a doença. Atitudes sociais perante a doença podem isolar uma pessoa, e os cuidados prestados podem levar a situações estressantes na relação íntima com o enfermo. Medo e luto antecipado podem ocorrer nos indivíduos com câncer terminal e em seus cuidadores, podendo causar mudanças na orientação das relações afetivas e sociais.5
Intervenções O psicólogo pode ser um elemento facilitador para que o paciente possa falar melhor de suas ideias, necessidades ou temores, sem que obrigatoriamente se tenha de fazer algo. A escuta atenta pode dar ideia de acolhida, continência, sentir-se aceito e respeitado, o que pode ser um dos elementos principais no alívio do sofrimento. Ao mesmo tempo que se processa a escuta atenta, deve-se favorecer a possibilidade de expressão dos sentimentos presentes. Uma comunicação eocaz deve envolver a escuta cuidadosa do conteúdo e dos sentimentos daqueles envolvidos na situação, o paciente e seus familiares.6 Explorar estilos de enfrentamento e favorecer adaptação são fatores essenciais no suporte psicológico. Compreender a totalidade do quadro e a singularidade de cada pessoa é fundamental para melhor auxiliar o paciente a traçar suas estratégias de enfrentamento. Explorar fantasias geradas diante de suas perdas e medos e favorecer a elaboração desses
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conteúdos, assim como de expectativas e frustrações, propiciam novas possibilidades de ajustamento funcional à situação.7 A intervenção psicológica pode incluir: • técnicas de relaxamento, visualização e distração, como estratégias para amenizar os sintomas emocionais da ansiedade; • comunicação empática e estímulo à expressão de sentimentos, para favorecer o alívio de angústias e tristezas; • orientação e desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas, para ajudar o paciente a lidar com as dificuldades relacionadas ao tratamento e à adaptação geral às condições clínicas e ao adoecimento; • acolhimento e suporte psicológico, para reforçar e valorizar o enfrentamento do paciente durante todo o tratamento.8 As famílias também passam por diversos estágios, coincidentes ou não com os vividos pelos pacientes. Ocorrem problemas de comunicação, isolamento e confusão nos papéis familiares. No contexto de cuidados paliativos, a família deve ser acolhida nesses momentos de intenso sofrimento em que está vivendo a perda do paciente, bem como poder falar sobre sua sensação de impotência diante do sofrimento e da dor. Se, por um lado, a presença constante da família é muito importante para os pacientes, por outro, é preciso cuidar para que esta tenha um espaço para se cuidar, de forma a não sofrer um desgaste emocional por excessiva demanda física e psíquica. Pode-se oferecer atendimento psicológico nas modalidades individual ou em grupo para o acolhimento das dificuldades emocionais dos familiares, promovendo, assim, o alívio da angústia e o reforço das estratégias de enfrentamento e das orientações para a busca de recursos de apoio.9 O assistente social também pode atuar junto à família, trabalhando como mediador e facilitador no que diz respeito ao acesso às políticas de saúde. Cuidar das questões financeiras e ajustar a situação jurídica do
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paciente nessa fase é de grande importância para o bem-estar dos familiares, uma vez que essas questões são aspectos práticos de subsistência e da vida cotidiana (aposentadorias, pensões, seguro de vida, serviços funerários, etc.).10 Para que o assistente social desenvolva uma intervenção que atinja a olosooa paliativista, é necessário que tanto os recursos materiais oferecidos por redes de apoio social e políticas públicas quanto o amparo da equipe para a formação do cuidador estejam em sintonia para um só objetivo, que é proporcionar ao paciente o direito à dignidade e à qualidade de vida. A especiocidade do olhar social sobre a morte mistura-se ao olhar sobre as relações afetuosas, papéis socialmente construídos e atribuídos aos membros de uma família ou de uma rede afetiva. O assistente social torna-se aquele que reforça o papel de facilitador nas relações de um grupo familiar e, sob esse novo prisma, socializa suas técnicas de intervenção em âmbito ambulatorial, domiciliar ou de internação. Mesmo quando atende um indivíduo, está trabalhando com toda a família ou rede social inserida no contexto no qual não se pode separar o indivíduo do coletivo.11 CASO CLÍNICO Paciente do sexo masculino, 38 anos de idade, casado (esposa de 21 anos) e com olha de 6 anos. Nacionalidade paraguaia, morador do estado de Rondônia. Portador de melanoma com metástases ósseas e pulmonares, internado na unidade de cuidados paliativos.
Demandas psicossociais do paciente Sintomas emocionais Ansiedade, angústia, preocupações com a família após sua morte, medo do abandono dos familiares no hospital, medo da perda do benefício e da fonte de renda, isolamento familiar, preocupação com o impacto emocional infantil diante da possibilidade de óbito (luto antecipatório/medo de a olha achar que ele a iria abandonar).
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Alterações comportamentais Padrão de esquiva (dioculdade de entrar em contato com o processo de adoecimento): não mantinha contato visual, apresentava dioculdades no estabelecimento de vínculo com a equipe, comportamento agressivo e hostil, não era colaborativo nos procedimentos e orientações médicas, recusava-se a receber informações sobre o quadro clínico, demandava abuso no uso de medicação para mantê-lo dormindo. Possuía dioculdades em aceitar as debilitações físicas decorrentes do agravamento da doença.
Demandas da família A olha apresentava alterações emocionais e comportamentais anteriores ao adoecimento do paciente (não podia ser contrariada – ganhos secundários), baixa tolerância à frustração, dioculdade em aceitar a possível perda do pai (comportamentos de esquiva), dioculdades em relação à dinâmica familiar e relacionadas à criação da criança (pai superprotetor) e dioculdades no relacionamento com a esposa (fase de revolta e barganha – esposa como alvo emocional da revolta diante do adoecimento, por ser a pessoa mais próxima/cuidador principal).
Demandas sociais Pendência no processo da nacionalidade brasileira, irregularidade na documentação civil da esposa, inexistência da autorização judicial para viagem interestadual da menor, atraso no depósito da ajuda de custo do Tratamento Fora de Domicílio (TFD), ausência de procuração pública para movimentação bancária, dioculdade de contato telefônico com familiares da esposa, por conta da precariedade no sistema de telefonia de Rondônia, risco de perda do ano letivo da olha do casal, irregularidade do auxílio-doença, ausência de moradia digna aos familiares durante período de internação e falta de informações quanto ao contato internacional por telefone.
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Intervenção psicológica As demandas do caso foram trazidas por toda a equipe. Iniciou-se uma comunicação empática e a tentativa de estabelecimento de vínculo, mesmo o paciente não mantendo contato visual. Posteriormente, foram realizados acolhimento e escuta ativa para levantamento da queixa e conormação de demandas. Em relação aos sintomas emocionais, foram utilizadas técnicas de distração de problemas e relaxamento muscular para controle da angústia, tristeza e ansiedade e manejo da dor. Utilizaram-se treinos de comportamento assertivo para instalar e desenvolver recursos de enfrentamento e habilidades sociais para reduzir a hostilidade com a equipe. Foram dadas orientações psicoeducativas para o paciente e sua esposa, com a onalidade de diminuir dúvidas, angústias e o medo da morte, bem como para desmistiocar crenças fantasiosas a respeito da doença e do tratamento. A esposa recebeu intervenção psicológica para redução do sentimento de impotência e sobrecarga emocional diante da agressividade do marido. Em relação às demandas da dinâmica familiar, foram dadas orientações para ajudar na adaptação de inversões de papéis (auxiliar a esposa a assumir responsabilidades antes competentes ao marido) e para desenvolver assertividade diante do comportamento de fuga e esquiva da olha em relação ao adoecimento do pai. Foi realizada intervenção psicológica com a criança durante o tempo de internação do paciente até o óbito, sendo utilizadas estratégias lúdicas para investigar o grau de conhecimento infantil acerca da doença e da gravidade (fala, escrita e desenhos) e desenvolvidos trabalhos com a “família lúdica” (personagens do meio hospitalar), para facilitar a expressão de sentimentos e emoções diante do adoecimento, em que se treinavam inversões de papéis em situações difíceis (p.ex., o pai estava muito doente e ela seria a médica que iria cuidar dele, deonindo as condutas necessárias – compreensão do tratamento e da gravidade do caso). Durante a intervenção, foram utilizados jogos lúdicos para trabalhar a aceitação da criança diante da
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possibilidade de perdas (óbito). Observou-se que, ao onal da intervenção, foi possível falar abertamente sobre a morte iminente com a olha, a esposa e o paciente. Além de intervenção psicológica sistêmica, houve também intervenção de toda a equipe multidisciplinar no caso, inclusive de suporte aos familiares e à equipe após o óbito.
Intervenção social No início do atendimento do caso, foi solicitada a presença da olha para o acompanhamento do processo de adoecimento do pai junto à família. Pela organização familiar, foi decidido que a cunhada do paciente ocaria encarregada dos cuidados da criança e também da solicitação da autorização judicial para a viagem de Rondônia a Barretos, no Posto de Juizado de Menores. Outra providência foi garantir um local adequado para a permanência da família próximo ao hospital. A estadia e a alimentação foram mantidas com o dinheiro da ajuda de custo que recebiam regularmente do TFD, sendo necessário o envio de relatórios semanais à Secretaria de Saúde de Rondônia. Outros relatórios foram enviados à direção da escola comprovando a presença da olha no local, para garantir seu ano letivo. Também foi necessário intervir para a prorrogação do auxílio-doença, que havia sido interrompido anteriormente. Para os problemas relacionados à burocracia, foi dada entrada no processo de regularização dos documentos da esposa e da nacionalidade do casal, que são necessários principalmente em caso de óbito do paciente. No acolhimento ao óbito, assegurou-se o translado e todo o serviço funerário pelo TFD, assim como a passagem de retorno da acompanhante. Em relação aos cuidados pós-óbito, foram dadas orientações para assegurar a pensão por morte para a esposa e a olha, garantindo, assim, os direitos da família.
DOR
CONCLUSÃO De modo geral, pode-se concluir que o paciente é biológico, social, psicológico e espiritual, de maneira única e indivisível, devendo ser tratado em todas essas esferas, visto que a desorganização de uma delas provoca alteração em todas as outras. Assim, é fundamental a presença de outros proossionais de saúde na equipe de cuidados paliativos para atender às demandas globais do paciente, com o objetivo de aliviar o sofrimento geral, oferecer suporte e garantir qualidade de vida até o om do tratamento oncológico. A intervenção do psicólogo e do assistente social contribui para o alívio de sintomas emocionais relacionados ao processo de adoecimento e tratamento, além de ajudar na resolução de problemas e questões sociais e familiares decorrentes. O que se espera é um trabalho em equipe, de decisões conjuntas e intervenções que se completam, se integram e proporcionam uma abordagem mais abrangente de cuidados ao paciente e à sua família. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Riba JPC, Dias JJ. Psicólogos. In: Saltz E, Juver J (eds.). Cuidados paliativos em oncologia. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2008. p.53-60. 2. Sodré F. Alta social: a atuação do Serviço Social em cuidados paliativos. Serviço Social & Sociedade 2005; 131-47. 3. Delgado-Guay M, Parsons HÁ, Li Z, Palmer L, Bruera E. Symptom distress in advanced cancer patients with anxiety and depression in the palliative care setting. Support Care Cancer 2009; 17:573-9. 4. Larkin PJ, Dierckx de Casterle B, Schotsmans P. Transition towards end of life in palliative care: an exploration of its meaning for advanced cancer patients in Europe. J Palliat Care 2007; 23(2):69-79. 5. Vasconcelos AM. A prática do serviço social: cotidiano, formação e alternativas na área da saúde. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2006. 6. Duggleby W, Berry P. Transitions and shifting goals of care for palliative patients and their families. Clin J Oncology Nurs 2005; 9(4):425-8.
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7.
Prade CF, Casellato G, Silva ALM. Cuidados paliativos e comportamento perante a morte. In: Andreoli PBA, Erlichman MR (eds.). Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu, 2008. p.149-58.
8. Kovács MJ. Atendimento psicológico em unidades de cuidados paliativos. Rev Bras Med 1999; 56(8):786-96. 9. Kelly B, McClement S, Chochinov HM. Measurement of psychological distress in palliative care. Palliative Medicine 2006; 20(8):779-89. 10. Bravo MIS. Saúde e serviço social. Serviço Social & Sociedade 2004. 11. Costa CV, Pitta AMF. A assistência aos pacientes terminais como fator de estresse para proossionais de saúde. Serviço Social & Sociedade 2005; 148-59.
31 CONTROLE DE SINTOMAS EM CUIDADOS PALIATIVOS* Carlos Eduardo Paiva Maria Salete De Angelis Nascimento Renata dos Santos Adriana da Silva Martins Ferreira Heloisa Helena Ladeira Rosa Carvalho Scapulatempo
INTRODUÇÃO Pacientes oncológicos portadores de doença avançada e terminal apresentam, aproximadamente, de quatro a cinco sintomas concomitantes. A causa pode ser a própria doença ou o tratamento; ou, muitas vezes, os sintomas são secundários a alguma comorbidade signiocativa. Isso implica uma avaliação rigorosa, bem como o tratamento etiológico, sempre que possível. O controle adequado dos sintomas é importante, inclusive durante o tratamento com agentes antineoplásicos, fazendo com que os pacientes consigam tolerar melhor o tratamento oncológico. Quando todos os tratamentos voltados às causas forem utilizados, os tratamentos sintomáticos podem representar o objetivo principal dos cuidados de saúde. Isso exige aliar cuidados não farmacológicos e farmacológicos, bem como dominar as intervenções disponíveis de modo a adaptar a conduta à melhor modalidade terapêutica. Este capítulo aborda, essencialmente, a etiologia e o tratamento sintomático de dispneia, soluço, tosse, fadiga relacionada ao câncer (FRC), *
O texto deste capítulo foi elaborado no ano de 2010.
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síndrome de anorexia e caquexia do câncer (SACC), linfedema e disfunções neuropsíquicas, particularmente ansiedade, depressão e delírio. Se esses sintomas não forem abordados de maneira adequada, podem inviabilizar qualquer possibilidade de alívio do sofrimento psicológico, social e espiritual do paciente e de sua família, além de impedirem a possibilidade de se alcançar uma qualidade de vida digna. Igualmente importante é ter conhecimento das diferentes modalidades terapêuticas, dos efeitos colaterais e das interações medicamentosas. DISPNEIA A dispneia é um dos sintomas mais frequentes em pacientes terminais, como aqueles com câncer avançado, doença pulmonar obstrutiva crônica, obrose pulmonar idiopática, insuociência cardíaca e diversas condições neurológicas. Acomete cerca de 30 a 47% dos pacientes com câncer1,2 e sua incidência aumenta para 55 a 70% na fase terminal,3 sendo sua presença um importante fator prognóstico, indicando menor sobrevida. É um sintoma incapacitante e que piora consideravelmente a qualidade de vida. Ao contrário da dor, que tende a ser bem controlada nas últimas semanas de vida, a dispneia aumenta progressivamente em frequência e intensidade, particularmente nos pacientes com neoplasia pulmonar primária.4
Definição A American Thoracic Society deone a dispneia como uma “experiência subjetiva de desconforto respiratório que consiste de sensações qualitativamente distintas que variam na intensidade”, pois resultam da interação entre os mecanismos osiopatológicos e os aspectos psicológicos, sociais e ambientais.5 A dispneia pode ser aguda ou crônica e estar ou não associada à hipoxia.
Etiologia e avaliação Como em qualquer outro sintoma, o diagnóstico correto inclui uma série de aspectos, como:
DOR
Æ identiocar as causas subjacentes (Tabela 1), incluindo as síndromes especíocas, mediante história clínica detalhada, exame físico e exames complementares, como oximetria de pulso, gasometria arterial, radiograoa de tórax, ultrassonograoa (útil para diferenciar derrame pleural de tumor sólido), hemograma, bioquímica e, menos comum, tomograoa computadorizada de tórax, espirometria (avaliar resposta aos broncodilatadores e corticosteroides), eletrocardiograma, ecocardiograma e cintilograoa ventilação-perfusão; Æ fazer avaliação qualitativa e quantitativa do sintoma. A dispneia é um sintoma complexo que não tem relação constante com os parâmetros respiratórios funcionais. Assim como a dor, a dispneia é o que o paciente diz sentir. Deve-se avaliar: Æ início/duração; Æ intensidade (média, moderada, severa); Æ fatores de melhora e de piora; Æ sintomas respiratórios associados: tosse, dor na parede torácica (invasão tumoral, mesotelioma), dor pleurítica (derrame pleural, pneumotórax, embolia pulmonar), escarro, hemoptise, sibilos, estridor; Æ frequência (constante, intermitente); Æ interferência nas atividades de vida diária; Æ componente emocional: ansiedade.
Tratamento Atenção aos detalhes, incluindo: Æ determinar a equipe multiproossional e, principalmente, quem é o médico que está cuidando do paciente (dar acolhimento e transmitir segurança ao paciente e à sua família);
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t Cardiomiopatia
t Obesidade
t Pericardite
Fonte: adaptada de Doyle et al., 2005.6
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; SVCS: síndrome da veia cava superior.
t Hiperventilação
t Ansiedade
t Fibrose pulmonar
Infiltração da parede torácica
t Doença neuromuscular
Não maligna
Acidose metabólica
t Hepatomegalia
t Ascite
t Paralisia diafragmática
Elevação diafragmática
t Hiperviscosidade
t Anemia
t Distúrbio metabólico/eletrolítico
t Miopatia por corticosteroide
t Síndrome paraneoplásica
t Pneumonite
t Arritmia cardíaca
t Doença isquêmica
t ICC
Doença cardíaca
Alteração sanguínea
t Deformidade da parede torácica
t Doença intersticial
Doença pulmonar restritiva
t Caquexia tumoral
Fraqueza muscular
Neoplásica/paraneoplásica
Causas sistêmicas
Paralisia do nervo frênico
Radioterapia
Infiltração linfática
t Linfangite carcinomatosa
t Toxicidade pulmonar
Quimioterapia
t Lobotomia
t Pneumectomia
Cirurgia
Relacionada ao tratamento
Embolia pulmonar
t Infecção oportunista
t Fístula traqueoesofágica
Lesão traqueal
t Embolia tumoral
t SVCS
Lesão vascular
t Derrame pericárdico
Lesão pericárdica
t Derrame pleural
t Mesotelioma
Lesão pleural
t Asma
t DPOC
t Aspiração
Pneumonia
t Metástases pulmonares
t Neoplasias pulmonares
Doença pulmonar obstrutiva
Pneumotórax
Lesão pulmonar
Doenças concomitantes
Lesão indireta do tumor
Causas cardiopulmonares
Causas de dispneia em pacientes com câncer avançado
Lesão tumoral
TABELA 1
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DOR
Æ dar atenção individualizada para responder às necessidades físicas, psíquicas, mentais, sociais e espirituais do paciente e de sua família; Æ determinar a etapa da doença em que o paciente se encontra. A dispneia em pacientes oncológicos pode ser dividida em três fases: Æ dispneia aos esforços – prognóstico: meses a anos; Æ dispneia em repouso – prognóstico: semanas a meses; Æ dispneia terminal – prognóstico: dias a semanas. Portanto, a abordagem da dispneia é diferenciada e baseia-se na evolução temporal da doença, isto é, do início dos sintomas até a fase terminal (Figura 1).
Medidas sintomáticas gerais Intervenções não farmacológicas7 Equipe multidisciplinar: Æ explorar a percepção do paciente e de seus cuidadores: 䊊
explorar o signiocado da dispneia, o grau de ansiedade e o medo da morte em decorrência da dispneia;
Tratamento farmacológico sintomático Tratamento não farmacológico
Abordar o que é passível de ser corrigido
FIGURA 1 Tratamento da dispneia severa nas diferentes fases da neoplasia avançada. Fonte: adaptada de Wilcock, 2009.7
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Não
DISPNEIA SEVERA
t .FEJEBTHFSBJTEFBQPJP PSJFOUBção e educação t 5FSBQÐVUJDBNFEJDBNFOUPTB
Iniciar medidas básicas: t 1PTJDJPOBSPQBDJFOUFQBSBNBOUFS a via aérea pérvia t 1SPQPSDJPOBSBNCJFOUFWFOUJMBEP (ventilador, janelas abertas) t 'PSOFDFSFYQMJDBÎÜFTOFDFTTÈSJBT e permanecer ao lado do paciente
CAUSA REVERSÍVEL?
Não
Sim
t t t t t t
*OUFSWFOÎÜFTOÍPGBSNBDPMØHJDBT /FCVMJ[BÎÍP02 0QJPJEFT #FO[PEJB[FQÓOJDPT &TDPQPMBNJOB 4FEBÎÍPQBMJBUJWB
Tratamento específico8 (Tabela 2)
FIGURA 2 Algoritmo para abordagem do paciente oncológico com dispneia.
䊊
propor metas realistas de acordo com a progressão da doença;
䊊
ajudar o paciente a lidar com as perdas de habilidades.
Apoio psíquico, social e espiritual: Æ maximizar o sentimento de controle sobre a respiração: 䊊
técnicas de relaxamento e distração;
䊊
elaborar plano de ação para episódios agudos;
䊊
terapias complementares: acupuntura, musicoterapia, psicoterapia;
Æ maximizar as habilidades funcionais: 䊊
técnicas e posicionamento que ajudem na manutenção das vias aéreas;
Excluir obstrução por corpo estranho Oxigenoterapia Corticosteroide Considerar traqueostomia de urgência
Obstrução na via aérea:
Estridor (ruído rude e agudo/esforço da musculatura respi-
ratória/retração dos músculos intercostais e supraclavicu-
lares)
Corticosteroides/diuréticos – uso controverso, sem suporte na literatura
em veias, pescoço e membros superiores/pletora)
Digoxina Considerar morfina em baixas doses IV ou SC
em bases/edema periférico/3ª bulha/hipotensão/
taquicardia/estase venosa)
Considerar inibidor da ECA
Diurético (furosemida, 40 mg, IV, repetir após 5 minutos se não melhorar)
Insuficiência cardíaca congestiva (ortopneia/estertoração
Oxigenoterapia: iniciar com 60% ou 28% se retenção de CO2
Corticosteroides
(continua)
#FUBBHPOJTUBEFDVSUBEVSBÎÍP TBMCVUBNPMUFSCVUBMJOB FEFMPOHBEVSBÎÍP TBMNFUFSPMBOUJDPMJOÏSHJDPT
sibilos/história de tabagismo)
Acrescentar xantina se os sintomas persistirem (aminofilina, teofilina, bamifilina)
Reabilitação pulmonar
Doença pulmonar obstrutiva crônica/asma (tosse/secreção/
Stents
Radioterapia: neoplasia de pulmão/linfoma/células germinativas/metastático
Quimioterapia: neoplasia de pulmão/pequenas células/linfoma
Repouso/elevação da cabeça/oxigenoterapia
Síndrome da veia cava superior (edema de face/distensão
Manter corticosteroide após tratamento imediato
Stents
Radioterapia
Manejo
Tratamentos específicos das causas de dispneia em neoplasia avançada8
Causas
TABELA 2
DOR 497
Anticoagulação/filtro de veia cava, se indicado
Tromboembolismo pulmonar (dor torácica inspiratória/
Antibioticoterapia Analgesia adequada Punção/drenagem/pleurodese Pericardiocentese
Infecção respiratória
Dor
Derrame pleural
Derrame pericárdico (alteração hemodinâmica/
Corticosteroides/diuréticos
Linfangite carcinomatosa
ECA: enzima conversora da angiotensina; IV: via intravenosa; SC: via subcutânea.
