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SÉRIE: 77Z VOLUME: 112 TÍTULO: CADEIRA PARA O INFINITO CAPA: BENICIO AUTOR: COMBY KING EDITORA: MONTERREY ANO DA PUBLICAÇÃO: 1979 PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 18,00 PÁGINAS: 128
SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL
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EDITORA MONTERREY LTDA. Rua Visconde do Pirajá, 550 – Sala 1401 IPANEMA – Rio de Janeiro - RJ Fones: 227-2795 e 227-2602 ------------------------------------------------------------
© EDITORA MONTERREY LIMITADA Publicação no Brasil 1979 Composto e Impresso pela GRÁFICA LUX LTDA. Distribuído por: FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.
Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer semelhança terá sido mera coincidência.
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CADEIRA PARA O INFINITO COMBY KING
Capa de BENICIO
PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE
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PRÓLOGO Uma jornalista em apuros — Eu não quero participar dessa experiência! A voz de Anna Galinka soou com estridência, no pequeno escritório de Pierre Nonchant. Anna tinha vinte e sete anos, olhos verdes e cabelos negros, que lhe caíam sobre os ombros em cascatas sedosas. Os seios erguidos e firmes ameaçavam rasgar o tecido fino da blusa azul que usava, formando um conjunto com a calça branca, justa sobre as ancas arredondadas, que se harmonizavam perfeitamente com as pernas altas, elásticas, bem-feitas. O lábio inferior, carnudo, da jornalista soviética em visita aos Estados Unidos, tremia visivelmente, diante do cientista canadense que a olhava com ironia. — Não precisa ter medo, Anna. Vai ver que se trata de uma experiência formidável! Você me contará depois suas impressões, como boa jornalista que é. Pierre Nonchant tinha nascido em Montreal, no Canadá, quarenta e dois anos antes. Era alto, cabelos escuros e olhos castanhos. As pupilas irradiavam um brilho intenso, que chegava a assustar. As sobrancelhas espessas conferiam-lhe um aspecto simiesco, reforçado pela densa mata de pelos negros que se viam no peito, até a base do pescoço. Pierre Nonchant estava usando um terno esporte, com camisa aberta, e sorria com sarcasmo. —7 —
— Não me interessam minhas impressões nessa experiência louca a que você quer submeter-me! Vai-lhe custar muito caro o fato de praticamente ter-me sequestrado e me manter quase prisioneira nesta casa! Apresentarei queixa às suas autoridades e na Embaixada de meu país! — Calma, Anna! Sejamos coerentes. Eu não sequestrei você. Limitei-me a convidá-la para assistir a uma experiência científica em meu laboratório, presumindo que o assunto poderia interessar-lhe, uma vez que se trata de uma jornalista especializada na divulgação de novas descobertas da ciência. Aliás, creio que o motivo de sua visita aos Estados Unidos é exatamente escrever uma série de reportagens para seu jornal, na União Soviética, sobre o avanço da pesquisa científica dos americanos. Ou não será? Anna Galinka olhou com as pupilas brilhantes, furiosa. — O que é que está querendo insinuar? — Nada, Anna! Por que sua cólera? — Não é cólera! É indignação! O canadense, naturalizado americano dez anos antes, soltou uma gargalhada. — Existe alguma diferença? — Claro que existe! Mas você não entende. Estou justamente indignada pelo seu procedimento, Nonchant. Você me trouxe até aqui, atraída por uma experiência científica alheia aos projetos oficiais. Afinal, do que é que se trata? De uma absurda viagem no tempo, utilizando essa cadeira ridícula. E quer me forçar a participar dessa besteira sem nome! É inaudito! Exijo que me deixe sair daqui imediatamente! Nonchant sorriu com ironia. — Será que minha experiência é tão absurda assim, querida Anna Galinka? A bela jornalista olhou-o com ódio, replicando: —8 —
— Ora, não seja estúpido! Sabe muito bem que aquilo que você pretende é impossível, pelo menos seguindo os padrões convencionais da ciência empírica! O canadense observou-a com interesse. — Não entendi suas palavras, querida Anna. Da forma como você falou, eu diria que acha a experiência possível, utilizando outros processos, através de alguma ciência nãoempírica... Uma careta de desdém cruzou o rosto de Anna Galinka. — Você sabe muito bem do que eu estou falando. Pode realmente efetuar uma viagem no tempo, utilizando a regressão de memória, pelos processos parapsicológicos, recentemente desenvolvidos, não só no meu país como até mesmo aqui, nos Estados Unidos, pelo professor J. B. Rhine. Você deve saber disso muito bem, se não é um impostor, como estou inclinada a acreditar. — Claro que eu conheço os trabalhos de Rhine, de Pavlov e outros, no campo da pesquisa parapsicológica. E, para sua informação e tranquilidade, Anna, posso acrescentar que o meu sistema apenas deflagra os processos psíquicos inconscientes aplicados por Rhine e outros. Mais satisfeita, agora? — Não tenho porque ficar satisfeita, Nonchant. Você é um miserável, que me pretende forçar a tomar parte numa experiência absurda, contra minha vontade! Como eu sou uma estrangeira neste país, você está cometendo um ato de pirataria que pode provocar um conflito diplomático muito grave! — Não se preocupe, minha querida. Depois de você participar de meus experimentos, não vai mais querer comunicar ou apresentar queixa sobre o que aconteceu. E, quanto ao fato de você ser estrangeira, não esqueça que eu também sou, apesar de ter-me naturalizado americano. —9 —
— Só espero que, depois das autoridades conhecerem a verdade sobre o seu trabalho, o expulsem dos Estados Unidos, por indesejável. — Bom, deixemos estas cortesias não muito agradáveis e passemos para a discussão prática sobre o motivo de sua presença nesta casa. — Já lhe disse que não participarei de experiência nenhuma, Nonchant! E insisto em que me liberte imediatamente! — Não se afobe, Anna! Eu lhe disse que queria que você participasse de minhas experiências e você vai fazêlo. Neste momento, não estou interessado em conhecer sua opinião, ou escutar suas lamentações ridículas! Você participará da experiência esta noite, queira ou não. Mais tarde escreverá um artigo sobre o que viu e sentiu. E vou dar-lhe um presente, Anna: pode publicar essa reportagem, com absoluta exclusividade, no seu jornal de Moscou. Pode acreditar que será um furo mundial que a levará ao cume da glória! Anna Galinka levantou-se, furiosa. — Não me interessa, Nonchant! Quero ir embora daqui! — Lamento, minha querida jornalista, mas não será possível fazer-lhe a vontade. Esta noite, você entrará nesta experiência, sentando-se no meu sofá, juntamente com três outras personalidades importantes. — Isto é um crime! Essas outras personalidades estão também sendo forçadas? — Não. Eles vão fazer a viagem de livre e espontânea vontade. Talvez sejam mais inteligentes do que você. Anna Galinka sentiu uma vontade incrível de esbofetear o rosto anguloso do canadense. Conteve-se, no entanto, receando piorar ainda mais sua situação. Pierre Nonchant sorriu e informou: — 10 —
— Não adianta nos irritarmos um com o outro, Anna. Acho melhor você se recolher a seus aposentos. Quando chegar a hora de iniciarmos a experiência, eu a chamarei. — Não participarei dessa experiência! — Claro que participará, Anna. E devo preveni-la de que não vale a pena tentar escapar. Seus aposentos serão vigiados por um de meus homens. — Isto é um rapto! E vai lhe custar muito caro, Nonchant! Pierre Nonchant soltou uma risada sarcástica, quase insultante. *** Sue Prince tinha dezoito anos. No entanto, seu corpo totalmente formado revelava uma mulher de formas exuberantes, seios volumosos, firmes, pernas longas e bemfeitas. Era uma esplêndida mulher, sem dúvida. O rosto oval mostrava um ar inocente, ingênuo, que em nada correspondia à realidade. Desde os quinze anos que, por circunstâncias adversas, se vira obrigada a conhecer intimamente os homens, levando uma vida que qualquer mãe de família razoavelmente formada teria condenado, órfã de pai e mãe, tinha conhecido fortuitamente Pierre Nonchant há cerca de um ano. O canadense sentira-se fascinado e conseguira arrancá-la do cabaré onde trabalhava como vendedora de cigarros, fazendo dela, em poucos meses, uma garota sensual e delicada, que escondia sob uma capa de maturidade prematura a vida desregrada que tinha levado nos últimos anos. Quando Pierre abriu a porta do quarto, Sue estava sentada diante do espelho da penteadeira, escovando os cabelos ruivos e sedosos. Vestia um atraente negligé rosa, — 11 —
através do qual se percebiam os seios eretos de corolas rosadas e a calcinha de renda branca, que não conseguia esconder por completo o púbis escuro e perfeitamente triangular. — Como é, querido? Nossa simpática hóspede já concordou em efetuar a experiência? — perguntou com voz musical. — Nunca concordará, Sue — suspirou Pierre, deixando-se cair num sofá. — Anna Galinka é tremendamente obstinada e não para de ameaçar com represálias futuras. Sue pousou a escova sobre a penteadeira e levantou-se, caminhando majestosamente ao encontro de Nonchant. — Você acha que ela pode fazer isso, querido? — Não estou preocupado, se é o que você quer saber. Anna Galinka participará dessa experiência e ficará fascinada. Seu relato, na União Soviética, nos será muito útil, bem como o de Boris Nakaev. — E você tem certeza de que vai dar certo, Pierre? — Claro, Sue. Tudo foi preparado nos mínimos detalhes. A presença de James e Talita junto dos dois russos será definitiva. Nós conseguiremos o que queremos, Sue. Pode ficar tranquila. — E se estivermos errados? Se Anna Galinka se encontrar nos Estados Unidos precisa e exclusivamente para efetuar uma série de inocentes reportagens científicas? — Não pense muito nisso, querida. Sua linda cabecinha não foi feita para se cansar com problemas dessa natureza. Lembre-se apenas que tem de ficar muito bonita esta noite, quando jantarmos com nossos convidados. Você é minha mulher, não esqueça! Impulsivamente, Sue Prince atirou-se nos braços do canadense. Suas bocas uniram-se num beijo prolongado, — 12 —
ardente, enquanto as mãos ousadas de Pierre Nonchant exploravam o corpo delicioso da jovem russa. *** Anna Galinha sentou-se na beira da cama e olhou a janela, provida de grades, no quarto de reduzidas dimensões. Estava na casa de campo de Pierre Nonchant desde essa manhã, atraída por uma experiência sensacional que deveria observar e sobre a qual escreveria, na sua qualidade de repórter da Novosti, de Moscou. Tinha sido difícil conseguir uma licença especial para visitar livremente os centros de pesquisa norte-americanos. E logo agora, que tudo parecia estar correndo tão bem, caíra naquela estúpida situação. Era evidente que Pierre Nonchant não passava de um louco. A experiência de viagem no tempo, utilizando as lendárias máquinas do tempo, sempre se haviam revelado utopias de sonhadores e visionários. E, o que era pior, Anna estava prisioneira. A parte secreta de sua missão nos Estados Unidos via-se desse modo seriamente comprometida. A menos que Nonchant soubesse que ela não se encontrava nos Estados Unidos apenas para escrever uma série de reportagens científicas. Se esse fosse o caso, sua vida não valeria um centavo, certamente. No entanto, não tinha perdido ainda as esperanças de escapar dali. Bastava ter uma chance de conseguir chegar até a rua. Levantou-se decidida e pendurou no ombro a maleta, onde levava o equipamento fotográfico e alguns blocos de anotações, além de objetos de uso pessoal. Alisou a blusa e as calças, deu um toque nos cabelos negros e dirigiu-se para a porta. Girou a maçaneta e sofreu a primeira decepção. Estava trancada com chave. Tentou forçá-la. — 13 —
Precisava sair dali! No entanto, seus esforços revelaram-se inúteis. Jamais conseguiria abrir aquela porta solidamente fechada. Desiludida e desgostosa sentou-se na beira da cama, olhando o retângulo de madeira com raiva. Era absurda toda aquela situação. Oficialmente viera aos Estados Unidos para efetuar uma série de reportagens. Era uma simples jornalista soviética. Exigia um tratamento digno de qualquer convidado estrangeiro. No entanto, o que é que lhe acontecia? Havia recebido um amável convite de Pierre Nonchant para visitar seus laboratórios e assistir a uma experiência científica inédita. O assunto lhe interessava por diversos motivos e, assim, não hesitou em aceitar. Infelizmente tudo correra de forma bem diferente do que esperava, E encontrava-se prisioneira, agora, atrás daquela maldita porta que não conseguia abrir. Nesse momento a porta abriu-se e um homem alto, barbudo, empunhando uma automática provida de silenciador, recortou-se no umbral. — Estava tentando abrir a porta, senhorita? Por quê? Precisa de alguma coisa? — Eu quero sair daqui! — Calma, senhorita! Não adianta gritar. Infelizmente, tenho ordens rigorosas para não a deixar sair do quarto, sob pretexto nenhum. Devo apenas atender suas necessidades, providenciar tudo o que deseje, sem permitir que abandone este quarto. — Isto é ridículo! Eu quero falar com meu embaixador! — Acho melhor, então, esperar um pouco, até que Pierre Nonchant apareça por aí. Eu nada posso fazer por você. Com um sorriso irônico, o homem voltou a sair, trancando mais uma vez a porta com a chave. Furiosa, Anna — 14 —
Galinka atirou uma jarra contra a porta, com um grito de raiva.
