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SÉRIE: 77Z VOLUME: 131 TÍTULO: SANGUE NA SELVA CAPA: BENICIO AUTOR: MIKE STANFIELD EDITORA: MONTERREY ANO DA PUBLICAÇÃO: 1981 PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 70,00 PÁGINAS: 128
SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL
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SANGUE NA SELVA MIKE STANFIELD
Capa de BENICIO
PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE
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EDITORA MONTERREY LTDA. Rua Visconde de Figueiredo, 81 Caixa Postal 24.119 — ZC-09 20550 TIJUCA – Rio de Janeiro - RJ Fones: 234-8398 e 248-7067 ------------------------------------------------------------
© EDITORA MONTERREY LIMITADA MCMLXXXI Publicação no Brasil Composto e Impresso pela GRÁFICA LUX LTDA. Distribuído por: FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.
Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer semelhança terá sido mera coincidência.
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PRÓLOGO Caía uma chuva fina e insistente sobre a diminuta aldeia perdida no interior das selvas. Parecia ter-se estabelecido uma tênue e quase opaca atmosfera cinzenta, formando uma cortina líquida, estendendo-se do céu à terra. As águas, batendo de encontro às copas das grandes árvores da floresta tropical, gotejavam sobre os tetos de palha das rudimentares cabanas, escorrendo ao longo de tortuosos caminhos de terra e perdendo-se no interior da escura jângal. A aldeia devia ser composta de, no máximo, duas dezenas de toscos e precários casebres, parcialmente ocultos pela luxuriante vegetação e dispostos circularmente em torno de uma clareira, aberta à guisa de praça única da povoação e transformada, naquele instante, num vasto lamaçal. Indiferentes à chuva, alguns homens, trajando amplas e folgadas mantas de algodão de vidro colorido, trabalhavam em modestas roças de amendoim e juta, enquanto crianças brincavam, alegres e descontraídas, chafurdando no barro da clareira, atentamente vigiadas pelo olhar de suas mães, que, sentadas à soleira das portas, trançavam pacientemente tiras de vime, produzindo cestos e outros utensílios domésticos. Sabiam, por um conhecimento adquirido ao longo de muitas gerações, que deveriam dar andamento às suas —6 —
tarefas quotidianas enquanto não chegavam as fortes tempestades trazidas pelo clima de monções, o que deveria ocorrer dentro de um dia ou dois. A aldeia, perdida no interior da floresta, parecia constituir um mundo à parte, completamente isolado da humanidade e onde não chegavam os ecos da civilização. Durante séculos, eles e seus antepassados haviam sobrevivido, em paz e tranquilidade, praticando a agricultura de subsistência, mantendo-se à margem da História e desconhecendo todas as comodidades e também os perigos da vida moderna, ignorando guerras, revoluções, cataclismos e conflitos. Como faziam desde tempos imemoriais, viviam e deixavam viver. Parecia ser extremamente improvável a ocorrência de algum fato que pudesse perturbar a paz milenar que reinava no mísero agrupamento de choças, um oásis de tranquilidade mergulhado nas profundezas da jângal. Não era razoável supor que o homem civilizado, acompanhado por seu cortejo de avanços científicos, se dignasse sequer a tomar conhecimento do lugarejo que nem ao menos figurava nos mapas. No entanto o impossível pode acontecer. Os ecos da civilização chegaram sob a forma do ruído característico de motores. Os homens, inclinados sobre enxadas e ancinhos, passaram a mão pelas testas molhadas e olharam na direção da trilha de asnos que seguia para o sudoeste. As crianças imediatamente cessaram seus folguedos, atentas ao rumor tão raramente ouvido, erguiam-se lentamente na soleira das portas, refletindo a expectativa e o medo em seus olhos negros. Alguns minutos depois era possível distinguir, por entre as lianas enrodilhadas nos troncos das árvores, dois jipes —7 —
que se aproximavam da clareira com grande dificuldade, avançando aos arrancos em meio à lama. Seguiam os jipes cinco ou seis homens a pé, botas rústicas de pele afundando no solo encharcado. Engrenando a primeira marcha com redução, os motoristas dos jipes conseguiram conduzir seus veículos, a muito custo, até o centro da clareira, afugentando as crianças que ali se encontravam. Saltaram do interior dos jipes oito homens trajando túnicas de cores escuras, com predominância para o verde e o preto. Todos eles empunhavam fuzis-metralhadoras de fabricação moderna. Um deles, o que parecia ser o chefe do grupo, utilizava um vistoso turbante verde-oliva, preso por um medalhão de esmeraldas. Tudo era silêncio. Abandonando suas roças, os homens aproximaram-se dos oito indivíduos, enquanto estes rapidamente se espalhavam por toda a clareira. As mulheres, intrigadas, aproximaram-se dos veículos estacionados, enquanto um dos meninos, de oito ou dez anos de idade, chamava o seu cão, que se afastara espavorido com o rumor dos motores: — Volte, Rajay! Volte! Não há problema! G pai do garoto fez-lhe um gesto e ele calou-se. As aves da selva afastaram-se numa revoada, após emitir pios agudos. O silêncio restabeleceu-se e somente foi quebrado alguns minutes mais tarde pela voz forte do homem de turbante verde: — Quem é o chefe desta aldeia? Instintivamente todos olharam para um ancião de seus oitenta anos, de longas barbas, com o tronco inclinado sobre uma bengala, e que acabara de chegar dos limites da floresta. O velho aproximou-se do líder do grupo com passos lentos, enquanto os homens de túnicas escuras —8 —
faziam menção de apontar-lhe as armas. Com um gesto, o moreno gigantesco de turbante verde fez com que os canos dos fuzis-metralhadoras fossem baixados. — Você é o chefe? — indagou o líder dos homens armados, medindo o ancião de alto a baixo com um olhar de manifesto desprezo. Este último sustentou o olhar e respondeu, em voz mansa e pausada: — Não, meu senhor. Aqui não existem chefes. Sou apenas o homem mais idoso da aldeia. Oriento os jovens quando eles pedem o meu conselho. O homem de turbante não conteve um gesto de impaciência. — Quantos moram aqui, meu velho? — Se o senhor me disser o propósito de sua visita, poderei ajudá-lo de forma mais concreta. Com a chuva escorrendo pela barba negra e cerrada, o outro mirou fixamente o velho por alguns instantes. De súbito ergueu a mão direita, apontando para os casebres. A tensão era algo palpável, pairando no ar. Os habitantes da aldeia não chegavam a compreender bem o que estava ocorrendo, mas sabiam instintivamente que não poderia ser nada de bom. — Vamos! Façam seu trabalho! O grito do homem de turbante verde, dirigido a seus comandados, pareceu ser o sinal para que uma explosão de violência ocorresse. Rapidamente, como executando uma operação já ensaiada, meia dúzia de indivíduos fechou o cerco em tomo da clareira, apontando ostensivamente as modernas armas para os espantados e indefesos aldeões. Os restantes correram para as portas das. choupanas, afastando rudemente as mulheres que ali se encontravam. Com violentos chutes, derrubaram as portas que se achavam —9 —
fechadas, invadindo as habitações e disparando os fuzismetralhadoras. Uma das mulheres, que tentava desesperadamente impedir a invasão de sua casa, foi brutalmente agarrada c, com um safanão, lançada com o rosto na lama. Seu marido, contemplando a cena, cego de fúria e angústia, tentou desorientadamente reagir à bestial agressão. — Hassan! Não! Com a culatra do fuzil, um dos homens golpeou o rosto do aldeão, que, freado em sua corrida em direção à mulher, tombou de borco no barro, com o maxilar partido. Aproximando-se, o indivíduo que o atingira pôs-se de pé diante do nativo, descarregando-lhe com a arma violentas pancadas nas costas, às vistas da mulher, que chorava e gritava histericamente. Com os lábios tremendo de indignação, o ancião saltou sobre o homem de turbante verde, empunhando a bengala, numa frágil tentativa de cessar com aquela violência gratuita e inesperada: — Por que fizeram isso? Por quê? O líder estendeu a mão. A bofetada estalou no rosto do velho. — Fora, velhote. Você ainda não viu nada. A esse tempo, o pânico era geral. Após destruir a balaços os casebres os asseclas do homem de turbante empurraram com o cano das armas as mulheres e crianças para o centro da clareira, onde já se encontravam os homens. Alguns foram arrastados pelo chão, como o homem que tivera o maxilar quebrado. Ficaram todos ali, espavoridos e desorientados, tremendo sob a chuva, sem conseguir atinar com tudo o que ocorrera em tão pouco tempo.
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Com o olhar turvo e a visão nublada devido à chuva, à dor e às lágrimas, o ancião ergueu-se com dificuldade. Suas vestes alvas estavam inteiramente enlameadas. — Por quê esta violência? Não fizemos nada a vocês nem a ninguém! O que querem de nós? Uma criança iniciou um choro convulsivo. — Pai, quem são eles? Por que bateram em mamãe? O pai afagou os cabelos negros do garoto. — Tenha calma, meu filho. Confiemos em Krishna, que tudo sabe e tudo vê. É só o que nos resta fazer. O homem de turbante verde-oliva olhou com cruel satisfação para seus prisioneiros indefesos. Eram cerca de quarenta a cinquenta pessoas, humildes e pacíficas, amontoadas no centro da clareira, cercadas por uma dúzia de indivíduos de aspecto truculento empunhando firmemente as armas. Um terrível pressentimento instalara-se no espírito dos aldeões. De algum modo, sabiam que aquilo era o fim. Não sabiam por que ou para que, mas tinham certeza de que a morte estava próxima para todos eles. Enfim, a civilização chegara, e da pior forma possível. Paciência. Restava apenas aguardar a reencarnação, e se possível em forma de árias. O homem de turbante deu a ordem de atirar. Alguns aldeões se espantaram. As mulheres começaram a gemer e gritar, enquanto um total assombro e incompreensão estampava-se no rosto das crianças. A maioria dos homens, porém, fechou resignadamente os olhos e aguardou o instante em que seus corpos seriam destroçados pelas balas. Durante dois minutos os fuzis-metralhadoras vomitaram, fogo continuamente sobre a massa humana. Pouco a pouco os gritos e o choro foram se extinguindo.
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Alguns gemidos que ainda se ouviam foram rapidamente silenciados por chuvas de balas de grosso calibre. Quando a noite caiu, o único cadáver que ainda podia ser distinguido com certa nitidez era de um menino de cerca de dez anos, ensanguentado, e agarrando firmemente com as mãos sem vida o corpo de seu cãozinho de estimação. A chuva carregava através das trilhas da selva um rio de sangue.
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CAPÍTULO PRIMEIRO Guerrilha no Oriente Às sete horas da noite, enfrentar o tráfego pesado da Oitava Avenida, em Nova Iorque, não é propriamente uma tarefa agradável. Muito embora a população que trabalha no centro da Capital do Ocidente prefira o metropolitano para deslocar-se, os poucos que constituem exceção são suficientes para promover os engarrafamentos das grandes avenidas, como o que ocorria naquele instante. No entanto um superesportivo Maseratti Bora dourado conseguia, a custo, esquivar-se por entre as longas filas formadas por automóveis maiores, evitando o trecho mais problemático, em frente do Macy's, e prosseguindo adiante da 14th Street. O motorista do carro fora de série acompanhou o tráfego por mais uns quinhentos metros e então parou, na esquina da Oitava Avenida com a 23nd Street, próximo ao Christopher Sherican Square. A fim de não prejudicar o tráfego dos demais veículos, o motorista do Maseratti abriu rapidamente a porta do carro. Um homem alto e magro, de sobretudo cinza, entrou rapidamente no veículo e este reencetou sua marcha ao longo da Oitava Avenida, entrando logo adiante à direita na 42nd Street, rumo a Columbus Circle.
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O proprietário de um esportivo italiano tão especial só poderia ser, também, um homem especial. De fato. O homem alto, louro, de traços viris e expressão decidida que conduzia o espetacular Maseratti a sessenta quilômetros por hora em primeira marcha através de Columbus Circle, exigindo o motor a cinco mil rotações, era, na verdade, o internacionalmente conhecido playboy Horace Young Kirkpatrik. Físico atlético, cerca de trinta e cinco anos, Kirkpatrik exercia a função de presidente da poderosa empresa K.K.K. Steel, Ltda.., um consórcio de usinas de aço com filiais em praticamente todo o mundo. Jovem, milionário, inteligente e bon-vivant, Kirkpatrik era invejado pelos homens e idolatrado pelas mulheres, que viam nele o tipo masculino ideal. De modo descontraído, o presidente da K.K.K. Steel, habitando suntuosas mansões e frequentando o jet-set internacional, ia cultivando a sua imagem e exercendo irresistível fascínio sobre o sexo frágil. Porém, o que pouquíssimas pessoas sabiam era que, além de empresário bem-sucedido, Kirkpatrik atuava pela Central Intelligence Agency, a CIA norte-americana, como o agente 77Z, a serviço do Departamento 77, um dos mais secretos setores da organização de espionagem. Graças ao seu estilo de vida alegre e informal, embora altamente refinado e sofisticado, Horace Young Kirkpatrik conseguia ocultar este aspecto de sua atividade, o de agente secreto. Algumas vezes atuava também como o temido Máscara Negra, espião de triste memória para os inimigos, quando se encontrava a serviço do DCA (Department of Couvert Activities), seção da CIA dedicada a promover atentados políticos, sequestros, sabotagens e operações reservadas semelhantes.
