J. R. R

  • November 2019
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DÚVENDOR - UM TRIBUTO A TOLKIEN

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A Viajem de Eärendil

Sobre a Guerra da Ira e o fim da Segunda Era O radioso Eärendil era então senhor do povo que habitava perto das bocas do Sirion, e tomou como esposa Elwing, a Bela, e ela deu-lhe Elrond e Elros, chamados Meios Elfos. No entanto, Eärendil não podia descansar, e as suas viagens pelas costas das terras próximas não acalmavam seu desassossego. Dois propósitos cresciam no seu coração, unidos num só pelo seu amor ao vasto mar: pensava navegar, procurar Tuor e Idril que não regressavam; e pensava encontrar talvez a última costa e levar antes de morrer a mensagem dos Elfos e dos Homens para os Valar, no Ocidente, a mensagem que despertaria nos seus corações a piedade pelos sofrimentos da Terra Média. Eärendil travou grande amizade com Círdan, o construtor naval, que residia na ilha de Balar com a sua gente que escapara ao saque dos portos de Brithombar e Eglarest. Com a ajuda de Círdan, Eärendil construiu Vingilot (flor de espuma), o mais belo dos navios cantados: dourados eram os seus remos e brancas as suas madeiras cortadas nas matas de bétulas de Nimbrethil, e as velas eram como a argêntea Lua. Na Balada de Eärendil cantam-se muitas coisas das suas aventuras no mar e em terras virgens, assim como mares e em muitas ilhas; mas Elwing não o acompanhava e vivia desgostosa junto as bocas do Sirion. Eärendil não encontrou Tuor nem Idril, nem chegou nunca ao fim da viagem às costas de Valinor, vencido por sombras e encantamentos, levado por ventos contrários, até que, saudoso de Elwing, rumou para casa, na direção das costas de Beleriand. E o seu coração disse-lhe que se apressasse, pois abatera-se sobre ele um medo súbito, gerado em sonhos; e os ventos contra os quais antes lutara com todas as suas forças não o faziam regressar agora tão rapidamente quanto desejava. Ora, quando chegaram primeiro ao conhecimento de Maedhros notícias de que Elwing ainda vivia e morava, na posse de um Silmaril junto das bocas do Sirion, ele, arrependido das ações cometidas em Doriath, nada fez. Mas, com o tempo, o conhecimento do seu juramento não cumprido atormentava-o e aos irmãos, e, reunindo-se, vindos dos seus errantes caminhos de caça, enviaram aos portos mensagens de amizade e, ao mesmo tempo, de severa exigência. Mas Elwing e o povo de Sirion não queriam prescindir da jóia que Beren conquistara e Lúthien usara e pela qual Dior, o Belo, fora morto, sobretudo enquanto Eärendil, seu senhor, andasse no mar, pois parecia-lhes que o Silmaril continha a cura e a bênção que tinham descido sobre as suas casas e os seus navios. E assim se veio a dar a última e mais cruel das matanças de elfo por elfo, a qual foi o terceiro dos grandes males causados pelo maldito juramento. Os filhos de Fëanor que ainda viviam caíram subitamente sobre os exilados de Gondolin e os que restavam de Doriath e destruíram-nos. Nessa batalha, algum do seu povo pôs-se de parte e alguns, poucos, rebelaram-se e foram mortos do outro lado ao ajudarem Elwing contra os seus próprios senhores (pois tais eram a mágoa e a confusão que enchiam os corações dos Eldar nesse tempo); mas Maedhros e Maglor venceram, embora só eles restassem já dos filhos de Fëanor, pois tanto Amrod como Amras tinham sido mortos. Demasiado tarde se apressaram os navios de Círdan e Gil-galad, o rei supremo, a correr em socorro dos elfos de Sirion; e Elwing desaparecera, assim como os seus filhos. Os poucos que não tinham perecido no ataque juntaram-se a Gil-galad e foram com ele para Balar, estes disseram que Elros e Elrond tinham sido feitos cativos, mas que Elwing, com o Silmaril no seio se lançara ao mar. Assim, Maedhros e Maglor não recuperaram a jóia, mas ela não se perdeu, pois Ulmo levantou Elwing das ondas e deu-lhe a semelhança de uma

