HISTÓRIA, CULTURA E TRADIÇÃO NO ARQUIPÉLAGO DA MADEIRA
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Funchal.12 a 20 de Julho de 1999
ALBERTO VIEIRA
PROGRAMAÇÃO DAS SESSÕES
12.13.14. JULHO HISTÓRIA DA MADEIRA - DESCOBRIMENTO, POVOAMENTO: ORIGEM E CULTURA, - A MADEIRA E O ATLÂNTICO: CANÁRIAS, ÁFRICA, BRASIL, ESCRAVOS, ESTRANGEIROS
15. JULHO QUOTIDIANO COM E COMO HISTÓRIA
16. JULHO TESTEMUNHOS E TÉCNICAS DE RECOLHA: fontes históricas, vestígios materiais, bens móveis e imóveis
19. JULHO HISTÓRIA E TRADIÇÃO: o conceito tradição, Folclore, Religiosidade, usos e costumes 20. JULHO
HISTÓRIA ORAL: técnicas
12.13.14. JULHO HISTÓRIA DA MADEIRA Visão global sobre a História da Madeira em que se pretende destacar os aspectos mais evidentes da sua relação directa e indirecta com a cultura popular DESCOBRIMENTO, POVOAMENTO: ORIGEM E CULTURA, O processo de europeização do espaço insular é fundamental na definição dos vínculos e matriz da cultura. O descobrimento do século XV revelou ao europeu este novo espaço que se torno, de imediato, em motivo de atracção de portugueses e demais europeus. O povoamento conduziu a uma mistura de populações de diversas origens. Os colonos europeus, ou os escravos africanos, trouxeram consigo, as plantas, os animais, as técnicas, as tradições, os usos e os costumes. Aquilo que nos espera é a descoberta desta "bagagem cultural e material" e ver em que medida se pode assinalar uma evolução ou permanência.
1.O DESCOBRIMENTO Em 8 de Setembro de 1460 o infante D. Henrique, na qualidade de senhor das ilhas do arquipJlago da Madeira, dava a entender o seu protagonismo no seu descobrimento com a seguinte expressno: "...novamente achei". Novamente, J interpretado por todos como pela primeira vez pelo que antes nno haviam sido encontradas ou se o foram delas nno ficara rastro na mem\ria escrita e colectiva. Nno sabemos qual ter< sido o objectivo do Infante em proferir tal expressno, uma vez que a tradiHno hist\rica, divulgada em algumas cr\nicas coevas, testemunha o conhecimento destas ilhas desde meados do sJculo XIV. Para alguns ela prende-se com a disputa em torno das Can
habitualmente resolvida pela sua ligaHno B partilha do mundo, estabelecida pelos tratados, sancionados pelas bulas papais e raras vezes J equacionada B luz do direito da Jpoca e da interpretaHno dos tratadistas. Em 1435 nas alegaHtes apresentadas por D. Afonso de Cartagena, bispo de Burgos, no concRlio de Basileia, justificando a posse e conquista das Can
nia. Por outro lado, Jer\nimo Dias Leite, outro cronista madeirense da segunda metade do sJculo XVI, testemunha diferente opHno dos portugueses: "E pelos padres mandou benzer agua que andarno aspargindo pelo ar e pela terra, como quem desfazia encantamento, ou tomava posse em nome de Deus daquela terra brava, e nova nunca lavrada nem conhecida desde o principio do mundo atJ aquela hora". O acto de posse em nome da coroa portuguesa era justificada pelo facto de nunca ter sido conhecida e ocupada. ConcluRdos os grandes descobrimentos, os argumentos que legitimarno a soberania estno assentes na posse a partir da ocupaHno. Esta tese fez escola no sJculo XIX e comandou o processo de partilha do continente Africano com a conferLncia de Madrid. Descobridores e novos colonizadores decidem que s\ a ocupaHno efectiva legitima o direito de soberania. Correlacionada com a questno dos fundamentos legitimadores da soberania est< a visno da Historiografia da Jpoca dos descobrimentos e oitocentista. O sJculo XIX foi o momento mais importante para a Historiografia dos descobrimentos1. Em plena euforia nacionalista e colonial nasce a Hist\ria e a visno que ficou a marcar o nosso imagin
. Pierre Chaunu, Expansno europeia do sJculo XIII a XV, S. Paulo, 1978, pp.179-195.
a discussno sobre a descoberta da Madeira. A prioridade portuguesa do descobrimento da Madeira, surge tambJm em 1493, na voz de D. Jono II: "porquanto essa ilha nno foi de nossos antepassados nem dela tiveram direito algum ou domRnio antes de ser descoberta e ocupada pelo senhor rei nosso bisav^...". O mesmo sucede nas cr\nicas oficiais, conforme se poder< verificar pelos textos de Francisco Alcoforado e Jer\nimo Dias Leite. Todavia, as fontes narrativas do sJculo XVI nno sno un>nimes quanto a isto, sendo possivel reunir uma diversidade de verstes, muitas delas contrncia prende-se com o protagonismo da coroa e do infante no processo de reconhecimento e ocupaHno da Madeira. A ela est< associada outra, mais geral, sobre o protagonismo da coroa e da casa do infante nos descobrimentos. O debate nno J novo e tno pouco dever< considerar-se encerrado. Tudo isto foi sustentado por Gomes Eanes de Zurara, com o texto que ficou conhecido por Cr\nica de GuinJ, o seu panegRrico do infante. O pr\prio Infante refere que, desde 1425, participou activamente no arquipJlago madeirense mas a documentaHno oficial s\ o menciona como tal a partir de 1433, data em que recebeu do rei o direito de posse. Compiladas informaHtes disponRveis, nomeadamente nos cronistas, J evidente a dificuldade em diferenciar atJ onde chegou o
real protagonismo de ambos. A dnica certeza J de que a partir de 1433 o infante D. Henrique actuou de pleno direito no arquipJlago, sendo o seu senhor. I, na verdade, a partir da dJcada de trinta que as ilhas passaram a assumir import>ncia nos descobrimentos portugueses. Elas afirmam-se com ntico, uma vez perdidas as esperanHas henriquinas na posse e conquista das Canntico, continental e insular. Aqui foram lanHadas, na dJcada de 20, as bases sociais e econ\micas daquilo que ser< definido como a civilizaHno atl>ntica. Tudo isto resulta do facto de a Madeira ter sido a primeira ntica a merecer o impacto da humanizaHno peninsular. Enquanto nas Can
Descobrimento da Ilha da Madeira (...), Coimbra, 1957, p. 9.
que a acHno lusRada na dJcada de 20 deve ser entendida como um processo de povoamento, e nunca de colonizaHno, pois est<mos perante uma porHno de terra inabitada cuja paisagem foi humanizada apenas com a entrada portuguesa3. Esta situaHno favoreceu o processo de ocupaHno, permitindo o ensaio de tJcnicas, produtos e formas de organizaHno do espaHo, sem qualquer entrave humano. Os resultados disto foram de tal modo profRcuos que o exemplo madeirense teve um lugar relevante na expansno peninsular, sendo a referLncia ou modelo para as experiLncias de povoamento que se seguiram. Um dos muitos aspectos polJmicos sobre os prim\rdios da Hist\ria da Madeira J a data em que o solo virgem comeHou a ser desbravado pelos primeiros colonos europeus. Os cronistas sno un>nimes em definir o ano de 1420 como o de comeHo. Todavia, surgem opinites diferentes, como a do infante D. Henrique, que em 1460 declarava: "comeHei a povoar a minha ilha da Madeira aver< ora XXXb anos...", isto J, a partir de 1425 ele iniciara o povoamento da ilha. Mas, na doaHno rJgia de 1433, o monarca afirmara "que agora novamente o dito infante per nossa autoridade pobra". Querer< isto dizer que s\ nesta data o infante assumiu o comando do processo ? Nno. Pelo menos esta nno J a opinino do infante, que nas cartas de doaHno das capitanias apresenta Jono GonHalves Zarco, Tristno Vaz e Bartolomeu Perestrelo, como os primeiros povoadores por seu mandado. Ser< que s\ podemos falar de povoamento a partir de 1425 ou 1433, contrariando a opinino dos cronistas ? A resposta parece ser tambJm negativa, B luz daquilo que nos dizem dois documentos. Primeiro, uma sentenHa do Duque D. Diogo de 6 de Fevereiro de 1483 refere que "podia haver cinquenta e sete anos, pouco mais ou menos, que a essa ilha fora Jono GonHalves Zargo, capitno que fora nessa ilha, levando consigo sua mulher e filhos e outra gente...". Depois, noutra sentenHa Diogo Pinheiro, vigmara do Funchal em que se d< conta do inRcio do povoamento h< cem anos atr<s. Ambos os documentos abonam verstes diversas: enquanto o primeiro coincide com a data apontada pelo infante, o segundo corrobora os cronistas. Por tudo isto a dnica conclusno plausRvel J de que o povoamento efectivo ter< comeHado a partir do fim do dltimo quartel do sJculo XV. Os seis anos que medeiam entre esta data e o seu Confronte-se o que diz a este prop\sito Carreiro da COSTA em EsboHo Hist\rico dos AHores, Ponta Delgada, 1978, p.53
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reconhecimento nno deverno ser encarados como de total alheamento, pois nada nos leva a afirmar que o processo tivesse parado. De acordo com as cr\nicas quatrocentistas e quinhentistas, o processo, que decorreu a partir de 1418, foi faseado. Zurara refere quatro expediHtes B ilha antes que o infante ordenasse o envio dos primeiros colonos e clJrigos para o arranque da ocupaHno e aproveitamento econ\mico. A mesma ideia surge na "RelaHno de Francisco Alcoforado". Pe. Manuel Juvenal Pita Ferreira4 especifica melhor as quatro viagens: 1.Dezembro 1418. primeira viagem de reconhecimento do Porto Santo; 2.Principio de 1419.segunda viagem ao Porto Santo; 3.Junho de 1419. primeira viagem B Madeira 4. Maio de 1420. segunda viagem B Madeira. A forma de ocupaHno e valorizaHno econ\mica da Madeira foi ao encontro das solicitaHtes da conjuntura interna do Reino e do espaHo oriental do Atl>ntico. No primeiro caso, surge como resposta B disputa das Can
anos. Estas cl<usulas, a serem verdadeiras, favorecem a posiHno fundimara de Lobos. Mais alJm, na Calheta, tomou dois Lombas para os seus filhos Jono GonHalves e Beatriz GonHalves. Nas dJcadas seguintes, a concessno de terras de sesmaria e a legitimaHno da sua posse geraram v
A.R.M., C.M.F., registo geral, T. 1, fls. 204-209, publ. in AHM, vol XV, pp.11-20.
findo o prazo estabelecido podia vender, doar, @escambar o fazer dela e em ela como sua pr\pria coisa@. De todas as cartas de doaHno de terras a mais completa J a datada de 1457. AR surgem exaradas as condiHtes em que foi estabelecida a posse das terras. Esta poder< ser considerada uma carta modelo, pois aR estno todas as recomendaHtes: limites da terra, as benfeitorias a implantar e o tipo de culturas (vinhas, canaviais, horta). OS LUGARES E FREGUESIAS O povoamento da ilha, iniciado na dJcada de 20 a partir dos ndcleos do Funchal e Machico, rapidamente alastrou por toda a costa meridional, surgindo novos ndcleos em Santa Cruz, C>mara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta. As condiHtes orogrmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta e Santa Cruz. Isto reflecte-se ao nRvel administrativo com o aparecimento dos primeiros juizes ped>neos de C>mara de Lobos e Ribeira Brava e, depois, os municRpios da Ponta do Sol e Calheta, respectivamente em 1501 e 1502. Entretanto, na capitania de Machico o progresso nno foi tno evidente porque o meio nno oferecia as mesmas condiHtes em termos de contactos e da afirmaHno da economia agrRcola. Deste modo, s\ a localidade de Santa Cruz foi uma excepHno, disputando por vezes a primazia com Machico. DaR resultou a criaHno da vila em 1515. Inserido no perRmetro desta capitania estava toda a costa norte, que, pelas dificuldades de acesso, foi alvo de um povoamento tardio e lento. Isto contrastava com a do Funchal, onde o progresso se deu a um ritmo galopante, o que motivou em 1508 a elevaHno do principal ndcleo de povoamento a cidade. Esta atitude da coroa J justificada pelo elevado ndmero de
fidalgos e cavaleiros que movimento comercial do porto.