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A seu lado, no banco dianteiro do Maseratti Bora, sentava-se Mr. Lattuada, um homem de cerca de cinquenta anos, alto e magro, rosto sulcado por rugas profundas e, surpreendentemente, aparentando jovialidade. Como um dos diretores da CIA, Mr. Lattuada, o responsável pelo Departamento 77 da CIA, constituía-se no chefe direto de Horace Young Kirkpatrik, o agente 77Z. Com a mão esquerda, enquanto mantinha a atenção presa ao tráfego, o louro espião acendeu um cigarro Avrupa, turco, aromático e de forma ovalada, enquanto oferecia a caixa a Mr. Lattuada. Tragou a fumaça com visível prazer. — Por que todo este mistério, chefe? — Não se trata de um enigma, Horace. Cheguei há poucas horas da central da CIA, em Langley, e telefonei em primeiro lugar para seu escritório. Como você não se encontrava lá, deixei recado em sua casa para se encontrar comigo na esquina da Oitava com a Vinte e Três. O agente 77Z lançou uma baforada, enquanto desviavase de um Chevrolet Corvette. — Com efeito, estive em meu escritório regional de Pittsburgh. Ocorreram alguns imprevistos com relação aos meus negócios. Na verdade, o fornecimento de minério de ferro para as minhas aciarias na índia foi drasticamente cortado, e eu tive que informar-me a respeito da situação. De qualquer modo, o que prefere, Mr. Lattuada? Vamos ao restaurante chinês, o ponto de encontro secreto, ou ao escritório central? — Vamos ao escritório. Lá poderemos ficar mais à vontade. Eram quase oito horas quando o Maseratti Bora entrou no estacionamento subterrâneo do edifício-sede da K.K.K. Steel, Ltda. Kirkpatrik e Mr. Lattuada subiram até o último
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andar do prédio, onde se situava o escritório central particular do milionário playboy louro. Na ante-sala do escritório, depararam-se com Miss Ventura Marble, secretária executiva de Kirkpatrik, que, ao vê-los, levantou-se da cadeira como se impulsionada por poderosa mola. — Mr. Kirkpatrik! Até que enfim chegou! Eu já começava a ficar preocupada, e... Calou-se bruscamente ao notar Mr. Lattuada acompanhando seu chefe. Miss Marble, uma cinquentona alta e espigada, solteira, trabalhava durante muito tempo na K.K.K. Steel, e sua lealdade à instituição era a razão de ser da sua vida. A par disto, desenvolvera, devido aos seus instintos maternais, uma atitude de superproteção dirigida ao jovem presidente da empresa, a quem procurava afanosamente defender dos perigos e armadilhas da vida. Por esta razão, sentia uma instintiva aversão a Mr. Lattuada, a quem ela conhecia sob a identidade de Mr. Smith, e que julgava ser um homem ligado a todos os vícios e perversões existentes na terra, um verdadeiro Sardanapalo prestes a desencaminhar o inexperiente Mr. Kirkpatrik mediante orgias e bacanais dignas de um sabbath. Evidentemente a secretária desconhecia a verdadeira atividade e identidade de Mr. Smith, mas sabia que, quando seu chefe era por ele visitado, invariavelmente partia em viagens que chegavam a durar semanas, e regressava com o aspecto característico de ter enfrentado mil perigos. Baixando os olhos para o chão, Miss Marble murmurou: — Perdão, Mr. Kirkpatrik. Não percebi que estava acompanhado por Mr. Smith... O presidente da K.K.K. Steel fitou a secretária com um sorriso nos lábios. — 16 —
— Não se preocupe, Miss. Marble. Está tudo bem. Não tive tempo de me comunicar com o escritório. De qualquer modo, agradeço-lhe pelo interesse. Ruborizada, a secretária manteve o olhar fixo no chão. — Ademais, o expediente já terminou. Não seria justo retê-la por mais tempo. Sei que se preocupou por mim, mas, como vê, estou bem. E agora preciso trocar ideias com Mr. Smith. Inquieta, Miss Marble conseguiu tartamudear: — Vai ficar... a sós... com Mr. Smith? Emitindo um suspiro, Kirkpatrik apoiou ambas as mãos nos ombros da secretária. — Por favor, Miss Marble. Temos um assunto urgente a tratar. Prometo que me manterei longe de confusões e encontros indecentes, se é o que teme. Agora, peço-lhe, vá para casa antes que se instale uma fila imensa no guichê de Bowling Green. Desconsolada, mas impedida de resistir às instruções de seu patrão, Miss Marble retirou-se, vociferando contra a presença de Mr. Smith e as tentações do vício. Foi seguida e contemplada por um sorriso cínico da parte do nebuloso diretor da CIA. Os dois homens penetraram no escritório particular. Kirkpatrik trancou a porta e, enquanto Mr. Lattuada acomodava-se numa poltrona, o presidente da K.K.K. Steel serviu duas doses de bourbon com cubos de gelo. — Estou às suas ordens, Mr. Lattuada — disse o louro, sorvendo um gole da bebida. O diretor da CIA abriu a pasta que apoiara sobre os joelhos. — Temos mais uma missão para você, Horace. E é muito perigosa. O agente 77Z sorriu. — 17 —
— Não é difícil imaginar isso. Raramente os nossos encontros ocorrem por motivos puramente sociais. O que ocorreu desta vez no mundo, preocupando a CIA e exigindo a minha intervenção? — Trata-se de uma situação muito grave ocorrendo no Oriente. — Ora, chefe! Aprecio muito o Oriente, mas, há não muito tempo, estive no Japão e não fui recebido de modo propriamente amistoso. (*) (*) ver ESTATUETA ASSASSINA, Vol. 127 desta coleção. Mr. Lattuada estendeu para Kirkpatrik um dossiê contendo vários carimbos de Top Secret na capa. — Sei disso, Horace. Realmente você teve muita sorte em conseguir escapar com vida das garras dos Dragões do Deserto. No entanto nossos problemas atuais residem no Kafir. Conhece esse país? — Claro! Uma nação pequena, situada a nordeste da Índia, no meio das selvas, numa situação estratégica entre Bangladesh, Burma, o Butão e a China. É um dos remanescentes dos pequenos protetorados mantidos pelos ingleses naquela região, no tempo do Império Britânico. Afora a sua importância estratégica, dispõe também de grandes reservas de minério de ferro. E é justamente por isso que vem me provocando aborrecimentos. — Como assim, Horace? — Eu estava importando minério do Kafir para minhas usinas de aço a nordeste da Índia, mais precisamente em Calcutá e Patna. No entanto, parece que, devido a revoluções que estão ocorrendo no país, a única estrada de
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ferro do Kafir foi dinamitada por guerrilheiros, e perdi uma grande remessa. — Exatamente. É a guerrilha que está afetando nossos interesses no Kafir. Enquanto Kirkpatrik acendia um longo cigarro aromático, Mr. Lattuada prosseguiu: — Na verdade até o ano 1948 o Kafir era governado por um sultão. Nesse ano, um golpe de estado aboliu a monarquia e o país adotou o regime republicano, vivendo em boas relações com os seus vizinhos. Entretanto, desde que o atual presidente foi empossado, em 1976, a nação vem sendo sacudida por uma série de conflitos internos. Uma frente nacional de oposição ao regime do presidente Jaya Bahadur foi formada, e isso degenerou na guerrilha que agora assola o país. — Quais são, na verdade, as tendências políticas do regime? — O presidente Bahadur é nosso amigo e aliado. Inclusive, estão sendo articulados os preparativos para uma visita oficial que ele fará ao Presidente Reagan no final do ano, em Washington. — Nesse caso, a guerrilha deve ser de esquerda. Mr. Lattuada tomou mais um gole de bourbon. — Pelo que nos informou Bahadur, eles são próPequim. Mas isto não é o mais grave. O pior de tudo é que, desde que começaram a agir, há cerca de um ano, os guerrilheiros estão tentando afogar o Kafir num mar de sangue. Além dos atentados e sequestros políticos já previsíveis no caso, e das ações terroristas voltadas contra o patrimônio do Kafir e os interesses ocidentais, eles voltaram sua fúria criminosa contra os próprios nativos do país, promovendo verdadeiros massacres entre a população. Kirkpatrik refletiu durante alguns minutos. — 19 —
— Isso não faz sentido, Mr. Lattuada. Que os guerrilheiros e terroristas atentem contra a vida e o patrimônio de cidadãos do Ocidente ou de representantes do governo, e mesmo que desejem prejudicar seriamente os interesses norte-americanos no país, é algo compreensível e lógico, dada a sua orientação política. No entanto eles não podem pretender a vitória agindo contra o próprio povo. Em geral, os movimentos guerrilheiros que não contam com o apoio popular estão irremediavelmente fadados ao fracasso. — Eu sei, Horace. É justamente o que está ocorrendo no Kafir. A fim de conjurar o perigo, Bahadur implantou o estado de sítio e a lei marcial no país, recorrendo ao auxílio dos militares. Segundo os últimos informes da CIA, o Kafir parece um campo de batalha. Bahadur, sentindo que está arriscado a perder o controle da situação, solicitou urgentemente o nosso auxílio-. — Para liquidar a guerrilha, claro. — Justamente. — E como faremos isso? Enviando técnicos, tropas, assessores militares, material bélico e o mais? — Não. Enviando você. Kirkpatrik permitiu-se emitir uma risada. — Ora, por favor, Mr. Lattuada! — É isso mesmo, Horace. Nossos analistas políticos chegaram à conclusão de que uma intervenção armada convencional no Kafir seria prejudicial e contraproducente, dado o estado de tensão por que passa o mundo atualmente. O nosso auxílio em caráter oficial a Bahadur certamente provocaria violentos protestos do mundo inteiro, sem falar nos russos, chineses e indianos. A situação poderia deteriorar-se rapidamente com o nosso envolvimento e o Kafir transformar-se num novo Vietnam. Você sabe que nossos homens no Pentágono não suportam mais ouvir falar — 20 —
em guerrilha nas selvas. Além disso, o risco é muito grande. Tropas americanas no Kafir podem ser o estopim para um conflito de proporções bem maiores. E o perigo do holocausto nuclear é um fantasma que não pode ser afastado. O louro milionário suspirou profundamente. — E por tudo isso eu sou o encarregado de ir lá, matar todos os guerrilheiros e, como um cowboy de filmes classe B, salvar o mocinho Presidente Bahadur do perigo que corre. Sabe, Mr. Lattuada? — Kirkpatrik estalou os dedos de repente —, até que a coisa não é tão difícil de ser feita. — Como assim? — o diretor da CIA inclinou-se para a frente, interessado. — Claro — redarguiu o agente 77Z —, vou explicarlhe meu plano, que é muito simples: em primeiro lugar, telefono para o Super-Homem e o Capitão América. Depois... — Sem sarcasmos, Horace, por favor. Na verdade, o DCA apresentou um projeto não muito difícil de ser executado, embora envolva altos riscos para você. — Então deverei atuar como o Máscara Negra. — Exato. Seria impossível e desnecessário liquidar todos os guerrilheiros. Portanto sua missão consiste em, chegando ao Kafir, localizar o quartel-general dos terroristas e executar os três líderes mais importantes. Feito isto, deixaremos que o próprio exército regular dos kafireses se encarregue de desmantelar a organização da guerrilha. Kirkpatrik espalmou as mãos sobre a mesa. — Mr. Lattuada, você sabe muito bem que eu detesto esse tipo de missão. Considero nojento matar pessoas a sangue-frio, assassinar homens que jamais vi em minha vida e que nunca me fizeram mal algum, pessoalmente. — 21 —
— Sim. No entanto você não estará lidando com seres humanos normais. Esses indivíduos, gente extremamente cruel, são verdadeiras bestas-feras, capazes de perpetrar crimes horríveis. Há poucos dias um comando guerrilheiro atacou uma pequena aldeia no interior da selva, massacrando mais de cinquenta pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Foi uma chacina fria, bestial e desnecessária. As crianças também jamais fizeram mal algum a esses guerrilheiros. Veja as fotos distribuídas pela agência oficial de notícias do Kafir. Abrindo o dossiê, o diretor da CIA mostrou um grosso maço de fotografias tiradas no que restara da aldeia após o ataque. Kirkpatrik folheou algumas e, fechando os olhos, recusou-se a prosseguir. — Está bem, Mr. Lattuada. Aceito a missão. — Ótimo, Horace. Já está tudo preparado segundo o plano traçado pelo DCA. Como já foi feito em ocasiões anteriores, você irá ao Kafir sob a identidade de Horace Young, jornalista a serviço do News Globe, pretextando cobrir os últimos acontecimentos no país. (*) O Ministro da Informação do Kafir, Coronel Yahya Nadur, foi cientificado e deverá dar-lhe todo o apoio enquanto você estiver lá. Tropas do exército kafirês vão levá-lo até próximo da zona ocupada pelos guerrilheiros, uma vez que você apresentar-se-á como correspondente de guerra. A partir daí localizar o esconderijo dos chefes terroristas e executá-los corre por sua conta. Será muito arriscado, você já percebeu, e por isto terá que contar ao máximo com sua sorte e inteligência. Feito o serviço, é necessário regressar à zona controlada pelo exército para poder ser resgatado. (*) ver ANTIMATÉRIA, Vol. 126 desta coleção.
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Mr. Lattuada extraiu mais algumas fotos do dossiê. — Veja, Horace, estes são dois dos líderes que você deve eliminar. Kirkpatrik examinou o primeiro grupo de fotos. Retratavam um homem jovem, cerca de trinta e cinco anos, de cabelos negros e curtos, de rosto fino fortemente amorenado, ostentando um meio sorriso. — Esse é Zakir Al-Muhtad, mais conhecido como Comandante Vermelho. É o líder das minorias muçulmanas do Kafir e chefe geral de operações de guerrilha. Trata-se do cérebro militar dos terroristas, segundo nossas informações. O segundo homem retratado era inteiramente diferente. Alto, corpulento, de rosto redondo e barba negra cerrada, aparecia em todas as fotos utilizando um turbante verdeoliva. — Você está vendo Sanjay Ladak, o ideólogo do grupo. Trata-se de um indivíduo insubstituível dentro da organização guerrilheira, pois mantém contato com o terrorismo mundial e é provavelmente o conseguidor de fundos financeiros, armas e munições para a guerrilha. Sem ele, os terroristas estarão perdidos. Kirkpatrik depositou os retratos sobre a mesa. — Mr. Lattuada, você falou há pouco em três líderes. — Sim. E o terceiro, que é justamente o chefe de toda a organização, não é por nós conhecido. Não temos fotos e nem ao menos sabemos o seu nome verdadeiro. Tudo o que sabemos a respeito dele é que se faz chamar Comandante Z. A sombra de um sorriso passou fugaz pelos lábios do louro milionário. — Como que então, além de assassinar esses dois figurões, que devem dispor de uma segurança brutal, tenho
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ainda que descobrir a verdadeira identidade do misterioso Comandante Z para executá-lo em seguida? — Certo, Horace. A missão é tão perigosa que os altos escalões me consultaram a respeito e o único nome que pude apontar foi o seu. — Muito obrigado. — Vou ignorar a sua ironia. De qualquer modo, para proteger a sua identidade de 77Z, estamos enviando para o Kafir um outro agente da CIA, cuja missão é exatamente não fazer nada. Assim, quando o caso for resolvido, o serviço secreto do país acreditará que foi o outro espião quem agiu na realidade. Ele deverá circular pelo país, dando a impressão de que procura os guerrilheiros. — Mas... Violet não me acompanhará nesta missão? (*) (*) ver MISSÃO: MATAR, Vol. 123 desta coleção. — Não. Sua companheira do Departamento 77 encontra-se agora no Irã. Em resumo, você não terá o auxílio da agente 77Y nem de mais ninguém. Confiamos plenamente na sua capacidade. Contrafeito, Kirkpatrik serviu mais duas doses de bourbon. — Está bem. De mais a mais, essa guerrilha trouxe-me razoáveis prejuízos financeiros. Portanto, enquanto sigo para o Kafir, vou eximir a CIA do pagamento pelos lucros cessantes da K.K.K. Steel, já que, resolvendo o problema da Agência, resolvo também o meu. De um modo insólito, é claro, pois ninguém espera que um dirigente de empresas prejudicadas parta para executar pessoalmente líderes terroristas. Se esses guerrilheiros malucos não tivessem cometido tantas atrocidades, eu nem pensaria na possibilidade de arvorar-me em anjo exterminador. — 24 —
Mr. Lattuada levantou-se da poltrona, estendendo um envelope pardo ao louro milionário. — Aqui estão as passagens para o Kafir. Voo 1014 da Air índia de Nova Iorque a Calcutá e voo 003 da Royal Nepal Airlines de Calcutá e Rasham, capital do Kafir. Esteja amanhã às oito no Aeroporto Kennedy. Os dois homens apertaram-se as mãos, enquanto Mr. Lattuada fitava atentamente o louro milionário. — Boa sorte, Horace. Após a saída do diretor da CIA, Kirkpatrik esteve refletindo por muito tempo, com as mãos cruzadas atrás da nuca e o cigarro aromático preso aos lábios. O copo de bourbon com gelo, seu drinque predileto, repousava sobre a mesa. Por fim o agente 77Z apagou as luzes e deixou o escritório.
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CAPÍTULO SEGUNDO Encontro marcado com a morte As ruas de Rasham, capital do Kafir, davam à cidade a aparência de uma vasta e contínua feira. Pouquíssimos automóveis eram visíveis. A população, formada por elementos hindus, trajados com amplas túnicas e turbantes de cores vistosas, preferia deslocar-se a pé, ou, no máximo, em rickshaws. As mulheres usavam vestes amplas, de cores claras, e, com um véu a cobrir-lhes os rostos, deixando entrever apenas os olhos, geralmente negros e grandes, circulavam por entre os inúmeros bazares, que, tendo à porta alegres comerciantes, anunciavam aos gritos a mais variada e esdrúxula gama de mercadorias, desde cassetedecks japoneses a lâmpadas de azeite, passando por tapetes iranianos e pastéis de carne. Constrangido e dobrado numa posição ridícula dentro do rickshaw, devido aos seus quase dois metros de altura, Kirkpatrik contemplava interessado a parafernália multicolorida que se estendia à sua frente. O coolie que o transportava foi obrigado a deter-se, com o tráfego impedido por um encantador de serpentes, que, executando uma música suave em sua flauta, fazia uma ameaçadora naja elevar-se de dentro do cesto de vime que habitava. Abrindo caminho entre a multidão, o condutor do rickshaw enveredou por ruelas estreitas, onde abundavam — 26 —
homens que comiam fogo, Hércules de feira que lutavam por algumas rúpias e faquires que apregoavam suas incríveis façanhas. Kirkpatrik começou a desconfiar seriamente que o coolie que contratara não chegara a entender nada das suas instruções. Afinal em Kafir eram falados vinte dialetos hindus, mas um homem que se postava no modesto aeroporto à espera de visitantes estrangeiros deveria pelo menos conhecer o inglês. — Meu amigo... — começou o louro milionário, sacudindo o ombro de seu condutor. — Senhoro? Senhoro? — Eu disse que queria ir ao Ministério da Informação. Entendeu? Ministério da Informação — o americano pronunciou lentamente as sílabas. — Oh, sim, senhoro! Zafed está indo para lá. Disputando espaço nas ruas com os mercadores que expunham seus artigos, anunciando suas qualidades em altos brados, o americano conseguiu finalmente chegar à frente do suntuoso edifício que abrigava o Ministério da Informação. Destoava completamente das edificações populares que compunham a cidade, por ser um prédio moderno, de vinte andares, com fachada luxuosa e composto em vidros fumê e esquadrias de alumínio anodizado. Kirkpatrik anunciou-se na recepção do ministério, e, após uma espera de três quartos de hora, foi introduzido no gabinete do ministro. O coronel Yahya Nadur, alto, magro, de rosto afilado e entradas violentas por entre os cabelos negros, lembrava exatamente um abutre em expectativa. — Mr. Kirkpatrik! É um grande prazer para mim conhecê-lo pessoalmente. Sou um grande admirador seu,
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devido aos artigos que assina habitualmente para o seu jornal, o News Globe. Kirkpatrik reprimiu um sorriso irônico. Era mais do que evidente que aquele militar, envergando a impecável farda marrom escuro e com o peito coberto de condecorações, estava simplesmente tentando ser simpático, sem ter ouvido falar uma vez só na vida em Horace Young Kirkpatrik, correspondente de guerra do News Globe, de Nova Iorque. — Coronel Nadur, agradeço suas palavras. Na verdade, tenho grande satisfação em poder ser útil ao senhor e ao seu país, contribuindo para divulgar a imagem do Kafir por todo o Ocidente. Sentado à suntuosa escrivaninha de mogno, o Ministro da Informação ofereceu um cigarro ao correspondente estrangeiro, que foi prontamente aceito. — Washington informou-me de sua chegada, Mr. Kirkpatrik, e garantiu que o senhor é um homem de grande prática e habilidade no setor jornalístico, sendo, portanto, capaz de transmitir ao mundo informações verídicas e completas a respeito da situação do Kafir. Como não ignora, estamos lutando com graves problemas internos, causados pelos guerrilheiros comunistas. Porém, acreditamos que, com o auxílio solicitado ao seu país, possamos conjurar esta ameaça e prosseguir em nossa linha de neutralidade, visando sempre em primeiro lugar o bemestar do povo e a manutenção de nossas tradicionais relações fraternais de amizade com o Ocidente, em particular com os Estados Unidos. — Meu propósito, como o de qualquer correspondente, é simplesmente servir à verdade, Ministro. Meu país tem grande simpatia pela sua luta, e devo confessar que, pessoalmente, também a sanciono. Afinal trata-se da heroica resistência de um povo simples e trabalhador contra — 28 —
a sanha de um grupo organizado de malfeitores, orientado por forças estranhas à nação kafiresa. Pretendo revelar ao mundo toda a extensão da batalha que o Kafir vem travando em benefício de sua segurança, tranquilidade social e paz interna. O coronel Yahya Nadur sorriu, satisfeito. — Percebo que o senhor é um homem de grande sensibilidade jornalística e política, Mr. Kirkpatrik. Ficarei satisfeito por providenciar os meios para que se desloque até as cercanias da região em que atuam os guerrilheiros. Assim, poderá ver, ouvir e sentir toda a realidade da situação. -— Muito obrigado, senhor Ministro. Procurarei dar o melhor de mim na série de reportagens que pretendo enviar ao News Globe. — Perfeito. Onde está hospedado, Mr. Kirkpatrik? — Ehr... acabei de chegar de Calcutá, e... — Recomendo-lhe o Rajastan Hotel. É o melhor da cidade. Caso tenha a gentileza de hospedar-se nesse hotel, enviarei amanhã de manhã um carro aguardá-lo para que possa executar o seu serviço. A que horas seria conveniente? — Bem... costumo acordar cedo. Digamos, às sete horas. — Combinado, Mr. Kirkpatrik. É uma longa viagem até a região devastada pelos guerrilheiros. Às sete horas o tenente Ufshar estará esperando-o em frente do hotel. O agente 77Z despediu-se do Ministro da Informação do Kafir com um aperto de mãos e dirigiu-se para o elevador. Percorreu inúmeros corredores movimentados e, por fim, atingiu as amplas escadarias da saída do edifício. Enquanto observava atentamente a rua, procurando algum
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coolie ou táxi que passasse, uma jovem aproximou-se casualmente dele. Com olho de conhecedor, o louro milionário avaliou a garota. Tipicamente hindu, apresentava-se com um véu branco ocultando o rosto. Porém, com véu ou sem véu, Kirkpatrik, catedrático quanto ao conhecimento de mulheres bonitas, adivinhou que estava em presença de uma moça simplesmente monumental. Os longos cabelos negros desciam para as costas, enquanto os olhos da mesma cor, grandes e ingênuos, fitavam-no como se hesitassem quanto a sua abordagem. Por baixo da longa túnica branca, o agente 77Z percebeu um corpo espetacular. A moça era de altura média e muito bem proporcionada, fazendo com que o playboy americano sonhasse com curvas morenas suaves e convidativas. Seu rosto de traços agradáveis e bem definidos, lábios grossos e sensuais, traía as características de sua raça. Kirkpatrik fitou as pupilas da garota e pensou em algum tipo de aproximação oriental, que se adequasse ao caso. Algo, talvez, ao estilo do Kama Sutra. Não teve tempo, porém, de exercitar sua erudição. — Você é o jornalista americano Kirkpatrik? — a jovem kafiresa pronunciou estas palavras em perfeito inglês, enquanto olhava para o movimento na rua, dando a exata impressão de que não se dirigia ao louro milionário. Kirkpatrik percebeu o jogo. Displicentemente, murmurou: — Sim, sou Kirkpatrik. Por que este mistério todo? — Não fale mais nada. Meu nome é Hammia. Pegue com discrição o bilhete que vou lhe passar e ignore totalmente a minha presença.
