Hojemacau -- 20-11-2009
Director: Carlos Morais José
Opinio juris
O terreno da Galaxy EDIÇÕES......
--- 20-11-2009 --O terreno da Galaxy Ecos da memória Encontros com a história
Jorge Godinho* --
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A questão da concessão por arrendamento de um terreno de dimensões consideráveis a uma concessionária de jogos de fortuna e azar, com faculdade de subarrendamento, adquiriu uma dimensão política mais ampla após a sessão da Assembleia Legislativa do dia 12 de Novembro. Com efeito, já não se trata apenas de uma questão de terras: o caso veio ilustrar como poderá vir a funcionar a nova Assembleia Legislativa, eleita e nomeada em Setembro de 2009, na sua relação com o Governo. Em síntese, creio que é justa a observação de que a actuação da Assembleia Legislativa neste caso concreto foi decepcionante. Haverá porventura razões para concluir que o processo de concessão foi conduzido pelo Governo dentro da legalidade e com respeito por todas as formalidades; é matéria cuja discussão evidentemente não será aqui e agora empreendida. Seja como for quanto ao problema de fundo, sempre direi que a insistência na legalidade não basta. As soluções das questões devem ancorar-se em fundamentos substanciais que sejam facilmente perceptíveis por qualquer não jurista. É por isto que em várias empresas privadas se adopta uma cultura de integridade que não pergunta apenas pela legalidade. É necessário ainda que as soluções adoptadas façam sentido: que sejam respostas razoáveis e éticas para um problema, que resultem de políticas esclarecidas, aplicadas de forma sistemática e coerente. É isto que está por perceber na questão da possibilidade de subarrendar terrenos em Macau, independentemente de questões de estrita legalidade. Neste sentido, uma resposta meramente legalista-positivista não satisfaz e só salienta uma necessidade de alteração da lei e/ou das práticas administrativas. Dizer-se que algo é alegadamente lícito nada nos transmite sobre o valor moral ou ético daí decorrente. Especialmente perante leis assaz porosas e cuja imperfeição é reconhecida: sabe-se que tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de fundo com vista à revisão da Lei de Terras, para responder às preocupações sentidas. Os problemas aqui co-envolvidos sobem de tom num contexto de enorme competitividade entre vários grupos económicos, e perante o bem mais escasso em Macau: a terra. Surgiram vozes de operadores, legitimamente questionando a situação. Tudo assim coloca aos decisores públicos acrescidas exigências de legalidade, imparcialidade e transparência. Não sendo de excluir um possível aumento da litigância no futuro: recorde-se o processo dos barcos da Venetian. É certo que prevalece ainda em Macau um certo tipo de moralidade nos termos da qual impugnar em tribunal administrativo é tido quase como uma afronta ou insulto e não como o regular exercício de um direito. Porém, este traço cultural poderá esboroar-se com o passar do tempo, com a
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Hojemacau -- 20-11-2009
multiplicação dos actores e com a crescente complexidade social, internacionalização e propensão para a litigância. O tabu judicial pode ter os dias contados. Neste contexto, a Assembleia Legislativa rumou contra os tempos. De forma alguma se entende que nem sequer tenha querido procurar esclarecer e aprofundar os contornos da questão, e tenha como tal decidido chumbar a proposta de audição do Governo. O que se deveu à conjugação de forças nas actuais bancadas: nomeadamente, votaram contra todos os deputados nomeados pelo Chefe do Executivo. Se houvesse democracia plena, ou seja, se só existissem deputados eleitos pela via directa, a proposta de audição parlamentar do Governo e da concessionária teria sido aprovada por uma maioria esmagadora e deveria ter lugar. Sucede porém que os deputados eleitos são uma minoria e, como titulou O Clarim de forma lapidar, os “nomeados e indirectos ditam as regras”. Assim, confirma-se que a composição “tripartida” da Assembleia Legislativa (29 deputados, dos quais apenas 12 são directamente eleitos, sendo sete nomeados por escolha pessoal, e dez resultantes de eleições indirectas em que regularmente só surge um candidato) está gasta, não beneficia Macau, e precisa de uma reforma profunda. É necessário corrigir este evidente défice democrático, aumentando o número de deputados eleitos pelo menos para 18 (como foi proposto pela lista Voz Plural Gentes de Macau) e reduzindo os nomeados pelo Chefe do Executivo. Em suma: começou mal a Assembleia Legislativa 2009-2013, que rejeitou uma oportunidade evidente de fazer o que lhe compete, de se afirmar como um verdadeiro parlamento e não como um mero conselho legislativo, e não se credibilizou aos olhos da população de Macau. Enquanto a composição da Assembleia permanecer nos moldes actuais não poderá haver ilusões sobre a sua real capacidade de exercer uma acção fiscalizadora da actuação do Governo. Com este inexplicável chumbo, todos ficámos a perder. Assim, cabe continuar a insistir na necessidade de ajustamentos e reformas substanciais na estrutura constitucional da RAEM, plasmada na Lei Básica, como foi amplamente discutido durante a campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa em Setembro. É imprescindível que sejam formuladas propostas e definidos calendários para se avançar com as alterações na composição da Assembleia Legislativa de que esta urgentemente necessita, reforçando a sua legitimidade democrática e a sua independência em relação ao Governo. Em especial, este episódio comprova, de novo, que a figura dos deputados nomeados pelo Chefe do Executivo deve ser a primeira a desaparecer, por já não fazer sentido, independentemente de saber se teve justificação no passado. Impõe-se uma reforma constitucional na RAEM. * Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau
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