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grande ave branca, e no seu peito brilhava, como uma estrela, o Silmaril, enquanto ela voava sobre a água em busca de Eärendil, o seu amado. Durante a noite, Eärendil, ao leme do seu navio, viu-a aproximar-se como uma nuvem branca velocíssima sob a Lua, como uma estrela a mover-se sobre o mar, num estranho curso, uma chama pálida em asas de tempestade. E canta-se que ela caiu do ar nas madeiras de Vingilot, num desfalecimento, quase morta pelo esforço de sua velocidade, e Eärendil acolheu-a no seu seio; mas de manhã, com olhos maravilhados, viu a sua mulher, na sua forma própria, deitada a seu lado com o cabelo caído pelo rosto a dormir. Grande foi o desgosto de Eärendil e Elwing pela ruína dos portos de Sirion e pelo cativeiro dos seus filhos, que temiam fossem mortos, mas assim não aconteceu, pois Maglor compadeceu-se de Elros e Elrond e estimou-os, e nasceu depois amor entre eles como dificilmente seria de esperar; mas o coração de Maglor estava doente e fatigado do peso do terrível julgamento. No entanto, Eärendil não viu que restasse esperança nas terras da Terra Média, de novo mudou de rumo, desesperado, e, em vez de regressar, procurou mais uma vez o caminho para Valinor, com Elwing a seu lado. Passava agora muito tempo a proa do Vingilot, com o Silmaril preso à fronte; e a sua luz tornava-se cada vez maior à medida que avançavam para Ocidente. E os sábios disseram que foi por causa dessa jóia sagrada que acabaram por chegar a águas que nenhumas embarcações tinham conhecido, exceto as dos Teleri. Chegaram às ilhas encantadas e escaparam ao seu encantamento; penetraram nos mares sombrios, deixaram para trás as suas sombras e viram Tol Eressëa, a ilha Solitária, mas não se demoraram; e, por fim, lançaram âncora na baía de Eldamar, e os Teleri viram a chegada daquele navio do Oriente e ficaram assombrados, a olhar de longe a luz do Silmaril, que era muito grande. Então, Eärendil, primeiro dos homens vivos, desembarcou nas costas imortais e falou a Elwing e àqueles que estavam com ele, que eram três marinheiros que tinham percorrido todos os mares a seu lado: Falathar, Erellont e Aerantir eram os seus nomes. E Eärendil disse-lhes: "Aqui ninguém além de min desembarca, não se abata sobre vós a ira dos Valar. Mas esse perigo assumirei sozinho, por amor as duas famílias. Mas Elwing respondeu: "Então se separariam para sempre os nossos caminhos; pelo contrário, todos os perigos que correres correrei também." E saltou para a espuma branca e correu para ele; Eärendil, porém, estava triste, pois receava a cólera dos senhores do Ocidente contra qualquer um da Terra Média que ousasse transpor as fronteiras de Aman. E ali se despediram dos companheiros de viagem e se afastaram deles para sempre. Então, Eärendil disse a Elwing: "Espera por min aqui, pois um só pode transmitir a mensagem que é meu destino transmitir." E penetrou sozinho na terra e chegou à Calacirya; e pareceu-lhe vazia e silenciosa, pois, como Morgoth e Ungoliant tinham chegado em eras passadas, assim chegara agora numa época de festival, e quase toda a gente élfica fora para Valimar ou estava reunida nos salões de Manwë, e poucos restavam para vigiar as muralhas de Tirion. Mas alguns houve que o viram de longe e à grande luz que trazia, e foram apressadamente a Valimar. Mas Eärendil subiu o monte verde de Túna e encontrou-o deserto; entrou nas ruas de Tirion, que estavam vazias, e o seu eco ficou pesado, pois receou que algum mal tivesse acontecido até ao próprio reino abençoado. Andou pelos caminhos desertos de Tirion; a poeira que cobria o seu vestuário e os seus sapatos era uma poeira de diamantes, e ele brilhava e cintilava enquanto subia a comprida escada branca. E chamou alto em muitas línguas, tanto dos Elfos como dos Homens, mas não havia ninguém que lhe respondesse. Por isso, por fim, voltou para trás, na direção do mar; mas, precisamente quando metia pela estrada da praia, alguém se ergueu no monte e o chamou, numa voz muito forte: "Salve, Eärendil, dos marinheiros o mais famoso, o esperado que chega inesperadamente, o desejado que chega quando perdida é a esperança! Salve, Eärendil, portador de luz perante o Sol e a Lua! Esplendor dos filhos da Terra, estrela na escuridão, pedra preciosa no crepúsculo radiante!" A voz era do arauto de Manwë que vinha de Valimar e disse a Eärendil que comparecesse perante