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Enquanto fingia procurar um táxi, Kirkpatrik aproximou seu corpo da bela kafiresa. Num movimento imperceptível sua mão esquerda agarrou o pedaço de papel que a moça mostrou durante uma fração de segundo. Depois disso permaneceram relativamente próximos um do outro, durante cerca de um minuto, até que a belíssima morena fez parar um Rick Shaw e nele acomodou-se, afastando-se ao longo da rua. O agente 77Z desceu os últimos degraus da escadaria do prédio do Ministério da Informação e abordou um coolie: -— Amigo, há algum restaurante que você me recomende aqui nesta cidade? — Sim, senhor! O Wonderful Indian é excelente para turistas! — Ótimo. Vamos para esse lugar. *** No semilário do Wanderful Indian, Kirkpatrik releu o singelo bilhete que lhe fora entregue pela morena espetacular: Disponho de informações importantíssimas sobre a guerrilha no Kafir. Procure Hammia às onze da noite em Raysingh Plaza. Retornando à sua mesa, o agente fora de série da CIA informou-se com o garçom quanto à localização de Raysingh Plaza e pagou dez rúpias pelo infame uísque que lhe fora servido. A noite estava relativamente fresca. Kirkpatrik decidiu caminhar até o local do encontro. Os espalhafatosos mercadores já se recolhiam a suas casas e as ruas de Rasham começavam a tomar um aspecto mais tranquilo, pra não — 31 —
dizer deserto. O agente 77Z, como espião que era, e cumprindo as tarefas de um correspondente de guerra comum, não poderia furtar-se à chance que lhe surgira de obter informações sobre a guerrilha. Mesmo que este convite, feito de modo furtivo pela bela e misteriosa Hammia, pudesse significar uma armadilha, Kirkpatrik estava preparado para qualquer eventualidade. Uma cilada preparada pelos kafireses deveria ser tão primária que não poderia escapar à arguta observação do experiente agente secreto. Raysingh Plaza não passava de um parque deserto nos limites da cidade. Havia uns poucos bancos utilizáveis, um chafariz em ruínas da época do sultão e o restante da espaçosa praça estava tomado por grandes árvores e formações irregulares de arbustos que há decênios não conheciam poda. Kirkpatrik estremeceu, imaginando que, em Nova Iorque, aquele local seria o paraíso para os assaltantes do gueto porto-riquenho. Cautelosamente, com todos os sentidos em estado de alerta, o louro milionário embrenhou-se entre os arbustos, chamando em voz apenas audível: — Hammia! Sou Kirkpatrik, o americano! O silêncio só era quebrado pelo ruído emitido por algumas cigarras. Kirkpatrik começou a inquietar-se. Sua mão direita dirigiu-se para a Mauser calibre 38 que se encontrava no bolso interno do paletó. Pressentia que havia algo errado naquela situação. Consultou o relógio, um Universal Genève de construção especial. Onze em ponto. Não havia dúvida cabível; um perigo mortal pairava no ar. Se se tratasse de uma emboscada, não dispunha de recursos para localizar os eventuais agressores, em meio à escuridão.
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Em vista das circunstâncias, Kirkpatrik decidiu-se por desistir do encontro. Veloz e silenciosamente, afastou os galhos dos arbustos, caminhando em direção de uma rua fracamente iluminada por míseras lâmpadas de duzentos watts. Foi então que ouviu o gemido. Repetiu-se por mais uma vez, apenas. Parecia vir do matagal à esquerda do agente fora de série da CIA. Raciocinando rapidamente, o agente 77Z dirigiu-se para o local, de arma em punho. Hammia estava estendida sobre as folhagens, com uma enorme mancha de sangue sobre o seio direito. O louro milionário rapidamente afastou a parte superior da túnica da infeliz kafiresa, examinando a extensão do ferimento de bala. — Americano... — Não diga nada, Hammia. Poupe suas forças. Vou levá-la a um hospital agora. — Não... é inútil... não se preocupe por mim, Kirkpatrik... O agente 77Z percebeu que o pulmão da bela morena fora atingido por uma bala de grosso calibre. Seria improvável a sua sobrevivência. Amparou-a com os braços, sentindo o sangue de Hammia escorrer entre suas mãos. — Não sinto dor alguma, americano... é incrível... não sinto nada... Um nó na garganta de Kirkpatrik impediu-o de falar durante alguns segundos. Notou que a garota estava morrendo. O fato de não falar não iria prolongar-lhe os últimos instantes de vida. — Quem lhe fez isso, Hammia? Quem foi? Hammia tentou sorrir. Seus lábios retorceram-se num trágico esgar.
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— Não... desista, americano... prossiga... encontre os guerr... Uma forte golfada de sangue emergiu por entre os lábios de Hammia, abafando suas últimas palavras. Com um espasmo repentino, seu corpo imobilizou-se para sempre, enquanto os olhos vidrados fitavam o amplo céu estrelado. Com o olhar perdido, Kirkpatrik manteve durante algum tempo o corpo de Hammia entre seus braços. Sentia um calor abrasante nascer em seu estômago e migrar até o cérebro, fazendo o coração bater mais forte. O ódio que nascera em si era um sentimento palpável, real, contaminando todos os nervos e fibras de seu corpo. Fechou piedosamente os olhos da desditosa Hammia, assassinada na flor da idade, e depositou cuidadosamente o seu cadáver entre os arbustos. Erguendo-se, caminhou decidido e impávido para os limites do parque.
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CAPÍTULO TERCEIRO Visão insólita em meio à selva O chinês levantou-se lentamente da poltrona que ocupava, e, com gestos metódicos, serviu-se de uma dose de conhaque. À fraca iluminação do gabinete, os traços do oriental não podiam ser identificados com precisão. Notava-se, porém, que era baixo e forte, com o tronco sólido em flagrante desproporção com as pernas invulgarmente curtas. Inteiramente calvo, apresentava o rosto redondo, chato e suado devido ao calor reinante, quase que encoberto por óculos de lentes grossas e finos aros, de ouro, atrás dos quais brilhavam com uma centelha maligna os olhos amendoados característicos de sua raça. O crânio, de forma quase que esférica, mostrava-se grande demais em relação ao corpo do chinês, e encontrava-se perlado por inúmeras gotículas de suor. Volvendo o rosto, o chinês ficou de frente para o homem sentado atrás de uma escrivaninha, nos fundos do gabinete, cujo rosto permanecia inteiramente oculto pela penumbra. — Chegaram dois americanos hoje — murmurou. A chama de um isqueiro acendeu-se próxima ao homem sem face. — Eu sei. O jornalista Kirkpatrik e o misterioso Doyle. — 35 —
— Qual deles é o agente da CIA? Ou serão ambos? — Sem dúvida é Doyle. Chequei o currículo de Kirkpatrik no News Globe. Trata-se realmente de um correspondente de guerra. Já cobriu o Vietnam, o Irã e a Nicarágua, entre outros países. — Tem certeza? — Claro. Minhas fontes em Nova Iorque são quentes. O amarelo passou um lenço pela ampla testa suada. — Perfeito. Então quem vai morrer é Kirkpatrik. Ouviu-se um movimento por trás da escrivaninha. — Acha mesmo necessário matá-lo, Pei Ling? — Evidentemente. Será o lance perfeito. Tenho tudo planejado. Deixaremos Doyle agir à vontade e a carcaça de Kirkpatrik apodrecerá nas selvas do Kafir. Feito isso, nossas chances de sucesso estão garantidas. — Seu plano é complicado, Pei Ling. O chinês sorriu, retorcendo os finos lábios de forma cruel. — O Lien Lo Pou, nosso serviço secreto, dispõe das grandes virtudes orientais: a paciência e a perseverança. De um modo ou de outro, enveredando às vezes por caminhos estranhos, sempre chegamos onde queremos. Como num jogo de xadrez, o importante é prever os movimentos do adversário. — Como tenciona matar o jornalista, Pei Ling? — É muito fácil. Amanhã cedo ele deverá embrenharse na jângal, para fazer o seu trabalho. E nós sabemos que a selva não é amiga de ninguém. Muita coisa pode acontecer nas profundezas escuras da floresta. O homem sem rosto remexeu-se em sua cadeira, inquieto. — Só espero que saiba o que está fazendo, Pei Ling. Acho tudo isso muito arriscado. — 36 —
— Com efeito. Só que o risco é todo de Kirkpatrik. É impossível falhar nesse golpe. Vai ser tudo muito simples e natural. Levantando o copo até a altura dos olhos, o chinês fitou com frieza o seu conteúdo. Murmurou: — À sua morte, Horace Young Kirkpatrik. E à nossa vitória! *** — Mr. Kirkpatrik? O louro milionário olhou para e oficial moreno e forte trajando o impecável uniforme marrom-escuro e um quepe carregado de emblemas e escudos. — Sim? — Bom-dia, senhor. Sou o tenente Ufshar, e fui designado para transportá-lo até as proximidades da região devastada pela guerrilha. — Ótimo. Estarei pronto em um minuto, tenente. — Aguardo-o num jipe em frente do hotel, senhor. O agente 77Z reuniu rapidamente todo o material necessário ao seu disfarce de correspondente de guerra, incluindo duas câmeras fotográficas e uma série de dispositivos auxiliares. Chovia torrencialmente naquela manhã, após o calor úmido, sufocante e desagradável da noite anterior. No entanto Kirkpatrik não pôde reprimir um suspiro de alívio ao correr sob a chuva até o jipe do exército do Kafir. Poucas vezes em sua vida hospedara-se num hotel tão ordinário. O jornalista americano acomodou-se no assento ao lado do tenente Ufshar e este deu partida ao veículo, afastandose através das ruelas estreitas de Rasham.
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O velho jipe, ainda do tempo da guerra da Coréia, fazia água por todos os lados e parecia cair aos pedaços a cada solavanco provocado pelo péssimo calçamento das ruas. O motor zumbia de forma estranha e o louro milionário imaginou que seria o cúmulo do azar se, por culpa daquele calhambeque infernal, seus planos sofressem algum contratempo. À medida que se afastavam da capital a estrada de terra ia ficando em piores condições e a selva constituía uma presença desagradável, com as altas árvores inclinando-se sobre o caminho e as trevas instalando-se, auxiliadas pela chuva. O jipe dançava freneticamente sobre a lama, e, vez por outra, um galho atingia o para-brisa ou a capota do carro. A sensação de solidão e desamparo era opressiva. Cruzaram com alguns caminhões de transporte de tropas. À margem da estrada, a intervalos regulares, encontravam casamatas e postos de controles militares, onde o tenente Ufshar era obrigado a identificar-se e mostrar os documentos oficiais de permissão de tráfego. Cumprindo o seu papel, 'Kirkpatrik tomava notas num bloco e eventualmente batia alguma foto. De súbito quebrou o silêncio: — Com todo este aparato de controle, imagino que os guerrilheiros não tenham muita chance contra vocês. O tenente olhou de soslaio para o louro milionário. Este percebeu prontamente o que se passava. Teoricamente, estavam ambos do mesmo lado da questão, mas os orientais sempre nutriram uma desconfiança instintiva com relação aos americanos. Para eles, um cidadão norte-americano é sempre suspeito de ser um agente do imperialismo. Após um minuto o nativo dignou-se a responder:
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— É verdade. Eles não se aventuram nesta região. Preferem cometer seus crimes covardemente ocultos nas profundezas da jângal. — Estranho, não acha, tenente? Em meus muitos anos de profissão, jamais vi guerrilheiros que lutassem contra o povo. — Escute, o que eu disser vai ser anotado? Meu nome aparecerá nessas reportagens? — Só se você quiser. — Então pode anotar aí: tudo isso é obra desses comunas safados. Não tenho certeza, mas acho que os palhaços são fantoches manobrados por Pequim. Querem implantar o terror na pátria, desorganizar tudo, apavorar e submeter a população para preparar o terreno, provocando a submissão do Kafir. Se dependesse de mim, esses cretinos já estariam todos mortos. Estrangularia todos, um por um, ou então os reuniriam numa clareira para serem metralhados. Como fizeram com a população indefesa da aldeia de Siddin. O americano espantou-se com a explosão de fúria do militar. Decidiu encaminhar o colóquio para um plano mais objetivo: — E quanto ao Comandante Z, o chefe dos terroristas? Há algum dado conhecido sobre ele? — Nenhum, a não ser o fato de que esse energúmeno deve estar escondido na parte sudoeste da selva, que é o seu domínio, arquitetando planos infames. Sabemos que ele, o Comandante Vermelho e Ladak estão escondidos nessa região, juntamente com um rebanho de terroristas. — Ora, e porque o governo não empreende um ataque, eliminando todos eles? — É praticamente impossível penetrar ali. Há mais de duzentos celerados fortemente armados distribuídos — 39 —
naquelas matas. Todas as operações que organizamos fracassaram, e o exército sofreu baixas fortíssimas. É por isso que o Kafir pediu auxílio ao seu país, oficialmente. Quando chegarem os boinas verdes a situação vai mudar. O agente 77Z sorriu intimamente. O militar não poderia ter idéia de que todo o auxílio enviado por Washington ao Kafir era ele mesmo. Prosseguiram por mais algumas milhas em meio à chuva, o jipe trafegando com muita dificuldade pela estrada que, gradativamente, ia se transformando numa simples trilha. — Estamos chegando ao nosso objetivo, Air. Kirkpatrik. Vou deixá-lo no posto militar avançado de Zyilah. Poderá então acompanhar oportunamente as operações anti-guerrilha de nosso exército. Voltarei dentro de quatro dias, ou menos, se for necessário, para buscá-lo. A zona ocupada pelos terroristas é próxima daqui. Kirkpatrik já estava preparado psicologicamente para empreender uma longa caminhada através da jângal. Tencionava subornar alguns soldados para que o transportassem até próximo da região onde se situava o acampamento do Comandante Z. Daí em diante o problema era do Máscara Negra. Viu ao mesmo tempo que o tenente Ufshar o tronco de árvore estendido em toda a largura da estrada. Notou o nervosismo e a inquietação do militar. O jipe parou a uns quinze metros do obstáculo. Não seria possível prosseguir, a menos que se removesse o tronco. O pavor estampou-se no rosto do tenente. Enquanto perscrutava as selvas à margem da estrada, através da cortina de chuva, retirava de sob o painel do jipe um moderníssimo fuzil-metralhadora, empunhando-o com as mãos crispadas. Estava extremamente agitado. — 40 —
Simultaneamente Kirkpatrik empunhou a Mau- ser calibre 38 que extraíra do bolso da capa. Os únicos rumores audíveis eram o tamborilar das gotas de chuva sobre a lataria do veículo e o leve farfalhar das folhagens tocadas pelo vento. O resto era silêncio, um silêncio desnaturai e estranho. Permaneceram paralisados por algum tempo. O agente 77Z arriscou-se a murmurar: — Talvez não seja uma emboscada. Se se tratasse de uma armadilha, já estaríamos mortos neste instante. Vamos lá remover o tronco. Saltaram fora do jipe. O agente 77Z, imperturbável, mantinha o sangue-frio, mas o tenente Ufshar, descontrolado pelo terror que sentia ao imaginar-se à mercê dos sanguinários guerrilheiros, mal conseguia mover-se. Kirkpatrik irritou-se. Agarrou o militar pelos ombros e sacudiu-o violentamente. — Vamos, homem, acalme-se! Não aconteceu nada ainda! Considerando que você se vangloriava de poder estrangular os terroristas um a um, acaba de decepcionarme profundamente, Ufshar. Pouco a pouco a cor voltava às faces lívidas do tenente. — Isso, Ufshar. Seja hominho. Agora venha me ajudar. Não vou conseguir puxar aquele tronco sem auxílio. Vergastados pelas bátegas de chuva, encaminharam-se para o obstáculo na estrada. Coordenando os esforços, estavam conseguindo afastá-lo de modo a abrir uma passagem para o veículo do exército kafirês. Ao soerguer por um instante o corpo, Kirkpatrik viu a mulher. Estava firmemente postada à margem da estrada, com as pernas levemente separadas.