Paracentese
Ascite
taquicardia/pulso paradoxal)
Transfusão sanguínea pode ser indicada se Hb ≤ 8 mg/dL e/ou com sintomas
Anemia
taquipneia/taquicardia/hipoxia/hemoptise)
Manejo
Tratamentos específicos das causas de dispneia em neoplasia avançada8 (continuação)
Causas
TABELA 2
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DOR
䊊
exercícios respiratórios;
䊊
planejamento das atividades de vida diária;
䊊
planejamento de contenção de energia;
Æ reduzir sentimentos de isolamento pessoal e social. Oxigenoterapia9 O oxigênio não necessariamente melhora a dispneia e não é isento de riscos ou efeitos adversos (ansiedade, dependência psicológica, ressecamento nasal e piora da tosse) e o barulho contribui para insônia e piora na qualidade de vida. Em pacientes dispneicos com saturação de oxigênio em repouso ou durante exercícios menor ou igual a 90%, a oxigenoterapia pode ser útil, mas o uso contínuo somente se justioca quando se observa benefício sintomático. O papel da oxigenoterapia é bem estabelecido para pacientes portadores de doença pulmonar crônica com hipoxemia, pois reduz a mortalidade e melhora a qualidade de vida. Existem poucas evidências de benefício a respeito do uso de suplemento com O2 em pacientes oncológicos, porém o uso intermitente pode ser indicado em vigência de hipoxemia. Opioides7,9 Os opioides reduzem a sensação de dispneia, principalmente se houver dispneia em repouso e na fase terminal. Devem-se sempre observar a resposta do paciente e monitorar efeitos colaterais. #FO[PEJB[FQÓOJDPT Considerar na presença de componente emocional: Æ midazolam via oral (VO), 5 a 10 mg/24 horas ou 2,5 mg subcutâneo (SC)/intravenoso (IV) em bolo e, se eocaz, prescrever 10 mg/24 horas SC/IV em bomba de infusão contínua (BIC) e 2,5 a 5 mg, se necessário;
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Æ lorazepam VO na dose de 0,5 a 2 mg, sublingual (SL) a cada 4 horas, se necessário. Não existem evidências na literatura que comprovem os benefícios do uso de benzodiazepínicos na dispneia de pacientes oncológicos e portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).10 Corticosteroides Podem ser úteis se houver suspeita de linfangite carcinomatosa ou DPOC. Devem ser administrados até 14 horas e reduzidos gradativamente e retirados em 1 semana se não forem eocazes: Æ dexametasona 4 a 8 mg/dia ou prednisolona 25 a 50 mg/dia VO; Æ dexametasona 16 mg/dose IV, se dispneia aguda.
Ruídos respiratórios (sororoca) ou hipersecreção das vias aéreas Æ Posicionamento de cabeça e vias aéreas para facilitar a drenagem de secreções; Æ aspiração: sempre ponderar, por ser um procedimento doloroso; Æ escopolamina: 10 mg SC/IV/VO a cada 4 horas ou 60 a 120 mg SC/IV em BIC. SOLUÇO Soluços prolongados podem resultar em depressão, fadiga, sono prejudicado, desidratação, perda de peso, desnutrição, pneumomediastino e síndromes de aspiração. A avaliação deve ser dirigida ao sintoma enfocando o sistema nervoso central (SNC), o tórax e o abdome, bem como a avaliação de medicamentos e quimioterapia. Os soluços podem ser classiocados conforme sua duração, em agudos (até 48 horas), persistentes (mais de 48 horas) e intratáveis (mais de 2 meses).
DOR
Definição É um repexo respiratório anormal caracterizado por contrações espasmódicas intermitentes e involuntárias do diafragma e dos músculos intercostais que conduz à cessação da inspiração por causa de um fechamento abrupto da glote. Geralmente são fenômenos inócuos, mas, às vezes, eles se tornam permanentes e intratáveis, levando à diminuição signiocativa na qualidade de vida do paciente.
Etiologia do soluço em pacientes oncológicos11 A etiologia do soluço em pacientes oncológicos é apresentada na Tabela 3.
TABELA 3
Etiologia do soluço em pacientes oncológicos
Maligna
Neoplasia esofagogástrica Neoplasia do cólon Neoplasias hepáticas Leucemia Neoplasia de pulmão Linfoma Neoplasia de pâncreas Neoplasia renal Metástases hepáticas
Distúrbios metabólicos
Hiponatremia Hipocalemia Hipocalcemia Insuficiência renal Uremia Diabete melito descompensado
Sistema nervoso central
Tumor cerebral AVC Hematoma Encefalite/meningite Abscesso cerebral Toxoplasmose
Torácica/ pulmonar
Pneumonia Derrame pleural Pleurite Herpes-zóster Ventilação pulmonar
Esofagite
Cardiovascular
Gastrointestinal
Isquemia miocárdica
Úlcera péptica
Derrame pericárdico
Distensão gástrica
Pericardite
Pancreatite Ascite Colecistite Abscesso subdiafragmático (continua)
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Tabela 3
Etiologia do soluço em pacientes oncológicos (continuação)
Medicamentosa
Antibióticos
Quimioterápicos
Cisplatina
Benzodiazepínicos
Carboplatina
Corticosteroides
Ciclofosfamida
Opioides
Docetaxel/paclitaxel Etoposide Gencitabina Irinotecano
Procedimento cirúrgico/anestesia geral
Injeções peridurais com anestésico local
Psicogênica
AVC: acidente vascular cerebral.
Tratamento Os pacientes com soluços persistentes ou intratáveis, em geral, necessitam de tratamento farmacológico, principalmente se há piora na qualidade de vida ou alguma complicação. A clorpromazina é a única droga aprovada para tratamento do soluço pela Food and Drug Administration (FDA). Entretanto, em virtude da falta de estudos randomizados, a literatura suporta uma variedade de medicamentos e intervenções não farmacológicas, de modo que o tratamento inclui: • manobras físicas; • tratar os fatores reversíveis; • redução da distensão gástrica: dimeticona/procinéticos (domperidona ou metoclopramida oral na dose de 10 a 20 mg a cada 8 horas); • tratar qualquer refluxo gastroesofágico: inibidor de bomba de prótons; • redução da compressão/irritação por tumor hepático ou cerebral: dexametasona na dose de 4 a 8 mg/manhã; • relaxante muscular: baclofeno, 5 a 10 mg, 2 vezes/dia (deve-se ter cuidado com pacientes idosos, pois frequentemente causa ataxia, delírio,
DOR
sedação), midazolam 2 mg, IV, repetindo a cada 15 minutos até cessar (indicado em casos de delírio terminal ou agitação concomitante), nifedipina 10 a 20 mg, a cada 8 horas (risco de hipotensão); Æ supressão do repexo central: gabapentina 300 a 600 mg, a cada 8 horas, haloperidol 1 a 3 mg, VO/SC (pode ser útil em pacientes com delírio hiperativo concomitante), clorpromazina 10 a 25 mg, 3 a 4 vezes/dia (causa sonolência, boca seca, hipotensão postural principalmente em idosos e em pacientes fragilizados, retenção urinária, glaucoma e delírio), levomepromazina oral 3 a 6 mg ao deitar, metilfenidato oral 10 a 30 mg/dia (pacientes com sedação induzida por opioides ou depressão); Æ acupuntura; Æ bloqueio do nervo frênico com anestésico local, para soluço refratário a medicamento. TOSSE A tosse tem prevalência de 47 a 86% em pacientes portadores de câncer de pulmão e de 23 a 37% em pacientes oncológicos em geral.6 Pode provocar dor torácica e abdominal, cefaleia, vômito, síncope, fratura de costelas e, adversamente, interferir com o sono, a alimentação, o repouso e as atividades sociais.7
Definição A tosse é um mecanismo de defesa que impede a entrada de materiais nocivos ao sistema respiratório e um reflexo utilizado para limpeza de secreções excessivas do trato respiratório. No câncer avançado, é um sintoma comum que interfere nas atividades diárias do paciente e na qualidade de vida. Ocorre a partir de estímulos sensoriais (mecânicos, químicos, inflamatórios e imunológicos) na árvore traqueobrônquica, os quais são transmitidos por impulsos nervosos aos centros integradores da tosse no cérebro.
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Etiologia É um sintoma comum no câncer e suas causas podem ser benignas ou malignas (Tabela 4). Tabela 4
Causas de tosse em pacientes com câncer
Cardiopulmonares
Tabagismo Asma DPOC/bronquiectasia ICC Infecções Neoplasias Carcinoma broncogênico – infiltração das vias aéreas, obstrução Distorção do parênquima/linfangite Mediastino Pleura, pericárdio Derrame pleural Fístula traqueoesofágica Paralisia de corda vocal
Esofágica
Refluxo gastroesofágico
Aspiração Induzidas por drogas
IECA Benzodiazepínicos – midazolam Meios de contraste Agentes citotóxicos: bleomicina, metotrexato, gencitabina Agentes inalatórios: ipratrópio, salbutamol
Radioterapia
Pneumonite/fibrose
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; IECA: inibidores de enzima conversora da angiotensina. Fonte: adaptada de Wilcock, 2009.7
DOR
Tratamento Æ Tratamento especíoco de causas subjacentes (Tabela 5); Æ aumentar eocácia da tosse, quando necessário (nebulização com soro osiológico, acetilcisteína); Æ supressão da tosse.
Drogas usadas para supressão da tosse no câncer Opioides Todos os opioides apresentam efeito antitussígeno, sendo a codeína o mais comum. Seu efeito é por supressão do centro da tosse (medula e centro respiratório), inibição do receptor no pulmão e em vias aéreas e diminuição de secreção. A dose utilizada é: Æ codeína: 15 a 30 mg, a cada 4 horas; Æ hidrocodona (metabólito da codeína): 5 a 10 mg, a cada 4 ou 6 horas. TABELA 5
Tratamento de causas específicas
Causa
Tratamento
Tumor endobrônquico
Corticosteroide/laser
Fístula traqueoesofágica
Prótese de esôfago
Linfangite carcinomatosa
Corticosteroide
Pneumonite actínica
Corticosteroide
Derrame pleural/pericárdico
Toracocentese/aspiração
Pneumonia por aspiração
Antibióticos/prevenção da aspiração
ICC
Diuréticos
Asma
#SPODPEJMBUBEPSFTDPSUJDPTUFSPJEF
Rinorreia posterior
Anti-histamínico
Refluxo gastroesofágico
#MPRVFBEPSEFCPNCBEFQSØUPOQSPDJOÏUJDPT
#SPORVJUFFPTJOPGÓMJDB
Corticosteroides
ICC: insuficiência cardíaca congestiva. Fonte: adaptada de Doyle et al., 2005.6
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Dextrometorfano Tem ação antitussígena central, não opioide, com potência igual à da codeína, mas com menos efeitos no trato gastrointestinal e no SNC (alucinações). Dose de 15 a 30 mg, a cada 6 horas. FADIGA RELACIONADA AO CÂNCER A sensação de fadiga afeta a todos, saudáveis ou doentes. Nos indivíduos saudáveis, a fadiga é habitualmente restaurada após descanso físico, fato que não ocorre na FRC. É considerada pelos pacientes um dos sintomas mais perturbadores e com interferência negativa sobre os parâmetros de qualidade de vida. Aproximadamente 60 a 90% dos pacientes com câncer apresentam fadiga, sendo que, naqueles com doença avançada, a prevalência desse sintoma parece ser ainda maior.12,13
Definição Sensação estressante, persistente e subjetiva de cansaço ou exaustão, relacionada ao câncer ou ao seu tratamento, que não é proporcional à atividade recente e que interfere no funcionamento habitual.14
Etiologia e avaliação No rastreamento prático, sugere-se que seja aplicada uma escala visual analógica para avaliação da intensidade do sintoma. O National Comprehensive Cancer Network (NCCN) sugere a seguinte pergunta de rastreamento na primeira consulta e periodicamente: “Como você classiocaria sua fadiga em uma escala de 0 a 10 nos últimos 7 dias?” (0 = ausência de fadiga a 10 = pior fadiga imaginável).14 Pacientes identiocados pelo rastreamento com escores iguais ou maiores que 4 necessitam de avaliação completa para detectar sintomatologia clinicamente relevante (Figura 3).14 Objetivando uma melhor avaliação do impacto da FRC sobre os desempenhos intelectual, físico, emocional e social, e também para ons de pesquisa, diversos instrumentos foram estudados e alguns podem ser
DOR
Como você classificaria sua fadiga em uma escala de 0 a 10 nos últimos 7 dias?
0a3
≥4
Anamnese + exame físico ± exames complementares Identificação da causa?
Sim
Tratar a causa da fadiga
Não
Tratamentos não medicamentosos
Tratamentos medicamentosos
t 1SPHSBNBFTUSVUVSBEPEF exercícios físicos t $POTFSWBÎÍPEFFOFSHJB t .FEJUBÎÍP JPHB PVUSBT terapias integrativas
t .FUJMGFOJEBUP FTDPMIB
t .PEBmOJM t %POFQF[JM t %FYBNFUBTPOB
FIGURA 3 Algoritmo da abordagem do paciente oncológico com fadiga.
bastante úteis. Apesar de não existir instrumento padrão-ouro para avaliação da FRC, existem, atualmente, vários questionários – com versões traduzidas para o português do Brasil – que avaliam especiocamente a fadiga e outros fatores de qualidade de vida que avaliam fadiga e outros sintomas:
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Æ instrumentos especíocos: Brief Fatigue Inventory (BFI), Fatigue Severity Scale (FSS) e Multidimensional Assessment of Fatigue (MAF); Æ instrumento genérico: European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC-QLQ-C30). A Tabela 6 exemplioca o que não pode ser esquecido durante a avaliação de um paciente com FRC.
Tratamento Identiocar causas secundárias e tratáveis de FRC (Figura 4).
Eritropoetina recombinante Æ FRC secundária à anemia com hemoglobina menor que 10 g/dL; Æ capacidade de elevar os índices hematimétricos e melhorar parâmetros de qualidade de vida dos pacientes;13 Æ aumento no risco de trombose, hipertensão e, possivelmente, estímulo à proliferação tumoral devem ser levados em consideração quando do uso desse medicamento. Fadiga e depressão muitas vezes estão associadas em um mesmo paciente. Nesses casos, o uso de antidepressivos, particularmente os inibidores da recaptação de serotonina, pode melhorar os sintomas de fadiga.
TABELA 6
O que avaliar em um paciente com fadiga relacionada ao câncer14,15
Estadiamento da doença e tratamento Descartar recidiva ou progressão do câncer Avaliar medicamentos utilizados prescritos e não prescritos pelo médico Revisão de sistemas História clínica detalhada da fadiga Início, padrão, duração Mudanças ao longo do tempo Fatores relacionados a piora e melhora Interferência nas atividades habituais (relevância da fadiga)
DOR
Depressão, ansiedade
Dor
Distúrbios do sono
Anorexia/caquexia
Anemia
Fadiga
Medicamentos
Quimioterapia/ radioterapia
Hipogonadismno e hipotireoidismo
Inatividade
Desidratação
Infecções
Insuficiências cardíacas, respiratória, hepática ou renal
FIGURA 4 Causas de fadiga relacionada ao câncer.
É importante ressaltar que duas causas tratáveis e frequentemente negligenciadas de FRC são o hipotireoidismo e o hipogonadismo.13 Quando a causa é desconhecida ou irreversível, são utilizadas intervenções com o objetivo de aliviar o sintoma, tanto medicamentosas quanto não medicamentosas.
Tratamento medicamentoso Primeira opção O metilfenidato é um psicoestimulante utilizado com frequência para melhorar a sonolência secundária ao uso de opiáceos. Uma metanálise da Cochrane mostrou que o metilfenidato melhora signiocativamente a FRC, embora o benefício seja pequeno.16 Dose: iniciar com 5 mg, VO, 1 a 2 vezes/dia (a cada 8 a 12 horas) e titular de acordo com a resposta clínica, até 15 mg, 2 vezes/dia.
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Segunda opção Os corticosteroides parecem melhorar a FRC por curto período e em alguns pacientes com FRC e doença avançada. Embora as evidências cientíocas sejam de qualidade inadequada, em função de poucos tratamentos eocazes, tanto a ESMO quanto o EPEC Projet sugerem seu uso em casos selecionados.13,15 Dexametasona 2 a 8 mg/dia, VO.
Tratamento não medicamentoso 1. Programa estruturado de atividades físicas: além de melhorar a fadiga, os pacientes frequentemente apresentam melhora do apetite, da imagem corporal, do funcionamento intestinal e da sensação de bem-estar global. Uma sugestão é a caminhada, com duração de 20 minutos/dia. O uso de bicicleta, natação e outras formas de atividade física parece proporcionar benefícios similares.13,17 2. Conservação de energia: sugere-se aos pacientes que façam, primeiro, as atividades consideradas por eles mais importantes, postergando aquelas menos relevantes. Da mesma forma, são orientados a programar suas atividades para períodos do dia quando sabidamente estão mais dispostos.13,14 3. Avaliação e tratamento de alterações nutricionais e do sono. 4. Terapias integrativas: meditação, ioga, terapia energética (polarity therapy) e terapia de restauração da capacidade de atenção. SÍNDROME DE ANOREXIA E CAQUEXIA DO CÂNCER Muitos pacientes com câncer em fase avançada apresentam anorexia e perda de peso, causa frequente de preocupação não só para o paciente, mas também para sua família. A perda de peso e a anorexia são importantes características clínicas da SACC, considerada por alguns autores a síndrome paraneoplásica mais comum.18 A SACC é secundária a uma resposta inpamatória com secreção de diferentes citocinas e catabólicos. A sobrevida dos pacientes com câncer está diretamente relacionada com
DOR
a magnitude e a velocidade da ocorrência de perda de peso.19 Além de interferir de forma signiocativa na qualidade de vida dos pacientes, a SACC é a principal causa de 20% das mortes por câncer.20
Definição20 Æ Perda de peso (>10%); Æ baixa ingesta alimentar (<1.500 kcal/dia); Æ proteína C reativa elevada (>10 mg/L). Uma forma de deonir e entender a SACC é deonir o que não é SACC:20 Æ SACC não é inanição – condição de diminuição do metabolismo secundária à diminuição importante da ingestão de alimentos e reversível com alimentação; Æ SACC não é sarcopenia – diminuição osiológica normal da massa muscular que ocorre com a diminuição da atividade física e com a idade.
Etiologia e avaliação Fatores reversíveis/tratáveis podem estar associados e contribuir para a perda de peso, devendo sempre ser investigados para um melhor tratamento dos pacientes com SACC. A Tabela 7 exemplioca as causas mais comumente relacionadas com a caquexia do câncer. Æ Avaliação nutricional inclui: 䊊
avaliação Subjetiva Global (ASG) ou Avaliação Subjetiva Global Produzida Pelo Próprio Paciente (ASG-PPP);21
䊊
testes simples e baratos também podem ser utilizados pelo nutricionista para melhor mensurar a composição corporal, como peso, altura, índice de massa corporal, avaliação das pregas cutâneas e medida da circunferência muscular do braço.
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TABELA 7
Causas secundárias da caquexia do câncer
Sociais Estresse familiar, falta de dinheiro, morar sozinho, impossibilidade de conseguir comidas preferenciais, isolamento emocional Endocrinopatias Insuficiência adrenal, hipercalcemia, hipertireoidismo, diabete melito Transtornos psiquiátricos Ansiedade, depressão, estresse espiritual, luto, alcoolismo Doença pulmonar e cardíaca ICC, DPOC Medicações Digoxina, neurolépticos, opioides, teofilina, inibidores da recaptação de serotonina (anorexia) Anticolinérgicos (xerostomia) Álcool, cigarro, opioides, tricíclicos, quimioterápicos (disgeusia e/ou diosmia) #JTGPTGPOBUPT DPSUJDPTUFSPJEFT RVJNJPUFSÈQJDPT BOUJDPMJOÏSHJDPT EJTGBHJB
Opioides, digoxina, bisfosfonatos (náusea e/ou vômito) Infecções crônicas Aids, tuberculose, doença fúngica, parasitas, endocardite bacteriana subaguda Problemas alimentares Disgeusia Dificuldades de deglutição Doença do refluxo gastroesofágico, infecção fúngica Estômago Saciedade precoce, náuseas e vômitos, úlcera péptica Intestinos Obstrução, constipação Má absorção Problemas da cavidade oral Xerostomia, dentição inadequada, doença periodontal, problemas na articulação temporomandibular, candidíase bucal Fadiga Inatividade funcional Dor ICC: insuficiência cardíaca congestiva; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica. Fonte: adaptada de MacDonald et al., 2003.
DOR
Nos pacientes em fase final de vida (últimas 72 horas de vida), a recomendação é uma anamnese nutricional simplificada, visando, essencialmente, a alívio dos sintomas, bem-estar e conforto do paciente e seu cuidador.21 Para mensurar a intensidade e o impacto da SACC na vida dos pacientes, utilizam-se EORTC QLQ-C30 e seus módulos específicos e Edmonton Symptom Assessment Scale (ESAS). Pacientes com SACC geralmente cursam com baixos níveis de albumina sérica (< 2,2 g/dL), aumento dos níveis de proteína C reativa e anemia crônica. Na ausência desses achados, deve-se sempre levantar a hipótese de causas secundárias de caquexia (Figura 4).
Tratamento A melhor maneira de tratar a caquexia do câncer é tratando efetivamente o próprio câncer e, assim, reduzir as anormalidades metabólicas induzidas pelo tumor e/ou pela interação tumor-hospedeiro. Quando o câncer não pode ser curado ou tratado de maneira eficaz, uma segunda opção óbvia seria aumentar a ingesta alimentar. Entretanto, isoladamente, essa estratégia não parece beneficiar pacientes com câncer avançado.18
Medicamentos • Acetato de megestrol (160 a 800 mg/dia, VO): melhora tanto o apetite quanto o peso corporal (em 35 a 60% dos pacientes), porém o ganho de peso observado é secundário a um aumento da gordura, e não da massa magra corporal. Acarreta pequeno aumento no risco de eventos tromboembólicos, particularmente naqueles submetidos a tratamento com quimioterápicos citotóxicos. Sua indicação é mais evidente naqueles casos com maior expectativa de vida;12,13,22 • dexametasona (2 a 8 mg/dia via oral, pela manhã): para aqueles pacientes cuja expectativa de vida é pequena (poucas semanas), ou
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naqueles com alto risco de trombose, a dexametasona é a droga de escolha, já que a chance de que esses pacientes tenham tempo para desenvolver eventos adversos crônicos ao corticosteroide é pequena.13 A eocácia relativa entre os vários corticosteroides é provavelmente equivalente. A dexametasona é escolhida por causa da menor incidência de efeitos mineralocorticosteroides. Contudo, o estímulo do apetite causado pelos corticosteroides é transitório em pacientes com doença avançada.13
Caquexia do câncer
Anamnese + exame físico ± hemograma, PCR, albumina Avaliação nutricional
Causa secundária?
Sim
Não
Expectativa de vida
SACC Semanas
Meses
Dexametasona
Acetato de megestrol
t 4BDJFEBEFQSFDPDF t %FQSFTTÍP t $POTUJQBÎÍP t 9FSPTUPNJB NVDPTJUF t /ÈVTFBTWÙNJUPT t )JQFSUJSFPJEJTNP t )JQFSDBMDFNJB t 0VUSB
¬ « « ®
FIGURA 5 Algoritmo para abordagem do paciente oncológico com caquexia. PCR: proteína C reativa; SACC: síndrome de anorexia e caquexia do câncer.
? Tratar causa
DOR
CONSTIPAÇÃO INTESTINAL A constipação ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes com câncer avançado. É mais frequente nos idosos e nos pacientes em onal da vida. No contexto de cuidados paliativos, a constipação é diagnosticada particularmente em pacientes inativos, com dieta pobre em obras e baixo consumo hídrico. Além do mais, esses pacientes estão frequentemente em tratamento com medicamentos que induzem a constipação, como opioides.12,22,23 A constipação piora a qualidade de vida dos pacientes, gerando desconforto físico e emocional.
Definição Sensação subjetiva de que o conteúdo intestinal não é evacuado em frequência e volume adequados, que a consistência das fezes é endurecida e/ou que a passagem das fezes pelo ânus acontece com desconforto.12
Etiologia e avaliação Æ Investigar o hábito intestinal apresentado pelo paciente antes do diagnóstico de câncer e comparar com o atual, em relação à frequência e às características das evacuações; Æ sempre que possível, identiocar a causa da constipação, para tratamento especíoco; Æ as causas mais comumente diagnosticadas estão exempliocadas na Tabela 8; Æ avaliar com o paciente o que ele considera hábito intestinal normal – há grande variação entre a opinião dos pacientes; o que é constipação intestinal para um pode não ser causa de desconforto para outro; Æ utilizar instrumentos com traduções para o português do Brasil: 䊊
Bristol Stool Form Scale;
䊊
Constipation Assessment Scale;
䊊
Patient Assessment of Constipation Symptoms (PAC-SYM) e Patient Assessment of Constipation Quality of Life Questionnaire (PAC-QOL).