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os poderes de Arda. E Eärendil entrou em Valinor e nos salões de Valimar e nunca mais voltou a pisar as terras dos Homens. Então, os Valar reuniram-se em conselho e chamaram Ulmo das profundezas do mar; e Eärendil encarou os seus rostos e transmitiu a mensagem das duas famílias. Pediu perdão para os Noldor e piedade para os seus grandes sofrimentos, assim como compaixão para com os Homens e os Elfos e socorro nas suas necessidades. E a sua súplica foi atendida. Diz-se entre os Elfos que, depois de Eärendil ter partido em busca de Elwing, sua mulher, Mandos falou a respeito do seu destino e disse: "Poderá mortal homem pisar vivo as imortais terras e mesmo assim viver?" Mas Ulmo disse: "Para isto nasceu ele no mundo. E diz-me: é ele Eärendil, filho de Tuor, da linhagem de Hador, ou filho de Idril, filha de Turgon, da casa élfica de Finwë?" E Mandos respondeu: "Igualmente os Noldor, que de livre vontade se exilaram, não podem aqui regressar." Mas, depois de tudo dito, Manwë tomou a sua decisão e disse: "Nesta matéria, o poder de decidir compete-me. O perigo a que ele se aventurou por amor das duas famílias não recairá sobre Eärendil, nem recairá sobre Elwing, sua mulher, que perigo correu por amor dele; mas eles não voltarão a caminhar nunca mais entre elfos ou homens nas terras exteriores. E eis o que decreto a seu respeito: a Eärendil e a Elwing, assim como aos seus filhos, será dada a cada um autorização para escolher livremente a qual das famílias os seus destinos se unirão e sob cuja família serão julgados." Como Eärendil estivesse ausente muito tempo, Elwing sentiu-se só e receosa; e, caminhando pela margem do mar, chegou perto de Alqualondë, onde se encontravam as esquadras dos Teleri. Os Teleri acolheram-na com amizade, escutaram as suas histórias de Doriath e Gondolin e dos sofrimentos de Beleriand e ficaram cheios de compaixão e espanto; e aí Eärendil a encontrou ao regressar, no porto dos Cisnes. Mas não tardaram a ser chamados a Valimar, onde o decretado pelo rei supremo lhes foi repetido. Então, Eärendil disse a Elwing: "Escolhe tu, pois eu agora estou cansado do mundo."E Elwing escolheu ser julgada entre os filhos primogênitos de Ilúvatar, por causa de Lúthien; e, por amor dela, Eärendil escolheu o mesmo, embora o seu coração estivesse mais com a família dos Homens e do povo do seu pai. Então, por ordem dos Valar, o arauto de Manwë foi à praia de Aman onde os companheiros de Eärendil ainda se encontravam à espera de notícias; escolheu um barco, os três marinheiros foram metidos nele e os Valar enviaram-nos para o Oriente, com um grande vento. Mas depois consagraram Vingilot e levaram-no através de Valinor, até à orla extrema do mundo; e aí transpôs a porta da noite e foi erguido até aos oceanos do céu. Belo e maravilhoso era esse navio e estava cheio de uma flama trêmula, pura e luminosa; e Eärendil, o marinheiro, empunhava o leme, cintilante de pedras preciosas élficas, e o Silmaril estava preso à sua fronte. Longe viajou nesse navio, até mesmo pelos vácuos sem estrelas: mas o mais freqüente era vê-lo de tarde ou ao anoitecer, deslumbrante no nascente ou no poente, quando regressava a Valinor de viagens para além dos confins do mundo. Elwing não o acompanhava nessas viagens, pois não podia suportar o frio nem os vácuos ínvios, e preferia a terra e os doces ventos que sopravam em mar e monte. Por isso, foi construída para ela uma torre branca, para norte, nas fronteiras dos mares divisores; e aí paravam às vezes todas as aves marinhas da terra. E diz-se que Elwing aprendeu a fala das aves, de que ela própria em certa altura tivera a forma; e elas ensinaram-lhe a arte do vôo, e as asas dela eram branco e cinzentas. E por vezes, quando Eärendil, ao regressar, se aproximava de Arda, ela voava ao seu encontro, do mesmo modo que voara havia muito tempo, quando fora salva do mar. Então, os elfos de vista apurada que habitavam na ilha Solitária viam-na como uma ave branca, brilhante, com tonalidades róseas ao pôr do Sol, quando pairava jubilosa para saudar o regresso de Vingilot ao porto.

