Hsugar-agonia

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VIEIRA, Alberto (1996), A Agonia do açúcar,

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: VIEIRA, Alberto (1996), A Agonia do açúcar, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/hsugar-agonia.pdf, data da visita: / /

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A AGONIA DO AÇÚCAR

ALBERTO VIEIRA 1996 FUNCHAL-MADEIRA EMAIL:[email protected]

http://www.madeira-edu.pt/ceha/

"Para mim as coisas doces não fazem mal" (Avicena.980-1037)

"Seria muy bien que se oviese de la isla de la Madera cincuenta pipas de miel de açucar, porque es el mejor mantenimiento del mundo e más sano" (Memorial de Colombo para os reis católicos de 30 de Janeiro de 1494) O açúcar está a morrer. Os principais mercados produtores da América à Austrália debatem-se com a concorrência da beterraba e da campanha mundial movida contra o seu uso, movida pela dietética. Por isso alguns mercados, como o México e cuba, debatem-se com o problema de sub-produção, enquanto no Brasil o problema foi minorado com o desvio do álcool para o combustível. A situação é de tal modo crítica que hoje se organizam, nos principais mercados produtores americanos, campanhas de promoção do consumo de açúcar e uma guerra sem tréguas aos elducorantes, que para muitos são tanto ou mais nocivos que o açúcar. Por felicidade a Madeira encerrou o seu "ciclo" do açúcar há alguns anos, fazendo-o subsistir em algumas clareiras apenas as necessidades da doçaria e bebidas. Os elevados custos da sua produção não favoreciam a continuidade da cultura. Note-se que no vizinho arquipélago das Canárias ela se extinguiu por completo, persistindo, no entanto, a produção do rum agora elaborado com os melaços importados da América Latina. Mas em Motril, no sul de Espanha, o açúcar persistiu até ao momento presente e só agora a indústria apresenta os primeiros sinais de crise, não obstante a constante solicitação de álcool e a aguardente para fabrico do rum. O facto mais estranho desta situação é que a crise do mercado mundial acontece por falta de consumidores, assente, em muitos casos, numa negação ao seu consumo. Inversa foi a situação vivida no século XV, que despoletou a expansão da cultura e a afirmação do consumo do açúcar. Este fenómeno havia-se iniciado no século X, por iniciativa dos árabes. A medicina e farmacopeia árabes são exemplo disso, sendo o testemunho de Avicena, um dado mais desta conjuntura de afirmação do açúcar no quotidiano árabe. No século XII ele surge nas farmácias, considerado como um remédio para os idosos, pelas suas propriedades dietéticas e laxantes. Na culinária adquiriu, aos

poucos um lugar privilegiado, tornando-se num substituto importante do sal ou na origem da rica doçaria. Parte significativa destes hábitos passaram para o Ocidente por meio dos árabes. Deste modo a península descobriu o açúcar, que conquistou o lugar do mel. Cá como lá o seu uso começou a vulgarizar-se na farmacopeia e culinária. Mas tardou muito tempo para que ele se tornasse num produto de uso corrente. Foi só no início do século dezanove que o seu consumo se generalizou à escala mundial. Novos mercados, dispondo de um elevado excedente, e novos hábitos alimentares, com a generalização do chá e café, criaram as condições para esta plena afirmação. No século XV, com a expansão da cultura a Ocidente, ao consumidor depararam-se algumas possibilidades. Mesmo assim estas eram reduzidas, pois em Portugal o consumo per capita não ultrapassava as 74,6 gramas ao ano. Mas o açúcar da Madeira continuará ainda a ser um privilegio de poucos e uma mezinha para as inúmeras doenças. Não é por acaso que o rei havia estabelecido uma esmola anual de açúcar para os hospitais da Madeira, S.Miguel e Lisboa. Mais do que uma esmolas estávamos perante um produto indispensável na cura das doenças, numa época em que as mezinhas eram escassas e o baixo valor calórico da dieta alimentar gerava problemas de subnutrição. Outro uso importante de um dos seus derivados- o mel- como fortificante ou complemento alimentar na dieta de bordo. E é esta constatação que levou Colombo a solicitar em 1494 cinquenta pipas dele para acudir os seus homens nas Antilhas. Ainda outra das formas possíveis de fruição das propriedades da cana era o "chupar" da mesma, situação que todos nós recordamos. Mas este é um habito ancestral, pois já em 1530 Giulio Landi constata este habito generalizado na ilha. Diz ele: "Os da ilha, com grande gosto, comem em jejum canas maduras e frescas e dizem que rejuvenescem para dar sensualidade ao corpo, para refrescar o fígado, para saciar a sede, e para branquear os dentes". As posturas recomendam aos esburgadores e almocreves, que carregavam as canas ao engenho, especial cuidado na guarda delas para evitar o furto dos usuais "chupadores" de cana, que pululavam pelos caminhos que conduziam ao engenho. E é o mesmo quem refere um prato preferido das mulheres grávidas: "sopas com pão torrado deitado na ultima cozedura do suco das canas, cobrindo depois com gemas de ovo, e dizem que este alimento faz recuperar as forças perdidas, conforta o estômago e os intestino, e dá boa disposição ao ventre". Esta observação testemunha que, o facto de a ilha ter sido uma importante região produtora de açúcar, ele entrou nos hábitos de consumo do madeirense. A parte do produto final não aproveitado pela exportação, como os meles, escumas e rescumas, era utilizado como complemento alimentar. Note-se que nas posturas säo estabelecidas medidas especiais para coibir os intervenientes na safra do engenho ao roubo destes subprodutos. A par disso na ilha ganhou forma a industria das conservas e doçaria. A oferta de doces foi sempre considerada, desde os árabes, com um acto de hospitalidade a testemunhar a nossa amizade e paz. As freiras, nomeadamente as do Convento de Santa Clara, foram exímias nesta arte de bem receber, deliciando a gula dos inúmeros visitantes. Assim em 1687 Hans Sloane não hesita em afirmar que nunca havia comido "coisas tão boas". É por isso que em 1923 Emanuel Ribeiro escreveu que "o doce nunca amargou...", mas hoje parece que o mesmo está a provocar grandes amargos de boca aos seus produtores e consumidores.

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