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Uma representante espetacular da beleza hindu. Alta, muito morena, com os cabelos negros ensopados caindo pelas espáduas, tinha as pernas longas e muito bem torneadas deixadas totalmente à mostra pela minúscula peça de roupa que utilizava, algo semelhante a um short de brim. Por baixo da camisa negra aberta à frente, podia-se ver os seios túrgidos e generosos, agressivamente empinados, livres em todo o seu glorioso esplendor devido à ausência de sutiã. Elevando um pouco mais o olhar, o louro milionário deparou-se com o rosto de traços finos e delicados, os lábios muito vermelhos, carnudos e sensuais e os grandes e belíssimos olhos de um negro profundo fitando-o. Soerguendo as sobrancelhas, o agente 77Z voltou a mirar a submetralhadora Browning de grosso calibre empunhada com firmeza pelas mãozinhas delicadas e graciosas da linda jovem hindu. O cano negro e feio do mortífero artefato apontava diretamente para o seu peito. Uma visão insólita. O louro milionário realmente não esperava ser rendido nas selvas por uma belíssima guerrilheira seminua. Mantendo-se de frente para a moça, o agente fora de série da CIA, com muita calma para não provocar uma reação agressiva por parte da hindu, tocou de leve no ombro de Ufshar, que, inclinado sobre o tronco de árvore, ainda não percebera nada. — Tenente... — Hem? Que foi? O militar endireitou-se e só então notou a presença da jovem armada. Seus olhos abriram- se desmesuradamente e as mãos começaram a tremer de modo convulsivo. — Por... Krishna... — 42 —
Foi então que a jovem falou, em voz cristalina e agradável e perfeito inglês, embora o sentido de suas palavras não fosse propriamente agradável: — Muito bem, meus amigos. Mantenham-se calmos e garanto que nenhum de vocês sairá machucado. Kirkpatrik amparou o militar kafirês, cujas pernas haviam amolecido repentinamente. Armou um sorriso sem graça: — Mim Tarzan, você Jane? Por um segundo a bela hindu permaneceu confusa. Depois entreabriu os lábios na sombra de um sorriso, acompanhando o espião da CIA. — Não. Mim Ailena, você Kirkpatrik. Agora caminhem de volta ao jipe. Nada lhes acontecerá se não tiverem ideias malucas. O Máscara Negra tinha muita experiência em situações daquele tipo e sabia que o melhor a fazer era obedecer às ordens sem discutir. Portanto, puxando o tenente por um braço, passou sobre o tronco, dirigindo-se de volta ao veículo militar. Em geral, os espiões sempre sabem aguardar a melhor oportunidade para uma reação. Mas os militares não recebem o mesmo tipo de treinamento. E Kirkpatrik não chegara a avaliar corretamente toda a extensão do pavor de que era presa naquele momento o tenente Ufshar. Estava tão descontrolado que se decidiu por uma ação heroica e desesperada. Enquanto passavam sobre o tronco, Ufshar, agindo de completa surpresa, empurrou violentamente Kirkpatrik, que lhe segurava o braço, e mergulhou sobre os galhos da árvore tombada, onde deixara apoiado o seu fuzil-metralhadora enquanto auxiliava o espião a deslocar o obstáculo.
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Com o tranco, o agente 77Z foi lançado de costas na lama e seu cérebro ágil velozmente calculou todas as chances. Não havia jeito. — Ufshar! Não! O tenente kafirês tentava freneticamente empunhar a arma. O agente da CIA percebeu que Ailena, embora sobressaltada pelo movimento estúpido do soldado, não desejava atirar. — Pare, idiota! Largue essa arma! Possesso, enlouquecido, Ufshar apontou o fuzilmetralhadora para a guerrilheira seminua enquanto seus dedos procuravam febrilmente o gatilho. Não restava a Ailena outra saída. A submetralhadora Browning cuspiu rapidamente sua carga mortífera. Cortado em dois pela rajada de metralhadora, o militar kafirês pareceu saltar e contorcer-se grotescamente no ar. Seu corpo, com uma marionete desengonçada, recebeu o impacto das balas de grosso calibre e desenvolveu algo semelhante a um bale macabro, enquanto os braços agitavam- se desordenadamente, recusando-se a largar o fuzil-metralhadora inutilmente aferrado pela mão direita. Ufshar rodopiou duas ou três vezes e tombou de borco, com o rosto enterrado na lama. O sangue esvaía-se rapidamente do corpo destroçado do infeliz militar, tingindo de vermelho o solo e as águas da chuva. Estava tudo acabado. Dois ou três segundos apenas. Ainda deitado de costas no barro, o agente 77Z levantou o rosto. Ailena aproximara-se alguns passos e o negro e feio cano da submetralhadora, ainda fumegando levemente, apontava agora diretamente para a cabeça de Kirkpatrik.
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CAPÍTULO QUARTO Matar e amar De súbito a chuva aumentou de intensidade. O silêncio tornou-se mais tenso e profundo na selva. Ailena, pés levemente afastados e empunhando firmemente a arma de alentado calibre, imobilizou-se a cerca de quatro metros do espião americano. — Levante-se, Kirkpatrik. Espero que não seja tão idiota com esse seu amigo. Com patente dificuldade, acautelando-se para não escorregar no barro, o louro presidente da K.K.K. Steel postou-se de pé, frente à linda garota quase nua. — Antes de mais nada, americano, quero lhe dizer que eu não pretendia matar nenhum de vocês. Tentei dissuadir esse estúpido de empunhar a arma, mas, quando vi que o imbecil já aproximara o dedo do gatilho, não havia mais remédio. Era ele ou eu. O agente fora de série da CIA mordeu os lábios. — Percebi isso, Ailena. Mas creio que você não teve esse trabalho todo para me falar dos seus bons sentimentos, pois não? A chuva encharcava os dois jovens até os ossos. — Não, Kirkpatrik. Na verdade, e embora você possa duvidar à vontade do que lhe digo, acabo de salvar a sua vida. — 45 —
77Z não pôde reprimir um gesto de espanto. — Que palhaçada é essa, Ailena? Arma uma emboscada, trucida Ufshar e ainda vem me dizer que me salvou a vida? — É isso mesmo. Este homem — apontou para o cadáver destroçado do militar kafirês — não era o tenente Ufshar. Você estava sendo conduzido a uma cilada mortal preparada pelos guerrilheiros, Kirkpatrik. O posto militar avançado de Zyullah foi ocupado há poucas horas pelos terroristas. O louro milionário ergueu as sobrancelhas, fitando a jovem com severidade. — Você pensa estar lidando com um oligofrênio, Ailena? As coisas estão muito claras; é mais do que evidente que Ufshar era Ufshar e você é uma guerrilheira. Afinal o tenente atravessou uma série de postos de controle militares e teve que identificar-se em todos eles. Portanto era Ufshar, sem sombra de dúvida. Quanto à sua identidade, creio que foi revelada por sua atitude não cabendo no caso elocubrações mais complexas. — Ouça, Kirkpatrik, não tenho tempo para discutir lógica com você. A verdade é a seguinte: este indivíduo, que não era o militar e sim um guerrilheiro, tencionava atraí-lo a uma armadilha em Zyullah. Eu soube disso e vim salvá-lo. Não pertenço ao exército regular do Kafir. Participo de um movimento popular de resistência aos terroristas. — Mesmo? E como pôde saber de tudo e aparecer de forma tão providencial para salvar-me? — Temos nossos canais de informação. Estava a par do caso, assim como sei que é Horace Young Kirkpatrik, correspondente de guerra do News Globe, de Nova Iorque. Kirkpatrik sorriu com ironia. — 46 —
— Foi uma boa tentativa, admito-o. No entanto, Ailena, se pretende convencer-me, terá que arquitetar uma história mais consistente. Ailena crispou as mãos no cabo da submetralhadora. — Não percebe que deve confiar em mim, americano? Se eu quisesse matá-lo já o teria feito há muito tempo! — Sei disso. E, como estou impotente em face das circunstâncias, tudo o que lhe posso dizer é: faça o que tem que fazer. Mas não venha com esses contos de fadas ridículos. De mais a mais, sob esta chuva, posso pegar um resfriado. Se quer me aprisionar, faça-o logo, antes que eu fique gripado. — Imbecil! — rugiu a jovem seminua, nervosa. Kirkpatrik mostrou os dentes muito brancos numa risada cínica. Ailena baixou os olhos por um instante. — Não devia dizer-lhe isto agora, mas preciso de sua ajuda, Kirkpatrik. Preciso que confie em mim. O que devo fazer para tê-lo como aliado? Kirkpatrik abriu os braços. — Não sei, Ailena. A sua capacidade inventiva não foi suficiente. A belíssima jovem de seios quase à mostra refletiu por alguns segundos. Depois, como se tivesse tomado uma súbita e irreversível decisão, seu braço direito ergueu-se. A submetralhadora, impulsionada por um movimento preciso e gracioso, descreveu uma curva no ar e foi ter diretamente às mãos do temido agente 77Z. — Pegue! O curto grito foi emitido uma fração de segundo após o lançamento da arma. Com grande agilidade, o louro americano recebeu a Browing quase que empunhada. Sem hesitar, apoiou a mão direita no protetor do gatilho e apontou a arma para o chão. — 47 —
— Está vendo, Kirkpatrik? — murmurou Ailena. — Creio que este é o último recurso para fazê-lo confiar em mim. Está agora com a arma em suas mãos. Se quiser, pode matar-me ou aprisionar-me agora mesmo. Entretanto, espero que tenha o bom senso suficiente para decidir ouvir o que tenho a dizer. O cérebro do agente fora de série da CIA calculou velozmente todas as possibilidades surgidas com a mudança na situação. Claro, o fato de Ailena entregar-lhe a arma contava muitos pontos a favor dela. No entanto poderia haver muitas outras pessoas próximas ao local e tudo aquilo consistir numa farsa monumental. De qualquer modo, o que ganharia ele em levá-la, detida, a Rasham? A identidade do Comandante Z e a posição do acampamento guerrilheiro permaneceriam ocultas, pelo menos por um tempo razoável. Mesmo que a jovem fosse realmente uma guerrilheira e o estivesse atraindo a uma cilada, valia a pena correr o risco. Pelo menos, seguia uma pista e estaria cada vez mais próximo dos terroristas. Sim, o jogo era este. Devia pagar para ver. As perspectivas de sucesso de sua missão ganhariam muito mais com isto do que com a prisão de Ailena. O louro milionário fez um breve gesto de aquiescência com a cabeça. — Muito bem, Ailena. O que você tem a dizer? Um sorriso luminoso brilhou no rosto da jovem morena. — Como eu pensava, você é um homem inteligente, Kirkpatrik. Vou dizer-lhe tudo o que está passando. No entanto convém sairmos daqui agora mesmo. Não é improvável que os guerrilheiros que ocuparam Zyullah tenham ouvido a rajada de metralhadora. Mas não se — 48 —
preocupe: pode vir caminhando atrás de mim, com a arma apontada em minha direção. Se desconfiar de algo, é só atirar. — Agrada-me a sua autoconfiança, Ailena. Farei exatamente o que sugeriu. Aguarde apenas um instante enquanto apanho meus apetrechos no jipe. Dois minutos depois, com Ailena à frente abrindo caminho por entre as lianas e ramagens e Kirkkpatrik seguindo-a, trazendo a submetralhadora na bandoleira, os dois jovens embrenharam-se nas trevas da selva. *** O aguaceiro ameaçava durar por toda a eternidade. Encharcado e aborrecido, o espião fora de série da CIA exclamou: — Ouça, Ailena, é melhor encontrarmos logo um lugar aconchegante onde possamos conversar. Afinal isto não é exatamente como um passeio pela Disneylândia. — Calma, Kirkpatrik. Já estamos chegando a um local conhecido apenas por mim. Enquanto isso, é melhor que você atente com mais cuidado para os perigos da selva, já que está armado e eu não. — E quais são esses tenebrosos perigos da floresta? — Poucos, na verdade. Um ou outro tigre de Bengala, cobras venenosas, aranhas e, eventualmente, algum mundéu preparado na época da Segunda Guerra. — Existe isso? — Claro. Por ordem dos ingleses, meus pais prepararam vários. Temiam uma invasão japonesa de Burma ao Kafir e daí à Índia. Por fim, após a operação de Imphal-Kohima, acabaram ficando desnecessários. E
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continuam, latentes, no seio da selva. Nem eu mesma sei ao certo onde se encontram. — Muito estimulante, na verdade. Caminharam por mais uma hora, aproximadamente, sem deparar durante esse tempo com as armadilhas da jângal. Por fim vislumbraram uma pequena cabana, quase que totalmente oculta por grandes árvores dispostas ao seu redor. — Chegamos, Kirkpatrik. Vamos entrar e aguardar que a chuva melhore. Enquanto isso, poderemos descansar e terei então oportunidade de esclarecer toda esta situação. — OK, Ailena. Só espero que não tenhamos que disputar o lugar com cobras e aranhas. — Não há problemas. Venho aqui muitas vezes e a cabana não está infestada por esses bichos. Pode entrar sem medo. A cabana, feita com troncos de árvores unidos com fibras vegetais e apresentando teto de palha, era constituída por apenas dois cômodos e não devia medir mais que cinco metros por seis. No entanto em seu interior podia-se ver uma cama rústica, algumas esteiras e uma pequena mesa. O agente fora de série da CIA depositou seus apetrechos e a submetralhadora sobre uma esteira. — É interessante observar como, em algumas ocasiões, a mais miserável das palhoças pode ser mais agradável do que o Palácio de Buchingham. — É um fato, Kirkpatrik. Principalmente quando se está no Kafir. Com um suspiro de alívio, o louro milionário sentou-se na cama, livrando-se da capa. De pé no centro do cômodo, Ailena despiu-se calmamente, lançando ao chão a camisa negra e o short de
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brim, ficando apenas de calcinhas. Enquanto retirava as vestes encharcadas, observou, em voz neutra: — Acho melhor retirar suas roupas, Kirkpatrik. Caso contrário não respondo por sua saúde. O agente 77Z encarou Ailena e sorriu. Com gestos metódicos e decididos, terminou de despir-se e, inteiramente nu, estendeu-se na cama com os braços cruzados atrás da nuca. A bela jovem morena desviou o olhar do corpo atlético do correspondente americano, passando a fitar a porta de comunicação com o outro cômodo. — Infelizmente minha hospitalidade deve restringir-se ao mínimo indispensável. Portanto tudo o que Ailena e o Kafir oferecem ao jornalista ocidental Kirkpatrik resume-se a um gole de shukar. — O Ocidente, o News Globe e eu mesmo agradecemos penhoradamente, Ailena. Mas o que você disse mesmo que é esse shukar? — Eu não disse. Mas trata-se de um fermentado obtido de algumas frutas silvestres. Algo semelhante a um vinho de frutas, a bebida nacional do Kafir. Você, sendo americano, pode considerá-lo como um licor de cidra. — Perfeito. Sendo uma bebida típica, deve ser melhor do que o uísque que me serviram em Rasham. :— Sem dúvida. Experimente e verá. Ailena voltou do segundo cômodo com dois copos de shukar, entregando um deles ao agente 77Z. O milionário sorveu um gole, sentindo a bebida descer ardente por sua garganta. O teor alcoólico daquele vinho silvestre devia ser muito elevado, pois logo percebeu-se invadido por uma agradável e reconfortante sensação de calor, olvidando por completo as horas estafantes de caminhada na chuva. A bela jovem hindu, sentada diante do espião numa das esteiras, — 51 —
