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SÉRIE: 77Z VOLUME: 121 TÍTULO: RESGATE NA EMBAIXADA CAPA: BENICIO AUTOR: COMBY KING EDITORA: MONTERREY ANO DA PUBLICAÇÃO: 1980 PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 30,00 PÁGINAS: 128
SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL
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RESGATE NA EMBAIXADA COMBY KING
Capa de BENICIO
PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE
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EDITORA MONTERREY LTDA. Rua Visconde de Figueiredo, 81 Caixa Postal 24.119 - ZC-09 20550 TIJUCA – Rio de Janeiro - RJ Fones: 248-7067 ------------------------------------------------------------
© EDITORA MONTERREY LIMITADA MCMLXXX Publicação no Brasil 1979 Composto e Impresso pela GRÁFICA LUX LTDA. Distribuído por: FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.
Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer semelhança terá sido mera coincidência.
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PRÓLOGO William Craig era embaixador dos Estados Unidos em Sant’Anna há cerca de três anos. Nos primeiros doze meses de seu mandato, a missão revelara-se relativamente fácil. Sant’Anna tinha se mostrado um país sem problemas, apesar das imensas jazidas de petróleo descobertas na região sul e os lençóis de gás natural localizados ao norte. O pequeno território semi-independente era governado por um ditador de mão férrea, que reprimia com extrema violência qualquer tentativa de anarquia dentro ou fora do país. Os adversários políticos do ditador encontravam-se num estado de quase apatia, incapazes de reagir à tirania e, de certa forma, acomodados à situação nacional, que, por outro lado, lhes trazia benefícios consideráveis. Porém, quando Craig somava o décimo terceiro mês de mandato como embaixador, a situação em Sant’Anna complicou-se. Um antigo exilado que se encontrava na França, onde organizara um partido de férrea oposição ao ditador, ameaçava voltar ao país e estava mobilizando a opinião pública, através de emissões radiofônicas clandestinas e distribuição maciça de propaganda escrita espalhada nos centros escolares e universitários, onde começou a fomentar um claro sentimento de revolta contra o ditador e suas medidas repressivas severas, a absoluta falta de liberdade e a política paternalista e arcaica. —6 —
Finalmente, o shanton Kahslar, o exilado rebelde, regressou ao país, sendo acolhido por uma multidão inacreditável, contra a qual nem a política nem os agentes secretos do ditador puderam o que quer que fosse. Daí à eclosão de um golpe de estado, que derrubou com relativa facilidade o governo do ditador, foi apenas um passo. Um novo regime político e social foi instaurado no país, com preponderância dos estudantes na liderança das células regionais, apoiando fanaticamente o já não muito jovem shanton, que em dialeto nativo significava chefe, líder, sacerdote. Muitos abusos foram cometidos, especialmente sobre as pessoas, bens e relações dos correligionários do ditador deposto. Este foi obrigado a fugir apressadamente para o estrangeiro, a fim de livrar a cabeça, que deveria rolar para satisfação dos revolucionários, que não abdicavam dessa medida vingativa. Novas torturas e represálias substituíram as antigas, abusos e coerções se sucederam aos que o ditador deposto havia instaurado, e a anarquia ameaçou instalar-se no país, sobre o qual caíram as pressões internacionais, especialmente dos interessados em seu petróleo e em seu gás natural; mais concretamente, os americanos e os soviéticos. Estes acabaram recorrendo a outras fontes de abastecimento de gás, embora continuassem adquirindo alguma quantidade de Sant’Anna, a preços que se tomavam proibitivos de dia para dia. O governo revolucionário de Sant’Anna respondia às pressões com atitudes cada vez mais arrogantes, em especial as ditadas pela mente um tanto desequilibrada do shanton e de seus assessores mais diretos. A situação nos bastidores estava tornando-se insustentável e os mais representativos membros das agremiações populares regionais começaram a perguntar a —7 —
si mesmos se a revolução estaria mesmo seguindo o caminho por eles idealizado quando decidiram apoiar o shanton. Os conselheiros de Kahslar perceberam isso, mas, ao invés de moderarem suas atitudes, resolveram estudar uma forma de restaurar o prestígio do líder, seriamente abalado. Algumas reformas foram esboçadas, porém abortou-se a maioria, por fatores diversos, desde a inépcia dos executantes até o desinteresse das massas a favorecer. Nesse pé se encontrava a situação no pequeno, mas rico país, ande as Estados Unidos da América do Noite, um dos que mais tinham a perder com a anarquia em Sant'Anna, eram representados diplomaticamente por William Craig. O embaixador temia um levante a qualquer momento, de consequências imprevisíveis e controle improvável. De Washington pareciam não acreditar muito nessa possibilidade, pois todas as advertências de Craig eram olimpicamente ignoradas, bem assim como os constantes pedidos de redução do número de funcionários da embaixada. Craig escutara, mais de uma vez, boatos sobre a presença de espiões capitalistas entre os muitos funcionários da representação diplomática. Washington foi informada sobre esses boatos e respondeu com um laconismo exasperante, afirmando que tudo não passava de um absurdo boato, a que nem o próprio shanton daria ouvidos. No entanto, Craig sentia que os acontecimentos podiam precipitar-se a qualquer momento e estava inquieto com as consequências. Seus funcionários eram acusados de manobras contra o regime do shanton e isso podia transformar-se em atitudes bem desagradáveis por parte do governo local. O que mais irritava Craig era a displicência —8 —
com que o governo de Washington encarava as ameaças de que os americanos eram vítimas em Sant’Anna. Finalmente, o que William Craig temia aconteceu. Nessa tarde, o diplomata estava sentado diante de sua mesa, no gabinete instalado no segundo andar do prédio que a embaixada ocupava, quando escutou um alvoroço invulgar no andar inferior. Ligou o interfone e chamou a secretária, uma mulher de vinte e seis anos, loura, de olhos verdes, chamada Alice MacHistar. Não obteve resposta imediata e isso o deixou mais inquieto. Finalmente a voz de Alice apareceu no aparelho. — O que está acontecendo, Alice? — perguntou, com voz áspera. — Tem... tem aqui algumas pessoas que querem vê-lo, embaixador — respondeu nervosamente a garota. — Quem é? — É... bem, é um estudante que insiste em falar com você... Havia medo na voz de Alice MacHistar e Craig notou isto. — Está bem, pode trazê-lo até aqui. Desligou e encostou-se para trás, na cadeira. Não pressagiava nada de bom. Acendeu um cigarro americano e ficou esperando. Momentos depois, a porta abriu-se e Alice entrou, seguida por três jovens de pele morena, que empunhavam fuzis-metralhadora com atitudes agressivas. — O que significa isto? — perguntou alarmado, com os olhos fitos nas armas. Um dos jovens adiantou-se e os outros dois ocuparam os cantos da sala, apontando os fuzis ostensivamente para o diplomata. —9 —
— Significa que você e seu pessoal estão sob custódia popular, embaixador — disse o que parecia liderar o grupo. — Custódia popular? Que idiotice é essa? — Em termos mais diretos, vocês estão presos, embaixador. — Presos? — empalideceu o diplomata. — Com que direito vocês invadem o território americano? — Território americano? — perguntou ironicamente o rapaz. — Vocês estão em Sant’Anna, embaixador. — Pelas leis diplomáticas internacionais, a embaixada americana é considerada território americano e sua entrada abusiva constitui uma agressão nacional. O rapaz soltou uma gargalhada sardónica. — Ora, embaixador! Deixe de besteiras. Vocês estão sob prisão popular e não adiantam seus truques sujos para nos dissuadir da idéia de fazer justiça. William Craig empalideceu mais ainda. — Justiça? Que bobagem é essa? Retirem-se imediatamente, antes que eu chame a minha segurança ou as autoridades de Sant’Anna! O rapaz desferiu um murro sobre a mesa e encarou friamente o embaixador. — Chega, William Craig! Seu país deu abrigo a um dos piores traidores de nossa pátria e recusa-se a devolvê-lo, para que seja julgado pele povo de Sant’Anna e receba o castigo que merece. Enquanto não o fizerem, enquanto não atenderem esse direito legítimo de justiça, não libertaremos os americanos que se encontram nesta embaixada. — Você ficou louco? — bradou o embaixador. — Isso é sequestro, pirataria, violação dos direitos internacionais e pode ser punido até com a morte!
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— Enfrentaremos as consequências. Nosso povo tem sede de justiça e esse traidor terá o que merece, ou todos vocês sofrerão as consequências. Fui bem claro? O embaixador enfrentou duramente o jovem rebelde e murmurou: — Você está ciente de que o que estão fazendo é uma invasão do território americano e pode desencadear uma operação militar contra seu país? — Você está querendo dizer que os Estados Unidos poderão declarar guerra a meu país? O tom mordaz do jovem armado irritou ainda mais o embaixador. — É exatamente isso que eu quero dizer, idiota! A bofetada atingiu surdamente o rosto do embaixador, atirando-o para trás. — Não somos idiotas, Craig — rugiu. — Somos nacionalistas e estamos dispostos a acabar com a influência nefasta que vocês, gringos, têm exercido sobre nosso país, explorando-nos à sombra de acordos sujos que efetuaram com o tirano, o vil ditador que agora se esconde em Nova York, enquanto nós lutamos aqui contra os imperialistas e exploradores. — O homem de quem você está falando encontra-se em meu país como visitante comum, efetuando um tratamento para sua saúde abalada. Não está em questão, nesse momento, se ele foi um traidor a seu país, se merece ser julgado, morto ou idolatrado como herói. Isso é tarefa que compete a vocês decidir e não aos americanos. No entanto, ele pediu permissão para se tratar nos Estados Unidos e essa permissão foi concedida. É nosso hóspede, portanto e não vamos expulsá-lo apenas porque vocês o querem assassinar. O embaixador disse todas essas palavras quase sem parar. Estava profundamente irritado com a arrogância do — 11 —
jovem nacionalista e desejava poder expulsá-lo dali a pontapés. — O ditador é um criminoso nacional, um traidor. Terá que ser julgado e, enquanto seu governo não o deportar para Sant’Anna, vocês estarão aqui, sob a vigilância da brigada nacionalista. O embaixador olhou-o por alguns instantes, fixamente. — Você sabe quantas pessoas se encontram nesta embaixada? — Sessenta e duas, incluindo mulheres, negros e três homens de outra nacionalidade que não a americana. — E você pensa poder manter toda essa gente prisioneira por muito tempo? — O tempo que for necessário. Vamos permitir a saída das mulheres e dos cidadãos de outros países, além dos negros. Ficarão aqui apenas os americanos homens e brancos. — Mas isso é uma loucura! Por que essa divisão absurda? — Os negros americanos são explorados, discriminados em seu país. Eles são vítimas, como nós fomos, durante os anos de opressão do tirano, dos interesses capitalistas americanos. Por isso poderão sair da embaixada. Os outros, não. — Vocês enlouqueceram de vez... — Trate de redigir um comunicado para seu governo, com nossas exigências. Deportação imediata do tirano, do traidor, ou vocês ficarão aqui indefinidamente. — Vocês serão severamente punidos por essa atitude, meu jovem. O rapaz fez um esgar de raiva.
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— Meu nome é Issar Bash e quanto à nossa punição, não se preocupe com isso. Trate de fazer o que lhe ordenamos. — É uma loucura... — Chega, Craig. Convoque a imprensa para um comunicado que faremos ainda hoje sobre estes acontecimentos. O embaixador levantou-se lentamente. Tinha o rosto ainda ardendo em virtude da bofetada que recebera. — Vocês são leais ao shanton Kahslar, ou não? — Claro que somos. Ele é o nosso grande líder, o paladino de nossa revolução, o chefe político, militar e espiritual. William Craig assentiu vagarosamente com a cabeça. — Compreendo. Ele apoia esta sua atitude, Issar Bash? — Apoiará, quando souber. Nós queremos apenas fazer justiça, trazer o tirano de volta ao lugar onde terá que responder por seus crimes contra nossa pátria e nosso povo. — O esquadrão que o shanton enviou a Paris para liquidar o ditador não foi bem-sucedido, não é? 'Por isso vocês acham que, com uma atitude absurda como esta, vão conseguir resolver todos os problemas... — Não queremos resolver todos os nossos problemas com este ato, Craig. Apenas fazer justiça, para que nossos mortos, nossos torturados, nossos perseguidos, sejam vingados. E só com sangue, com o sangue do tirano traidor, esses crimes contra nosso povo poderão ser lavados. Fui bem claro? Craig balançou a cabeça. — Muito claro, na verdade, Issar Bash. E lamento que a razão esteja abandonando o pensar dos jovens de Sant’Anna.
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Por um momento, Craig teve a sensação de que o jovem revolucionário ia agredi-lo novamente. Porém, depois de uma breve hesitação, Issar Bash fez meia-volta e deixou a sala impetuosamente, seguido pelos dois correligionários.
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CAPÍTULO PRIMEIRO Missão religiosa Horace Young Kirkpatrik, trinta e quatro anos, alto, forte, cabelos louros e longos, encrespados na nuca; presidente da K.K.K Steel, Ltda., um dos maiores consórcios de aço do mundo; playboy atraente e viril, dos mais solicitados no jet set internacional, cobiçado pelas mulheres, temido e invejado pelos homens. Tal poderia ser, sucintamente, a ficha do homem vigoroso, de sorriso zombeteiro, cujos olhos cinzentos esverdeados percorriam gulosamente o corpo escultural da morena que se espreguiçava languidamente no sofá. — Horace querido — sussurrou a mulher, de uns vinte e cinco anos, longos cabelos negros e ondulados, olhos pretos de pestanas sedosas e busto ereto e agressivo. — Sente aqui do meu lado e me deixe olhar sua mão direita. O milionário sorriu e fez-lhe à vontade, instalando-se no sofá, ao lado dela. — Vai ler minha sorte, Meg? — Vou. Minha avó era cigana e me ensinou a arte da quiromancia. Normalmente dá certo. É difícil eu me enganar, querido. — Muito bem, boneca. Vamos ver o que sua avó diria das linhas de minha mão.
