Entrevista
VIRGINIA SABACK PAULA DA PAZ e NIASSA JAMENA, de SALVADOR
Moda não é Frivolidade
I
maginávamos uma figura fashion e glamourosa à nossa espera. E qual foi a nossa surpresa ao encontrarmos uma mulher bem-vestida à sua maneira simples, inteligente, que desconstruiu todo o nosso – e, provavelmente, o de muita gente – conceito de moda. Virgínia Saback nos recebeu em sua sala na Universidade Salvador, onde atua como coordenadora e professora do curso Gestão de Moda e Design. É especialista e consultora de Moda, atua no segmento há 27 anos, é consultora na área de Gestão e Design para planejamento estratégico de produtos e integrante do Comitê Científico do Colóquio Nacional de Moda. Entre suas obras publicadas, as mais recentes são: Paisagem Urbana: uma construção através dos Modos e das Modas (2008) e Modos, Modas e Cidade (2008). Como você definiria Moda?
Seria extremamente pretensioso da minha parte definir moda, até porque eu estudo moda há 30 anos e não consigo definí-la até hoje. A moda é um fenômeno grandioso e social, a expressão comportamental de uma sociedade a partir de seus meios, do que as pessoas precisam significar, dos seus ambientes sociais. A definição mais próxima é que a moda expressa os comportamentos da sociedade dentro dos seus momentos vigentes. Hoje dentro do meio acadêmico existem pessoas de
várias áreas, vários campos do saber tratando do assunto Moda. Mas cada uma fala a partir do seu olhar. Hoje já se compreende claramente que nós não podemos tratar moda apenas com as práticas laboratoriais, ou seja, apenas como vestuário. O vestuário é uma das partes que compõem as modas. Ele também determina modos, modas, modismos...
“Tem uma coisa aqui que é o que eu acho que chama mais atenção, que é a forma da gente andar. A gente não anda, a gente rebola.”
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VIRGINIA SABACK
Podemos dizer que existe uma moda baiana? Não podemos
falar de uma moda baiana voltada apenas para o vestuário. Você pode falar dos modos, dos jeitos, dos trejeitos baianos que geram moda, que geram modismos. Eu falo de uma forma genérica, se a gente contextualiza isso, é diferente. Tem situações que colaboram para que exista essa idéia da tão dita moda baiana. Nós temos os aspectos climáticos, culturais, é uma mistura de etnias, de tudo. O modo de vestir é adequado ao clima, não é uma moda da Bahia. A gente tem um estilo que é mais sexual, não é nem sensual, é mais sexual, até pelas interferências da cultura africana, da coisa da musicalidade, dos sons, da pimenta... É por isso que as pessoas querem saber da moda baiana, porque o baiano é muito particular: tem música própria, roupa própria, mas não é moda própria. Não é a moda, é a forma como ele é. Uma coisa aqui que chama mais atenção é a forma da gente andar. A gente não anda, rebola. Não estou falando no sentido pejorativo, e sim que todo mundo rebola. A gente anda de uma outra forma. Não sei se é por causa das ladeiras, do sobe e desce das curvas, das praias... Não sei. A gente não fala com ninguém “tudo bem?”, a gente vai logo se abraçando. Tem a coisa do calor, então talvez essa característica é que dê a entender que temos uma moda do vestir.
“As pessoas acham que a gente trabalha só com roupa. A última coisa que a gente vê aqui é revista de moda.” Já que o baiano não tem assim uma moda própria, de onde vem as tendências que vemos aqui? Vem de todos os lugares, é uma adaptação...?