aR
viviam
e
o
importante
OS POVOADORES Aos primeiros obreiros e cabouqueiros seguiram-se diversas levas de gente, entusiasmadas com o progresso atingido pela ilha. Neste grupo surgem trinta e seis apaniguados da casa do infante, na sua maioria escudeiros e criados, que adquiriram uma posiHno proeminente ao nRvel administrativo e fundi
Ob. cit., 16; Gaspar FRUTUOSO, ob.cit., 54. LuRs Francisco de Sousa MELO, "A imigraHno da Madeira" in Hist\ria e Sociedade, nº 6, 1979, 39-57; Idem, "O Problema de origem geogr
processo faseado, com a participaHno de colonos oriundos dos mais rec^nditos destinos, e que de todo o Reino surgem gentes empenhadas nesta experiLncia tentadora. I de prever a confluLncia de vnicas - cereal, vinha, cana-de-aHdcar e pastel. O Norte de Portugal, quer pelo facto de ser a regino do paRs mais densamente povoada, quer pela sua permanente vinculaHno B economia madeirense, exerceu por isso uma decisiva influLncia na sociedade nascente. OS ESCRAVOS. A Madeira, porque pr\xima do continente africano e envolvida no seu processo de reconhecimento, ocupaHno e defesa do controlo lusRada, tinha as portas abertas a este vantajoso comJrcio. Deste modo a ilha e os madeirenses demarcaram-se nas iniciais centdrias pelo empenho na aquisiHno e comJrcio desta pujante e promissora mercadoria do espaHo atl>ntico. A ilha chegaram os primeiros escravos guanches, marroquinos e africanos, que contribuiram para o arranque econ\mico do arquipJlago. O comJrcio entre a ilha e os principais mercados fornecedores existiu, desde o comeHo da ocupaHno do arquipJlago, e foi em alguns momentos fulgurante. ImpossRvel J estabelecer com exactidno a quantidade de escravos envolvida. A deficiente disponibilidade documental, para os sJculos XV a XVII, nno o permite. Carecemos dos registos de entrada da alf>ndega do Funchal e dos contratos exarados nas actas notariais. Os escravos que surgem no mercado madeirense sno na quase totalidade de origem africana, sendo reduzida ou nula a presenHa daqueles de outras proveniLncias, como o Brasil, AmJrica Central e India. Isto pode ser resultado, por um lado, da dist>ncia ou das dificuldades no trafico e, por outro, das assRduas medidas limitativas ou de proibiHno, como sucedeu no Brasil e India. Apenas o mercado africano, dominado pela extensa costa ocidental em poder dos portugueses, nno foi alvo de quaisquer proibiHtes. AR as dnicas medidas foram no sentido de regular o trntico do continente africano, definido, primeiro, pelas Can
Golfo da GuinJ e Angola, era a principal fonte de escravos. E aR Madeira foi buscar a mno-de-obra necessmica diferente para os circuitos de comJrcio e transporte. Os cavaleiros e cors
2. A MADEIRA E O ATLÂNTICO: CANÁRIAS, ÁFRICA, BRASIL, ESCRAVOS, ESTRANGEIROS A Madeira, desde o início, evidenciou-se como um espaço charneira do mundo atlântico mantendo contactos com os espaços que também foram alvo de uma ocupação europeia ou que estavam já povoados. Deste relacionamento, motivado por motivações comerciais resultou uma aportação cultural que teve uma influência decisiva na sociedade insular. No grupo de forasteiros que cá se fixam podemos destacar os escravos africanos, sejam oriundos das Canárias, N. de África e Costa da Guiné, cuja presença cultural pode também ser valorada e questionada.
As ilhas atl>nticas assumem uma situaHno particular no contexto das migraHtes portuguesas do sJculo XV. Perante os portugueses deparam-se ilhas desertas, que pela sua riqueza do solo ou pela posiHno geogrntico. Necessidade estratJgica de ocupaHno das ilhas atl>nticas", in Portugal no Mundo, vol. I, pp.201-211.
caso do sobrinho do rei de Fez12. Depois, foi o comeHo do povoamento sob as ordens de GonHalo Vaz, da casa do Infante, que trouxe consigo "homens principais e honrados. alguns deles de casa do infante e outros naturais do Algarve, que o dito infante mandaria para povoarem esta ilha.(...)afora outros homens, tambJm fidalgos e honrados, que depois doutras partes a ela vieram, uns solteiros e outros casados, e com seus filhos e filhas"13. Para as ilhas de Cabo Verde e S.TomJ o processo J muito posterior e apresenta cambiantes diversas, o que levou a uma maiorit
Saudades da Terra, livro IV, vol.I, p.17. . Ibidem, p.17. Nos capRtulos IV a XXXVI o autor apresenta uma relaHno dessas famRlias. 14 Saudades da Terra, livro IV, Ponta Delgada, 1964, p.7 15 . Ant\nio CARREIRA, Cabo Verde, Lisboa, 1983, 300-301. 16 . Monumenta Mission
SuplicaHno que no degredo para S. TomJ e Mina se tivesse em conta aqueles que nno fossem acusados de crimes ruins, uma vez que eram maus exemplos para os escravos. Em 1622 Manuel Severim de Faria apontava-os como a principal causa das dificuldades sentidas no ensino da doutrina os escravos caboverdianos17. Mas, nem todos eram motivo de queixa, pois em 149918 em carta de PLro de Caminha < referida a vida exemplar de Jono Mendes, "bto homem e que est< o milhor afazendado da ilha". Para o perRodo de 1463 a 1500 Vitor Rodrigues19 reuniu 19 de cartas de perdno sobre sentenciados com a pena de degredo, sendo 7 para Cabo Verde e os restantes para S. TomJ. Um dos casos mais significativos J Diogo, escravo de Diogo Leitno, degredado por agressno para Cabo Verde viu comutada a pena a pedido do proprietnticos faz-se em conson>ncia com as condiHtes oferecidas pelo meio, o satisfazer as necessidades cerealRferas ou vntica. No comeHo, a novidade aliada aos indmeros incentivos de fixaHno definiram o primeiro destino, mas, depois, as escassas e limitadas possibilidades econ\micas das ilhas e o fascRnio pelas riquezas das Qndias conduziram a novos rumos. No primeiro caso a Madeira, porque foi rneas. S\ depois surgiram novos destinos insulares, como as Can
. Ibidem, IV, 625. . Ibidem. 19 "A GuinJ nas cartas de perdno(1463-1500), in Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua Jpoca. actas, vol. IV, Porto, 1989, pp.398-412. 20 . ANTT, Chanc. de D. Manuel, lº.46, fl.50, publ. Hist\ria Geral de Cabo Verde.corpo documental, Lisboa, 1988, p.129. 18
fontes hist\ricas nos impedem de afirmar com firmeza. Insiste-se para a Madeira, AHores e Cabo Verde que as primeiras levas de povoadores foram de proveniLncia algarvia, mas nno h< dados suficientemente claros sobre a sua domin>ncia. Esta deduHno resulta do facto de o infante D. Henrique ter fixado morada no litoral algarvio e de l< terem partido as primeiras caravelas de reconhecimento e ocupaHno das ilhas. Mas como encontrar colonos disponRveis gente numa ncia dos flamengos26. Em S. Miguel, a listagem dos primeiros povoadores fornecida por Gaspar Frutuoso leva-nos a concluir por uma idLntica afirmaHno das gentes do Norte de Portugal: em 177 famRlias aR referenciadas 59% eram do reino e 24% da Madeira27. Das primeiras a maior percentagem situa-se na regino de Entre-Douro-e-Minho. E podemos concluir com LuRs da Silva Ribeiro: "A grande maioria dos povoadores foi constituRda por portugueses e no povoamento colaboraram, 21 Vejam-se as aportaHtes de Alberto IRIA(O Algarve e a ilha da Madeira no sJculo XV(documentos inJditos), Lisboa, 1974) e a crRtica de Fernando Jasmins PEREIRA ("O Algarve e a ilha da Madeira. CrRticas e aditamentos a Alberto Iria", in Estudos sobre Hist\ria da Madeira, Funchal, 1991, pp. 283-296). O tema foi retomado por Artur Teodoro de MATOS("Do contributo algarvio no povoamento da Madeira e dos AHores", in Actas das I Jornadas de Hist\ria medieval do Algarve e Andaluzia, LoulJ, 1987), que releva a import>ncia das gentes algarvias no povoamento da Madeira e AHores. 22 . "Aspectos e problemas da expansno portuguesa", in Estudos de CiLncias PolRticas e Sociais, nº.59, Lisboa, 1962. 23 LuRs de Sousa MELO, "O problema da origem geogr
mais ou menos, todas as provRncias de Portugal"28. A inexistLncia de registos capazes de elucidar esta realidade leva-nos a buscar outro tipo de testemunhos capazes de denunciarem a origem destes primeiros colonos. Os dados fornecidos pela Genealogia, AntroponRmia, LinguRstica e Etnologia referem uma origem variada para os primeiros colonos que actuaram como o fermento da nova sociedade aHoriana: minhotos, alentejanos, algarvios, madeirenses e flamengos corporizam o comeHo da sociedade29. I compreensRvel que, a exemplo do que sucedeu na Madeira, no grupo de povoadores das ilhas de Santa Maria e S. Miguel surgisse um grupo de gentes algarvias ou aR residentes, que corporizaram a oligarquia local. Mas depois a principal forHa-motriz da sociedade e economia aHorianas deveria ser, necessariamente, do norte de Portugal. E se no comeHo os contactos eram, preferencialmente, com o Algarve diversificaram-se depois a exemplo da Madeira manteve-se uma forte vinculaHno Bs terras nortenhas. Partindo do princRpio de que o povoamento das ilhas foi um processo faseado, que atraiu a totalidade das regites peninsulares e atJ mesmo mediterr>neas, J de prever a confluLncia de gentes de vntico, tambJm nno J menos certo que esta era uma
. "FormaHno hist\rica do povo aHoriano", in AHoreana, vol. II, 1941, 195. Tenha-se em conta os coment
alguns algarvios, que acompanharam ;lvaro de Caminha em 149330. Cedo foram reconhecidos os efeitos nefastos da presenHa dos judeus nestas paragens, responsabilizados pela quebra do comJrcio e das receitas do erncia do reino e as dificuldades de recrutamento de colonos europeus devido B insalubridade do clima condicionaram, de modo evidente, a forma da sua expressno Jtnica. A par de um reduzido ndmero de europeus, restrito em alguns casos aos familiares dos capitnes e funcion
No caso das Canncia assumida pela cultura na ilha e comJrcio do seu produto no mercado europeu foi resultado da intervenHno desta comunidade. Florentinos e genoveses foram os principais obreiros. Os primeiros evidenciaram-se nas transacHtes comerciais e financeiras do aHdcar madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa controlam B dist>ncia, por meio de uma rede de feitores, o comJrcio do aHdcar madeirense. Para isso conseguiram da fazenda real o quase exclusivo do comercio do aHdcar resultante dos direitos cobrados pela coroa na ilha, bem como o monop\lio dos contingentes de exportaHno estabelecidos pela coroa em 1498. Nomes como Benedito Morelli, Marchioni, Jono Francisco Affaitati, Jer\nimo Sernigi, tLm interesses na ilha onde actuam por iniciativa pr\pria ou por intermJdio dos seus agentes, madeirenses e compatrRcios seus. A penetraHno deste grupo de mercadores na sociedade madeirense J por demais evidente. O usufruto de privilJgios reais e o relacionamento matrimonial favoreceram a sua integraHno na aristocracia madeirense. Eles sno maioritariamente propriet
isso que as ilhas aHorianas ficaram conhecidas como as ilhas flamengas31. Eles foram imprescindRveis para o povoamento das ilhas do Faial, Terceira, Pico e Flores32. O primeiro a desembarcar nos AHores ter< sido Jncia, sendo, em certa medida, delimitada pela polRtica exclusivista da coroa portuguesa, que criou sJrios entraves B sua presenHa. Todavia o facto de S. TomJ ter merecido uma exploraHno diversa com a cultura da cana sacarina levou a que aR afluRssem tJcnicos e mercadores, ligados ao produto. Por 31
Confronte-se Jules MEES, "Hist\ria da descoberta das ilhas dos AHores e da origem da sua denominaHno de ilhas flamengas", Revista Michaelense, fasc. 2 e 3, Ponta Delgada, 1919. 32 Ferreira SERPA, Os flamengos na ilha do Faial. A famRlia Utra(Hurtere), Lisboa, 1929; Marcelino LIMA, FamRlias faialenses, Horta, 1933; M. Martim Cunha da SILVEIRA, "Do contributo flamengo nos AHores", in Boletim do Instituto Hist\rico da ilha Terceira, n-.21-22, Angra do Heroismo, 1963-64. 33 Ferreira SERPA, "Um documento falso atribuRdo ao infante D. Henrique ou a carta de doaHno da ilha Terceira a J
outro lado, no entender de um piloto an\nimo no sJculo dezasseis, havia a preocupaHno de cativar colonos de diversas origens para o povoamento da ilha: "Habitam ali muitos comerciantes portugueses, castelhanos, franceses e genoveses e de qualquer outra naHno que aqui queiram viver se aceitam todos de mui boa vontade..."37. Numa listagem possRvel deste grupo J evidente o seu reduzido ndmero e o facto de eles na sua maioria terem adquirido a nacionalidade e aportuguesado os seus nomes. Num e noutro arquipJlago encontr<mos alguns italianos e flamengos. Ali<s B descoberta do arquipJlago de Cabo Verde estno associados dois italianos - Cadamosto e Ant\nio da Noli -, que se encontravam ao serviHo do infante D. Henrique. A eles poderemos juntar, para Cabo Verde, Joham Pessanha, Pero Sacco, Antonio EspRndola, Bastiam de Lila, Rodrigo Vilharam, Fernam Fied de Lugo, para S. TomJ: Crist\vno Doria de Sousa, Andre Lopes Biscainho, Jncia com a conjuntura peninsular e europeia, por um lado, e os atractivos de Rndole econ\mica que elas ofereciam, por outro. Desta forma o lanHamento de culturas com elevado valor comercial, como o pastel e o aHdcar, est< associado a isso. Eles surgem nas ilhas como os principais financiadores da referida actividade agrRcola e animadores do comJrcio. Na Madeira e nos AHores a introduHno e incentivos Bs culturas do pastel e cana-de-aHdcar, encontram-se-lhes tambJm ligadas. Assim o pastel J apontado pela historiografia aHoriana como um legado da col\nia flamenga do Faial, enquanto o aHdcar madeirense J considerado resultado da presenHa genovesa. Em sRntese poder-se-< afirmar que as comunidades italiana e flamenga deram um contributo relevante ao povoamento e valorizaHno econ\mica das ilhas. Na Madeira e nas Can
. Viagem de Lisboa a S. TomJ, Lisboa, s.d., 51.