trajando apenas calcinhas, olhava-o fixamente, após tragar um pouco da beberagem. Durante alguns minutos permaneceram em silêncio. Após certo tempo a morena perguntou, num murmúrio: — Sente-me melhor agora? — Sim. Este shukar é extremamente cordial. Como diziam os sábios romanos, “bonum vinum laetijicat cor hominis”. — Não. A citação verdadeira é do Eclesiastes, e diz textualmente: “vinum et musica laetificant cor”. O louro milionário encarou-a, espantado. — Quem é você na verdade, Ailena? Uma professora de latim? A moça sorriu. — Sou muitas coisas na vida, Kirkpatrik, mas jamais lecionei latim. Por outro lado, não estamos aqui para discutir citações. — É verdade. Você é uma jovem intrigante. Muito misteriosa. E eu me pergunto: o que uma garota bonita como você... — Já sei, a clássica indagação. O que uma garota bonita como eu faz no meio da selva, perambulando armada e matando pessoas, não é mesmo? — Em absoluto. Ia perguntar o que uma garota bonita, inteligente e especial como você pretende de um simples correspondente americano. O que planeja fazer comigo? — Depende. Dentro de algumas horas tenciono levá-lo a um dos nossos acampamentos, são e salvo, para que possa verificar por si mesmo a realidade do conflito no Kafir e escrever estritamente a verdade a respeito quando retornar aos Estados Unidos, pois, de outro modo, corria o risco de ser alimentado com uma série de informações falsas. Porém, para este instante, tenho outros planos para você. — 52 —
Vejo que se recuperou muito bem. Melhor do que eu esperava. Enquanto dizia isso, Ailena mantinha o olhar fixo numa determinada parte da anatomia de Kirkpatrik. O americano resmungou: — Sim, recuperei-me, e é mais do que natural que eu esteja excitado. Vocc é uma garota espetacular e está praticamente nua à minha frente. Não considera isso normal? — Claro, e é exatamente o que eu esperava. — Presumo que seus planos para mim incluam aulas práticas a respeito do Kama Sutra. — Justamente, Horace. Aproximando-se, Ailena sentou-se na cama e uniu seus lábios aos do louro playboy num beijo a princípio suave, mas que foi gradualmente transformando-se numa furiosa e avassaladora demonstração de paixão e desejo. As mãos experientes e hábeis do agente 77Z percorreram todo o corpo moreno e apetitoso da belíssima jovem, demorando-se maliciosamente nos seios arfantes e nas coxas roliças e deliciosas, arrancando gemidos de prazer de Ailena e levando-a ao auge da excitação. Seus lábios separaram-se por um instante, enquanto a garota suspirava de prazer: — Horace... querido... O espião americano acariciou os longos cabelos negros da jovem kafiresa, que caíam molhados sobre suas costas e ombros, enquanto beijava com ardor cada milímetro de pele acetinada de seu pescoço e dos seios túrgidos, que se agitavam agressivos e impetuosos em função do extremo desejo de que era presa a linda morena. Acariciaram-se mutuamente, Horace e Ailena, explorando e excitando os pontos mais sensíveis do corpo — 53 —
do parceiro, emitindo suspiros entrecortados e balbuciando palavras sem nexo. Delicadamente o agente fora de série da CTA estendeu Ailena sobre a cama, percorrendo com os lábios toda a extensão do corpo fogoso da nativa, enquanto esta delirava, atingindo o clímax amoroso. A morena agarrou com frenesi os cabelos louros de 77Z, enquanto, olhos cerrados e os lábios sensuais entreabertos, gemia e balbuciava: — Horace... ame-me mais... muito mais... Kirkpatrik livrou a garota da sua calcinha, fazendo-a deslizar ao longo de suas pernas. Estendeu seu corpo sobre o de Ailena, sentindo o calor febril e abrasador emanar-se da moça, que estremecia. — Mais... Horace... mais... Esmagando seus lábios contra os dela num beijo ardente e impetuoso, Kirkpatrik sentiu que as pernas da moça se cruzavam às suas costas, como se constituíssem um tenaz de força invulgar. Abraçando amorosamente o corpo de Ailena o louro espião movimentou-se, mergulhando na voragem da paixão. Um longo gemido foi a resposta da bela morena, que, arqueando, os quadris, procurou aproximar-se o máximo possível do americano, enquanto de seus lábios entreabertos escapavam profundos suspiros e palavras de amor. Por várias vezes Kirkpatrik sentiu o corpo da garota estremecer e vibrar sob o seu, anunciando, com curtos e suaves gemidos, que atingira a máxima realização sexual. Estreitando-a fortemente entre os braços e beijando-a com sofreguidão, o louro playboy inundou então Ailena com o seu amor.
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Por mais duas horas, todos os ruídos audíveis no interior da cabana, a não ser o tamborilar da chuva e o rumor das folhagens agitadas pelo vento, resumiam-se em gritos, sussurros e gemidos apaixonados. Entardecia. Corpos suados e exaustos, unidos lado a lado no estreito catre, Kirkpatrik e Ailena fumavam cigarros americanos e olhavam pensativos para o teto da cabana, a cabeça da jovem morena repousando suavemente sobre o largo peito do agente 77Z. A moça de grandes olhos negros acariciou com doçura o rosto enérgico e viril do espião. — Horace, querido... — Diga, Ailena — o louro playboy lançou vigorosamente a fumaça pelas narinas. — Você também é um homem misterioso. Em sua vida de aventuras, deve ter enfrentado situações muito críticas: Vietnam, Nicarágua..., mas garanto-lhe que nunca irá ver uma situação mais confusa que a do Kafir. Diga-me uma coisa, Horace: você é casado? A repentina pergunta de Ailena fez o agente da CIA sorrir. — Não, Ailena. Não sou. Minha vida é muito arriscada. Na verdade, posso morrer a qualquer minuto. Não gostaria que minha eventual esposa passasse por uma provação dessas. Em princípio, as mulheres devem casar-se com homens pacíficos e caseiros, que vivam uma vida rotineira. Esta é a maior garantia da felicidade conjugal. — Discordo inteiramente, Horace. O valor do homem está em si mesmo, e não no tipo de vida que pratica. Eu, pessoalmente, devo ser completamente diferente das mulheres americanas, das que circulam pela Broadway e pela Quinta Avenida, não é mesmo?
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Kirkpatrik tomou o rosto da morena entre suas mãos e beijou seus lábios afetuosamente. — Sim, Ailena, você é completamente diferente... na verdade você é muito melhor do que elas. Ambos riram, contagiados pelo bom humor que o amor transmite. O agente 77Z levantou o copo de shukar e ambos beberam um pequeno gole, olhando-se nos olhos. Nesse preciso instante a porta da cabana foi derrubada com um violento chute e quatro homens armados de fuzismetralhadoras invadiram rapidamente o aposento, como demônios surgidos das profundezas da jângal. Um quinto homem, um moreno alto e corpulento de aspecto francamente simiesco, surgiu por trás dos outros, apontando com firmeza uma pistola automática na direção dos dois amantes que nem tiveram tempo de levantar-se do leito. — Muito bem, Kirkpatrik — rosnou o gorila, ameaçador —, finalmente nós o temos em nossas mãos.
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CAPÍTULO QUINTO Inimigo invencível O chinês baixo e feio passou o lenço pela ampla calva, enquanto ouvia pacientemente os argumentos do homem oculto pela penumbra que se entrincheirava atrás da sua escrivaninha. — Seu plano falhou, Pei Ling. O correspondente americano não chegou a Zyullah e, assim, escapou do atentado que nós lhe havíamos preparado. Você não disse que ia ser muito fácil? O orientai voltou-se velozmente, os olhos brilhando furiosos por trás das grossas lentes dos óculos. — Não prossiga! Eu lhe disse que deixasse tudo a meu cargo. Eu sei o que faço. Kirkpatrik escapou da primeira armadilha, mas eu já estava preparado para alguma manobra desse tipo. Lembre-se, o indivíduo encontra-se ainda insulado no interior da floresta. Meus homens descobriram o jipe e o corpo de Ufshar. Já despachei ordens urgentes para que o matem onde quer que se encontre. Há algumas evidências de que tenha se refugiado na parte sudoeste da selva. No entanto será encontrado em poucas horas, isso eu garanto. Talvez, enquanto estamos conversando, o americano já tenha sido fuzilado numa clareira qualquer.
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O homem por trás da escrivaninha movimentou-se, inquieto. — Já estou cansado desses seus planos malucos, Pei Ling. Parece que, desde a chegada dos dois americanos, nada está dando certo para nós. O chim sorriu friamente. Seus olhos brilharam por trás das lentes. — Ouça, há uma questão de hierarquia que. espero, não será por você esquecida. Quem manda no Kafir sou eu. E digo-lhe que enviei homens preparados para cumprir a missão, ou seja, eliminar o jornalista Kirkpatrik de uma forma que nos seja conveniente. De fato; quem comanda a tropa encarregada de eliminar o americano é Bahtar Ahmed. Creio que não restam dúvidas. — É... sendo Bahtar Ahmed, temos chances de sucesso. — É claro que temos! — bradou o chinês, furioso. — Creio que é ridículo você duvidar disso! O amarelo endereçou um olhar melífluo ao homem oculto. — Sabe? Você só está vivo no presente momento graças a mim, ao Lien Lo Pou. Se não fosse por isso, este seu miserável e inútil país já teria desaparecido. Não temos por que sus tentar um fantoche ignorante numa república de opereta! — Não me provoque, Pei Ling — percebia-se a raiva surda na voz do homem oculto. O chinês emitiu uma risada brutal e ofensiva. — Ora, você não passa de um palhaço! Não imagino 9 porque de Pequim desejar mantê-lo neste cargo. Em todo o caso, digo-lhe o seguinte: liquidarei o americano sem mais perda de tempo. E quanto a você, prepare-se: será a próxima cabeça a rolar, se as coisas não saírem como eu espero. E, na verdade, do jeito que está a situação, não tenho por que — 58 —
me mostrar cortês com você. Retire-se, portanto, aos seus aposentos. Estou cansado e quero repousar. Pei Ling virou-se de costas para o homem oculto, que, levantando-se de sua escrivaninha, executou meia-volta e desapareceu por uma porta nos fundos do gabinete. Foi seguido pelo riso escarninho e maligno do sinistro chinês. *** O agente 77Z encarou com firmeza o grosseiro indivíduo que lhe apontava a automática. Desviou por um instante o olhar em direção a Ailena, a seu lado. O espanto e o temor que vislumbrou em suas feições deixaram-no convencido de que não se tratava de uma cilada arquitetada pela bela kafiresa. Volveu o olhar ao gorila, como se quisesse fulminá-lo. A cor de seus olhos modificou-se de um verde acinzentado para um profundo e escuro azul, sinal de que se encontrava severamente irritado. O energúmeno gargalhou com vontade. — É isso aí, palhaço. Acabou a sua festinha com essa menina gostosíssima. Agora eu, Bahtar Ahmed, vou me divertir com essa franguinha enquanto acabo com você, americano cretino. Kirkpatrik levantou-se lentamente da cama, mantendo o corpo de Ailena protegido por trás do seu. O físico atlético de 77Z, quase dois metros de altura, impunha respeito entre aqueles mentecaptos, embora estivesse em situação inferior com relação ao gigantesco macaco representado por Bahtar Ahmed. O monstro riu descaradamente. — Agora cu o tenho em meu poder, Kirkpatrik. Você vai experimentar a força de minhas mãos. Vai ser — 59 —
esmigalhado por mim. Transformarei seus ossos em palitos de fósforos, enquanto possua essa traidora safada. O agente 77Z, inteiramente nu ao lado da cama, levantou o braço, sendo imediatamente cercado pelos canos dos fuzis-metralhadoras. — Calma! Seja o que for que você pretende, Bahtar, Ailena não tem nada a ver com isso. E eu também não entendo essa fúria contra mim, já que sou apenas um correspondente de guerra ocidental. Não lhe fiz mal nenhum e espero uma explicação convincente de sua parte. O moreno corpulento estendeu o braço peludo em direção ao louro playboy. — Entre nós, não existem diplomacias, imbecil... A única explicação que terá é o peso do meu braço. — Vocês são guerrilheiros? Os olhos pequenos e cruéis de Bahtar Ahmed estreitaram-se. — Você é muito curioso, meu amigo. Em todo o caso, como vai mesmo morrer daqui a pouco, posso dizer-lhe que não somos guerrilheiros. Isso contribuirá para que vá para os infernos com uma grande dúvida por resolver. Além do mais, quem deve ser um terrorista é você próprio. O fato de ser encontrado com essa guerrilheira aí atrás não depõe a seu favor. A confusão instalou-se na mente do espião fora de série da CIA. Na verdade agora não entendia mais nada em todo aquele imbróglio. Ailena o resgatara das mãos de Ufshar afirmando ser participante de uma força paramilitar contrária aos revolucionários, o que não deixava de ter uma certa lógica. No entanto o gorila surgia e afirmava que Ailena era uma guerrilheira. Era tudo muito estranho. Kirkpatrik tinha a sensação de ter sido apanhado num redemoinho de farsas, contradições e mentiras, um complô — 60 —
bem armado ao estilo oriental. De qualquer modo, estava sendo ameaçado de morte pelo brutamontes, e este era o problema que demandava urgente solução naquele instante. Deixaria para equacionar aquela confusão de identidades mais tarde. Se é que haveria um mais tarde para ele. — Já perdemos muito tempo aqui! — bradou o energúmeno —, ponham esses dois para fora da cabana! O cérebro do agente 77Z trabalhou febrilmente. Haviam sido capturados por cinco homens armados. Com a sua longa experiência em espionagem, sabia que, se se submetesse à situação, obedecendo às ordens do gorila, o máximo que poderia lucrar seria uma bala na nuca. Por outro lado, se resolvesse resistir heroicamente, o resultado seria idêntico. Só lhe restava apelar para o último recurso. — Esperem! O grito de Kirkpatrik fez com que os indivíduos que lhe encostavam às costas os canos dos fuzis-metralhadoras estacassem momentaneamente. O louro milionário voltouse para Bahtar Ahmed, que sorria friamente. 77Z encarouo de forma desafiadora. — Você não passa de um palhaço covarde, Ahmed. Para me dominar e a garota, indefesos, precisa apelar para essa manada de mongoloides que o cercam. Garanto que, no braço, eu o transformaria em picadinho. Alguém aí gosta de strogonoff de orangotango? O louro playboy arrematou o desesperado desafio com uma risada cínica e depreciativa. Notou o rosto de Ahmed crispar-se de ódio. Sim, aquilo podia dar certo. — Você pode ser o máximo em feiura, Ahmed. Tem cara de um chimpanzé débil mental. Vamos, tente ser homem! Se lutar comigo eu o reduzirei à sua devida insignificância. Deixá-lo-ei como um bebê chorão a meus pés. O que está pretendendo? Por que não luta? Ora, — 61 —
Ahmed, você me decepciona. É muito mais covarde do que eu pensei. Os olhos pequenos do energúmeno brilharam malignamente. Não tinha nada a perder. Sabia- se muito mais forte do que aquele palhaço arrogante. E, de todo modo, estava garantido por seus homens. Só que, em vez de matar o americano a tiros, poderia ser mais interessante e compensador desmontá-lo a pancadas. Enquanto os quatro homens armados arregalavam os olhos, admirados da petulância e temeridade do americano louco, Bahtar Ahmed, com um rugido infra-humano, saltou sobre sua vítima, as gigantescas manoplas capazes de partir um coco, procurando a garganta do inimigo. O jornalista americano estava alerta. Quando notou o adversário quase sobre ele, inclinou-se, mergulhando de lado, enquanto impulsionava com extrema violência a perna esquerda, assestando uma patada brutal no fígado do gorila. O energúmeno absorveu com presteza o golpe. Refazendo-se, lançou o corpo descomunal contra o louro estendido de costas no chão, disposto a esmagar o rosto do contendor com o monstruoso pé. Kirkpatrik, porém, girou velozmente, acionando novamente a perna. Ao mesmo tempo em que a bota de Ahmed se chocava com um ruído cavo contra o solo, o pé descalço do espião da CIA elevouse numa curva perfeita, atingindo o gorila entre as pernas. Com um berro angustiado, Bahtar Ahmed levou as duas mãos ao local atingido. Kirkpatrik aproveitou-se do instante em que o adversário deixara a guarda aberta e, pondo-se agilmente de pé, assestou uma curta e rápida sucessão de murros no estômago e no rosto do kafirês, enquanto seu joelho subia, massacrando impiedosamente o baixo-ventre do inimigo.