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Meg Stuart, uma exuberante morena do Alabama, ajeitou-se no sofá e segurou a mão forte e bronzeada do atraente playboy. Por longos momentos concentrou-se nas linhas irregulares da palma da mão, com um sorriso travesso cruzando-lhe os lábios bem desenhados. — A linha mais evidente é a do coração, querido Horace. Posso ver sem sombra de dúvida que você vai viver momentos de grande paixão, nos braços de uma mulher muito atraente, morena, de olhos negros e sangue escaldante. Uma morena que está desejando tê-lo apertado contra o peito, sufocá-lo com beijos quase violentos e... Calou-se e ergueu os olhos para o elegante milionário. Seus olhos diziam muito mais do que as palavras. Tinha as pupilas brilhantes, os lábios úmidos e a respiração profunda e descompassada fazia erguer e abaixar os seios firmes e tentadores. Kirkpatrik desceu o rosto e seus lábios colaram- se impetuosamente aos da bela mulher, que se apertou contra ele, as pernas formando uma espécie de tenaz, aprisionando o corpo vigoroso do companheiro. As mãos ávidas e experientes de Kirkpatrik percorreram demoradamente o corpo estonteante da morena, desvendando segredos perturbadores que fizeram a temperatura subir alguns graus. As roupas de ambos, como frágeis armaduras contra as investidas da paixão e do desejo, foram parar no chão em poucos segundos, arrancadas freneticamente, e em breve os dois corpos nus se entrelaçavam, num cântico sublime de paixão. Meia hora mais tarde, exaustos, mas saciados, os dois repousavam no chão, as costas apoiadas no sofá, quando o telefone tocou insistentemente. Protestando contra a intromissão, Meg estendeu o braço e pegou o fone. Por alguns instantes escutou e, com uma — 16 —
careta de desagrado, murmurou, entregando o aparelho para o milionário. — Ê para você, Horace. Um tal de mister Smith. Kirkpatrik franziu a testa e pegou o fone. — O que ele quererá a uma hora destas? — Pergunte para ele e mande-o para o inferno, da minha parte. Essa gente parece que faz questão de interromper os melhores momentos dos seus semelhantes... Kirkpatrik conteve uma risada e falou: — Alô? Horace Kirkpatrik falando. Do outro lado da linha chegou a voz firme de um homem: — Horace? Preciso vê-lo com urgência. Trabalho importantíssimo. Me procure no escritório dentro de trinta minutos. — Algo grave, mister Smith? — perguntou, ainda de testa franzida. — Muito. Venha logo. O elegante milionário desligou com uma expressão de contrariedade. — Sinto muito boneca, mas vamos ter que interromper nosso romance. Aconteceu algum problema de certa gravidade numa de minhas usinas e preciso ir ver o que foi. A bela mulher fez um muxoxo de desagrado e sussurrou: — Cretinos! Incompetentes! Não podem resolver nada sem gritar pelo chefe? Será que precisavam nos interromper, logo agora? — Pode deixar o champanhe no gelo, amor. Não vou demorar, com certeza. Pouco depois, deixava o apartamento da bela morena e partia ao encontro de mister Smith, aliás, mister Lattuada, chefe do Departamento 77 da CIA. — 17 —
*** Horace Young Kirkpatrik, além de milionário e badalado playboy das altas esferas internacionais, desempenhava ainda uma outra função em sua vida interessantíssima. Era um aspecto desconhecido de todo o mundo, à exceção de um número reduzidíssimo de pessoas, entre elas seu chefe direto, mister Lattuada. O atraente milionário era, também, o temido agente fora de série da CIA, sob o código 77Z. O agente 77Z atuava sob a égide do Departamento 77, da CIA, embora muitas vezes agisse como o temível Máscara Negra, para o DCA (Department of Couvert Activities), ramo supersecreto da agência, dedicado a atentados e sabotagens políticas internacionais e espionagem científica de alto gabarito. Tratava-se de uma faceta desconhecida do grande amoroso, um aspecto de sua personalidade que o tornava um ser frio, calculista, extremamente inteligente, para quem a missão que lhe cabia resolver vinha acima de qualquer outra coisa. Nesse caso transformava-se numa verdadeira máquina de espionagem, capaz de decifrar enigmas que o mais comum dos mortais nem se atreveria a equacionar. Sua vida corria perigo em todas as missões para que era designado, especialmente porque seus extraordinários serviços apenas seriam requisitados por mister Lattuada para casos que exigiam uma capacidade incomum, pela sutileza e perigo que envolviam. O temido agente 77Z atuava normalmente sozinho. Porém, recentemente, o departamento escalara uma jovem de rara beleza e inteligência para trabalhar com ele, como coadjuvante. Tratava-se de Violet Baltimore, de pouco mais de vinte anos, corpo escultural e bem treinado para qualquer — 18 —
tipo de luta. Inicialmente relutante, Kirkpatrik acabou aceitando a colaboração da bela espiã, tendo terminado a missão satisfeito com ela. Isso significava que voltariam a trabalhar juntos, até porque Violet Baltimore era agora o único agente, americano ou estrangeiro, efetivamente trabalhando, que conhecia a verdadeira identidade de 77Z. Kirkpatrik pensava nela enquanto dirigia seu conversível pelas ruas pouco movimentadas de Manhattan, às três horas da madrugada, ao encontro do autor do telefonema que o arrancara dos braços da bela Meg Stuart, estrela de um espetáculo canadense de patinação no gelo que se apresentava no Madison. O irresistível playboy acabou confessando a si mesmo que Violet Baltimore era na verdade uma companhia agradável, sedutora mesmo. Não seria má idéia se o chefe do Departamento 77 houvesse decidido colocá-la mais uma vez ao seu lado, na missão que certamente tinha reservada para ele nesse momento. Quarenta e cinco minutos depois, estava sentado diante do homem grave e sisudo que dirigia o departamento. Mister Lattuada dispensou as formalidades de saudações costumeiras, as ironias e jogos de palavras que gostava de trocar com o inteligente subordinado, e foi direto ao assunto: — Você tem um trabalho delicadíssimo pela frente, Horace. Kirkpatrik acendeu um aromático cigarro e olhou em volta. Estavam num discreto escritório num dos muitos arranha-céus de Manhattan e quem os observasse de longe jamais poderia imaginar que estava diante de dois dos homens mais poderosos no campo da espionagem internacional.
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— Presumi isso mesmo assim que entrei e vi seu rosto, mister Lattuada. Normalmente você diz uma piada, pergunta como vão as garotas, o aço, minha saúde, essas banalidades amenas. Hoje, porém, manteve-se fechado como uma ostra. O que aconteceu? — Você já ouviu falar do shanton Kahslar, suponho... — começou o chefe do Departamento 77. O agente 77Z franziu a testa e chupou vigorosamente o cigarro. — O líder político e religioso de Sant’Anna? — Esse mesmo. O homem que, com sua impensada atitude ao sequestrar quarenta e sete cidadãos americanos, está conseguindo colocar em perigo a segurança e a paz mundiais. O milionário esboçou uma expressão de incredulidade. — Não está dramatizando demais, chefe? — Não. Infelizmente, não estou. O shanton insiste em dar carta branca aos jovens revolucionários sanfannenses que ocuparam nossa embaixada e eles estão dispostos a julgar todos os nossos funcionários como espiões. O mais grave é que eles serão julgados num tribunal popular, revolucionário, a priori hostil a nosso país, como toda a juventude idealista de Sant’Anna. — Eles não se atreverão tanto, mister Lattuada — sorriu o agente 77Z, dubitativo. O chefe do Departamento balançou gravemente a cabeça. — Você não conhece essa gente, Horace. Eles se atreverão a isso e a muito mais. Se não tomarmos providências, os prisioneiros serão realmente julgados por espionagem, provas serão forjadas e alguns serão condenados estupidamente. É claro que mantemos naquela embaixada um serviço permanente de informações, mas — 20 —
isso acontece em toda a parte do mundo. Ê quase uma tática aceita e respeitada internacionalmente. Não é motivo para o que está acontecendo. Kirkpatrik cofiou a ponta do queixo com o polegar da mão esquerda e perguntou: — Na sua opinião, chefe, a que se deve tudo isso? Qual é o verdadeiro objetivo dessa absurda atitude? — É evidente que se trata de uma forma de cativar as simpatias do mundo, em especial do próprio povo de Sant’Anna, que se sentirá orgulhoso de ter líderes que se atrevem a enfrentar os poderosos Estados Unidos. O mais absurdo, o mais ridículo, é que o shanton acredita poder sair vitorioso desta contenda. — Demagogia apenas. Ele deve saber que os Estados Unidos dispõem de poder suficiente para pressionar o mundo inteiro, de forma a isolar Sant’Anna de maneira catastrófica para o próprio shanton Kahslar. — Lamentavelmente, Kahslar parece ter perdido o senso da realidade, a noção de suas exatas dimensões e alcances. Está confiante em que seu petróleo e seu gás natural são o bastante para boicotar qualquer tentativa de isolamento preparado por nós. Enquanto isso, vão dirigindo seus ataques frontalmente para o governo americano, apelidando o povo dos Estados Unidos de pobres vítimas exploradas por um governo inepto e corrupto. Com isso pretendem desencorajar qualquer atitude mais enérgica de nossa parte, que teria forçosamente de merecer o apoio do povo, depois do desastroso Vietnã. — E se deportássemos o ditador deposto? — alvitrou o agente 77Z. — Afinal, parece que eles pretendem é julgálo e condená-lo, pelos crimes que eventualmente tenha cometido durante os anos de seu governo.
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— Esse é um ponto de honra de Washington. Por mim, talvez acabasse entregando o ditador para esses loucos e eles que resolvessem tudo à sua maneira. Infelizmente, eu não tenho o poder de determinar o que Washington deve fazer. Dessa forma, nosso presidente está igualmente servindo-se da crise para fortalecer sua posição com vistas às próximas eleições, mostrando uma imagem forte e generosa, inflexível perante as pressões e ameaças de loucos como o shanton. — Politicamente compreensível, claro. Bom, mas o que é que eu tenho a ver com a situação? Onde é que eu entro, nessa história de loucos? — Você pode ajudar a resolver a crise, Hora- ce. — Eu? Como? Pelo que entendi, pertenço a essa elite que eles abominam, a quem chamam de porcos imperialistas do capital, embora eles não sejam propriamente comunistas. — Nem propriamente nem de outra forma qualquer, Horace. Eles são visceralmente contra o comunismo, mas detestam igualmente o capitalismo. Acredito que, no fundo, nem eles mesmos sabem o que são, que linha ideológica seguem. De qualquer forma, isso não está em questão neste momento. — Bom, o que é que está em questão, chefe? — perguntou pacientemente o louro agente 77Z. — É preciso resgatar aqueles reféns, Horace. É a única forma de desmoralizar o shanton, sem atacá-lo frontalmente. Um ataque militar é o último recurso para que nosso governo apelará, embora muitas vozes se tenham já erguido no Congresso e nos jornais pedindo uma intervenção militar naquele país. É quase certo que poderíamos contar com o apoio soviético, que invadiria o país pelo norte, apoderando-se dos lençóis e refinarias de — 22 —
gás natural, muito importantes para a União. Soviética. Porém, no momento a ação militar está fora de cogitação. O agente 77Z franziu a testa. — Espere um momento, chefe... Não está pensando que eu posso entrar no edifício da embaixada e libertar quase meia centena de pessoas, enfrentando todo o exército de um 'shanton meio louco, não é? O chefe do Departamento 77 da CIA esboçou um meio sorriso pouco convincente, olhou com insistência as pupilas cinzentas do agente e murmurou por fim: — Para lhe falar a verdade, Horace, é mais ou menos isso que eu estou pensando. Kirkpatrik balançou a cabeça, perplexo. — Vocês devem ter ficado todos loucos... — Nem tanto, Horace. Tenho certeza de que você conseguirá fazer alguma coisa, especialmente para libertar dois dos homens que se encontram dentro da embaixada. — Dois homens... — ecoou o louro agente. — Exato. Entre os quarenta e sete prisioneiros, dois deles podem tomar-se perigosos, porque sarem demais sobre algumas coisas. — Homens da CIA? — De certa forma. São agentes duplos, que se encontravam de passagem por Sant’Anna, com importantes informações. Ficaram alguns dias naquela embaixada, como parte do disfarce. Infelizmente, foram apanhados na onda de loucura. — Quem são esses homens? — Barry Schuman, americano de origem alemã, e Tennessee Bughs. Oficialmente são técnicos petrolíferos, estagiando em Sant’Anna por algumas semanas. É preciso tirar esses homens de lá, antes que o shanton monte a palhaçada do julgamento popular, ou nossos amigos — 23 —
soviéticos decidam arriscar tudo numa tentativa para salvar os mesmos dois homens, seus agentes também, e com isso ponham em perigo a vida dos restantes quarenta e cinco americanos. — Compreendo. Os captores suspeitam de alguma coisa em relação a Schuman e a Bughs? — Não especialmente, eu acho, embora não haja informações concretas. De qualquer forma, conseguiram achar a documentação falsa de Schuman, que ele guardava num fundo falso da pequena maleta que conservava em seu poder. Nada muito importante. Apenas um passaporte com a foto dele e um nome e nacionalidade diferentes, além de algumas armas sofisticadas. — Isso fez perigar a situação dos reféns, não? — Exatamente, pois reforçou a idéia de que todos são espiões e que é preciso julgá-los e condená-los. Acredito mesmo que, ainda que devolvêssemos o ditador deposto, os sequestradores manteriam seu propósito de julgar os reféns; — Já existem informações sobre uma data provável para esse julgamento maluco? — Pelo que conseguimos apurar, ele estaria sendo preparado para dentro de um mês exatamente. De maneira oficial, porém, cie não foi marcado. Kirkpatrik suspirou, resignadamente. — E como acha que eu posso entrar na embaixada e libertar essa gente? Ou, pelo menos, os dois homens especiais? — O objetivo principal é libertar Schuman e Bughs, claro. Mas o resultado ideal seria a libertação de todos os reféns. Sei que isso não é tarefa fácil, mas se o conseguíssemos vibraríamos um golpe definitivo no shanton. Aliás, seu rival político, um outro shanton de nome Palmak, está fortalecendo-se no leste do país e um golpe — 24 —
dessa natureza sobre Kahslar seria a brecha por onde ele penetraria, para derrubar definitivamente esse louco megalómano. — Compreendo. A intenção é, indiretamente, dar uma mãozinha a Palmak, forçando-o a uma atitude, no momento em que o prestígio de Kahslar e seus correligionários se encontre abalado. — Exatamente, Horace. Você pode conseguir isso, tenho certeza. — Muito bem. Vamos supor que haja alguma chance. Para começar, como é que eu vou me aproximar dos reféns? — Isso já foi arranjado por nós. Conseguimos, depois de muitos esforços e graças à mediação de um país vizinho, que o shanton permitisse a entrada de três religiosos: um católico, um protestante e um batista, para a celebração de serviços religiosos para os reféns. Kirkpatrik não conteve uma risada nervosa. — Está querendo me dizer que eu serei um padre, desta vez? — Exato. Não um padre católico, mas um reverendo protestante, moderno, descomplexado, sem preconceitos. O reverendo Young; Hynes Young Jr., de Minnesotta. É bastante parecido fisicamente com você e até suas vozes são idênticas. Só lhe peço que tenha cuidado com as mulheres que fatalmente existem dentro da embaixada. Refiro-me a mulheres de Sant’Anna, revolucionárias também, mas jovens e provavelmente bonitas. Lembre-se que está na pele de um pastor protestante, que, apesar de assedia do pelo belo sexo, é conhecido por levar uma vida exemplar em Minnesotta. Kirkpatrik soltou uma nova gargalhada. — Pode ficar tranquilo. Se eles me aceitarem, verão exatamente um reverendo protestante, recatado e pudico. E — 25 —
meus dois companheiros religiosos? Eles são realmente genuínos? E sabem quem eu sou? — Não. Tivemos o cuidado de escolher reverendos que não se conhecem, nunca tiveram o menor contato e não representem o perigo de se reconhecerem ou criarem situações embaraçosas uns para os outros. Claro que eles são genuínos. — Está bem. Seja o que Deus quiser. E que as bênçãos do Céu caiam sobre mim, nesta missão. Do contrário, estarei perdido... — ironizou o louro milionário. — Tudo dará certo, tenho certeza. — Obrigado pela fé e confiança que deposita neste ministro do Senhor. Quando devo partir? — Amanhã à noite. O avião sairá de Nova York às oito horas. Seus companheiros estarão no aeroporto, esperando. Nesta pasta você tem tudo o que precisa saber sobre a situação, os reféns, especialmente Schumann e Bughs, o shanton e seu rival, além de uma completa biografia sobre Hynes Young Jr. Dedique o tempo que lhe resta para ler tudo isso, pois não poderá levar estes documentos com você, logicamente. — Claro. É mais uma noite que ficarei sem dormir e um novo programa estragado. — Sinto muito, Horace. O agente 77Z fez um gesto vago com a mão. — Você gosta de patinação no gelo, mister Lattuada? — Patinação no gelo? Está brincando comigo? — Não. É sério. — Está bem. Claro que gosto. Por quê? Kirkpatrik retirou um ingresso do bolso. -— Então vá assistir a esse espetáculo. Repare bem numa morena exuberante de grandes olhos negros, a estrela do show. Chama-se Meg Stuart e é canadense. Tente falar — 26 —
com ela e explique-lhe que uma de minhas fábricas sofreu uma sabotagem gravíssima, em Estocolmo, por exemplo, e eu tive que voar para lá. — Mas o que significa isto? — Significa que estou deixando em suas mãos uma das mais belas e escaldantes mulheres de minha vida, que o shanton acaba de me roubar. O chefe do Departamento 77 esboçou um sorriso compreensivo e meteu o ingresso no bolso do paletó. — Está bem. Pode ficar sossegado. Guardarei a pombinha para você. — Ótimo. Pode beber o champanhe que está no gelo, mas tenha cuidado... — Cuidado? — Isso mesmo. A avó de Meg era cigana e ensinou-lhe a arte da quiromancia. Se ela lhe pedir a mão para ler, obedeça imediatamente... Com uma nova risada, o agente 77Z levantou-se e deixou o escritório onde se encontrara com mister Lattuada.