de interesses mercantis, compreenderemos a maior incidLncia nas ilhas ou cidades onde a actividade foi mais relevante. Deste modo as da Madeira, Gran Canaria e Tenerife galvanizaram muito cedo o seu empenho e conduziram a que eles estabelecessem uma importante rede de neg\cios a partir de Lisboa ou Sevilha. S\ assim se pode explicar a posiHno dominante aR assumida. Nos AHores a comunidade estrangeira divide-se entre os interesses fundincia que aR assumiu a cultura do pastel. Este produto chamaou B atenHno dos mercadores flamengos, franceses e ingleses para os portos de Angra e Ponta Delgada. Mais tarde, a import>ncia definida por esta ntico atraiu a cobiHa dos estrangeiros como cors
madeirense ;lvaro de Ornelas fez um desvio B ilha de La Palma onde tomou alguns indRgenas que conduziu B Madeira. Ali<s, nas indmeras viagens organizadas por portugueses entre 1424 e 1446, surgem escravos que, depois, sno vendidos na Madeira ou em Lagos. A partir de meados do sJculo XV, sno assRduas as referLncias a escravos canmara, sabe-se que Jono Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era tambJm detentor de escravos desta origem, sem ser referido o ndmero39. Cadamosto, na primeira passagem pelo Funchal em 1455, refere ter visto um can
. Lothar SIEMENS y Liliana BARRETO, "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in A. E. A., n 20, 1974, 111-143. Aqui utilizamos o termo can
documento todos os escravos canarios, oriundos de Tenerife, La Palma, Gomera e Gran Canaria, exceptuando-se os mestres de aHdcar as mulheres e as crianHas, deveriam ser expulsos do arquipJlago. As reclamaHtes dos funchalenses, sintoma de que se sentiam prejudicados e de que esta comunidade era importante, levou o infante a considerar apenas os forros43. A 4 de Dezembro de 1491 houve reunino extraordinmara para deliberar sobre o assunto. A ela assistiram o capitno do Funchal, Simno GonHalves da C>mara, os oficiais concelhios e homens bons. Ao todo eram vinte e cinco, destes onze votaram a favor da saRda de todos, nove apenas dos forros e quatro B sua continuidade na ilha. Dos primeiros registe-se a opinino de Jono de Freitas e Martim Lopes, que justificam a sua opHno, por todos os canrios, livres ou escravos, serem ladrtes. Todavia para Mendo Afonso nno J assim que se castigava tais atropelos, pois existia a forca como soluHno. Se consideramos, por hip\tese, que cada um dos presentes pretendia defender os seus interesses, podemos concluir que catorze dos presentes eram propriet
escravos, daR oriundos. No caso de Marrocos a assRdua participaHno deles na defesa trouxe-lhes algumas contrapartidas favormara e acompanhantes detinham, quando anos antes haviam ido a socorrer a Tanger e Arzila46. IdLntico foi o comportamento dos madeirenses que participaram com assiduidade nestas campanhas. Talvez, por isso mesmo, os mouriscos surgem com maior incidLncia no Funchal e Ribeira Brava, ncia do porto do Funchal no traHado das rotas, definiram para a ilha uma posiHno preferencial no comJrcio dos escravos negros da GuinJ. Deste modo nno seria difRcil de afirmar, embora nos faltem dados, que os primeiros negros da costa ocidental africana chegaram B Madeira muito antes de serem alvo da curiosidade das gentes de Lagos e Lisboa. A situaHno da Madeira e dos madeirenses nas navegaHtes supracitadas, a par da extrema carLncia de mno-de-obra para o arroteamento das diversas clareiras abertas na ilha pelos primeiros povoadores, geraram, inevitavelmente, o desvio da rota do comJrcio de escravos, surgindo o Funchal, em meados do sJculo XV, como um dos principais mercados receptores. E nenhum outro local o escravo era tno importante como na Madeira. H< v
activo e de que a Madeira era uma placa girat\ria para esse neg\cio com a Europa. Em 149251 a coroa isentava os madeirenses do pagamento da dizima dos escravos que trouxessem a Lisboa. Esta situaHno, resultante da petiHno de Fernando P\, revela que havia j< na ilha um grupo numeroso de escravos e que muitos deles eram daR levados para o reino. I pouca a informaHno disponRvel mas o suficiente para revelar a import>ncia que assumiu na Madeira o comJrcio com o litoral africano, onde os escravos deveriam preencher uma posiHno dominante. Todavia ela impede-nos de avaliar com seguranHa o nRvel deste movimento e a import>ncia que os mesmos escravos assumiram, no sJculo XV, na sociedade madeirense. A insistente referLncia, na documentaHno da Jpoca, aos negros, obviamente desta ncia. Em 146652 os moradores representavam ao infante contra a redRzima lanHada sobre os moHos de soldada que condicionava a presenHa em favor dos negros escravos, situaHno em que temiam "vir algum perigo". Passados vinte e trLs anos o capitno do Funchal representara ao duque o perigo em que estava a ilha, por os vizinhos saRrem para Lisboa ou para o litoral africano, "por bem dos muytos negros que hai ha53". A par disso, j< em 147454, a infanta D. Beatriz, em carta aos capitnes do Funchal e Machico, estabelecera medidas limitativas dos escravos e forros quanto B posse de casa, para impedir os roubos que vinham sucedendo. A primeira referLncia ao envio de um escravo de Cabo Verde para a Madeira surge apenas em 155755 no testamento de Isabel de Sousa, onde diz ter entregue dez cruzados e sete ou oito bocetas de marmelada a Diogo Rodrigues para lhe trazer um escravo de Cabo Verde. Em 1587 um Lorenzo Pita de Gran Canaria surge em Cabo Verde a compra a troco de vinho. Manuel Lobo Cabrera aponta, a este prop\sito, que os portugueses tinham uma participaHno activa no trato das Can
testemunham que ele foi um importante interlocutor do trmara no povoamento da ilha de S. Miguel, trazendo "cavalos e escravos"61. Outros mais vieram directamente da Costa da GuinJ, faltando um texto que testemunhe a import>ncia que assumiram na sociedade aHoriana62. 58
. Os seus bens m\veis foram avaliados em 1.231.000rs a que se dever< somar as dRvidas no valor de 30.600 rs; desse elevado pecdlio entregou 74.000 rs para encargos pios e 209.999rs pelos familiares, escravos e testamenteiro. 59 . A.R.M., Documentos Avulsos, cx. 2, nº 194. 60 . Idem, C.M.F., t. 3, fl. 137 vo-138. 61 Gaspar FRUTUOSO, Saudades da Terra, livro IV, vol.II, pp.101. 62 Ernesto REBELO, "Notas aHorianas", in Arquivo dos AHores, vol.VIII, Ponta Delgada, 1886; Carreiro da COSTA, "Pretos nos
A elevada mobilidade social J uma caracterRstica da sociedade insular. O fen\meno da ocupaHno atl>ntica lanHou as bases da sociedade e a emigraHno ramificou-a e projectou-a alJm Atl>ntico. As ilhas foram assim, num primeiro momento, p\los de atracHno, passando depois a actuar como mara, filho do capitno do donatntico, isto J, a cana sacarina. Os madeirenses aparecem nas Can
seus habitantes contribuRram para criar, empurrou-nos para destinos distantes. Nesta di<spora atl>ntica, iniciada na Madeira, J de referenciar o caso da emigraHno inter-insular dos arquipJlagos do Mediterr>neo Atl>ntico. As ilhas, pela proximidade e forma similar de vida, aliadas Bs necessidades crescentes de contactos comerciais, exerceram tambJm uma forte atracHno entre si. Madeirenses, aHorianos e cannicas, voltaram a sua atenHno para o promissor novo mundo. Um dos aspectos reveladores das conextes madeirenses e aHorianas foi o relacionamento com as Cannticas. O inicial afrontamento foi entre Portugal e Castela, tendo como palco as ilhas Cannticos, nº 14, 1968. Este e outros estudos foram reunidos em Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas, 1991.
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teve a sua maior expressno. A expediHno de Jean de Betencourt em 1402 marca o inRcio da conquista das Canmara (1427). Mas em todas as frentes as conquistas foram efJmeras e de pouco valeu, por exemplo, a compra em 1446 da ilha de Lanzarote a Maciot de Bettencourt, por 20.000 reais brancos ao ano e regalias na ilha da Madeira. Disso apenas resultou a ramificaHno desta importante famRlia B Madeira e,depois, aos AHores. O litRgio encerra-se em 1480 com a assinatura de um tratado em Toledo. Desde entno a coroa portuguesa abandona a sua reivindicaHno pela posse dessas ilhas com garantias de que a burguesia andaluza nno se intrometer< no trato da GuinJ. A conjuntura destas ilhas e do relacionamento das coroas peninsulares acompanhou desde o inRcio as conextes cannticos, nº.25, Las Palmas, 1979; A. RUMEU DE ARMAS, "El conde de Lanzarote, capitnticos, nº.20, 1974, 111-143.