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Quando Vingilot foi preparado para navegar nos mares do céu, a Silmaril ergueu-se de forma inesperada e cintilante; e o povo da Terra Média olhou-o de longe e pasmou, tomou-o por um sinal chamando-lhe de Gil-estel (a Estrela da Alta Esperança). E, quando essa nova estrela foi vista ao escurecer Maedhros falou a Maglor, seu irmão, e perguntou: "É certamente um Silmaril que brilha agora no ocidente?" E Maglor respondeu: "Se é, na verdade, o Silmaril que vimos lançado ao mar que se ergue de novo pelo poder dos Valar, então alegremo-nos, pois a sua glória é vista por muitos e, apesar disso, está protegido de todo o mal." Então, os Elfos olharam para cima e deixaram de desesperar; mas Morgoth ficou cheio de dúvida. Diz-se, no entanto, que Morgoth não esperava o ataque que contra ele foi desencadeado do Ocidente, pois o seu orgulho tornara-se tão grande que se convencera de que ninguém voltaria a declarar-lhe guerra aberta. Além disso, pensava que afastara para sempre os Noldor dos senhores do Ocidente e que, satisfeitos no seu reino bem-aventurado, os Valar não se importariam mais com o reino dele no mundo exterior, pois para aquele que é desapiedado. os atos de piedade são sempre estranhos e inesperados. Mas a hoste dos Valar preparou-se para o combate; debaixo das suas bandeiras brancas marchavam os Vanyar, o povo de Ingwë e também aqueles dos Noldor que nunca tinham partido de Valinor e cujo chefe era Finarfin, filho de Finwë. Poucos dos Teleri estavam dispostos a partir para a guerra, pois lembravam-se da matança no Porto dos Cisnes e do roubo dos seus navios; mas escutaram Elwing, que era filha de Dior Eluchíl e provinha da sua própria família, e enviaram marinheiros suficientes para tripular os navios que transportavam a hoste de Valinor para oriente, pelo mar. No entanto, permaneceram a bordo dos seus navios e nenhum deles pôs os pés nas terras próximas. Da marcha da hoste dos Valar para o Norte da Terra Média pouco se fala em qualquer história, pois entre eles não se contava nenhum dos elfos que tinham vivido e sofrido nas terras próximas e que fizeram as histórias desses tempos que ainda são conhecidas; notícias dessas coisas só as tiveram muito depois, por intermédio dos seus parentes em Aman. Mas, finalmente, o poderio de Valinor veio do Ocidente e o desafio das trompas de Eönwë encheu o céu; e Beleriand ficou incendiada com a glória das suas armas, pois a hoste dos Valar apresentava-se com formas jovens, belas e terríveis, e as montanhas estremeciam debaixo dos seus pés. Ao encontro das hostes do Ocidente e do Norte chama-se Grande Batalha ou Guerra da Ira. Para lá foi enviado todo o poder do trono de Morgoth, que se tornara tão grande que não se podia avaliar, de modo que Anfauglith não pôde contê-lo; e todo o Norte foi incendiado pela guerra. Mas de nada lhe valeu. Os Balrogs foram destruídos, com exceção de alguns poucos que fugiram e se esconderam em cavernas inacessíveis, nas raízes da terra; e as incontáveis legiões de orcs pereceram como palha numa grande fogueira ou foram varridas como folhas secas diante de um vento escaldante Poucos restaram para incomodar o mundo durante muitos anos futuros E os poucos que restavam das três casas dos amigos dos Elfos e pais dos Homens, combateram do lado dos Valar e nesses dias vingaram Baragund e Barahir, Galdor e Gundor, Huor e Húrin, e muitos outros dos seus senhores. Mas uma grande parte dos filhos dos Homens, quer do povo de Uldor, quer outros recém-chegados do Oriente, marcharam com o inimigo; e os Elfos não o esquecem. Então, vendo que as suas hostes estavam derrotadas e o seu poder dispersado, Morgoth temeu-se e não ousou avançar ele próprio. Mas lançou contra os inimigos o último e desesperado ataque que preparara, e dos buracos de Angband saíram os dragões alados, que nunca tinham sido vistos antes; e tão súbito e ruinoso foi o aparecimento dessa temível esquadra que a hoste dos Valar recuou, pois a vinda dos dragões foi acompanhada de grande trovoada e relâmpagos e de uma tempestade de fogo. Mas Eärendil chegou, ofuscante em uma chama branca, e à volta de Vingilot estavam reunidas todas as grandes aves do céu, e Thorondor era o seu capitão; travou-se combate no ar durante todo o dia e uma negra noite de dúvida. Antes do nascer do Sol, Eärendil. matou Ancalagon, o Negro, o mais poderoso da hoste dos dragões, e arremessou do céu; e ele caiu nas torres de