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CAPÍTULO SEGUNDO Um líder inseguro Issar Bash olhou detidamente os homens que tinha na sua frente. O primeiro era negro. Chamava-se Ted Palmer e era pastor batista. Devia ter uns sessenta anos, cabelos quase inexistentes e olhos negros e vivos. O segundo, um ruivo alto, de barba curta e enrolada, tinha olhos azuis, brilhantes, sardas no rosto ossudo e queixo proeminente. Chama-se Fred Mansfield e era padre católico. Sua idade não ultrapassava os trinta anos. O terceiro, alto e louro, olhos cinzentos e queixo firme, quadrado, denotava fortaleza incomum e não devia ter mais de trinta e cinco anos. Atendia pelo nome de Hynes Young Jr. e era pastor protestante. — Espero que vocês saibam qual é, exatamente, seu papel dentro da embaixada, senhores — disse cerimoniosamente o jovem revolucionário, fitando-os um por um. — Naturalmente, jovem — sorriu beatifica- mente o louro protestante. — Nosso papel é apenas o de dar um pouco de conforto moral a nossos compatriotas, nesta dura crise que o Senhor lançou sobre eles e sobre o povo de duas grandes nações.
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Kirkpatrik sentia-se bem no papel de Hynes Young. As palavras pareciam afluir com naturalidade a seus lábios, traduzindo uma crença e uma fé genuinamente vocacionais. — Esse deve ser, exata e estritamente, o papel de vocês nesta embaixada. Dar assistência espiritual e moral a seus compatriotas, enquanto durar a crise entre nosso país e os Estados Unidos. — Foi muita bondade sua, permitir que viéssemos, meu amigo — falou Mansfield, pela primeira vez. — A Igreja Católica está realmente evoluindo, — comentou o revolucionário. — Acredito que, há alguns anos, numa situação destas, teriam mandado um velho cura, calvo e barrigudo, vestindo um hábito negro, de colarinho impecavelmente branco. Fred Mansfield sorriu com franqueza e retorquiu: — Nosso mundo está em constante evolução. meu amigo. É natural que a Igreja acompanhe essa evolução, não acha? — Não disponho de argumentos suficientes para enfrentar uma discussão teológica, padre. Por isso, é melhor que me abstenha de responder a sua pergunta. — A fé não necessita de argumentos, irmão — interveio o pastor batista, Ted Palmer. — Também não se trata de uma questão de fé, reverendo. De qualquer forma, e sem pretender ofender os demais, devo confessar que, desde já, minha simpatia fica em primeiro lugar com você, por pertencer a uma classe oprimida, marginalizada e discriminada em seu próprio país: os negros. Tel Palmer apertou os lábios numa expressão de contrariedade. — Não gostaria de manter uma discussão com você a esse respeito, irmão. Basta que eu saiba que, perante o — 29 —
Senhor, todos os homens terão que se despir de suas roupagens terrenas, sejam elas brancas, amarelas, negras ou vermelhas e lembrar-se de que a alma não tem cor. — O argumento clássico. Mas está bem. Desejo que tenham sorte em suas missões e que não nos criem problemas. — Como você mesmo disse, meu jovem, nosso papel é apenas o de levar o conforto moral e espiritual a nossos irmãos e compatriotas — sorriu o louro pastor protestante. — Exatamente. E considero muito saudável que não esqueçam isso em momento algum. — Não esqueceremos, jovem amigo. — Ótimo! Mandei preparar um dos quartos da ala leste da embaixada, onde poderão instalar- se. Sinto muito não lhes oferecer nada mais confortável, mas as dependências do edifício não são tão vastas que permitam maiores confortos. Terão que ficar os três no mesmo quarto. — Para mim, está ótimo, meu amigo — sorriso católico. — Para mim, também — acrescentou o batista. — Nosso corpo pode repousar em qualquer canto, jovem amigo — disse o protestante. — Nossa alma, esta sim, repousa na generosidade divina e é o que lhe basta. — Você fala muito bem, reverendo. Como é mesmo o seu nome? — Hynes Young Jr. Pode me tratar de reverendo Young, ou simplesmente Young, ou Hynes. Como quiser. — Ótimo, reverendo Young. Eu sou Issar Bash e dei ordens para que sejam tratados de acordo com suas posições. — Obrigado pela gentileza, Bash — murmurou Kirkpatrik. — Quero também que saibam que vocês não são prisioneiros. Poderão deixar a embaixada quando quiserem. — 30 —
Se isso acontecer, não poderão voltar, é claro, mas talvez os tranquilize saber que não estão prisioneiros e que os reféns estão sendo bem tratados. — Os sentimentos humanitários devem presidir a todas as atitudes dos homens — sorriu o reverendo Hynes Young. — Isso quer dizer que os homens não devem explorar e humilhar seus semelhantes, não é mesmo, reverendo? — ironizou o revolucionário. — Exatamente. Eu sei que existem muitas Injustiças neste mundo de Deus e nossa obrigarão e lutar contra elas, através do ministério da fé. — Cada um luta com as armas de que dispõe, reverendo — comentou Issar Bash. — Vocês poderão lutar com o ministério da fé. Eu e meus companheiros usamos a força para aplacar um pouco a fúria das injustiças. — Violência gera violência, Bash — retorquiu o reverendo protestante. — Vocês poderiam dar um exemplo de grandeza e fraternidade ao mundo, libertando esses pobres reféns, ue afinal nada têm a ver com os eventuais erros de seu governo. Issar Bash levantou-se, contornou a mesa que havia pertencido ao embaixador William Craig e parou diante do americano. — Está começando a revelar seu jogo, reverendo Young? Hynes Young, aliás Kirkpatrik, sorriu pacientemente e murmurou: — Você é um jovem muito inseguro, cheio de incertezas e desconfianças, não é, Bash? — Não sou eu quem está em julgamento, reverendo. Você veio aqui unicamente para prodigalizar a seus compatriotas o conforto espiritual de que carecem. Evite,
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portanto, comentários sobre nossa atitude ou opiniões sobre o que devemos ou não fazer. A voz do jovem revolucionário de Sant’Anna havia endurecido bastante e seus olhos brilhavam estranhamente. — Não precisa ficar irritado, Bash. Fiz apenas um comentário honesto e sincero. — Pois evite esses comentários, reverendo, se quiser ser bem tratado em nosso país. — Permita-me apenas lembrar que isto é uma usurpação, que a embaixada é território maricano que vocês estão invadindo estupidamente — disse friamente o reverendo Young. Issar Bash empalideceu. Era na realidade um jovem cheio de dúvidas e incertezas e o fato de um religioso ousar contrariá-lo irritava-o profundamente. — Você está agindo de maneira muito mais estúpida, reverendo. Sua pele não valerá muito, se insistir em nos hostilizar. — Assim você não estará lutando pela justiça, meu jovem amigo. Invasão é crime internacional, embora eu não esteja aqui para julgá-lo ou acusá-lo. Mas creio que o próprio shanton Bahslar desaprova esta sua atitude, especialmente porque ele também é um líder religioso. — Você fala demais, reverendo Young... E estou começando a perder a paciência com você. Kirkpatrik sorriu cinicamente. — Como eu disse, você é um jovem cheio de incertezas e inseguranças. Issar Bash acabou perdendo definitivamente a cabeça. Lançou-se sobre o reverendo americano, de mão erguida e disposto a golpeá-lo. Os outros dois religiosos avançaram, tentando impedir a agressão, mas não teriam chegado a tempo. — 32 —
Kirkpatrik, porém, não estava disposto a deixar-se agredir. Esquivou levemente o corpo para a direita e ergueu ambas as mãos, segurando com firmeza de ferro o pulso de Bash. O rapaz gemeu alto, soltou uma imprecação e seu rosto ficou rubro de indignação. Nesse momento a porta abriu-se e dois outros jovens revolucionários entraram, correndo para Kirkpatrik. Agarraram-no fortemente pelos braços, imobilizando-o, e o agente fora de série da CIA pensou que tinha ido longe demais na provocação. Porém Issar Bash fez um esforço sobre-humano e controlou-se. — Levem-no daqui, rapazes! É um elemento perigoso e sua liberdade acabou neste momento. Juntem-no com os outros reféns e que seja tratado como eles. Os dois começaram a arrastar Kirkpatrik e Ted Palmer adiantou-se. — Você não está agindo de maneira coerente, meu irmão — murmurou com firmeza. — O irmão Hynes Young é apenas um reverendo, um servo do Senhor, e não pode ser tratado desta maneira. — O reverendo Young fala e pensa demais sobre assuntos que não lhe dizem respeito. Isso o torna um homem perigoso e eu preciso manter a segurança dentro da embaixada, até que seu governo cínico decida nos entregar o ditador. — O ditador é um homem doente, que precisa de tratamento, antes de poder decidir sobre sua vida. Vocês não têm o direito de fazer isso com ele, por enquanto. Por que não esperam que ele se restabeleça e esteja em condições de viajar. Talvez ele decida entregar-se, então, e tudo estará resolvido. — 33 —
— Muitos dos reféns desta embaixada são espiões a serviço dele e do cínico governo que o acoberta. — Você está exagerando, meu jovem — interveio Mansfield. — São simples funcionários diplomáticos. Além disso, cumprem ordens, ainda que elas possam desagradar vocês. — Conversa fiada, reverendo. Tudo isso não passa de conversa fiada. Vão para seus aposentos e comportem-se apenas como religiosos. — O que vai acontecer com o reverendo Young? — perguntou Palmer. — Nada. Ele simplesmente se transformou em mais um refém. Só isso. Ficará junto com os outros, até que a situação se defina. — Você não pode fazer isso com ele, Bash — atalhou Mansfield. O jovem revolucionário soltou uma risada. — Tanto posso que estou fazendo. Ted Palmer suspirou resignadamente e, voltando-se para Kirkpatrik, murmurou: — Sinto muito, reverendo. Kirkpatrik sorriu com tranquilidade e respondeu: — Não se preocupe, reverendo Palmer. Bash e seus seguidores ainda acabarão por reconsiderar e concluir que estão agindo erradamente. — Quando poderemos ver os reféns? — perguntou Mansfield. — Amanhã de manhã, reverendo Mansfield. Agora vão para seus aposentos e tratem de repousar. Assim talvez de manhã estejam mais lúcidos e saibam melhor o que lhes convém. Isto é, não nos hostilizar. Os dois religiosos inclinaram as cabeças e deixaram-se conduzir por um dos soldados revolucionários, enquanto o — 34 —
outro arrastava Kirkpatrik, sob a ameaça de uma metralhadora.