em simult>neo como consequLncia e causa das migraHtes humanas. Todavia tal interc>mbio s\ adquiriu a plenitude no sJculo XVI, incidindo preferencialmente no comJrcio de cereais dos mercados de Tenerife, Fuerteventura e Lanzarote. A proximidade da Madeira ao arquipJlago canmara, filho-segundo do capitno do donat
A compra em 1474 por Rui GonHalves da C>mara da capitania da ilha de S. Miguel implicou a ramificaHno da famRlia aos AHores. Com D. Maria Bettencourt seguiu para Vila Franca o seu sobrinho Gaspar, que mais tarde viria a encabeHar o morgadio da tia em S. Miguel, avaliado em 2.000 cruzados. Os filhos, Henrique e Jono evidenciaram-se na Jpoca pelos serviHos prestados B coroa, tendo recebido em troca muitos benefRcios. Henrique de Bettencourt preferiu o sossego das terras da Band'AlJm, na Ribeira Brava, onde viveu em riquRssimos aposentos. AR instituiu um morgado e participou activamente na vida municipal e nas campanhas africanas. Os descendentes destacaram-se na vida local e nas diversas campanhas militares em ;frica, Qndia e Brasil. Se esta primeira vaga migrat\ria traHou o rumo e destino madeirense, a expediHno pacificadora de D. Agustin Herrera, conde de Lanzarote, em 1582, sedimentou e estreitou os contactos entre a Madeira e Lanzarote66. O pr\prio conde de Lanzarote, na curta estadia na ilha, foi um dos arautos deste relacionamento, pois ligou-se aos Acciaiolis, importante casa de mercadores e terratenentes florentinos, fixada na ilha desde 1515. As suas hostes seguiram-lhe o exemplo, tendo muitos dos trezentos homens do presRdio criado famRlia na ilha. No perRodo de 1580 a 1600 os espanh\is surgem em primeiro lugar na imigraHno madeirense67. O descerco em 1640 trouxe consigo consequLncias funestas para tal relacionamento. Assim os madeirenses residentes em Lanzarote foram alvo de repres
foi fundada por Gonzalo Gonzalez Zarco filho de Jono GonHalves Zarco, capitno do donatncia da comunidade lusRada na ilha est< documentada nos "acuerdos del cabildo de Tenerife" onde foram sempre referenciados em segundo lugar. O mesmo se poder< dizer para a ilha de La Palma onde os portugueses marcaram bem forte a sua presenHa, tendo a testemunha-lo a existLncia de alguns registos paroquiais feitos em portuguLs. Entretanto em Lanzarote o forte impacto madeirense est< comprovado pelas indmeras referLncias da documentaHno e pelo testemunho de Vieira y Clavijo de que a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que era aR conhecida como a "ilha". A acentuada participaHno lusRada no arquipJlago foi resultado das possibilidades econ\micas que o mesmo oferecia e as necessidades em mno-de-obra e da possibilidade de penetraHno no comJrcio com a costa africana e depois com o novo continente americano. Assim, num primeiro momento, fomos confrontados com um numeroso grupo de aventureiros dos quais se recrutaram os oficiais mec>nicos e agricultores e s\ depois surgiram os agentes de comJrcio e transporte, todos eles com uma acHno decisiva na economia do arquipJlago nos sJculos XV e XVII. I f
As mudanHas operadas na conjuntura polRtica a partir dos acontecimentos do ano de 1640 condicionaram a presenHa do madeirense. Ele que atJ entno usufruRa de um estatuto preferencial na sociedade e economia lanzarotenha, por exemplo, desaparece paulatinamente do palco de acHno. E, facto ins\lito, os poucos que conseguimos rastrear na documentaHno procuram ignorar ou apagar a sua origem, surgindo apenas como vizinhos sem outra referLncia. Esta situaHno coincide com o fim do relacionamento comercial incidindo sobre os cereais de Canmara, que a partir desta data foi capitno da ilha de S. Miguel. Nno obstante estar referenciada em Jpoca anterior a est>ncia de Diogo de Teive70 na ilha Terceira como companheiro de J
que conduziu Bs ilhas de S. Miguel, Terceira Santa Maria e Pico muitos filhos segundos da aristocracia madeirense. Ali<s, a carta da infanta D. Beatriz, autorizando a venda da capitania refere que "a dita ilha des o comeHo da sua povoaHno atJ o prezente he muy mall aproveitada e pouco povoada"71. Na Madeira havia-se esgotado a possibilidade de livre aquisiHno de terras, coisa que nos AHores era facilitado. Note-se, ainda ,que o incentivo de culturas, como a cana sacarina e a vinha, estno tambJm ligados os madeirenses. Daqui resulta uma forte presenHa madeirense nas ilhas de Santa Maria, Sno Miguel, Terceira, S. Jorge, Graciosa, Faial e Flores72. O movimento inverso foi pouco frequente e s\ teve lugar a partir de princRpios do sJculo XVI. Para isso dever< ter contribuRdo a assiduidade dos contactos entre os dois arquipJlagos provocada pelo comJrcio de cereais e, ainda, o temor das crises sRsmicas que asilaram as ilhas aHorianas, com especial relevo para as de 1522 e 156373. As ligaHtes dos arquipJlagos da Madeira e AHores com os dois da costa e golfo da GuinJ nno foram frequentes, sendo a primeira motivaHno a busca de escravos negros. Neste contexto a abordagem feita pelas gentes insulares J quase sempre sazonal, o tempo suficiente para as operaHtes comerciais. Todavia encontramos em S. TomJ e Santiago referLncias B presenHa de madeirenses e aHorianos avizinhados. Esta presenHa J resultado da ida de tJcnicos ligados B cultura do aHdcar e, depois, de comerciantes interessados no comJrcio de escravos para a Madeira ou para as Antilhas, como sucedeu no sJculo XVII. Um caso exemplificativo disso J Francisco Dias74. Ele fixou-se na Ribeira Grande, donde coordenava uma rede de neg\cios que ligava os Rios da GuinJ aos AHores, Madeira e Antilhas de Castela. Em Cabo Verde e S. TomJ os movimentos migrat\rios foram definidos por outros impulsos, estando-se perante uma imposiHno das contingLncias da economia atl>ntica. A necessidade de mno-de-obra escrava, do outro lado do Atl>ntico, conduziu B saRda forHada dos africanos, tendo em Cabo Verde e S. TomJ dois eixos importantes do movimento a partir do sJculo dezasseis. Tal conjuntura levou B vinculaHno extrema das ilhas ao litoral africano com o reforHo das conextes econ\micas e humanas. No grupo, que divergia a partir de Santiago, 71 . Manuel Monteiro Velho ARRUDA, ColecHno de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos AHores, Ponta Delgada, 1977, p.CXLV. 72 Esta situaHno J evidenciada por Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, livros terceiro, quarto e sexto. 73 .Confronte-se LuRs de Sousa MELO, "ContribuiHno aHoriana na formaHno da populaHno madeirense no sJculo XVI", in Girno, nº.7, 1991, pp.328-331. 74 .Arquivo Regional da Madeira, Miseric\rdia do Funchal, nº.684, fls.785-790v.
evidenciam-se os lanHados ou tangomaos, que foram um dos suportes mais importantes do comJrcio ilegal de escravos. Eles eram na sua maioria africanos "ladinizados" que aR se aventuravam ao serviHo dos mercadores caboverdeanos. Os fen\menos emigrat\rios aHoriano e madeirense ultrapassaram as barreiras do mundo insular e projectaramse alJm fronteiras no Brasil e no Oriente. Num e noutro espaHo os insulares foram importantes como povoadores, guerreiros e descobridores. Para muitos filhos-segundos esta foi a dnica alternativa que a sociedade lhes possibilitava no acesso a comendas, tRtulos e cargos: primeiro a defesa das praHas africanas a atrair a atenHno dos bravos cavaleiros, depois as prometedoras terras orientais e, finalmente, o Brasil. No caso madeirense existiu uma relaHno permanente, desde o sJculo quinze, com as praHas marroquinas, sendo eles que acudiam com o cereal e mais mantimentos para as guarniHtes das praHas, os homens para as defender, o dinheiro e materiais de construHno para as fortalezas. Muitos aR morreram na defesa das possesstes e outros que adquiriram tRtulos e honras. As praHas eram um local de "diversno" para a cavalaria madeirense, nomeadamente para os filhos-segundos, sedentos de aventura e benefRcios75. Por outro lado alguns madeirenses usufruRram de cargos governativos, sendo exemplo disso o caso de Ant\nio de Freitas, provido em 1508 no de comendador de Safim, Fernno Gomes de Castro, em 1610 nomeado capitno de Tanger. Talvez, por isso mesmo, foi com desagrado que os madeirense encararam a polRtica de abandono de muitas das praHas por D. Jono III e aderiram em forHa B campanha africana de D.Sebastino. Madeirenses e aHorianos tiveram um papel importante na conquista e defesa das feitorias do oceano Indico. Pelo lado madeirense evidenciaram-se Jono Rodrigues de Noronha como comandante de Ormuz (1521), Jordno de Freitas, capitno de Maluco (1533), Ant\nio de Abreu, capitno de Malaca (1522) e Tristno Vaz da Veiga. Este dltimo embarcou em 1552, com apenas 16 anos, para a Qndia, onde ficou not
. Jono JosJ de SOUSA, "EmigraHno madeirense nos sJculos XV a XVII", in Atl>ntico,.1985, pp.46-52. . Gaspar FRUTUOSO, Livro segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, caps.XXI-XXIX, pp.157-214; C. R. BOXER, Fidalgos no extremo Oriente, Macau, 1990. 75 76
15. JULHO QUOTIDIANO COM HISTÓRIA
É no domínio do quotidiano que a História nos revela a melhor relação com a cultura popular. O passado deixou de ser algo estranho para se aproximar da nossa realidade presente, ficando o dia à dia registado nos anais na História e na preocupação dos Historiadores.
FOLCLORE NA HISTÓRIA E QUOTIDIANO alberto vieira O Folclore foi uma descoberta da sociedade oitocentista. Desde o primeiro estudo de W. John Thomas (1846) que o estudo da sabedoria popular, transmitida de geração em geração através da tradição oral, ganhou uma dimensão científica. Entre nós, foi Adolfo Coelho (em 1875) quem primeiro utilizou o conceito mas já antes dele havia um desusado interesse pelo estudo desta temática. O positivismo português, a que esteve ligado Teófilo Braga, foi fértil para o medrar da nova ciência. Foi no seu círculo de amigos que se desenvolveu o positivismo português. O elo desta na Madeira era Alvaro Rodrigues de Azevedo, amigo de longa data e seu discípulo. A correspondência trocada entre os dois revela isso mesmo, dandonos conta dessa influência na recolha do romanceiro madeirense publicado em 1880. Todavia, o Folclore ficou conhecido quase sempre pela componente das danças e cantares. Popularmente ele significa apenas isso. Esta é, mesmo assim, uma situação recente surgindo, com grande evidência, nos princípios do nosso século. A necessidade de valorização da vivência e cultura populares é cada vez mais premente. A exaltação do "popular" expressa-se através do estudo e publicação, mas também da recriação das vivências populares ou da institucionalização com os chamados grupos folclóricos. As comemorações eram um momento ímpar dessa exaltação. São exemplo disso as festas do Quinto Centenário do Descobrimento de Madeira (Dezembro 1922) e do bicentenário de elevação do lugar de S. Vicente à categoria de Vila (1944). É também nesta conjuntura que surgem os primeiros estudos sobre este aspecto do Folclore, as danças e cantares. Merecem a nossa atenção os trabalhos do Visconde do Porto da Cruz, Alberto Artur Sarmento e Carlos Maria dos Santos. Os dois primeiros limitaram-se a recolher a tradição popular, salpicando-a com dados históricos e algumas aventureiras afirmações. Com eles ganhou corpo uma tradição, que por ser escrita e divulgada, ganhou foros de evidencia, da ligação íntima das tradições populares - ao nível das danças e cantares - com os escravos africanos da costa de Guiné e Marroquina. Mais séria e merecedora do nosso aplauso é a aportação de Carlos Maria dos Santos que pode ser, com propriedade, considerado o patrono do nosso Folclore. Os livros que publicou - Tocares e cantares da Ilha, Estudo do Folclore da Madeira (1937), Trovas e bailados da Ilha, Estudo do Folclore Musical de Madeira (1942), Traje regional da Madeira, Estudo (1952) - contrariam algumas ideias feitas sobre o nosso folclore, mas
não foram suficientes para abalar a sua divulgação e continuidade. Elas ainda hoje teimam em manter-se. Até então era ponte assente que os instrumentos - rajão, machete, viola - eram criação madeirense, enquanto as danças e cantares - charamba e mourisca.... - buscam as suas origens remotas aos escravos negros da Costa da Guiné ou mouriscos, esquecendose a ancestral ligação ao continente pelos primeiros colonos. Opinião diferente é a de Carlos Maria Santos, após um estudo aturado sobre as danças, cantares e instrumentos. Assim não hesita em afirmar que "o Povo madeirense não soube criar as suas canções, mas adoptou as melodias que apareceram ou cairam em moda, inovando outras sobe os negativos temas a que dar o interessante e inconfundível sabor regional". E dá-nos uma lição de história: "Embora a tradição sirva, de certo modo, de pilar ao edifício de História não satisfaz absolutamente ao investigador honesto, sempre ávido de bases seguras assentas afirmações". É esta permanente necessidade de duvidar de verdades feitas que leva o investigador àprocura das raízes recônditas, através do recurso ao método comparativo. Mais adiante, o mesmo a dificuldade em conhecer com profundidade as origens e percurso histórico do folclore madeirense. A tarefa é espinhosa, uma vez que nas crónicas não ficou nada: "foi preciso reconstruí-lo adentro das vagas alusões deixadas por alguns escritores e depois de demorada e paciente investigação, em virtude de estarem hoje tão misturados que é quasi impossível separa-los". A mesma dificuldade nos deparámos nós quando pretendemos encontrar nos acervos documentais a vivência do íncola através das suas danças e cantares. O raro testemunho credível disso édado por Gaspar Frutuoso77 para a festa de Nossa Senhora do Faial, considerada lugar de peregrinação. Do Monte e da Ponta Delgada nada se diz. Mas tal silêncio não é sinónimo de inexistência. Na verdade, nem sempre as exigências actuais do investigador coincidem com a ideia que os nossos avoengos faziam daquilo que deveria constar na memória histórica. O quotidiano não fazia parte disso. Os raros testemunhos são particulares e surgem-nos através de cartas e diários. Mesmo assim é pouco e só ganha algum interesse nos séculos XVIII e XIX com os testemunhos de autores estrangeiros, nomeadamente ingleses. O estudo que fizemos sobre os escravos na Madeira78permite-nos reforçar a ideia lançada alguns anos atrás por Carlos M. Santos. Os dados avulsos sobre o quotidiano dos escravos permitem-nos questionar algumas falsas visões que se filiam às explicações dadas para a origem das danças e cantares. O escravo -- negro ou berbere -era um filão a descobrir. O colono europeu parece ter esquecido as suas tradições quando sulcou o Atlântico...! Na Madeira, ao contrário do que sucedeu no Brasil, -- a nossa matriz de escravatura -- não existe um quotidiano diferenciado para o escravo e livre. As sanzalas são apenas uma realidade além Equador e do outro lado do Atlântico. Na Madeira o escravo vivia com o senhor e, por isso, participava no quotidiano dele. Difíceis eram os momentos para a separação dele, sendo qualquer fuga punida pelas posturas. Era o temor ao ajuntamento de escravos. Por isso, a reunião dos escravos no terreiro, após a faina diária é uma realidade difícil de se deslumbrar entre nós. É certo que Gaspar Frutuoso fala dos negros (as) cantares e dançarinos, mas nunca ninguém se lembrou de perguntar que danças e cantigas eram essas. Por isso, podemos afirmar que as conclusões ditas científicas da ligação do escravo às tradições populares não passam de meras observações empíricas sem qualquer suporte de análise 77. Livro segundo Saudades da Terra(1964), pp.129-130 78. Os escravos no arquipélago da Madeira, séculos XV a XVII, Funchal, 1991.