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TABELA 8
Causas de constipação intestinal em pacientes oncológicos23,24
Orgânicas Diverticulite Neoplasia intestinal primária ou metastática Doenças retais: hemorroida, fissura anal, estenose retal actínica, distúrbios do esvaziamento do reto Doenças neuromusculares (lesão da inervação levando à atonia do intestino) Problemas endocrinológicos: hipotireoidismo, diabete melito Causas metabólicas Megacólon Funcionais Inércia colônica (trânsito lento idiopático) Uso excessivo de laxantes ou enemas Alteração da defecação Ingesta hídrica insuficiente #BJYPDPOTVNPEFmCSBTBMJNFOUBSFT Inatividade física Problemas ambientais Incapacidade para utilizar o sanitário sem assistência Falta de privacidade Medicamentosas Opioides Agentes antineoplásicos – alcaloides da vinca (vincristina, vimblastina, vinorelbina), oxaliplatina, taxanos (paclitaxel, docetaxel), talidomida Antibióticos Anticolinérgicos Anti-hipertensivos Anticonvulsivantes Antidepressivos tricíclicos Antiparkinsonianos Diuréticos Neurolépticos Antiácidos (hidróxido de alumínio) Suplementos vitamínicos de ferro e cálcio
DOR
Tratamento Æ Proolaxia em pacientes usando opioides: 䊊
laxante estimulante ± laxante emoliente (p.ex., associação de bisacodil ou sene + docusato)22 ou de um laxante osmótico (p.ex., lactulose).24 O melhor regime terapêutico para tratamento da constipação intestinal ainda não está bem deonido. As diferentes classes de laxantes estão exempliocadas na Tabela 9;
䊊
estímulo à ingesta hídrica;
䊊
estímulo à atividade física;
Æ pacientes em uso de morona que estejam com mobilidade diminuída e/ ou com ingesta reduzida de líquidos: recomenda-se não utilizar forma-
TABELA 9
Diferentes classes de laxantes para uso prático24
Classe de laxantes
Mecanismo de ação
Medicamentos
Osmóticos
Osmoticamente, causam retenção de fluidos no
Lactulose, hidróxido de
lúmen intestinal, estimulando o peristaltismo
magnésio, polietilenoglicol
Aumentam o peristaltismo pela estimulação dos
#JTBDPEJM QJDPTTVMGBUPEF
nervos entéricos e pelo aumento da secreção de
sódio, sene
(PEG) Estimulantes
água e eletrólitos pela mucosa intestinal Emolientes e
Aumentam a penetração de água e amolecem
Óleo mineral, docusato,
lubrificantes
as fezes
parafina líquida
Estimulam o plexo mioentérico intestinal,
Metoclopramida,
aumentando o peristaltismo
domperidona, bromoprida
Procinéticos Antagonistas opioides
#MPRVFJBNQFSJGFSJDBNFOUFPTSFDFQUPSFT-opioides Metilnaltrexona
Formadores de bolo
Retenção de água na luz intestinal, aumentando
Psílio, metilcelulose
o volume das fezes e, assim, estimulando o peristaltismo Lubrificantes retais
Lubrificam a mucosa retal e, por estímulo local, Supositório de glicerina, amolecem as fezes, facilitando sua evacuação
óleo mineral enema, fosfato enema, bisacodil supositório
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dores de bolo fecal, como o psílio e a metilcelulose, pois podem piorar a constipação e induzir quadros de obstrução intestinal;24 Æ o toque retal é essencial para o diagnóstico de impactação fecal com necessidade de extração manual. Nos casos de constipação intestinal com ausência de fezes ao toque retal, recomenda-se o uso empírico de enemas com sonda retal ou avaliação com radiograoa de abdome. Na ausência de cólon cheio de fezes à radiograoa, outros diagnósticos devem ser aventados; Æ evitar a realização de toque retal em pacientes com plaquetopenia e/ou neutropenia, salvo em situações de extrema necessidade; Æ sempre descartar o diagnóstico de obstrução intestinal, com anamnese/exame físico e exames de imagem; Æ não usar óleo mineral nas situações em que haja risco aumentado de broncoaspiração, na tentativa de evitar a ocorrência de pneumonia lipoide;24 Æ considerar troca de opioides em casos de constipação de difícil controle secundária ao uso de opioides. Na prática, a troca de morona por fentanila transdérmica ou por metadona costuma ser eocaz; Æ considerar o uso de metilnaltrexato nos casos de constipação induzida por opioides de difícil tratamento. NÁUSEAS E VÔMITOS Náuseas e vômitos são sintomas comuns em pacientes com câncer avançado, afetando aproximadamente 33% deles.25 Comumente, geram desconforto e interferem negativamente na qualidade de vida dos pacientes.12 Aqueles em cuidados paliativos com câncer avançado são particularmente vulneráveis a desidratação e desequilíbrio eletrolítico.12
Definição Vômito é a eliminação do conteúdo gástrico pela boca, causado pela contração forçada e sustentada da musculatura abdominal e do diafragma. Náusea é a sensação desconfortável de necessidade de vomitar.12
DOR
Constipação
• Anamnese + exame físico (com toque retal) • Estimular ingesta de fibras e prática de atividade física
1ª Laxante osmótico (p.ex., lactulona, VO, 2 a 3 vezes/dia)
Reavaliação em 48 horas Evacuação?
Sim
Não
Ausência de fezes no TR
Rx simples de abdome
Cólon “vazio”
Cólon “cheio”
Reavaliar diagnóstico
Estimulantes ± enemas com sonda retal
Toque retal (TR)
Impactação fecal
Fezes endurecidas
Fezes amolecidas
↑ Laxante osmótico ou trocar
+ Laxantes estimulantes
Reavaliação em 72 horas Evacuação?
Sim
Não
Supositório de bisacodil
Figura 6 Algoritmo para manejo dos pacientes oncológicos com constipação intestinal.
VO: via oral; Rx: raio X.
Enema ± extração manual
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Etiologia e avaliação Sua origem é multifatorial.12 A Figura 7 mostra as causas gerais mais comuns, de forma a agrupar etiologias com mecanismos semelhantes e que possam direcionar o tratamento (Tabela 10). É necessário determinar clinicamente a relevância dos vômitos (grau de desidratação, sinais de hipoperfusão sanguínea, desequilíbrio eletrolítico).
Tratamento O tratamento das náuseas e dos vômitos será mais eocaz se direcionado para a correção das causas. A Tabela 11 descreve os medicamentos mais utilizados e suas respectivas posologias e vias de administração. LINFEDEMA NO CÂNCER AVANÇADO O linfedema é uma complicação com grande impacto negativo na qualidade de vida do paciente em cuidados paliativos. Acarreta incômodos físicos, como diminuição na amplitude de movimento, sobrepeso do membro afetado e assimetria na composição corporal.
Estase gástrica
Metabólica
Ansiedade
Náuseas e vômitos
Obstrução intestinal Dismotilidade
Pressão intracraniana elevada
FIGURA 7 Causas mais comuns de náuseas e vômitos em pacientes com câncer.
Vestibulopatia
Neuropatia paraneoplásica
RHA normais ou diminuídos
Metástases cerebrais Uso de opioides
Pode ter sinais neurológicos
Náusea e vômito
Agravada pelo movimento da cabeça
elevada
Vestibulopatia
Ausência de flatulência ou movimentos intestinais
RHA: ruídos hidroaéreos; 5-HT3: 5-hidroxitriptamina 3; NK1: neurocicina 1.
Ansiedade associada
Náusea e vômito intermitente
Ansiedade
Proclorperazina
Tricíclicos
Benzodiazepínicos
-histamínico, ocreotide, levomepromazina
Bridas, constipação intestinal
Completa: dor em cólica e constante
Completa: haloperidol, corticosteroides, anti-
Algum movimento intestinal
dismotilidade
Ascite
aumentado na obstrução parcial
intestinal/
Parcial: metoclopramida e corticosteroides
proclorperazina
Prometazina, meclizina, dimenidrinato,
Corticosteroides
dexametasona (qt)
antagonistas 5-HT3 (qt), antagonistas NK1 (qt),
Proclorperazina, haloperidol, levomepromazina,
Bromoprida
Domperidona
Carcinomatose peritoneal
Parcial: RHA diminuído em caso de íleo,
Obstrução
Ansiedade
Tratamento Metoclopramida
Câncer intestinal
Doenças vestibulares
Meningite carcinomatosa
secundários
Tumores cerebrais primários ou
Piora pela manhã
nal, uso de opioides, quimioterapia
Agravado pelo cheiro da comida
Náusea e vômito
uropatia obstrutiva, obstrução intesti-
Pouca melhora após o vômito
intracraniana
Hipercalcemia, metástases hepáticas,
Náuseas predominantes
Medicamentos (opioides)
Pressão
Metabólica
compressão gástrica
Náusea melhora após o vômito Neuropatia diabética
Hepatomegalia ou ascite com
Piora com alimentação
Causas Câncer de estômago
Quadro clínico
Náuseas predominantes
Síndrome
Estase gástrica
Tabela 10 Principais síndromes associadas a náuseas e vômitos em pacientes oncológicos em cuidados paliativos25
DOR 521
522
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TABELA 11
Medicamentos comumente utilizados para tratamento de náuseas e vômitos e suas respectivas posologias e vias de administração
Medicamento Metoclopramida
Posologia 10 mg, a cada 6 ou 8 horas (até 0,5 mg/kg/dia), VO/SC/IV 40 a 100 mg/24 horas CSCI
Haloperidol
1,5 a 5 mg/24 horas VO/SC (preferencialmente à noite)
Levomepromazina
6 a 12,5 mg VO/SC até 4 vezes/dia (preferencialmente à noite)
Dexametasona
4 a 16 mg VO/SC/IV
Ondansetrona
8 mg VO/SC/IV 3 a 4 vezes/dia
Octreotide
100 μg 4 vezes/dia SC, 250 a 1.200 μg/24 horas CSCI
#SPNPQSJEB
40 a 60 mg/24 horas em 3 ou 4 tomadas
Clorpromazina
10 a 25 mg a cada 4 a 6 horas VO; 25 a 50 mg, 3 a 4 vezes/dia IM
Meclizina
25 a 100 mg/24 horas VO
2,5 a 10 mg/24 horas CSCI
CSCI: via subcutânea em infusão contínua (infusão por hipodermóclise); IM: via intramuscular; IV: via intravenosa; SC: via subcutânea; VO: via oral.
Definição É o acúmulo anormal de líquido rico em proteínas no espaço intersticial decorrente da drenagem linfática deociente. Causa sofrimento, desconforto permanente e prejuízos funcionais, levando a problemas musculoesqueléticos secundários e distúrbios psicológicos causados pela desoguração.26
Classificação26 Æ Primário: ocorre quando há malformação congênita e insuociência das vias linfáticas; Æ secundário: consequência de danos externos que impedem a função linfática. Frequentemente relacionado com o câncer. Entre as causas, destacam-se a remoção cirúrgica de linfonodos, a formação de obrose causada pela radioterapia e a invasão tumoral direta.
Etiologia e avaliação Para que o tratamento paliativo seja eocaz, é necessária avaliação detalhada, que inclui:27
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Æ causa, duração, localização e progressão do linfedema; Æ condições da pele e dos tecidos, incluindo a presença de infecção e feridas; Æ estágio da doença e tratamento médico; Æ medicações recentes; Æ impacto do linfedema na qualidade de vida; Æ dor e desconforto.
Tratamento Tratamento farmacológico O tratamento farmacológico do linfedema em câncer avançado depende da causa. Os fármacos utilizados são:28 Æ corticosteroides: o mecanismo de ação proposto é a redução da inpamação e, consequentemente, do edema, podendo aliviar a pressão sobre estruturas vizinhas, como vasos linfáticos, veias e nervos; Æ diuréticos: são utilizados se a causa do linfedema for retenção de líquidos; Æ analgésicos: pacientes com dor associada ao linfedema podem se beneociar do uso de analgésicos.
Tratamento não farmacológico A osioterapia tem um papel importante no controle do linfedema, com o objetivo de diminuí-lo. Em alguns casos, quando a diminuição do linfedema não é possível, vale a pena tratar para oferecer conforto e bem-estar ao paciente. O tratamento pode ser realizado por meio de cuidados com a pele, uso de bandagens elásticas, realização de drenagem linfática manual, mobilização passiva e ativa das articulações dos membros afetados e orientações. Cuidados com a pele Os cuidados com a pele do membro afetado são muito importantes e têm o objetivo de prevenir infecções debilitantes. Os cuidados incluem lavar e secar cuidadosamente o membro, de preferência todos os dias. O uso de
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cremes hidratantes e aquosos e a prevenção de traumas são essenciais. Se a pele está muito fina, seca e frágil, como resultado do edema e de falta de cuidados, o uso de compressão elástica, por causa das forças de ruptura quando se coloca e retira a peça, pode ser prejudicial.28 Uso de bandagens elásticas As bandagens devem ser colocadas diariamente e removidas durante a noite. Quando forem de baixa compressão, podem ser deixadas por mais de um dia, mas a condição da pele precisa ser verificada regularmente, em particular se houver sensação de pele prejudicada.28 Drenagem linfática manual A drenagem linfática manual é muito utilizada para o controle do linfedema. Ela direciona o edema para vias que se mantêm íntegras e este pode, então, ser reabsorvido. É utilizada para os linfedemas de membros superiores e inferiores e também faciais.27,28 Exercícios físicos Os exercícios podem ser realizados com mobilização passiva e ativa das articulações dos membros afetados cuidadosamente adaptados de acordo com as habilidades e condições gerais dos pacientes, com o objetivo de evitar rigidez, reduzindo o desconforto e melhorando a função.27,28 Orientações O paciente deve ser orientado a sempre posicionar o membro edemaciado adequadamente elevado durante o repouso. Ascite maligna A ascite é uma manifestação comum em uma variedade de cânceres em sua fase avançada, estando associada à significativa morbidade, interferindo na qualidade de vida dos pacientes e determinando um prognóstico ruim.
DOR
Nesses casos, os tumores mais comumente diagnosticados são cânceres de ovário, colorretal, estômago, mama, endométrio, esôfago, pulmão, pâncreas, hepatobiliar e os primários de peritônio.29
Definição Acúmulo patológico de líquido excessivo no interior da cavidade peritoneal.30
Etiologia e avaliação O desenvolvimento de ascite é multifatorial. A ascite é diagnosticada por meio de exame físico e exames de imagem. Paracentese com retirada de 10 a 20 mL pode diagnosticar/conormar sua presença. É essencial calcular o gradiente albumina soro-ascite (GASA)13: GASA = valor da albumina sérica – valor da albumina do líquido ascético. Se GASA Ó 1,1 g/dL, a ascite é secundária, pelo menos em parte, à hipertensão portal; se GASA <1,1 g/dL, caracteriza ausência de hipertensão portal. A citologia do líquido ascítico é positiva em quase 100% dos pacientes com carcinomatose peritoneal.13 No entanto, apenas 2/3 dos pacientes com ascite maligna apresentam carcinomatose peritoneal como causa. A sensibilidade da citologia é de 58 a 75%.31 O padrão-ouro para o diagnóstico de ascite maligna é a presença de células tumorais no líquido ascítico.
Tratamento O tratamento da ascite maligna é multidisciplinar e o tratamento do tumor primário com terapia antineoplásica deve ser sempre considerado. Paracentese e diuréticos são os procedimentos mais utilizados no tratamento de ascite maligna, seguidos por shunts peritoneais, medidas dietéticas e outros.13 Dieta hipossódica é o primeiro passo para o tratamento de ascite, pois reduz a retenção de água associada e ajuda a diminuir o edema. Restri-
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ção de sódio a longo prazo tem sido eocaz para reduzir a recorrência e prolongar o período livre de sintomas.13 Os diuréticos são particularmente úteis nos casos com hipertensão portal (GASA Ó 1,1). Uma sugestão é manter uma relação de espironolactona:furosemida de 4:1. Posteriormente, devem-se ajustar as doses e a relação em função da resposta clínica, dos níveis séricos de potássio e do grau de hidratação. Doses: espironolactona (100 a 400 mg, VO), furosemida (40 a 240 mg, VO)13. Nas paracenteses, o alívio temporário dos sintomas relacionados ao acúmulo de puido é obtido em 90% dos pacientes. Até 5 litros de líquido podem ser retirados em 1 hora durante a paracentese sem o risco de alterações clinicamente signiocativas no volume de plasma ou na função renal. Reduções signiocativas nos níveis de proteínas séricas têm sido associadas com paracentese terapêutica. Hipoalbuminemia pode ser minimizada quando é complementada com dieta rica em proteína combinada com frequentes pequenas remoções de ascite maligna.
Shunts peritoneovenosos Æ Shunt LeVeen; Æ derivação de Denver.
Cateter de Tenckhoff Este cateter é colocado cirurgicamente através da parede do abdome para servir de ponto de entrada e saída das soluções de diálise na cavidade peritoneal. Existem vários métodos de posicionamento. Orientação por ultrassom é utilizada para a inserção segura. A infecção é uma complicação frequente. Peritonite e sepse são contraindicações.32 OBSTRUÇÃO INTESTINAL MALIGNA A obstrução intestinal maligna (OIM) é uma complicação comum em pacientes oncológicos, particularmente naqueles com câncer de ovário,
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colorretal e estômago. A incidência de OIM em pacientes com câncer colorretal é de 10 a 28%. Em mulheres com câncer ovariano, a incidência pode chegar a 42% dos casos, sendo, inclusive, a maior causa de óbito em mulheres com câncer ginecológico.12
Definição Obstrução funcional ou mecânica do progresso de líquido e comida pelo trato gastrointestinal.12
Etiologia e avaliação A etiologia pode ser benigna em 10 a 48% dos casos na cirurgia (aderências, enterite actínica) ou maligna (sítio único ou múltiplo) e a obstrução pode ser parcial ou completa. O quadro clínico apresenta piora gradual de cólicas abdominais, náuseas, vômitos e distensão abdominal que melhoram com a passagem de fezes. O local da obstrução pode ser avaliado pelo exame clínico e, mais precisamente, determinado por exame radiológico (radiograoa simples ou contrastada, tomograoa computadorizada e endoscopia digestiva). A tomograoa computadorizada tem precisão de 94% na determinação da causa da obstrução.33 A obstrução alta está localizada no estômago, duodeno, pâncreas ou jejuno; é precedida de vômitos precoces e em grande quantidade. É causa importante de desidratação ou alterações metabólicas.
Tratamento 1. Sonda nasogástrica (SNG) pode ser usada para descomprimir o trato gastrointestinal, especialmente em casos avaliados para uma possível cirurgia paliativa. Além de criar um desconforto considerável, o uso de SNG prolongado pode associar-se a erosão da cartilagem nasal, otite, sinusite, pneumonia, esofagite e hemorragias.12 O uso a longo prazo da SNG não deve ser considerado de forma rotineira, com uma única exceção clínica: contraindicação para gastrostomia em associação com a ineocácia da farmacoterapia.33
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2. Inserção de um tubo de gastrostomia por via endoscópica é um método seguro para amenizar os sintomas sem os riscos da cirurgia ou os incômodos de uma SNG. 3. Pacientes com carcinomas colorretais que apresentam obstrução do cólon direito ou transverso são tradicionalmente submetidos a hemicolectomia direita e anastomose primária. Aqueles com obstrução do cólon esquerdo geralmente são tratados com operação única ou em duas fases. Estoma permanente é o tratamento-padrão para obstrução intestinal maligna causada por tumores irressecáveis. Embora este seja o padrão de tratamento, a criação de estoma tem algumas limitações, como impacto negativo no bem-estar psicossocial dos pacientes. Pacientes com câncer avançado geralmente apresentam desempenho clínico ruim, comorbidades signiocativas e expectativa de vida limitada. 4. Bypass (entero-enteroanstomoses, enterocólon anastomoses, ostomias) depende do sítio e do tipo da obstrução. A cirurgia paliativa deve ser considerada quando os sintomas obstrutivos não se resolverem em 72 horas. 5. Estratégias intervencionistas não operatórias: stents metálicos autoexpansíveis podem ser inseridos, utilizando-se técnicas radiológicas endoscópicas e intervencionistas, com a intenção de amenizar a obstrução. Em geral, a inserção de stents tem taxa de sucesso paliativo de 90% e taxa de mortalidade superior a 1%.33 Contraindicações para a colocação de stents são a presença de estenoses múltiplas e carcinomatose peritoneal.33
Contraindicações para cirurgia paliativa em pacientes com OIM Æ Obstrução intestinal por carcinomatose peritoneal difusa; Æ paracenteses frequentes; Æ massas abdominais palpáveis ou envolvimento do fígado; Æ metástases a distância (principalmente pulmonares); Æ inadequado desempenho clínico (performance status);
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Æ metástases extra-abdominais causando sintomas de difícil controle (p.ex., dispneia).
Tratamento farmacológico na OIM não operável33 Consiste, principalmente, na associação de antieméticos, drogas antissecretoras e analgésicos. Vômitos podem ser controlados com drogas antieméticas de efeito central ou com drogas anticolinérgicas que reduzem as secreções gastrointestinais. As vias de administração são a parenteral e SC: Æ procinéticos: metoclopramida (60 a 240 mg/dia, IV/SC) para pacientes com obstrução parcial e sem cólica. Nos casos de obstrução intestinal completa não devem ser usados; Æ neurolépticos: haloperidol: 5 a 15 mg/dia, IV/SC; Æ anti-histamínicos (ciclizina): 100 a 150 mg/dia; Æ dexametasona: 6 a 16 mg/dia, IV/SC; Æ análogos da somatostatina (octreotide): 50 a 100 mcg, SC, a cada 8 horas ou 10 mcg/hora IV/SC, infusão contínua. No tratamento da dor, a preferência é por drogas lipofílicas, como metadona e fentanila transdérmica, com menor incidência de constipação intestinal. DELIRIUM O delirium é uma condição médica comum, pouco diagnosticada e subtratada. É habitualmente reversível, exceto nos pacientes em fase onal da vida. A identiocação precoce desse diagnóstico é importante por causa da morbidade e da mortalidade relacionadas a essa situação clínica. É diagnosticado em 10 a 40% dos pacientes internados e em 28 a 83% dos doentes com câncer em fase terminal.34
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Definição Síndrome neuropsiquiátrica comum e grave que cursa com déocit agudo da atenção e da função cognitiva.
Etiologia e avaliação Pode ser multifatorial, decorrente de: Æ comprometimento estrutural no cérebro: processos expansivos intracerebrais, traumatismo, edema e hemorragia subdural; Æ distúrbios hidroeletrolíticos; Æ distúrbios metabólicos: hipo ou hiperglicemia, uremia, insuociência hepática, hipo ou hipertireoidismo; Æ dor; Æ abuso ou privação de drogas; Æ privação ou transtornos do sono. Em qualquer forma de delirium, o paciente tem desorganização do pensamento, déocit de atenção, putuação do quadro clínico em curto intervalo e um fator orgânico desencadeador. De acordo com os sintomas que predominam, o delirium pode ser subclassiocado como hiperativo, hipoativo ou misto.
Delirium hiperativo Predominam os sintomas de ansiedade, agitação psicomotora, insônia e pesadelos que podem preceder o delirium (alterações visuais eôou auditivas).
Delirium hipoativo Predominam a sonolência e os sintomas depressivos.
Delirium misto Alternância dos sintomas das formas hiperativa e hipoativa.
DOR
O Confusion Assessment Method (CAM) é o método mais simples de identiocar delirium (Tabela 12). Consiste em observar alterações no nível de consciência, pensamentos desordenados e distúrbio da atenção de início agudo e putuante (Tabela 13).35
TABELA 12
Versão em português do Confusion Assessment Method (CAM)
Critérios
Características
Critério I
Início agudo: há evidência de mudança aguda do estado mental de base do paciente
Critério II
Distúrbio de atenção: o paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, p.ex., distraiu-se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito
Critério III
Pensamento desorganizado
Critério IV
Alteração do nível de consciência: o paciente pode estar vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assusta-se facilmente), letárgico (sonolento, facilmente acordável), em estupor (dificuldade para despertar) ou em coma
Alterações
Desorientação temporal ou espacial
associadas
Alteração de memória Alterações de percepção (alucinações visuais ou auditivas) Retardo psicomotor ou agitação Ciclo sono-vigília alterado
Obs.: O diagnóstico de delirium é feito se o paciente apresenta: critérios I, II e III ou critérios I, II e IV.