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CAPÍTULO PRIMEIRO Um desaparecimento misterioso Os dois homens estavam sentados diante de uma mesa redonda, em sofás circulares. A luz difusa dava ao ambiente um ar de intimidade cúmplice, como se situações escusas pudessem ser desenvolvidas ali. Na frente dos dois homens havia copos com bourbon e um cinzeiro redondo, de vidro. Uma música ambiente inundava o local, agradável. — Jornalista soviética? — perguntou o mais jovem. — Aparentemente, apenas isso. No entanto, temos motivos para crer que sua missão, nos Estados Unidos, não é apenas a de observar, como repórter, a evolução de nossas pesquisas científicas. — Entendo, mister Lattuada. O que mais ela está fazendo em nosso país? — Não temos certeza. Mas é alguma coisa relacionada com espionagem e ciência. Só assim se justifica sua presença. Você sabe que Moscou não faz nada ao acaso. E a pressão que exerceram sobre Washington para permitir a entrada e permanência de Anna Galinka no país é, no mínimo, suspeita. — Assim mesmo, Washington permitiu... — Tinha que permitir, Horace. Moscou alegou que se tratava da retribuição à visita que os americanos Henri Gris e William Dick fizeram recentemente à União Soviética — 16 —
para escrever sobre o desenvolvimento das pesquisas parapsicológicas russas. — Estou lembrado desses dois jornalistas. Escreveram um livro sobre as mais recentes descobertas psíquicas na União Soviética, não foi? — Exatamente. Com base nisso, os russos pediram autorização para Anna Galinka observar, escrever e fotografar o que quisesse sobre o avanço da ciência nos Estados Unidos. Horace Young Kirkpatrik chupou o aromático cigarro e sorveu um gole de bourbon. Tinha trinta e quatro anos, cabelos louros, levemente encrespados na nuca, e olhos cinzentos, de brilho metálico. Seu corpo atlético estava metido num conjunto esportivo de cor bege, que combinava admiravelmente com o tom bronzeado de sua pele. — E acredita-se, então, que ela traz outra missão, além da que oficialmente revelou. É isso? — Exato. Só que o imprevisto aconteceu. — O imprevisto? Mr. Lattuada, chefe do Departamento 77, da CIA, acendeu nervosamente um cigarro e apoiou os cotovelos sobre a mesa. — Anna Galinka desapareceu esta manhã. — Desapareceu? — É verdade. Desde o começo ela vinha sendo vigiada por homens que se revezavam para não atrair suspeitas. Esta manhã, Anna Galinka recebeu um convite para assistir a uma experiência científica, no laboratório particular de Pierre Nonchant. Não foi mais vista, tendo iludido a vigilância de nosso homem. — Que laboratório é esse? — Pierre Nonchant é um canadense naturalizado norteamericano. Sua especialidade nunca foi muito bem — 17 —
esclarecida. É um cientista de trabalho diversificado, trabalhando com cibernética e parapsicologia, ao mesmo tempo. Nunca nos preocupou muito, porque suas pesquisas raramente foram coroadas de êxito. Por isso mesmo Washington lhe negou apoio financeiro. Ultimamente, nada se tem comentado sobre seu trabalho. — E Anna Galinka foi convidada por ele? — Exato. Não interferimos porque não achamos que ele tivesse alguma coisa interessante para lhe mostrar. No entanto, ela não voltou a aparecer. — Deve estar no laboratório de Nonchant, eu acho... — Provavelmente. Acontece que ela tinha dois compromissos importantíssimos esta tarde, com dois cientistas americanos. Não compareceu. O representante soviético pro- curou-nos, exigindo que a localizássemos. — Pode não haver nada estranho nisso tudo. — Pode. Mas acredito que os compromissos de Anna Galinka esta tarde eram importantes demais para que ela deixasse de comparecer, por causa de uma hipotética experiência de Pierre Nonchant. Alguma coisa mais importante a reteve. E talvez contra sua vontade. Ou, quem sabe, talvez faça parte de sua outra missão. — Você tem muita certeza dessa missão secreta de Anna Galinka, não tem, mister Lattuada? — Tenho. Não há outra justificação para o interesse de Moscou em enviar aos Estados Unidos uma pessoa como Anna Galinka. — Bom, vamos supor que esteja certo, chefe. O que é que Pierre Nonchant pode ter a ver com isso? — Isso será você quem irá descobrir, Horace. Trouxe comigo o dossiê de Pierre Nonchant e tudo o que sabemos sobre Anna Galinka, por sinal uma bela mulher de vinte e sete anos. — 18 —
— Estou então, oficialmente, designado para essa missão? Preciso descobrir o que aconteceu com Anna Galinka e o que é que há por detrás dessa inocente viagem jornalística. Certo? — Certo, Horace. É claro que tudo deve ser feito com a maior discrição. Os russos estão de olho em Anna Galinka e não perderão uma chance de nos pisar os calcanhares. Kirkpatrik, presidente da K.K.K. Steel, Ltda., um dos maiores consórcios de aço do mundo, playboy dos mais solicitados no jet set internacional, sorriu e assentiu com a cabeça. A partir desse instante voltava a ser o agente 77Z, o temido espião fora de série da CIA, além do misterioso Máscara Negra, ao serviço do DCA (Department of Couvert Activities), ramo supersecreto da CIA. *** Anna Galinka pulou da cama quando a porta do quarto se abriu. Ficou sentada, vendo como a folha de madeira era afastada para o lado e a garota se inclinava diante dela. — Boa-noite, Anna. Meu nome é Sue Prince e sou mulher de Pierre. — O que é que você quer aqui? — perguntou Anna, desabridamente. — Calma, minha querida. Vim apenas buscá-la para o jantar. Pierre e os outros convidados estão nos esperando no salão. — Não quero jantar! O que eu quero mesmo é sair desta casa maldita e apresentar queixa contra seu miserável marido! Será que não entendem que não têm o direito de me manter prisioneira, aqui?
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— Você não está exatamente prisioneira, Anna. E gostaria que fôssemos amigas. Poderei ajudá-la muito, se confiar em mim. A soviética olhou atentamente a garota que, apesar do seu aspecto, dificilmente ocultava sua pouca idade. — Jamais poderia ser sua amiga, Sue. O que seu marido está fazendo comigo é indigno de qualquer pessoa civilizada. Só é possível acontecer num país de loucos, de liberdades excessivas e descontroladas como o seu! Sue ficou silenciosa, sorrindo amavelmente, enquanto a soviética desabafava sua raiva sobre ela. — Vocês vão se arrepender do que estão fazendo comigo! Isto é um crime monstruoso! Uma barbaridade, inadmissível em qualquer sociedade que se preze... Calou-se de repente. Sue continuava imóvel, sorrindo com amabilidade, sem se irritar com a verborreia da outra. — Sente-se melhor agora, Anna? — perguntou finalmente a garota. — Já desabafou o bastante? Posso acrescentar que tem todo o direito de ficar indignada. Porém, peço-lhe que tenha um pouco de paciência. A experiência de que vai participar... Anna levantou-se, furiosa. — Já disse para Nonchant que não participarei de experiência nenhuma! — Seu medo é também compreensível, Anna. Mas garanto-lhe que não existe perigo algum, pois eu mesma participei diversas vezes das experiências de Pierre e nada me aconteceu, como vê. — Não estou com medo, Sue! — bradou a soviética. — Acontece que não tolero que pretendam me obrigar a fazer uma coisa que não desejo!
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— Mas é apenas uma experiência maravilhosa, Anna! Você verá, quando tudo terminar, que nada de ruim lhe aconteceu e que valeu a pena participar. — Tudo isso é ridículo! — exclamou a jornalista. — Eu até poderia participar dessa bendita experiência, se não fosse forçada, entende? — Claro que eu entendo, Anna. Mas tranquilize-se. Posso lhe explicar. Pierre receia que, deixando você sair daqui, agora, não volte mais e divulgue prematuramente o que ele pretende fazer. Os serviços oficiais podem querer impedir, fiscalizar o experimento ... E Pierre quer ser livre para negociar seu trabalho com o país que mais lhe convier. Entendeu? Anna Galinka ficou pensativa. A explicação de Sue Prince era lógica. Fazia sentido. Porém, não acreditava que uma experiência daquele tipo pudesse ser bem-sucedida. E sentia-se irritada por ser mantida ali, à força. — Pierre me parece muito inseguro dos resultados de suas experiências, pois do contrário não temeria a fiscalização oficial. — Não se trata disso, Anna. Em nosso país nem tudo é livre, como, aliás, acontece no seu. Certas descobertas têm que ser mantidas em segredo, para que os governos não se apoderem delas, entende? — Creio que sim. Mas poderiam ter me explicado tudo isso antes... Afinal, eu tinha dois importantes compromissos esta tarde e fui obrigada a faltar a eles, sem uma justificação. — Mais tarde poderá explicar, Anna. Agora vamos jantar. Os outros convidados estão esperando. — Quem são esses convidados? — Dois cientistas e uma cientista. Um deles é seu compatriota, o professor Boris Nakaev. O outro é um — 21 —
americano, de nome James Mullinger, e a cientista é Talita Finsky, uma húngara naturalizada americana. Eles participarão da experiência, juntamente com você. Anna Galinka tinha os olhos muito abertos, fitando a mulher de Nonchant. — Boris Nakaev? — Exatamente. Boris é nosso convidado especial, assim como você e os dois outros cientistas. Você já conhecia Boris? — Claro. Boris é um dissidente de meu país. Saiu de lá há alguns anos e pediu refúgio nos Estados Unidos. Só que nunca esperei vir a encontrá-lo em situação tão absurda. — Não é tão absurda assim... — Bom, não adianta mesmo ficar discutindo isso com você, não é, Sue? Como me parece que não tenho outra saída, vamos para esse jantar. Sue Prince sorriu, satisfeita. Como garantira a Pierre, acabara convencendo a renitente jornalista a aceitar a hospitalidade deles. Isso não significava que não tivessem problemas mais tarde, na hora da experiência, mas pelo menos no momento a partida estava ganha. — ótimo. Fico muito satisfeita por ouvi-la falar assim. Pode acreditar que não se arrependerá. A experiência é formidável excitante e tenho certeza de que você escreverá isso no seu jornal, mais tarde. Anna Galinka deu um sorriso torcido ajeitou o cabelo, diante do espelho.
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CAPÍTULO SEGUNDO O entusiasmo da viagem O jantar decorreu num silêncio quase absoluto. Apenas Pierre Nonchant falava, tentando de qualquer forma interessar os convidados. Porém, à parte Talita e James, que correspondiam de vez em quando às palavras do anfitrião, os dois restantes convidados mal falaram. O café e os licores foram servidos numa pequena saleta e Boris Nakaev sorriu timidamente quando Anna Galinka se sentou ao lado dele. — É bom ter uma compatriota junto de nós — murmurou o cientista. — Ainda que estejamos separados por muitas milhas de ideologia e maneira de ver a vida. — Talvez não seja tanto assim, camarada Boris — sorriu a garota. — É... talvez. De qualquer forma, preferia que você não me tratasse de camarada. Sabe, isso me traz recordações que pretendo evitar, fatos de minha vida que desejo esquecer. — Como quiser, professor Nakaev — ripostou a jornalista, com maior formalidade. — Também não precisa exagerar, não é, minha jovem amiga. Pode me chamar de Boris apenas. Ficarei muito feliz se me permitir tratá-la por Anna. — Claro, Boris. Neste momento, não somos dois extremos ideológicos, como talvez fôssemos noutras — 23 —
circunstâncias. Seremos apenas dois compatriotas, juntos numa mesma experiência absurda, comandada por um louco. Anna falou alto o bastante para ser escutada por Pierre Nonchant. O canadense olhou-a com um sorriso irônico, antes de perguntar: — Não haverá algum jeito de você me conceder um pequeno voto de confiança, Anna? — Não, Nonchant. Desde o começo que eu fiz questão de deixar minha posição bem clara. Considero isto um atentado a todas as normas de civismo e moral, só possível num país de loucos e libertinos como este. Não quero participar dessa absurda experiência e, se o fizer, será forçada. Aliás, não entendi ainda como um homem gabaritado como o professor Nakaev se dispõe a participar de uma coisa dessas... — Não acho que seja tão absurdo assim, Anna — murmurou o cientista. — Nonchant me explicou sumariamente o sistema que espera utilizar e pode funcionar. Não custa tentar, não acha? A jornalista encolheu os ombros. Apesar das palavras do cientista, alguma coisa lhe dizia que ele não acreditava no que dizia. De alguma forma estava sendo obrigado a participar naquela loucura. — Minha especialidade é a psicobiofísica, Anna — interveio Talita Finsky, a cientista húngara. — Estudei em Budapeste e consegui emigrar para os Estados Unidos há seis anos, quando estava com vinte e dois. E, dentro daquilo que tenho estudado e desenvolvido, devo acrescentar que o processo do professor Nonchant tem muitas probabilidades de funcionar. E eu, de certa forma, me sentirei honrada de participar desse estudo pioneiro.
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— É uma questão de opinião, doutora Finsky — retrucou Anna Galinka, de mau humor. — Não creio que haja motivo para nos hostilizarmos, Anna. E pode me chamar de Talita. Afinal, vamos ser companheiras de viagem. Anna compreendeu que tinha se excedido e tentou sorrir. James Mullinger aproximou-se e murmurou: — Acho que temos o dever de nos conhecer melhor, senhorita Galinka. Sou cientista também, especializado em biologia. Aceitei o convite do professor Nonchant porque sua teoria me fascina. Não vejo como ele poderá concretizar esse sonho milenar de viajar no tempo, por meio de máquinas, mas demonstrou uma confiança tão absoluta nos seus métodos que eu me senti empolgado. E, se realmente conseguir, quero estar presente para testemunhar esse momento histórico. Anna observou James Mullinger com atenção. Devia ter uns cinquenta anos f os olhos cinzentos brilhavam com intensidade, por detrás das lentes montadas em aros de metal. Tinha a testa alta, inteligente, e tudo nele revelava o homem equilibrado, sensato, frio por força de sua profissão. A incerteza quanto à honestidade do experimento de Pierre Nonchant começava a vacilar na bela jornalista soviética, diante do entusiasmo dos cientistas que seriam seus companheiros de viagem. E, se no final tudo desse certo, talvez ela conseguisse levar o invento até as mãos de seus compatriotas, em Moscou. Para ela seria um trunfo espetacular. Por outro lado, tinha certeza de que Nonchant queria que ela assistisse e participasse precisamente por ser soviética e poder testemunhar, em Moscou, sobre o que havia acontecido.