científica... Aqui estamos perante um campo ainda em aberto a aguardar um tratamento cuidado pelos investigadores. A mesma preocupação ésentida nos trabalhos de Carlos M. Santos publicados há mais de cinquenta anos. Isto quer dizer que muito pouco ainda se evoluiu neste campo. Por isso, podemos afirmar que o actual folclore madeirense é a manifestação sincrética de múltiplas aportações e da evolução no tempo. Definir uma e outra situação é tarefa do investigador a quem se depara um campo vasto a desbravar. Na verdade, tudo se misturou, por uma poção mágica, dando origem às múltiplas manifestações das danças e cantares que deram ritmo às tarefas agrícolas, e ficaram a evidenciar a transbordante alegria nas festas populares e oragos, sempre na companhia do vinho.
O FOLCLORE E A INVESTIGAGmO HIST[RICA algumas notas soltas Alberto Vieira [As cantigas e bailados] Sno como que a presenHa do passado, atr<s da qual J possRvel ver em espRrito o panorama comovente da terra virgem; J ouvir ainda as enxadas moiras e algarvias a rasgar-lhe a carne atJ aR pura de contactos humanos; J assistir ao poJtico ressurgimento das vilas e aldeias como fogachos da vida, de cor e de movimento; J passar ao convRvio dos nossos av\s nas duras az
0 TEMA: O DITO E O NmO DITO. Este testemunho de Carlos Santos, um dos mais destacados estudiosos do nosso Folclore, surge aqui, ao mesmo tempo, como uma homenagem e provocaHno. Homenagem ao homem que procurou, com muito engenho e arte, desvendar os seus segredos e desfazer alguns equRvocos. ProvocaHno, porque o seu nome parece ter sido votado ao esquecimento por alguns dos actuais estudiosos do Folclore Madeirense79. Ignora-se o seu labor de recolha, nno obstante ele ser quase sempre o nosso livro de cabeceira. Note-se que esta atitude, que quase se tornou um lugar comum no nosso quotidiano, nno abona em nada os seus autores e tno pouco a produHno cultural. No muito que para aR se diz, deparamo-nos com leituras apressadas e deturpadas de alguns dos textos de Carlos Santos, o que nos leva a apelar a uma nova, mas critica, 79 . Apraz-nos salientar aqui a sua evocaHno em Revista Xarabanda, nº. especial. 22 de Julho de 1993. Carlos Santos(1893-1955) e o Folclore Madeirense.
pois estes nno podem nem devem ser encarados como a nossa BRblia do Folclore madeirense. Eles sno um referencial importante. Mais do que isso, o testemunho de uma Jpoca e geraHno, empenhadas em recriar e perpetuar as suas tradiHtes. Recorde-se que o autor fez as seus estudos e observaHtes numa Jpoca peculiar da nossa Hist\ria Contempor>nea, em que se procurava fundamentar a 80 lusitanidade na diversidade folcl\rica . Isto foi apenas o mote para esta incursno pelo nosso folclore e das suas possRveis e adequadas relaHtes com a Hist\ria. E, mais uma vez, outra citaHno para dizer que o apelo feito por Vladimir Propp81 continua actual: "O folclore J um fen\meno de ordem hist\rica e os estudos folcl\ricos sno uma disciplina hist\rica. O estudo etnogr
. Idipo B luz do folclore, quatro estudos de etnografia Hist\rico- Cultural, Lisboa, S.D., p. 195. 81
. Exemplo disso sno os estudos de Carreiro da Costa(Etnologia dos AHores, 2 vols, Lagoa, 1989 e 1991), compilados por Rui de Sousa Martins, JosJ Perez Vidal(Estudios de Etnografia y Folclore Canarios, Santa Cruz de Tenerife, 1985) e Julio Caro Baroja(por exemplo o texto, Raza, Pueblos y linajes, Murcia, 1990). 82
Por um lado, insiste-se na vinculaHno a uns espaHos em detrimento de outros. Por outro lado, o escravo, negro ou mourisco, sno a origem de tudo. Parece haver qualquer cumplicidade ou Rntima relaHno entre os nossos folcloristas e os escravos. Uma cumplicidade que, a todos os nRveis, nos escapa. Aqui, o pitoresco J sin\nimo de escravo e, mais propriamente, do negro e mourisco. Esta opHno nno J nada gratificante. Esquecemo-nos que, antes do africano, chegou o europeu, arrastando consigo um pesado fardo cultural. E a estes sucederam os canarianos com uma cultura tambJm a merecer a nossa atenHno83. Por outro lado esquecemo-nos dos contactos, pacRficos e violentos, por parte dos madeirenses na Costa africana, que poderno ter propiciado outras vias para a assimilaHno das culturas africanas. TambJm o historiador parece fazer orelhas moucas aos apelos da Etnografia, esquecendo-se que Her\doto, o pai da Hist\ria, foi, acima de tudo, um etn\logo84. Continuamos presos ao discurso tradicional dos eventos e personalidades, ignorando que aqueles que nos antecederam tiveram o seu dia a dia como n\s85. O quotidiano, ainda, nno faz parte do nosso discurso hist\rico e mantemo-nos ap
. As aportaHtes guanches sno um filno a descobrir. A leitura de alguns textos que retratam o quotidiano dos nossos vizinhos poder< propiciar a via para a descoberta das suas aportaHtes quatrocentistas. Veja-se: Gaspar Frutuoso, Livro primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1984; S. Berthelot, Etnografia y anales de la conquista de las islas Canarias, S. C. Tenerife, 1977; Antonio Tejera Gaspar e Rafael Gonz
madeirense. AliBs, o enigma que envolve a origem dos nossos avoengos paira sobre todos n\s, historiadores e etn\logos. Antes de avanHarmos algo mais convJm referir que me considero um intruso perante esta plateia. As minhas ligaHtes ao tema deste encontro sno puramente sentimentais. Nno sou estudioso da matJria e tno pouco tenho por princRpio me intrometer no terreno que desconheHo. Mesmo assim, nno deixei de corresponder ao repto lanHado pelos organizadores deste encontro para, na perspectiva do cidadno atento ao debate, que nos dltimos anos se tem feito em torno do Folclore, e do historiador que nno desdenha a necessidade e valor do discurso multidisciplinar como forma de abertura a novas realidades, dar a minha aportaHno. I verdade, o nosso campo de trabalho nno tem fronteiras e, por isso, sno possRveis pontos de contacto. I esta predisposiHno que, por vezes, nos falta. Mas, nunca J por demais fazer apelo, nestes momento em que nos sentamos B mesma mesa com especialistas de diversos quadrantes, para esta abertura de perspectivas. Em primeiro lugar queremos deixar aqui este nosso apelo a uma investigaHno sem fronteiras e B necessnea "da alma popular, cria-se por influLncia da natureza fRsica e psicol\gica do meio ambiente, traduz a origem e indole at
. "Patrim\nio ArtRstico", in Das Artes e da Hist\ria da Madeira, 1948-49, p.249.
subsistLncia89. A oralidade parece ser aversa ao progresso sistem
. Tenha-se em atenHno que desde 1918, com a Escola de Chicago, a Hist\ria Oral passou a ser um domRnio importante da investigaHno hist\ria, que, lamentavelmente, nunca chegou atJ n\s. Confronte-se Joseph Goy "Hist\ria Oral", in A Nova Hist\ria, Coimbra, 1980, pp.506-508. 90 . Tenha-se em conta a abertura motivada pelos meios de comunicaHno nos dltimos vinte anos. Antes disso temos a apontar o aparecimento da rntica. ExposiHno-Casa Museu Frederico de Freitas, Funchal, 1988. 92
. Cf. J. Barrow, A voyage to cochinchina in the years 1792 and 1793..., London,1806; Thomas E. Bodwich, Excursions in Madeira and Porto Santo..., London, 1825; Lady E. Stuart Wortley, A visit to
Portugal and Madeira, London, 1854; Isabella de FranHa, Jornal de uma visita B Madeira e Portugal 1853-1854, Funchal, 1970; Ellen M. Taylor, Madeira. Its scenery and how to see, London, 1882; Mariana Xavier da Silva, Na Madeira. Offerenda, Lisboa, 1884; A. Brexel Biddle, The Madeira islands, London, 1900; J. E. Hutcheon, Things seen in Madeira, London, 1928. Tenha-se em conta, ainda, os estudos de Maria dos RemJdios Castelo-Branco, "Testemunhos de viajantes ingleses sobre a Madeira", in I CIHM, vol. I, Funchal, 1990, 198-245; idem, "Perspectivas americanas da Madeira", in II CIHM, Funchal, 1990, 453-478; Ant\nio Ribeiro Marques da Silva, "Notas sobre o quotidiano madeirense. sJcs. XVII e XXXIX", Di
ou seja o que for, nno se resume B mera quantificaHno. Por vezes, a assiduidade das situaHtes nno J reveladora da realidade que procuramos, mas tno somente dos fundos documentais disponiveis95. H< que ter em conta que a documentaHno J lacunar e a aferiHno dos dados deve ser feita de acordo com isto. Mais, a EstatRstica em universos pequenos nno merece crJdito na composiHno do discurso hist\rico. O TRAJE. O POMO DA DISC[RDIA. O traje J um dos temas que, nos dltimos tempos, tem merecido um tratamento deste tipo96. Rastreia-se testamentos e mais documentaHno. Compilam-se apenas as peHas, retirando-as do seu contexto e esquecemonos de perguntar: quem faz testamento? Quantos destes chegaram atJ n\s? E, alJm disso, ignoramos que o traje, mais do que uma necessidade, J uma forma de distinHno. Mas, nem sempre J assim. Os senhores, por exemplo, evidenciam-se pelo luxo exibido pelos seus criados nos desfiles e festas97. Tal como afirmou Carlos M. Santos "legitimo J duvidar da generalizaHno do chamado traje regional da Madeira e mesmo da sua ancestralidade, como testemunha a diversidade verificada em diversas freguesias"98. Mesmo assim, o autor, ainda que averso a imagem de um "traje regional"99, define a saia riscada como a imagem de marca do trajo madeirense100. Vivia-se uma Jpoca de regionalismo exacerbado e era necess
. Veja-se M. Maciaz Hernandez, "Fuentes y principales problemas metodologicos de Demografia Hist\rica de Canarias", Anuario de Estudios Atl>nticos, n.34, 1988, 51-157. 96 .Confronte-se Jono Adriano Ribeiro, O Trajo na Madeira. Elementos para o seu estudo, Funchal, 1993; Danilo JosJ Fernandes, Os Trajos de "resguardo" e de "cote" do sul da ilha no sJculo XVIII, Funchal, 1994. acrescente-se, ainda, o debate havido: NJlson VerRssimo, "Traje Popular Madeirense", in Di
material dizem-nos que este J um dos problemas mais complexos que, segundo F. Braudel, deve ser encarado na sua totalidade102. Certamente que o confronto das nossas descobertas com aquilo que tem sido feito l< fora poder< permitir que o debate ganhe novo folego103. Apenas para despertar a atenHno dos interessados ficamos com dois testemunhos. Primeiro, o pai da cultura material, F. Braudel diz-nos que "A Hist\ria dos fatos J menos aned\tica do que parece. Levanta todos os problemas, os das matJrias-primas, dos processos de fabrico, dos custos de produHno, da fixidez cultural, das modas, das hierarquias sociais"104. Depois, o jovem Fernando Oliveira, esclarece-nos de modo perspicaz: "O acto de vestir desde cedo, ganhou c\digos e linguagens, numa verdadeira necessidade de comunicaHno e ostentaHno, transformando-se, assim numa atitude social. Ganhou expressno mental e cultural. Reflecte o gosto de uma Jpoca, um modo de vida e a personalidade de quem usa determinada veste. I o reflexo de uma certa categoria social, de costume e tradiHno."105. E, por fim, remata: "o vestunrio distinguia as classes sociais. Nno se vestia determinada peHa por opHno, mas sim pela condiHno social."106. Por isso, estamos com Fernand Braudel, quando ele afirma que tudo isto s\ se torna compreensRvel numa visno de conjunto107, caso contr
. ob.cit., vol.III, p.271.