TABELA 13
Diagnóstico diferencial do estado confusional
Características
Delirium
Demência
Depressão
Início
Agudo
Insidioso
Rápido
Curso
Flutuante
Crônico lento
Progressivo
Desorientação
Precoce
Tardia
Não perde orientação
Atenção
Alterada
Mantida
Alterada
Alucinações
Frequente
Tardiamente
Não acontecem
“Dificuldades”
Não têm referência
Minimizadas
Supervalorizadas
Atividades
Não percebidas
Engajamento
Não realiza as tarefas
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Tratamento Tratamento medicamentoso Haloperidol (droga de escolha) Na dose de 0,25 a 1 mg, podendo ser repetida a cada 20 a 30 minutos, tomando-se o cuidado para não exceder 3 a 5 mg. As vias podem ser VO, SC, IM e IV, mas a oral é preferida em função de sua farmacocinética favorável. Nos casos de emergência, quando o paciente está muito agitado, opta-se pelas vias parenterais e, assim que possível, retorna-se a administrar a droga por via oral para a manutenção. A dose de manutenção deve ser a metade daquela utilizada para tirar o paciente da fase de agitação, distribuída nas 24 horas seguintes. Essa dose deve ser administrada por alguns dias até o controle dos sintomas e a correção/tratamento do fator desencadeante. Olanzapina Quando as reações extrapiramidais (efeito colateral dos neurolépticos) são importantes, opta-se pela olanzapina (5 a 10 mg, VO), que é um neuroléptico atípico com a desvantagem do elevado custo. Midazolam Se houver persistência da agitação psicomotora após o uso de neurolépticos, pode-se utilizar o midazolam, benzodiazepínico de curta duração, não excedendo 30 mg em 24 horas.36
Tratamento não medicamentoso Todos os pacientes com delirium devem ser reorientados verbalmente e com auxílio de instrumentos, como calendários, relógios, posicionamento das camas perto de janelas, acompanhamento dos familiares ou ocar próximos do posto de enfermagem. Além disso, deve-se evitar a contenção física e aplicar medidas de higiene do sono, a om de evitar o uso de benzodiazepínicos, que podem ser a causa dessa síndrome (Figura 8). A participação da equipe multidisciplinar é recomendada.
DOR
Confusão mental, alteração da atenção, desorganização do pensamento, alteração do nível de consciência
Suspeita de delirium
CAM
Identificar causas
Controlar sintomas
Para todos
t %ÏmDJUTDPHOJUJWPT t %ÏmDJUTTFOTPSJBJT t %FTJESBUBÎÍP t %FTOVUSJÎÍP t %SPHBT t %PFOÎBIFQÈUJDB renal ou neurológica t %PFOÎBTUFSNJOBJT t *OGFDÎÜFT PVUSBT
t 3FPSJFOUBÎÍPOP tempo e espaço t &ODPSBKBSQSFTFOÎB da família t )JHJFOFEPTPOP t "UJWJEBEFTGÓTJDBTF mobilidade t 6TPEFØDVMPT aparelhos auditivos, entre outros
Para agitação presente
Haloperidol: 0,25 a 1 mg, IM ou IV ou VO, a cada 10 a 30 min até a dose de 3 a 5 mg em 24 h A manutenção deve ser feita com metade da dose utilizada para controle dos sintomas distribuída nas 24 h
Tratamento específico
FIGURA 8 Algoritmo do manejo de pacientes oncológicos com delirium. CAM: Confusion Assessment Method.
DEPRESSÃO Pacientes diagnosticados com doença grave (p.ex., câncer) têm grande chance de vivenciar períodos de tristeza e ansiedade intensos. Esses sentimentos, em geral, permanecem por dias a semanas, diminuindo
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posteriormente durante um processo variável de adaptação psicológica (enfrentamento). Entretanto, em um número considerável de pacientes, esses sentimentos persistem por tempo prolongado, gerando quadros de depressão clinicamente signiocativa. Estima-se que a incidência de depressão em cuidados paliativos seja em torno de 75%.37
Definição Depressão é um transtorno do humor que cursa com sentimento de tristeza, perda de interesse e prazer, fadiga e perda de energia, desesperança, alteração do sono e do apetite, inquietação e sintomas somáticos como dores que geram angústia e são difíceis de paliar se não forem reconhecidos precocemente, o que interfere na qualidade de vida.
Etiologia e avaliação Quando os pacientes são informados por seus médicos sobre suas reais condições físicas, há uma redução da incidência de depressão. “Depressão maior” tem seu diagnóstico feito pela presença de humor deprimido ou pela perda de interesse por quase todas as atividades, ou ambas, por pelo menos duas semanas, acompanhada por três ou quatro dos sintomas listados a seguir (DSM-IV): Æ insônia ou hipersonia; Æ sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva; Æ fadiga ou perda de energia; Æ diminuição da capacidade de pensar ou se concentrar; Æ alteração substancial no apetite ou peso; Æ agitação psicomotora ou retardo mental; Æ pensamentos de morte ou suicídio recorrentes. Existem várias escalas que podem ser usadas para auxílio no diagnóstico de depressão e ansiedade, entre elas: escala de Beck, escala de Hamilton
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e escala hospitalar de ansiedade e depressão (HADS). A HADS foi validada em língua portuguesa para o Brasil por Botega (1998),38 é de fácil manuseio e de rápida execução em pacientes hospitalizados. Pode ser autoadministrada ou aplicada pelo entrevistador. A avaliação multidisciplinar do paciente auxilia no reconhecimento e no acompanhamento, diminuindo a angústia e os sintomas relacionados a essa condição psiquiátrica, pois os sintomas depressivos frequentemente são admitidos como uma reação normal dos pacientes com doenças incuráveis, pelos proossionais da saúde e seus familiares.
Tratamento Tratamento medicamentoso As drogas de escolha são os antidepressivos. Para o início do efeito terapêutico desejável, há uma demora de aproximadamente 10 dias de uso contínuo. Costuma-se escolher o antidepressivo por seu efeito colateral ou efeito adicional, que muitas vezes é desejado para alguns pacientes. Por exemplo, a mirtazapina, que estimula o apetite; os tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina), que atuam nas dores neuropáticas, na instabilidade do detrusor e na insônia; os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (puoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram, escitalopram), que são seguros para os pacientes com cardiopatias; a bupropiona, que ajuda diminuir a avidez pelo cigarro; e a venlafaxina (biciclico), escolhida para pacientes com perol ansioso. Também pode ser utilizada uma medicação psicoestimulante, que é o metilfenidato (Tabela 14).39
Tratamento não medicamentoso Æ A eletroconvulsoterapia e fototerapia são alternativas de tratamento para a depressão; Æ a psicoterapia é indicada para todos os pacientes, como técnica auxiliar; Æ devem-se estimular atividades junto com algum amigo ou familiar, ajustar o tempo de sono do paciente, inserir o paciente em grupos de apoio.
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TABELA 14
Principais medicamentos antidepressivos utilizados para tratamento de pacientes em cuidados paliativos
Nome
Dose inicial
Dose-alvo
Outras indicações
Inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina Citalopram
10 mg
20 a 40 mg
Neuropatia diabética, depressão pós-AVC, transtorno do pânico
Escitalopram
5 a 10 mg
10 a 20 mg
Neuropatias, depressão pós-AVC, transtorno do pânico
Fluoxetina
10 mg
20 a 40 mg
#VMJNJB
Paroxetina
10 mg
10 a 40 mg
Transtorno do pânico, cefaleia, ejaculação
Sertralina
25 mg
50 a 200 mg
precoce e fobias Transtorno do pânico e ejaculação precoce
Antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos Nortriptilina
10 mg
20 a 100 mg
Síndrome do intestino irritado, dor neuropática e transtorno do pânico
Mirtazapina
7,5 mg
15 a 45 mg
Ansiedade, insônia e perda de peso
Inibidor seletivo da recaptação de serotonina e noradrenalina Venlafaxina
12,5
75 mg
Desordem de ansiedade generalizada,
37,5 mg
75 a 150 mg
dor neuropática
(de longa duração)
(de longa duração)
Antagonista serotoninérgico/inibidor de recaptação de serotonina Trazodona
25 a 50 mg
50 a 200 mg
Insônia
Inibidores da recaptação de dopamina-noradrenalina #VQSPQJPOB
75 mg
100 mg
Anorgasmia, cessão de tabagismo
150 mg (de longa duração) Psicoestimulante Ritalina
2,5 a 5 mg
5 a 10 mg
Transtorno de déficit de atenção
AVC: acidente vascular cerebral.
ANSIEDADE Pacientes com câncer e seus familiares frequentemente experimentam ansiedade, envolvendo seus medos e incertezas sobre o futuro. Os transtornos de ansiedade estão entre os transtornos psiquiátricos mais frequentes na
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população geral, com prevalências de 12,5% ao longo da vida e em até mais de 80% em pacientes com câncer.40
Definição Ansiedade é um transtorno do humor caracterizado por uma experiência subjetiva de hiperalerta, pânico, horror, medo ou terror. É uma emoção desagradável, podendo trazer sensação de morte ou colapso iminente. É direcionada em relação ao futuro.41
Etiologia e avaliação Apesar de causar considerável sofrimento e implicações clínicas relevantes, pelo menos 1/3 dos pacientes acometidos por transtornos do humor não são assim reconhecidos por seus médicos. Além disso, certos sintomas “vegetativos” (fadiga, insônia, taquicardia, dispneia, anorexia, diminuição da libido, entre outros) podem ser decorrentes de patologia tanto orgânica quanto mental, confundindo o diagnóstico. Os indivíduos com ansiedade apresentam preocupações excessivas, inquietação, fatigabilidade, déocit de atenção, “branco na mente”, irritabilidade, tensão muscular e transtornos do sono. Podem-se utilizar diferentes escalas de avaliação clínica, como a escala de ansiedade de Hamilton, a escala de ansiedade de Beck, a escala clínica de ansiedade (Clinical Anxiety Scale – CAS), a escala breve de ansiedade (BAS), entre outras. O serviço deve adotar aquela que melhor se adequar à sua equipe. A avaliação em conjunto com os diferentes proossionais é valiosa, tendo em vista a dioculdade de reconhecer e diferenciar o diagnóstico de ansiedade com sintomas desenvolvidos pelo avanço de doenças terminais.
Tratamento Tratamento medicamentoso Medicações de primeira escolha são os benzodiazepínicos, que reduzem a ansiedade de forma rápida, atingindo concentração máxima plasmá-
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tica em 1 hora. Entre eles, estão diazepam, alprazolam, clonazepam e lorazepam (Tabela 15). A dose deve ser sempre a menor que promova alívio dos sintomas. Também é possível associar antidepressivos, sendo de escolha os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, mas lembrando que os efeitos terapêuticos se iniciam a partir do décimo dia do início do tratamento.
Tratamento não medicamentoso No tratamento do quadro de ansiedade, a psicoterapia deve ser indicada, destacando-se, entre as técnicas, a terapia cognitivo-comportamental. A prescrição de atividades físicas orientadas, como acupuntura, massoterapia e musicoterapia, também é indicada, visando ao relaxamento.
TABELA 15
Medicamentos benzodiazepínicos mais utilizados para tratamento de pacientes com transtorno de ansiedade em cuidados paliativos
Medicamento
Dose média (mg)
Alprazolam
1a2
Clonazepam
0,5 a 1,5
Lorazepam
2a6
Diazepam
10 a 20
CASO CLÍNICO Paciente do sexo masculino, 58 anos de idade, previamente hígido, trabalhador rural, diagnosticado há cinco meses com um carcinoma de pulmão estádio cT2N3M1 (metástases hepáticas). No dia 17 do terceiro ciclo de quimioterapia paliativa com paclitaxel e carboplatina, o paciente foi levado ao serviço médico de urgência com quadro de estado confusional agudo. A esposa referia que ele começou a apresentar mudança no ciclo de sono-vigília há aproximadamente 15 dias, juntamente com o início de morona para dores torácicas. Posteriormente, evoluiu com
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confusão mental e períodos de agitação psicomotora. Estava há 10 dias sem evacuar e apresentando vômitos. Ao exame físico, o paciente tinha evidente desorganização do pensamento, déocit de atenção e agitação. Estava desidratado e descorado. O toque retal mostrou impactação fecal, tratada com extração manual de fecaloma. Diante de um quadro de delirium, foi prontamente iniciada investigação quanto à etiologia. Entre as possíveis causas, aventou-se a possibilidade de metástases cerebrais, hipercalcemia, toxicidade medicamentosa (opioides), constipação intestinal, desidratação ou mesmo alguma infecção. O cálcio sérico elevado (14,4 mg/dL) foi considerado a causa principal. A constipação foi interpretada como secundária à hipercalcemia e ao uso de opioides. O paciente foi tratado com pamidronato (90 mg, IV) e hidratado com soro osiológico (3 L/dia). Os vômitos melhoraram com metoclopramida (10 mg, IV, a cada 6 horas) e haloperidol (1 mg, IV, a cada 8 horas). Após 72 horas da administração do bisfosfonato, o paciente já estava acordado e conversando. Foi iniciado uso de lactulose VO na dose de 30 mL/dia para proolaxia de constipação intestinal. Os exames de reavaliação mostraram progressão da neoplasia no pulmão, no fígado e aparecimento de metástases ósseas. O paciente não possuía mais desempenho clínico para uma segunda linha de quimioterapia e continuou com cuidados paliativos exclusivos. Atualmente, tem dispneia e tosse seca controladas com morona VO (180 mg/dia). Encontra-se em seu domicílio, acompanhado da esposa e dos olhos, com visitas domiciliares regulares da equipe de cuidados paliativos e adequado controle de sintomas. CONCLUSÃO Os pacientes com câncer avançado apresentam sintomas debilitantes que podem afetar de forma importante sua qualidade de vida, gerando desconforto físico, psíquico e espiritual. O conhecimento desses sintomas ajuda muito o proossional de saúde que atua na oncologia e, particularmente, na área de cuidados paliativos. É necessário reconhecer e avaliar adequa-
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damente cada sintoma no sentido de averiguar a real interferência na vida cotidiana do paciente e a necessidade de tratamento. Muitos dos sintomas referidos neste capítulo são subtratados na prática, sendo o conhecimento de seu tratamento essencial para os proossionais de saúde que tratam de pacientes com câncer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Dudgeon DJ, Kristjanson L, Sloan JA, Lertzman M, Clement K. Dyspnea in cancer patients: prevalence and associated factors. J Pain Symptom Manage 2001; 21(2):95-102. 2. Hayes AW, Philip J, Spruyt OW. Patient reporting and doctor recognition of dyspnoea in a comprehensive cancer centre. Intern Med J 2006; 36(6):381-4. 3. Bruera E, Schmitz B, Pither JP, Neumann CNM, Hanson J. The frequency and correlates of dyspnea in patients with advanced cancer. J Pain Symptom Manage 2000; 19(5):357-62. 4. Mercadante S, Casuuccio A, Fulfaro F. The course of symptom frequency and intensity in advanced cancer patients followed at home. J Pain Symptom Manage 2000; 20(2):104-12. 5. American Thoracic Society. Dyspnea – Mechanisms, assessment and management: a consensus statement. Am J Respir Crit Care Med 1999; 159:321-40. 6. Chan K, Sham MMK, Tse DMW, Thorsen AB. Palliative medicine in malignant respiratory diseases. In: Doyle D, Hanks G, Cherny N, Calman K. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 3.ed. Nova York: Oxford University Press, 2005. p.587-618. 7.
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FERIDAS TUMORAIS* Hudson Menezes Taveira Marcia Carla Morete Camila Brito Faria
INTRODUÇÃO O termo “ferida oncológica” não é consensual na literatura. Encontram-se ainda outros nomes, como lesões tumorais, úlceras neoplásicas, feridas malignas e lesões neoplásicas.1 Em torno de 5 a 10% dos pacientes oncológicos desenvolvem metástases cutâneas no último semestre de vida.2 Essas feridas são de difícil tratamento e podem indicar doença avançada.3 O princípio geral dos cuidados paliativos não aborda a lesão focada apenas na ferida oncológica, mas na pessoa portadora da lesão. E essa abordagem compreende as dimensões física, psicológica, social e espiritual.4 Os sintomas devem ser tratados de forma paliativa, visando a diminuir as complicações e melhorar a qualidade de vida, no que se refere a bem-estar físico, psíquico, emocional e social.5 Entre outros estados associados à presença da ferida oncológica, a pessoa portadora geralmente apresenta: sensação de mutilação, rejeição de si mesma, perda da autonomia e da autoestima, medo, tendência à *
O texto deste capítulo foi elaborado no ano de 2010.
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automutilação, déocit de autocuidado, perda da esperança e diminuição da libido por fatores sistêmicos e por déocit de informação.6-8 A ferida determina discriminação e rejeição social desde o âmbito familiar até as atividades produtivas (humilhação, pena, medo, nojo, desagrado). Os pacientes sentem-se “podres por dentro”, o que os afasta das outras pessoas para não se exporem a comentários desagradáveis, ou temendo a rejeição.6 As feridas podem produzir deformidades, ulcerações, dor ou odores desagradáveis, além de poderem evoluir com exsudato e sangramento.9 Os proossionais da equipe de cuidados paliativos devem avaliar e cuidar desse evento, que tem grande impacto na qualidade de vidas dos pacientes. FISIOPATOLOGIA A ferida tumoral ocorre com a perda da integridade da epiderme, causada por inoltração de células neoplásicas, e tem comportamento semelhante ao de um tumor maligno cutâneo avançado. Em alguns casos, por exemplo, como nas metástases de pele, podem ulcerar, assemelhando-se a infecções dérmicas fúngicas, com formação de um tipo de cratera. Em outros, dependendo da progressão, são nomeadas como feridas fungoides ou fungoides malignas.2,10,11 As lesões metastáticas cutâneas podem apresentar-se por extensão direta ou como um novo tumor que atinge a pele por via linfática ou sanguínea, podendo, inclusive, eclodir na cicatriz cirúrgica.2,3 Em alguns casos, ocorre ulceração a partir de linfonodos regionais comprometidos.12 Dependendo de sua localização (região abdominal, perineal e de cabeça e pescoço), pode estender-se, invadindo e destruindo estruturas internas e formando fístulas.11,12 O exsudato aumentado visto nas lesões tumorais malignas de pele é decorrente de vários fatores: Æ o tumor é muito permeável ao obrinogênio e ao plasma;
DOR
Æ grande parte dos tumores secreta um fator de permeabilidade vascular; Æ os diversos anaeróbios que ocam cononados na superfície da lesão, quando infectados, resultam em larga quantidade de exsudato obrinoso.3,11 Esses anaeróbios, ao liberarem ácidos voláteis, são os responsáveis pelo odor de difícil controle.11,12 A contração tecidual é responsável por cerca de 40 a 80% do fechamento de feridas benignas e, no caso de feridas tumorais, essa contração é mais difícil. A explicação para isso é que o paciente oncológico apresenta, em geral, deociências nutricionais, com escassez do suprimento de energia, aminoácidos e oxigênio, e tem prejudicada a produção de obroblastos para a contração tecidual.3 CLASSIFICAÇÃO Æ Quanto à localização e à topograoa; Æ quanto à origem: 䊊
primária: origina-se no local do tumor primário;
䊊
metastática: tem como origem um local de metástase;
Æ quanto ao estadiamento (Tabela 1);13 Æ quanto ao aspecto (Tabela 2); 䊊
fungosa: aparência fungosa, semelhante a couve-por;
䊊
ulcerativa: forma crateras;
䊊
fungosa maligna ulcerativa: apresenta ambos os aspectos.
CARACTERÍSTICAS As principais características e sintomas locais da ferida são:15,16 Æ progressão rápida e inviabilidade de cicatrização; Æ hemorragias; Æ odor fétido; Æ exsudato abundante; Æ alto risco para infecção;
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TABELA 1 Classificação da ferida tumoral quanto ao estadiamento Estádio 1
Pele íntegra. Tecido de coloração avermelhada e/ou violácea. Nódulo visível e delimitado. Encontra-se em estado assintomático
Estádio 1N
Feridas fechadas ou com abertura superficial por orifícios de drenagem de secreção límpida, amarelada ou de apecto purulento Tecido avermelhado ou violáceo, lesão seca ou úmida. Pode haver dor e prurido. Não apresenta odor e configura-se sem tunelizações e/ou formação de crateras
Estádio 2
Feridas abertas envolvendo derme e epiderme. Ulcerações superficiais podendo apresentar-se friáveis, sensíveis à manipulação, com secreção ausente (lesões secas) ou em pouca quantidade (lesões úmidas) Intenso processo inflamatório ao redor, em que o tecido exibe coloração vermelha e/ou violácea e o leito da ferida configura-se com áreas secas e úmidas. Pode haver dor e odor. Não formam tunelizações, pois não ultrapassam o tecido subcutâneo
Estádio 3
Feridas que envolvem derme, epiderme e subcutâneo. Têm profundidade regular, mas com saliências e formação irregular. São friáveis, com áreas de ulcerações e tecido necrótico liquefeito ou sólido e aderido Fétidas, secretivas, já com aspecto vegetativo, mas que não ultrapassam o subcutâneo. Podem apresentar lesões satélites em risco de ruptura iminente. Tecido de coloração avermelhada e/ou violácea. O leito da lesão é predominantemente de coloração amarelada
Estádio 4
Feridas invadindo profundas estruturas anatômicas. Com profundidade expressiva, por vezes não se visualizam seus limites. Têm secreção abundante, odor fétido e dor. O tecido ao redor exibe coloração avermelhada e/ou violácea. O leito da lesão é predominantemente de coloração amarelada
Fonte: Haisfield-walfe e Baxendale-Cox, 1999.
TABELA 2 Classificação da ferida tumoral quanto ao aspecto14 Feridas ulcerativas
Feridas fungosas
Feridas fungosas
malignas
malignas
malignas ulceradas
Estão ulceradas e formam crateras rasas
Semelhantes a couve-flor
União do aspecto vegetativo e de partes ulceradas
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Æ alto risco para miíase; Æ presença de necrose tecidual; Æ dor; Æ prurido; Æ agressão do tecido saudável perilesional. Entre todas as características e sintomas locais, destacam-se:13,16 Æ hemorragias: relacionadas ao crescimento da rede neovascular na região do tumor, frequentemente associadas à presença de tecido friável, o que favorece o rompimento de vasos; Æ sangramentos: podem ser espontâneos ou causados por atividades e procedimentos como ações de vida diária (banho, cuidados pessoais, movimentação no leito, deambulação), movimentos bruscos, radioterapia local, compressão mecânica, traumatismos, utilização ou retirada dos curativos de forma inadequada, abrasão durante a técnica de curativo ou a realização de desbridamento. Os principais sítios de sangramento são: Æ feridas cutâneas (notadamente lesões de cabeça e pescoço); Æ cavidade oral; Æ útero/vagina; Æ sangramentos gástricos. Como prevenção de hemorragia das feridas tumorais, há algumas recomendações que devem ser seguidas:13,16-18 Æ manter o meio úmido, evitando a aderência de gazes ao sítio ou à superfície e às bordas da lesão. Para isso, pode-se utilizar gaze embebida em soro osiológico ou gaze com petrolato. Contraindica-se o uso
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de óleos essenciais, como os triglicérides de cadeia média (TCM), em função de sua propriedade de estimular a neoangiogênese; Æ retirar coberturas de curativo cuidadosamente. Na ausência de sangramento ativo, inspecioná-las buscando sinais de sangramentos anteriores; Æ evitar a abrasão do leito da ferida, quando potencialmente sangrante, durante o procedimento de curativo; Æ na medida do possível, manter o local da ferida livre de compressões mecânicas; Æ restringir os desbridamentos àqueles casos em que o benefício ao paciente seja maior que o risco de hemorragia, e apenas quando houver recursos disponíveis para controlá-la. Outra característica das feridas tumorais é o odor fétido, considerado o sintoma mais castigador das feridas oncológicas em decorrência da sensação de enojamento imputada ao paciente.13 As principais causas são necrose, exsudato abundante associado a curativos de baixa absorção, oclusão dos vasos sanguíneos locais e a consequente redução de oxigênio. É importante acompanhar a evolução da ferida tumoral e classiocar a lesão de acordo com o grau de odor, conforme mostra a Tabela 3. TABELA 3 Classificação da ferida tumoral quanto ao odor Classificação de odor Grau I
O odor fétido é sentido apenas ao se abrir o curativo
Grau II
O odor fétido é sentido ao se aproximar do paciente, sem abrir o curativo
Grau III
O odor fétido é sentido no ambiente, sem abrir o curativo, e característicamente forte e/ou nauseante
PREVENÇÃO Æ Controlar o exsudato; Æ considerar o risco/benefício de desbridamento.
