LISBOA
nos versos de
carlos peres feio
fabricante de postais
a basílica da Estrela as duas basílicas da Estrela a que de longe aparece como uma escultura gigante e a outra a de perto onde as três dimensões vencem e nos mostram ao fundo o iluminado corpo grosso contra o céu e na frente duas torres uma sem luz, ali estão.
mas talvez seja outra ainda a que tenho dentro da cabeça a que imprimirei quando me tornar fabricante de postais ilustrados será nessa profissão que a reforma me encontrará artesão de imagens muito vistas artífice de tarefas sem prazo de entrega na espera de que os dias tenham cinquenta horas e que o eléctrico, o vinte e oito breve me leve ao encontro comigo mesmo.
(2000)
comigo
comigo o ano 2001 descia a avenida da liberdade os murmúrios intensos a recusa de ficar na rotunda do tempo
descíamos os dois com uma visão armada de tesouras para limpar as folhagens do sentimento
retive-me ao ver que este ano ia ficando para trás espantado por ser eu tão veloz tudo estremeceu com as imagens registadas e pairou a ameaça de agora ser tempo de câmara escura
(2001)
A capital de Lisboa
nem todos sabem é o Largo da Estrela quando aqui estamos tudo é equidistante basílica branca sem ponteiros no relógio tão perto de Sintra como do Rossio só aqui temos a sensação de centro Estrela capital de Lisboa de Portugal capital moçambicana capital de roças de São Tomé centro da dor quando irmãos que perdemos em guerras por explicar aqui chegavam sem vida
ainda hoje na Estrela nos despedimos de portugueses dos nossos hábitos de vozes do fado da televisão preto e branco aceitando que algum ponto desta cidade seja o centro o princípio e o fim
(2004)
natureza
a minha verdadeira natureza não é o que parece circulo em automático lubrificado esquecido de mim a minha verdadeira natureza encontro-a de vez em quando vagueando por Lisboa ou outro sítio. que alegria! então sou eu. vejo os detalhes, além de os olhar, reconheço-me, sou eu e sinto as raízes debaixo dos pés. mais fraco que há vinte anos fico com força para percorrer Lisboa e o planeta lés-a-lés
(2006)
não existes
tu não existes mas Chopin também não amo os dois de maneira diversa mas esforçada
respiro o ar da noite sinto Lisboa ao longe mas a cidade não existe tudo aquilo de que gosto só existe no engarrafamento dos sentimentos no meu cérebro
azinheira pinheiro e castanheiro passam a ser locais onde me acolherei faça sombra ou abrigo para me sentir protegido pelas arvores e por quem as inventou
de verão lembrarei sempre a oferta para meu resguardo de inverno pedirei que um raio me atinja para morrer em êxtase
será a única maneira de num segundo lembrar todos os beijos recebidos numa fracção sentir como final um beijo – raio de luar
(2006)
AUTO-RETRATO
em petiz falava falava a franja na testa a cara redonda
na fase de borbulhas bem espigado já era se disser magro poucos acreditam
tudo se passou entre a Lisboa do meu berço e a longínqua África de muita selva
voltei ao Tejo, estudante no cabelo mandam os Beatles Guevara a barba comanda
esqueço maquinarias no papel começo a ver minhas letras gatinhar voltear
com pouco peso na Poesia poeta pesado sou hoje sobre óculos e rugas ainda rebelde o cabelo sempre viva a esperança no futuro
(2007)
na Gulbenkian
palavras para quê Arménia Paris a guerra que ninguém quis Lisboa arcos de cidade velha óleo e também Iraque e a arte de guardar bens suas filhas colecção com coração oriente arte nova que outros amores não teria pelo muito não exposto planos de fundo jardins fundação sem pilares Lisboa outra vez com o Tejo por toda a parte rio a escorrer arte
(1991)
aniversário
fez ontem anos que não me encontrava a mim sexta feira vou ser assim assim
no fim de semana quero sentir o fim do mundo tomar decisões decretar inferno praticar ressurreição
viver antes ser feliz depois viajar entre pausas devorar a náusea
rever Instambul numa Madragoa endereçar meus olhos destino Lisboa
(1994)
CHIADO
num tempo perfeito de uma Lisboa em Fevereiro, no local certo de um Pessoa em bronze de um outro Fernando, amigo e poeta com sugestões de longe, de África e da América, li o poema certo
de súbito, na mente nas ideias, um circuito se acende, vira área iluminada, faz correr o fluxo da criação, encontra a solução sempre esperada revista, ensaiada em cidades e aldeias
em mágica luz Europeia truque de monge no circo onde andamos crentes num espaço aberto onde hoje somos dois e ontem talvez onze num mesmo tempo perfeito Otava também em Fevereiro
(1990)
febre
quando me assalta é boa faz-me sentir na ribalta Berlim ou Lisboa
escrevo sem mexer a mão alguém faz força por mim aspiro energia dos que partem Virgílio Duras
gostava de me libertar das grilhetas passar fome ficar magro ser a vergonha dos empregados despedidos em estreia mas receber em troca uma alegria completa morrer assalariado nascer poeta
(1996)
LISBOA nos versos de carlos peres feio
chinesa do norte – produções Lisboa, 24 de Junho de 2009
chinesa do norte – produções