105
.ob.cit., p.5.
106
.ibidem, p.46.
107
.ob.cit., vol. III, p.290.
estado italianas108. AliBs Bs ilhas est< ligada uma fase importante na evoluHno da industria textil europeia, com a expansno da ncia na tinturaria109. A Madeira ficou conhecida pelos genoveses, no sJculo XV, como a ilha do pastel. Note-se, ainda, que o comJrcio do vinho em mnos dos ingleses definiu uma polRtica peculiar: os adiantamentos. O mercador inglLs adiantava ao lavrador os alimentos, artefactos e tecidos a troco do vinho, na altura da vindima. AliBs, fala-se de assRduas trocas, entre os madeirenses e os marinheiros ingleses, de passagem, ou os soldados do presRdio de 1801, de peHas de vestu
108
109
. Cf. A. A. Sarmento, As pequenas industrias da Madeira, Funchal, 1941; Alberto Vieira. O ComJrcio inter-insular(...), Funchal, 1986, pp.115-118
110 . An Historical sketch of the island of Madeira, London, 1819, pp.36-37; A. Sarmento, Ensaios hist\ricos da Minha Terra, Funchal, 1952, pp.157. 111
.O primeiro habitulmente apontado é o Grupo Folcl\rico da Camacha constituRdo em 1948. Veja-se o recente estudo de Danilo Fernandes 112. Fernando Augusto da Silva, Elucid
.Francisco de Lacerda, Folclore da Madeira e Porto Santo, Lisboa, 1993, pp.14-17.
estudos sobre Folclore, apostados em afirmar a identidade cultural madeirense. Aqui, merecem a nossa atenHno os trabalhos de Fernando Augusto da Silva(1921-22), Jayme Sanches de Camara(1931), Fernando Aguiar(1937-1951), Visconde do Porto da Cruz(1924-1963), Alberto Artur Sarmento(1940-1956), Carlos Maria dos Santos(1942-1953), Jaime Vieira Santos(1948-1956) e Eduardo Antonino Pestana(1957-1970). Com estes temos uma tradiHno, que por ser escrita e divulgada, ganhou foros de evidencia, da ligaHno Rntima das tradiHtes populares - ao nRvel das danHas e cantares - com os escravos africanos da costa de GuinJ e Marroquina115. Diferente J a aportaHno de Carlos Maria dos Santos que pode ser, com propriedade, considerado o patrono do nosso Folclore. Os livros que publicou - Tocares e cantares da Ilha, Estudo do Folclore da Madeira (1937), Trovas e bailados da Ilha, Estudo do Folclore Musical de Madeira (1942), Traje regional da Madeira, Estudo (1952) contrariam algumas ideias feitas sobre o nosso folclore, mas nno foram suficientes para abalar a sua divulgaHno e continuidade, pois, ainda hoje, elas teimam em manter-se. Para muitos, J ponto assente que os instrumentos rajno, machete, viola - sno criaHno madeirense, enquanto as danHas e cantares - charamba e mourisca.... - buscam as suas origens remotas aos escravos negros da Costa da GuinJ ou mouriscos. Com isto esquecemo-nos da ancestral ligaHno ao continente pelos primeiros colonos. De opinino diferente J Carlos Maria Santos que, ap\s um estudo aturado sobre as danHas, cantares e instrumentos, nno hesita em afirmar que "o Povo madeirense nno soube criar as suas canHtes, mas adoptou as melodias que apareceram ou caRram em moda, inovando outras sobre os respectivos temas a que deu o interessante e inconfundRvel sabor regional"116. E d<-nos uma liHno de hist\ria: "Embora a tradiHno sirva, de certo modo, de pilar ao edifRcio de Hist\ria nno satisfaz absolutamente ao investigador honesto, sempre
116. Tocares e Cantares da Ilha, p. 47. 117. Ibidem, 7.
cr\nicas nno ficou nada: "foi preciso reconstruR-lo adentro das vagas alustes deixadas por alguns escritores e depois de demorada e paciente investigaHno, em virtude de estarem hoje tno misturados que J quasi impossRvel separa-los"118. A mesma dificuldade se nos depara quando pretendemos encontrar nos acervos documentais a vivLncia do Rncola atravJs das suas danHas e cantares. O raro testemunho credRvel disso J dado por Gaspar Frutuoso119 para a festa de Nossa Senhora do Faial, considerada lugar de peregrinaHno. Do Monte e da Ponta Delgada nada se diz. Mas tal silLncio nno J sin\nimo de inexistLncia. Na verdade, nem sempre as actuais exigLncias do investigador coincidem com a ideia que os nossos avoengos faziam daquilo que deveria constar na mem\ria hist\rica. O quotidiano nno fazia parte disso. Os raros testemunhos sno particulares e surgem-nos atravJs de cartas e di
. Confronte-se B. Escandell Bonet, Las Baleares encrucijada de culturas mediterraneas, Madrid, 1989.
121
. Cantos populares do arquipJlago aHoriano, Porto, 1869.
. Romanceiro do ArquipJlago da Madeira, Funchal, 1980; Jorge de Freitas Branco, art. cit, pp. 270-272.
122
123
. Romances Tradicionais, Funchal, 1982.
. Sobre este debate veja-se LuRs de Silva Ribeiro, SubsRdios para um estudo sobre a aHorianidade, Angra do HeroRsmo, 1966, V. NemJsio, Sob os signos de Agora, Coimbra, 1962; A. Vieira "A AHorianidade em questno" in A Mem\ria de Agua-Viva, nº 17, 1980, 17-
124
do insular mergulha as suas raRzes no devir do processo hist\rico e meio geogr
. J< o afirm<mos que "a aHorianidade surge como sRntese reflexiva do devir e meio hist\rico-geogr
Sendo assim para quL esta incessante busca daquilo a que consideramos genuRno e regional? I caso para perguntar: o que entendemos por regional? TambJm, nno entendemos o porquL da excessiva valorizaHno da componente escrava (mourisca e negra) na definiHno da cultura e tradiHno madeirenses130. H< uma desmesurada atenHno a este grupo, que est< circunscrito a uma determinada Jpoca e nno adquiriu, entre n\s, a dimensno social que insistentemente se proclama. A Hist\ria nno s\ nos abre os caminhos para a busca da ancestralidade de nossa cultura, como nos propicia os meios para desvendar certas opHtes do passado recente. J< o referimos, que foi na primeira metade do nosso sJculo que mais se avanHou no conhecimento e divulgaHno do nosso folclore. Mas, tambJm, neste momento a cultura popular ficou exposta aos maiores atentados que, ainda, hoje se reflectem naquilo que se nos oferece. Note-se que este foi um momento importante na Hist\ria Contempor>nea das ilhas. O protagonismo da luta polRtica pela autonomia gerou o discurso cultural da diferenHa, a consciLncia insular ou arquipel
O ESCRAVO COMO PONTENCIAL VEQCULO CULTURAL.
. Tenha-se atenHno comentntico, n.3, 1985, pp.229-232; "A nossa autonomia. um inquJrito de Armando Pinto Correia", in Atl>ntico, n.19, 1989; "O Alargamento da autonomia dos distritos insulares. O debate na Madeira 1922-1923", in Actas do II Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, Funchal, 1989. 132 . Adolfo Coelho (ExposiHno Etnogrntico", in Finisterra, IV, n.7, Lisboa, 1969, 109-121; Rui de Sousa Martins, art.cit.. 134 . Fernando Augusto da Silva (Elucid
nRvel social e material, mdltiplas aportaHtes ao quotidiano madeirense. I comum apontarem-se indmeras influLncias deste grupo nas tradiHtes, nomeadamente no folclore e na alimentaHno. Esta ideia, ainda que hoje se tenha generalizado, nno resulta de uma investigaHno cientRfica mas sim de meras observaHtes empRricas ou suposiHtes. Parece-nos que ainda nno ultrapassamos a fase do lirismo abolicionista, da segunda metade do sJculo XIX, que marcou o pensamento e a investigaHno contempor>neos sobre o escravo. A Etnografia J prenhe neste tipo de observaHtes. No campo do folclore regional, as mdsicas e as danHas que nno se enquadram no filno portuguLs sno, imediatamente, associadas a este grupo. Por isso, algumas, que definem a tipicidade do folclore madeirense, sno apresentadas como resultado da presenHa dos escravos: o charamba, o baile pesado, a mourisca, a canHno de embalar e o baile da meia volta, sno universalmente aceites pelos folcloristas madeirenses como resultado desta hipotJtica aportaHno cultural dos escravos. A maior parte dos autores que o defendem tLm como mira a situaHno da escravatura do Brasil. Todavia, aqui ela assumiu proporHtes muito diferentes das que adquiriu no arquipJlago madeirense. A forma de dominaHno e sociabilidade daR decorrentes favoreceram no Brasil a manutenHno nas senzalas dos usos e costumes das terras de origem. O estudo que fizemos sobre os escravos na Madeira138 permite-nos reforHar a ideia lanHada alguns anos atr<s por Carlos M. Santos. Os dados avulsos sobre o quotidiano dos escravos permitem-nos questionar algumas falsas vistes em que se filiam Bs explicaHtes dadas para a origem das danHas e cantares. O escravo -- negro ou berbere -- era, entno, um filno em permanente descoberta. O colono europeu parece, por este modo, ter esquecido as suas tradiHtes quando sulcou o Atl>ntico...! Avaliar o contributo de uns e outros, eis a tarefa espinhosa que nos espera, a historiadores e estudiosos do Folclore. Uma primeira ideia se impte. Na Madeira a escravatura foi algo diferente daquilo que sucedeu no Brasil. A dispersno geogr
conjunto, com as suas danHas e cantares. Mais, ser< possRvel encontrar entre o reduzido ndmero de escravos de cada senhor um grupo da mesma etnia ou cultura, capaz de recriar as suas danHas e cantares? Desta forma apenas lhes restavam os momentos de folia estabelecidos para o propriet
. Sno muitos os estudos feitos a v
que estamos perante um campo ainda em aberto a aguardar um tratamento cuidado pelos investigadores. Por exemplo, o alargamento da investigaHno ao perRodo final da permanLncia do fen\meno na ilha poder< propiciar-nos novos dados capazes de justificarem o desenvolvimento dos rastos e que poderno testemunhar, ainda hoje, a sua presenHa na sociedade madeirense. As possRveis reminescLncias da presenHa dos escravos na ilha podemos ainda colocar outras questtes. A evoluHno da escravatura desde o sJculo XV atJ B sua aboliHno nno foi unilinear e nnO J entendida por muitos. Na Madeira J evidente a sua incidLncia nos primeiros cem anos de ocupaHno, atJ que foi chegado o momento da sua maior procura pelo mercado americano. Para a maioria dos eruditos esta realidade J ignorada, sendo a escravatura negra ou mourisca uma constante da Hist\ria da ilha. Por tudo isto podemos concluir que h<, ainda, muito a fazer e a repensar sobre as aportaHtes culturais da populaHno escrava B sociedade e cultura madeirenses. A sua definiHno e permeabilidade Bs influLncias externas devem ser feitas num correcto enquadramento hist\rico. S\ assim estaremos em condiHtes de afirmar que o actual folclore madeirense J a manifestaHno sincrJtica de mdltiplas aportaHtes e da evoluHno no tempo. Definir uma e outra situaHno J tarefa do investigador, a quem se depara um vasto campo a desbravar. Tudo se misturou, por uma poHno m
concluir, resta-nos referir um dos possRveis caminhos para a redescoberta da tradiHno e cultura madeirenses. A reconstruHno desta pretensa identidade perdida entre mdltiplas aportaHtes pode ser concretizada de diversas formas. Mas, se tivermos em atenHno os estudos que os cientistas sociais nos tem legado sobre as comunidades de emigrantes, podemos estar por uma nova via a desbravar141. O estudo destas comunidades, seja qual for a sua proveniLncia, permite reconstruir a identidade portuguesa numa dimensno transnacional. O folclore adquiriu aqui uma dimensno fundamental, sendo um meio de definiHno e reforHo da identidade da comunidade. Neste caso J de salientar a 141
. K. David Jakson, "O texto do folclore indo-portuguLs", in Revista CrRtica de CiLncias Sociais, nº 38, 1993, 169-191; Bela Feldman-Bianco, "(Re-)construHno da classe etnicidade e Nacionalismo entre imigrantes portugueses" in Ibidem, 193-223; JosJ Ant\nio Alpalhno e Victor Pereira da Rosa, Da emigraHno B aculturaHno, Angra do Heroismo, 1983.