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A monitoração do exsudato diminui o odor, aumenta o conforto e melhora a autoestima do paciente. O controle da infecção local e da quantidade de tecido necrótico pode diminuir o exsudato da ferida em alguns casos. Para o tratamento do odor, a Tabela 4 lista algumas sugestões para controle do odor de acordo com o grau apresentado.19 A dor pode estar localizada na própria ferida oncológica ou aparecer em decorrência dessa lesão. Está relacionada aos seguintes fatores:19 Æ inoltração do tumor em áreas inervadas; Æ compressão de tecidos e nervos pelo crescimento do tumor; Æ necrose tecidual localizada como resultado da invasão tumoral; Æ exposição de terminações nervosas no local da lesão; Æ procedimentos invasivos de diagnóstico e tratamento; Æ realização de técnicas de curativo inadequadas; Æ instalação de curativos compressivos ou inadequados no local; Æ complicações ocasionadas pelo próprio tratamento, como infecções e inpamação tecidual; Æ incapacidade de movimento ou alinhamento corporal inadequado determinado pela presença da ferida oncológica. Há alguns desaoos no controle da dor. Um deles consiste em sua própria natureza complexa e pluricausal e suas expressões.17,20 O outro é o convívio cotidiano e passivo dos proossionais da saúde com a dor do outro.20,21 Outro sintoma importante pode ser destacado além da dor, o prurido. A dor e o prurido na ferida oncológica possuem várias causas em comum. Em alguns casos, a falta de proteção à pele íntegra perilesional pode levar a irritação e consequente prurido.13,16
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Tabela 4
Controle do odor conforme o grau Controle do odor conforme o grau 15
Odor grau I
Proceder à limpeza com solução fisiológica a 0,9% Deixar gazes embebidas em hidróxido de alumínio ou metronidazol gel no leito da ferida
Odor grau II
Proceder à limpeza com solução fisiológica a 0,9% Irrigar a ferida com solução de metronidazol. Pode-se usar: solução injetável diluída em solução fisiológica na proporção 1:1 ou comprimido de 250 mg macerado e diluído em 50 mL de solução fisiológica Verificar presença de tecido necrótico endurecido. Se houver, realizar escarotomia Ocluir a ferida com curativo industrializado de carvão ativado Na ausência ou impossibilidade do uso de carvão ativado, aplicar metronidazol comprimido de 250 mg macerado ou gel a 0,8% sobre a ferida Na ausência de qualquer um desses anteriores, instalar gazes embebidas em solução injetável de metronidazol diluída em soro fisiológico na proporção 1:1
Odor grau III
Considerar emergência dermatológica Seguir os passos conforme odor grau II Associar o uso de metronidazol sistêmico ao tratamento local
TRATAMENTO DAS FERIDAS TUMORAIS Além do tratamento clínico, entre várias modalidades terapêuticas para esses tipos de feridas, estão a radioterapia, a quimioterapia, a hormonoterapia, a terapia com laser e a cirurgia paliativa. A radioterapia está entre as primeiras escolhas para redução dos sintomas. A radiação ionizante provoca dano no DNA das células tumorais, destruindo-as, reduzindo o tamanho da lesão, o exsudato e o sangramento, com melhora do odor e ação antiálgica, levando o paciente a ter maior conforto, além de poder proporcionar aumento de sobrevida.3,11,22,23 Outra opção seria a radiologia intervencionista, usada como modalidade terapêutica, em que se realiza a embolização vascular do tumor, observando-se controle hemostático e diminuição do tamanho da lesão.24 A quimioterapia também está entre as primeiras escolhas. Tem intenção de redução do tamanho da lesão tumoral e melhora da dor, porém pode aumentar o risco de hemorragia.3,4
DOR
A hormonoterapia pode ser um método efetivo para o controle da sintomatologia do paciente que tem tumores que expressam receptores hormonais, como em alguns casos de câncer de mama.2,11 A terapia com laser pode ser utilizada na redução da dor e da necrose tissular.3 A cirurgia paliativa é indicada como tentativa de minimizar complicações do câncer, mas os riscos e benefícios da cirurgia têm de ser avaliados para cada tipo de paciente.11,25 Para estes objetivos, é necessário determinar o tipo de curativo (Tabela 5).26 Em relação ao odor, deve-se seguir as recomendações citadas previamente, além da avaliação, que deve ser realizada diariamente. Devem sempre ser levados em conta, também, os relatos e as queixas do paciente, da família e dos cuidadores. No caso de internação em enfermarias conjuntas (mais de um paciente por enfermaria), o relato dos outros pacientes e acompanhantes também é importante. É necessário cobrir o curativo primário com gaze embebida em petrolato, instalar curativo secundário com coxins ou gazes, dependendo da quantidade de exsudato, e ocluir completamente com ota adesiva microporosa ou equivalente. Recomenda-se observar o padrão alimentar do paciente e elaborar um plano de cuidados que evite a troca de curativos próxima aos horários das refeições. TRATAMENTO DA HEMORRAGIA16,21 Æ Avaliar intensidade, origem e causa do sangramento; Æ aplicar pressão diretamente sobre os vasos sangrantes com o amparo de gazes ou compressas; Æ fazer aplicação tópica de soro osiológico gelado realizando hemostasia, principalmente em pequenos sangramentos; Æ considerar e discutir com a equipe médica a aplicação tópica de adrenalina, por sua ação vasoconstritora;
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acetato de celulose
aderente
diluído com solução fisiológica
feridas infectadas
Carvão ativado impregnado
com prata (0,15%)
Carvão ativado
e prata
os fungos das feridas
Antiparasitário, pode eliminar
Necrose deve ser lavada em jato de 4 a 6%,
da antibioticoterapia sistêmica de
Metronidazol
papaína a 2%
facilitador cicatricial como coadjuvante
Carica papaya
quantidade de exsudato
Feridas fétidas, infectadas com grande
Em lesão sangrante
Feridas com odor de lesões vegetantes Em lesão sem odor
Feridas sangrantes
Como desbridante químico e
Provém do látex do mamoneiro
Mediante a exsudação do curativo, trocar
Trocar, em média, a cada 48 a 72 horas
Lavar até desaparecer o odor
escarectomia (trocar a cada 12 horas)
Necrose de coagulação de 8 a 10% após
Tecido de granulação deve ser lavado com
em 24 horas
Papaína
Feridas cavitárias ou sanguinolentas
ou sem infecção
ção aumentada de cálcio
Feridas secas
Trocar, em média, a cada 24 horas
Derivado de algas e concentra-
Exsudação abundante com
purulenta
Feridas com secreção
Trocar a cada 12 horas
Modo de usar
de cálcio
dermocutâneos
de receptores e doadores de enxertos
No tecido de granulação em áreas
Áreas de trauma ou ressecção cirúrgica
o tecido de granulação)
Desbridamento autolítico (não danifica
sobre pele sã
Não devem ser usados
Contraindicação
Alginato
(ADAPITIC®)
Fibras de poliéster hidrófobo e
Gaze não
externa de poliurenato (19%)
umectante (8%) e película
Em placa: água 73%, glicose
– hidrogel e
associações
cloreto de sódio 0,9% e 20%
em placa
com propilenoglicol; alguns com
– hidrogel
desvitalizados
Polivinilpirrolidona e água; outros Remoção de crostas e tecidos
Hidrogel:
Indicações
Composição
Tipos de curativos utilizados em feridas tumorais
Produto
TABELA 5
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DOR
Æ aplicar gel de alginato de cálcio com carboximetilcelulose na lesão, com gazes estéreis ou placa de alginato de cálcio. Depois da aplicação, o curativo com alginato de cálcio deve ser mantido no local por no mínimo 24 horas, a não ser que haja necessidade de outra intervenção no local. Deve-se evitar o contato do alginato de cálcio com as bordas da lesão, pelo risco de maceração da pele íntegra; Æ avaliar e discutir com a equipe a possibilidade de iniciar antiobrinolítico sistêmico, intervenção cirúrgica, sutura, cauterização ou radioterapia hemostática em casos de sangramento intenso; Æ em hemorragias grandes ou frequentes, considerar a coleta de exames laboratoriais com vistas a hemotransfusões. TRATAMENTO DO EXSUDATO16,21 Æ Aplicar curativos absortivos, conforme a quantidade de exsudato. Indica-se gel de alginato de cálcio com carboximetilcelulose ou placa seca de alginato de cálcio, no leito da lesão. Deve-se evitar o contato do alginato de cálcio com as bordas íntegras da ferida; Æ cobrir com gazes ou coxins (curativo secundário); Æ manter a placa de alginato na lesão por no máximo 24 horas; Æ trocar o curativo secundário sempre que necessário; Æ na ausência de qualquer apresentação de alginato de cálcio, utilizar coberturas primária e secundária com gazes ou coxins, trocando sempre que se mostrarem saturadas de secreção; Æ é importante avaliar aumento na frequência de trocas. Deve-se ter cuidado com sangramento nesses casos; Æ em caso de secreção purulenta em grande quantidade, principalmente quando associada a odor fétido, considerar a utilização de antibiótico sistêmico, de acordo com os protocolos institucionais e com as indicações para odor grau III.
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PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA DOR A dor é resultante da estimulação de nociceptores, enquanto a dor resultante de lesão de nervos é dor neuropática. Essas classiocações são importantes na seleção das opções de tratamento.13 A dor da ferida deve ser avaliada quanto a tipo, intensidade, frequência e duração. Deve-se prevenir a dor antes da troca do curativo, por meio de analgesia realizada em torno de 20 minutos antes do procedimento.16 A aplicação de morona tópica está sendo estudada – 1 mg de morona para 2 g de hidrogel. Estudos estão sendo realizados com o uso da morona associada ao metronidazol gel para tratar, concomitantemente, dor e odor, presentes nas feridas classiocadas como estádio 4.2 Para a redução da dor na ferida, sugere-se a realização de curativos que se mantenham úmidos. A manutenção do meio úmido reduz o número de trocas do curativo, reduzindo a dor e o desconforto provocados pelos traumas durante a remoção. O gel anestésico com tricíclicos e corticosteroides sobre o leito da ferida também podem reduzir a dor associada a escoriações e infecções da pele perilesional. Devem-se seguir algumas recomendações que podem minimizar a dor do paciente no momento do curativo dessas lesões:2 Æ monitorar a dor: recomenda-se a escala visual analógica (EVA); Æ realizar analgesia prévia ao procedimento de curativos: 30 minutos em analgesia via oral (VO) ou subcutânea (SC), 5 minutos para a via endovenosa (EV), início imediato para a via tópica; Æ irrigar o curativo com soro osiológico a 0,9% antes de sua retirada e removê-lo delicadamente, com atenção às expressões de dor do paciente; Æ empregar técnica cautelosa, sem abrasão mecânica do leito ulcerado; Æ considerar a necessidade de aplicação de gel anestésico sobre o leito da ferida (recomenda-se lidocaína gel a 4%); Æ utilizar coberturas que mantenham a umidade no leito da ferida;
DOR
Æ comunicar e discutir com a equipe os casos de sofrimento álgico que fogem ao controle da conduta preconizada. PREVENÇÃO E TRATAMENTO DO PRURIDO16,21 Æ Investigar alergias prévias do paciente; Æ pesquisar se a causa do prurido é decorrente de alergia aos produtos utilizados no curativo ou à ota adesiva. Neste último caso, utilizar ota hipoalergênica microporosa; Æ controlar o exsudato (que é potencialmente agressivo à pele íntegra); Æ considerar e discutir com a equipe o uso de dexametasona pomada a 0,1% no local referido ou a necessidade de terapia sistêmica, nos casos mais persistentes. CONCLUSÃO As feridas tumorais causam grande impacto na qualidade de vida dos pacientes e conoguram um grande desaoo para a equipe multidisciplinar, particularmente nos estádios avançados da doença. É importante saber realizar uma adequada avaliação, classiocação e estadiamento, para deonir a melhor conduta terapêutica, que, na maioria dos casos, não será curativa e não aumentará a sobrevida, mas poderá trazer uma condição digna e melhorar a qualidade no onal de vida dos pacientes em cuidados paliativos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Oliveira RA (coord.). Cuidados paliativos. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), 2008. 2. Dealey C. Cuidando de feridas: um guia para as enfermeiras. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2001. 3. Bauer C, Gerlach MA, Doughty D. Care of metastatic skin lesions. J WOCN 2000; 27:247-51. 4. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraoc, 2009.
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8. Gutierres MGR, Adami NP, Castro RAP, Fonseca SM. Natureza e classiocação das intervenções de enfermagem em ambulatório de quimioterapia de adultos. Rev Lat Am Enfermagem 2000; 8(3):33-9. 9. Upright CA, Salton C, Roberts F, Murphy J. Evaluation of mesalt dressing and continuous wet saline dressings in ulcerating metastatic skin lesions. Câncer Nurs 1994; 17(2):149-55. 10. Firmino F, Araújo DF, Sobreiro V. O controle do odor em feridas tumorais através do uso do metronidazol. Prát Hosp 2002; 4(24):30-3. 11. Manning MP. Metastasis to skin. Semin Oncol Nurs 1998; 14(3):240-3. 12. Fine PG. Palliative radiation therapy in end-of-life care: evidence-based utilization. Am J Hospice Palliative Care 2002; 19(3):166-70. 13. Protocolo de Enfermagem para o Atendimento de Feridas Tumorais Malignas Cutâneas. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Gerência de Atenção Domiciliar. Núcleo Regional de Atenção Domiciliar de Sobradinho (NRAD), Equipe de Cuidados Paliativos. Brasília (DF), 2009. 14. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Tratamento e controle de feridas tumorais e úlceras por pressão no câncer avançado. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2009. 15. Poletti NAA, Caliri MHL, Simão CDSR, Juliani KB, Tácito VE. Feridas malignas: uma revisão de literatura. Rev Bras Cancerol 2002; 48(3):411-7.
DOR
16. Protocolo Multidisciplinar de Tratamento de Feridas e Estomias do Hospital de Apoio de Brasília. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Hospital de Apoio de Brasília. Núcleo de Enfermagem, Comissão de Educação Permanente do Núcleo de Enfermagem. Brasília (DF), 2007. 17. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Cuidados paliativos oncológicos: controle da dor. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da Saúde, 2001. 18. Candido LC. Nova abordagem no tratamento de feridas. São Paulo: SENAC-SP, 2001. 19. Tulli ACP, Pinheiro CSC, Teixeira SZ. Dor oncológica: os cuidados de enfermagem. Rev Bras Cancerol 2000; 3(12):42-52. 20. Leão ER, Chaves LD. Dor: quinto sinal vital. 2.ed. Rio de Janeiro: Martinari, 2007. 21. Silva LMH, Zago MM. O cuidado do paciente oncológico com dor crônica na ótica do enfermeiro. Rev Lat Am Enfermagem 2001; 9(4):44-9. 22. Dean A, Tufon P. Fibrinolytic inhibitors for cancerassociated bleeding problems. J Pain Symptom Manage 1997; 13(1):20-4. 23. Smeltzer SC, Bare BG. Brunner & Suddarth Tratado de enfermagem médico-cirúrgica. 8.ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara-Koogan, 1999. 24. Cooley ME. Controlling odors in malignant ulcerating lesions. Oncol Nurs Fórum 1995; 22(6):989. 25. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Cuidados paliativos oncológicos: controle da dor. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2002. 26. Candido CL. Livro do feridólogo: tratamento clínico-cirúrgico de feridas cutâneas agudas e crônicas [Internet]. Santos (SP): Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Tratamento de Feridas; 2008 [citado 2010 Maio 24). Disponível em: www.feridolodo.com.br.
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33
CUIDADOS NO FINAL DA VIDA* Renata dos Santos Laura Resende Osinski Maria Lúcia P. Cesari Lourenço Flávia Harue Tutya Daniela Batista Sorato
INTRODUÇÃO Este capítulo abordará os aspectos relacionados à terminalidade, os procedimentos de assistência nas últimas 48 horas do paciente em cuidados paliativos oncológicos e as questões relacionadas ao processo de morrer vivenciado pelo paciente, seus familiares e a equipe de proossionais de saúde. PONTOS ESSENCIAIS PARA COMPREENSÃO Æ Sinais e sintomas iminentes da morte; Æ sedação paliativa; Æ terminalidade. SINAIS E SINTOMAS DAS ÚLTIMAS 48 HORAS Nas últimas horas de vida, diferentes mudanças osiológicas apresentam-se como sinais e sintomas e podem ser preocupantes se não forem entendidas e tratadas. *
O texto deste capítulo foi elaborado no ano de 2010.
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
Os principais sinais e sintomas são elencados nas Tabelas 1 e 2.
TABELA 1 Principais sinais e sintomas Cansaço
Constipação
Dispneia
Sonolência
Fraqueza
Boca seca
Confusão
Desinteresse
Dor
Astenia
Anorexia
Sudorese
Náuseas e vômitos
Delírio
Disfunção urinária
Alteração do sono/vigília
Depressão
Fonte: EPEC Project, 2006.1
TABELA 2
Sintomas do final de vida em diferentes estudos Linchter
Nauck
2
3
e Hunt Tempo estimado
48 horas
et al.
72 horas
Conill et al.
Grond et
4
1 semana
al.
5
24 horas
de morte Número de
200
150
176
319
Ellershaw 6
et al.
Faisinger et al.7
< 48
<1
horas
semana
168
100
pacientes Sintomas Anorexia
80%
Fadiga
82%
Confusão
9%
55%
Constipação Boca seca
68%
25%
55%
12%
39%
70%
Dispneia
22%
26%
47%
17%
Náuseas
14%
14%
13%
10%
30%
13%
Respiração ruidosa
56%
45%
Dor
51%
26%
Agitação
42%
43%
Sudorese
14%
Disfunção urinária
53%
Fonte: adaptada de Doyle et al. 2005.8
45%
71%
46%
99%
52% 6% 7%
4%
DOR
SINAIS DE MORTE IMINENTE
Fraqueza e fadiga intensa O paciente oca sonolento a maior parte do tempo. Sensações de fadiga e fraqueza aumentam à medida que ele se aproxima da morte. Nas últimas horas de vida, é provável que o paciente não seja capaz de se movimentar.
Inapetência e desidratação O paciente perde o apetite e também diminui a ingesta hídrica. Existem diversas causas, muitas irreversíveis. É importante orientar os familiares.
Queda da perfusão renal Diminuição do débito cardíaco e do volume intravascular ocorre próximo ao om da vida; com isso, existe evidência de perfusão sanguínea diminuída. Taquicardia, cianose central e periférica e livedo reticularis são normais. A produção de urina declina proporcionalmente à falência renal. Líquidos administrados de forma parenteral não revertem o quadro.
Disfunção neurológica Resultam de múltiplos fatores irreversíveis, incluindo hipoxemia, desequilíbrio metabólico, acidose, acúmulo de substâncias tóxicas por causa da insuociência hepática e renal, efeitos adversos de medicação, sepse, fatores relacionados à doença, redução da perfusão cerebral, etc. Manifestam-se, principalmente, por delírio ou diminuição do nível de consciência.
Diminuição do nível de consciência Aumento da sonolência, ausência de repexo palpebral e profundo nível de coma.
Alterações respiratórias Podem ocar superociais por conta da diminuição do volume corrente e períodos de apneia e/ou padrão de Cheyne-Stokes podem ocorrer.
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MAN UAIS D E E SPE CI AL I Z AÇÃO
O paciente pode evoluir para respiração agônica e até desenvolver o ronco da morte (“sororoca”). A administração de medicação anticolinérgica para diminuir a secreção é o tratamento de escolha – hioscina ou escopolamina 30 gotas (30 mg) via oral a cada 6 horas ou 1 ampola subcutânea (SC) a cada 6 horas ou até a cada 4 horas.
Perda da habilidade de engolir Facilita a brocoaspiração e a sensação de asfixia.
Perda do controle esfincteriano Pode levar à incontinência urinária e fecal, mas também podem ocorrer constipação e retenção urinária.
Perda da habilidade de fechar os olhos A baixa ingesta de alimentos leva à perda da gordura retro-orbital e, posteriormente, a órbita reacomoda-se na cavidade orbital. As pálpebras têm tamanho insuficiente para cobrir a distância adicional e a conjuntiva, o que pode expor a conjuntiva mesmo quando o paciente está dormindo.
Dor Considerar o uso de opioides alternativos com metabólitos inativos, como fentanil ou metadona. Medidas de conforto e higiene É importante lembrar que a audição é o último sentido a ser perdido. Medicações devem ser sempre reconsideradas quanto à necessidade de se manterem prescritas. As vias de administração também devem ser verificadas, dependendo da situação clínica e da característica da medicação. A via SC é uma via simples e eficiente. Competência, capacidade e calma são essenciais para ajudar pacientes e familiares durante as últimas horas de vida. Essas importantes horas sempre
DOR
TABELA 3
Cuidados ao final da vida
Conforto geral Deixar o ambiente o mais tranquilo possível Manter o paciente em roupas limpas, secas e escuras, se houver secreções ou sangramentos Não esquecer a higiene pessoal Contato físico Toque leve/massagem Fonte: adaptada de WHO/CDS/IMAI, 2004.9
TABELA 4
Lista de medicações essenciais ao final de vida
Drogas não essenciais (suspender)
Drogas previamente essenciais (considerar suspensão)
Anti-hipertensivos
Esteroides
Antidepressivos
Hormônios
Laxativos
Hipoglicemiantes
Antiulcerosos
Insulina
Anticoagulantes
Diuréticos
Antibiótico de longa permanência
Antiarrítmicos
Ferro Vitaminas Albumina Fonte: adaptada de Doyle et al., 2005.8
TABELA 5
Sugestão mínima de medicação na fase final de vida
Classe de drogas
Drogas
Via de administração
Opioide
Morfina
VO, VR, SC, IV
Anticolinérgico
Hioscina
SC, IM
Antiemético/ansiolítico
Haloperidol
SC, IM
Tranquilizante/sedativo
Midazolam/diazepam
IM, IV, VR
Antifúngico
Nistatina solução oral
VO
VO: via oral; VR: via retal; SC: via subcutânea; IV: intravenoso; IM: intramuscular. Fonte: adaptada de Doyle et al., 2005.8
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deixam marcas para as famílias, os cuidadores e os proossionais. Com o aproximar da morte, deve-se estar certo de que a família sabe o que fazer e esperar. O acompanhamento não termina com a morte. NUTRIÇÃO E TERMINALIDADE A ingesta de alimentos e de líquidos normalmente é diminuída, e o paciente não deve ser forçado a recebê-las se não aceitar, pois elas não causarão aumento em sua sobrevida e, muitas vezes, atentar contra suas vontades pode piorar seus últimos momentos.10 O uso da nutrição enteral ou parenteral nesses pacientes é controverso, pois sua administração não é capaz de reverter o quadro de caquexia e aumentar a sobrevida, a força, a qualidade de vida ou diminuir as complicações causadas pela doença. Além disso, a utilização da nutrição artiocial pode gerar alguns prejuízos, aumentando o desconforto do paciente, como distensão gástrica, repuxo, infecções, diarreias, constipação e aspirações, e até mesmo prolongar a morte com sofrimento (distanásia).11 Os fatores sociais, psicológicos e religiosos geram grande preocupação, principalmente nos familiares dos pacientes, que não aceitam ver a privação da alimentação, pelo valor simbólico que ela ocupa na vida de um ser humano.12 Em relação a esses fatores, é importante que toda a equipe multidisciplinar focalize qual é a vontade real do paciente, em aceitar ou não se alimentar, demonstrando aos familiares que sintomas como fome geralmente não são sentidos por esses pacientes e que seus desejos devem ser preservados, o que lhe causaria maior conforto, e principalmente que eles morrerão em função da progressão da doença, e não decorrente da supressão da nutrição, representando os princípios de autonomia, beneocência, não maleocência e justiça.10 TERAPIA OCUPACIONAL E TERMINALIDADE Na prática de cuidados paliativos, a terapia ocupacional trabalha para que os pacientes e seus cuidadores consigam manejar as dioculdades re-
DOR
feridas e observadas, a fim de obterem conforto, dignidade, qualidade, sentido e significado de vida, mesmo que haja perdas funcionais, cognitivas, sociais e emocionais.13 O paciente que se encontra em cuidados paliativos é um indivíduo que está constantemente vivendo perdas, principalmente quando se encontra em fase terminal; ou seja, quando seu tempo de vida é relativamente curto e as ações médicas não podem mais reverter o quadro da doença. O terapeuta ocupacional deve fazer uso de seu instrumento de trabalho (as atividades), pois é o recurso de conexão entre o meio e o sujeito e, segundo Castro et al., é enriquecedor e permite ampliar o viver e torná-lo mais intenso, permite reestruturar e integrar diferentes experiências, intensificando o sentimento de vida e potência.14 Dessa forma, a relação terapêutica ocupacional globaliza terapeuta, paciente e cuidador/familiar, formando vínculo, construindo espaços para ouvir, falar e calar, como também para experimentar atividades significativas no contexto hospitalar e de fim de vida. Em cuidados paliativos, e principalmente na fase de terminalidade, o profissional deve avaliar os pacientes frequentemente. Em síntese, o trabalho da terapia ocupacional na terminalidade é focado nas queixas apresentadas ou observadas na população atendida. Esses atendimentos frequentemente trazem de volta o sentido de viver, não importando que seja por alguns instantes, desde que esses instantes sejam gratificantes e tragam um pouco mais de significado aos assistidos.15 Musicoterapia em cuidados paliativos nos cuidados ao final da vida Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo paciente ou grupo, em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver
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Possibilitar atividades significativas Sim Manutenção de vínculo
Grau de consciência: Responsivo?