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— Vocês acabam me contagiando com esse entusiasmo — murmurou. — No entanto, continuo ainda convencida de que se trata de um sonho visionário de um louco. — Isso quer dizer que aceita participar da experiência, sem causar problemas? — perguntou Sue Prince, ansiosa. — Digamos que minha curiosidade profissional venceu a sensatez e que estou disposta a me certificar de que estava com a razão. — Mas isso é ótimo, minha querida Anna! — interveio Nonchant, aproximando-se, sorridente. — Eu tinha muitas esperanças de que você acabaria concordando em colaborar. Verá que não se sentirá defraudada. A experiência será empolgante. — Quando será essa famosa experiência afinal? — perguntou a jornalista. — Dentro de duas horas — disse o canadense, consultando o relógio. — Por isso sugiro que vão para seus quartos e tentei repousar. É de toda a conveniência que tensão seja mínima, no momento em que se sentarem no meu sofá. *** Kirkpatrik apertou o botão da campainha da casa de campo de Pierre Nonchant e esperou. Três minutos depois, um home apareceu pela esquerda, aproximando-se do portão. — O que é que você quer? — Falar com Pierre Nonchant. — Tem muita gente que está querem o mesmo, amigo. O que é que deseja dele? — Você é alguma espécie de irmão? Ou é o próprio professor Nonchant, disfarçado de porteiro? — 26 —
O homem fez uma careta de indignação e passou as mãos pelas grades do portão, agarrando o agente fora de série da CIA pela lapela do paletó esporte. — Se tem cara no mundo que eu não suporto é o engraçadinho, companheiro! — grunhiu o homem, puxando o rosto de Kirkpatrik contra as grades. — Eu também não, amigo! Kirkpatrik não tinha perdido o sorriso zombeteiro. Meteu por sua vez as mãos por entre as grades e aplicou um golpe seco, com a ponta dos dedos, rígidos, nos rins do porteiro. O homem gemeu e abriu muito a boca, soltando imediatamente o louro playboy. Dobrou-se para diante, procurando o ar que lhe faltava, o rosto congestionado. Lentamente foi-se endireitando, com uma máscara de ódio no rosto animalesco. Deu alguns passos na direção de uma guarita à direita do portão e apertou um botão, ao mesmo tempo que empunhava uma pesada corrente de ferro. Enquanto o portão deslizava sobre pequenas rodas, comandado eletronicamente, o guarda rosnou, avançando para o agente fora de série: — Ninguém faz uma coisa dessas com Bud e fica rindo para o contar, companheiro! Vou quebrar seu esqueleto em mil pedacinhos!
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CAPÍTULO TERCEIRO Um porteiro inconveniente Kirkpatrik ficou sério de repente, olhando com atenção o porteiro que se aproximava. O homem trazia a corrente pendurada, balançando ameaçadoramente. — Você vai se arrepender, companheiro! — grunhiu de novo o porteiro. O agente fora de série ficou tenso, as pernas levemente abertas, os pés bem fincados no chão. O homem ergueu a corrente acima da cabeça, volteou-a como se fosse um arco e a grossa cadeia de ferro cortou os ares com um silvo sinistro, em direção ao corpo de Kirkpatrik. O louro agente da CIA saltou agilmente para trás e a corrente encontrou apenas o vazio. Furioso, o porteiro voltou ao ataque, dessa vez lançando a corrente por baixo, procurando o baixoventre do adversário. De novo o agente fora de série da CIA se esquivou, iludindo o ataque de Bud. Impulsionado pelo peso da corrente, Bud girou para a esquerda, desguarnecendo suas defesas por alguns instantes. Foi o suficiente para que Kirkpatrik, com um salto prodigioso, ficasse a menos de um metro dele, castigando-o severamente no fígado. Bud dobrou-se para a direita, soltando um grito de dor. Levantou a corrente, num gesto instintivo de defesa. A pesada cadeia de ferro enrolou-se no antebraço de Kirkpatrik, que puxou com força. Apanhado — 28 —
de surpresa, Bud foi arrastado para diante. No caminho encontrou um inesperado joelho, que se esmagou contra seu rosto bestial, fazendo-o lançar um verdadeiro urro de fera. Endireitou-se com dificuldade, justamente a tempo de receber um potente gancho de esquerda no maxilar inferior. Saltou para trás como se tivesse sido impulsionado por uma mola e caiu de costas contra o muro que sustentava o portão. Sacudiu a cabeça, com o ódio estampado no rosto ensanguentado, e avançou como uma locomotiva desgovernada, ao encontro de Kirkpatrik. O agente fora de série, dono da situação, esperou-o de pés bem fincados no chão, punhos em riste e o corpo levemente dobrado para diante. Bud teve a sensação de haver chocado com uma parede de concreto. E o pior era que essa parede tinha punhos de ferro, que lhe castigaram o rosto e o estômago impiedosamente. Sentiu o ar escapar de seus pulmões e um gosto adocicado na boca. O sangue morno escorreu-lhe dos lábios e essa foi a última sensação que teve antes de mergulhar num abismo sem fundo. Kirkpatrik respirou fundo e ajeitou o paletó e os cabelos. Logo se abaixou e, agarrando o porteiro pelos sovacos, arrastou-o para a guarita, onde o deixou encostado. Fechou o portão, apertando o comando eletrônico, o deixou a corrente enrolada no pescoço de Bud. Com um sorriso zombeteiro afastou-se em direção à casa, a uns duzentos metros do portão. Estava subindo a pequena escadaria que levava à porta de entrada quando ela se abriu e surgiu um mordomo, vestido impecavelmente de negro, com camisa branca. — Pois não, cavalheiro? — perguntou o mordomo, empertigado, tentando ver sobre o ombro de Kirkpatrik, na direção do portão. — Está procurando Bud, amigo? — 29 —
— Ele devia estar no portão e... — Ele está no portão, amigo. Acontece que eu acho que ele tem trabalhado demais e está dormindo um pouco. — E quem abriu o portão? — Um passarinho que teve pena de mim. O mordomo endireitou-se, escandalizado, e seu rosto coloriu-se de vermelho. — O que é que o senhor quer aqui? — Falar com o professor Nonchant. — Tem entrevista marcada? — Entrevista? — O professor é uma pessoa muito ocupada. E, a esta hora, deve estar no laboratório. Kirkpatrik olhou para o céu estrelado e sorriu: — O professor trabalha de noite? — O professor Pierre Nonchant trabalha a qualquer hora, cavalheiro! Receio que ele não vá poder atendê-lo agora. Se quiser deixar seu nome e o número de telefone, ele terá muito prazer em marear uma entrevista noutro dia. Kirkpatrik estava perdendo a paciência, apesar do caricato mordomo, que se endireitava como um bambu em tarde sem vento. — Escute, amigo. Vá lá dentro e diga para o professor que meu nome é Kirkpatrik. Horace Kirkpatrik. Sou a pessoa encarregada de orientar a senhorita Anna Galinka, numa visita a um de meus laboratórios, para observação de nosso trabalho científico. — Você é cientista? — Não, amigo. Eu sou milionário. O laboratório a que me referi é meu. Mas eu não trabalho lá. A atitude do mordomo mudou ligeiramente.
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— Queira entrar, por favor, mister Kirkpatrik. Não acredito que o professor possa atendê-lo agora, mas vou anunciá-lo, de qualquer modo. Afastou-se para o lado, permitindo a entrada de Kirkpatrik, que passou com um sorriso irônico no rosto másculo. — Pode aguardar na biblioteca. Voltarei num minuto. Guiou o visitante até uma suntuosa biblioteca, à esquerda do átrio principal, e retirou-se com uma pronunciada vênia. Kirkpatrik observou as estantes carregadas de livros, sobre os mais diversos assuntos. Acendeu um cigarro e sentou-se numa poltrona. Cinco minutos mais tarde, a porta da biblioteca abriu-se de novo e Pierre Nonchant entrou, sorridente. — Boa-noite, mister Kirkpatrik. Charles, meu mordomo, me disse que o senhor fazia questão de falar comigo. Kirkpatrik levantou-se e observou o canadense. — Charles estava com a razão, professor. Eu faço questão de falar com o senhor. — Muito bem. Como Charles deve tê-lo prevenido, sou uma pessoa extremamente ocupada. Mas antes de irmos diretos ao ponto, gostaria de lhe fazer uma pergunta: como chegou até aqui? Bud devia estar no portão e, antes de autorizar a entrada de quem quer que seja nesta casa, ele deve comunicar-se comigo, através do telefone da portaria... Kirkpatrik sorriu e deu alguns passos pela biblioteca. — Bud não é muito inteligente, professor. Não tem senso de humor e tentou responder a uma frase espirituosa com uma agressão assassina. — Agressão assassina? — 31 —
— Exato. A menos que ele estivesse pensando apenas em me acariciar com a pesada corrente de ferro com que tentou me agredir... — É absurdo, isso! — Concordo! Não se trata propriamente de uma maneira ortodoxa de receber uma visita. Bom, mas isso já passou e eu só espero que, quando Bud despertar, não me guarde rancor. Pierre Nonchant apertou os dentes e tentou controlar a sua irritação. — Bud deve ter se descontrolado. Não consigo entender esse procedimento. Espero que o senhor aceite minhas desculpas. — Não se preocupe com isso, professor. Afinal, Bud não chegou sequer a me tocar. E um pouco de exercício faz bem de vez em quando. Nonchant engoliu em seco e indicou uma poltrona: — Sente-se, por favor. Charles me disse que o senhor declarou ser milionário, dono de um laboratório científico onde a senhorita Anna Galinka deveria ter assistido a uma experiência, ou coisa semelhante. — De certa forma. A senhorita Galinka tinha um compromisso conosco e não compareceu. Por isso tentei saber onde ela estava, para descobrir o que tinha acontecido. — E soube que ela estava aqui? — Bom, o dinheiro é uma mola poderosa, professor. Alguém me informou que ela havia recebido um convite do professor Pierre Nonchant esta manhã e que não tinha regressado. Será que posso conversar com ela? — Receio que não. — Foi embora, já? — Não. Mas a senhorita Galinka está descansando, neste momento. Ela participará de uma de nossas — 32 —
experiências dentro de pouco mais de uma hora e preferiu repousar um pouco, após o jantar. — Muito interessante. Posso saber que tipo de experiência ela vai observar? Não creio que haja possibilidade de concorrência. Meu laboratório está unicamente interessado, neste momento, em um novo tipo de aço temperado, muitas vezes mais resistente e mais leve do que o aço comum. Não sei se sabe, mas eu sou presidente da K.K.K. Steel, Ltda.... Os olhos de Nonchant brilharam mais intensamente. — O consórcio do aço? — perguntou, curioso. — Justamente. E estamos interessados em levar nosso produto até a União Soviética. Daí nosso interesse em que a jornalista de Moscou assista aos nossos trabalhos. — Compreendo. O senhor gostaria de assistir à nossa experiência? Kirkpatrik sorriu suavemente. — Seria bastante interessante, sem dúvida. No entanto, não quero que pense que... — Por favor, mister Kirkpatrik! — escusou-se o cientista. — O senhor será meu convidado. — Nesse caso... O canadense sorriu de forma enigmática, chegando a chama de um fósforo ao charuto que tinha entre os lábios.
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CAPÍTULO QUARTO A experiência espantosa Tudo estava preparado para a incrível experiência. No laboratório de paredes brancas e nuas, viam-se apenas alguns aparelhos sofisticados, um conjunto que lembrava um computador, uma mesa de controle e, no centro da sala, uma estrutura de acrílico, com um sofá anatômico. A estrutura estava ligada a diversos aparelhos na sala. Era cilíndrica, com porta de correr, igualmente de acrílico. Kirkpatrik acompanhou o canadense até um posto de observação, sobranceiro à sala, e ocupou a poltrona que o outro lhe indicou. — A senhorita Galinka, acompanhada por três cientistas, ocupará, dentro de alguns minutos, aquele sofá, na cabina. Então terá início a experiência. — Que tipo de experiência? — Uma viagem no tempo! O sonho de todos os cientistas! — Isso é impossível, professor! — exclamou o agente fora de série da CIA. — Não tanto como o senhor imagina, meu amigo — sorriu Nonchant. — Durante muitos anos aperfeiçoei meus estudos, tentando chegar à fórmula ideal. E acabei conseguindo-o. Expliquei sumariamente ao professor Boris Nakaev do que se tratava e ele ficou empolgado, pedindo— 34 —
me para participar dos testes. O mesmo aconteceu com a doutora Talita Finsky e com o professor James Mullinger. Todos três são cientistas e acharam viável a experiência. Depois me lembrei de convidar Anna Galinka, como jornalista de ciência, para que participasse também e pudesse, dessa forma, contar suas impressões em letra de forma. Você será o único observador externo, Kirkpatrik. — Sua atenção me honra, professor. Nesse momento, uma porta à esquerda do laboratório abriu-se e quatro pessoas entraram. Logo as seguiram mais duas. Estas últimas eram, sem dúvida, guardas, pois adotaram uma postura de vigilância, um de cada lado da porta. — Aí estão meus convidados, que participarão da experiência. A que vem na frente é a doutora Talita Finsky. Atrás vêm James Mullinger, Anna Galinka e Boris Nakaev. Kirkpatrik inclinou-se mais para a frente, interessado. — Quer dizer que eles vão entrar naquela cabina e efetuar uma viagem no tempo? — Exatamente. Seus corpos se desintegrarão, para se materializarem no ano de 2320, quase três séculos e meio adiante da nossa época. — Desculpe a pergunta, professor. Mas a viagem é segura? Isto é, há garantia total de que poderão regressar, no caso de seu processo funcionar? — Garantia absoluta, meu bom amigo. Não fique preocupado. Acontece que apenas os traremos de volta dentro de vinte e quatro ou quarenta e oito horas. — Por que isso? — Questões técnicas, Kirkpatrik. Depois que eles partirem, todo o sistema será reprogramado para os trazer de volta. Isso demora. — 35 —
— Compreendo. E se, por acaso, eles estiverem correndo perigo, durante esse tempo? — Terão que enfrentá-lo sozinhos. Não existe forma de se comunicarem conosco. Eles só voltarão a nos ver ou ouvir quando forem trazidos de volta. Kirkpatrik estava tenso. Não acreditava na veracidade da experiência. Tudo aquilo lhe soava a uma farsa monstruosa, cujo objetivo não conseguia entender. O mais intrigante era a presença dos cientistas, na cabina do tempo. Lembrava uma história de ficção científica, das mais fantasiosas. Não desmereceria H. G. Wells... *** Anna Galinka observava tudo com atenção. Sua mente jornalística ia registrando os menores detalhes. Uma espécie de euforia estava tomando conta dela, à medida que se aproximavam da cabina transparente. E se aquela palhaçada desse certo? Dois técnicos, vestindo batas brancas, aproximaram-se da cabina de acrílico e, apertando um botão na base, fizeram deslizar silenciosamente a porta. — Por favor — convidou o técnico, apontando o sofá. Os quatro participantes da experiência entreolharam-se, receosos. Boris Nakaev observou o salão, como se estivesse se despedindo. Também Anna Galinka, que sentia as mãos úmidas, contemplou o que a rodeava como se fosse a última vez. Os quatro integrantes do grupo que iria viajar no tempo fixaram sua atenção no posto de observação onde se encontravam Kirkpatrik e Nonchant. O canadense ergueu a mão numa saudação muda e sorriu confiante. Talita Finsky e James Mullinger sorriram de volta. A jornalista soviética
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e o cientista ficaram sérios, tensos. Foi James Mullinger quem primeiro tomou assento no sofá experimental. Com um suspiro, Boris Nakaev seguiu-o, tomando lugar ao lado dele. Logo foi a vez de Anna Galinka e, por último, Talita Finsky, com um sorriso discreto. O técnico seguiu-os e regulou alguns controles, na parte superior da cabina. Uma espécie de emissor de raios laser apontava diretamente para o grupo sentado, tenso, dois outros monitores laterais foram ajustados também. Finalmente, o técnico deixou a cabina, depois de reclinar o encosto do sofá. Apertou mais uma vez o botão da base e a porta da cabina fechou-se devagar. Os técnicos ocuparam seus postos junto da aparelhagem e num painel sobre a cabina começou a aparecer a numeração da contagem regressiva. Faltavam cinquenta e três segundos para o começo da operação. Uma luz intensa, azulada, saiu do emissor que se encontrava no teto, inundando o interior da estrutura de acrílico. Imediatamente os dois emissores laterais lançaram jorros de luz alaranjada pela esquerda e vermelha viva pela direita. Lentamente, as luzes foram mudando de cor, até se tornarem totalmente brancas, quase opacas. Os corpos dos quatro participantes deixaram de ser vistos aos poucos, como se uma nuvem gasosa os envolvesse. Quando faltavam doze segundos para o auge da operação, toda a estrutura se apresentava intensamente branca, não sendo mais possível distinguir nenhum dos seus ocupantes. E os segundos continuaram escoando-se, inexoravelmente. Sete, seis, cinco, quatro... Uma luz intermitente acendeu-se sobre a cabina. Três, dois, um... A luz intermitente aumentou subitamente de volume e os emissores laterais deixaram de funcionar. Imediatamente aconteceu o mesmo com o emissor do teto. Aos poucos, — 37 —
enquanto o contador de tempo continuava marcando, agora em contagem progressiva, a espécie de névoa que enchia o interior da cabina foi-se dissipando. O ambiente era tenso, de expectativa. Os técnicos continuavam atarefados, movendo botões, apertando teclas. Um zumbido suave encheu o salão, logo decrescendo. Por alguns minutos, apenas as bobinas do computador, rodando vertiginosamente para um lado e para outro, se escutavam no laboratório. *** Com os olhos muito abertos, espantado e desconfiado, Kirkpatrik olhava o interior da estrutura de acrílico. A nuvem de vapor tinha desaparecido. O sofá estava no mesmo lugar. Vazio... Pierre Nonchant, exibindo um sorriso triunfante, voltou-se para o agente fora de: série da CIA e perguntou: — O que achou da experiência?