L(USA)landia de OnJsimo Teot\nio de Almeida, isto J, "uma porHno de Portugal rodeado pela AmJrica por todos os lados..."142. Isto acontece porque "em qualquer parte do mundo, imigrantes sno conhecidos por suas elaboraHtes de imagens da terra natal que tornam-se sentimentalizadas em canHtes, poesias e narrativas"143. Mas, qual a relaHno disto com o que nos ocupa? A emigraHno nno J um fen\meno novo no mundo peninsular, mas sim uma das constantes da sua Hist\ria. A expansno quatrocentista fez alargar horizontes e propiciou o primeiro movimento transnacional. Os colonos quatrocentistas sno emigrantes como aqueles que no presente sJculo venceram o oceano rumo B AmJrica. Como eles foram portadores de uma cultura. No destino recriaram o seu torrno natal, moldando o seu lar, espaHo de convRvio de acordo com as suas origens. Mas, nno ficaram alheios aquilo que os rodeia, pelo que o produto final acaba por ter uma manifestaHno de sincretismo que d< corpo B alteridade. Sucede, assim, hoje mas nno ficou de fora no passado. Na Madeira a alteridade expressa-se na imagem do mourisco e negro, resultado da sua presenHa na ilha, como escravo, ou dos mdltiplos e assRduos contactos na costa Africana. Mesmo assim a cultura dominante J europeia porque tambJm o europeu domina a sociedade. Deste modo, quando pretendemos explicar as tradiHtes da comunidade emigrante, ser< l\gico busc<-la nas aportaHtes resultantes do contacto com outros povos e culturas, ou antes, naquilo que levaram agarrado ao corpo e na sua "mala de cartno"?. I esta abertura de perspectivas que deve fazer parte da nossa pr
142 143 144
. L(USA)landia: a dJcima ilha, Angra do HeroRsmo, 1988, p. 231. . Bela Feldman-Branco, art. cit., p. 220. . Madeira. A epopeia rural, Funchal, 1953, pp.41-42.
16. JULHO TESTEMUNHOS E TÉCNICAS DE RECOLHA: fontes históricas, vestígios materiais, bens móveis e imóveis O conhecimento do passado obedece a regras científicas. Deste modo temos as técnicas de investigação que tornam coerente o trabalho do investigador ou estudioso. O resultado final de um qualquer estudo resulta do domínio dessas técnicas pelos seus autores. A História assinala um conjunto de fontes fundamentais para o seu conhecimento: fontes narrativas e documentais: documentos, testemunhos escritos e livros fontes materiais: vestigios materiais, monumentos tradição oral.
19. JULHO HISTÓRIA E TRADIÇÃO: o conceito tradição, Folclore, Religiosidade, usos e costumes
FOLCLORE E RELIGIOSIDADE POPULAR ALBERTO VIEIRA “Todos os povos tLm, qualquer que seja a religino que reconheHam, um conjunto de susperstiHões arcaicas: na Europa moderna essas superstiHtes, resRduo de mitos, j< remotos durante a antiguidade, sno as do animismo, porque o cristianismo admitiu no seu seio, mudando-lhes os nomes para mais tarde lhes mudar o significado, todos ou quase todos os elementos mitol\gicos das religites que o precederam concorrendo para o constituir.(...). H< uma grande religino snones; mas o povo, nno os percebendo, nno sente nessas f\rmulas e nessas doutrinas o poema aJreo do seu espRrito. Obedece e repete maquinalmente as oraHtes e credos que os padres ensinam, mas os seus deuses Rntimos e verdadeiros sno, serno sempre, os gnomos da fantasia, as sombras dos terrores rurais e nocturnos.” (Oliveira Martins, Sistema dos mitos religiosos, Lisboa, 1986, pp.225 e 233)
Religiosidade popular J um dos campos a descobrir no nosso arquipJlago. A atenHno do estudioso tem sido relativa e, tirando algumas iniciativas isoladas145, pode-se dizer que estamos perante algo que teima em desaparecer sem que, se tenha lavrado o registo da sua mem\ria. O grande interesse dos estudiosos tem estado dirigido para o Natal, a chamada “festa” da tradiHno madeirense146. Todavia, antes de avanHar para o terreno J necess
. Apenas merecem a nossa atenHno os textos de Eduardo Antonino Pestana, A ilha da Madeira. Folclore madeirense, Funchal, 1965; Visconde do Porto da Cruz, Crendices e superstiHtes do arquipJlago da Madeira, Funchal, 1954. 146 . Veja-se Manuel J. Pita Ferreira, O Natal na Madeira. Estudo folcl\rico, Funchal, 1956. 147 . Tenha-se em conta que os primeiros colonos j< portugueses, por isso dever< dar-se atenHno aos estudos de Leite de Vasconcelos (1895), Consiglieri Pedroso(1988), Te\filo Braga (1986) e Adolfo Coelho (1993).
subsistLncia148. A oralidade parece ser aversa ao progresso sistem
148
. Tenha-se em atenHno que desde 1918, com a Escola de Chicago, a Hist\ria Oral passou a ser um domRnio importante da investigaHno hist\ria, que, lamentavelmente, nunca chegou atJ n\s. Confronte-se Joseph Goy "Hist\ria Oral", in A Nova Hist\ria, Coimbra, 1980, pp.506-508. 149 . Tenha-se em conta a abertura motivada pelos meios de comunicaHno nos dltimos vinte anos. Antes disso temos a apontar o aparecimento da r
populares - ao nRvel das danHas e cantares - com os escravos africanos da costa de GuinJ e Marroquina155. A ILHA.UM UNIVERSO A PARTE. A ilha, pela sua geografia, define-se como uma forma singular de mundividLncia. A insularidade J a sua expressno, evidenciada na vida, hist\ria e mentalidade156. Ela J, tambJm, um cadinho da tradiHno e cultura. O isolamento, definido pela linha de
A HIST[RIA DAS ILHAS. Uma das insoldveis questtes da Hist\ria das ilhas prende-se com a origem geogr
. Neste caso J de destacar o enciclopJdico estudo do Pe. Fernando Augusto da Silva, Elucid
que ela “J mais de adaptaHno que de criaHno regional”163. Sendo assim para quL esta incessante busca daquilo a que consideramos genuRno e regional? I caso para perguntar: o que entendemos por regional? TambJm, nno entendemos o porquL da excessiva valorizaHno da componente escrava (mourisca e negra) na definiHno da cultura e tradiHno madeirenses164. H< uma desmesurada atenHno a este grupo, que est< circunscrito a uma determinada Jpoca e nno adquiriu, entre n\s, a dimensno social que insistentemente se proclama. A Hist\ria nno s\ nos abre os caminhos para a busca da ancestralidade de nossa cultura, como nos propicia os meios para desvendar certas opHtes do passado recente. J< o referimos, que foi na primeira metade do nosso sJculo que mais se avanHou no conhecimento e divulgaHno do nosso folclore. Mas, tambJm, neste momento a cultura popular ficou exposta aos maiores atentados que, ainda, hoje se reflectem naquilo que se nos oferece. Cinco sJculos de Hist\ria da Igreja. A dois de Julho de 1420 desembarcou Jono GonHalves Zarco no vale de Machico e, de imediato, procedu B posse da terra em nome do rei, B sua sagraHno com a primeira missa pelos franciscanos que o acompanhavam, tal como o testemunha Francisco Alcoforado165. Tudo isto parece-nos indicar que o povoamento da Madeira e a organizaHno da estrutura eclesi<stica, foram concretizados de acordo com um plano definido, pois Jer\nimo Dias Leite refere que o objectivo dos primeiros madeirenses era “ptr em obra a edificaHno das igrejas e das vilas e lugares e lavranHa de terras”. Tais princRpios nortearam, nno s\, o caso da Madeira, mas tambJm, o de outros arquipJlagos atl>nticos onde os portugueses chegaram. No perRodo de 1433 a 1514 a ilha estava a cargo do mestre da Ordem de Cristo que, no caso da alHada religiosa, determinara a sua superintendLncia pelo vignticas eram consideradas “nullius diocesis”, estando dependente daquele vigncia da igreja em todo o processo. 163
. Ilhas de Zargo, Vol. II, p. 593. Platno Lvovitch Waksel("alguns traHos de Hist\ria da Musica na Madeira", Das Artes e Da Hist\ria da Madeira, 1948-49, p.36, nota 4)refere que "o povo madeirense tem muita inclinaHno para adoptar melodias estrangeiras, vulgarisadas entre elle pelas bandas militares ou de artistas e os musicos ambulantes...". 164 . Tenha-se atenHno coment
As primeiras par\quias surgem no sJculo XV a partir dos principais ndcleos de fixaHno litoral B C>mara de Lobos, Calheta, Funchal, Machico, Ponta do Sol e Ribeira Brava. E destas freguesias se retiraram outras na primeira metade da centdria - Campanmara de Lobos, Faial, Gaula, Ponta do Pargo, Santana e Santo Ant\niosecundado na dJcada de setenta por novas: Porto da Cruz, Canhas, Madalena do Mar, S. Roque e S. Martinho. OS CONVENTOS. A ordem sermara de Lobos(1450), Santa Cruz(1527), Ribeira Brava(1724), Calheta(1670) e Machico166. Neste contexto relevam-se os de S.Francisco do Funchal e o de Santa Clara167. O primeiro foi construRdo a partir de 1474, enquanto o segundo, de freiras, foi erguido por iniciativa de Jono GonHalves Camara, segundo capitno do Funchal, no espaHo onde o seu pai havia edificado a capela da ConceiHno de Cima (em oposiHno B da ConceiHno de Baixo, erguida junto ao mar) e teve o padroado do mesmo por bula (1476) de Sixto IV. Por breve (1496) de Alexande VI ficou estabelecida a sua regular observ>ncia e o inRcio da clausura, sendo abadessa D.Isabel de Noronha, filha do capitno, que se encontrava no Convento da ConceiHno de Beja. Por fim, registe-se o Convento de Nossa Senhora da Piedade, fundado por legado estabelecido no testamento (1518) de Urbano Lomelino numa sua granja, situada no local onde hoje se encontra o actual aeroporto do Funchal.IdLntico ideal moveu o c\nego Henrique CalaHa de Viveiros, que em 1650 ergueu um convento de Nossa Senhora da EncarnaHno em honra da restauraHno da independLncia168. Este foi o segundo convento feminino da regra franciscana de Santa Clara. Mais tarde, em 1654, Gaspar Berenguer de Andrade fundou o das MercLs. Em 1485, retirou-se na ilha Frei Pedro da Guarda, criando o pequeno eremitJrio de Sno Bernardino em Camara de Lobos. Este franciscano, conhecido como o santo servo de Deus, ficou cJlebre na ilha pelas suas virtudes e milagres, o que motivou um culto arreigado Bs populaHtes de Camara de Lobos, que se manteve atJ 1835, ano em que foi proibido. O BISPADO. O rei concedeu o direito de padroado B Ordem de Cristo. Primeiro em 1433 o arquipJlago da Madeira alargado, depois, em 1454, a todos os territ\rios descobertos, situaHno confirmada por bula papal de 17 de MarHo de 1456. O governo espiritual ficou entregue ao vignger que queria alargar os seus domRnios Bs ilhas169. ; parte isso, em todas as ilhas, estabeleceram-se ouvidorias com o objectivo de organizar e exercer o governo eclesi<stico. A situaHno mudou em 1514 com a criaHno do bispado do Funchal e, depois em 30 de Dezembro de 1551, com o regresso B coroa do padroado. 166
. Fernando Carlos Azevedo Vaz, "S. Francisco do Funchal. A ihgreja, o convento, os frades", in DAHM, 1948-49, IV, n1.23, 1956; Joaquim Pl
Extinto o senhorio, a Ordem de Cristo atravJs do vigntico e Indico. AtJ este momento todo o serviHo episcopal era feito por bispos titulares aR enviados pelo referido vig
. Confronte-se Gaspar FRUTUOSO, Saudades da Terra, 290-291; Paulo Drumond BRAGA, " A actividade diocesana de D. Martinho de Portugal na arquidiocese funchalense", in Actas. III Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, Funchal, 1993, 557-562. 171 . Confronte-se Isabel R. Drumond BRAGA, "A acHno de D. LuRs Figueiredo de Lemos, bispo do Funchal.1585-1608", Actas. III Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, Funchal, 1993, 563-583.