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CAPÍTULO TERCEIRO Sumiço na embaixada Contra o que se pensava fora da embaixada, não havia quarenta e sete reféns, mas apenas quarenta e um, incluindo Schuman e Bughs. Kirkpatrik foi literalmente jogado dentro do salão onde os quarenta e um homens faziam toda sua vida, à exceção das necessidades fisiológicas, para o que existia um banheiro anexo ao salão, que servia para todos. As idades dos reféns oscilavam entre os vinte e seis anos, um texano de nome Bill, e os sessenta e quatro de um homem calado e grave, natural de Indiana. De um modo geral os prisioneiros estavam bem de saúde e não pareciam maltratados, a exceção de três deles, que apresentavam diversas equimoses pelo corpo e pelo rosto, produto, sem dúvida, de agressões violentas. Os homens olharam Kirkpatrik com desconfiança no começo e uma ponta de esperança mais tarde. — Olá, amigos — saudou o agente fora de série da CIA. — Eu sou o reverendo Hynes Young Jr. Fui mandado por Washington, juntamente com o reverendo batista Tel Palmer e o padre católico Fred Mansfield. Nossa missão é prestar assistência religiosa aos reféns. Inicialmente nós três éramos livres para sair da embaixada quando quiséssemos, mas depois de algumas palavras que troquei com esse — 36 —
palhaço chamado Issar Bash, minha liberdade foi cancelada e estou, agora, nas mesmas circunstâncias que vocês. Sou mais um refém. Os outros dois religiosos encontram-se num quarto separado, podendo sair quando quiserem... Os prisioneiros seguiam atentamente cada palavra pronunciada por Kirkpatrik. Um deles, com cerca de cinquenta anos, adiantou-se e estendeu a mão para o suposto reverendo Hynes Young Jr. — Bem-vindo ao clube, reverendo. Eu sou William Craig, embaixador americano em Sant’Anna. Como vê, aqui reina a mais completa democracia. Todos somos prisioneiros dos mesmos loucos, com os mesmos direitos. Isto é, todos podemos continuar vivos, respirar, ir ao banheiro duas vezes por dia, ler propaganda ideológica desses idiotas, olhar as caras dos guardas quando nos trazem a comida e escutar piadas sobre um pretenso julgamento sob a acusação de espionagem. Kirkpatrik sorriu suavemente. — É agradável ver que consegue ainda manter o senso de humor, embaixador. No entanto, receio que tenha uma notícia desagradável para todos vocês. William Craig olhou-o de testa franzida. — É difícil conseguir achar uma notícia desagradável a esta altura dos acontecimentos, reverendo Young. — As notícias sobre o julgamento por espionagem não são uma piada. Extraoficialmente fui informado de que esse julgamento está previsto para dentro de um mês, aproximadamente. O embaixador empalideceu, mas ficou silencioso. Um outro homem, de cerca de quarenta anos, adiantou-se e bradou: — Mas será possível que ninguém faça nada? Estes homens estão loucos, completamente inebriados pelo poder — 37 —
e querem nos transformar em bodes expiatórios de qualquer jeito. Entreguem logo o ditador que eles exigem, para que possamos ser libertados. Eu sofro de diabetes e preciso de alimentação adequada, que não tenho aqui. Outros têm problemas de coração, colesterol, fígado, etc. etc. Não dispomos de recursos para nos tratarmos e mais um mês nesta situação pode ser desastroso. Além disso, esse julgamento é a coisa mais absurda que já ouvi. Kirkpatrik assentiu gravemente com a cabeça. — Concordo com você, meu amigo. Não sei qual é a sua crença religiosa, mas aconselho-o a ter fé no Senhor. Eu sou reverendo protestante e se puder ajudar em alguma coisa... Q homem soltou uma imprecação e grunhiu: — E para que é que nós precisamos de um reverendo, nesta altura dos acontecimentos? Deveriam ter mandado de Washington um pelotão de comandos, para nos libertarem, como os israelenses fizeram em Entebe. Não três religiosos que apenas podem invocar o nome de Deus e esperar um milagre! O embaixador adiantou-se e colocou a mão no braço de Kirkpatrik. — Desculpe nosso amigo Reynolds, reverendo. Ele é o segundo secretário da embaixada e dos que mais dificilmente estão aguentando esta situação. Aliás, todos nós estamos muito nervosos, compreensivamente, eu acho. Kirkpatrik sorriu com indulgência. — Claro, claro. Pode ficar sossegado, embaixador. Eu entendo perfeitamente o que está acontecendo e não o censuro, nem aos seus colaboradores. Toda a opinião pública, americana e mundial, está abalada com o que aconteceu aqui e pede medidas drásticas e imediatas para a solução do impasse. — 38 —
— E o que foi que nosso governo fez até agora? — Tomou uma série de medidas de caráter político e econômico, convocou o Conselho de Segurança da ONU e o Tribunal Internacional de Haia, que condenaram veementemente o sequestro, e espera-se que a qualquer momento o shanton Kahslar reconheça a incongruência da situação e ordene que os reféns sejam libertados. Reynolds adiantou-se mais um passo e bradou: — Ele não vai fazer isso nunca, por esse processo, reverendo. Kahslar é completamente louco e seus seguidores são fanáticos doidos, como esse jovem revolucionário, Issar Bash e seus correligionários. Se Washington não usar a força, jamais sairemos daqui. Vivos pelo menos. Kirkpatrik acendeu um cigarro e percorreu a sala com os olhos. — Pelo que sabemos lá fora, devia haver quarenta e sete reféns. Mas pelo que vejo há apenas quarenta e um. O que aconteceu? — Faltam seis, realmente, em relação ao número original de prisioneiros. Eles foram levados por Issar Bash e não voltaram até hoje. O embaixador murmurou com tristeza: — Até hoje não entendemos por que levaram aqueles seis. Pensamos que teriam sido libertados, mercê de algum acordo, mas depois nos desmentiram isso. Um deles voltou, ainda, mas levaram-no outra vez no dia seguinte. Era Tennessee Bughs e estava apavorado. Nem seu grande amigo, Barry Schuman, conseguiu fazê-lo falar. O chamado Barry Schuman adiantou-se de um grupo que permanecia à esquerda de Kirkpatrik, para dizer: — Eu sou Barry Schuman, reverendo. Era muito amigo de Bughs e posso afirmar que eles fizeram alguma coisa — 39 —
com o pobre homem. Estava aterrorizado, como que em estado de choque. A única coisa que consegui arrancar dele foi o medo de que, se voltassem a levá-lo, não mais regressasse. E foi o que aconteceu... — O que é que vocês acham que fizeram com eles, embaixador? William Craig estremeceu involuntariamente e murmurou: — Não faço a mínima idéia. Mas se tivesse realmente sido libertado, os jornais acabariam falando e você saberia, não, reverendo? — Creio que sim. Mais tarde tentarei saber de Issar Bash o que foi feito dos reféns desaparecidos. — Bom, o que tenciona fazer, reverendo? — perguntou Barry Schuman. — No momento, nada. Estou confinado a este salão, como vocês. Mas acredito que Issar Bash vai querer falar comigo de novo e me mandará chamar. Vocês são bem alimentados? — Razoavelmente — respondeu o embaixador. — Duas vezes por dia nos trazem uma refeição que tentam parecer americana, mas que deixa muito a desejar. Possuímos uma máquina de fazer café, a que pertencia à embaixada e que foi colocada aqui dentro, além de um bom suprimento de refrigerantes, água fresca e cigarros. Uma vez por semana nos mandam uma garrafa de uísque, para matarmos o desejo de um trago... Quanto ao resto, somos tratados com uma fria gentileza. De vez em quando, um ou outro guarda nos dirige um insulto mais grosseiro, mas, fora disso, são apenas piadas de mau gosto, para nos manterem num estado de tensão permanente.
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— Ainda bem que não são maltratados. Espero poder fazer alguma coisa junto de Issar Bash. Ele me parece bem acessível, apesar de suas incertezas e dúvidas. — O que espera fazer, reverendo? — Não sei ainda. Mas talvez possa conseguir uma maior liberdade de circulação pela embaixada para vocês, naturalmente dentro das normas de segurança dos revolucionários, jornais, revistas e outras fontes de informação americanas, televisão, possivelmente. — Isso eles não vão permitir. Mantendo-nos assim podem nos contar todas as mentiras que desejem, sem que nos possamos rebelar. — Veremos o que eu consigo. De qualquer forma, tenho certeza de que a Providência Divina não se esquecerá de nós e em breve poderemos estar festejando alegremente nosso regresso à pátria. Um homem ainda jovem, louro e franzino, murmurou displicentemente, do lado direito de Kirkpatrik: — Você acredita realmente nisso, reverendo? — Claro que eu acredito, meu jovem amigo. Como é o seu nome? — James Twillinger, reverendo. E acredite que.eu gostaria de ter sua fé. Sou católico praticante, mas não desprezo os protestantes. Só acho que está exagerando na esperança. — Talvez não, James. O Senhor nos ajudará, sem olhar para o estilo de nossa crença, tenha certeza. Nesse momento a porta pesada foi aberta devagar e dois homens armados entraram. Traziam as metralhadoras empunhadas com firmeza, as barbas crescidas e sorriam cinicamente. — Reverendo, venha conosco. Issar Bash preparou um pequeno espetáculo e gostaria que você o assistisse. — 41 —
CAPÍTULO QUARTO Dois jovens inexperientes Kirkpatrik seguiu os dois homens por um corredor ladeado de diversas portas, desceu uma escada ampla e chegou a um salão no andar térreo. Ali o esperava, sorridente, Issar Bash, acompanhado de uma mulher alta, de cabelos negros e olhos escuros. Ela devia ter uns vinte e três ou vinte e quatro anos, corpo esbelto, seios agressivos e cintura estreita. — Mandou me chamar, Bash? — perguntou calmamente o suposto reverendo Hynes Young. — Mandei, sim, reverendo. Reconsiderei e acho que fui talvez um pouco severo demais. Esta é Mali Karpec, uma nossa companheira de luta. — Muito bonita para estar metida numa loucura destas, não acha, Mali? — perguntou Kirkpatrik, com um sorriso cativante. A bela mulher esboçou por sua vez um sorriso e murmurou: — Os americanos são sempre muito gentis. Mesmo os religiosos sabem apreciar a beleza feminina... — A beleza da mulher é uma dádiva de Deus e, como tal, deve ser admirada por todos... desde que não sejam cegos. — 42 —
— Obrigada, reverendo Young. . — Bom, chega de conversa fiada e vamos ao que interessa — cortou asperamente o revolucionário. — Não o chamei aqui para que admire a beleza de Mali Karpec. — Imagino que não, amigo Bash. Seus homens falaram de um espetáculo. — Exatamente. Com certeza você já foi informado sobre o desaparecimento de seis dos reféns, não? — Já, sim. E tencionava justamente perguntar-lhe o que aconteceu com eles. Issar Bash sorriu enigmaticamente. — Bom, entre os seis que desapareceram encontrava-se um especial, chamado Tennessee Bughs. Esse nome lhe diz alguma coisa? — Não. Na realidade, e apesar de meu governo ter insistido diversas vezes, vocês ainda não forneceram uma lista com os nomes dos reféns. — Tem razão. Foi um lapso de nossa parte e, inclusive, já fomos chamados à atenção pelo ministro das relações exteriores por causa disso. Oportunamente divulgaremos os nomes dos detidos. — Bom, e daí? — Esse homem, Tennessee Bughs, é muito importante, sabia? — Tão importante como o são todos os seres humanos, criaturas do Senhor. — Não estou me referindo a isso, reverendo Young. Bughs, além de alto funcionário, era um espião. Aliás, é um espião, pois ainda continua vivo. — Mais uma bobagem das suas, Bash? Como a de julgar todos os reféns por espionagem, num tribunal popular?
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— O caso de Tennesee Bughs é bem mais grave. E os outros serão realmente julgados e isso não é nenhuma bobagem. — Está bem. Por que é que o caso de Bughs é mais grave? — Porque ele é, reconhecidamente, um espião. E um agente secreto que interessa aos Estados Unidos e à União Soviética. Kirkpatrik não demonstrou qualquer reação diante da informação exata do revolucionário. — Vocês estão positivamente loucos, meu jovem amigo. Já veem espiões e inimigos em toda a parte... Bash ruborizou-se de indignação. Porém conteve seu mau humor e conseguiu responder, de maneira sorridente: — Não é loucura, reverendo. Bughs é um homem que interessa tanto aos soviéticos, que o embaixador russo tem feito inúmeras pressões para conseguir sua libertação. — Isso não prova que ele seja um espião. — E por que os russos se interessariam tanto por ele? Exclusivamente por ele? — Não sei. Alguma razão deve existir, com certeza bem diferente do que vocês pensam. — Temos informações de nossos serviços secretos, muito concretas, aliás, sobre Tennessee Bughs. E de outros, também. De qualquer forma, isso não importa agora. É fato pacífico que estamos diante de um perigoso espião, sem dúvida um agente duplo, o que significa que ele tem informações preciosas, que nossos escalões mais altos terão muito interesse em conhecer. — Já o interrogaram? — Claro. Mas ele nega-se a dizer seja o que for. — E por que me chamou aqui? O que é que eu tenho a ver com tudo isso? — 44 —
— É muito simples. Você é um pastor protestante, da mesma religião de Tennessee Bughs. Isso significa que ele provavelmente vai abrir-se com você, contando-lhe coisas interessantes. Está muito combalido e não se vai opor a fazer-lhe confidências. Kirkpatrik balançou negativamente a cabeça. — Jamais eu lhe revelaria o que esse homem me confessasse na qualidade de Ministro do Senhor. Issar Bash encolheu displicentemente os ombros. — Essa atitude poderá agravar a situação dele e a sua, reverendo. Seria bem melhor para todos que ele confessasse de uma vez. Evitaria, inclusive, o julgamento público. — Já disse isso para ele? — Já. Mas não quis me ouvir. — Então eu não posso fazer nada, Bash. — No seu lugar, reverendo, não estaria tão renitente. — Você no meu lugar faria exatamente o mesmo que eu. Posso conversar com meu compatriota, mas não tentarei extorquir-lhe o que quer que seja. E tudo o que ele me revelar ficará apenas comigo. Issar Bash aproximou-se bastante de Kirkpatrik e segurou-o pelas abas do paletó. — Pode estar assinando sua condenação e a de Bughs, reverendo Young — disse sibilante. — Acredito que estaríamos condenados de qualquer maneira, meu jovem amigo... Bash ficou rubro de indignação. — Pek! Toska! — gritou. Os dois guardas que haviam trazido Kirkpatrik entraram de novo, de expressões sombrias. — Pronto, Bash! — Levem o reverendo Young para a ala norte e deemlhe uma lição. Pode ser que depois ele se decida a colaborar. — 45 —
Os dois guardas avançaram resolutamente e agarraram o agente 77Z pelos braços, arrastando-o para uma porta que se abria do lado esquerdo do salão. — Você está procedendo muito mal, Bash — disse secamente o suposto reverendo Young. — Vá para o inferno! Levem-no daqui! Um dos guardas encostou a metralhadora nas costas de Kirkpatrik e empurrou-o na direção da porta, que cruzaram rapidamente. — Vocês, americanos, são todos uma cambada de estúpidos! — grunhiu um dos guardas. — Você não concorda comigo, Toska? — Totalmente, Pek. Esses imbecis podiam muito bem colaborar conosco de maneira mais positiva... Seria melhor para eles e para nós. — Vocês são loucos, amigos — murmurou Kirkpatrik. — O que estão fazendo é muito grave. — Grave vai ser para vocês, se não colaborarem. Nós odiamos espiões. — Não há espiões nesta embaixada, Pek. Vocês estão sendo enganados. O guarda deteve-se e olhou duramente para Kirkpatrik. — Enganados? O que quer dizer com isso, porco espião? — Isso mesmo, amigos. O governo de vocês estão se aproveitando de um impulso de vocês para tirar partido político de uma situação que se resolveria com um pouco de bom senso. — Ora, você é que está ficando maluco, reverendo. Todos nós sabemos que vocês, americanos, estão dando guarida ao ditador porque foram vocês mesmos que o ajudaram a massacrar, oprimir e explorar o nosso povo. E agora não querem que ele pague por isso. Sabem que, se ele — 46 —
fosse julgado, vocês estariam em julgamento também. Seria um dos maiores escândalos internacionais. — Não diga bobagens, meu amigo. Vocês estão sendo usados e não perceberam. Mas isso também não importa agora. O que vão fazer comigo? — Sinto muito, reverendo, mas nossas ordens são para lhe dar uma lição e é isso que vamos fazer. — Vão me agredir? — É a única forma de ensinar certas pessoas a colaborarem. Tinham chegado diante de uma porta na ala norte e os dois guardas detiveram-se. — Entre aí, reverendo — ordenou Toska. Kirkpatrik sorriu e avaliou suas possibilidades de reação. Não eram muitas, mas precisava fazer alguma coisa. — Vocês deviam pensar um pouco e ver que estão cometendo um crime internacional, amigos. — Cale o bico e vamos entrando — grunhiu Pek. Kirkpatrik encolheu os ombros e entrou. Tratava-se de um compartimento vasto, repleto de estantes, onde se alinhavam inúmeras pastas contendo, sem dúvida, os arquivos da embaixada. No centro havia uma mesa ampla, sobre a qual se viam algumas pastas também e papéis soltos. Num canto, amontoados, havia mais dossiers, com sinais evidentes de terem sido revistados recentemente. Os dois guardas entraram atrás do suposto reverendo Young e Pek fechou a porta. Logo ele e o companheiro encostaram as armas na parede e avançaram para Kirkpatrik, com expressões claras nos rostos pouco inteligentes. — Muito bem, reverendo — disse Toska. — Continua não querendo colaborar?