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CAPÍTULO QUINTO Perdidos no tempo Anna Galinka esfregou os olhos, confusa. Acabava de acordar de uma espécie de sonho e, à sua volta, tudo parecia girar ainda. Assim que a névoa colorida começara a entrar na cabina, uma estranha euforia tomara conta dela, como se estivesse a ponto de descobrir alguma coisa sensacional. Logo o mundo pareceu girar loucamente e mergulhou numa espécie de torvelinho, perdendo os sentidos. Lembrava-se ainda da sensação de rodopio ser geral, pois seus companheiros de viagem se haviam agarrado freneticamente ao sofá, para não caírem. Depois viera a escuridão total e agora, ao despertar, sua primeira impressão era de deslumbramento. Encontrava-se numa espécie de planície não muito extensa, limitada por altos muros de verdura que subiam até uns seis ou sete metros do chão. Junto dela, espalhados nas posições mais incríveis, encontravam-se os demais companheiros de viagem, ainda desacordados. James Mullinger estava voltando a si. O americano sacudiu a cabeça e levantou-se penosamente, olhando em volta. Viu Anna e sorriu, com esforço. — Você está bem, Anna? — perguntou James Mullinger.
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— Acho que sim. Apenas um pouco tonta e... apavorada. — Eu também me sinto assim. É uma impressão curiosa, não acha? — Preocupante. Onde é que nós estamos? — Não faço a mínima idéia. O mais sensato, em minha opinião, é acordarmos Talita e Boris, para fazermos um reconhecimento do terreno. — Concordo. Inclinaram-se sobre os corpos dos dois cientistas e sacudiram-nos levemente. Boris Nakaev foi o primeiro a despertar, sacudindo a cabeça e esfregando vigorosamente os olhos. Talita acordou também, sentando-se no chão. — Como é que vocês estão se sentindo? — perguntou James Mullinger. — Meio enjoada — respondeu Talita. — Mas parece que não quebrei nenhum osso. — Eu me sinto razoavelmente bem — murmurou o cientista russo. Nakaev e Talita levantaram-se e sacudiram a poeira das roupas. O chão era coberto, parcialmente, por uma poeira esbranquiçada, lembrando cinza. James Mullinger aclarou a voz e disse, solenemente: — Sejam bem-vindos aos anos de 2320, amigos! Anna sentiu um arrepio percorrê-la de alto a baixo. — Você acha mesmo que a experiência de Nonchant foi bem-sucedida? Mullinger sorriu e respondeu: — É muito cedo para dizermos se ele acertou completamente na experiência. Porém, me parece que, pelo menos, ele conseguiu nos tirar de 1979... Não faço idéia do local e da época em que nos encontramos, mas de uma coisa
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eu tenho certeza. Não estamos no mesmo lugar de onde saímos. — Isso me parece evidente — sorriu Talita. — O que acham de tentarmos descobrir onde nos encontramos? — Acho que é o caminho mais sensato. Começaram a andar, lentamente, olhando bem onde punham os pés antes de darem cada passo. De repente, o cientista americano soltou uma exclamação abafada e inclinou-se para diante, apanhando alguma coisa do chão. — Vejam! O que poderá ser isto? Exibiu um cilindro fechado de metal, que Boris pegou com emoção. — Deixe-me examinar isso, por favor. O cientista russo ficou analisando o pequeno cilindro por alguns instantes. Por fim, ganhando coragem, conseguiu abrir a tampa rotativa, revelando a existência de um emaranhado de fios de diversas cores. — Faz idéia do que seja isso, professor Nakaev? — perguntou James, ansioso. — Eu diria que se trata de um transistor de computação. No entanto... — Transistor de computação? — Exato. Não faz muito tempo, quer dizer, em relação a 1979, um colega nosso estava trabalhando num modelo transistorizado revolucionário de minicomputador. E me lembro de ter visto um componente idêntico a este. — Você acredita mesmo, professor Nakaev, que isso pode ser de uma época posterior a 1979? — perguntou, espantada, a jornalista soviética. — Não sei o que pensar, Anna. Estou confuso. Pessoalmente, nunca acredite: muito que Nonchant pudesse realizar com êxito uma viagem através do tempo. No entanto... — 41 —
— Mas você concordou em participar da experiência... — Não tinha outro remédio. Nonchant era um louco, um ser cruel. Minha filha Nadia estava em poder dele. Se eu não participasse, ele poderia tentar alguma coisa contra ela. A jornalista tinha os olhos muito abertos. — Chantagem? — De certa forma, sim. Mas isso não importa. Espero que ele consiga nos levar de volta a nossa época, se realmente a experiência teve sucesso, e deixar minha filha em paz. — Aparentemente não estamos em 1979 — interveio Mullinger. — Eu diria que nos encontramos muito avançados no tempo, em relação a 1979 — comentou Talita. — Vejam o tipo de vegetação existente nessas paredes naturais. Não era muito comum, em nossa época. Pelo menos que eu me lembre. Mullinger observou as formações vegetais e assentiu com a cabeça. — Não me lembro muito bem, mas creio que essa espécie de vegetais se encontrava em vias de extinção em quase todo o globo. No entanto, parece que eles crescem aqui com uma liberdade e abundância espantosas. Outro problema, no entanto, preocupava Anna, nesse momento: — Talita — murmurou. — Você sabe que eu fui literalmente forçada a participar desta experiência. Pelo que acabamos de ouvir, Nonchant também exerceu uma chantagem abominável sobre Boris Nakaev, para o obrigar a participar. E você? — Bom, o meu caso é mais complexo. Como vocês sabem, sou húngara, oriunda de Budapeste. Consegui a — 42 —
naturalização norte-americana e teria vivido em paz se Pierre Nonchant não tivesse descoberto certos detalhes de minha existência que poderiam me comprometer. Creio que, de uma forma ou de outra, acabamos todos sendo vítimas de uma chantagem. No entanto, acho que não lamentaremos isso, depois dos resultados desta experiência. — Talvez tenha razão — murmurou a jornalista. — Mas, de qualquer maneira, não posso ficar tranquila. De repente, a tranquilidade que parecia reinar na estranha planície foi quebrada por um silvo agudo e a cerca de vinte metros do pequeno grupo abriu-se uma cratera fumegante. — Meu Deus! — bradou Mullinger. — O que terá sido isso? — Não imagino — murmurou Boris Nakaev. — Porém, diria que alguém está atirando em nós, usando uma espécie de lançador de raios laser. Talita empalideceu. — Estaremos em perigo? O que vamos fazer? Nonchant disse que só nos poderia levar de volta entre vinte e quatro a quarenta e oito horas depois de partirmos... — Calma, Talita — tranquilizou-a James Mullinger. — Não podemos perder a cabeça. Pode nem ter sido um ataque. Estamos muito excitados e... Dessa vez o raio de fogo feriu a terra a menos de dez metros do grupo. Um tercei- ro disparo atingiu o chão mais perto ainda. Puderam ver que o ataque vinha de uma abertura na parede lateral esquerda. — Depressa! Corram para aquele lado! — gritou Mullinger, empurrando Talita para a esquerda. A pouca distância havia uma pequena colina e os quatro viajantes do tempo correram para lá. Sentiram novos disparos, agora mais próximo e só respiraram aliviados — 43 —
quando entre eles e os misteriosos atacantes ficou o morro verdejante... — Vejam! Uma gruta! — exclamou Anna Galinka, que seguia na frente. Na verdade, uma abertura circular, de cerca de um metro e meio de diâmetro, apareceu diante deles. Estava escuro no interior da gruta. — Vamos nos esconder aí — decidiu Mullinger, que parecia ter tomado tacitamente o comando do grupo. — Será seguro? — Não é hora para pensar nisso, Boris. Estão nos atacando pela retaguarda e, se não nos protegermos, acabarão nos caçando com essa espécie de raios desintegrado- res. Vamos entrar! Ele mesmo tomou a dianteira, começando a descer a ladeira que nascia na entrada da gruta. Tinha tirado uma espécie de lapiseira do bolso e apertou um botão, revelando que se tratava, afinal, de uma mini-lanterna portátil, de luminosidade razoável. Com isso puderam ver que continuavam descendo por uma espécie de corredor de paredes lisas, de pedra. O corredor curvava-se para a esquerda uns dez metros abaixo tornando-se quase horizontal. Ali a passagem era mais ampla e o chão mais rugoso, como se tivesse existido naquele lugar alguma escada corroída pelo tempo. Talita seguia logo atrás de Mullinger e Anna segurara instintivamente a mão de Boris Nakaev. — O que encontraremos aqui dentro, Boris? — perguntou a jornalista, receosa. — Não faço a mínima idéia, minha querida Anna. Mas pode ter certeza de que em breve ficaremos sabendo. Continuaram avançando, em silêncio. De repente, Mullinger deteve-se e apontou a lanterna para o chão. — 44 —
— Vejam! Tem alguma coisa brilhando, ali no chão! Foi Talita quem se abaixou, apanhando um cartão metálico de forma retangular, com algumas inscrições em língua inglesa, a maior parte. À luz da lanterna, o grupo observou o estranho achado. — Não parece restar dúvidas de que se trata de uma espécie de calendário. Pelo menos, essa parte é compreensível. Porém, as inscrições laterais não são tão claras assim. A menos que... — O que é, professor? — É um calendário astronômico, o que está inscrito ao lado do calendário comum. — Um calendário astronômico? — Pela lógica, só pode ser. Há uma reprodução exata do nosso sistema solar, com os nomes dos planetas, sua passagem pelo espaço em relação à terra e ao sol, com datas gravadas. Reparem que essas datas vão ao extremo detalhe das horas, minutos e segundos... — Inacreditável! — exclamou Talita. — Mas creio que Boris está com a razão! Vejam, Júpiter, por exemplo, passará nesta faixa celeste, entre o sol e a terra, no dia 24 de março de 2003, às dezoito horas, trinta minutos e treze segundos. Não é isso que se pode ler, professor? Boris engoliu em seco, assentindo levemente com a cabeça. — Acho que você está certa, Talita. Estamos diante de um calendário espantoso. De que data será? — Vejamos o verso. Talvez tenha alguma coisa escrita — sugeriu Mullinger. Boris Nakaev assentiu e voltou o retângulo de cartão metálico. — É inacreditável! — exclamou.
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Todos puderam ler, no metal polido, algumas palavras aparentemente ininteligíveis. E, no final, em caracteres maiores, a inscrição de uma data: ANO DE 2318 D.C.
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CAPÍTULO SEXTO O calendário astronômico Kirkpatrik franziu a testa, olhando a estrutura de acrílico, onde o sofá se apresentava totalmente vazio. — O que aconteceu, Nonchant? — O que estava previsto, meu bom amigo — sorriu o canadense. — Nossos convidados encontram-se, neste instante, no ano 2320, como foi prometido. Isso se não houve nenhuma falha no sistema. Mas é fácil saber se tudo correu bem. Apertou um botão de interfone e a voz de um dos técnicos chegou até eles: — Pois não, professor Nonchant? — Tudo certo? A operação desenvolveu- se de acordo com o estabelecido? — Perfeitamente, professor. Não houve a menor alteração em relação ao que estava programado. — Ótimo. Podem prosseguir. — Estamos já reprogramando o sistema para a recuperação dos quatro viajantes do tempo. — Muito bem. Avisem-me se acontecei algum imprevisto. Desligou e voltou-se para o agente fora de série da CIA.