prelados realizaram um sRnodo onde foram aprovadas diversas constituiHtes, mas apenas se publicaram as de 1578 e 1597 e conhecem-se as de outro manuscritas, tendose perdido as restantes. Estas medidas corresponde ao apelo da pr\pria estrutura da igreja e dos leigos que em 1546, atravJs da c>mara, fizeram ouvir a sua voz de descontentamento junto da coroa172. AS CONSTITUIGsES SINODAIS. O ConcRlio de Trento (1545-1563) definiu uma nova realidade para a teologia e prntico. A acHno do tribunal nestas paragens nno era permanente e fazia-se atravJs de visitadores aR enviados. Na Madeira e nos AHores realizaram-se apenas duas visitas: em 1591-93 por Jer\nimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso TornJo175. Entretanto, no intervalo de tempo entre as visitas, o tribunal fazia-se representar pelo bispo, clero, reitores do ColJgio dos JesuRtas, “familiares” e comiss
172
.ANTT, CC, parte I, maHo 78, doc. 58, 16 de Agosto. . Confronte-se nosso estudo "As constituiHtes sinodais das dioceses de Angra, Funchal e Las Palmas nos sJculos XV e XVI", in Congresso Internacional. MissionaHno Portuguesa e encontro de Culturas. Actas, Vol. I, Braga, 1993, pp.455-481. 174 . Maria Fernanda ENES, As visitas pastorais da matriz de Sno Sebastino de Ponta Delgada (1614-1739), Angra do heroRsmo, 1983; EugJnio dos SANTOS, "A sociedade madeirense na Jpoca moderna. Alguns "indicadores", in Actas do I Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, vol. II, Funchal, 1989, 1212-1225. 175 .Confronte-se Maria do Carmo Dias FARINHA, "A Madeira nos arquivos da inquisiHno", in Actas do I Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, vol.I, Funchal, 1990, pp.689-742. O seu estudo foi feito por Fernanda OLIVAL,"InquisiHno e a Madeira. visita de 1618", in Actas do I Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, vol. II, Funchal, 1990, 764-818; "A visita da InquisiHno B Madeira em 1591-1592", in Actas. III Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira, Funchal, 1993, 493-520. 173
Analisadas as dendncias e confisstes de madeirenses e aHorianos perante os inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenHno do clero no ensino da doutrina aos leigos. A maioria dos rJus J resultado da ignor>ncia dos c>nones cat\licos. A mesma ideia J-nos transmitida atravJs das visitas paroquiais, disponRveis e j< divulgadas. Deste modo poder-se-< afirmar que as orientaHtes tridentinas tardaram em chegar Bs ilhas e que a inJrcia e o fraco nRvel cultural do clero terno sido os principais responsnico, J definido pela afirmaHno do cristianismo que sente necessidade, no inRcio, de tolerar os antigos ritos pagnos ou de dar-lhes novo sentido de acordo com o dogme cristno. Foi essa a polRtica seguida por Greg\rio o Grande. Um dos aspectos de particular significado prende-se com a evoluHno do conceito de superstiHno. Superstitio queria significar conhecimento verdadeiro, clarividLncia, mas no sJculo II assume um significado negativo, para nos sJculos IV e V se afirmar como sobrevivLncia de crenHas pagns. I neste contexto de assimilaHno das crenHas e antigos ritos pagnos, que se perpetuaram ao longo dos sJculos na tradiHno oral, nno obstante a oposiHno da igreja, que se deve buscar a origem da maior parte dos ritos e crenHas que definem a religiosidade popular.
176 177
. Rui CARITA, O colJgio dos JesuRtas do Funchal- mem\ria hist\rica, 2 vols, Funchal, 1987 Nuno Vasconcelos PORTO, "Madeirenses na Universidade de Paris(1500-1550)", in DAHM, vol. III, n1.16, Funchal, 1953, pp. 15-19; Jono Cabral do NASCIMENTO, "Estudantes da ilha da Madeira na Universidade de Coimbra nos anos de 1573-1730", AHM, vol. I e II, Funchal, 1931-32, pp. 145-150, 60-64, 168-172; JosJ Pereira da Costa, "O ambiente cultural da Madeira no sJculo XVI", in Arquivo Hist\rico da Madeira, X, 150-161; Rui Carita, "Madeirenses na Universidade de Salamanca em Espanha", in Islenha, vol. VI, pp.37-41; JosJ Manuel Azavedo e Silva, "Estudantes madeirenses na Universidade de Coimbra, entre 1573- 1730", in Revista de Hist\ria das Ideias, vol. XII, Coimbra, 1990, pp.55-71.
A grande preocupaHno da igreja em travar esta forma de religiosidade. A contrareforma, a inquisiHno e, mais perto de n\s, o Vaticano II, tentaram apagar sem sucesso estas crenHas populares. Por isso, a soluHno foi tentar imp^r critJrios e praticas de acomodaHno. Esta realidade J muito evidente entre n\s, como se poder< verificar do confronto da religiosidade popular da oficial. Neste contexto J de destacar as constituiHtes sinodais funchalenses do sJculo XVI178 que consideram a superstiHno como sin\nimo de feitiHaria, sortilJgios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o dem\nio. Formas e Expressno da Religiosidade Popular. A linguagem poJtica J a natural expressno da alma que se dirige a Deus; e a alma religiosa do povo sempre escolheu o ritmo de verso e a mdsica da rima para invocar a graHa e a protecHno do Senhor, da Virgem e dos Santos em todos os momentos da vida, nas alegrias e nas dores, na paz e nos perigos, na imploraHno das graHas e nos louvores desinteressados@179. A religiosidade popular expressa-se de diversas formas, sendo de realHar as festas populares, manifestaHtes colectivas e as crenHas e ritos de devoHno particular. No primeiro caso J de temos as festividades populares, com ou sem relaHno com o ritual oficial. Natal, Carnaval, S. Jono, S. Pedro. Note-se que estas festas populares tLm origem em cultos naturalRsticos e que a quase todas estas manifestaHtes estno associadas manifestaHtes particulares, por vezes, com carncias do nosso quotidiano. 2. Lendas e milagres - que depois se imptem como forma de religiosidade oficial. Neste caso temos as lendas sobre as apariHtes - caso de N0 Sr0 do Monte - ou achado de imagens - Bom Jesus, Senhor dos Milagres - que formalizam ou reforHam o culto e devoHno a uma determinada imagem180. Este culto tanto pode ser expresso atravJs de uma pdblica manifestaHno de autoflagelaHno ou atravJs dos ex-votos propriamente ditos, isto J objectos pessoais, como fotos, imagens, pinturas ou ofertas em cera181. A Igreja e a religiosidade popular .A atitude da igreja nno J igual em todas as situaHtes, pois, ora aceita estas manifestaHtes assimilhando-as ao culto oficial, ora as condena, perseguindo os seus autores. Nas constituiHtes sinodais dos sJculos XVI e XVII J manifesta essa atitude de oposiHno, sendo condenadas quaisquer manifestaHtes de sortilJgio, agoiro, benzedura. Note-se que em 1618 o inquisidor de visita B ilha viu-se confrontado com a generalizada pratica
178
. Alberto Vieira, "As constituiHtes sinodais das dioceses de Angra, Funchal e Las Palmas nos sJculos XV e XVI", Congresso Internacional. MissionaHno Portuguesa e Encontro de Culturas, Actas, Vol. I, Braga, 1993, 455-481. 179 .AmJrico cortez Pinto, Ao folclore madeirense e o espRrito de Antonino Pestana@, in Ed. A. Pestana, Ilha da Madeira. I. folclore madeirense, Funchal, 1965, p. XV. 180 . Existe uma estrutura comum B descriHno destas lendas: os protagonistas sno sempre pastores, sendo o local de culto o sRtio da apariHno ou achado. 181 . Aqui tanto podem ser sRrios com partes do corpo moldadas em cera. Na Ilha Terceira usa-se o alfenim nas festas do EspRrito Santo.
supersticiosa, tendo condenado 13 mulheres por feitiHaria. O facto mais evidente J que todos tinham consciLncia que estas praticas eram proibidas182. Para o conhecimento desta realidade, mais do que as constituiHtes sinodais, temos as visitas paroquiais e as consequentes recomendaHtes dos prelados. Nestas pode-se acompanhar, a par e passo, a forma de expressno da religiosidade popular e a intervenHno do bispo no sentido da sua irradicaHno183. Do que atrBs ficou expresso poder< afirmar-se que ainda hoje persiste na vivLncia religiosa popular traHos evidentes dessa realidade desviante Bs normas da religino oficial, por vezes, escondidas sob a expressno de devoHno particular. Descobri-la nno J tarefa f
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20. JULHO HISTÓRIA ORAL: origem, definição e técnicas
História oral MÉTODOS E TÉCNICAS DO REGISTO AUDIO E VIDEO
DEFINIÇÃO A História Oral surgiu na década de cinquenta como forma de valorização das memórias e recordações do individuo. Com a criação em 1966 da Associação de História Oral abriu-se caminho para a afirmação desta nova técnica de recolha da informação oral. A História Oral é entendida como um método de recolha e preservação da informação histórica através do registo de vivências e acontecimentos vividos pelos testemunhos ou entrevistados. A sua realização obedece à técnica da entrevista, mas não pode ser considerada como um acto jornalístico. Os seus métodos conferem a quem quer que seja a possibilidade de acesso a esse registo. Esta última situação implica a existência de um Laboratório e Arquivo de História Oral. ENTREVISTA PREPARAÇÃO 1. fase preliminar: recolha de informação bibliografíca sobre o tema, época ou actividade 2. entrevista preliminar para recolha informação 3. autorização escrita do entrevista para uso e divulgação da informação contida na entrevista 4. manuseio e funcionalidade do equipamento audio ou video FICHA DO REGISTO 1. do entrevistado ou narrador: 1. nome : 2. data: 3. Lugar: 4. tempo de registo 5. nome do entrevistador FICHA DO PROJECTO Entrevistador 1. nome : 2. morada:
3. data da entrevista 4. local da entrevista Entrevistado ou narrador: 1. nome: 2. morada: com numero telefone 3. data nascimento 4. local de nascimento Aspectos da entrevista: Parentesco, ocupação e família, Infância, Escola, Ocupações, religião, Política, meios transporte, artesanato e tradições, guerra, memórias acidentais, experiência familiar, vida social [: casamentos, funerais, festas…], passatempos, viagens, tempestades, moda, alimentação.
MATERIAL DE APOIO:
BIBLIOGRAFIA
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Técnicas de referência de documentos da Internet: Em anexo e o seguinte endereço na Internet: http://WWW.madinfo.pt/organismos/ceha/revista/docs.html