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Lançado brutalmente para trás pela força dos golpes, Bahtar chocou-se de costas estrondosamente contra a parede da cabana. Porém, teve ainda reflexos para, notando a aproximação do americano, levantar a perna enorme, reunindo todas as forças ainda disponíveis. Atingido no ventre pelo coice, Kirkpatrik sentiu seu rosto contrair-se numa careta de dor insuportável, enquanto era lançado ao outro lado do aposento, desabando próximo de Ailena e dos quatro sabujos que a vigiavam. Apoiando-se com dificuldade contra a parede, Bahtar Ahmed impediu com um gesto que seus homens golpeassem o estonteado agente 77Z. Num esgar de ódio, o sangue escorrendo da boca, o vingativo kafirês conseguiu tartamudear: — Deixem-no! Vou... matá-lo... com minhas mãos! O terrível indivíduo acercou-se, ameaçador, do agente da Central Intelligence Agency, que jazia de costas no chão da cabana. Súbito sua perna foi lançada para diante, num chute destinado a quebrar duas ou três costelas do americano. Kirkpatrik, porém, lutava por sua sobrevivência. Sabia que a única chance consistia em poder dominar o ferrabrás, e, tendo-o como refém, passar a comandar a situação. Assim, num esforço sobre-humano, apelando para todas as energias que lhe restavam, conseguiu esquivar o coice definitivo endereçado ao seu flanco. Rolou rapidamente pelo chão, e, apoiando as costas contra a parede, conseguiu levantar-se. Bahtar Ahmed voou sobre ele como uma locomotiva desgovernada, disposto a batê-lo sem mais delongas. Kirkpatrik, no último segundo, retirou o rosto da frente da manopla do orangotango, enquanto, abaixando-se,
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enterrava profundamente a cabeça no vasto ventre do homem. O kafirês gritou de dor, enquanto o murro dirigido à cara do americano atingia estrepitosamente a parede da palhoça, destruindo-a parcialmente. Profundamente irritado após a patada que recebera, o agente 77Z moveu-se com uma agilidade e força impressionantes. Um murro brutal de baixo para cima fez seu punho fechado chocar-se com inaudita violência contra o queixo desprotegido do gorila, provocando um ranger surdo de ossos quebrados. Sem mais demora, o joelho do agente fora de série martelou as partes genitais do adversário com dois golpes arrasadores. Com os olhos quase desorbitados, lívido e uma expressão idiota de espanto no rosto largo, Bahtar Ahmed dobrou-se sobre si mesmo, conseguindo recuar aos tropeções. Como um puma, o louro milionário saltou sobre o adversário, começando a sentir que a partida estava ganha. Com um pouco de sorte... Um poderoso jab de direita fez a cabeça de Ahmed oscilar descontrolada. Em seguida duas cutiladas simultâneas, dirigidas à base do pescoço, quebraram definitivamente a resistência do kafirês. Pronto: bastava agora enlaçar por trás o pescoço do perigoso indivíduo e ameaçar quebrá-lo, forçando a rendição dos quatro lacaios. Mas estes perceberam ao mesmo tempo que Kirkpatrik que a roda da fortuna começava a girar ao contrário. Movimentaram-se velozmente. — Horace! Cuidado! Entretido em subjugar Bahtar Ahmed, o agente 77Z demorou-se uma fração de segundo em reagir ao grito de alerta de Ailena. Quando se virou, era tarde demais. — 64 —
A culatra do fuzil-metralhadora abateu-se bestialmente contra seu crânio. Kirkpatrik sentiu sua cabeça explodir em mil pedaços.
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CAPÍTULO SEXTO Armadilhas sinistras da jângal Ao abrir os olhos o agente fora de série da CIA sentiu uma miríade de centelhas espocando em seu cérebro, perfurando-o como finas e dolorosas agulhas. Sacudiu muito lentamente a cabeça e, levando a mão ao rosto, sentiu o líquido quente e pegajoso que, escapando de profundo corte no couro cabeludo, manchava-lhe de vermelho os cabelos e o rosto. Reprimindo um gemido, pôs-se a avaliar a situação em que se encontrava. Deitado de costas no chão, continuava inteiramente despido, assim como Ailena, que, encolhida, refugiara-se a um canto. Sentado na cama e segurando o queixo partido, Ahmed fitava-o com profundo ódio nos olhos pequenos e maus. Os outros quatro companheiros de Bahtar, sentados no chão, bebiam goles de shukar, as armas sobre os joelhos. — O americano já despertou, Ahmed — anunciou um dos sabujos. — Eu vi, Narkan. Pior para ele. O truculento kafirês endereçou ao louro milionário um sorriso sinistro. — Você não devia ter-me provocado, Kirkpatrik. A sua loucura vai lhe custar muito caro.
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Na verdade, antes eu pretendia apenas matá-lo, sem maiores perdas de tempo. Você, porém, resolveu desafiarme. E agora eu tenho planos especiais a seu respeito. O agente 77Z olhou para Ailena, que, apática e abúlica, encolhida em seu canto, procurava ocultar seus seios e sexo com os braços, mantendo o olhar mortiço perdido na distância. — O que fizeram com ela, animais? — ao pronunciar as palavras o espião da CIA sentiu o gosto salgado de seu próprio sangue. Bahtar Ahmed levantou-se, sustentando o queixo com a mão esquerda, e acercou-se do homem caído. Distendeu ainda mais o sorriso disforme, com os lábios torcidos. — Nada, infeliz. Não fizemos nada. Ainda. Calculei que não haveria graça nenhuma se nós a violássemos enquanto você permanecia desacordado. Da mesma forma, matá-lo enquanto dormia iria roubar-me grandes prazeres. Quero que a veja sendo possuída por nós, para que possa inteirar-se dos detalhes. E também quero que morra consciente, sabendo que vai ser despachado para o inferno. O perigoso kafirês aproximou-se mais, brandindo a mão direita. — Você vai sofrer muito, Kirkpatrik. Vai perecer em meio a terríveis torturas. Prometo fazê-lo arrepender-se amargamente de ter nascido um dia. Essa guerrilheira safada também vai sentir o peso da minha ira. Meus planos incluem, em primeiro lugar, dar-lhe um ou dois tiros em seu baixo-ventre, Kirkpatrik. Depois, dependendo da sua reação, verei o que fazer. Pelo tom das palavras do rancoroso indivíduo, Kirkpatrik deduziu que suas joelhadas fatais deveriam ter afetado seriamente o organismo do orangotango, e este, desesperado, engendrara cruel vingança. Pensou em fazer — 67 —
uma piada, nas desistiu a tempo. Provocar o assassino naquelas circunstâncias não poderia render-lhe nada de bom. Limitou-se, portanto, a murmurar entre dentes: — Vocês não passam de um bando de bestas sádicas! A violenta bofetada estalou no rosto do agente 77Z. — Basta, palhaço! Prepare-se para encomendar a alma a Vishnu! E, voltando-se para os companheiros: — Vamos logo! Aproveitemos a parada da chuva para levar estes indivíduos ao local do encontro. Estou ansioso para dar início à função. O homem chamado Narkan, levantando-se com o copo de shukar nas mãos, obtemperou: — Ainda estou convencido de que isto é um erro, Ahmed. Devemos aproveitar e matar os dois aqui mesmo. Serviço limpo e rápido, como fizemos com Hammia em Rasham. As últimas palavras de Narkan cruzaram o cérebro de Kirkpatrik como um raio. Mas o mais inesperado foi a reação de Ailena. Violentamente arrancada do estado de apatia em que se encontrava, a belíssima jovem pôs-se de pé num salto, olhos desmesuradamente abertos. — O que... o que disse? Narkan fitou a moça com ar de superioridade. — O que ouviu. Que fizemos um serviço perfeito com Hammia na capital. Isso foi ontem. — Mataram... Hammia? — Claro! — interveio Ahmed. — Fuzilamos a funcionária corrupta e traidora do Ministério da Informação, com um tiro no peito, em Raysinght Plaza! Emitindo um rugido desnaturai, a moça saltou com uma pantera sobre os sabujos, enquanto bradava, desesperada:
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— Assassinos! Assassinos! Mataram minha irmã! Covardes! Dois dos sujeitos seguraram os braços de Ailena, enquanto Ahmed, com dois bofetões, fez oscilar a cabeça da bela morena, lançando de volta ao canto do aposento o corpo da kafiresa. Kirkpatrik, revoltado, tentou ajudá-la, procurando levantar-se rapidamente, mas recebeu uma coronhada no ombro que o lançou novamente ao solo, com o corpo torturado por dores intensa«. Ajoelhada, o rosto coberto com as mãos, Ailena chorava, enquanto conseguia balbuciar entrecortadamente: — Hammia... minha irmã... morta... não é possível... — Cale-se! — urrou o brutal Bahtar Ahmed. — É melhor chorar por você mesma, desgraçada! Sim, matamos com muito prazer sua irmã, a miserável traidora informante dos guerrilheiros! O agente 77Z notou a onda de ódio e revolta envolvêlo, aquecendo seus nervos e provocando-lhe uma intensa sensação de vazio no estômago. Sentia-se envolvido num mar de lama, na voragem da mais suja e sórdida mistura de espionagem, guerrilha e política. Estava à mercê das feras, de indivíduos subumanos que se compraziam em matar e vangloriavam-se disso, dos asquerosos assassinos de Hammia. E sentia que agora era chegado o seu fim, bem como o de Ailena. Furioso por morrer de modo tão estúpido, cerrou com raiva os punhos e os dentes. — Vamos! — comandou Bahtar. — Não há mais tempo a perder! Estes infelizes têm encontro marcado com a morte! ***
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O solo da mata ainda estava encharcado pela chuva recente. Abrindo caminho por entre a vegetação, o cortejo sinistro deslocava-se lentamente sob as grandes árvores que ocultavam quase que totalmente a claridade do sol. Narkan seguia à frente, cortando galhos e ramagens com um facão de mato. Dois homens à direita e um à esquerda, fuzis-metralhadoras empunhados, escoltavam Kirkpatrik e Ailena, enquanto Bahtar Ahmed, tendo às mãos a sua pistola automática e a submetralhadora Browning que subtraíra à bela kafiresa, fechava a coluna. — Vocês dois deram um grande azar. Foram defrontarse logo com Bahtar Ahmed, entre todos os habitantes do Kafir. Saibam que, das dezenas de missões deste tipo que já executei, não falhei em uma sequer. O agente 77Z não tinha a menor vontade de conversar, mas não pôde furtar-se a um comentário: — Claro. É natural. Se suas missões consistem em liquidar friamente pessoas indefesas, não há vantagem alguma nisso. Qualquer imbecil pode fazê-lo. Bahtar riu. — Suas opiniões decididamente não me interessam, cretino. Dentro de pouco tempo você irá nos proporcionar um belo espetáculo. Quero reunir-me a meus outros companheiros para que eles também possam assistir, de camarote, à sua terrível agonia! O kafirês sádico passou a descrever em voz alta, com riqueza de minúcias, todas as horríveis torturas que infligiria aos dois prisioneiros, culminando com morte pavorosa para ambos. Parecia sentir um grande prazer em atormentar Ailena e o jornalista americano. — Ainda acho que foi um erro, Ahmed — — ponderou Narkan, lá adiante — os chefes podem não gostar.
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— Ora, o que é isso, Narkan? É claro que os escalões de cima apreciarão. O suplício de Kirkpatrik e da guerrilheira será uma cena excitante. Todos vão aplaudir. Às vezes eu tenho ideias artísticas requintadas e de grande sensibilidade. O grosseiro Ahmed foi o único a rir de sua própria e infame piada. Caminhavam há cerca de meia hora. O agente 77Z, cabisbaixo, compreendeu que uma reação seria impossível. Era forçado a aguardar os acontecimentos. Ailena, por seu turno, parecia inteiramente alheia, mergulhada em profundos pensamentos, lágrimas escorrendo lentamente pelo lindo rosto. De súbito, sem aviso prévio, algo insólito e terrível aconteceu. Um dos homens armados que caminhavam à direita de Kirkpatrik, afastado cerca de três metros, emitiu um grito curto de espanto, e mais não pôde fazer. Seus pés tocaram em algo que não ofereceu resistência alguma, e o indivíduo, numa fração de segundo, pareceu ser tragado pelo solo, juntamente com toda a erva rasteira, num raio de dois metros, deixando a descoberto um buraco de razoável profundidade. Uma queda curta, um baque surdo. Lá embaixo, no fundo da armadilha escavada na época da Segunda Guerra, o corpo do indivíduo, trespassado e estraçalhado pelas pontas agudas e afiadas das lanças de bambu, estava transformado num monte disforme de carne e sangue. O agente 77Z, com o cérebro sempre alerta de espião bem treinado, reagiu antes dos demais à surpresa e ao espanto provocados pela horrível cena. Erguendo lateralmente a perna, distendeu-a, aplicando uma severa patada nos rins do outro kafirês que se encontrava à sua — 71 —
direita. Impulsionado pelo golpe, o indivíduo, com um grito sobrenatural ditado pelo mais espantoso pavor, mergulhou para a morte nas farpas de bambu. Antes que o corpo do lacaio de Ahmed chegasse ao final da queda o agente fora de série da CIA, movimentando-se como um relâmpago de pernas e braços, voou sobre o outro indivíduo armado que guardava a esquerda do cortejo. Pelo canto dos olhos, observou que Narkan, Ailena e Ahmed reagiam simultaneamente. Animada por um ódio infinito, a bela kafiresa voltou-se para o chefe do bando, desferindo-lhe um chute brutal no pulso direito, fazendo voar longe a pistola automática prestes a ser disparada por Bahtar Ahmed. Atracou-se então com o gorila, tentando impedi-lo de fazer uso da submetralhadora que trazia na mão esquerda. Narkan, entretanto, dirigiu sua cólera contra Kirkpatrik, o inimigo que lhe estava mais próximo. Com um grito de surpresa e raiva, lançou o facão de mato que empunhava rumo ao peito do louro milionário. O agente 77Z, porém, havia subjugado o terceiro homem do grupo, passando-lhe o braço em volta do pescoço e agarrando-lhe a mão direita, que empunhava o fuzil-metralhadora. Ao perceber o movimento de Narkan, protegeu-se com o corpo do indivíduo à guisa de escudo. O facão de mato embebeu-se profundamente no peito do companheiro de Narkan, trespassando-o e ferindo de leve o ventre de Kirkpatrik, postado atrás dele. Um horrendo brado de agonia ecoou pela selva. Mais que depressa. Narkan empunhou sua arma e disparou. O corpo do moribundo estremeceu violentamente, rasgado pelas balas. Em desespero, o agente da CIA introduziu o dedo no gatilho da arma ainda segura pelo homem que havia dominado. A rajada saiu sem que ponta — 72 —
ria alguma fosse feita, mas três balas alojaram se nos intestinos de Narkan, que, abrindo os braços e arregalando os olhos, ensaiou alguns passos trôpegos, como se estivesse bêbado, finalmente tombou de borco, definitivamente liquidado. Com impressionante velocidade, o agente fora de série da CIA voltou-se para Bahtar Ahmed. A tentativa louca e suicida de Ailena para dominá-lo não tivera sucesso. Enquanto Kirkpatrik duelava com Narkan, o sádico kafirês conseguira livrar os braços, e, com uma furiosa sucessão de bofetadas, impulsionara a moça até a borda do mundéu. A terra cedeu sob os pés de Ailena e ela sentiu-se projetada no ar. Num último e herói« esforço para permanecer viva, agarrou-se com a pontas dos dedos à borda do buraco. Narinas frementes e olhar transtornado pela loucura, Bahtar Ahmed fitava o rosto crispado de terror da jovem kafiresa. O seu cérebro doca tio e mórbido estava totalmente tomado pela obsessão criminosa de ver o corpo da bela morena retalhado pelas lâminas de bambu. Perder o contato com a realidade; o restante da lua não lhe interessava mais. Tudo o que queria era presenciar a morte horrível da moça. Com um riso insano na face brutal, o sádico levantou a pesada bota para golpear os dedos delicados de Ailena, firmemente aferrados à beira do mundéu, agarrando a terra como a própria vida. — Ahmed! Com a mente bloqueada para tudo o que não fosse o corpo da kafiresa e as pontas aguçada de bambu, o monstro nem ouviu. Seu pé descomunal desceu.
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Kirkpatrik apertou friamente o gatilho. Como se impulsionado por uma força irresistível, o imenso Bahtar Ahmed recuou, aos tropeções, os balaços destruindo sua carne. Permaneceu por um instante de pé, rígido, os olhos de demente inteiramente abertos e uma expressão de abjeto espanto estampada na cara simiesca, enquanto a rajada de balas destroçava seu peito e ventre. — Não... não! A voz embargou-se pela golfada de sangue que emergiu de sua boca. Tombou pesadamente de costas, tingindo de vermelho as plantas rasteiras. Neste momento Ailena sentiu a terra esfacelar-se entre suas mãos. Com um grito de pavor, mergulhou rumo às lanças de bambu. Kirkpatrik estava próximo e não hesitou. Praticamente lançando-se dentro do mundéu, com grave risco de ir também estatelar-se contra as lâminas assassinas, conseguiu, no último segundo, agarrar a mão esquerda da jovem aterrorizada. — Calma, Ailena... calma... não se mexa. O agente 77Z também estava dentro do buraco, seguro apenas por uma das mãos à beira da armadilha. Com a testa perlada de suor frio, procurou coordenar os esforços. Lentamente, com muita calma, utilizando todas as suas energias, conseguiu içar ele e Ailena para fora do mortífero poço. Exaustos, estenderam-se no chão, procurando recobrar as forças e a calma após aquela titânica luta. — Cuidado, Horace! Kirkpatrik colou-se ao solo e ouviu, por trás de si, o fuzil-metralhadora funcionar, as balas passando uma polegada acima de sua cabeça.