Não
FIGURA 1
Acolher família
Ótica do atendimento para pacientes.
Construir espaço saúdavel modificando o foco da doença para o indivíduo em fase terminal
Construir espaço para comunicação e expressão de sentimentos e emoções Aceita atendimento Construir espaço de aproximação afetiva entre cuidador e paciente
Acolher/vínculo
Não aceita atendimento
FIGURA 2
Ótica do atendimento para cuidadores.
Manutenção de vínculo
DOR
potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo, de forma que ele possa alcançar melhor integração intra e interpessoal e, consequentemente, melhor qualidade de vida. A música faz parte da história da vida de todas as pessoas em qualquer cultura, desde o nascimento até a morte. No decorrer da vida, vai-se constituindo um mosaico sonoro. Assim, a musicoterapia no contexto de cuidados paliativos perpassa o saber cientíoco para atuar em um contexto paliativo. É preciso ampliar o olhar e a escuta para alcançar os objetivos e atender às necessidades dos pacientes e familiares. Dentro da musicoterapia, criou-se um tipo de abordagem especíoca para os cuidados de onal de vida, que envolve a tríade paciente, familiares e equipe. É importante respeitar o “ritmo” do quarto e, então, entrar junto no andamento da despedida deste mundo para aqueles familiares e o paciente. As músicas utilizadas são escolhidas pelos familiares, músicas que ozeram parte da história de vida do paciente ou, ainda, canções que possibilitam aos familiares falar aos pacientes seus sentimentos por meio de suas letras. A abordagem deve ser de maneira delicada e acolhedora para que favoreça a expressão de emoções e sentimentos. A participação dessa tríade nesse momento favorece a elaboração do luto e, para os familiares, a despedida, a aproximação afetiva e a comunicativa repleta de sentimentos – um olhar e um toque contêm a história de uma vida inteira, além do ressigniocado de vida e de todo o processo do adoecer para esses familiares. Segundo estudos realizados, a utilização da música em uma relação terapêutica possibilita a expressão das emoções e repexões sobre o estado atual, o futuro e lembranças signiocativas do passado. O fazer musical proporciona a aproximação afetiva e a cumplicidade entre paciente e familiares.16 Busca-se, com a música e as técnicas da musicoterapia, amenizar o sofrimento, promovendo espaço para a elaboração de conteúdos emocionais internos e a expressão por meio do canto e da música. Assim, a
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musicoterapia vem agregar mais uma área de conhecimento para atender à complexidade do homem diante da onitude. ASPECTOS PSICOESPIRITUAIS E TERMINALIDADE Pacientes em estágio avançado da doença buscam alívio e controle da dor e de outros sintomas. Desejam, também, assumir controle sobre a própria vida, evitar o prolongamento do sofrimento, não ser sobrecarga para a família, estreitar laços com pessoas signiocativas e ter dignidade no om da vida. Fatores como sensação de desamparo, perda da autonomia e de apoio e ausência da família são algumas das causas para o pedido de morte. Na situação especíoca do câncer, a descoberta de uma doença com um prognóstico por vezes reservado, mesmo com os recentes avanços da medicina, traz consigo o temor diante da possibilidade concreta de perda, sendo que, para muitos, essa probabilidade se transforma em certeza e, consequentemente, o diagnóstico se converte em sentença de morte.17 A “boa morte” envolve consciência de sua aproximação, manutenção do controle da situação, dignidade e privacidade, alívio de sintomas, escolha do local da morte, acesso a informação e esclarecimento, suporte emocional, social e espiritual, presença de pessoas signiocativas, direitos preservados, despedidas e não ter a vida prolongada indeonidamente.18 Pacientes que estão em estágio avançado da doença podem apresentar ambivalência entre o desejo de morrer como alívio do próprio sofrimento e o desejo de lutar contra a morte a todo custo. Muitas vezes, é a exacerbação do sofrimento físico ou psíquico que necessita de escuta e de acolhimento. Ajudar no processo de morrer não signioca cometer eutanásia, mas, sim, diminuir o sofrimento e os sintomas incapacitantes, além de permitir a expressão de sentimentos, despedidas, resolução de assuntos inacabados, ressigniocar relações e buscar o sentido da vida. Com a proximidade da morte, é urgente buscar comunicação efetiva, estabelecer prioridades, escolhas e relações signiocativas. É fundamental resgatar desejos, prazeres e valores pessoais.19
DOR
As preocupações mais comuns de pacientes gravemente enfermos são: Æ medo da solidão e do abandono; Æ ausência de despedida dos familiares; Æ preocupação em relação à vida; Æ dúvidas e questionamentos religiosos; Æ interrupção dos planos de vida; Æ perda de pessoas próximas; Æ perda de autonomia; Æ medo da morte e do sofrimento emocional intenso. A possibilidade de atendimento psicoespiritual para aqueles que estão morrendo e permitir-lhes dizer as últimas palavras a quem amam são fatores que aliviam a ansiedade, a solidão e o medo, além de ser um direito essencial de todo ser humano. Por mais suave que seja essa transição, a morte sempre tem algo de doloroso que necessita ser vivenciado. Tão fundamental quanto ter uma boa vida é ter uma morte mais humana.20 Desse modo, a intervenção do psicólogo paliativista tem como metas: Æ minimizar o medo, a culpa e a vergonha; Æ aliviar sintomas de ansiedade; Æ auxiliar na elaboração do apego e do luto antecipatório; Æ permitir a resolução de pendências; Æ favorecer a discriminação e expressão de sentimentos; Æ desenvolver autoconoança, amparo e proteção; Æ facilitar a ressigniocação da vida; Æ ajudar na compreensão e aceitação da transitoriedade da condição humana; Æ incentivar a família a respeitar e vivenciar junto com o paciente o tempo que resta, respeitando os limites e as vontades dele.
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O apoio psicológico também inclui dar acolhimento aos sentimentos, verbalizações, angústias e fantasias dos familiares (raiva, culpa, temores).17 A oferta de cuidados nas últimas horas pode levar a crescimento pessoal e familiar signiocativo; caso contrário, o om da vida pode ser incompleto e com sofrimento desnecessário, levando à angústia familiar após a morte do paciente e medo por parte daqueles que a assistiram, de que algo parecido lhes aconteça. O processo de luto antecipatório permite elaborar a dor, estimular a comunicação entre pacientes, familiares e proossionais e tem caráter preventivo.20 As famílias e os próprios indivíduos desenvolvem formas especíocas de lidar com as perdas. O psicólogo que trabalha com essas questões precisa estar atento e intervir sistematicamente quando perceber que algo está atrapalhando o processo de luto. É importante ressaltar que cada pessoa tem seu momento e sua forma de lidar com o luto e, quando isso não ocorre, é necessária uma intervenção terapêutica mais enfática.21 Os cuidados paliativos devem abordar o ser humano em sua totalidade, incluindo o cuidado espiritual, que pode contribuir no controle das questões existenciais e nos sintomas depressivos no onal da vida. A equipe deve estar atenta às necessidades espirituais do paciente, sem, no entanto, impor qualquer tipo de atendimento nessa área. O respeito às crenças e à fé de cada indivíduo deve ser prioritário, e os cuidadores devem ser orientados com relação ao respeito à individualidade do paciente, sendo que o cuidado espiritual cabe a todos os envolvidos.22 Além disso, o bem-estar espiritual parece estar associado a menores índices de depressão, ideação suicida, desejo de morte e desesperança em pacientes terminais.23 A situação de morte iminente, porém não realizada, talvez seja uma das crises mais angustiantes pelas quais o paciente e a família podem passar. Algumas das demandas relacionadas aos aspectos existenciais da terminalidade referem-se a:24 Æ necessidade de ser considerado como pessoa (postura ativa diante do tratamento); Æ necessidade de reler sua vida;
DOR
Æ busca de sentido para a vida; Æ necessidade de livrar-se de culpas; Æ reconciliação e resolução de conpitos mal resolvidos; Æ descoberta de algo além da própria existência; Æ necessidade de ser amado incondicionalmente; Æ estabelecimento de uma nova relação com o tempo (aproveitar o tempo que lhe resta); Æ necessidade de continuidade. Ao avaliar a história espiritual do paciente, deve-se identiocar a importância disso em sua vida e na vida de sua família, assim como avaliar a forma com que isso pode ser incluído nos cuidados do paciente.25 A própria equipe de programas de cuidados paliativos passa por situações de estresse prolongado, porque convive com perdas, sofrimento e impotência diante de pacientes com doença em estágio avançado. É considerada também uma atividade na qual os proossionais estão sujeitos a desenvolver a síndrome de burnout, pois lidam constantemente com a morte e com cenas de intenso sofrimento em seu cotidiano.26 A possibilidade de melhor cuidado aos pacientes envolve oferecer espaço aos proossionais de saúde para cuidar de sua dor diante da própria onitude, de suas dioculdades e da impotência por sentirem que não há mais nada a se fazer. O psicólogo pode cuidar dos cuidadores, sejam estes membros da família ou proossionais de saúde. SEDAÇÃO PALIATIVA Pacientes em fase avançada de doença apresentam vários sintomas causadores de intenso sofrimento, que podem ser físicos, psicoemocionais ou espirituais. Se não forem adequadamente tratados, esses sintomas geram mais angústia e sofrimento ao paciente e seus familiares, e, quando há refratariedade em seu controle, a sedação paliativa é uma opção de tratamento.
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Atualmente, a sedação paliativa ainda é confundida com eutanásia e suicídio assistido por alguns proossionais, pacientes e familiares. Vários trabalhos mostram que não há diferença signiocativa na sobrevida entre os pacientes que receberam sedação paliativa e os que não necessitaram de sedação.26,27 A necessidade de sedação paliativa sugere mais um indicador de morte iminente do que a causa de morte prematura (Tabela 6).28 Sedação paliativa é feita com drogas sedativas, e não com drogas aleatórias. É a administração deliberada de fármacos em doses e combinações necessárias para reduzir o nível de consciência, com o consentimento do paciente ou de seu responsável, e possui o objetivo de aliviar adequadamente um ou mais sintomas refratários em pacientes com doença avançada terminal.29 Considera-se sintoma refratário tudo que não pode ser adequadamente controlado, apesar de repetidas e intensas tentativas de tratamento tolerável, e que não comprometa o nível de consciência. Não se deve confundir sintoma refratário com sintoma difícil, o qual é conceituado como o sintoma que precisa de intervenção intensiva para ser adequadamente controlado. CLASSIFICAÇÃO Porta31 sugere uma classiocação didática quanto à sedação paliativa, com base em objetivo, temporalidade e intensidade (Tabela 7).
TABELA 6
Distinção entre sedação paliativa e eutanásia Sedação paliativa
Eutanásia
Intenção
Aliviar sintomas refratários
Provocar a morte para aliviar o sofrimento
Processo
Drogas sedativas ajustadas
Drogas letais
Objetivo
Alívio do sofrimento
Morte rápida
DOR
TABELA 7
Classificação da sedação paliativa
Objetivo
Sedação primária: a finalidade da intervenção terapêutica é a diminuição do nível de consciência Sedação secundária: rebaixamento do nível de consciência é consequência do efeito farmacológico da medicação usada para controlar um sintoma específico (p.ex., nos tratamentos da dor e do delírio)
Temporalidade
Sedação intermitente: é aquela que permite períodos de alerta do paciente Sedação contínua: a diminuição do nível de consciência ocorre de forma permanente
Intensidade
Sedação superficial: mantém um nível de consciência no qual o paciente ainda pode se comunicar (verbalmente ou não) Sedação profunda: é a que mantém o paciente em estado de inconsciência
Fonte: Porta, 2002.30
TABELA 8
Questões a serem respondidas antes da indicação da sedação
Todos os esforços foram feitos para identificar e tratar as causas reversíveis geradoras? Interconsultas foram realizadas? Todas as abordagens não farmacológicas já foram aplicadas? Todos os outros tratamentos farmacológicos foram aplicados? Sedação intermitente foi considerada? Os objetivos da sedação foram explicados? A sedação foi consensual (paciente, família e equipe)? Fonte: Capital Health/Caritas Health Group Regional Palliative Care Program, 2005.31
INDICAÇÕES DE SEDAÇÃO PALIATIVA Æ Sintomas refratários: 䊊
delírio, agitação terminal ou inquietude refratária a neurolépticos;
䊊
dor refratária a opioides e analgésicos adjuvantes;
䊊
vômitos refratários à agressiva terapêutica antiemética;
䊊
dispneia refratária a oxigênio, broncodilatadores e opioides;
䊊
sofrimento psicológico ou existencial refratário à intervenção apropriada (antidepressivos, suporte religioso e espiritual);
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• quadro agudo com risco iminente de morte; • morte iminente (horas ou dias) com sofrimento intenso. Medicações utilizadas em sedação paliativa Na literatura, os principais sedativos utilizados são (Tabela 9): • benzodiazepínicos: midazolam, diazepam, lorazepam; • neurolépticos: levomepromazina, clorpromazina, haloperidol; • barbitúricos: fenobarbital; • anestésicos: propofol, ketamina. O midazolam é o sedativo mais frequentemente referido na literatura para indução da sedação paliativa. O uso concomitante com algumas medicações, como carbamazepina, fenitoína e rifampicina, pode resultar em rápida diminuição da ação do midazolam em curto período, mas sua associação com drogas inibidoras do P-450, como cimetidina e ranitidina, pode levar a sedação profunda mesmo em pequenas doses. Recomenda-se que a sedação paliativa para dispneia refratária seja iniciada com a associação de midazolam e morfina.31 Não há recomendação específica a respeito do uso de drogas sedativas. Não há descrição de doses máximas dos sedativos (exceto do midazolam). Deve-se iniciar com uma dose mínima do sedativo, suficiente para paliar o sintoma, ajustando-a conforme reavaliações periódicas, e utilizar a via subcutânea sempre que necessário. Após o início da sedação paliativa, algumas ações devem ser efetivadas: • reavaliação sintomática quanto ao tipo e à dose da medicação escolhida; • titulação da dose (segundo a escala de Ramsay); • manutenção de medidas de higiene e conforto; • controle de dor;
contínua de 0,4 a 0,8 mg/h
sofrimento psíquico
pela metade
Iniciar infusão contínua SC: 600 mg/24 horas IV: 1 mg/kg
Dor, dispneia, delírio agitado,
sofrimento psíquico
Fenobarbital
a outros sedativos
Fonte: Manual de Cuidados Paliativos, 2009.34
Bloqueio de receptores NMDA
IV. Não misturar com outras drogas
5 a 15 mg, SC
2 mg/kg/h
Dor e refratariedade a
e reduzir opioides pela metade. Somente uso
Suspender benzodiazepínicos e neurolépticos
Iniciar infusão contínua IV:
outros sedativos
Antes de iniciar a infusão, suspender benzo-
Dose máxima de 5 a 10 mg/dia
Indução: 1 a 1,5 mg/kg
12 horas, SC
2,5 a 5 mg a cada
Refratariedade a
IV: via intravenosa; SC: via subcutânea; VO: via oral.
Ketamina
Propofol
diazepínicos e neurolépticos. Reduzir opioides
Indução: 2 mg/kg
Delírio
Haloperidol
12,5 a 50 mg a cada 4 a 12 horas, VO/IV
Dose máxima: 25 a 37,5 mg/dia
Delírio como sintoma predominante
Clorpromazina
Dose máxima diária de 300 mg
contínua SC: 100 mg/dia
VO e SC
Indução: bolo de 12,5 a 25 mg, iniciar infusão
Delírio como sintoma predominante
Dose máxima de 120 a 160 mg/dia
Observação
Levomepromazina
Máxima diária:160 a 200 mg
Indução: bolo de 2,5 a 5 mg, iniciar infusão SC
Dor, dispneia, delírio, agitação,
Midazolam
Dose
Sintomas
Drogas
TABELA 9 Sugestão de drogas em sedação paliativa
DOR 577
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Æ suspensão de medicações não essenciais; Æ observação de retenção urinária e constipação; Æ suporte psicológico e espiritual ao familiar. Todo médico, antes de sedar seu paciente, deveria sedar seus próprios sintomas e sentimentos: angústia, ansiedade, frustração, impotência, onipotência, falta de informação, medo da própria morte diante de situação de incurabilidade e morte próxima.32
CASO CLÍNICO (CONTINUAÇÃO DO CASO CLÍNICO DO CAPÍTULO 29) Paciente com pior controle da dor e dos sintomas clínicos, com sofrimento psicológico associado. O caso foi discutido em equipe e concluiu-se que foram esgotadas todas as possibilidades de controle de sintomas. Optou-se por iniciar sedação paliativa intermitente, após o consentimento da esposa e do próprio paciente. Evoluiu com melhor controle dos sintomas por um período e, após, progrediu para piora clínica com sintomas de morte iminente (cianose, hipotensão, delírio, retenção urinária, perda da capacidade de ingesta e dispneia). Aumentou-se a sedação para melhor conforto. A esposa recebeu explicação sobre sinais e o tratamento proposto. O paciente faleceu dentro de alguns dias, tranquilo, junto a seus familiares.
CONCLUSÃO Dignidade signioca a possibilidade de existir com o menor sofrimento possível até os últimos momentos da vida. Uma busca competente dos proossionais envolvidos no cuidado a pacientes gravemente enfermos e em uma abordagem multiproossional. De maneira geral, a morte com dignidade envolve o signiocado onal da existência.
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Nas últimas 48 horas, é importante haver uma equipe coesa e humanizada para que pacientes e familiares se sintam confortados e recebendo os cuidados e a atenção necessária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. The Epec project: Education on Palliative and End-of-life Care. Disponível em: http:// www.epec.net. Acessado em: maio de 2010. 2. Lichter I, Hunt E. The last 48 hours. J Palliat Care 1990; 6(4):7-15. 3. Nauck F. Symptom control during the last three days of life. Eur J Palliat Care 2001; 10:81-4. 4. Conill C, Verger E, Henriquez I, Saiz N, Espier M, Lugo F et al. Simptom prevalence in the last week of life. J Pain Symptom Manag 1997; 14(6):328-31. 5. Grond S, Zech D, Schug SA. Validation of WHO guidelines for cancer pain during the last days and hours of life. J Pain Symptom Manag 1991; 6(7):411-22. 6. Ellershaw JE, Smith C, Overill S, Walker SE, Aldridge J. Care of dying: setting standards for symptom control in the last 48 hours of life. J Pain Symptom Manag 2001; 21:12-7. 7.
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ESPIRITUALIDADE E SAÚDE* Heloisa Helena Ladeira Rosa Carvalho Scapulatempo Claudinei Pereira dos Santos
O Espírito estava presente desde o início da vida, com o sopro nas “narinas”, até o om, na presença da mais bela luz. No século XV, Paracelso descreveu a importância de integrar os aspectos espirituais à prática médica ao aormar: “O espírito é o mestre, a imaginação é o instrumento, e o corpo é o material plástico moldável” e “Os males do corpo podem ser curados por meio de remédios físicos ou pelo poder do espírito que age através da mente”. Ele salientou que o homem não é só uma matéria física, mas um complexo entre o físico e o espiritual. O corpo é explicado pela anatomia e osiologia, mas e o espírito? Como ele é, como ele funciona e como interage com essa matéria chamada corpo? Em 1910, William Osler publicou o artigo intitulado “A fé que cura” no British Medical Journal, ressaltando a importância do tema espiritualidade e saúde. Esse médico norte-americano, conhecido por seus pares como “pai” da medicina moderna, mereceu destaque pela humanização na prática *
O texto deste capítulo foi elaborado no ano de 2010.
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médica. E, a partir de 1980, observou-se um aumento considerável no número de publicações sobre espiritualidade e religiosidade na saúde.1 Hoje, a abordagem da dimensão espiritual pelos médicos é, de fato, necessária, por conta da notoriedade da promoção de efeitos positivos e negativos sobre a saúde do assistido. Assim, a unidade de cuidados paliativos do Hospital de Câncer de Barretos conta com a presença de um assistente religioso em período integral, auxiliando no sofrimento espiritual do paciente e seus familiares, bem como no entendimento da equipe diante dos cuidados diferenciados que cada paciente e sua religião exigem. Para a abordagem dessa peculiar faceta do cuidado, que é a dimensão espiritual, deve-se atentar às deonições de espiritualidade, religiosidade e religião. O termo espiritualidade vem do latim spiritus, que signioca “sopro”, sopro de vida. É a habilidade de ver o sagrado nos fatos corriqueiros, de sentir a pujança da vida, de ter consciência de uma dimensão transcendente, que leva em consideração o próprio ser, os outros, a natureza e a vida.2 Espiritualidade é o caminho ao amor, o conhecimento pleno, o meio de relacionar-se com seu papel na humanidade. Religiosidade é uma forma de expressar a espiritualidade, é a prática religiosa que reforça a ligação do homem com Deus, com o divino, com a essência da vida. O termo religião vem de religare, do latim, que signioca “religar”, restabelecer a ligação entre o homem e Deus. Toda religião tem um sistema de doutrina que rege comportamentos e dita valores morais. A religião é uma instituição, um dos caminhos que leva à espiritualidade. Muitos desenvolvem sua espiritualidade a partir da prática de uma religião, da religiosidade e da aceitação dos dogmas, que representam a fé. A fé está diretamente ligada à espiritualidade; sem ela, não há concepção de espiritualidade. É um mistério, uma experiência única. Sendo as religiões uma forma de desenvolver a fé, vê-se a necessidade de estimular essa prática pelos pacientes e colaboradores do serviço, assim como respeitar a individualidade e a escolha da melhor forma de desenvolver sua fé e, com isso, a espiritualidade.
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Existe uma diversidade muito grande de religiões na região de Barretos, que representa a realidade do país, um estado laico. No censo demográoco realizado pelo Instituto Brasileiro de Geograoa e Estatística (IBGE) em 2000, 73,8% dos brasileiros declararam-se católicos; 15,4%, evangélicos; 7,4%, sem religião; 1,3%, espíritas; 0,3%, seguidores de uma religião africana (candomblé, umbanda); e 1,8% seguidores de outras religiões, como testemunha de Jeová, budista, santo dos últimos dias, messiânico, judeu, esotérico, muçulmano e espiritualista.3 Para melhor atender à demanda espiritual, conta-se com uma listagem de contatos de representantes das diversas religiões, que são acionados conforme a solicitação dos pacientes e de seus familiares. Esse contato é feito por qualquer membro da equipe que identioque essa necessidade. Recorrer a uma religião em momentos de crises não é a mesma coisa que ter religiosidade, mas é uma prática comum de enfrentamento das situações difíceis e tem uma função adaptativa, embora distante das instâncias da religiosidade intrínseca. Religiosidade intrínseca está relacionada com a internalização das crenças e da religião como parte da vida da pessoa, enquanto a religiosidade extrínseca utiliza a religião para suprir suas necessidades, amortecer o impacto dos eventos. Ambas as formas da religiosidade podem ser positivas ou negativas para a vida, bem como para o enfrentamento da doença e da onitude.4 A manifestação da religião de um modo negativo na saúde geralmente está associada com sentimentos de culpa e medo, pois esses seguidores acreditam que estão sendo ou serão punidos, julgados como merecedores ou não de outra vida, esperam um milagre aos pios, e essas apições geram o medo da morte e do pós-morte, causando a dor espiritual. Portanto, reforça-se a necessidade de psicólogos e psiquiatras comporem as equipes interdisciplinares, juntamente com um assistente espiritual ou um grupo de diferentes representantes das religiões. Atualmente, a equipe, além de contar com auxílio de um assistente religioso e de duas
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psicólogas diariamente, tem um psiquiatra duas vezes por semana. Ainda assim, nota-se a importância de aumentar essa carga horária. Alguns estudiosos propõem mecanismos para explicar a inpuência das práticas religiosas e da espiritualidade no processo de promoção ou recuperação da saúde. São eles: Æ promoção de comportamento, quando existe o engajamento em hábitos saudáveis, como o não consumo de drogas, por meio de proibição ou desencorajamento dessa atitude; Æ provimento de suporte social, na vivência com grupos sociais que podem promover o revezamento nos cuidados com um integrante doente, a promoção do auxílio mútuo e o aumento dos relacionamentos interpessoais, promovendo menor estresse e maior estabilidade emocional; Æ percepção do signiocado da vida como algo maior que a simples existência e promoção da esperança de que tudo acabará bem.5 Viktor Frankl6 corrobora a importância da percepção do signiocado da vida: aorma não haver nada mais importante do que a convicção de que a vida tem sentido, e é isso que ajuda a pessoa a sobreviver às piores situações. Quer sejam as ações que ozemos, ou as coisas que aprendemos, ou o amor que tivemos por alguém, ou o sofrimento que superamos com coragem e resolução, cada um desses eventos traz sentido à vida.