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— Como escutou, tudo se encontra em ordem, sob total controle. Dentro de pouco mais de vinte e quatro horas, nossos amigos estarão de volta à nossa época. — Como fará isso? Eles não sabem quando deverão se agrupar para serem transportados. Ou existe alguma máquina semelhante a esta, no ano em que se encontram? — perguntou o louro playboy, com um sorriso de ironia. — Não precisam estar juntos para regressar, meu amigo. Ativado o processo, a materialização deles, naquele sofá, será efetuada por etapas, um de cada vez, mas de forma quase automática. É como se o ar voltasse a encher um recipiente de onde tinha sido expulso, entende? — Não. — Bom, não importa. Você não é cientista e, mesmo que o fosse, não poderia entender um processo tão complexo como este. Acho melhor recolher-se a seus aposentos. — Meus aposentos? — perguntou Kirkpatrik, espantado. — Eu não vou ficar aqui. Tenho muito o que fazer lá fora... — Lamento, meu amigo, mas vai ter que ficar. Só poderei deixá-lo partir depois que toda a experiência tiver sido concluída. — Mas isso é uma prepotência, Nonchant! Exijo que... — O mal de muita gente é exigir demais, Kirkpatrik. Você vai para seus aposentos e fica lá até eu decidir o contrário. De acordo? Kirkpatrik ia ripostar quando a porta do posto de observação se abriu e dois leões- de-chácara, armados, se perfilaram. — Acompanhem mister Kirkpatrik até um dos quartos da ala norte. Mas não o maltratem muito, a menos que seja absolutamente necessário. — 48 —
Os dois homens assentiram levemente com a cabeça e fizeram um gesto para que Kirkpatrik os seguisse. O agente fora de série da CIA suspirou resignadamente e levantouse, passando diante dos dois gorilas. *** Assombrado, Boris Nakaev olhou os companheiros. — Este calendário é do ano de 2318! Isso quer dizer que... — Quer dizer que Nonchant estava certo! — interveio, exultante, James Mullinger. — Estamos provavelmente no ano 2320! — Não é possível! — exclamou Talita Finsky. — Acho que sim, amigos — tornou Mullinger. — Não vejo motivo para continuarmos duvidando do êxito de Nonchant. Boris Nakaev estava silencioso, apreensivo. — Bom, vamos continuar — sugeriu Talita. — Talvez encontremos outras evidências. Em silêncio, voltaram a caminhar pelo amplo corredor. Depois de uma nova curva, avistaram uma claridade intensa, que parecia provir de uma clareira, uns dez metros na frente deles. — Olhem! — exclamou Talita. — Luz! Cautelosamente, foram se aproximando do final do corredor. Viram-se subitamente numa nave circular, de paredes lisas, rochosas, no topo da qual havia uma abertura retangular, protegida por uma chapa de vidro que fazia divergir os raios solares. — O que será isto? — perguntou Anna. — Parece-me evidente que não se trata simplesmente de uma cavidade
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natural. A natureza, por muito perfeita que seja, ainda não instala claraboias de vidro, mas aberturas... — Concordo com você — interveio Bo- ris Nakaev. — Mãos humanas colocaram aquela claraboia. E, provavelmente, as mesmas mãos escavaram esta nave. Reparem que há diversos outros corredores, semelhantes ao que nos trouxe, e que desembocam aqui. Olharam em volta. Realmente, havia pelo menos mais quatro aberturas do tamanho daquela por onde tinham acabado de entrar na nave. — Acham que... haverá alguém por aqui? — perguntou Talita, com uma ponta de medo na voz. — Apesar de não termos encontrado ninguém, até agora, creio que o mais sensato é pensarmos que sim, que estas paragens sejam habitadas por alguma forma de vida. — Não acredito nessa hipótese — aventurou Talita. — Por que não? — Não faria sentido, em minha opinião. Vejam bem. Estamos nesta região há, pelo menos, uma hora. Se houvesse por aí alguém, já teria aparecido. Anna franziu a testa. — Talita, está esquecendo o ataque de que fomos vítimas, lá fora? — Ninguém nos garante que se tenha tratado de um ataque. — Ora, Talita! Não seja ingênua — falou Boris. — É claro que foi um ataque! Mullinger passou a mão pelo rosto. — Talvez Talita tenha razão. — Como assim? — espantou-se Anna Galinka. — Se realmente se tratasse de um ataque orientado contra nós, teriam nos atingido na mesma hora.
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Boris Nakaev cofiou o cavanhaque quase inexistente e assentiu com a cabeça, acrescentando. — É uma teoria. No entanto... Sabem o que eu estava pensando? — O quê? — Que aquele ataque não era para nos atingir, ferir, ou qualquer coisa desse gênero. — Não entendi — murmurou Talita. — Aquele ataque pode ter tido como objetivo nos obrigar a entrar nesta gruta. — Considero essa teoria muito falha de lógica, professor — sorriu Mullinger. — Tínhamos muitas outras direções para onde fugir, sem entrarmos necessariamente naquela gruta. — Também ninguém nos garante que, por exemplo, aquelas aberturas não provenham de outras grutas, semelhantes à que nós utilizamos e onde acabaríamos entrando, se tivéssemos fugido em outra direção. Ou que o misterioso laser não nos perseguisse de forma a nos obrigar a entrar em uma gruta dessas... Picaram em silêncio alguns instantes. Esse silêncio foi cortado bruscamente por uma voz de inflexões metálicas, que soou atrás deles: — Um raciocínio brilhante, estrangeiro!
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CAPÍTULO SÉTIMO Companhia sedutora Kirkpatrik deixou-se conduzir docilmente aos aposentos que lhe haviam sido reservados pelo imprevisível Pierre Nonchant. Tratava-se de uma pequena suíte, composta por um quarto de reduzidas dimensões e um banheiro menor ainda, apenas com um boxe para chuveiro e um vaso sanitário, além de um pequeno lavatório de rosto. Não havia qualquer janela que pudesse constituir uma esperança de fuga e a porta, trancada solidamente pelo lado exterior, não seria fácil de arrombar. Kirkpatrik sentou-se na beira da cama estreita e acendeu um cigarro. Sobre a mesa de cabeceira, além de um jarro com água e um copo, havia um telefone. Curioso, levantou o fone e escutou uma voz: — Isto é uma gravação. Se deseja alguma coisa, pode deixar registrado, três segundos depois de esta voz silenciar. Com um sorriso, deixou o fone no gancho e caminhou até a porta. Estava trancada, como supunha, e sua solidez parecia invulnerável. Deitou-se na cama, aspirando com prazer a fumaça aromática do cigarro. Ficou assim por longo tempo, contemplando o teto. Toda aquela história de viagem no tempo estava lhe cheirando a farsa, das mais grotescas. Perguntava a si mesmo qual seria o objetivo do canadense. Quatro pessoas tinham se sentado naquele sofá. — 52 —
Quatro pessoas aparentemente distintas umas das outras, mas, no entanto, com alguma coisa unindo-as. Boris Nakaev era um físico reconhecido há muito nos Estados Unidos por seu eminente trabalho na NASA. Exilado da União Soviética, conseguira anos atrás a naturalização americana. Anna Galinka, jornalista soviética em viagem especial aos Estados Unidos, para efetuar uma série de reportagens científicas, como elemento russo de intercâmbio, após a visita de dois jornalistas americanos à União Soviética. Talita Finsky e James Mullinger, ele não conhecia. Mas, segundo as informações de Nonchant, tratava-se de dois cientistas, ela, húngara naturalizada americana, ele, americano mesmo. Três cientistas e uma jornalista, especializada em reportagens sobre ciências. O que Pierre Nonchant estaria querendo, com toda aquela farsa? Seus pensamentos foram cortados pela abertura da porta. Levantou-se e ficou sem fôlego por alguns instantes, contemplando a beleza ruiva da garota que se encontrava diante dele. A porta tinha-se fechado novamente e a garota sorria, com amabilidade. — Boa-noite, mister Kirkpatrik. Meu nome é Sue Prince. — Hum... — fez o atraente playboy, caminhando até a garota. — Parece que nosso amigo Nonchant está melhorando suas maneiras. Você é muito mais simpática e sua presença mais agradável do que a dos dois gorilas que me trouxeram... — Obrigada pelo elogio. Como está instalado? — Bem, na medida do possível. Posso saber qual é a sua função, nesta gigantesca engrenagem do professor Pierre Nonchant?
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— Digamos que sou sua protegida. Minha obrigação é ver se nossos convidados estão bem instalados, se não lhes falta nada. Está precisando de alguma coisa, mister Kirkpatrik? — Estou, sim, Sue. Companhia. Este quarto é terrivelmente solitário. Com uma companhia agradável eu talvez nem sentisse que me encontro em cativeiro. — Hum... Que palavra dramática, mister Kirkpatrik! — Eu adoro dramas, Sue. E pode me chamar de Horace, como fazem todas as garotas bonitas. — Horace... Sabe que é um nome pouco comum? É francês? — Não. É americano mesmo. Como é? Vai me fazer companhia? — Por algum tempo. Não muito, porque Pierre poderia ficar ciumento. — Compreendo. Sou um homem perigoso, em mais de um aspecto, pelo visto. Tinham-se sentado na beira da cama e Kirkpatrik exibia seu sorriso mais fascinante. — Você sabe o que vale, Horace. E acredito que não está muito longe da verdade. Você é realmente um homem muito perigoso. — Em que sentido? — Mais do que um. Por exemplo, como homem, você é fascinante, irresistível mesmo. — Muito lisonjeiro ouvir isso de uma garota linda como você. — Não devo ser a primeira a dizer-lhe isso. Por outro lado, como inimigo você deve ser perigosíssimo também. Bud não se esqueceu ainda do resultado de sua altercação com ele. A propósito, ele jurou que o mataria, se o encontrasse. — 54 —
— Também não é o primeiro a dizer isso. — Acredito. Porém, tenha cuidado. Bud é um animal traiçoeiro, capaz de qualquer sujeira para vingar seu orgulho ferido. — Já tinha chegado à mesma conclusão. Mas não creio que seja apenas por isso que Pierre Nonchant me considera um inimigo tão perigoso, a ponto de mandar sua favorita tentar me seduzir. Kirkpatrik falou tudo isso sem perder o sorriso mordaz. — Eu não disse que tinha vindo para seduzi-lo, Horace — retribuiu Sue Prince. — Se bem que a idéia não seja de todo desagradável. — Estamos de acordo, então, que a sedução é uma possibilidade... — Digamos que sim. Pierre quer saber, exatamente, quem é você. — Pensei que ele fosse mais inteligente. Já podia ter mandado averiguar a veracidade de minha identidade. — Ele fez isso, é claro. E, surpreendentemente, soube que você não havia mentido. É realmente presidente da K.K.K. Steel, Ltd., um dos mais poderosos consórcios de aço do mundo. Um milionário e um playboy muito badalado. Mas isso foi tudo o que conseguimos descobrir. Quanto à sua ligação com Anna Galinka, ninguém soube nos informar de nada. — O que é muito natural. Os trabalhos de meu laboratório são secretos, como o são os de Nonchant, suponho. — Talvez tenha razão. Mas por que seu interesse em saber o que tinha acontecido com Anna? E haveria motivo para você pensar que alguma coisa acontecera com ela?
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— Para mim, havia. Não estou acostumado a que uma garota, bonita e atraente como Anna, falte a um encontro íntimo comigo, sem uma boa explicação. Sue ruborizou-se. — Quer dizer, então, que sua preocupação não era apenas porque ela não tinha comparecido em seu laboratório? — Acertou. Você, como mulher, talvez entenda. Anna me tinha prometido uma noite e uma manhã, em rigorosa exclusividade, compreende? Não apareceu ontem à noite, nem hoje de manhã. Sumiu do hotel, depois de um chamado do professor Pierre Nonchant. Não acha que seria para eu estranhar? Como lhe disse, não estou acostumado a que minhas garotas faltem às entrevistas. — Você é um pouco convencido, não acha, Horace? — Eu não tenho autoridade nenhuma para achar ou não achar, Sue. O julgamento terá que ser seu. Antes que a garota pudesse adivinhar suas intenções, o atraente playboy inclinou-se para ela e rodeou-lhe a cintura com os braços, atraindo-a para si. Sue opôs alguma resistência, mas o louro agente não desistiu. Apertou-a mais, até sentir contra o peito os seios duros e agressivos. Logo as bocas se uniram, com ansiedade. Sue Prince capitulou com facilidade. Passou os braços pelo pescoço do milionário e deixou que suas mãos brincassem com os botões da blusa rendada, devassando a intimidade dos seios ansiosos. Não opôs mais resistência quando o experiente playboy retirou a blusa de seus ombros, revelando o corpo maravilhoso. Logo as calças justas seguiram o caminho da blusa e Sue apertou-se contra o atlético agente da CIA, esquecida momentaneamente de sua missão de sondagem. Meia hora depois, extenuados, mas saciados de prazer, os dois repousavam na cama estreita, fumando em silêncio. — 56 —
— Não fui difícil de seduzir, pois não, Sue? — perguntou com ironia Kirkpatrik. — Não sei ainda quem foi o seduzido, Horace. Mas não estou muito interessada em descobrir isso. — Acho que seria difícil, na verdade. Mas acho bom você completar sua missão. Na verdade, ainda não tem muito para oferecer a Pierre Nonchant, nesta sua tarefa de sondagem da mente... — Sondagem da mente? — Um termo muito em voga nos nossos dias. Você sabe onde estão Boris Nakaev, Anna Galinka e os outros dois? — Pelo que eu sei, devem encontrar-se em algum lugar do ano 2320. Kirkpatrik não pôde evitar uma gargalhada sonora. — Comigo não, Sue! Não sou ingênuo, nem estúpido. A história de Nonchant pode servir para loucos, obcecados como ele. Nunca para um frio homem de negócios, não acha? Sue levantou-se e vestiu as duas peças de vestuário que serviam como toda cobertura de seu corpo deslumbrante. Ajeitou os cabelos ruivos com um gesto gracioso e sorriu. — Não posso obrigá-lo a acreditar nas fantasias da ciência, Horace. A única coisa que poderei fazer é pedir a Pierre que o sente naquela cadeira para o infinito. Assim você terá a prova de que o processo funciona. — Está bem. Como é que você vai sair daqui? — Chamando o guarda, não é? Kirkpatrik sorriu, enigmático. Era uma chance que não podia desprezar.