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— Jamais colaboraria com um crime internacional, meus amigos — sorriu o agente 77Z. — E se estão esperando me impressionar, enganaram-se . Os guardas entreolharam-se e Toska sorriu cinicamente. — Não queremos apenas impressioná-lo, reverendo. Vamos ser obrigados a abrir sua inteligência com alguns golpes, mas esperamos que sejam precisos poucos para que comece a cooperar conosco. Toska estava já muito perto de Kirkpatrik. No entanto, tanto ele como o amigo eram inimigos muito fracos, grosseiros, para um agente com a preparação do 77Z. Suas intenções eram por demais evidentes, suas táticas tão convencionais, que o louro americano poderia dizer, antecipadamente, como seria o seu ataque. Por isso não teve dificuldades para esquivar o corpo ao primeiro murro que Toska lhe dirigiu. Foi um golpe que pretendia surpreendei1 o suposto reverendo, atingindo-o na face esquerda. Porém o agente fora de série da CIA iludiu o ataque e o punho de Toska atingiu apenas o vazio. O guarda revolucionário soltou uma imprecação e atirou-se de novo para a frente, quando seu companheiro estava já a pouca distância, disposto a massacrar também o inimigo. De repente, Kirkpatrik deixou-se cair para trás, ergueu ambas as pernas e distendeu-as certeiramente. Os saltos de seus sapatos acertaram com precisão os rostos dos dois guardas, que gemeram alto e foram projetados para trás, o sangue escorrendo do nariz e dos lábios arrebentados. Kirkpatrik não esperou que cies se recompusessem. Com um salto ágil estava de novo em pé, já carregando sobre Toska, que tivera seu recuo interrompido pela mesa.
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Um golpe cruzado de esquerda atingiu o guarda na ponta do queixo, com a violência de um coice de mula. Como um saco vazio o guarda girou nos calcanhares e abateu-se pesadamente. Seu companheiro chocara-se contra a parede e, limpando o sangue do rosto com as costas da mão, avançou sobre o suposto reverendo. Foi recebido com um murro em plena testa, que o deixou atordoado. Imediatamente Kirkpatrik ergueu a esquerda num gancho poderoso que acertou o fígado de Pek. O guarda dobrou-se angustiadamente, em busca de ar que parecia ter escapado completamente de seus pulmões. Disposto a acabar com aquela situação, Kirkpatrik entrelaçou os dedos e descarregou um golpe, com ambas as mãos, na nuca do infeliz guarda de Issar 'Bash. Pek soltou um suspiro dolorido e mergulhou em direção ao chão, onde ficou imóvel, de bruços, o sangue escorrendo dos ferimentos no rosto e começando a formar uma mancha nas tábuas empoeiradas. O agente 77Z sacudiu as roupas, esfregou as mãos e balançou tristemente a cabeça. Era uma pena que os jovens não entendessem como podiam ser utilizados, em nome de seu idealismo, por gente que estava apenas interessada em jogos políticos que nada tinham a ver com essa mesma juventude. Issar Bash talvez não estivesse tão cego como parecia. Na verdade, ele parecia muito seguro de si, muito consciente do que estava fazendo. No entanto Kirkpatrik quase jurava que a conversa de Pek e Toska era apenas fruto de uma catequização intensa e bem orientada. Ia voltar-se para a porta, quando esta foi aberta repentinamente e uma figura inesperada apareceu. Trazia — 49 —
uma automática na mão direita e sorria, como se a cena que estava apreciando não constituísse uma surpresa.
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CAPÍTULO QUINTO Consciência e dúvida Kirkpatrik olhou para a porta e seus lábios distenderamse num sorriso zombeteiro. — Seu amigo Issar Bash parece que não teve muita sorte com os dois guardas que escolheu para mim, Mali. A garota de cabelos negros e olhos escuros e brilhantes tinha a boca entreaberta, numa clara expressão de assombro. — Vocês, religiosos, estão evoluindo bastante, sem dúvida — murmurou. — Jamais pensei que um pastor protestante, apesar de ser um pouco diferente dos austeros católicos, pudesse agir dessa forma. Quero dizer, topar uma briga corpo a corpo e deixar dois soldados nesse estado... Kirkpatrik encolheu os ombros displicentemente e comentou: — Eles nunca foram e nunca serão bons soldados, minha filha. Por outro lado, não é por sermos ministros do Senhor que deveremos descurar a preparação de nosso corpo físico, não acha? Da mesma forma que não posso deixar de admirar sua beleza. Mali Karpec sorriu lisonjeada e murmurou: — Vocês, protestantes, podem casar, não podem? — Claro. — E você é casado, Hynes? — 51 —
Kirkpatrik reparou que ela mudara a forma de tratá-lo, passando para uma mais íntima, mas não comentou o fato. Limitou-se a balançar a cabeça negativamente, acrescentando: — Sou solteiro. Sua pergunta encerra alguma declaração amorosa, ou uma tentativa de me propor casamento? — Por que iria fazer isso? — Bom, eu sou um homem culto, atraente, forte, saudável. Você é uma mulher muito bela e apetecível. Ambos somos jovens e livres... Mali Karpec soltou uma risada nervosa e comentou: — Você não é um homem livre, Hynes. — Por que não? — Você é prisioneiro de Issar Bash e seus companheiros revolucionários. — Quem lhe disse? No momento em que cu quiser sair desta embaixada, posso fazê-lo. Os companheiros de Issar Bash não são suficientemente perigosos e hábeis para me impedirem. — Está muito seguro de si, Hynes. Pode enganar-se. — Não acredito. Vocês, ou Issar Bash, pelo menos, doutrinaram seus companheiros de maneira muito frágil, incoerente. São jovens carregados de dúvidas e incertezas, fáceis de esclarecer. — Você fala como se Issar estivesse enganando os rapazes, Hynes... — É evidente que está. Mentindo de uma maneira tão grosseira que qualquer pessoa que não estivesse obcecada por um ideal impossível teria percebido desde o começo. — Você é um homem muito estranho, Hynes. Sabe o que eu estou realmente pensando? — O que é? — 52 —
— Você não deve ser um pastor protestante. Kirkpatrik abriu muito os olhos, numa expressão de assombro. — Como é que é? — Isso mesmo... Creio que você não é um pastor protestante. — Não sou um pastor protestante? O que serei então? — Não sei. Talvez um espião. O agente 77Z soltou uma gargalhada zombeteira e disse: — Você é uma garota com muita imaginação, Mali. Mali Karpec avançou alguns passos, pousou a automática sobre a mesa e sorriu, provocante. — Não creio que seja apenas imaginação, Hynes. Mas pode ficar sossegado. Se Issar não descobrir por si mesmo, da minha boca não escutará nada sobre você. — É muita generosidade da sua parte, Mali. Mas realmente não há motivo para isso. Eu sou um pastor protestante, talvez um pouco avançado em relação ao que as pessoas se acostumaram a imaginar sobre os religiosos, mas isso não é culpa minha. — Pode ser que seja verdade. Mas eu não acredito muito nisso, Hynes. Você tem mais o tipo de um agente supersecreto, desses que a gente costuma ver nos filmes americanos. Atraente, provocante, forte, hábil em todo o tipo de lutas, em resumo, um homem muito atraente. — Não está mais com medo de mim, Mali? — Por que essa pergunta? — Você abandonou a arma... — É verdade. Não sinto medo em relação a você. Apenas uma grande atração. Isso o constrange? Ela tinha fechado a porta suavemente e havia se aproximado do louro agente da CIA. Kirkpatrik sentiu o — 53 —
corpo quente e provocante colar-se ao seu, produzindo-lhe uma agradável sensação de calor. — Está tentando me testar? Tentando ver se eu cedo aos prazeres da carne, ao desejo louco dos impuros? — Nada disso, Hynes. Você me fascina. Sinto meu corpo tremer de amor e desejo quando me aproximo de você. Mas sinceramente não desejaria que você resistisse ao apelo da carne... Kirkpatrik sentia uma vontade louca de apertar aquela mulher entre os braços, esmagar sua boca sedutora, acariciar o corpo deliciosamente tentador. . — O que é que você pensaria, se eu cedesse à sua provocação? — Pensaria que era um homem inteligente, só isso. Kirkpatrik hesitou ainda por mais alguns segundos. No entanto, se conseguisse transformar Mali Karpec numa aliada, as coisas ficariam bem mais fáceis para ele. Por isso, respirou fundo, esqueceu que estava representando o papel de um pastor protestante e apertou a garota contra ele. Seus lábios desceram sobre os dela e o beijo foi longo, intenso, quente. Sufocada, a garota interrompeu a carícia e, arfante, murmurou: — Para um religioso, você é um espetáculo grandioso beijando, Hynes. — Gostou? — Não chegou nem para tomar o gosto, Hynes. Quer repetir? O irresistível playboy voltou a apertá-la contra ele e beijou-a mais uma vez. Ao mesmo tempo, suas mãos conhecedoras percorreram o corpo bem feito da morena, acariciando-a ousadamente e arrancando de sua boca sussurros em voz rouca.
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Há momentos em que uma mesa pode ter outras finalidades, além daquelas para que foi criada. E essa foi uma das ocasiões em que aquela mesa foi utilizada para fins diferentes. Com uma leve pressão nos ombros, Kirkpatrik deitou a garota para trás. Mali Karpec não opôs resistência alguma, muito ao contrário. Ficou de olhos fechados, os lábios entreabertos, respirando com ansiedade. O louro agente da CIA abriu habilmente os botões da blusa e os seios túrgidos quase pularam para as mãos dele. Kirkpatrik continuou acariciando o corpo esplêndido, sabendo como fazer uma mulher quase delirar de prazer. Nem a presença dos dois guardas desmaiados na mesma sala perturbou os dois jovens em seus devaneios amorosos, que atingiram momentos de verdadeira loucura e desespero. Finalmente, exaustos, ficaram imóveis, de costas sobre a mesa grande da sala do arquivo da embaixada. Kirkpatrik acendeu dois cigarros e entregou um Mali Karpec, que recusou: — Não fumo, querido. O agente 77Z esmagou o cigarro na beira da mesa e sentou-se, murmurando: — Como é que você entrou nesta loucura, Mali? A garota ficou olhando-o por alguns instantes, silenciosa, e respondeu com outra pergunta, finalmente: — Por que é que você está aqui, fazendo-se passar por um pastor protestante, Hynes? O agente 77Z estremeceu imperceptivelmente e sorriu. — Não estou me fazendo passar por pastor protestante, Mali. Eu sou um pastor. — Um verdadeiro pastor protestante não ama como você, Hynes. Pelo menos é isso que penso dos religiosos e...
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— Já lhe disse que sou um religioso avançado para o conceito que o mundo faz dos aspectos religiosos. Provavelmente serei um fracasso como pastor, capaz de envergonhar qualquer fiel, mas creio que agora é tarde demais para recuar. Kirkpatrik sentia certa aversão em ter que continuar representando aquele papel. No entanto, o êxito da missão e a vida dos reféns podiam depender disso. Não tinha outro remédio senão prosseguir. — Confesso que, como homem, não gostaria que você mudasse, Hynes — murmurou ela, provocante. — Você não respondeu à minha pergunta, Mali. — Que pergunta? — Como é que você entrou numa loucura como esta? — Para muitos de nossos jovens, isto não é uma loucura, mas um ato heroico, um desafio ao poder, à prepotência, da grande América. — O que constituiu uma loucura e uma infantilidade ainda maiores, Mali. — Não sei se será loucura. Se nós conseguirmos forçar os Estados Unidos a aceitarem nossas condições, nossas exigências, teremos contribuído, de alguma forma, para uma atenuação do desequilíbrio entre os poderosos e desenvolvidos e os fracos, ricos e explorados países subdesenvolvidos, o Terceiro Mundo... — Vocês acabarão mais humilhados ainda, Mali. Seu país não dispõe de armas suficientes para enfrentar uma grande potência. — Temos o petróleo, o gás... — O que é que seu país fará, se deixarmos de comprar o seu petróleo, se os russos deixarem de adquirir seu gás? — Outros países comprarão.
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— Não, se os Estados Unidos ou a Rússia exercerem pressões no sentido contrário. — Não estou muito certa disso. Mas que importam essas questões neste momento? Estamos aqui os dois, passando momentos agradáveis, e o melhor que temos a fazer é esquecer a política, os revolucionários, o fato de você insistir em passar por pastor protestante, essas coisas todas... — Não posso esquecer que sou um prisioneiro, Mali, Que Issar Bash mandou me surrar e que mais de quarenta compatriotas meus estão aqui, como reféns. — E o que é que você pode fazer contra isso? — Não tenho muita certeza, ainda, mas você já viu que seus companheiros não são adversários perigosos... Mali olhou os corpos dos dois compatriotas desmaiados e balançou tristemente a cabeça. — Reconheço que Issar está se excedendo um pouco, Hynes. Nosso ideal era bem mais elevado, no começo. Talvez seja por isso que meus companheiros não se mostram muito eficientes... — Bash está sendo um irresponsável. O que me surpreende é que seu governo parece apoiar essa atitude impensada, a troco de uma campanha de valor discutível. — Também já pensamos nisso. Inclusive, alguns companheiros nossos consideram já a hipótese de abandonar esta aventura para se dedicar a um tipo de atividade mais de acordo com nossos ideais de justiça. — Issar Bash não vai permitir, Mali. Vocês estão enterrados nesta loucura até o pescoço, juntamente com ele. Terão que ir até o fim. A menos que... Mali Karpec olhou de soslaio para o agente 77Z e murmurou: — A menos que... o quê? — 57 —
— A menos que vocês decidam entregar os reféns às autoridades competentes, isto é, libertá-los. — Não poderíamos fazer isso porque nem todos estão dispostos a sair desta aventura louca. E teríamos que enfrentar os que acham que Issar está certo e que o shanton precisa ser promovido junto do povo, para que possa se eleger definitivamente. — Sempre haverá um jeito, Mali. — Que jeito? — Bom, como é que você acha que os reféns poderiam sair da embaixada? — Não sei. É uma situação muito difícil. — Mas deve haver uma forma de iludir a vigilância. — Talvez. Mas neste momento não sei. Possivelmente a saída dos fundos. Uma das duas saídas dos fundos deve estar menos protegida. De qualquer maneira, isso teria que ser estudado e não posso contar com ninguém concretamente. Um erro poderia ser fatal para os reféns e para os que os ajudassem. — Concordo. Mas eu talvez pudesse arranjar uma forma de cooperar com você. — Não sei como, sendo um prisioneiro. — Poderia organizar uma fuga dos reféns, de forma a não comprometer os que nos ajudassem. A dúvida, a incerteza, estava instalando-se claramente na cabeça da bela garota. — Não sei se daria certo, Hynes. Issar e seus seguidores mais fiéis são muito astutos. — Tenho certeza disso, Mali. Mas nada perderíamos em tentar, você não acha? Mali Karpec inclinou a cabeça para a esquerda e um sorriso travesso cruzou seu rosto.