Elias descreveu as diferenças entre uma morte ruim e uma boa morte, ressaltando que não devem ser considerados apenas o grau e a quantidade de sintomas físicos ou o poder econômico do paciente, e sim a esperança, a verdade e a qualidade da sobrevida como fatores importantes inter-relacionados para a boa morte.7 Isso remete mais uma vez à necessidade das práticas religiosas e espirituais para motivar a esperança em alguns pacientes. A esperança é fruto da espiritualidade.8
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Abordar a dimensão espiritual é justiocado por várias pesquisas, entre as quais se ressalta uma realizada na população geral e com médicos dos Estados Unidos sobre as crenças e o comportamento religioso. Revelou-se que 95% das pessoas acreditam em Deus, 77% acreditam que os médicos devem considerar as suas crenças espirituais, 73% acreditam que devem compartilhar suas crenças religiosas com o proossional médico e 66% demonstram interesse de que o médico pergunte sobre sua espiritualidade. No entanto, apenas 10 a 20% relataram que os médicos discutiram sobre espiritualidade com elas.9 Quando se observa o sofrimento espiritual por meio de manifestações de agressividade e depressão, entre outros sintomas, deve-se interferir prontamente, com o objetivo de proporcionar qualidade ao processo de morrer e morrer de forma digna e serena. Existem várias propostas para a investigação da dimensão espiritual dos pacientes pelos proossionais da saúde, entre elas as questões para a história espiritual (SPIRIT): Æ S: sistema de crenças e informações sobre apições religiosas e descrição das crenças; Æ P: espiritualidade pessoal; Æ I: envolvimento em grupos, sua participação e seu papel dentro desse grupo e como isso inpuencia sua vida; Æ R: práticas ritualizadas e restrições; Æ I: implicações em cuidados médicos, ao que o proossional de saúde deve atentar ou suprir o que for inerente à sua religião; Æ T: planejamento da situação terminal.10 Essa entrevista deve ser feita com o envolvimento da equipe interdisciplinar, não necessariamente no mesmo momento. Muitas vezes, encontra-se dioculdade com esses questionamentos e pode-se optar por outras formas. Como sugestão, uma alternativa é apresentada a seguir.
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QUESTIONÁRIO FICA
F: fé/crença Æ Você se considera religioso ou espiritualizado? Æ Você tem crenças espirituais ou religiosas que te ajudam a lidar com problemas? Æ Se não: para você, o que dá signiocado à vida?
I: importância ou influência Æ Que importância você dá para a fé ou crenças religiosas em sua vida? Æ A fé ou crenças já inpuenciaram você a lidar com estresse ou problemas de saúde? Æ Você tem alguma crença especíoca que possa afetar decisões médicas ou seu tratamento?
C: comunidade Æ Você faz parte de alguma comunidade religiosa ou espiritual? Æ Ela te dá suporte? Como? Æ Existe algum grupo de pessoas que você realmente ame ou que seja importante para você? Æ Comunidades como igrejas, templos, centros e grupos de apoio são fontes de suporte importante?
A: ação no tratamento Æ Como você gostaria que seu médico ou proossional da área da saúde considerasse a questão religiosidade/espiritualidade em seu tratamento? Æ Indique, remeta algum líder espiritual/religioso.11 O serviço de Barretos prefere o questionário FICA para trabalhar os aspectos religiosos, mas há outros instrumentos que podem ajudar nessa investigação. O importante é que o questionário escolhido seja de fácil compreensão e acessado por todos os membros, auxiliando a todos no planejamento
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terapêutico, sempre que o paciente sofrer alguma intervenção, para que ele seja respeitado de acordo com sua religiosidade e espiritualidade. É importante lembrar que um dos sintomas mais prevalentes e que causa grande sofrimento aos pacientes com câncer em progressão é a dor, a qual muitas vezes é uma dor total, sendo essencial o domínio de todas as nuances dela: dor física, dor emocional, dor social e dor espiritual. Cassel ressalta: “O sofrimento não identiocado não poderá ser aliviado”. Entretanto, é preciso compreender que, antes de o paciente ajustar suas necessidades espirituais, é necessário ter controlado os sintomas físicos. Uma pessoa com dor jamais terá condições de repetir sobre sua existência.12 A dor espiritual é descrita como o medo da morte e do pós-morte, e é observado que a experiência de quase morte ajuda no enfrentamento da dor espiritual, por permear a experiência de amor e paz. A equipe presencia vários relatos de sonhos com entes queridos e até mesmo relatos de contato com o próprio Deus, tornando esses pacientes, que vivenciaram tais experiências, mais serenos e com melhor enfrentamento da onitude. Klubber-Ross aormou que a morte é apenas uma transição da vida para outra existência e que, para viver dignamente o processo de morrer, deve-se viver verdadeiramente até a hora da morte. Viver verdadeiramente, segundo essa médica psiquiátrica, é fazer o que se gosta e aprender a mais difícil das lições: o amor incondicional. A espiritualidade e a religiosidade não consistem em uma dimensão exclusiva dos assistidos, mas também de seus familiares e de todos os membros da equipe de saúde, que em vários momentos recorrem a seus princípios religiosos para vivenciar o processo de morrer e morte dos assistidos, pois a religião conforta e ajuda a suportar o difícil momento que é o om da vida.13 A morte é parte da existência humana, de seu crescimento e desenvolvimento, tanto quanto o nascimento. Não é um mal a ser extirpado, um inimigo a ser combatido ou uma prisão de onde se deve escapar, mas,
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sim, parte da vida e que dá signiocado à existência humana. Na morte, há a presença do espírito que se desliga da matéria e dá-se, então, um grande mistério. Conclui-se que o “espírito” (sopro da vida) está sempre presente, até na morte. Sua presença é sempre descrita por caminhos de luz percorridos e que dão sensação de paz, levando ao amor. E é essa busca pela paz e pelo amor que motiva a vida, do início ao om. Desenvolver a espiritualidade independe da religião, mas requer fé, uma experiência única e misteriosa do encontro íntimo entre o ser humano e o ser divino, o que dá sentido e signiocado à vida. É preciso estar aberto a essa comunhão. Para proporcionar a máxima dignidade a cada paciente assistido, durante seu adoecimento até sua cura ou sua morte, devem-se respeitar as peculiaridades religiosas que promovem esse encontro da existência humana com o espiritual (divino). Recomenda-se o conhecimento geral de todas as religiões atendidas no serviço para, assim, tratar-se o homem em sua totalidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lopes Ad, Lichtenstein A. William Osler. Rev Med, São Paulo 2007; 86(3):185-6. 2. Elkins DN. Beyond religion: a personal program for building a spiritual life outside the walls of traditional religion. Adyar: Quest Books, 1998. 3. IBGE. Censo demográoco 2000. 10.ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. 4. Stroppa A, Moreira-Almeida A. Religiosidade e saúde. In: Salgado MI, Freire G (eds.). Saúde e espiritualidade: uma nova visão da medicina. v.1. Belo Horizonte: INEDE, 2008. p.427-43. 5. Goldstein LL, Sommerhalder C. Religiosidade, espiritualidade e signiocado existencial na vida adulta e velhice. In: E. F, L P (eds.). Tratado de Geriatria e Gerontologia. v1. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006. p.1307-14. 6. Frankl VE. Um sentido para a vida. 11.ed. São Paulo: Ideias e Letras, 2005.
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SEÇÃO 9
BIOÉTICA E DOR
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BIOÉTICA EM DOR Irimar de Paula Posso Maria Belén Salazar Posso
dever ético do proossional da sa.de envidar todos os esforços para atenuar as ang.stias e os sofrimentos causados pela dor, sempre tendo em mente que um dos principais lemas da medicina é Sedare dolorem opus divinum est, ou seja Aliviar a dor é uma obra divina.
A bioética é o estudo da moralidade da conduta humana no campo da ciência da vida. A bioética nasceu ligada ao mundo médico-cientíoco e consolidou-se com o principialismo, doutrina regida pelos princípios fundamentais para conduzir as pesquisas envolvendo seres vivos e a aplicação de novos conhecimentos: beneocência, não maleocência, autonomia e justiça. O princípio mais reconhecido é o da autonomia, pois, dentro de uma lógica liberal, todos têm prioridades sobre si mesmos visando ao bem comum. O vocábulo “bioética” é um neologismo introduzido no início dos anos de 1970 pelo biólogo Van Rensseler Potter, preocupado com o de-
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senvolvimento desenfreado da ciência, a preservação do equilíbrio e as possíveis repercussões na vida humana. Tem o signiocado de combinar conhecimentos biológicos e valores humanos. Sua onalidade básica é auxiliar a humanidade no conhecimento racional e cuidadoso do processo da evolução biológica e cultural, expresso na obra denominada Bioética: ponte para o futuro. A transposição do termo bioética para a medicina e sua divulgação foram obras do obstetra holandês André Hellegers. Com a elaboração do relatório Belmont, nos Estados Unidos, pela Comissão Nacional para a Proteção dos Sujeitos Humanos da Pesquisa Biomédica, enfatizou as questões éticas das experiências com seres humanos, deixando de lado os problemas da prática clínica assistencial. Com a obra Princ$pios de ética biomédica, Tom Beauchamp e James F. Childress elencaram quatro princípios que posteriormente originaram o principialismo na bioética, ao se preocuparem com a aplicação de princípios éticos gerais aos problemas da prática assistencial à saúde diária. O termo bioética indica, portanto, um conjunto de práticas e investigações inter e multidisciplinares, com o objetivo de pensar e explicar soluções para as questões éticas evocadas pelo avanço da tecnologia das ciências biomédicas. Então, a bioética, como uma abordagem inter e multidisciplinar, preocupa-se em tomar decisões respeitando os valores éticos do ser humano, de sua vida e de sua morte, como uma proposta atual de valorização e proteção do homem, em um mundo onde os progressos técnicos permitem uma intervenção cada vez maior no biológico. A bioética é um grito por dignidade humana, dignidade da vida, do estar vivo, de estar no mundo, de estar saudável, de estar doente, de estar no om da vida, de ser cuidado por alguém, independente do estágio que o ser humano se encontra é necessário ser respeitado, ser ouvido, ser cuidado como um todo nas suas várias dimensões. O ser humano não está preparado para adoecer, para morrer, sofrer,
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não aceita a morte, a limitação, só pensa e quer a cura, mas às vezes a vida é uma caixa de surpresa, e a cura não vem, aí só resta solicitar a ajuda a Deus para suportar o sofrimento do corpo e da alma.2
A bioética é também deonida como um estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas e da atenção à saúde, sendo essa conduta examinada à luz de valores e princípios morais, constituindo um conceito mais amplo que o da ética médica, ao tratar da vida do homem, da fauna e da pora. A bioética inclui a chamada ética proossional das proossões da área da saúde, como a ética dos proossionais médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, dentistas, osioterapeutas, terapeutas ocupacionais, entre outros. Portanto, para entender, aprofundar e repetir sobre a ética proossional, é necessário fazer referência à bioética. Assim, a bioética no tratamento da dor está diretamente relacionada à ética das proossões da área da saúde. Embora tenham suas características próprias, todas elas não podem desrespeitar os conceitos básicos da bioética e a ética especíoca de cada proossão. Contudo, o estudo da bioética no tratamento da dor vai além da área da saúde; abrange também o direito, a antropologia, a sociologia, a ecologia, a teologia, a olosooa, entre outras, respeitando, inclusive, as mais diversas culturas e os diferentes sistemas de valores. O empenho pela manutenção da vida estimulou pesquisas na área da saúde que resultaram em grandes avanços e no desenvolvimento de numerosos e soosticados recursos tecnológicos, os quais contribuíram sobremaneira para melhorar a saúde da população ao controlar ou eliminar determinadas doenças, além de provocarem profundas transformações nas decisões éticas, especialmente nos cuidados aos pacientes com dor. A moderna tecnologia permite a manutenção das funções vitais dos pacientes por tempo prolongado, à custa de equipamentos e técnicas invasivas e de alto custo econômico. No entanto, nem sempre é possível controlar adequadamente a dor.
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PRINCÍPIOS BIOÉTICOS Aos princípios bioéticos básicos de autonomia, beneocência, não maleocência e justiça, propostos por Beauchamp e Childress em 1979, têm sido adicionados princípios que são importantes elementos suplementares para o direcionamento das condutas terapêuticas.
Princípios bioéticos básicos Os princípios básicos (autonomia, beneocência, não maleocência e justiça) fundamentam as repexões bioéticas. Relacionam-se entre si de modo dinâmico para fundamentar a melhor opção terapêutica em determinada situação.
Autonomia Autonomia, ou autodeterminação, é a liberdade que uma pessoa tem para agir de acordo com seus valores, desejos e prioridades. No tratamento da dor, deve-se aceitar que os pacientes são livres e autônomos para acolher as várias alternativas terapêuticas. Sua decisão onal deve ser respeitada, desde que sejam explicitados os riscos e benefícios inerentes a ela e que eles tenham compreendido claramente todas as informações oferecidas. O mesmo se aplica aos pacientes que se encontrem impedidos de decidir por si mesmos, como as crianças ou os comatosos, devendo as informações ser oferecidas a seus responsáveis e respeitando-se as decisões que forem tomadas por eles. Essa atitude contrapõe-se ao paternalismo, no qual o proossional escolhe a melhor conduta terapêutica, não considerando a vontade e o livre arbítrio dos pacientes ou seus responsáveis, assim como sua decisão sobre a conduta. O avanço democrático nas relações entre pacientes e proossionais de saúde é relativamente recente, entendendo e aceitando que o doente tem o direito legal e ético de decidir o melhor para si. Abrange o consentimento ou a recusa ao tratamento que lhe é proposto, diante de valores, crenças e interesses pessoais, consubstanciando-se no consentimento
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livre e esclarecido, o qual implica que as informações prestadas devem ser claras, objetivas e compreensíveis. Além disso, as alternativas terapêuticas, as metas a serem atingidas e os riscos envolvidos devem ser discutidos e seu sentido deve ser compreendido pelos pacientes. O consentimento livre e esclarecido só é válido se não houver qualquer tipo de coação física, psíquica ou moral, simulação, práticas enganosas ou quaisquer outras formas de manipulação que impeçam a livre expressão da vontade pessoal. É importante ocar claro que o consentimento livre e esclarecido deve ser renovado se ocorrerem modiocações importantes durante o tratamento. O princípio da autonomia também envolve a discussão e o acordo para que a equipe de saúde e o paciente determinem os objetivos do tratamento para a dor e avaliem e ajustem as expectativas, estabelecendo o compromisso mútuo de que os desejos expressos pelos pacientes serão respeitados, como também a assistência visando ao suporte e ao conforto. Da mesma forma, o controle da dor e outros sintomas será mantido.
Beneficência Beneocência signioca agir em benefício de outrem, com o objetivo de evitar ou aliviar o mal e o dano. É também entendido como a obrigação dos proossionais da saúde de fazer o bem aos pacientes, por meio de atos positivos, compreendendo a utilização de estratégias que ofereçam suporte e alívio do sofrimento aos doentes e seus familiares. O princípio da beneocência baliza a ética dos proossionais de saúde nas situações em que a autonomia dos pacientes se encontra comprometida, cabendo aos familiares ou aos proossionais da saúde sua aplicação para evitar que causem danos a si mesmos. A beneocência pressupõe o respeito à autonomia dos pacientes, procurando saber como desejam ser auxiliados, pois o princípio da autonomia modera o da beneocência – implica garantir que a terapêutica não causará danos, uma vez que o princípio da não maleocência modera o da
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beneocência e considera as necessidades e os direitos dos pacientes, já que o princípio da justiça modera o da beneocência. Diferentes propostas terapêuticas devem ser avaliadas quanto ao seu potencial de impedir ou remover sintomas ou sofrimentos, promovendo o bem-estar do doente.
Não maleficência Signioca não causar dano, uma vez que é obrigação dos proossionais de saúde não provocar mal ou dano aos doentes. Este princípio é muito importante, pois as ações terapêuticas que visam ao benefício do paciente podem ter riscos de danos, às vezes inevitáveis, os quais devem ser considerados obedecendo-se o princípio da autonomia e respeitando-se o compromisso ético de evitar danos e sofrimentos desnecessários aos pacientes ao longo do tratamento instituído.
Justiça É o direito que os pacientes têm de acesso aos cuidados de saúde de que necessitam de modo justo e imparcial, ou seja, o acesso do paciente a uma terapêutica adequada com a distribuição igualitária dos recursos disponíveis. O princípio de justiça estabelece limites éticos quanto à autonomia do doente, os quais serão delimitados com o respeito à dignidade e à liberdade das outras pessoas ou da coletividade, pois qualquer decisão ou ato pessoal, embora autônomo, não deve causar prejuízo ou dano aos outros. Este princípio recomenda que pacientes sem possibilidades de cura tenham garantido seu acesso aos cuidados de saúde.
Princípios bioéticos adicionais Estes princípios não estão incluídos entre os princípios éticos básicos, mas são importantes elementos adicionais no direcionamento das condutas terapêuticas. São eles: duplo efeito, integridade, odelidade ou conoança, veracidade e direito à informação.
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Duplo efeito Este princípio recomenda que os possíveis efeitos danosos de uma terapêutica contra a dor sejam avaliados quanto à possibilidade de serem aceitáveis quando confrontados aos benefícios que se almeja alcançar, separando-se claramente os efeitos terapêuticos dos potencialmente danosos. É necessário que os motivos para administrar determinado tratamento para a dor sejam evidentes e os resultados desejados sejam claros, apesar dos possíveis efeitos indesejáveis, muitas vezes inevitáveis. Não é admissível que os efeitos colaterais danosos sejam a real intenção da ação. Nos pacientes terminais, o alívio da dor com opioides frequentemente se justioca pelo princípio do efeito duplo, ou seja, o adequado controle da dor é fundamental e desejável, mesmo que a utilização de opioides possa induzir efeitos adversos, como a depressão respiratória, com o risco de antecipar o processo de morte. Se o objetivo primordial é o alívio da dor e do sofrimento, o risco pode ser aceitável; porém, é fundamental informar e analisar com o paciente e/ou responsáveis os riscos e benefícios que serão obtidos.
Integridade Os proossionais de saúde têm deveres éticos com seus pacientes, decorrentes de sua posição e função, mas também têm o direito de se manter oéis às suas próprias crenças e valores e podem ser contrários aos desejos do paciente quanto à realização de procedimentos como a eutanásia, mesmo quando legalmente amparados.
Fidelidade ou confiança As promessas éticas feitas aos pacientes devem ser mantidas a todo custo, sejam elas expressas ou apenas subentendidas.
Veracidade A informação sobre a verdade da doença e do tratamento da dor é um direito dos pacientes e um dever moral e ético dos proossionais de saúde,
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desde que não signioque causar maior dor e sofrimento aos doentes. Isto é, ser sincero e honesto é uma obrigação ética dos proossionais de saúde, embora muitas vezes haja dúvida entre informar ou não o paciente sobre seu diagnóstico e/ou prognóstico. Os princípios de autonomia e veracidade garantem que é direito inalienável do doente conhecer a verdade sobre seu estado de saúde, recebendo informações claras e compreensíveis, a om de que possa decidir entre consentir ou recusar a terapêutica proposta, bem como avaliar suas expectativas futuras.
Direito à informação A informação do paciente sobre o tratamento proposto para o controle de sua dor é a base fundamental para sua consciência e tomada de decisão autônoma de permitir ou recusá-lo. A informação é um direito moral e legal do doente, devendo o proossional da saúde transmitir-lhe as informações em linguagem clara e de fácil entendimento, simples, reais, leais e respeitosas. DOR E SOFRIMENTO A dor é tão antiga quanto a própria humanidade. É caracterizada por sua complexidade, subjetividade e multidimensionalidade e deone uma experiência pessoal complexa que abarca componentes sensoriais, sociais, emocionais e comportamentais desagradáveis, podendo ser conceituada como uma impressão incômoda ou penosa, causada por alguma lesão ou decorrente de um estado anormal do organismo como um todo ou de parte dele. Contudo, o sofrimento ocorre quando existe a possibilidade de destruição iminente da pessoa e pode ser considerado uma experiência de impotência com a possibilidade da dor não aliviada – esta é osiológica, porém o sofrimento está muito mais relacionado ao aspecto psicológico. O sofrimento é uma questão subjetiva e está mais ligado aos valores e às experiências prévias da pessoa.
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A dor, sem dúvida, é uma das mais íntimas e exclusivas sensações experimentadas pelo ser humano. Ainda assim, embora todos conheçam ao menos um pouco de suas próprias dores, para a maioria, ela é sempre um sintoma de lesão ou de doença. O intenso sofrimento causado pela dor do tipo aguda, frequentemente acompanhado de medo, angústia e incerteza, é, todavia, de duração breve, muitas vezes fugaz, e tende à cura espontânea ou por força da terapêutica. Mas a dor crônica, com suas características marcantes, como longa duração, persistência e caráter contínuo ou intermitente, tem sempre sido um enorme problema para o proossional da área de saúde e uma ameaçadora e insuportável realidade para o doente. Negligenciar a distinção entre dor e sofrimento é usar tratamentos que se concentram apenas nos sintomas físicos, como se fossem a única fonte de angústias para o paciente, entendendo que, se eles estão osicamente confortáveis pela ausência da dor, está afastado o sofrimento. Mas a distinção entre dor e sofrimento tem um signiocado todo particular. Não distinguir entre dor e sofrimento leva muitos médicos a prescreverem tratamentos fúteis, na crença de que eliminando a dor física estarão protegendo os pacientes de todas as apições, sem perceberem que a continuidade desses cuidados pode impor mais sofrimentos para o paciente terminal. DESAFIOS DA BIOÉTICA NO TRATAMENTO DA DOR A falta de preparo e de atualização técnica e cientíoca, além da falta de vontade ou de condições adequadas de trabalho do proossional da saúde em assistir de modo efetivo o enfermo que sofre a ansiedade causada pela dor, pode ser considerada uma séria quebra da ética e importante lesão à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Recusa em tratar a dor A recusa em proporcionar tratamento que possa aliviar a dor do enfermo pode ser considerada uma das eventualidades de erro médico ou má prática, mesmo que o tratamento necessário para diminuir a dor possa in-
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correr em eventual risco de diminuir a sobrevida do indivíduo. Existem, no entanto, limites que devem ser devidamente respeitados pelo proossional da saúde, em sua ingente tarefa de procurar mitigar o sofrimento do ser humano. O doente considerado capaz, do ponto de vista médico ou jurídico, deve ter sua vontade auscultada e respeitada. O enfermo deve ser informado sobre todas as opções terapêuticas e instruído com clareza sobre as vantagens e desvantagens, bem como sobre os riscos e benefícios. Quanto mais bem informado estiver o indivíduo, mais alternativas de escolha ele terá, pois a informação é fundamental para sua decisão.
Terapêutica analgésica desproporcional A aplicação de terapêutica desproporcional ao doente considerado incapaz deve ser evitada a todo custo, sem, no entanto, descurar de utilizar o tratamento racionalmente aconselhável para aplacar a dor, o que é ética e legalmente recomendável. A possibilidade sempre presente de encurtar a vida em razão dos efeitos colaterais das técnicas ou dos medicamentos que devem ser prescritos ou aplicados, bem como o receio de produzir dependência aos fármacos, conhecidos habitualmente como psicotrópicos, especialmente os opioides, têm sido motivos frequentes para médicos e enfermeiros não administrarem os medicamentos na dose e dentro dos intervalos planejados, levando o doente a sentir dor desnecessariamente. Tal prática caracteriza-se em grave ruptura na obrigação ética e moral de aliviar o sofrimento causado pela dor.