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CAPÍTULO OITAVO A cadeira para o infinito Boris Nakaev voltou-se repentinamente, imitado pelos outros três. Diante deles, empunhando uma arma pontiaguda, provida de gatilho, talvez o disparador de laser, um estranho homem sorria cruelmente. — Quem é você e onde é que nós estamos? — Calma, estrangeiro. Antes de mais nada quero felicitá-lo pelo seu brilhante raciocínio. A terra está coberta de crateras como essa, acima de suas cabeças. Essas crateras abrem para galerias como esta, servidas por numerosos corredores que nascem na superfície. Desses que vocês estão vendo ao redor, só dois não levam à superfície. São os que ligam esta nave com outras semelhantes. Aqui habitamos nós, os infra, como os supra nos chamam. Os supra são os que estão lá em cima, podendo enfrentar a luz do dia. Eles têm medo de nós. E, sempre que aparece algum estrangeiro, obrigam-no a descer até aqui. Por um lado, têm esperanças de que, por instinto de salvação, esses estrangeiros lutem e vão acabando conosco. Por outro, julgam aplacar nossa cólera. É como se nos ofertassem alguns sacrifícios, entendem? — Isto é horrível! — gemeu Anna Galinka. — Questão de ponto de vista, estrangeira de cabelos negros. Para nós, a chegada de vocês é motivo para festa. E — 58 —
os supra sabem disso. Por esse motivo mandam aqui para baixo todos quantos podem. Os supra são um povo covarde. Esses túneis traiçoeiros são invenção deles. Obrigam os estrangeiros a entrar neles, porque temem enfrentá-los cara a cara. — Em que ano estamos? — perguntou repentinamente James Mullinger, que mantinha uma calma impressionante. — Pelos nossos calendários, estamos em 2320. Anna soltou uma exclamação de assombre. — Inacreditável! Boris Nakaev deu um passo na direção do estranho homem. Só então viu que ele estava usando uma espécie de túnica negra, com um capuz que lhe cobria a cabeça, mal deixando livre o rosto. — E o que vai acontecer conosco? — perguntou. — Os machos trabalharão para nós, até morrer. O que não demora muito tempo. As fêmeas nos servirão no seu único papel possível: como reprodutoras. As fêmeas sempre resistiram muito pouco, aqui embaixo. Por isso estamos sempre com falta de reprodutoras. Anna Galinka gemeu alto e, instintivamente abraçou-se a Boris Nakaev. — Por que é que vocês estão aqui embaixo? — perguntou o cientista soviético. — Não podemos enfrentar a luz do dia. Desde a grande catástrofe, quando nos recolhemos aqui, fomos afetados por uma estranha moléstia que nos impede de enfrentar a luz do dia. Os supra resistiram e, por isso, são nossos inimigos. — Tudo isto é uma loucura! — bradou Mullinger, com um braço sobre os ombros de Talita. — Vocês nada têm contra nós. — É verdade. Infelizmente, nós precisamos de vocês. — 59 —
Alguns outros seres semelhantes ao que tinha aparecido primeiro surgiram em algumas outras galerias. Todos empunhavam armas iguais, uma espécie de bastão, com mecanismo disparador. — Vamos — murmurou o primeiro infra. — Siga-me. Ficarão em suas celas até nós o decidirmos. — Isto... é horrível! Os infra fecharam o cerco em volta dos quatro companheiros de viagem, obrigando-os a seguir o primeiro habitante subterrâneo, que se voltou solenemente, começando a caminhar por uma das galerias. *** Kirkpatrik esperou que a garota se aproximasse da porta e chamasse: — Richard! Pode abrir! O agente fora de série da CIA saltou nesse momento da cama e, antes que a garota pudesse compreender o que estava acontecendo, aplicou-lhe uma pancada seca, controlada, na base da nuca. Sue gemeu suavemente e suas pernas dobraram-se, tombando como um saco vazio. O agente segurou-a por sob os braços, impedindo-a que caísse no chão, e transportou-a rapidamente para a cama. Logo correu para junto da porta e aguardou. Segundos depois, Richard, o guarda, abriu a porta confiante. Sua primeira reação, ao ver Sue Prince estendida na cama, foi de espanto. Depois um sorriso passou por seus lábios. O sorriso morreu imediatamente ao sentir-se brutalmente puxado para o interior do quarto, ao mesmo tempo que lhe arrancavam a automática das mãos. Não teve sequer tempo para reagir. Uma mão de ferro fechou-se com raiva em volta de seu pescoço, puxando-o. Logo um punho que lhe pareceu — 60 —
enorme se deslocou a grande velocidade, esmagando-se contra seu rosto. Richard saiu disparado para trás, batendo com as costas na parede. Sacudiu a cabeça e olhou para Kirkpatrik, com ódio. — Seu cachorro! — grunhiu. — Vou quebrá-lo em mil pedaços! O agente fora de série da CIA não esperou que ele terminasse. Avançou raivosamente e enterrou-lhe um punho de ferro nos rins. Richard dobrou-se com uma expressão de angústia no rosto barbudo. Imediatamente alguma mula transcendental, porque ele não a viu, escoiceou-o com fúria no rosto, repetidas vezes. A vista nublou-se e Richard sentiu que suas pernas fraquejavam. Um último coice, desferido de baixo para cima, atingindoo na ponta de queixo, jogou sua cabeça violentamente contra a parede. Um som oco soou dentro do quarto, enquanto Richard deslizava suavemente pela parede, até ficar sentado. Depois tombou para a esquerda, ficando de lado no chão, inconsciente. Kirkpatrik saiu do quarto, levando a automática de Richard, e trancou a porta com a chave. Silenciosamente, caminhou pelo corredor, preparado para qualquer emergência. Atingiu a porta do laboratório sem incidentes. Espreitou por uma das janelas de vidro. Ao contrário do que esperava, não havia ali ninguém. Os técnicos que, pela lógica, deviam estar preparando a operação de regresso dos quatro viajantes no tempo, não se encontravam ali. O agente fora de série da CIA experimentou a porta e viu que estava aberta. Olhou para a esquerda e para a direita e empurrou. Pouco depois caminhava tranquilamente pelo laboratório, em direção à estrutura de acrílico. Apertou o botão da base e a porta deslizou suavemente. Kirkpatrik entrou na cabina e examinou detidamente o sofá. Não tinha nada de — 61 —
incomum. Kirkpatrik ajoelhou-se e analisou com cuidado o pavimento. Um sorriso distendeu seus lábios, observando as ranhuras que o chão apresentava em volta do sofá. Saiu da cabina e examinou os aparelhos que a rodeavam. Leu as inscrições de cada painel, com a testa franzida. Sabia o que estava procurando, ainda que ignorasse a forma como se apresentava. Sorriu, diante de um botão verde, sem qualquer inscrição. Devia ser aquilo o que esperava encontrar. Respirando com força, apertou o botão. Imediatamente um zunido suave encheu a sala e o sofá começou a girar, primeiro devagar, logo aumentando de velocidade. Durante mais de um minuto, Kirkpatrik ficou observando o movimento do sofá. Nada aconteceu, além disso. Decepcionado, ia apertar outro botão, quando uma voz sarcástica soou atrás dele: — Não sei como você chegou até aqui, Kirkpatrik, mas se apertar esse botão estouro sua cabeça neste mesmo instante! O agente fora de série voltou-se e deparou com Pierre Nonchant, empunhando uma automática. Ao lado do canadense havia dois outros homens, cada um empunhando uma arma provida de silenciador.
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CAPÍTULO NONO Missão secreta Trancados em duas celas separadas, os prisioneiros dos infra meditavam sobre o que estava acontecendo. Boris Nakaev considerava tudo aquilo absurdo. Era como se já tivesse vivido uma experiência semelhante, ridiculamente parecida. Além disso, apesar de tudo o que tinha ocorrido desde que haviam chegado àquela região, não acreditava que estivesse vivendo a realidade. Tudo não devia passar de uma farsa monstruosa, encenada com objetivos que ele não conseguia entender. Tudo aquilo, os infra e os supra, era uma bobagem. Claro que, em consequência da radioatividade, seria possível uma alteração tão sensível no metabolismo celular que aquelas criaturas não pudessem mais suportar a luz solar. Porém, pelo que tivera ocasião de observar, nenhum daqueles homens apresentava características de albinismo ou textura de pele sensível à luz solar, em que pese o fato de se vestirem com túnicas e capuzes negros. Sua inteligência fria, racional, científica, recusava-se a acreditar na viabilidade da experiência de Pierre Nonchant. — O que acha de nossa situação, Professor Nakaev? — perguntou o cientista americano, James Mullinger. — Não estou convencido de que tudo não passe de uma fantasia tremenda, organizada por Nonchant. — 63 —
— Eu não tenho a mesma opinião. Acredito que tudo isto é verdade e, de alguma forma, viemos parar em 2320. Agora, também penso que Pierre Nonchant nos traiu. Isto é, que ele não sabe como nos levar de volta à nossa época. E isso me preocupa sobremaneira. — O que o leva a pensar dessa forma, Mullinger. — Tudo o que aconteceu conosco até agora. O calendário astronômico que encontramos, o componente miniaturizado de computador, estas estranhas criaturas, a forma como vivem e as armas curiosas que utilizam. Nada disso é de nossa época. — Pode ser uma farsa, uma encenação monstruosa. Não esqueça que o cinema tem recursos fantásticos, que Nonchant poderia muito bem ter aproveitado para nos mergulhar nesta fantasia. Mullinger franziu a testa e balançou a cabeça. — Pode ser. Mas, para mim, você está enganado, Nakaev. Estamos vivendo uma experiência histórica, um momento empolgante da existência do homem. Sou biólogo e pude observar algumas características sintomáticas nesses indivíduos. Quase juraria que a pele deles foi alterada e não poderão suportar a luz do sol por muito tempo. Não sei se reparou, mas todos apresentam cabelos brancos, uma das principais características do albinismo, juntamente com a textura da pele, sua pigmentação... Se pudéssemos capturar uma dessas criaturas ... — Tudo isso são fantasias, Mullinger. Nonchant está querendo alguma coisa de nós e espera nos impressionar. — Não acredito que ele fosse tão longe. Para mim, estamos vivendo a realidade. Só que se trata de uma realidade preocupante. Nossas vidas correm perigo.
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Boris Nakaev não respondeu. Mullinger estava convencido de que tudo aquilo era real e dificilmente o levariam a pensar de outra forma, sem provas concretas. *** Anna Galinka, numa outra cela, juntamente com Talita Finsky, suspirou e deu alguns passos pelo aposento fracamente iluminado por um archote fixo na parede. — Tudo isto é horrível, Talita — murmurou. — Concordo. Deveria me sentir feliz por ter participado desta experiência inacreditável de domínio do tempo e do espaço. Porém, não consigo me esquecer que nossas vidas correm perigo e que, de certa forma, estou aqui contra minha vontade. — Você acha que temos alguma chance de escapar? — Não sei. Mas quero fazer um trato com você, Anna. A jornalista surpreendeu-se. Franziu a testa e olhou fixamente a cientista húngara. — Um trato? — Exatamente. Como você deve estar lembrada, eu lhe disse que Nonchant me tinha literalmente obrigado a participar desta experiência. Lembra-se? — Lembro, sim. Você disse, até que ele tinha descoberto certos detalhes comprometedores de sua vida e... — Isso mesmo. Por algum motivo, que desconheço concretamente, acredito que não sairei viva daqui. — Não fale desse jeito, Talita! Você me assusta! — Anna, você ouviu o que essa criatura falou. Os homens serão seus escravos e nós, as mulheres, serviremos de reprodutoras. Você imagina que eu irei me submeter a
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ser possuída por um desses monstros? Prefiro mil vezes a morte. Anna engoliu em seco, penosamente. — E o que vamos fazer? — Pode ser que você consiga escapar. Se isso acontecer, se Nonchant puder resgatá-la antes que seja tarde demais, quero que me faça um favor. — Conte comigo, Talita. Estamos vivendo a mesma tragédia, obrigadas por processos violentos. No entanto, não creio que consiga escapar, se você não puder. — Mas tudo é possível, Anna. Uma de nós talvez escape. E, se for você, quero ter certeza de que minha missão será concluída. — Sua missão? — Exato. Eu trabalho para a KGB, de Moscou. — Você? — o espanto de Anna Galinka não tinha limites. — Eu, sim, Anna. Por que o espanto? Qualquer um pode fazer o que eu faço. Moscou me paga bem e eu preciso de muito dinheiro para poder viver bem, nos Estados Unidos. Acontece que Pierre Nonchant, de alguma forma, descobriu essa minha... atividade secreta. E ameaça revelála às autoridades americanas, se eu não colaborar em suas experiências. — É monstruoso! — Mas é a verdade, Anna. Por isso eu quero que você me prometa que fará uma coisa para mim, se eu morrer. — Prometo, Talita! Juro que farei! — Vou lhe dar um endereço e, se você conseguir escapar, deve ir lá e perguntar por Stanislau Ustin. Ele lhe entregará um microfilme, depois que você der a senha para ele. Conte o que aconteceu, sem entrar em detalhes, pois ele não acreditaria. A senha é: Nas neves altas, canta o abutre. — 66 —
A frase não tem lógica nem sentido algum. É apenas uma espécie de identificação, combinada entre nós para o caso de acontecer alguma coisa. Entre suas câmaras, seus filmes de reportagem, não será difícil você levar isso até Moscou. Promete? — Prometo, Talita. Mas não vai ser necessário, porque se você não escapar eu tampouco conseguirei sair daqui. — Não podemos ter certeza, Anna. Mas no caso de você escapar... — Agradeço sua confiança, Talita. E pode contar comigo, nesse caso bastante improvável. — Improvável? Talvez não seja tanto assim. Existe alguma coisa que eu possa fazer por você, no caso oposto? Não estou pressagiando nada, mas assim como posso morrer e você escapar, pode também acontecer o contrário. E se for assim... tomara que não, honestamente, mas se acontecer, quero que você saiba que pode contar comigo para qualquer coisa. Inclusive para vingar todos nós, acabando com esse miserável que é Pierre Nonchant! Anna ficou silenciosa alguns momentos, como se estivesse decidindo da conveniência de confiar ou não na húngara. — Talvez... talvez você possa fazer uma coisa para mim. — O que você quiser, Anna. Não precisa dar explicações. Diga apenas o que eu terei de fazer e lhe juro que o farei. — Bom... eu também tenho uma missão de Moscou. Da KGB... — Você? — espantou-se a cientista. — Exatamente, Talita. Não esqueça que eu vim de Moscou, com uma missão oficial. Porém, acredito que nem os próprios americanos estão convencidos de que meu — 67 —
trabalho seja apenas fazer uma série de reportagens científicas. — Não vejo por que eles tenham de desconfiar de coisa alguma. Eu por exemplo, jamais pensaria que você trabalha para a KGB... — Mas trabalho. Ou melhor, nunca trabalhei, a não ser agora. Tenho uma missão específica. E não vejo como executá-la. — Se eu puder ajudar... Confie em mim, Anna! — Vou confiar, sim. Saint Maurice é um francês que trabalha na NASA, num laboratório altamente secreto. De alguma forma ele conseguiu fotografar os planos de uma nave recentemente projetada pelos americanos com um sistema recuperável. 3uer dizer, a mesma nave pode ser lança-la no espaço diversas vezes. Moscou quer essas fotos. Minha missão era levá-las para lá, quando voltasse. Saint Maurice vive sob uma tensão tremenda, vigiado estreitamente. Jamais conseguiria fazer chegar essas fotos a Moscou. Você pode contatá-lo, e, através de seus canais habituais, tentar fazer chegar essas fotos à KGB. Fará isso por mim? — Claro que farei, Anna. Agora me sinto mais irmanada ainda com você. Trabalhamos no mesmo serviço perigoso e precisamos contar uma com a outra, num momento difícil como este. Anna sentia-se mais aliviada e inquieta, ao mesmo tempo. Tinha confiado impulsivamente em Talita e talvez viesse a arrepender-se...