Estamos falando de uma era globalizada em que você aperta um botãozinho e... comunicação em rede! Cada vez mais as pessoas querem estar dentro desse meio globalizado, e uma das ferramentas para se estar inserido neste meio é o vestuário. Todos os produtos que você tem aqui, você tem em qualquer lugar. O que difere a escolha é o poder econômico. Nós não estamos tão à parte, à margem, sabe? Nós estamos completamente globalizados, a gente faz parte de um mundo, uma aldeia. Você disse que moda não é só vestuário, que ela é um fenômeno. Então o que se estuda em curso de gestão de moda e design? O curso é montado a partir de três eixos. Nosso projeto pedagógico é todo montado a partir dessa concepção de moda como fenômeno. Então a gente trabalha em três esferas. O primeiro eixo trabalha a área da pesquisa e indagação que contém disciplinas da área de psicologia, antropologia e comunicação. No outro
eixo, temos as disciplinas dos ramos de desenvolvimento de negócios, marketing e gestão das organizações. Porque se você vai trabalhar com vestuário, você tem que entender, no mínimo, como funciona o mercado. E o último eixo é a parte das disciplinas de ordem prática. O nosso curso é de graduação tecnológica e não está focado apenas no vestuário, formamos alunos com visão tridimensional para atuar em toda a cadeia industrial produtiva do setor, não só na área do vestuário. A gente forma alunos para trabalhar com pesquisa, compras, comunicação... É uma formação muito ampla. As pessoas acham que a gente trabalha só com roupa. A última coisa que a gente vê aqui é revista de moda. O mercado da moda é muito recente em Salvador. Você acha que ele está em ascensão aqui, especificamente? Óbvio.
Os cursos de moda chegaram ao Brasil pra atender uma demanda mercadológica, porque toda a parte do poder econômico existente na área é um grandioso propulsor da economia. Na década de 80 a gente teve um boom de fábricas de confecções aqui na Bahia, um parque fabril grande. Mas esses empresários não se atualizaram. E aí o que aconteceu? Teve uma “quebradeira”, digamos assim, geral, e aí a cidade ganhou a vocação para o varejo. Repare? É shopping abrindo em todo canto! Eu não sei aonde a gente tem tanto dinheiro para comprar, porque é um atrás do outro. E não
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VIRGINIA SABACK
satisfeitos em abrir mais shoppings, eles também ampliam. Você mostra um lado diferenciado da Moda que não estamos acostumados. Qual a sua visão do segmento hoje? O
mundo mudou, as exigências dos consumidores mudaram. Hoje você compra uma camiseta de malha branca que custa 18 reais e quer comprar um sonho. A gente compra qualquer “coisica” e quer se satisfazer totalmente. E hoje, muito mais do que o produto é a sua embalagem, é a emoção que ele lhe traz. O segmento é extremamente promissor. Mas como todo segmento precisa de bons profissionais, porque se não tem, não tem nada. O problema é que não tem ninguém que fale de moda em Salvador. As pessoas falam de desfile, do que vai usar no verão e no inverno. Eu compreendo que o consumidor não quer ler artigos de moda no jornal, ele só quer saber se vai usar preto ou verde. Claro, o nome dele é consumidor. Mas temos que escrever de outra forma, começar a introduzir algo que não seja tão frívolo, não fortificando tanto esse universo que é tão “idealizado”. Geralmente as pessoas falam de uma forma extremamente frívola, do desfile, do sapato, das tendências... Mas isso não é culpa do consumidor final. Essa visão vem do próprio segmento. As pessoas que trabalhavam nessa área a tratavam também de forma frívola, e ainda tratam. Se você pega uma pessoa dessa e vai perguntar sobre
moda, ela vai lhe definir o que é moda. Ela vai lhe dizer que moda é atitude, é comportamento, é estilo de vida, que é ser descolado, que é “pegada”, que é pensar assim ou pensar assado. Isso configura e caracteriza ainda mais que o nosso segmento é um segmento fútil, que a gente vive eternamente na esfera do glamour.
“O desfile é uma ferramenta de comunicação, não retrata o real. O desfile é um show.” Então seu viés é mais acadêmico... Não é que meu viés
seja mais acadêmico, é que a moda se divide em três vertentes. Estávamos falando da moda como poder social, depois falamos de moda como poder econômico e por último de moda como poder das roupas. Ela tem que ser dividida pra ser entendida. Moda como poder social, que faz um retrato comportamental da sociedade, moda como poder das roupas, que retrata a forma como o indivíduo precisa significar a partir dos seus grupos, o que se quer mostrar... Você pode mentir através da roupa. Eu posso ser rica, mendigo, homem, mulher, freira, tudo isso a partir do vestuário. E a moda como poder econômico contempla toda a cadeia industrial e produtiva do setor. Tudo isso configura o sistema da moda.