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Thangorodrim, que foram destruídas pela ruína do dragão. Então, o Sol nasceu, a hoste dos Valar predominou e quase à noite todos os dragões estavam destruídos; e todas as minas de Morgoth foram atacadas, e as forças dos Valar desceram às profundezas da terra. Ali Morgoth ficou finalmente encurralado e continuou covarde. Fugiu para a mais funda das suas minas e suplicou paz e perdão, mas os pés foram-lhe cortados, e ele lançado de bruços ao chão. Então, foi amarrado com a corrente Angainor, que outrora usara, a sua coroa de ferro foi transformada numa coleira para o pescoço e a sua cabeça foi inclinada para os seus joelhos. E os dois Silmarils que restavam a Morgoth foram tirados da sua coroa e brilharam, impolutos, sob o céu; e Eönwë tomouos e guardou-os. Assim se pôs fim ao poder de Angband no Norte e o reino do mal foi reduzido a nada; e das profundas prisões saiu para a luz do dia uma multidão de escravos que haviam perdido toda a esperança e deparou-se-lhes um mundo que estava mudado, pois tão grande fora a fúria daqueles adversários que as regiões setentrionais do mundo ocidental tinham sido separadas, e o mar avançava, rugindo através de muitos abismos, e havia confusão e grande barulho; e rios desapareceram ou encontraram novos leitos, os vales subiram e montes desceram; e o Sirion já não existia. Então, Eönwë como arauto do rei supremo, chamou os elfos de Beleriand para partirem da Terra Média. Mas Maedhros e Maglor não quiseram ouvi-lo e prepararam-se, embora com fadiga e repugnância, para tentar, em desespero, cumprir o seu juramento, pois teriam travado batalha pelos Silmarils se lhes fossem recusados, mesmo contra a hoste vitoriosa de Valinor e ainda que se encontrassem sozinhos contra todo o mundo. E, por isso, enviaram uma mensagem a Eönwë, pedindo-lhe que devolvesse agora as jóias que em tempos antigos Fëanor, seu pai, fizera e. Morgoth lhe roubara. Mas Eönwë respondeu que o direito ao trabalho do seu pai, que os filhos de Fëanor primitivamente tinham possuído, caducara, entretanto devido as suas muitas e implacáveis ações, na cegueira do seu juramento, e principalmente por causa de terem matado Dior e atacado os portos, a luz dos Silmarils iria agora para o Ocidente, donde viera no princípio; e a Valinor deviam Maedhros e Maglor regressar e aí aguardar o julgamento dos Valar, por cujo exclusivo mando entregaria Eönwë as jóias à sua guarda. Então, Maglor desejou deveras submeter-se, pois o seu coração estava pesaroso, e disse: "O juramento não diz que não possamos dar tempo ao tempo, e é possível que em Valinor tudo seja perdoado e esquecido e alcancemos a nossa própria paz. " Mas Maedhros respondeu que, se regressassem a Aman e o favor dos Valar lhes fosse recusado, então o seu juramento manter-se-ia, mas sem qualquer esperança de cumprimento; e disse: "Quem poderá dizer que terrível destino nos esperará se desobedecermos aos poderes na sua própria terra ou alguma vez nos propusermos levar de novo a guerra ao seu reino sagrado?" Mas Maglor teimou na sua e disse: "Se os próprios Manwë e Varda negarem o cumprimento de um juramento que fizemos nomeando-os como testemunhas, não tornarão esse juramento nulo?" E Maedhros respondeu: "Mas como chegarão as nossas vozes a Ilúvatar, para além dos círculos do mundo? E por Ilúvatar juramos na nossa demência e clamamos que se abatesse sobre nós a escuridão eterna se não cumpríssemos a nossa palavra. Quem nos libertará?" "Se ninguém nos puder libertar", disse Maglor, "então, a escuridão eterna será o que nos espera, quer cumpramos o nosso juramento, quer lhe faltemos; mas menos mal faremos faltando a ele.' No entanto, acabou por submeter-se à vontade de Maedhros e aconselharam-se juntos quanto à maneira de deitarem mãos aos Silmarils. Disfarçaram-se, foram de noite ao acampamento de Eönwë, entraram sorrateiramente no lugar onde os Silmarils estavam guardados; mataram os guardas e apoderaram-se das jóias. Então, todo o acampamento se levantou contra eles e prepararam-se para morrer, defendendo-se até ao fim. Eönwë, porém, não permitiu que se matassem os filhos de Fëanor; e, partindo sem combate, eles fugiram para muito longe. Cada um