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CAPÍTULO DÉCIMO A desmistificação Kirkpatrik sorriu e deu alguns passos n direção de Pierre Nonchant. — Tudo muito bem montado, hem, Nonchant? — Você é muito esperto, Kirkpatrik. Infelizmente para você, não viverá o bastante para contar para ninguém o que descobriu aqui. — Muito engenhosa, sua viagem no tempo. Só não entendo o que é que você espera conseguir com isso. — Talvez você entenda, antes de morrer. Nesse momento, o sofá movimentou-se, começando a descer. Uma espécie de plataforma onde se apoiava o sofá descia lentamente. Pouco depois voltava a subir, trazendo Talita Finsky, sentada confortavelmente. — Talita, minha querida! — saudou o canadense. — Não a esperava tão cedo. — Foi mais fácil do que imaginávamos, Pierre. A verdade é que nossos rapazes, lá embaixo, trabalharam maravilhosamente. Anna Galinka está tão apavorada que teria vendido a própria alma ao diabo. Só nesse momento a húngara reparou que Kirkpatrik estava sob a ameaça das armas. — O que significa isso, Pierre?
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— Não se preocupe, querida. Nosso amigo Kirkpatrik resolveu fazer uma investigação por sua conta e descobriu muitas coisas que acabaram ditando sua sentença de morte. Mas pode falar na frente dele. Servirá, inclusive, para satisfazer sua curiosidade, antes de partir numa viagem especial ... sem regresso. — Será mesmo seguro? — Não pense nele. Rapazes, fiquem de olho em nosso convidado. Os dois guardas deram um passo à frente, apontando as automáticas para o agente fora de série da CIA. — Então Anna falou? — Falou, sim. Seu contato é Saint Mau- rice, um engenheiro da NASA. Sua missão consistia em pegar umas fotos de uma nova espaçonave americana e fazê-las chegar a Moscou. Deu-me o serviço completo, incluindo alguns detalhes que farão Saint Maurice acreditar em nós. — ótimo. Deu para entender, Kirkpatrik? O agente fora de série da CIA sorriu. Agora entendia o objetivo de Nonchant. — Claro que deu para entender. Mas tenho um palpite de que você não vai conseguir, Nonchant. — Seus palpites não me interessam, Kirkpatrik. Essas fotos estarão em minhas mãos amanhã, bem cedo. E se Moscou as quiser, terá que pagar muito caro. Ao mesmo tempo, penso negociar Boris Nakaev também. Estou precisando muito de dinheiro. — E se Moscou não estiver disposto a pagar? — Muitos outros podem estar interessados, Kirkpatrik. Você não entende disso. Portanto, não esquente sua cabeça. Prepare-se para “viajar”. — Na sua máquina do tempo? — perguntou o agente fora de série, com ironia. — 70 —
— Exatamente. Só que, desta vez, você não viajará para 2320! — soltou uma gargalhada antes de prosseguir. — Esse sofá será uma cadeira para o infinito! Para a eternidade! Talita secundou-o na gargalhada. — Você devia ver a forma como os bobos se entusiasmaram, lá embaixo, com a válvula de televisão alterada que você colocou lá! E o calendário! Nonchant e Talita soltaram uma nova gargalhada, que ficou ecoando sinistramente no laboratório. — Você vai viajar, Kirkpatrik. Talita o acompanhará. Só que a missão dela é ordenar aos supra ou aos infra — riu de novo — que o pulverizem e o enterrem bem fundo. Sente-se no sofá! *** Anna Galinka estava assustada. Dois homens tinham vindo buscar Talita e ela não havia voltado. Estava arrependida de ter falado em Saint Maurice. E se ela escapasse e a delatasse? Saint Maurice estaria perdido. Nesse momento a porta abriu-se e um daqueles seres monstruosos, de túnica s capuz negro, entrou. — Você vem comigo! Anna encolheu-se mais no canto, procurando furtar-se ao ser arrepiante. No entanto, o infra avançou para ela, agarrou-a brutalmente e puxou-a para fora da pequena cela. — Pare! Bruto! Me solte! O infra soltou uma gargalhada horripilante, que ficou ecoando pelos subterrâneos. Descontrolada, Anna começou a chorar convulsivamente. A criatura arrastou-a pelo corredor úmido e escuro, até a nave onde tinham sido
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surpreendidos. Anna ar regalou os olhos, fitando a cena que se de parava a seus olhos. A nave não estava mais escura, mas profusamente iluminada por tochas que perdiam das paredes. No meio havia uma mesa enorme, coberta por uma pele. Sentado no chão, fortemente amarrado, o professor Boris Nakaev estava olhando para tudo com uma expressão de pavor nos olhos brilhantes. James Mullinger, sorridente, estava sentado numa cadeira de pedra, fumando um charuto. — Ora, ora! — exclamou Mullinger. — Nossa querida jornalista chegou! Como se sente? — O que significa isto? Por que...? — começou a garota. — O que você está vendo, minha querida — riu James. — Eu tinha razão, Anna — comentou o cientista russo, cansadamente. — Tudo não passava de uma farsa. E Mullinger era conivente, assim como Talita Finsky. Ela já foi embora, certamente prestar contas a Nonchant do êxito da palhaçada. — Não! — bradou Anna. — Não é possível! E estas... criaturas? Elas... — Fazem parte da comédia, Anna — suspirou Boris Nakaev. — São pessoas normais, disfarçadas. Eu sabia que já tinha visto cenas parecidas antes. Foi no famoso filme “The Ômega Man” (O último Homem sobre a Terra), É uma história de antecipação, que conta a odisseia de um americano, único sobrevivente da espécie humana. Depois descobre que existem outros sobreviventes, mas que, por alteração na pigmentação da pele e no sistema visual, não podem suportar a luz do dia. Vivem sob a terra, em catacumbas, consumidos pelo ódio e desejo de vingança contra o único homem que não é igual a eles! Tenho certeza
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de que Nonchant se inspirou nessa obra para montar esta monstruosa comédia. Só não entendo com que objetivo! Anna deixou-se cair no chão, arrasada. Entre soluços, murmurou: — Eu sei, Boris! Eu sei... — Como assim? — De alguma maneira, Nonchant soube que eu trazia uma outra missão, secreta, de Moscou. Por isso criou toda esta farsa, infantil, na verdade, colocando Talita ao meu lado, insinuando-se e me sugestionando para que eu acreditasse. Depois ela se abriu em confidências sobre seu trabalho como agente da KGB nos Estados Unidos e eu acreditei mesmo. Acabei lhe pedindo que executasse por mim, se conseguisse escapar, a missão que eu deveria realizar nos Estados Unidos... — Inacreditável! — exclamou o cientista. — Você lhe revelou tudo o que ela queria saber? — Tudo, Boris! Agora, é tarde demais. E, o que é pior, comprometi fatalmente um homem que nada tinha a ver com isto! Meu contato nos Estados Unidos... — Santo Deus! — Chega de lamúrias, meus amigos — interveio Mullinger. — Vamos à parte final de nossa encenação. Rapazes, podem tirar os disfarces, que devem ser bastante incômodos. Não fazem mais sentido. Talita já deve ter comunicado suas descobertas a Nonchant e a comédia chegou ao fim. Em Boris Nakaev não toquem. Nonchant precisa dele vivo, para o negociar com seus queridos compatriotas soviéticos. Acredita que darão uma boa soma por ele. Quanto à garota, está perdida de qualquer jeito. Se a deixarmos escapar, os russos a eliminarão, pois não interessa mais. Se eles não o fizerem, os americanos a pegarão. Não é verdade, bela Anna Galinka? — 73 —
A jornalista não respondeu. Limitou-se a olhar o falso cientista com ódio. — Bom, sendo assim, não vejo por que não devamos aproveitar sua presença entre nós da melhor maneira possível, minha querida. Rapazes, ela é toda de vocês. Anna levantou-se de um salto. — Não! Vocês nunca me tocarão! — Peguem-na! — ordenou Mullinger, colérico. Um dos canalhas avançou para a garota, cortando-lhe a retirada. Sua mão direita estendeu-se rapidamente, agarrando a blusa da bela jornalista, que se rasgou de alto a baixo. Um seio rosado, com a corola escura, ficou balançando com firmeza, alterado pela respiração descompassada da soviética. — Miseráveis! Não me tocarão! Tentou fugir de novo. Dessa vez foi um outro bandido, que acabava de se livrar da túnica e do capuz, exibindo o tronco suado e brilhante, que avançou para ela, estendendo os braços para sua cintura. Anna esquivou-se e o homem perdeu o equilíbrio, caindo de bruços. Seus braços estenderam-se, no entanto, e os dedos aferraram- se ao tecido da saia de Anna. A garota puxou e a maior parte da saia ficou nas mãos do miserável, que espumava como uma fera no cio. Praticamente nua, com o belo corpo molhado de suor frio, Anna Galinka tentou, primeiro, numa reação instintiva de pudor, cobrir as pernas bem-feitas, a calcinha de renda que mal escondia o púbis sedoso e negro. No entanto, vendo como o primeiro canalha voltava ao ataque, esqueceu-se do pudor e tentou escapar mais uma vez. Bem atrás dela abria-se uma das entradas dos corredores. Não hesitou. Correu para lá, avançando no escuro o melhor que podia. Atrás dela partiram dois dos energúmenos, soltando gargalhadas bestiais. — 74 —
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CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO O laser oportuno Talita, sentada no sofá, junto de Kirkpatrik, sorria cinicamente, apontando uma arma curiosa para o agente fora de série. A arma lembrava um bastão, provido de gatilho. — Isso é um mini laser. Você deve imaginar como funciona — sorriu Pierre Nonchant. — Basta apertar aquele gatilho e um raio concentrado é capaz de perfurar uma chapa de aço de cinco milímetros em poucos segundos. São armas desse tipo que meus rapazes, os infra e os supra, como se chamam em 2320, usam lá embaixo. Uma besteira sua e Talita está autorizada a per- furá-lo com um simples disparo... — Quer dizer, então, que lá embaixo você tem toda a farsa montada para que acreditem que estão no ano 2320? — perguntou o agente fora de série. — Exato. E, como você viu pelos resultados, está tudo preparado com muito realismo. Os “viajantes do tempo” são anestesiados por alguns minutos, através daquele gás esbranquiçado que você viu encher esta cabina. Por isso quando despertam, não sabem o que aconteceu, apenas que se encontram numa situação invulgar. Meus companheiros, Talita e Mullinger, sempre vão junto, para os convencer de que, realmente, viajaram no tempo. Aí embaixo encontrará — 76 —
um pedaço de terra, que supostamente subsistiu a um cataclismo nuclear que arrasou tudo. Há seres que vivem sob a terra, pois não suportam a luz do sol. São os infra que, normalmente, capturam os viajantes do tempo. No exterior há mais dois ou três, prontos para os assustarem o bastante para que acreditem estar, na verdade, em outra época. Junte a isso um pouco de cenário, uns calendários do ano 2318, confeccionados especialmente em cartão metálico, umas válvulas de televisão ou computador, alteradas, é claro, de maneira sofisticada, e mais alguns detalhes intrigantes e terá preparado todo o ambiente irreal para que nem o mais cético duvide da fantasia. — Quer dizer que não é a primeira vez que você utiliza sua famosa máquina do tempo, hem? — Já a utilizei diversas vezes, meu caro amigo. E sempre obtive excelentes resultados. Sabe, quando as pessoas se encontram lá embaixo, viajando no ano 2320, todos os valores de nossa época perdem o sentido. E, então, falam livremente. Talita e James, ou eu mesmo ou Sue, minha garota, estão sempre por perto, para recolher todas as confidências dos empolgados e aterrados viajantes... — Você é um canalha da pior espécie, Nonchant! Já lhe tinham dito isso? Havia uma mordacidade cortante na voz de Kirkpatrik. — Já, meu amigo. Nem nessa frase você conseguiu ser original. Agora, boa viagem. Tenho coisas mais importantes para fazer. Visitar Saint Maurice, amanhã cedo, por exemplo. Soltou uma gargalhada e apertou um botão no painel de comandos. Imediatamente a plataforma onde se encontrava o sofá começou a descer, devagar. Cerca de um minuto mais tarde deteve-se e uma porta abriu-se na frente da cabina.