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— Sabe que está começando a me tentar, Hynes? Você tem um poder persuasivo espantoso... — Não é meu poder de persuasão, Mali. Apenas a voz de sua consciência, de seu bom-senso, que está falando mais alto. — Talvez seja isso. De qualquer maneira, não quero meditar agora sobre os motivos de minha vacilação. Espero não estar atraiçoando a causa que me propus defender. A da liberdade e da justiça entre as nações e entre os seres humanos. — Isso significa que vai colaborar comigo, Mali? Vai ajudar os reféns a ganhar a liberdade? A morena ficou silenciosa por alguns instantes, ainda em dúvida. Por fim, sorriu e balançou a cabeça afirmativamente. — Está bem, Hynes. Vou estudar uma forma de ajudarmos os reféns a ganhar a liberdade. Mas com uma condição. — Que condição? — Quando tudo tiver terminado, eu quero sair de Sant’Anna. Quero ficar fora do país enquanto o shanton governar. — Posso entender o que está sentindo e prometo que farei o possível para que você saia do país em segurança. Mali Karpec abraçou-se impulsivamente ao agente fora de série da CIA e beijou-o com paixão. Nesse instante a porta abriu-se e a figura zombeteira de Issar Bash recortou-se no umbral. — Muito enternecedor, sem dúvida. É uma pena que o castigo dos traidores e traidoras seja a morte...
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CAPÍTULO SEXTO Captor cativo Kirkpatrik voltou-se rapidamente para a porta. Ali estava Issar Bash, com os polegares metidos entre o cinto e a pele, sorrindo com cinismo, ladeado por dois guardas empunhando metralhadoras, de canos apontados para os dois jovens. — Issar... — murmurou, petrificada, Mali Karpec. — Eu mesmo, traidora. É uma pena que a porta da sala do arquivo da embaixada seja tão fina. Deu para escutar tudo o que você e esse falso pastor conversaram. — Espere... Eu posso explicar — tentou Kirkpatrik. Issar Bash aproximou-se com largas passadas e agarrou o agente fora de série da CIA pela camisa. — Explicar o quê? Explicar como conseguiu aliciar uma de nossos revolucionários a trair sua própria pátria, canalha? — Não é nada disso. Mali Karpec não é uma traidora. Vocês é que estão traindo a confiança do povo que acreditou em vocês. A troco de uma promoção barata e ridícula para o seu líder político e religioso, você está arrastando uma multidão de jovens idealistas e inexperientes numa aventura que põe em perigo inclusive a segurança e a paz mundiais, Bash.
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— Não seja imbecil! Queremos apenas mostrar ao mundo, em especial aos povos oprimidos, que o grande gigante, o algoz de meio mundo, a poderosa nação dos Estados Unidos da América, não é tão invulnerável assim; que não pode continuar impunemente explorando os países subdesenvolvidos. Nós faremos com que se curvem, com que saiam humilhados perante a opinião pública mundial. Aí, seu poder estará no fim. Ninguém mais os temerá, ou respeitará sequer. Não farão com Sant’Anna o que quiseram fazer com o Vietnã. Sant’Anna não será mais uma colônia, não se curvará aos desejos e ordens dos gringos! O rapaz tinha os olhos dilatados, as faces rubras de exaltação, Kirkpatrik considerou mais oportuno não alimentar o ódio evidente do revolucionário e preferiu manter-se calado. — Vamos! Argumente, gringo! Diga que estou errado, que sou um louco. Diga isso! Fale alguma coisa, para que eu não tenha um só motivo para o riscar da face da Terra! — Você está fora de si, Bash. E se procura um motivo para me assassinar, porque atrapalho seus planos, está enganado. Não lhe darei esse prazer. Se quiser se livrar de mim terá que ser por assassinato mesmo, friamente. Issar Bash apertou os lábios raivosamente e, por um momento, deu a sensação de pretender sc lançar sobre o suposto reverendo. Porém, conseguiu controlar-sc e recuou alguns passos. — Não sei quem você é e o que pretendendo, Hynes, mas de qualquer maneira vai passar um mau bocado. Kirkpatrik encolheu os ombros e abriu os braços numa expressão de resignação. — Talvez você acabe compreendendo que está cometendo um erro muito grave, Bash. Mas receio que nessa altura seja tarde demais. — 61 —
O revolucionário ignorou as palavras do agente fora de série da CIA e voltou-se para a garota. — Quanto a você, Mali, seu crime é bem mais grave. Você traiu a confiança de seus companheiros, pretendeu atraiçoar igualmente sua pátria. — Não, Issar... Você está enganado — replicou a garota. — Eu escutei tudo, Mali! — gritou Bash. — Você começou por entregar-se a esse gringo. Depois aceitou sua proposta para ajudar a libertar os reféns. Isso é alta traição, porque o próprio shanton tinha determinado o julgamento dos prisioneiros. — Isso é uma loucura, Issar! — gemeu ela. — Essa gente está inocente dos crimes que você lhes imputa. — São espiões, Mali. E você deveria saber disso. — É mentira! Tudo isso foi arquitetado por você para ajudar na campanha promocional do shanton. Essa gente não tem nada a ver com nossos problemas internos e você está sacrificando-os em benefício de um sensacionalismo barato, em que o mundo nunca vai acreditar. Será que você não pode entender isso, Issar? Está tão cego assim? O jovem revolucionário deu alguns passos na direção dela e, de repente, sua mão direita ergueu-se e estalou sonoramente contra o rosto de Mali Karpec, que foi atirada para trás, rudemente, até chocar-se contra a parede. — Sua coragem e valentia resumem-se nisso, Bash — disse Kirkpatrik, com desprezo. — Silenciar com agressão covarde as declarações da verdade feitas por quem tem mais bom senso do que você. Dessa vez Issar Bash não se conteve e partiu para cima do americano, de punhos em riste, com um rugido de cólera. O agente 77Z estava esperando uma reação desse tipo e preparou-se para tirar partido dela. — 62 —
Quando Bash estava a poucos centímetros dele, ergueu o braço esquerdo e, com a mão espalmada, conteve o murro violento que o revolucionário se preparava para desferir em seu rosto. Imediatamente sua direita cruzou o espaço que o separava do adversário e o punho enterrou-se com força no fígado de Bash. O rapaz dobrou-se para diante, procurando o ar que escapava de seus pulmões. Antes que os dois guardas que o tinham acompanhado pudessem intervir, Issar Bash sentiu-se rodar nos calcanhares, ao mesmo tempo em que um braço hercúleo se fechava em torno de seu pescoço. Protegendo seu corpo com o do revolucionário, Kirkpatrik disse tranquilamente: — Se fizerem um só gesto, amigos, quebro o pescoço de seu líder. Soltem as metralhadoras agora mesmo. Houve um momento de hesitação por parte dos guardas. Kirkpatrik apertou o pescoço de Bash com mais força e os olhos do rapaz rolaram nas órbitas, quase sufocado. — Façam o que ele diz, coiotes! Estou ficando sufocado! Os dois guardas entreolharam-se, ainda vacilantes. Porém a ordem estava partindo diretamente de Bash e só lhes restava obedecer. — Vamos, estúpidos! Esse canalha vai me estrangular! Os guardas assentiram lentamente com a cabeça e deixaram cair as metralhadoras no chão. Kirkpatrik sorriu cinicamente e abrandou a pressão que exercia no pescoço de Bash. O jovem revolucionário tentou voltar-se e atacar, mas o agente 77Z não lhe deu tempo. Ergueu mais uma vez a mão direita e acertou-lhe uma cutilada na base da nuca. O corpo do revolucionário
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amoleceu subitamente e teria caído, se o louro americano não continuasse a segurá-lo com firmeza. Rapidamente Kirkpatrik arrastou o corpo até a mesa onde repousava a automática de Mali Karpec. Empunhou-a firmemente e abandonou por fim o corpo de Bash, que caiu no chão de tábuas. — Muito bem, rapazes. Sinto muito ter que agir desta forma, mas vocês não me deixaram outra alternativa. Pensando que o americano tencionava liquidá-los friamente, os dois guardas balançaram freneticamente as cabeças e um deles murmurou, apavorado: — Não... Nós estávamos cumprindo ordens de Bash e... Não pode nos matar! Kirkpatrik soltou uma risada e replicou: — Podem ficar tranquilos, rapazes. Não tenciono matálos, como certamente teriam feito comigo, se a situação fosse diferente. Os jovens entreolharam-se, espantados. — O que... o que vai fazer? — Nada. Apenas mantê-los aqui dentro, trancados, enquanto cuido dos reféns. Expressões de alívio estamparam-se nos rostos dos dois rapazes. — Eu vou com você, Hynes — decidiu Mali, colocando-se ao lado do agente americano. — Muito bem. Esta sala me parece ideal para funcionar como cela temporária. Não possui janelas e tem apenas uma porta. Entrem, amigos. Os guardas obedeceram e ficaram do lado da mesa, junto do corpo inanimado de Issar Bash. — Agora tratem de ficar sossegados, pois não sei como reagirão meus compatriotas, assim que se sentirem em liberdade. Um dos guardas falou, finalmente: — 64 —
— Você jamais vai conseguir chegar junto deles, gringo. Nossos companheiros vão impedir. — Não se preocupe com isso, rapaz. Eu darei um jeito. Mali Karpec encaminhou-se para a saída, precedendo o agente fora de série da CIA. — Se... se você conseguir libertar seus compatriotas, o que vai fazer conosco? — perguntou o segunda guarda, receoso. — Nada. Apenas deixá-los aí, até que alguém os liberte. Os soldados do shanton se encarregarão de vocês. O medo estava estampado no rosto dos dois guardas. — Eles... eles vão nos liquidar... — Problema de vocês. Nada posso fazer. Meu compromisso é com os americanos que estão presos e impossibilitados de desfrutar dos direitos e liberdades mais elementares. Sem esperar resposta, deixou a sala, seguindo Mali Karpec. Girou a chave duas vezes na fechadura e jogou-a num canto. Pouco depois caminhavam cautelosamente pelo corredor.
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CAPÍTULO SÉTIMO Um osso duro de roer — Onde costumam estar os seus companheiros, Mali? — perguntou o agente fora de série da CIA, parando no salão de entrada do edifício. — Espalhados por aí. Sem dúvida Issar deve ter escalados mais alguns para proteger as saídas, depois que ouviu nossa conversa. — É provável... Suponho que ele deve ter tomado todas as precauções, temendo algum ataque do exterior. — Claro. Chegou a comentar-se a hipótese de uma ação militar, tipo comandos, efetuada pelos americanos, iludindo a vigilância dos soldados do shanton. — Isso naturalmente está ou esteve nos planos de meu governo. Para tanto, conseguiu a condenação de Sant’Anna nos tribunais e plenários internacionais. Porém, até o momento de eu ser mandado para cá, não tinha sido acionado nenhum esquema nesse sentido. Mali franziu a testa, preocupada. — Você acha que existe alguma chance de sairmos daqui, Hynes? — Vamos, pelo menos, tentar, Mali. Sem mais palavras, o louro agente encaminhou-se na direção dos salões onde estavam prisioneiros os americanos. Depois que abriram a primeira porta que — 66 —
comunicava com um dos amplos corredores, surgiu o primeiro obstáculo. Dois soldados de Issar Bash, toscamente uniformizados, olharam para os jovens e ergueram as metralhadoras ameaçadoramente. — O que é que está fazendo o prisioneiro, aqui? — perguntou um deles, dirigindo-se a Mali Karpec. — Issar deu ordem para que ele pudesse circular livremente — respondeu a garota, com pouca firmeza. O guarda, porém, não pareceu convencer-se e engatilhou a arma. — Se isso tivesse acontecido, nós teríamos sido avisados. Fiquem onde estão. Tuk, vá perguntar a Issar se o prisioneiro pode circular pelo edifício. O companheiro assentiu gravemente com a cabeça e, com a metralhadora apontada para o chão, afastou-se. . Kirkpatrik deu mais alguns passos na direção do guarda. Não tinha tempo a perder. Tuk voltaria a qualquer momento com a informação de que Issar estava preso e isso seria o fim de Kirkpatrik e Mali Karpec. — Fique quieto, onde está, gringo! — berrou o guarda. — Calma, amigo — sorriu o agente 77Z. — Você está se precipitando. Seu companheiro vai trazer a confirmação das palavras de Mali Karpec e tudo estará em ordem. — Vamos esperar que seja assim mesmo, gringo, pois do contrário... Não chegou a concluir a ameaça. Kirkpatrik inclinou-se subitamente para trás, ao mesmo tempo que erguia a perna direita com agilidade, traçando um arco nos ares. A ponta do pé acertou com precisão o pulso que sustentava a pequena metralhadora, fazendo com que o guarda soltasse uma imprecação e largasse a arma.