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deles tomou para si um Silmaril, pois disseram: "Visto um estar perdido para nós e só restarem dois, e dos nossos irmãos também só restarmos nós dois, é evidente que o destino queria que compartilhássemos a herança do nosso pai." Mas a jóia queimou a mão de Maedhros, causando-lhe insuportável dor, e ele compreendeu que era como Eönwë dissera e que o seu direito se tornara vazio, que o juramento era vão. E, tomado de angústia e desespero, lançou-se num abismo hiante cheio de fogo, e assim terminou; e o Silmaril que levou consigo foi recebido no seio da terra. E diz-se de Maglor que não pôde suportar a dor com que o Silmaril o atormentava e, por fim, lançou-o ao mar; depois disso vagueou para sempre nas praias, a cantar de dor e mágoa ao lado das ondas, pois Maglor era poderoso entre os cantores de antigamente, vindo logo a seguir a Daeron de Doriath; mas nunca voltou ao seio do povo dos Elfos. E assim aconteceu que os Silmarils encontrassem as suas longas moradas: um nos ares do céu, um nos fogos do cor do mundo e um nas águas profundas. Naquele tempo construíram-se muitos navios nas costas do mar ocidental; e daí, em muitas frotas, se fizeram os Eldar à vela para o Ocidente e nunca mais voltaram às terras de pranto e guerra. E os Vanyar regressaram sob as suas bandeiras brancas e foram conduzidos em triunfo a Valinor; mas a sua alegria pela vitória não era completa, pois regressavam sem os Silmarils da coroa de Morgoth e sabiam que essas jóias não poderiam ser encontradas e de novo reunidas, a não ser que o mundo fosse destruído e reconstruído. E, quando chegaram ao Ocidente, os elfos de Beleriand instalaram-se em Tol Eressëa, a ilha Solitária, voltada tanto para ocidente como para oriente; e daí podiam até ir a Valinor. Receberam de novo o amor de Manwë e o perdão dos Valar; e os Teleri perdoaram a sua antiga mágoa, e a maldição foi deixada em paz. No entanto, nem todos os Eldalië estiveram dispostos a abandonar as terras próximas, onde longamente tinham sofrido e vivido; e alguns ficaram muitas eras na Terra Média. Entre eles contavam-se Círdan, o construtor naval, e Celeborn, de Doriath, com Galadriel, sua mulher, os únicos que restavam dos que tinham conduzido os Noldor ao exílio Na Terra Média ficou também Gil-galad, o rei supremo, e com ele estava Elrond Meio-Elfo, que escolheu, como lhe foi consentido, ser contado entre os Eldar; mas Elros, o seu irmão, preferiu viver com os Homens. E apenas através destes irmãos passou a haver entre os Homens o sangue dos primogênitos e um vestígio dos espíritos divinos existentes antes de Arda, pois eles eram os filhos de Elwing, filha de Dior, filho de Lúthien, filha de Thingol e Melian; e Eärendil, seu pai, era o filho de Idril Celebrindal, filha de Turgon, de Gondolin. Mas a Morgoth os Valar empurraram pela porta da noite, para lá das muralhas do mundo, para o vazio eterno; e foi colocado um guarda para sempre nessas muralhas, e Eärendil vigia nas fortificações do céu. No entanto, as mentiras que Melkor, o poderoso e maldito, Morgoth Bauglir, o poder do terror e do ódio, semeou nos corações dos Elfos e dos Homens são uma semente que não morre e não pode ser destruída; e de tempos a tempos germina de novo e dará negro fruto até aos dias derradeiros. Aqui termina O Silmarillion. Se passou do elevado e do belo para a escuridão e ruína, esse foi desde tempos remotos o destino de Arda, desfigurada; e, se alguma mudança se der e o desfigura mento for reparado, Manwë e Varda devem saber, mas não o revelaram e não está declarado nos designeos de Mandos.

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