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Kirkpatrik encontrou-se numa espécie de vale não muito extenso, limitado por paredes de vegetação luxuriante. — Chegamos a 2320, Kirkpatrik — anunciou com ironia a bela Talita. Levantou-se, sem deixar de apontar a arma para ele. — Isso é mesmo um laser, Talita? — Duvida? Vou fazer uma pequena demonstração, para que tenha certeza. Saia daí! Kirkpatrik obedeceu e a garota seguiu-o até o exterior. Novamente a cabina subiu para o laboratório e a porta fechou-se, ocultando por completo qualquer abertura. Uma colina perfeita, coberta de vegetação, era tudo o que havia no lugar por onde Talita e o agente fora de série da CIA tinham ingressado na estranha paisagem. O louro milionário olhou em volta. Surpreso, reagiu instintivamente saltando de lado, no momento em que Talita apertava o gatilho da poderosa arma. Um raio luminoso saiu do pequeno bastão, passando a poucos centímetros da cabeça do agente 77Z. Uma rocha que se encontrava atrás dele saltou feita em pedaços, desintegrada pelo mini laser. Kirkpatrik estremeceu. Um segundo mais de atraso e aquele raio mortífero o teria atravessado limpamente. Talita soltou uma gargalhada cruel, inclinando a bela cabeça para trás. Foi esse o momento aproveitado pelo atlético agente da CIA para saltar de lado, com a perna esquerda rigidamente esticada. A ponta do pé acertou com infalível pontaria o bastão- laser, que voou alguns metros, até se chocar contra uma pedra. Logo Kirkpatrik se atirou para adiante, em prancha, enlaçando a perigosa húngara pela cintura. Rolou com ela pelo chão, quando um disparo semelhante ao que Talita tinha efetuado momentos antes partiu de algum lugar, na parede de vegetação, à esquerda. Talita Finsky soltou um berro tremendo quando um fino — 78 —
raio laser lhe atravessou a cabeça. Era um espetáculo horroroso, ver como o corpo da garota era projetado para trás, com o crânio desfeito. Kirkpatrik, porém, não se demorou em observar o efeito do disparo desconhecido. Atirou-se de novo para diante, sobre o bastão que Talita largara. Agarrou-o firmemente e, rolando no chão, esquivando-se a um novo tiro de laser, conseguiu ficar por alguns segundos de joelhos. Tinha visto de onde havia partido o ataque que acabara com Talita. Sem dúvida o tiro era dirigido a ele, mas na confusão da luta, a garota pagara o erro com a vida. De dentes apertados, Kirkpatrik apertou o gatilho simples do bastão. O raio finíssimo e azulado saiu com uma ferocidade incrível, em busca do agressor oculto. Quase no instante em que o feixe de luz poderosamente concentrada atingia o lugar de onde tinha vindo o disparo que matara Talita, um grito horrendo se escutou. O agente fora de série sorriu. Pelo menos daquele inimigo estava livre. Olhou em volta. A menos de dois metros dele, uma abertura circular conduzia ao interior da terra. Devia ser uma das entradas para os subterrâneos onde se encontravam os infra, de que Nonchant havia falado. Cautelosamente, entrou pelo buraco, tateando a parede lisa de pedra. *** Anna Galinka, com o belo corpo suado brilhando à claridade da tocha que um dos homens empunhava, tinha caído de costas, ofegante e apavorada. — Como vê, não valia a pena fugir, boneca — rosnou o homem que estava mais próximo. — Não tinha mesmo para onde ir. Mas assim tudo se torna mais excitante.
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Anna tentou recuar, arrastando-se de costas, mas o homem não permitiu, pisando-lhe uma perna e imobilizando-a. — Não vamos lhe fazer mal algum, boneca. Apenas nos divertir um pouco. Não seja boba. Venha cá, belezoca! Babando de desejo, o homem inclinou-se sobre o corpo indefeso da jornalista soviética. Sua mão direita acariciou demoradamente, com luxúria, o seio esquerdo de Anna, que gritou e se debateu, em vão. Com um gesto brusco, o homem arrancou o que restava das roupas da garota, inclinando-se sobre o alvo pescoço. Anna reagiu uma vez mais, enterrando os dentes, furiosamente, no ombro do miserável. O homem ergueu-se, uivando de dor. Ficou de joelhos, o rosto transtornado pela dor e pelo ódio, enquanto o ombro sangrava, em consequência da mordida feroz. Com um rugido de fera raivosa, o miserável esbofeteou sem piedade o belo rosto feminino. O sangue escorreu pelas comissuras dos lábios de Anna Galinka, que vivia sem dúvida a mais apavorante de suas aventuras como jornalista. O segundo homem aproximou-se, ofegante, com um sorriso lascivo nos lábios grossos. — Está precisando de ajuda, Tim? — Esta cadela! Eu desfaço-a, antes que... Ergueu o braço para esbofeteá-la de novo, mas nunca pôde concluir o gesto, nem a frase. Um silvo quase inaudível cortou a escuridão, acompanhado de um raio azulado que atravessou o corpo do miserável com um forte cheiro a carne queimada. O homem soltou um urro e caiu de lado, morto. O segundo canalha saltou, sacando o bastão que levava na cintura. Não teve tempo de utilizá-lo. Um novo disparo proveniente do escuro atravessou-lhe o estômago, dilacerando-o. O companheiro de Tim abriu os — 80 —
dedos e soltou a perigosa arma. Logo foi se dobrando lentamente, até que seu corpo caiu para diante, batendo contra o chão duro, de pedra. Atônita e apavorada, Anna conseguiu livrar-se do cadáver de Tim e ergueu-se com dificuldade. Procurou com os olhos alguma coisa com que se cobrir. Infelizmente, nada havia por ali que pudesse ocultar a beleza selvagem de suas formas exuberantes. Com terror, viu aproximar-se aquela figura ereta, de físico atlético, cabelos louros e olhos que, à luz da tocha, Anna não tinha certeza de serem brancos ou cinzentos, ou azuis... de uma coisa ela teve certeza: aquelas pupilas eram frias e cortantes como o aço. Recuou instintivamente até bater com as costas nuas contra a parede dura da galeria. Tentou falar, mas a voz se recusava a sair de sua garganta. O pavor era mais forte que sua vontade. — Não tenha medo, Anna. Não vou lhe fazer mal. Na verdade, estou aqui para ajudá-la. Meu nome é Horace Kirkpatrik. — Horace Kirkpatrik... Não o conheço... — Mas eu a conheço, Anna Galinka. — Como... é que me conhece? — Pierre Nonchant me falou de você. E como eu não estava propriamente do lado dele, me mandou efetuar esta bela viagem também. Talita me escoltou, com instruções para me matar. Infelizmente para ela, seus capangas lá de fora não têm a pontaria muito afinada e liquidaram-na. — Talita... morreu? — Morreu, sim. Alguns minutos atrás. Uma expressão de alívio estampou-se no rosto da garota.
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— Mas tinha falado com Nonchant primeiro — concluiu o agente fora de série da CIA. Novamente a palidez cobriu as feições de Anna Galinka. — Falou com Nonchant... — Falou. Não sei o que lhe disse — mentiu Kirkpatrik —, mas seja o que for ele nada poderá fazer contra você. Eu tenciono acabar com ele antes. Isto é, logo que liberte o professor Boris Nakaev e dê uma lição em James Mullinger. Mais animada, a jornalista soviética sorriu. — Quem é você realmente, Horace? — Mais uma vítima a quem Nonchant pretendia escravizar com essa farsa da viagem no tempo. Mas, dessa vez, as coisas não vão correr como ele espera. — E por que está interessado em salvar Boris? — Pelo mesmo motivo que salvei você. Além disso, Nonchant está disposto a vender Boris Nakaev a seus compatriotas, que o fuzilarão sem piedade. Acha que vou permitir isso? — Vai arriscar sua vida por um soviético? — Por dois, Anna. Por você e por Boris Nakaev. Só então a jornalista se apercebeu de que estava nua, diante de um perfeito desconhecido. Kirkpatrik reparou nisso também e, tossindo embaraçado, arrancou as calças de Tim. — Vista isso. Pelo menos, da cintura para baixo fica coberta. Anna, vermelha como um tomate, assentiu com a cabeça, dominando o asco por vestir as calças de um morto...
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EPÍLOGO James Mullinger escutou os berros de Tim e ficou tenso. Chamou o último homem que lhe restava e empunharam as armas. Instantes depois, Anna emergia do corredor. Trazia vestidas as calças de Tim. — O que aconteceu, Anna? — Um dos seus homens matou o outro! Eu... Não completou a frase. Atrás dela apareceu Kirkpatrik, com o bastão laser apontado para Mullinger. — Soltem as armas, amigos! — ordenou Kirkpatrik. — O que...? — começou o capanga de Mullinger. James reagiu de forma diferente. Deixou- se cair de joelhos, ao mesmo tempo que apertava o gatilho do laser. Kirkpatrik empurrou Anna para a esquerda, enquanto ele saltava para a direita. O raio que partiu de Mullinger passou entre ambos, inofensivo. Mas o disparo do agente fora de série da CIA não errou o alvo. Atingido no peito, Mullinger soltou a arma e caiu para a frente, gritando por alguns instantes. O companheiro quis aproveitar a confusão para atirar em Kirkpatrik. Mas o agente 77Z estava atento e antecipou-se. A cabeça do bandido foi despedaçada pelo laser abrasante. Anna soltou um grito de pavor. — Aqui está terminado, Anna. Vamos fazer uma visita a Nonchant agora. Temos que sair com muito cuidado, pois
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pode haver mais desses supra, lá fora. Desamarre Boris Nakaev e ajude-o a vir também. Pouco depois atravessavam receosos o descampado entre o acesso à gruta e a colina onde ficava a saída da cabina do tempo. Kirkpatrik tateou a parede de vegetação por alguns minutos. Tinha que existir um botão de chamada ali. De outra forma, Talita não poderia ter subido nessa noite, quando levara as confidências de Anna a Pierre Nonchant. Finalmente, ao apertar uma saliência, a parede deslocou-se suavemente e um zumbido indicou que o elevador estava descendo. Um minuto mais tarde, a estrutura de acrílico encontrava-se diante da atônita Anna Galinka e do professor Nakaev. — Vamos embarcar na máquina do tempo, de volta à nossa época — sorriu o agente fora de série da CIA. — Verão como é emocionante... O cientista engoliu em seco, ainda incapaz de falar. *** Pierre Nonchant sorriu, satisfeito. Tinha os informes de que precisava, sobre a missão de Anna Galinka. Seu informante não estava errado, quando lhe dissera que a bela jornalista não se encontrava nos Estados Unidos apenas para escrever reportagens científicas. O elevador estava subindo, certamente com Talita, que havia completado sua missão de entregar Kirkpatrik aos rapazes. Sue Prince tinha preferido ir descansar no seu apartamento, depois da experiência desagradável com o louro milionário. Finalmente, a cabina imobilizou-se no laboratório. Atônito, o canadense olhou o sofá. Estava vazio. Intrigado, tirou a automática do bolso e avançou, cautelosamente, ao encontro do sofá. Devagar, primeira apareceram os cabelos — 84 —
negros, logo o rosto assustado de Anna Galinka. Por fim, a garota ergueu-se, exibindo os seios nus, arrogantes, apesar de sujos. — O que é que você está fazendo aqui? — perguntou ele, furioso. — Estão... estão todos mortos... — O quê? — bradou o canadense. — Talita, Mullinger... Os infra, Bo- ris... Todos mortos! — Quem fez isso? — gritou o canalha, apoplético. — Kirkpatrik... Ele também... — Miserável! — Nonchant respirou fundo e procurou acalmar-se. — Lamento, Anna, mas você não poderá viver. Vou matá-la aí mesmo e mandá-la de volta a 2320. Soltou uma risada e ergueu a automática, apontando-a na direção de Anna Galinka. Nesse instante, uma figura atlética ergueu-se de detrás do sofá. Na sua mão brilhava um bastão curto e mortífero. Uma chama azulada partiu dele e atravessou a cabeça de Pierre Nonchant, que deu uma estranha pirueta e tombou de costas, derrubando uma mesa de aparelhagem sofisticada. Dois homens apareceram por uma porta, à esquerda, já de automáticas empunhadas e o primeiro tiro de uma delas despedaçou a cabina de acrílico, a poucos centímetros da cabeça de Kirkpatrik. Não houve tempo para novos tiros. Duas chamas azuladas brotaram de novo, uma atrás da outra, saindo do pequeno bastão que o agente fora de série da CIA estava empunhando. E os corpos dos dois bandidos tombaram sem vida, horrivelmente queimados. ***
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Kirkpatrik, impecável em seu terno esportivo, sorveu o bourbon e contemplou o chefe do Departamento 77, da CIA, por cima do copo. — Foi um excelente trabalho, Horace — murmurou mister Lattuada. — Como sempre, não é? — sorriu o agente 77Z. — Me diga uma coisa. Como ficou Anna Galinka, no meio de tudo isso? — Vamos mandá-la de volta a Moscou, é claro, sem as reportagens científicas. Deve partir amanhã. — E Saint Maurice? — Foi preso, é claro. Não teve como ocultar a verdade. Entregou as fotos e os negativos. O Tribunal decidirá o que fazer com ele. Essa parte não é mais de nossa competência. Pegamos mais três homens na casa de Pierre Nonchant e uma porção de cadáveres. Nossos homens ficaram lá analisando tudo aquilo e confessaram-se assombrados. Era uma verdadeira máquina do tempo. — Uma cadeira para o infinito... — É. Talvez você tenha razão. — Onde está Anna Galinka? — No Excelsior Hotel. — Vigiada? — Não achei necessário. — Ainda bem. — Por quê? — Não gosto de testemunhas, em meus encontros românticos. Com um sorriso malicioso e uma piscadela de olho, Kirkpatrik levantou-se e deixou a boate. Mister Lattuada balançou a cabeça, resignado. O agente 77Z, o homem fora de série da CIA, não tinha mais jeito, quando havia mulher bonita no meio da história... — 86 —
FIM
A seguir: EMBALOS DA MORTE. Milhares de jovens escutam música moderna, num festival de juventude. De repente, o terror toma conta do estádio. O agente 77Z envolvido com perigosos espiões internacionais e belas mulheres. Não perca!
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