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Rastejando velozmente, Ailena apoderou-se da sua Browning, que fora abandonada ali por Ahmed ao morrer. Disparou. O rosto de Narkan explodiu, desaparecendo. O vingativo kafirês, nos últimos instantes de agonia, já que não fora morto imediatamente pelas três balas nos intestinos, resolvera levar consigo os dois prisioneiros para as trevas da morte. Ailena ergueu-se lentamente, como que hipnotizada. Com o dedo febrilmente agarrado ao gatilho, aproximou-se de Narkan, a arma de grosso calibre vomitando uma rajada contínua de chumbo. Quando as balas do pente se esgotaram, Ailena estava de pé ao lado do cadáver irreconhecível de Narkan. Largou a arma e, crispando as mãos sobre o rosto, começou a chorar, soluçando convulsivamente. Kirkpatrik abraçou-a com ternura. — Está tudo acabado, Ailena. Está tudo bem. Acalmese. Aos poucos o agente 77Z conseguiu tranquilizar a jovem transtornada. Passando um braço por seu ombro, tentou conduzi-la para longe daquele local fatídico. Neste instante ouviu um rumor que reconheceu nitidamente como sendo um bater de palmas. Imediatamente a voz forte e zombeteira emergiu por entre a vegetação: — Meus parabéns, Kirkpatrik! Foi excelente esta exibição. Volvendo os olhos velozmente, o agente fora de série da CIA viu-se cercado por seis homens portando armas de grosso calibre.
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CAPÍTULO SÉTIMO Pelotão de fuzilamento Os seis homens armados aproximaram-se lentamente. Um deles, baixo e de grandes bigodes negros, falou: — Devo reconhecer que eu o subestimei Kirkpatrik. Você e essa guerrilheira fizeram um grande estrago entre nossos homens, matando inclusive um dos nossos elementos-chave, Bahtar Ahmed. Foi pena não termos conseguido chegar a tempo de evitar a tragédia. Enfim, nem tudo está perdido. Braços pendentes e pernas levemente abertas, o agente 77Z encarou o recém-chegado. — Que palhaçada é essa agora? — Ora, meu amigo! Seus termos são muito ofensivos! De qualquer modo, digo-lhe que somos companheiros desses que vocês mataram. O homem de vastos bigodes acendeu um cigarro. — Na verdade, Kirkpatrik, creio que devo até agradecer-lhe por ter liquidado Bahtar Ahmed. Com sua morte, eu, Shabir Yallah, o segundo homem na hierarquia do sistema, serei nomeado o chefe de campo de operações anti-guerrilhas Claro, meu poder e prestígio aumentarão muito. O louro playboy esboçou um sorriso.
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— E não tenciona demonstrar seu agradecimento a nós de uma forma mais concreta. Yallah? — Sem dúvida. Não vou matá-los friamente. Vou submetê-los a um julgamento imparcial e honesto. — Julgamento? Ouça, Yallah, desde que cheguei ao Kafir não estou entendendo nada de que está acontecendo. Eu e a moça fomos presos sem motivo algum por este bando de imbecis que pretendiam torturar-nos e nos liquidar depois. Matamos esses criminosos em legítima defesa. E agora você vem falar em julgamento? Afinal quem são vocês? O que está acontecendo neste misterioso país? — Vou contar-lhe tudo, Kirkpatrik — interveio Ailena — já é tempo de você saber que... — Cale-se, guerrilheira, ou não haverá sequer um julgamento! — Deixe, Ailena — murmurou o agente 77Z —, estes porcos são mesmo capazes de atirar. Vamos ver se conseguimos pelo menos enfrentar o julgamento ridículo de que esse cretino falou. Alteando a voz, o louro milionário dirigiu-se a Yallah. — Está bem, Yallah. Diga-nos do que somos acusados. — Ora, Kirkpatrik, convenha que ser capturado em companhia de uma terrorista após exterminar um grupo dos nossos rapazes é uma acusação de peso em qualquer tribunal. — Basta! — cortou o agente fora de série da CIA, irritado. — Vocês afirmam que a moça é terrorista e, no entanto, ela não fez nada! Por outro lado, vocês saem perambulando aí pela selva, ameaçando e matando gente inocente! Afinal quem são vocês? Não podem ser soldados regulares do exército kafirês, pois isto não teria sentido. Estão a soldo de quem? Quais são seus propósitos? Yallah sorriu, cofiando os bigodes. — 77 —
— Quer saber demais, meu amigo. Isso não é bom. De qualquer modo, perde seu tempo, pois não sou obrigado a responder a essas perguntas tolas. Kirkpatrik sentiu-se repentinamente cansado. Estava farto de tudo aquilo. Parecia ter sido transportado subitamente a uma outra dimensão, uma dimensão surrealista onde todos os fatos eram absurdos e absolutamente incompreensíveis. Acenou afirmativamente com a cabeça. De qualquer modo, a situação não parecia ser muito grave. Aparentemente Yallah não tinha intenção de executá-los de forma sumária. — OK, Yallah. Você venceu. Seremos levados presos a Hasham? — Não. — Não? Então onde seremos julgados? — Aqui e agora. O agente 77Z franziu a testa e semicerrou os olhos. Uma terrível suspeita formou-se em sua mente. — Como assim, aqui e agora? Isto não é um tribunal! Estamos no meio da selva! — Isso mesmo. Mas agora passou a ser um conselho de guerra. Eu, Shabir Yallah, chefe de campo de operações antiguerrilha, declaro instalada a corte marcial e aberta a sessão. — Mas que absurdo é este? Isso é ridículo! — Eu, Shabir Yallah, juiz, nomeio Mehmet Kl ar e Zia Pasham, aqui presentes, respectivamente promotor e advogado de defesa. Kirkpatrik deu dois passos à frente. — Ouça, imbecil, não é possível que... Um dos homens engatilhou a arma com um ruído seco, apontando-a para o peito do agente fora de série. — 78 —
— Acho bom ficar quieto aí mesmo, Kirkpatrik, ou não terá oportunidade de ouvir o veredicto. O louro milionário estacou. — Loucos... estão todos loucos! — A corte desconsidera o comentário do acusado. Prosseguindo: apresentação dos réus. Horace Young Kirkpatrik, jornalista americano, e uma jovem guerrilheira kafiresa. Acusação: com a palavra o promotor. Um jovem barbado e usando uma boina negra falou: —- A acusação é: prática de atos de guerrilha. — Muito bem. Com a palavra o advogado de defesa. Um rapaz de camisa verde, com o escudo representando uma caveira pregado ao peito, adiantou-se um passo. — Nada a declarar à corte. — Perfeito. Em vista da gravidade das acusações, o conselho de guerra sentencia os acusados à pena máxima, ou seja, à morte por fuzilamento. A sentença será cumprida imediatamente. Declaro encerrada a sessão. — Não! Não é possível! — gemeu Ailena, desorientada. O agente 77Z passou a mão pela testa, retirando-a úmida de suor. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Tudo aquilo parecia um negro e sombrio pesadelo. — Viram? — sorriu Yallah, acendendo outro cigarro — , como eu lhes prometi, vocês tiveram um julgamento justo, imparcial e honesto. Pena que o veredicto não lhes tenha sido favorável. — Miserável! — Isso, Kirkpatrik! Aproxime-se! Complete o movimento que ia fazer! Assim terei o prazer de estourar sua cabeça antes do fuzilamento!
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O agente 77Z parou. Não iria dar prazer àqueles canalhas malucos. Se era chegada a sua hora, morreria de pé. — Muito bem, homens! Preparem o alinhamento do pelotão. Rápido, não temos muito. tempo a perder. A sentença deve ser cumprida imediatamente! Os cinco homens movimentaram-se silenciosamente, postando-se diante dos dois condenados, enquanto Shabir Yallah permanecia um pouco atrás. Ailena, desesperada e desamparada, abraçou- se com força ao corpo de Kirkpatrik. O jovem amparou-a, passando o braço musculoso por trás dos ombros da bela kafiresa, enquanto afagava seus cabelos negros com ternura. — Nós jogamos e perdemos, Ailena — sussurrou —, e temos que nos conformar com isso. Não há saída para nós. — Rápido! Alinhar o pelotão de fuzilamento! Os cinco homens enfileiraram-se diante dos jovens sentenciados. — Esperem! — bradou Kirkpatrik. — E quanto ao último desejo do condenado? Yallah impacientou-se. — Que palhaçada é essa, americano? — Estou falando sério. Tenho direito a um último desejo. — Está bem, vá lá. O que quer? — Um cigarro. — Cuidado! Esse cara é cheio dos truques! Jogue um cigano para ele, Pasham! O agente 77Z recebeu o cigarro e acendeu-o com mão firme, jogando fora os fósforos. Sua última chance desvanecera-se. Ninguém se aproximara dele. Terminou o cigarro e sorriu, encarando o pelotão de fuzilamento. — 80 —
— Preparar! Ailena agarrou-se mais fortemente ao corpo musculoso de Kirkpatrik. — Apontar! O louro playboy mergulhou o olhar nos canos dos fuzismetralhadoras. — Fogo!
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CAPÍTULO OITAVO A noite da vingança A selva transformou-se num inferno de chumbo, as rajadas de metralhadora cortando-a em todas as direções. Os cinco homens de Shabir Yallah, enfileirados, foram atingidos em cheio pelas costas, saltando no ar impulsionados pelos balaços. Conseguiram, convulsivamente, disparar alguns tiros a esmo que não chegaram a atingir os condenados devido à reação instantânea de Kirkpatrik, lançando Ailena brutalmente ao chão e pulando sobre ela, protegendo-a com seu corpo atlético e musculoso: O homem que dera o último grito saltou de uma árvore atrás de Shabir Yallah. Este voltou-se, com a pistola apontada, apesar da extrema surpresa que a situação lhe causara. Mas o outro foi mais rápido. Apontou e atirou. O crânio de Yallah explodiu. Algumas rajadas de metralhadora continuaram cortando o ar, derrubando os últimos homens de Yallah, que tombaram amontados uns sobre os outros, enquanto, por trás da espessa vegetação, começaram a surgir homens e mulheres empunhando metralhadoras Browning pesadas. Os seis criminosos loucos morreram sem praticamente se aperceber disso.
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Então Kirkpatrik viu erguer-se por trás de uma moita um homem alto e corpulento, tendo à cabeça um vistoso turbante verde-oliva fechado por um medalhão de esmeraldas. *** O Palácio do Governo Nacional do Kafir era um prédio muito antigo. Construído antes do tempo do protetorado britânico, consistia numa vasta edificação em estilo árabe, ornado por arcos flamejantes, no centro de um grande parque gramado. Fora outrora a residência do sultão, e, sendo agora a habitação Oficial dos governantes, ali morava o Presidente Jaya Bahadur, cercado por sua guarda pessoal. Kirkpatrik e Ailena, trajando roupas inteiramente negras que os tornavam quase invisíveis em meio à noite escura e chuvosa, encostaram- se colados aos altos muros que delimitavam os fundos da imensa propriedade. — Pela última vez, Ailena — murmurou o agente 77Z —, vá reunir-se à sua gente. Não deve vir comigo. É extremamente arriscado. — Não insista, Horace. Eu conheço a planta do palácio. Sem mim, você estaria perdido no interior dele. O agente fora de série da CIA suspirou resignado. — Está bem. Mas, uma vez lá dentro, prometa-me que vai seguir o plano previamente traçado. Não quero heroísmos aqui. Você é uma moça muito arrojada — concluiu, com um sorriso. — Prometo. — Ótimo. Creio que, com o ruído da chuva, os guardas na guarita não ouvirão o gancho bater no muro. — E, se ouvirem, estou preparada.
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O espião lançou o gancho de aço para o alto, puxandoo e prendendo-o na muralha. Experimentou a tensão na corda, e, um de cada vez, iniciaram a perigosa escalada. A chuva adensava as trevas, tornando a visibilidade quase nula. Quando a luz do holofote incidiu sobre aquela parte da muralha, os dois jovens trajados de negro já se encontravam dentro dos jardins do Palácio do Governo, fora das vistas das sentinelas postadas nas guaritas. Ocultaram o gancho e a corda junto ao muro. Adejando como fantasmas, percorreram com extremo cuidado a longa extensão de jardins até uma das entradas de serviço do palácio, ocultando-se atrás de moitas e arbustos sempre que pressentiam a aproximação dos fachos dos holofotes. A entrada secundária estava guardada por dois soldados do exército kafirês, postados de cada lado da porta. Kirkpatrik e Ailena ocultaram-se atrás de uma mureta de pedra. — Droga! —- murmurou o agente da CIA, entre dentes, de modo quase inaudível —, creio que teremos que matálos! — Acho que não será necessário — ponderou Ailena, após alguns segundos. — Observe e mantenha-se alerta. A bela garota toda de negro afastou-se alguns passos e depois voltou, caminhando com grande naturalidade em direção aos soldados. Proferiu algumas palavras em dialeto kafirês e chamou-os para o canto oposto àquele em que Kirkpatrik encontrava-se oculto. Em sua língua, de alguma forma Ailena conseguira captar extrema atenção da parte dos guardas. Estes seguiram-na, despreocupados, conseguindo completar alguns passos.
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O agente 77Z literalmente percorreu voando a distância que o separava dos militares. Postando-se atrás deles, que se mantinham entretidos com o que Ailena falava, ergueu os braços e descarregou com as mãos em cutelo, simultaneamente, uma pancada na base do pescoço de cada um deles. O golpe preciso surtiu o efeito esperado. Os dois guardas, corpos subitamente amolecidos, perderam de imediato a sustentação e foram amparados antes da queda por Kirkpatrik e Ailena, que os depositaram ocultos atrás da mureta. — Tudo bem. Deverão dormir por uma hora. pelo menos. Resolutamente penetraram pela entrada de serviço do palácio. — O que você disse àqueles guardas que tanto os atraiu? Ailena sorriu maliciosamente. — Ora, este não é o momento adequado para termos uma conversa indecente. Percorreram imensos corredores passando com extrema cautela em frente de portas que conduziam a cozinhas, copas, despensas e outras áreas de serviço do enorme palácio, esquivando-se de grande número de serviçais civis que executavam serviços subalternos na sede do governo. — Estamos chegando às escadarias de acesso ao primeiro andar — anunciou a bela kafiresa, em voz baixa. Súbito viram aparecer no final do corredor uma bota de cano longo. Rapidamente protegeram-se atrás do vão de uma porta. Eram dois oficiais kafireses que caminhavam ao longo do corredor, fazendo os tacões das botas ressoarem pesadamente no piso de mármore.
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Os oficiais passaram pelos dois jovens vestidos de negro, mas um deles, com o canto dos olhos, observou a saliência representada pelo largo peito do espião da CIA. — Ei! O que... Não dispuseram de mais tempo. As coronhas das duas armas automáticas abateram-se sobre seus crânios como se se tratasse de uma operação automática e cronometrada. — O que faremos com estes dorminhocos? — Embaixo da escada! Rápido! Enveredaram pela escadaria conducente ao primeiro andar. Quando já atingiam o piso superior, surgiu um oficial graduado, talvez coronel ou general. Viu os dois fantasmas negros e imediatamente levou a mão ao coldre, enquanto abria a boca para emitir um grito de alarma. Numa fração de segundo as duas pistolas munidas de silenciador dispararam. Plop. Plop. Duas balas cravaram-se no coração do oficial, que não teve oportunidade de articular qualquer som. Subindo os últimos degraus com impressionante agilidade, Kirkpatrik amparou o corpo do militar antes que este desabasse pela escadaria, encostando o cadáver à parede do corredor. — Onde ficam os aposentos de Bahadur? — Quarta porta à esquerda, naquela direção. — Perfeito. Agora, segundo o plano, vá para a outra ala, a fim de impedir que alguém surja de improviso por aquele lado. — Não, Bahadur não está só! Será muito perigoso! — Não discuta, Ailena! Vá! Sem esperar resposta, o agente fora de série enveredou pelo seu setor do saguão, chegando em frente da quarta porta. Experimentou-lhe cautelosamente a fechadura. Estava trancada.