Eutanásia e distanásia A indução ao suicídio e à eutanásia em hipótese alguma pode ser aceita. Deve-se sempre ter em mente os pensamentos de Hipócrates – “a ninguém darei, para agradar, remédio mortal nem conselho para induzir à perdição” – e de Florence Nightingale – “dedicar-me à promoção do bem-estar
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dos doentes a mim conoados, não tomar, nem conscientemente ministrar drogas nocivas”. O Código Penal Brasileiro reprova claramente a eutanásia, ao condenar todo e qualquer ato que atente contra a vida humana, nos Artigos 121 e 122. O Código de Ética Médica também se posiciona com clareza contra a eutanásia, no Capítulo V, Artigo 41: “Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”. Em seu Parágrafo Único, o Artigo 41 estipula que: Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Portanto, a eutanásia é proibida, mas na atualidade é eticamente aceito evitar a distanásia, desde que se ofereça ao paciente com dor todos os cuidados paliativos disponíveis. O Código de Ética dos Proossionais de Enfermagem, da mesma forma, opõe-se à prática da eutanásia, pois, no Capítulo V – Das Proibições, cita, em seu Artigo 46: “Promover a eutanásia ou cooperar em prática destinada a antecipar a morte do cliente”. É completamente inaceitável não usar todos os recursos de que se dispõe para aplacar ou minorar a dor e o sofrimento moral e físico, a om de manter a dignidade do ser humano até seu último momento de vida. ASPECTOS LEGAIS DO TRATAMENTO INADEQUADO DA DOR Não há nenhum dispositivo inserido na Lei Penal brasileira que contemple expressamente a falta de tratamento adequado para controlar a dor. No entanto, embora a responsabilidade por seu controle não esteja explicitada pela norma jurídica, o comportamento ético e moral dos
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proossionais da área da saúde está expresso nos códigos de ética de suas proossões. No tratamento clínico da dor, em especial a dor aguda, é necessário levar em consideração a dependência psíquica e, eventualmente, física que alguns fármacos podem causar, devendo-se optar sempre por terapêuticas que minimizem esse inconveniente, como as associações de medicamentos ou de técnicas de aplicação. Contudo, nos doentes portadores de doenças de prognóstico reservado, o fator dependência aos fármacos torna-se irrelevante diante do benefício que eles podem proporcionar ao aliviar a dor e propiciar acentuada melhora da qualidade de vida. ASPECTOS BIOÉTICOS E TÉCNICAS ANALGÉSICAS Seguramente, pode-se aormar que, do ponto de vista ético, o melhor método terapêutico para tratar a dor é a remoção da causa responsável por sua origem, o que, infelizmente, nem sempre é possível.
Tratamento não invasivo da dor O tratamento não invasivo deve ser sempre preferido para o controle da dor, por ser mais simples, realizado com menos custos e por não ser invasivo ao paciente.
Tratamento farmacológico da dor É a técnica mais difundida e usada, em função de sua simplicidade, facilidade e eocácia na maioria das dores. Eticamente, é a primeira técnica a ser escolhida.
Acupuntura e hipnose A acupuntura e a hipnose, aplicadas com o consentimento tácito ou explícito do doente, não infringem os preceitos éticos e legais, desde que a indicação seja adequada e a técnica seja aplicada por especialista reconhecido.
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Terapia cognitivo-comportamental e biofeedback A terapia cognitivo-comportamental e o biofeedback são eticamente aceitos como métodos, técnicas ou recursos para o controle especialmente da dor crônica, desde que criteriosamente indicados.
Medicina física e reabilitação Os métodos usados pela medicina física, como termoterapia, laserterapia de baixa intensidade, eletroterapia, ondas de choque, cinesioterapia e métodos da terapia ocupacional, são considerados completamente éticos, desde que executados por proossionais capazes e legalmente habilitados e capacitados.
Parapsicologia e reflexologia A parapsicologia e a repexologia não são eticamente aceitas como métodos, técnicas ou recursos para o controle da dor aguda ou crônica.
Tratamento invasivo da dor Os tratamentos invasivos para controle da dor refratária ao tratamento não invasivo não trazem implicações éticas ou legais, quando indicados e executados com discernimento e habilidade por proossionais devidamente qualiocados e capacitados do ponto de vista técnico, cientíoco e legal.
Bloqueios anestésicos e técnicas neurolíticas Os bloqueios anestésicos e as diversas técnicas neurolíticas não trazem implicações éticas ou legais quando indicados e realizados por proossionais devidamente qualiocados e capacitados do ponto de vista técnico-cientíoco e legal, pois são de execução relativamente simples, prescindem de longa permanência em ambiente hospitalar e facilitam a reintegração do doente ao seio familiar.
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Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico, especialmente da dor aguda, costuma ter boa indicação. Em relação à dor crônica, contudo, deve ser considerado com precaução, pois muitas técnicas produzem lesões irreversíveis e somente se justiocam em doentes que tenham sido devidamente informados sobre as vantagens e desvantagens e os riscos e benefícios, nos quais todos os métodos menos agressivos tenham falhado. No entanto, pode ser extremamente útil no controle da dor do câncer ou de algumas síndromes dolorosas.
Estimulação elétrica do sistema nervoso central Os implantes de dispositivos para estimulação elétrica da medula espinal ou do encéfalo são eticamente aceitos, desde que a indicação não vise apenas a um ganho para o médico que realiza o implante, pois esses equipamentos têm um alto preço intrínseco.
Infusão crônica subaracnóidea de analgésicos Os implantes de dispositivos para a infusão crônica de analgésicos no espaço subaracnóideo são eticamente aceitos, desde que a indicação não vise apenas a um ganho para o médico que realiza o implante, pois esses equipamentos são altamente onerosos.
Tratamento neurocirúrgico Neurotomia periférica, simpatectomia, rizotomia, tratotomia espinotalâmica, nucleotratomia trigeminal estereotáxica, cordotomia, mesencefalotomia e talamotomia, quando indicadas com discernimento e bem executadas por especialistas de reconhecida competência, não trazem maiores implicações do ponto de vista ético. No entanto, a leucotomia pré-frontal é uma técnica de terapêutica neurocirúrgica de utilidade questionável, muito contestada por seus resultados problemáticos, que provavelmente infringe os dispositivos éticos e legais ao privar o ser humano de sua própria consciência e modiocar sua personalidade.
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Quimioterapia e radioterapia A quimioterapia e a radioterapia podem ser úteis no controle da dor do câncer, pois a redução da massa tumoral pode trazer alívio da dor causada pela compressão tumoral. Em muitos casos, porém, o alívio é temporário.
Terapêutica analgésica e encurtamento da vida Será correto abrandar, acalmar, diminuir ou mesmo cessar a dor quando isso puder trazer em seu bojo um provável, porém não desejado, encurtamento da vida? Se entre a ação da terapêutica analgésica e a abreviação da vida não for evidenciada qualquer relação causal direta pela vontade do doente ou do proossional da saúde, se a diminuição da dor não puder ser obtida de outra forma e se for intrínseco ao método aplicado o alívio da dor e o eventual encurtamento da vida, é lícito concluir que a ação pode ser considerada eticamente aceitável. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do tratamento de uma doença que cause dor, não há limites claros que deonam a transição entre insistir na terapêutica agressiva visando ao controle da dor e instituir medidas menos agressivas que apenas possam minorar o sofrimento. A terapêutica da dor tem como objetivo a promoção do conforto e o alívio do sofrimento, sem se esquecer das dimensões psicossociais dos pacientes e familiares e sempre respeitando o direito do paciente à autonomia e ao controle. Além disso, a relação entre proossionais de saúde e pacientes deve estruturar-se e fundamentar-se na integridade e na verdade, associadas à sensibilidade e à compaixão. O tratamento adequado da dor pode, sob o ponto de vista legal, ser passível de discussões. Entretanto, quando examinado pelo prisma da bioética, oca evidente que o proossional da área de saúde, ao procurar mitigar a dor do enfermo, deve exercer sua proossão de forma complexa, total e integral, demonstrando sempre extenso preparo cientíoco,
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indiscutíveis habilidades técnicas e, sobretudo, profundo respeito pela dignidade humana. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1. Oliveira SD. O paciente terminal dor cuidado paliativo e dignidade. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/19427/1/O-Paciente-Terminal-Dor-Cuidado-Paliativo-e-Dignidade/pagina1.html. Acesso em: 29 mar 2010.
BIBLIOGRAFIA 1. Fortes PAC. Ética, saúde e bioética: um convite à repexão. In: Séries monográocas da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 1997. 2. Pessini L. Humanização da dor e sofrimento humanos no contexto hospitalar. Rev Bioetica 2002; 10:51-71. 3. Pessini L, Barchifontaine CP. Problemas atuais de bioética. 2.ed. São Paulo: Loyola, 1994. p.14. 4. Pessini L. Uma repexão bioética sobre a dor, sofrimento e morte. In: Alves Neto O, Costa CMC, Siqueira JTT, Teixeira MJ. Dor – Princípios e prática. Porto Alegre: Artmed, 2009. p.344-52. 5. Posso IP, Posso MBS. A ética e a dor. In: Andrade Filho ACC. Dor – Diagnóstico e tratamento. São Paulo: Roca, 2001. p.75-8. 6. Schramm FR, Braz M. Introdução à bioética. Disponível em: http://www.ghente.org/ bioetica/index.htm. Acessado em: 29/3/2010. 7.
Segre M. Deonição de bioética e sua relação com a ética, deontologia e diceologia. In: Segre M, Cohen C. Bioética. 3.ed. São Paulo: EDUSP, 2002. p.27-35.
8. Potter VR. Bioethics: the science of survival. Persp Biol Med 1970; 14:127-53. 9. Potter VR. Bioethics: bridge to the future. Englewood Clifs: Prenctice Hall, 1971. 10. Vieira TR. Bioética e direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.
ÍNDICE REMISSIVO
A abordagem 75, 192 multidisciplinar 192 multiproossional 192 terapêutica 461 abuso de opioide 149 e dependência 148 ação anti-inpamatória 231 acetato de megestrol 513 acidente vascular cerebral 406 acupuntura 229 adaptação à personalidade 166 adjuvantes 195, 312, 334 agulhas 229 AMPA 20 analgesia 210, 292 controlada pelo paciente 210 espinal 293 regional 293 analgésicos 312, 392 anamnese 79, 319 anatomia 3
anemia falciforme 301 anestésicos locais 205, 273, 451 anorexia 510 anormalidades metabólicas 513 ansiedade 536 antagonistas NMDA 205 anticonvulsivantes 199, 412, 449 anticorpos antiglicolipídios 444 especíocos antinucleares 444 antidepressivos 196, 412, 535 duais 197 tricíclicos 449 anti-inpamatórios 171 apoio psíquico 496 ascite maligna 524 aspectos 390, 570 clínicos 390 osiopatológicos 390 interpretativos 297 legais 605 psicoespirituais 570 psicológicos 161
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da dor 158 trabalhados 137 assistência domiciliar 475 médica 216 assistente social 484 associação entre dor e deociência 218 atendimento psicoespiritual 571 aumento da permeabilidade vascular 25 aura 382 autoeocácia 139 autonomia 467, 472, 598 avaliação da dor 46 em crianças 318 psicológica 132, 134, 160
B baclofeno 204, 274 bandagens elásticas 524 beneocência 595, 599 benzodiazepínicos 207 bifosfonados 207, 313 bioética 595 biofeedback 222 biópsia(s) de glândulas 445 neuromusculares 446 bloqueadores NMDA 452 bloqueios 314 bradicina 28 bupivacaína 273 bupropiona 198 burnout 573
C cálculo da dose 329 canabinoides 206, 413 canais de Ca+2 31 câncer 307 capsaicina 207 caquexia 510 carbamazepina 200
cartões das qualidades da dor 66 cefaleia(s) 234, 381 da atividade sexual 394 em salvas (CS) 386 em trovoada primária (thunderclap headache) 395 primária da tosse 393 primária do esforço físico 393 tipo tensional (CTT) 389 células da glia 36 de Schwann 35 cervicalgia 366 Charcot-Marie-Tooth 419 ciclobenzaprina 204 citocinas 36 classiocação 408, 436, 522, 547 clonidina 273 clorpromazina 203, 502 cluster 386 codeína 183 comorbidade psiquiátrica 145, 146 complicações 275, 279, 384 condicionamento cardiovascular aeróbio 224 conduta 597 conoança 601 consentimento 599 constipação 189 intestinal 515 contraindicações 528 controle da dor 179, 288, 298 dos sintomas 491 conversão da dose 271 corno posterior medular 11 corticosteroides 177, 510 COX 29, 173 crença(s) 180 e pensamentos disfuncionais 138 critérios 475 diagnósticos 387 cuidado(s) com a pele 523 interdisciplinar 459 paliativos 459
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D decisões conjuntas 489 deonição 9, 127, 460 depagradores 391 delirium 529, 539 hiperativo 530 hipoativo 530 misto 530 demandas 482 dependência 191, 606 depressão 149 coexistente 154 e ansiedade 147 maior 534 respiratória 189 destruição tecidual 21 dexametasona 513 diagnóstico 76, 391, 442 de dor neuropática 433 diferencial 418 dioculdades 466 dignidade 485, 578 dimensão(ões) espiritual 584 dos cuidados paliativos 478 diminuição do puxo sanguíneo renal 175 dinâmica familiar 487 Direitos da Criança 318 discograoa provocativa 249 dispneia 492 disrepexia autonômica 225 distanásia 604 doença(s) crônicas 351 de Parkinson 410 desmielinizantes 95 do SNC 405 Doppler 90 dor(es) 41, 161, 295, 302, 372 abdominal 347 aguda 19, 287, 288 articular 352 cervical 365 como sintoma 152 crônica 19, 251
em idosos 71 em pediatria 70 espiritual 589 facetária 249 musculoesquelética 359 na mulher 342 na região lombar 368 nas mamas 344 neuropática 43, 234 no cotovelo 370 no joelho 371 no ombro 369 no pé 372 no quadril 371 no tornozelo 372 oncológica 234, 307 pélvica crônica 345 pelviperineal 345 pós-operatória 209 provocada 434 psicogênica 43, 145, 150 somática 42 visceral 7, 43 dorsalgia 366 DPOC 500 drenagem linfática manual 524 duloxetina 197 duração da dor 128
E edema 26 efeito(s) adversos 188 placebo 231 eletroosiológicos 86 eletroneuromiograoa 93, 442 emergência 295 encurtamento da vida 609 endotelina 32 enfrentamento 585 ENMG 94 enxaquecas 382 epiduroplastia 254 equipe multidisciplinar 217, 477
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ERK 33 escada 309, 310 analgésica 314, 326 da OMS 309 escala(s) analógica visual 50 facial de dor 51 graduada de dor crônica 53 multidimensionais 53 PACSLAC 59 PAINAD 59 PATCOA 61 unidimensionais 49 verbal descritiva 50 visual numérica 51 esclerose múltipla 410 escolha de um AINE 174 do agente 447 do exame 82 dos analgésicos 329 espasticidade 226, 407 espírito 583, 590 espiritualidade 584 estimulação elétrica 608 nervosa transcutânea (TENS) 325 medular 257 estímulo(s) 3 inpamatório 172 nocivo 11 estudo do liquor 445 ética 597 etiologia 406 eutanásia 604 evolução 550 exame(s) 83 complementares 75 de imagem 85 de sangue 97 do sistema nervoso autonômico 443 eletroosiológicos 93 físico 79, 320 geral 422 laboratoriais 86, 96, 443 mais adequado 83
neurológico 320 osteoarticular 321 subsidiários 80 exaustão 506
F fadiga 506 intensa 563 famílias 484 fator(es) prognósticos 464 psicossociais na dor crônica 130 reumatoide 102 fé 583 fentanil 187, 272 ferida oncológica 545 obras aferentes 12 obromialgia 110, 233, 372, 375 osiatria 217 osiopatologia 388, 437, 546 da dor radicular 252 fonofobia 383 fotofobia 383 fraqueza 400, 563
G gabapentina 200, 450 ganhos secundários 221 gonalgia 103 gradação 140 Guillain-Barré 419
H habilidades sociais 138 hemorragias 549 hidromorfona 187 hiperalgesia central 13 periférica 13 hipotireoidismo 422 história clínica 421 hospice 462, 476
DOR
I imagem estática 80 implante 271 importância clínica 402 imunobiológicas 355 imunossupressores 177 incapacidade 130, 216 independência funcional 227 indicações 135 de acupuntura 232 de neuroestimulação 278 indicadores 78 prognósticos 464 individualização 311 inpamação 22, 172 instrumentos padronizados 162 insuociência renal aguda 176 integração 461 integridade 601 interdisciplinaridade 476 internação hospitalar 474 intervalos oxos 311 intervenção(ões) 483 multidimensional 134 psicológica 484, 487 investigação diagnóstica 113, 354 hormonal 102
J juízo 78 julgamento clínico 76 justiça 600
K Karnofsky 463
L lesão(ões) direta 405 gastrointestinais 175 medular 225, 409
tecidual 287 tumorais 545 liberação de fármacos 266 limitações 466 linfedema 520 lombalgia(s) 233, 352 lúpus eritematoso sistêmico 422
M macrófagos 34 mal enxaquecoso 384 manifestações 353 sistêmicas 353 má(s) notícia(s) 468, 469 MAPK 33 mastócitos 34 mecanismo(s) de ação 276 de origem 408 de reforço 152 neuro-humorais 230 mediadores 173 inpamatórios 27 químicos 25 medicações 576 medicina física 215 nuclear 90 psicossomática 148 medidas de 564 conforto 564 higiene 564 para prevenção 218 sintomáticas gerais 495 melalgia 107 melhores técnicas psicoterápicas 166 Melzack e Wall 128 mensuração da dor 47 metadona 185 metilfenidato 509 micróglia 29 midazolam 532 mirtazapina 199 modalidade analgésica 292, 299
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modelo(s) 474 biopsicossocial 129 compreensivo 146 de cuidados 462 modulação 16, 290 monitoração do exsudato 551 mononeurite múltipla 426 mononeuropatia 427 morona 184, 272 intratecal 267 morte 589 iminente 563 multidisciplinaridade 476 multimodal 292 musicoterapia 567
N não farmacológicos 294 invasivo 606 maleocência 600 oncológica 269 náusea(s) 518 e vômito(s) 189, 232 necessário 83 neoespinotalâmica 4 neonatal 322 neuralgia pós-herpética 432 neurocirúrgico 608 neuroestimulação 275 neurolépticos 202, 313 neuromodulação 250, 413 neuronopatia 426 neuropatia(s) axilar 429 de membro inferior 427 desmielinizante inpamatória 425 diabética 423, 437 do nervo supraescapular 429 torácico longo 428 periféricas 417 NGF 31 NIPS 63
NMDA 20 NO 32 nociceptores 10 nutrição 566
O objetivos 447 da psicoterapia 136 obstrução intestinal maligna 526 odor 550 olanzapina 532 ombralgia 103 oncológica 268 opioides 179, 412, 452 endógenos 18 fortes 184 fracos 183 organização(ões) 478 familiar 488 origem 520 central 407 oxcarbamazepina 201 oxicodona 186 óxido nítrico 31 oxigenoterapia 499 ozônio 251
P P2X 30 pacing 140 PACS 82 padrão de esquiva 486 PainDETECT 435 paleoespinotalâmica 6 Palliative Prognostic Score (PaP) 465 pediatria 235 pensamentos catastróocos 139 PEPS 12 percepção da dor 21, 151 planejamento 467 plano de reabilitação 220 polimodais 10 polissonograoa 96
DOR
pontos dolorosos 375 pontos-gatilho 362 pororia 431 potencial de ação 35 evocado 95 preconceito 180 pregabalina 200, 450 preocupações 571 excessivas 537 prevenção e tratamento da dor 556 do prurido 557 princípios 596 bioéticos 598 procedimentos intervencionistas 243 neuroablativos 250 processamento da informação nociceptiva 16 processo doloroso 9 proolático 392 proolaxia 517 prognóstico 463 projeções descendentes 17 prostaglandina(s) 28, 173 protocolo SPIKES 470 psicocomportamentais 322 psicólogo 483 psicossociais 127 psicoterapia 135
radioterapia 308 reabilitação 215 reação(ões) neuroendócrinas 291 orgânicas 157 vascular 22 realidade 77 recém-nascido 317 receptores 182, 289 k 182 m 182 opioides 18, 181 recursos físicos 323 reeducação muscular 224 rejeição social 546 relatos clínicos 219 relaxantes musculares 203 religiosidade intrínseca 585 repercussões 290 emocionais 160 resposta(s) celular 22 osiológicas 297 neuroendócrinas 298 ressonância nuclear magnética 89 retenção urinária 190 reumatologia 351 revolta 486 risco de adição 149 dos exames 84 Rosing 226
Q QST 434 quadro clínico 527 qualidade de vida 460, 485, 606 queimados 300 questionários 163, 435 quimioterapia 308
R radiologia convencional 86 contrastada 86
S SACC 513 sangramentos 549 SDRC 112 sedação 190 paliativa 573, 574 seleção do método 270 dos fármacos 271 dos pacientes 268, 277 sensação de dispneia 499
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MAN UAIS D E ESP ECI AL I Z AÇÃO
sensores 92 ser humano 596 serotonina 30 signiocado da vida 586 psicológico 151 sinais 561, 563 de alerta 396 e sintomas 424 síndrome complexa de dor regional 399 de dor regional complexa 111 de POEMS 425 dolorosa miofascial 109, 233, 362 do túnel do carpo 370, 428 miofascial 222 neuropsiquiátrica 530 sintoma(s) 423, 547, 561 concomitantes 491 doloroso 41 psicossomático 159 refratário 574 sensoriais 418 sistema(s) de codiocação facial neonatal 52 de infusão 267 implantáveis 266 límbico 7 neurovegetativo 291 osteomuscular 351 sobrevida 465 sofrimento 481, 537, 602 espiritual 587 soluço(s) 500 persistentes 502 sororoca 500 SPIKES 469 SPIRIT 587 suporte familiar 165
T taxas de incapacitação 361 técnicas de implante 276
de relaxamento 140 neuroablativas 452 tendinopatias 372 tentativas de adaptação 160 teoria da comporta 17 energética 231 terapêutica analgésica 609 desproporcional 604 terapia combinada 355 intervencionista 241 ocupacional 227, 566 terminalidade 561 termograoa 92 infravermelha 91 testes 163 de laboratório 433 sensitivo-quantitativo 433 tetraplegia espástica 225 tipo(s) de dor 241, 411 tolerância 191 tomograoa computadorizada 87 topiramato 202, 451 tosse 503 toxina botulínica 221 trabalho em equipe 489 tramadol 184 tratamento 354, 385, 388, 411, 446, 493, 525 analgésico 210 da dor neuropática 448 da hemorragia 553 das feridas tumorais 552 do exsudato 555 do odor 551 farmacológico 325, 523 na OIM não operável 529 intervencionista 241, 261 invasivo 607 modulador da dor (não ablativos) 265 preventivo 392 psicológico 164 trato espinomesencefálico 15 espinorreticular 15
DOR
espinorreticulotalâmico 6 espinotalâmico 14 lateral 4 paleoespinotalâmico 14 trauma 299 tecidual 289
U ultrassonograoa – ecograoa (ECO) 90 urgência 295
V vaso-oclusiva 302 venlafaxina 198 vertebroplastia 255 via(s) oral 310 de administração 188 vivência catastróoca 154 viver verdadeiramente 589 voluntários 477 vômitos 518
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O Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein oferece cursos de especialização lato sensu para diversas áreas da medicina, biomedicina, enfermagem, farmácia, fisioterapia, psicologia, entre outras, ampliando o diferencial competitivo do Hospital no quadro das instituições de saúde de vanguarda no Brasil e no exterior. A série de Manuais de Especialização Einstein, destinada a graduandos e pós-graduandos, traz a experiência acumulada de profissionais e especialistas das diferentes áreas, interfaces e disciplinas que compõem os cursos de especialização e de instituições renomadas no país. O décimo manual – Dor – aborda temas complexos e desafiantes como doença própria do indivíduo, e não como um sintoma, por meio de ações multiprofissionais e interdisciplinares. Começa pela definição e fisiopatologia da dor, e segue por sua avaliação. São abordados também os aspectos psicológicos e o tratamento da dor, além da medicina intervencionista, para, então, discorrer sobre temas especializados, como os principais aspectos da dor aguda e as síndromes dolorosas crônicas. Para finalizar, há uma seção dedicada aos aspectos bioéticos. Este Manual traz uma grande contribuição à abordagem compreensiva e objetiva da dor e dos cuidados paliativos, além de discutir as necessidades do paciente em sua integralidade como ser humano. Esta obra reflete o objetivo principal da série, que é contribuir com temas estratégicos na transmissão do conhecimento científico atualizado, ao acompanhar as transformações das ciências da saúde, e promover um atendimento intra-hospitalar humanizado, de qualidade e que possa ser divulgado para diferentes serviços e áreas de atuação. As Editoras
978-85-7868-205-7