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Lide
Fonte: GARCIA, Luiz (ed. e org). Manual de redação e estilo. São Paulo; Globo, 1992
A maioria dos jornalistas não está familiarizada com a grafia "lide" (toscamente definida no Aurélio como resumo das informações contidas numa matéria); já a palavra' 'abertura" é genérica demais: serve para qualquer texto. E lead, por significar 'guia", expressa exatamente a função das primeiras linhas do texto de jornal: guiar o leitor, atraí-lo, num processo bem próximo da sedução. Há muitos anos, quando o jornalismo começou a abandonar a subliteratura, criaram-se normas destinadas a produzir leads simples e diretos. Determinou-se, então, que as primeiras palavras da notícia deveriam dizer quem fez o quê, como, onde, quando e por quê. Exemplo clássico: "João mordeu um cachorro ontem na Avenida Rio Branco porque tinha fome" (omite-se o "como" porque as dentadas são presumidas). Em notícias mais complexas, a regra admite deixar para o parágrafo seguinte alguns itens do sexteto essencial. Boa fórmula. Para grande número de textos, não há outra. Mas seria limitação absurda torná-la receita obrigatória. Como receita, melhor será esta: o bom lead é aquele que faz o leitor continuar a ler. Exige-se apenas que não haja fraude: o que o lead promete o resto da matéria precisa apresentar. Assim, pode ser lícito iniciar uma matéria com: • Conclusão genérica provocada pelos fatos que compõem a notícia. • Pergunta (mesmo violando a norma segundo a qual o jornalismo é feito de respostas). E assim por diante Mas não há liberdade absoluta. O lead não pode: • Ser vago, impreciso. Em qualquer circunstância, termos como "vários", "muitos", "alguns", "pequeno" etc. representam má informação. No início de um texto, são um desastre. • Ser atulhado de detalhes que escondem a importância do fato principal. E o defeito de leads com longas sentenças cheias de frases intercaladas. • Dar mais ênfase às circunstâncias do que ao essencial. Por exemplo, acentuar a forma pela qual a notícia surgiu, em detrimento da notícia em si: "A comissão se Professor mestre Artur Araujo (
[email protected]) site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/ ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/ Página 1 de 3
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reuniu para discutir soluções para o problema da febre amarela e decidiu contratar cem mata-mosquitos' '. O certo: "Cem mata-mosquitos serão contratados para combater a febre amarela". • Ser negativo. Dificilmente o que não aconteceu constitui notícia; mesmo quando isso ocorre, há diversas maneiras de se evitar o "não". Por exemplo, em vez de "um assalto não aconteceu ontem devido a tal fato": "tal fato impediu ontem um assalto' '. • Conter expressões que pertençam ao vocabulário particular de certas áreas e não estejam no domínio público. Elas podem aparecer ao longo do texto, devidamente explicadas. Usadas no lead, afugentam o leitor: ele não quer saber se o tribunal julgou um agravo de instrumento, e sim em que a decisão do tribunal mexe com a sua vida. • Preferir o abstrato ao concreto: "Foi aprovada ontem a nova política salarial" é obviamente inferior a "os salários serão aumentados em 30%". • Andar para trás, ou não sair do lugar. O lead que procura a originalidade através de comentários banais (do gênero "ninguém esperava que ..." ou "foi um dia diferente para Fulano .. .") é anzol sem isca. • Começar com declaração. Exceção: frases de alta dramaticidade e que representam, elas mesmas, o que há de mais importante na notícia. • Começar com comentário ou interpretação e só identificar o autor no parágrafo seguinte: o leitor que se limitar a ler as primeiras linhas (o que é muito comum) poderá supor que é afirmativa do jornal ou fato incontestável o que não passa de opinião de alguém. Quanto mais sensacional o fato, mais se impõe a economia de palavras. Por exemplo, imagine-se este lead, que não estaria fora dos padrões vigentes em abril de 1865 nos Estados Unidos: "Um trágico evento levou ontem a dor e o desespero a milhões de americanos, com os quais certamente estão solidários todos os povos amantes da paz. O presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, assistia, em companhia de sua esposa, à peça 'Nosso primo americano', no Teatro Ford, quando um assassino desconhecido, em gesto execrável, desferiu-lhe um tiro à queima-roupa, causando ferimento que se teme venha a ser fatal". Compare-se esse modelo de verborragia com: "Um tiro foi disparado contra o presidente Lincoln ontem num teatro e é possível que o ferimento seja mortal' '. Simples e direto: o resto vem depois. Foi exatamente assim, desta segunda maneira, que o repórter Lawrence Gobright, da Associated Press, começou o seu relato, num lead até hoje lembrado como modelar.
Professor mestre Artur Araujo (
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Mais um conselho: de uma forma ou de outra, o jornalismo trata de pessoas e do que acontece com elas. Quase sempre é esse o ponto focal de todas as notícias, o passo inicial de todas as histórias. Organização do texto O esquema clássico é o da pirâmide invertida: alimenta-se o início da matéria com os fatos mais relevantes, e o conteúdo dos parágrafos que se seguem vai decrescendo em importância. Antes do aparecimento do computador nas redações e, com ele, da medição automática e exata dos textos a serem compostos, essa era a fórmula mais segura: garantia que o corte "pelo pé" na montagem das páginas só eliminasse o menos importante. A nova tecnologia permite ao jornalista guardar um dado curioso para o fim de sua história, dando-lhe fecho com impacto. É bom recurso, embora mais adequado a assuntos leves. Em assunto de alguma complexidade, a geometria se complica: há casos em que pirâmides viram paralelepípedos (diversos subtemas empilhados) e há pirâmides truncadas (apresenta-se um tema e depois outro; em seguida, desenvolvem-se os dois em seqüência). É necessário conhecer essas fórmulas, mas com a consciência de que existem para ajudar, não para escravizar o jornalista. Quando, por exemplo, há uma história a ser contada, a narrativa, em seguida ao lead, deve seguir a ordem cronológica, ou o leitor poderá se perder pelo caminho. Com ou sem pirâmides, é necessário cativar o leitor assim como alguém que, ao contar uma história, consegue prender a atenção de um grupo de pessoas. O narrador que seduziu a platéia ao começar a falar pode perdê-la a qualquer momento se passar a gaguejar, repetir-se, perder o fio, falar cada vez mais baixo. O jornalista não pode esquecer que há outros assuntos a disputar o interesse do leitor no mesmo jornal - e outros jornais tratando do mesmo assunto. Com a experiência, chega-se a avaliar a qualidade da narrativa da mesma forma que o ouvido educado percebe que a orquestra está afinada. Essa associação entre texto e música não é gratuita: em caso de dúvida, ler em voz alta o que se escreveu ajuda a localizar os pontos em que o leitor bocejará.
Professor mestre Artur Araujo (
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