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Recuando um passo, Kirkpatrik olhou para todos os lados. Ailena desaparecera de vista. O corredor estava deserto. Com a automática provida de silenciador, Kirkpatrik fez fogo sobre a fechadura, irrompendo dentro do aposento uma fração de segundo depois. — Largue a arma, amigo! A advertência, em tom frio e impessoal, fora feita a um chinês baixo e calvo, que tentava sacar uma automática de dentro do bolso do casaco. O oriental, vendo-se sem saída, deixou a arma cair ao chão com um estalido seco. — Isso vale para você também, que está oculto na penumbra, Presidente Bahadur. Ou devo dizer Comandante Z? Lentamente o homem sem rosto, levantando-se por trás da escrivaninha, ergueu os braços acima da cabeça. — Quem é você? — O longo braço da CIA, Comandante Z. — Como nos descobriu? — É uma longa história. E não estou com paciência para contá-la a vocês. O que quero agora é que venha reunir-se a seu amigo Pei Ling, importante agente do Lien Lo Pou, ficando sob a luz, onde eu possa vê-lo perfeitamente. Isso. Agora aperte a tecla de chamada do seu interfone e ligue para a guarita número um, avisando que um grupo de homens a seu serviço vai penetrar no palácio, sob a sua salvaguarda. A senha é Krishna protege Kafir. O Presidente Bahadur contraiu o rosto. — Ouça, está louco se pensa que eu... — Louco está você, Comandante Z, se ousar resistir às minhas ordens. Modere o seu tom de voz. É inútil querer chamar a atenção de quem se encontra nos outros
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aposentos. Dou-lhe cinco segundos: chame ou farei seus miolos saltarem pelas paredes. O Presidente Jaya Bahadur, do Kafir, conhecido num círculo muito restrito como o Comandante Z, identificou a ameaça terrível latente nos olhos cinzentos e frios do agente da CIA. Percebeu que, em cinco segundos, não poderia contar com ajuda alguma. E seria morto. Apertou a tecla do intercomunicador, fazendo surgir uma luz vermelha no ramal chamado. — Seria uma grande besteira sua tentar me enganar, Comandante Z — murmurou Kirkpatrik —, pois, se eu não receber num intervalo de tempo bem curto um sinal dos meus companheiros, em código, nem Krishna conseguirá salvá-lo! — Às suas ordens, Excelência! — respondeu o chefe da guarita um. — Não se esqueça, Z! Se não fizer exatamente o que eu mandei, morrerá em segundos! Se sua atitude me agradar, prometo que deixarei que viva. — Excelência? — Capitão Tagorie, há um grupo de amigos meus que vai entrar pelo portão principal do palácio agora mesmo. A senha é Krishna protege o Kafir. — Pois não, Excelência. Quantos são eles? O Presidente Bahadur olhou para Kirkpatrik, que lhe fez um gesto. — São nove, capitão Tagorie. — Pois não, Excelência. Cumprirei as instruções. Mais alguma ordem? — Não. Passou-se um minuto de angustiosa espera. Dois. Três. Então, de súbito, do receptor de rádio postado sobre uma mesinha próxima a Pei Ling, e que até aquele momento — 88 —
transmitia apenas uma suave música de fundo, começaram a brotar os primeiros acordes da Canção Nacional do Kafir, em som alto e forte. O Presidente Bahadur e o chinês estremeceram. Kirkpatrik abriu um amplo sorriso. — Não é possível... ocuparam a estação de rádio! — Isso mesmo, Bahadur. Seu regime corrupto chegou ao fim! Nesse instante o agente 77Z percebeu um braço surgir velozmente pela porta do aposento. Reagindo com espantosa rapidez, saltou de lado, enquanto disparava sua arma. O braço armado de automática atirou duas vezes na direção do agente fora de série da CIA. No gabinete instalou-se então um tremendo pandemônio, com os acordes vibrantes e marciais do hino do Kafir ecoando como fundo. Kirkpatrik mergulhou para trás de um sofá, enquanto o Comandante Z pulava por trás de sua escrivaninha e Pei Ling corria para sua arma caída no chão. O Presidente Bahadur empunhou sua pistola e 77Z fez fogo sobre ele, lançando-o aos tropeções para a penumbra ao fundo da sala. Repentinamente o agressor misterioso que se escondia do lado externo da porta foi brutalmente empurrado para o interior do gabinete presidencial. Ensaiou dois passos trôpegos e desabou de borco no centro do escritório, próximo a Pei Ling, com dois furos feios e sangrentos nas costas. Kirkpatrik notou numa fração de segundo que o indivíduo alto e forte fez rolar, ao cair, um belo turbante verde oliva com fecho de esmeraldas. Atrás dele entrou Ailena, automática em punho, invadindo corajosamente o recinto em defesa de Kirkpatrik. O chinês baixo e feio, no entanto, já conseguira agarrar a sua pistola.
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Três tiros ecoaram simultaneamente. Kirkpatrik e Ailena dispararam em Pei Ling, ao mesmo tempo em que o oriental apertava o gatilho da automática, mirando a bela kafiresa. Atingido pelas duas balas no peito, o chim foi empurrado para trás, enquanto a jovem morena, deixando escapar um grito curto, caiu de costas no soalho do gabinete. — Ailena! Não! De um salto, o agente 77Z, largando a arma, ajoelhouse ao lado da garota, enquanto uma voz brotava do aparelho de rádio: — Atenção, povo do Kafir! Aqui fala Sanjay Ladak, da Frente de Libertação Nacional, nas instalações da Rádio do Kafir, no Palácio do Governo. O regime corrupto e criminoso do Presidente Bahadur acaba de ser derrubado. O país está livre da opressão e da tirania! Liberdade para o Kafir! Enquanto a mensagem prosseguia, centenas de pessoas começaram a sair às ruas, saudando com vivas entusiásticos a queda de Bahadur e a libertação do país.
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EPÍLOGO Sentados à escrivaninha que pertencera ao Presidente Bahadur, Kirkpatrik, o Comandante Vermelho e Sanjay Ladak, o homem do turbante verde-oliva, mantinham-se em silêncio. Sanjay pressionou a tecla de um cassete deck e imediatamente brotou do aparelho a voz metálica de Pei Ling, ouvida por todos com grande interesse. — Eu, Pei Ling, agente secreto a serviço do Lien Lo Pou, sou o responsável pela aplicação do Plano Z no Kafir. Este plano teve início logo após o golpe de estado militar que levou o Presidente Bahadur ao poder. Bahadur, preocupado em manter a estabilidade do seu regime de força, procurou aparentar uma aproximação e uma identificação de interesses com os países capitalistas imperialistas do Ocidente, em particular os Estados Unidos, mas tudo isto não passava de um artifício destinado a não atrair contra si a ira da América, o que poderia terminar provocando uma intervenção da CIA contra ele. Dentro deste programa de cortina de fumaça, Bahadur havia inclusive marcado visita oficial ao Presidente Reagan em Washington. Na verdade, Bahadur estava secretamente comprometido com a China, e aguardava apenas o momento de fortalecer-se mais no poder para promover outro golpe militar, de esquerda, visando a implantação de uma ditadura comunista pró-Pequim. Após uma ligeira pausa surgiu novamente a voz do chinês: — 91 —
— A situação deteriorou-se, porém, após a organização das oposições ao regime de Bahadur na Frente de Libertação Nacional, uma entidade de resistência guerrilheira inteiramente independente de quaisquer vinculações com outros países, e que, por ser um movimento genuinamente nacional, veio de encontro às aspirações do povo do Kafir e passou a contar com amplo apoio popular. O aparelho registrou a tosse de Pei Ling. Sua voz era muito fraca. — Para enfrentar este problema, a única coisa em que consegui pensar foi numa operação em larga escala para desacreditar os guerrilheiros perante o povo do Kafir e a opinião pública mundial. Assim, eu e Bahadur selecionamos dentro do exército e também entre civis um grupo de homens inescrupulosos que seriam capazes de fazer qualquer coisa por dinheiro, e demos a eles a missão de executar atos de terrorismo e sabotagem da mais refinada crueldade, crimes bárbaros e operações genocidas que, devidamente divulgadas no Kafir e no exterior, foram creditadas aos guerrilheiros, chocando a opinião pública e provocando revolta contra a Frente Nacional, que, no entanto, estava inteiramente inocente. Como detínhamos o monopólio da informação no Kafir, os guerrilheiros jamais puderam anunciar ao mundo que, na verdade, eram homens de Bahadur os responsáveis pelas atrocidades cometidas contra o povo kafirês. O chinês fez uma longa pausa. — Alguns dos exterminadores escolhidos foram Bahtar Ahmed, Shabir Yallah e, principalmente, Kram Nagar, selecionado especialmente em função da sua grande semelhança física com o líder guerrilheiro Sanjay Ladak. Fizemos Nagar trajar-se como Ladak habitualmente se — 92 —
vestia e isso dava ainda maior credibilidade às operações terroristas dos nossos homens, recaindo a culpa, como sempre, na Frente Nacional. A fita rodou durante algum tempo, reproduzindo apenas o tossir do oriental. A voz débil tornou a ressoar no gabinete: — Durante algum tempo, tudo correu bem para nós. Chegamos a pedir ajudar da CIA para acabar com a guerrilha, tentando sensibilizar a opinião pública norteamericana com as barbaridades cometidas por nosso grupo de extermínio e fazendo circular o boato de que os guerrilheiros estavam a soldo de Pequim. Porém, quando Doyle e Kirkpatrik chegaram a Rasham, senti que a sorte estava do meu lado. Tinha certeza de que Doyle era um agente da CIA, e assim planejei deixá-lo em liberdade para agir. Se conseguisse liquidar a guerrilha, muito bem. Se não conseguisse, não faria muita diferença. Por outro lado, a morte do correspondente Kirkpatrik ser-me-ia muito útil para provocar uma tensão ainda maior no Kafir, irritando Washington e atraindo uma operação da CIA contra a Frente Nacional, caso Doyle fracassasse em sua missão. Claro que o assassinato de Kirkpatrik, executado com requintes de crueldade e sadismo, deveria também ser propalado através do mundo, responsabilizando-se a sanha assassina dos guerrilheiros pelo crime. Subitamente o chinês começou a falar de modo claro e nítido: — Na verdade a minha real intenção era provocar o máximo possível de confusão, pavor e tensão no Kafir. Isso porque o Plano Z, de fato, consistia num projeto para atrair a intervenção armada americana no país, arrastando-os para uma guerra na selva. Eu pretendia reeditar no Kafir uma versão do Vietnam em 1981, visando combalir o poderio — 93 —
bélico americano convencional e prejudicar a sua imagem internacional, numa época plena de tensão nas revelações entre todos os países do globo. Mas isto era algo desconhecido por todos. Nem Bahadur conhecia minhas verdadeiras intenções. Alguém formulou uma pergunta. A voz de Pei Ling voltou, mais fraca: — Ah, isso? Foi uma brincadeira minha e de Bahadur, para confundir ainda mais os serviços secretos do Ocidente. Espalhamos o boato de que o chefe dos guerrilheiros era um tal Co- mandante Z. Na verdade o Comandante Z era o próprio Bahadur, que assinava com esse nome as mensagens secretas aos nossos grupos de extermínio. Percebia-se que o chinês estava no fim. Balbuciou: — Era um grande plano... um belo plano..., mas vocês... A fita continuou girando no gravador, mas já não se ouvia som algum. Sanjay Ladak pressionou a tecla de parada. — Gravamos isto há algumas horas — murmurou —, mas Pei Ling morreu em seguida, não resistindo aos ferimentos. Prometemos a ele a liberdade completa em troca deste depoimento. Porém, agora, ele só poderá gozar essa liberdade ao lado de Vishnu. Kirkpatrik apoiou as mãos sobre a escrivaninha. — É realmente uma história incrível, amigos. Confesso que, até o último segundo, ainda estava confuso quanto à dimensão dos fatos. Zakir AI-Muhtad, o Comandante Vermelho, abriu um largo sorriso. — É natural, Kirkpatrik. Afinal Pei Ling e Bahadur conseguiram burlar até a própria CIA. Queremos agradecerlhe efusivamente por ter confiado em nós depois daquele episódio em que Yallah pretendia fuzilá-lo na selva, — 94 —
juntamente com Ailena. Como você sabe, nosso único compromisso é com o povo do Kafir. Queremos manter boas relações com Washington, Moscou, Pequim e todas as demais nações. — Sim — aduziu Sanjay — e, com a abertura dos arquivos secretos do governo kafirês, vamos revelar ao mundo toda essa sórdida trama preparada para perder o país. O coronel Yahya Nadur e todos os demais implicados na traição ao povo kafirês estão presos e vão responder por seus crimes num julgamento público, para o qual aguardamos a presença de jornalistas de todo o mundo, e, é claro, a sua, em particular. — Espero que não seja um julgamento como aquele em que fui condenado à morte por Shabir Yallah. Rindo, os três homens levantaram-se. — Não tenha receio, Kirkpatrik. Vamos abolir a pena de morte no Kafir, instituída por Bahadur, e os criminosos serão condenados a longas penas de prisão. Zakir Al-Muhtad estreitou com força a mão direita do agente 77Z. — O Kafir tem uma dívida eterna de gratidão para com você, Kirkpatrik. Se não fosse por sua atuação e a de Ailena, na captura de Bahà-dur, nossa operação não teria sucesso. — Ora, como eu lhes disse anteriormente, aquela era uma missão para apenas uma pessoa, duas, no máximo. Ailena insistiu em me seguir e eu permiti. Mas na verdade devo-lhes confessar uma coisa: eu exigi de vocês ser escalado para esse golpe porque nutria ainda algumas dúvidas quanto à realidade de tudo quanto haviam me explicado sobre os propósitos da Frente Nacional. Por isso, quis ser o homem encarregado de prender Bahadur. Dependendo da reação dele, eu saberia se vocês haviam me contado a verdade ou não. — 95 —
— E convenceu-se de que havíamos sido sinceros com você? — Sim. Ao ver-se chamado de Comandante Z, ele, impensadamente, saiu-se com o clássico: como nos descobriu? Os homens ainda riam quando Ailena entrou no gabinete do ex-presidente Bahadur. Abriu um largo sorriso, e, braços estendidos, caminhou para encostar a cabeça no largo peito do espião da CIA. Este afagou-lhe os cabelos, emocionado, acautelando-se para não tocar no curativo colado à pele da kafiresa, pouco acima dos quadris. Sorrindo, o louro milionário falou, parodiando Ailena: — Vejo que se recuperou muito bem. Melhor do que eu esperava! A garota riu, beijando o rosto do playboy. — Lembrou-se da frase, hem? Na verdade, graças a Krishna, o ferimento não foi grave. A bala disparada por Pei Ling não ficou alojada em meu corpo, dispensando, portanto, uma cirurgia e fazendo com que um curativo, apenas para impedir a perda de sangue, fosse o suficiente para me deixar em forma novamente. Por sorte, fui atingida apenas de raspão. Não fosse por isso, eu seria agora a mártir da libertação do Kafir. Kirkpatrik afastou os sedosos cabelos negros do rosto da guerrilheira. — Diga-me uma coisa, Horace: você é realmente um correspondente de guerra? — Claro! — espantou-se o louro milionário. — Do News Globe, de Nova Iorque. Por que pergunta? — Não sei... enquanto estávamos na selva, e depois aqui, no Palácio, você fez coisas que um correspondente comum não conseguiria fazer. Tem um extraordinário
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sangue-frio, conhece tudo sobre lutas e armas... você não será um agente secreto, um espião? O agente 77Z riu, divertido. — Ora, que idéia, Ailena! Claro que não! Sou apenas um correspondente de guerra, mas, em minha profissão, fui forçado a aprender a defender-me em quaisquer circunstâncias. Um agente secreto deve ter muito mais truques do que eu. E já que lembramos da selva, respondame agora: por que fez todo aquele mistério após salvar-me das garras de Ufshar, que pretendia assassinar-me em Zyullah? Por que não me disse logo que era uma guerrilheira? — Você sabe disso muito bem, Horace. Tendo vindo do Ocidente, com todas aquelas notícias falsas de que os guerrilheiros eram os responsáveis por todas as barbaridades que ocorriam no Kafir, você iria matar-me ou aprisionar-me se eu reconhecesse ser uma guerrilheira. Por outro lado, nós precisávamos de você. Queríamos mostrarlhe a realidade da situação para que, voltando aos Estados Unidos, você pudesse informar ao mundo que estávamos inocentes, que os culpados de tudo eram os homens de Bahadur. Eu pretendia manter minha identidade em segredo até que pudéssemos explicar-lhe toda a verdade, ganhando a sua confiança. E, além do mais — completou, com um sorriso malicioso —, você não acha que com mistério é melhor? Os dois jovens beijaram-se longamente, observados pelos chefes da Frente Nacional de Libertação, que sorriam, compreensivos. Na rua, ainda se ouviam os gritos festivos dos kafireses, comemorando alegremente a ascensão do novo governo do Kafir. *** — 97 —
Ailena, deitada ao lado do agente fora de série da CIA, afagava-lhe os cabelos louros, enquanto o fitava dentro dos olhos cinzentos, um doce sorriso de amor brincando nos lábios. — Você precisa mesmo partir, Horace? — Sim, Ailena. A situação do Kafir foi resolvida e você agora é a Ministra do Ensino do novo regime. E eu tenho que prestar contas ao meu jornal. — Se você ficasse aqui... — Voltaremos a nos ver, Ailena. A bela morena suspirou. — Quando, Horace? — É difícil dizer. Mas talvez eu consiga convencer o meu jornal a enviar-me novamente ao Kafir para entrevistar a Ministra do Ensino. Em caráter oficial, é claro. — Todas as suas visitas a mim serão em caráter pessoal... — sussurrou a linda kafiresa, enlaçando com as longas pernas morenas o corpo do espião fora de série da CIA. Kirkpatrik sorriu maliciosamente. — Cuidado, Ailena! Você já está excitada novamente, e o doutor recomendou-lhe abster-se de excessos físicos por duas semanas, pelo menos! —- Ora... isto é apenas excesso de amor... Os lábios dos dois jovens uniram-se num longo e apaixonado beijo.
FIM
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