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Com um rugido de fera, o guarda projetou- se sobre o prisioneiro, com evidentes intenções de acabar com ele a golpes. Kirkpatrik esquivou o corpo com facilidade ao primeiro ataque. O punho do jovem soldado passou a escassos centímetros de sua cabeça. Imediatamente, o agente fora de série da CIA contraatacou, com um gancho de esquerda que subiu vertiginosamente, chocando contra o queixo do inimigo. O inimigo soltou um verdadeiro urro e foi atirado para trás. Kirkpatrik não lhe deu tempo para sc refazer. Com um salto ágil, estava junto dele, desferindo um novo murro em seu fígado, com a violência de um coice de mula. Logo completou o ataque com um golpe cruzado de esquerda, que atingiu o adversário na ponta do queixo e o fez mergulhar em direção às tábuas. O guarda caiu surdamente e ficou imóvel, de bruços, com o sangue escorrendo pelo nariz. — Vamos dar o fora daqui, Mali! Correram para a porta, no instante em que esta se abria, e Tuk voltava, agitando a sub- metralhadora. — Cuidado com o americano, Poli — começou. — Ele... Kirkpatrik não o deixou continuar. Suas mãos aferraram-se freneticamente na arma e puxaram com força. O guarda viu-se desarmado numa fração de segundo, pouco antes de receber um murro brutal no rosto, que o lançou para trás, pela porta aberta. O agente fora de série da CIA foi no seu encalço, disposto a não lhe dar tempo de reagir e soltar o alarme. O rapaz, porém, não ia ser um inimigo fácil de vencer. Com um golpe de rins, endireitou-se e esquivou o corpo ao segundo ataque. Simultaneamente, adiantou o punho esquerdo, pegando Kirkpatrik de surpresa. — 68 —
O murro acertou a ponta do queixo do louro americano, de baixo para cima, atordoando-o. Kirkpatrik recuou aos tropeções, até suas costas chocarem com o umbral da porta. Tuk estava de novo em cima dele, animado por uma raiva incrível. — Eu acabarei com você, reverendo impostor... E desferiu um novo golpe, que acertou o americano no estômago. Kirkpatrik dobrou-se para diante, com a sensação de que todo o ar de seu corpo tinha escapado pela boca. Ficou lívido e não pôde evitar mais um golpe certeiro de Tuk, que o atingiu do lado esquerdo do rosto. Foi atirado para o lado, com brutalidade, perdeu o equilíbrio e caiu desamparadamente. Tuk soltou uma risada brutal e precipitou-se sobre ele. Seu pé direito ergueu-se resoluto, disposto a acertar uma patada definitiva na cabeça de Kirkpatrik. *** — Depressa com isso, idiotas? — berrou Issar, acertando um pontapé na porta da sala, que resistiu às tentativas de abertura. Três dos homens do jovem revolucionário lutavam com a fechadura, tentando arrebentá-la. O quarto guarda dominado por Kirkpatrik continuava inconsciente, no chão. — Você sabe que escolhemos esta sala para interrogatórios e cela dos gringos mais renitentes por causa de sua fortaleza e quase inviolabilidade, Issar... — comentou um dos homens. — Isso não me importa, agora, idiota! Quero essa porta aberta antes que o maldito reverendo tenha tempo de
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libertar seus compatriotas. Se isso acontecer, estaremos perdidos. O shanton jamais nos perdoará... — Estamos tentando, Issar. Mas não está sendo fácil... Issar Bash grunhiu um palavrão e andou de um lado para o outro, na sala do arquivo da embaixada. Todo o seu plano ameaçava fracassar, depois que Kirkpatrik o encarcerara ali dentro. — Acho que não vamos conseguir, Issar. Este tipo de fechadura só abre pelo lado de fora e todo o sistema dela está desse lado. Daqui apenas poderemos nos cansar e machucar, sem resultado algum. — Calem a boca e continuem arrombando essa maldita porta! Os guardas entreolharam-se e, finalmente, encolheram os ombros, continuando a tentar arrombar a porta, usando facas e pequenos canivetes. Sabiam que era um trabalho inútil, mas Issar Bash não desistia com facilidade. Issar Bash, por seu lado, deixara-se cair numa cadeira e o ódio e o desespero começaram a tomar conta dele. Dava frequentes murros no tampo de madeira, remoendo a raiva que sentia contra os americanos em geral e o reverendo Young, em particular. — Quando eu botar as mãos nesse gringo, vou acabar com sua raça... — rosnou. — E a traidora que o acompanha vai desejar mil vezes a morte... Os guardas olharam para ele por um instante, mas logo voltaram sua atenção para a porta, que, obstinadamente, teimava em resistir a seus esforços. ***
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Kirkpatrik abriu os olhos no instante em que o pé, calçando uma bota grosseira, descia furiosamente em direção a seu rosto. Com um esforço supremo de vontade, rolou para a esquerda, exatamente no instante em que a bota chocava brutalmente com as tábuas do chão. Tuk soltou uma imprecação e voltou-se, procurando o inimigo, que considerava já vencido. Kirkpatrik respirou com força e ergueu-se rapidamente, ficando diante do adversário. Os rostos de ambos estavam bastante maltratados, com o sangue escorrendo pelo nariz e marcas das agressões mútuas. Com um rugido de cólera, Tuk atirou-se para diante, com os braços estendidos. Kirkpatrik ergueu as mãos e seus dedos de ferro seguraram com firmeza os punhos do guarda. Ao mesmo tempo, subiu o joelho direito com raiva, acertando uma pancada seca, angustiante, entre as pernas do outro. Tuk dobrou-se com uma expressão de desespero no rosto, levou as mãos ao local atingido e não pôde evitar que o agente fora de série da CIA cruzasse os dedos de ambas as mãos e as descesse com violência sobre sua nuca. Tuk recebeu o golpe definitivo, brutal, demolidor, que constituiu um alívio para ele. Mergulhou velozmente para o chão, onde bateu com o rosto, já sem sentidos. Ficou imóvel, de bruços, numa posição grotesca, com os braços embaixo do corpo, as mãos ainda entre as pernas. Kirkpatrik endireitou-se, ofegante, e Mali Karpec correu ao seu encontro, aninhando-se em seus braços. — Tive tanto medo, Hynes... — murmurou. Kirkpatrik sorriu com esforço e acariciou-lhe os cabelos. — 71 —
— Já passou tudo, Mali. Agora vamos. Precisamos encontrar meus compatriotas e libertá-los. Tuk pode ter dado o alarme e não demorará para que todos os seus companheiros estejam nos procurando, com ordens para atirar em nós. Correram para o fim do corredor e abriram a primeira porta que encontraram. Uma expressão de assombro e perplexidade desenhouse no rosto do agente fora de série da CIA, observando os três homens que ali se encontravam.
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CAPÍTULO OITAVO Turba enfurecida — Muito interessante, este quadro! — murmurou o agente da CIA. — Você é um reverendo muito perigoso, Young — sorriu o homem que lhe apontava uma automática de grosso calibre. — Ou muito me engano, ou vocês não pertencem ao grupo de loucos revolucionários de Sant’Anna. — Acertou, camarada. Meu nome é Vassiliev, de Moscou. Este é meu companheiro, Boris Rutov. Kirkpatrik assentiu com a cabeça e murmurou: — O terceiro, eu conheço muito bem. Trata-se de meu compatriota Barry Schuman. — Exatamente, reverendo Young. Devo confessar que, como religioso, você é fora de série — sorriu de novo o russo Vassiliev. — Obrigado. Posso saber o que é que vocês estão fazendo dentro desta embaixada e como conseguiram chegar até aqui? — Bom, talvez isso não lhe diga respeito, camarada reverendo. No entanto, posso lhe assegurar que não estamos do lado do shanton, a quem consideramos um louco e um irresponsável. Aliás, nosso governo o condenou assim que
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ele apoiou os revolucionários que ocuparam a embaixada americana. — Muito reconfortante, isso. E o que é que Barry Schuman tem a ver com agentes da KGB? — Quem lhe disse que somos agentes da KGB? — Ora, não sejamos ingênuos, Vassiliev. O interesse de vocês por Barry Schuman me parece por demais elucidativo. — É mesmo? Talvez você possa nos dar uma informação. — Qual? — Ouvimos comentar, por aí, que o reverendo Young estava armando o maior rebuliço na embaixada, numa louca tentativa de libertar seus compatriotas. A propósito, todos os guardas estão procurando vocês, com ordens para o abater sem perguntas. — Já imaginava. Mas qual é a informação que você queria? — Onde se encontra seu compatriota, Tennessee Bughs? Kirkpatrik fez uma expressão de perplexidade. No entanto, sabia perfeitamente por que os russos estavam perguntando por Bughs. Ele e Schuman eram agentes duplos e aos dois soviéticos fora designado a missão de os libertar, sem dúvida. — A última vez que ouvi falar dele, tinha sido torturado para que confessasse ser um espião. Inclusive, Issar Bash, o líder deste banco de loucos, acrescentou que os russos tinham efetuado diversas e suspeitosas pressões para que esse refém fosse libertado. Não acha isso estranho, Vassiliev? — Talvez... O que motivaria essa atitude de Moscou? — perguntou o russo, cinicamente. — 74 —
— Não importa, agora, Vassiliev. Pelo visto, estamos os dois do mesmo lado. Queremos libertar os reféns desta absurda prisão. Por que não nos aliamos? Vassiliev coçou a nuca, sem deixar de apontar a automática para Kirkpatrik. — Quem me garante que você vai confiar em nós, reverendo? — É um risco que teremos de correr, Vassiliev. Eu também não tenho garantias de poder confiar em vocês. O russo sorriu e balançou a cabeça. — Creio que tem razão, reverendo Young... lerá que você é mesmo reverendo? — Será que você está mesmo contra o shanon? Vassiliev guardou finalmente a automática e aproximou-se de Kirkpatrik. — Está bem, reverendo. Nós entramos aqui raças a uma autorização especial do shanton, ia qualidade de repórteres do Pravda, de Moscou. — Era o que eu supunha, Vassiliev. O que acha que devemos fazer? — Procurar seu compatriota, Tennessee lughs. Kirkpatrik sorriu. — Você está tão interessado nele, que eu sugiro que o procure com seu companheiro, enquanto trato de libertar os demais reféns. A noite está descendo e me parece uma boa ocasião para tentarmos deixar o edifício. — Espero que os manifestantes tenham vontade de dormir, camarada reverendo. Quando entramos havia umas seiscentas ou oitocentas pessoas aí fora, berrando contra os americanos e queimando retratos de seu presidente. Kirkpatrik assentiu vagarosamente com a cabeça. — Precisamos ter cuidado, então, Vassiliev. — Concordo. Eu irei pela ala norte. — 75 —
— Então nós iremos pela ala sul. Tenha cuidado com uma porta que dá para o arquivo da embaixada. Está trancada por fora e Issar Bash, com quatro guardas, encontram-se trancados lá dentro. Devem estar verdadeiras feras... — Especialmente contra você, não, reverendo? — Creio que sim, Vassiliev. De qualquer forma, tenha cuidado. Não foi difícil achar o salão onde os reféns estavam prisioneiros. Kirkpatrik abriu a porta sem dificuldade, pois não se encontrava qualquer guarda por perto, todos sem dúvida empenhados na busca aos fugitivos. A embaixada era bastante grande para permitir que o suposto reverendo e a garota passassem despercebidos por algum tempo. Assim que a porta foi aberta, o embaixador aproximouse, perplexo. — O que significa isto, reverendo? Os guardas estiveram aqui, há poucos minutos, revistando salas de banho, embaixo dos móveis, enfim, por toda a parte. Disseram que você e uma traidora tinham escapado, mas que só podiam estar dentro do edifício e... — Agora não há tempo para explicações, embaixador. Reúna os reféns e me sigam. Vamos tentar uma fuga audaciosa, aproveitando a noite. Os reféns tinham formado um grupo compacto em volta do suposto reverendo Young e em seus rostos estampavamse expressões de esperança. — Faltam dois reféns, reverendo — cortou o embaixador. — Tennesee Bughs, que não regressou ainda, e Barry Schuman, que saiu há pouco, acompanhado por dois estrangeiros muito estranhos.
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— Esses dois estrangeiros são agentes russos interessados em libertar Tennesee Bughs e Barry Schuman. Estão neste momento procurando Bughs, que ainda está na embaixada, embora maltratado. William Craig franziu a testa. — Não podemos permitir que... — Calma, embaixador. Esses dois agentes estão do nosso lado, desta vez. Você, que conhece bem a embaixada, deve saber como poderemos chegar até as portas dos fundos sem muito alvoroço. —- Claro. Basta seguirmos pela ala sul, atravessando as salas de expediente. No final, encontraremos uma saída de emergência e... — Vamos para lá então. Pouco depois, o grupo compacto seguia o embaixador Craig é Kirkpatrik, rumo à liberdade. De repente, uma rajada de metralhadora cortou o relativo silêncio da embaixada. O grupo de- teve-se subitamente e Kirkpatrik ordenou: — Sigam para as saídas dos fundos e me esperem lá. Creio que nossos amigos soviéticos encontraram dificuldades pelo caminho. — Cuidado, reverendo. É muito arriscado, deve haver muitos guardas patrulhando os corredores e... — Schuman e Bughs estão com os dois agentes da KGB, embaixador. Tenham cuidado, vocês também. Kirkpatrik moveu-se com agilidade na direção de onde partira a rajada de metralhadora. Tinha uma ruga profunda na testa. Se os manifestantes tivessem escutado a rajada, talvez decidissem invadir a embaixada e isso poderia significar a morte de todos os reféns. — Eu vou com você, Hynes — murmurou Mali, seguindo resolutamente. — 77 —
— É mais prudente que você vá com o embaixador e os reféns, Mali — disse ele. — Nada disso. Onde você estiver, eu estarei também. E posso ser mais útil, pois conheço alguns guardas. — Está bem. Vamos então. — Os tiros partiram da ala norte, Hynes. Sem dúvida das proximidades da sala de arquivos da embaixada. — É o que cu suponho também, Mali. Vassiliev e Rostov devem ter encontrado algum grupo de guardas. — Ou Issar conseguiu libertar-se e deparou com os falsos jornalistas. Kirkpatrik olhou-a de soslaio. — É uma possibilidade também. Temos que nos apressar. — O que fará, se deparar com Issar? Ele certamente vai atirar em você, Hynes. — Tentaremos evitar que isso aconteça, Mali. — Cada vez me convenço menos que você seja realmente um pastor protestante, Hynes — murmurou ela, enquanto avançavam pelos corredores desertos. — Não é hora para insistirmos nessa conversa, Mali. Nesse momento, o rumor que há alguns momentos se escutava no exterior do edifício aumentou consideravelmente e as primeiras pancadas surdas nos portões começaram a escutar-se. A multidão escutara os disparos e forçava a entrada na embaixada, certa de que estava se registrando uma tentativa de fuga dos prisioneiros. Procurariam impedir isso pelos meios mais drásticos, isto é, o linchamento...
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CAPÍTULO NONO Liberdade almejada Quando Kirkpatrik entrou no corredor onde ficava a sala de arquivo, não pôde evitar uma reação de asco. Perto da porta do arquivo encontravam-se dois corpos caídos, ensanguentados, com as cabeças brutalmente arrebentadas pelas balas das submetralhadoras. Olhando com mais atenção, o agente fora de série da CIA reconheceu os dois agentes russos. Alguns metros adiante, um outro corpo estava no chão, de bruços, com o cabo de uma faca enterrado nas costas e sangrando abundantemente. Pelas roupas, o agente 77Z pôde identificar Barry Schuman, o agente duplo que se encontrava com os russos. — Meu Deus! — murmurou a garota, atrás de Kirkpatrik. — Miseráveis! — bradou o louro americano. — Assassinaram friamente os três. — O que vamos fazer agora, Hynes? — Não sei se Vassiliev já teria encontrado Bughs. Precisamos investigar isso. — É perigoso, Hynes. — Não posso abandonar Bughs, Mali. — Vamos então — suspirou ela.
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Passaram pelos cadáveres, fazendo um esforço para não olhar. Não era um espetáculo muito agradável... Chegaram ao final do corredor e abriram a porta que comunicava com a ala sul. Kirkpatrik tinha-se abaixado momentos antes e apanhado a automática que havia pertencido a Vassiliev e que ele havia largado certamente ao ser atingido. Nesse instante, uma voz irada soou atrás deles: —- Issar! O reverendo americano! Kirkpatrik voltou-se com a rapidez de um relâmpago. No extremo oposto do corredor, estava Issar Bash, acompanhado por quatro jovens, todos empunhando submetralhadoras. — Atirem nele! Para matar! — berrou o líder revolucionário. Kirkpatrik reagiu com a rapidez que o caracterizava em situações de emergência. Um treinamento adequado e uma longa prática em missões perigosíssimas o tinham dotado de uma extraordinária capacidade de reação, o que mais uma vez salvou sua vida. Com um violento empurrão, derrubou Mali Karpec, ao mesmo tempo que se deixava cair de bruços e engatilhava a automática de Vassiliev. O primeiro tiro da automática coincidiu com a rajada de metralhadora do jovem revolucionário. No entanto, o grito lancinante partiu da garganta de Issar Bash, quando a bala disparada por Kirkpatrik se enterrou em sua cabeça, empurrando-o para trás, já morto. Os quatro guardas recuaram apressadamente, esquecendo o corpo do chefe, e Kirkpatrik aproveitou a chance para se levantar e arrastar a garota para fora. — Vamos dar o fora daqui garota. Dentro de alguns segundos, todos os guardas de Bash estarão neste local, — 80 —
como feras sedentas de sangue. Sem contar com os manifestantes, que não tardarão a arrombar os portões. Mali não esperou que ele repetisse a ordem. Correu para o final do corredor. Ali os esperava uma outra surpresa. Dois guardas armados escoltavam um preso, sem dúvida levando-o ao encontro de Bash. — Parem! — gritou um dos guardas, apontando a metralhadora para a garota, que estava mais adiantada. Kirkpatrik levantou a automática, apontou e, friamente, apertou o gatilho. O guarda soltou a arma e levou a mão esquerda ao braço direito, atingido à altura do ombro. — Você, amigo, largue a metralhadora, se não quiser que lhe estoure os miolos — ordenou o agente fora de série da CIA, para o segundo guarda. O homem hesitou por alguns instantes, mas acabou considerando que suas chances não eram muitas e obedeceu. — Você é Tennessee Bughs, amigo? — perguntou o agente 77Z. O homem que se encontrava entre os guardas assentiu com a cabeça e caminhou ao encontro de Kirkpatrik. Estava bastante maltratado, com evidentes sinais de ter sido agredido e, até torturado. — Quem é você? — perguntou. — Sou Hynes Young, reverendo protestante, enviado por Washington para lhes trazer conforto moral e espiritual e, eventualmente, tentar negociar sua libertação e a dos outros reféns. — Uma forma estranha de negociar, essa sua, reverendo... — Issar Bash me obrigou a isso, desde o começo. — Onde está esse miserável? — 81 —
— Morreu há poucos instantes. Os dois guardas abriram muito os olhos, espantados. — Isso não é verdade... — murmurou o ferido. — Infelizmente, é. Ele está no corredor da sala do arquivo, amigo. Sinto muito que as coisas tenham tomado este rumo, mas Bash, seu chefe, não me deixou outra alternativa. Podem ir para lá. Os guardas entreolharam-se. —- Podemos ir...? Você não vai nos...? — Não, amigo. Podem ir à vontade. Nada tenho contra vocês e acredito que muitos nem sequer sabem por que estão nesta louca aventura. Os dois homens entreolharam-se mais uma vez e, antes que o americano mudasse de idéia, encaminharam-se para a saída do corredor, onde estaria o corpo de Issar Bash. — Vamos embora, Tennessee — ordenou Kirkpatrik. — Não demorará muito para termos os guardas em cima de nós outra vez, além da multidão que está a ponto de arrombar os portões e invadir a embaixada. Rapidamente deslocaram-se para o sul, transpondo salas sem qualquer vigilância. Os guardas deviam estar reunidos, deliberando sobre o que fazer, após a morte de Issar Bash. Guiados por Mali Karpec, que se sentia ainda atordoada pela violência que havia estourado na embaixada, chegaram sem dificuldade às saídas de emergência. O grupo liderado por William Craig estava ali, esperando. — Você conseguiu recuperar Bughs — comentou o embaixador, entusiasmado. — Infelizmente, Schuman e os dois agentes russos foram mortos pelos guardas de Issar Bash,: que conseguiu arrombar a porta da sala onde o tranquei. — 82 —
— Assassino! — rosnou Tennessee. — Bash também morreu — disse Mali Karpec. Ninguém fez qualquer comentário. Na verdade, todos estavam ansiosos para se verem livres da embaixada e dos revolucionários do shanton. — Alguém faz idéia de como poderemos deixar o país? — perguntou Kirkpatrik. — A fronteira fica apenas a sessenta quilômetros, para o sul. Se conseguíssemos transporte para lá, antes que bloqueassem as estradas... Um dos funcionários da embaixada murmurou: — A uns duzentos metros daqui ficam as garagens de uma empresa de ônibus. Talvez... Kirkpatrik sorriu. — Você é um gênio, amigo. É para lá que vamos imediatamente. Os fundos da embaixada davam para um terreno baldio, ainda deserto, mas que não tardaria a ficar cheio de gente, assim que a fuga fosse descoberta. — E o que fazemos com os quatro guardas que surpreendemos, reverendo? — perguntou Craig. — Guardas? — É... Havia quatro guardas vigiando as saídas dos fundos. Tivemos que dominá-los e... — Onde estão? — Trancados na última sala. — Você acha que poderão escapar rapidamente? — Só poderão tentá-lo dentro de uma hora, mais ou menos. Estão desmaiados, ainda. — Então vamos deixá-los lá. Não adianta puni-los. Ordeira e silenciosamente, atravessaram o terreno baldio em direção à garagem da empresa de transportes coletivos. — 83 —
Um vigia que se encontrava na porta mal teve tempo de perguntar o que o jovem louro e decidido desejava. Kirkpatrik recuou o braço e com uma pancada seca na base do pescoço deixou-o no chão, sem sentidos. — Vamos. Tratem de procurar um ônibus com o depósito cheio de gasolina, que possa nos levar até a fronteira. (Mali Karpec estava agarrada ao braço de Kirkpatrik, excitada. — Você prometeu que me levava para fora do país, Hynes... — Prometi e vou cumprir. Você terá uma poltrona dentro desse ônibus, garota. Pouco depois, estavam instalados dentro de um ônibus moderno, com o depósito cheio de combustível. Um dos reféns abriu as portas da garagem e o pesado veículo ganhou a rua, começando a afastar-se rapidamente, ficando cada vez mais longe do edifício da embaixada, onde os manifestantes lutavam para arrombar os portões de ferro e invadir o edifício.
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EPÍLOGO Foi relativamente fácil atingir a fronteira. Os sessenta quilômetros que separavam os reféns da liberdade definitiva foram percorridos a uma velocidade razoável, reduzida apenas nas proximidades de postos policiais ou de patrulhas do exército. Chegaram finalmente à vista do posto fronteiriço. Meia dúzia de guardas haviam formado uma barreira na estrada, onde tinham colocado alguns tambores, impedindo a passagem. Sem dúvida a fuga havia sido comunicada a todos os postos. — Como é que vamos passar por esses guardas, reverendo Young? — perguntou o motorista. Kirkpatrik observou a barreira. — Esses guardas devem ter ordens para atirai em nós, antes de fazer perguntas. — Com certeza, reverendo. O shanton deve estar uma fera. Nossa fuga foi um duro golpe em seu prestígio, perante o povo. Não vai nos perdoar nunca. O embaixador tinha pronunciado essas palavras com uma expressão preocupada. Encontravam-se nesse instante protegidos por um grupo de árvores que os mantinham ocultos das vistas dos guardas.
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Antes que o agente 77Z pudesse responder, o silvo de uma sirene, que aumentou rapidamente, indicando tratar-se de, pelo menos, uns quatro ou cinco carros, ouviu-o na retaguarda dos fugitivos. — A Polícia está se aproximando, reverendo — anunciou o motorista. — Provavelmente será também o exército do shanton... Kirkpatrik pensou rapidamente. — Não temos escolha, amigos. Mantenham- se abaixados, porque vamos furar a barreira pela força. — É muito arriscado, Hynes — murmurou Mali Karpec. — Ê a única saída que nos resta, Mali. Deitem-se no chão, embaixo das poltronas, de qualquer forma. Eu dirigirei. Como se estivesse esperando uma decisão desse tipo, o motorista abandonou seu lugar, deitando-se no corredor e protegendo-se assim dos disparos do exterior. Kirkpatrik ocupou a cadeira do motorista, ligou o motor do pesado veículo, que começou a movimentar-se, descendo a ladeira que conduzia ao posto de fronteira. O ônibus aumentou rapidamente de velocidade, enquanto as sirenes se escutavam a menos de um quilômetro, sendo visíveis, já, as cinco viaturas que perseguiam os fugitivos. O primeiro tiro partido da barreira soou quando eles se encontravam a menos de duzentos metros. Uma bala perfurou o vidro dianteiro do veículo, estilhaçando-o. Kirkpatrik abaixou-se e pisou o acelerador com decisão. O ônibus pareceu dar um salto para diante e investiu, sob a chuva de tiros, contra os tambores vazios que obstruíam a estrada. — 86 —
Os tambores foram jogados violentamente para o alto e para os lados. Os guardas do posto fronteiriço gritavam impropérios e afastavam-se apressadamente, crivando o ônibus de balas, que, no entanto, se mostraram inofensivas. Os dois fugitivos tinham retirado os assentos das poltronas e formado com eles almofadas protetoras, onde algumas balas se cravaram, sem atingir os reféns libertados. O ônibus cruzou a barreira a grande velocidade, afastando-se rapidamente e ficando fora do alcance dos projéteis em poucos minutos. As viaturas carregadas de perseguidores frearam bruscamente na barreira e fizeram ainda alguns disparos pouco convincentes sobre os fugitivos. Finalmente desistiram e Kirkpatrik respirou, aliviado. O primeiro a levantar-se foi Ted Palmer, o pastor batista. — Creio que o perigo passou, amigos. Estamos a salvo e só espero que as autoridades deste país nos recebam com mais cortesia do que as de Sant’Anna... Lentamente os reféns foram se erguendo, os sorrisos de alívio e esperança reaparecendo em seus rostos. Kirkpatrik deteve o veículo e cedeu o lugar de novo ao motorista, enquanto Mali pendurava-se em seu braço, com um sorriso feliz. William Craig aproximou-se do suposto reverendo protestante e murmurou: — Não sei como lhe agradecer, reverendo, por haver nos livrado das garras daqueles loucos. Se houver alguma coisa que eu possa fazer assim que voltarmos aos Estados Unidos... — Não será preciso nada, embaixador. Fiz o que achei ser meu dever, para ajudar meus compatriotas.
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— Foi um trabalho demasiado invulgar para um reverendo... — comentou o pastor batista. — Nem sempre os ministros do Senhor têm oportunidade de fazer chegar às mentes mais obtusas a justiça e o direito através de simples palavras, por mais carregadas de fé que elas sejam. O embaixador sorriu e trocou um olhar com Ted Palmer. — Creio que tem razão, reverendo. Provavelmente nós poderíamos ter tentado alguma coisa antes, mas nos faltou a iniciativa. Kirkpatrik sorriu enigmaticamente e deixou-se cair numa poltrona, com Mali do seu lado. Em breve estariam voando para os Estados Unidos e o pesadelo criado pela ambição e loucura de um político em desespero teria cessado. *** O louro milionário do aço sorveu um gole de bourbon e olhou por cima do copo para o chefe do Departamento 77. — E como é que o shanton reagiu, mister Lattuada? — Você pode imaginar, Horace. Ele ameaçou represálias sem fim, corte de venda de petróleo para todos os países que estivessem de acordo com a fuga arrojada, uma porção de bobagens. — Esse homem é um louco... — Um louco desesperado, Horace. Palmak levantou o povo contra ele no nordeste do país e está avançando rapidamente em direção à capital. — Creio que o shanton não terá uma vida muito longa, então.
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— É evidente que não. Tampouco poderá pensar na fuga dos reféns, uma vez que Palmak continua ameaçandoo, cada vez com mais perigo. — E os russos, como reagiram à morte de seus agentes? — Da maneira que esperávamos. Afirmam que seus agentes foram enviados com o propósito de libertar os reféns americanos, num gesto de solidariedade e impaciência diante do fracasso das negociações pacíficas. E que seus homens morreram, permitindo com isso que os reféns fugissem, através da brecha aberta pelos agentes da KGB e protegidos por eles, ao morrerem como mártires, em holocausto pela causa da liberdade e dos direitos humanos. — Uma versão muito emocionante, sem dúvida. — Comovedora, como se esperava. — Foi uma pena que Barry Schuman tivesse morrido... — É... Foi lamentável. Mas esse é o preço que pagamos pela liberdade dos reféns. — Como estão os outros? — Insistem em promover uma festa de homenagem ao corajoso e valente reverendo Hynes Young Jr., pela decisão, valentia e arrojo que demonstrou salvando-os. — São muito gentis e o reverendo Young agradece... — sorriu o agente 77Z. — Claro. Só estamos tendo um pequeno problema. — Problema? Que problema? — Entre os reféns que você resgatou de Sant’ Anna existe alguém que não é americano e que não se conforma com o desaparecimento do reverendo Hynes Young. O louro agente da CIA sorriu enigmaticamente e murmurou: — E daí?
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— Daí que eu acho bom você convidar essa pessoa para um bom programa uma noite qualquer, pok está difícil aguentar uma garota como aquela. — Garota? — fez-se de desentendido o agente. — Você sabe muito bem de quem estou falando, Horace. Mali Karpec ameaçou ir à Associação Central das Organizações 'Protestantes e exigir o endereço do reverendo Hynes Young. — É uma garota obstinada... — Diz até que receia que o shanton tenha enviado seus agentes aos Estados Unidos com o objetivo de assassinar o reverendo Young e que nós estejamos encobrindo isso dela. — Grande imaginação, tem a boneca... — Enorme. E o pior é que tivemos de lhe dizer exatamente isso. Quero dizer, que você estava escondido como medida de segurança contra alguma tentativa mais suja do shanton... — Terei que fazer uma visitinha a essa garota. Ela deve estar se sentindo muito só. Mister Lattuada sorriu maliciosamente e murmurou: — Concordo. A senhorita Karpec está longe dos seus, longe da família e amigos, sem ninguém por aqui. Só deve regressar a Sant’Anna quando Palmak derrubar o shanton e restaurar o clima de tranquilidade no país. — Então não devo ter muito tempo para visitá-la ... — Claro que não. Apenas uma semana, no máximo. O regime do shanton não deve durar mais do que isso. Sugiro, portanto, que se apresse. O agente fora de série da CIA levantou-se e esmagou o cigarro no cinzeiro. — Onde está ela? — Num hotel, esperando impacientemente. Tome o endereço. — 90 —
Escreveu alguma coisa num guardanapo de papel, que Kirkpatrik pegou com um sorriso. —- Lá vou eu de novo, em missão, chefe. — Missão? — Claro. Uma missão de boa vontade, junto de uma estrangeira que está sofrendo horrores pela situação dramática que seu país atravessa... O chefe do Departamento 77, da CIA, não pôde evitar uma gargalhada bem-humorada. — Você não tem jeito mesmo, Horace. Mas tenha cuidado. Seu relacionamento com Mali Karpec ainda pode nos custar um incidente diplomático internacional. — Como assim? — Bom, você é um pastor protestante e os agentes do shanton podem alegar imoralidade na sua conduta, especialmente por envolver uma cidadã de Sant’Anna. Kirkpatrik encolheu displicentemente os ombros e retorquiu, sorrindo: — Pode ficar sossegado, chefe. Eu me encarregarei de esclarecer certos aspectos para Mali. Ela é uma garota muito compreensiva. Antes que o chefe do Departamento 77 pudesse responder, Kirkpatrik saiu, assoviando alegremente. Mister Lattuada ficou olhando para a porta, pensativamente. Kirkpatrik era um homem extraordinário, mas tinha um ponto fraco: as mulheres bonitas o deixavam transtornado. Jamais resistia ao apelo de um par de pernas bem desenhadas...
FIM
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