Os dois eventos mais importantes que a gente tem de moda em Salvador são promovidos por shoppings, a Semana Iguatemi de Moda e o Barra Fashion. Você acha que realmente eles trazem um conceito de moda dentro de todo esse contexto ou eles seguem um viés mais comercial por serem ligados à shoppings? Claro que sim.
São dois exemplos muito importantes para a cidade porque fomentam vários empregos, fortificam as marcas que se apresentam. Estabelecem uma comunicação racional, uma ligação entre a cidade de Salvador com outros estados como uma cidade que está fazendo alguma coisa. Entretanto, é um evento com viés extremamente comercial. O comprometimento deles é com o público e com o lojista. Agora, isso nada impede que a gente participe, apóie e ache bonito. Porque, de fato, o desfile é uma ferramenta de comunicação, não retrata o real. O desfile é um show. É por isso que vemos uma disparidade tão grande dos desfiles para o que realmente é usado nas ruas? Quando você
faz o desfile você trata de conceito. Você vai sair de casa pra ver o que vê na vitrine? Você vai, no mínimo, para ver uma performance cênica. A intenção dos estilistas é chamar atenção para alguma coisa, é comunicar. Se vão gostar ou não do produto é um outro fato. A intenção não é mostrar o produto como ele é, é mostrar o conceito que as marcas desejam. Tem um viés mais artístico.
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“Existe um pensamento geral acerca da partilha, da inclusão, do respeito às diferenças. Já se começa a ter uma consciência nesse sentido, a haver um respeito. É aquela coisa, para eu ser aceito, pelo menos, eu tenho que fingir que te aceito também.” Existe uma crítica por parte das pessoas que pensam assim como você a esse mundo “fashionista glamouroso”?
Totalmente. Esse meu discurso não é inédito, eu acredito nisso há 30 anos. Muitas pessoas pensam dessa mesma forma. É porque os lojistas e estilistas trabalham em uma ponta, que é com o consumidor, o que é diferente da gente. Eles pensam de outro jeito, eles agem de outro jeito. A moda como vestuário, no sentido fashion, carrega um estigma de ser um setor restrito a certas classes sociais. Você concorda com essa afirmação? Isso acontecia de
fato, mas hoje você tem uma democratização de produtos. As pessoas que tem poder aquisitivo menor têm acesso também. E com a globalização, as pessoas podem comprar a camiseta de 19 reais e a camiseta de 70 iguais, o que
muda é a marca, é a emoção de comprar em determinada loja. A roupa compõe o que você deseja. A imagem do produto é a mesma, muda a matéria prima, a manufatura, a marca, o ambiente. Antigamente a moda vinha das classes mais altas e as mais baixas acompanhavam. Hoje vemos as modas de rua virando grandes modas. O que eram os rappers antigamente? Eles eram marginalizados. Hoje o poder do cara é aquele correntão de ouro que diz: “você não pode, eu posso!” Isso é um símbolo de poder e virou moda. Os movimentos urbanos são grandes geradores de moda. O padrão de beleza exaltado pela sociedade como ideal é o padrão de mulher magra, alta, jovem e loira, que não é o que vemos realmente na rua, principalmente no Brasil, que tem um povo miscigenado... A
cada 8 milhões de mulheres, uma é Gisele Bündchen. Há algum tempo atrás víamos uma imposição muito mais rigorosa no sentido dos padrões estéticos estabelecidos, mas acho que há de certa forma uma ruptura entre esses grupos de pessoas diferentes: as mais gordinhas, mais feinhas, com mais busto, com menos busto, com cabelo frisado, sem frisar... Esses grupos começaram, por influência da aldeia global, a fazer uma inclusão, a respeitar as diferenças. Na verdade, isso é uma visão minha particular sem nenhum fundamento teórico. O próprio presidente Obama falou: “Sim, nós podemos!”. Ok, eu sou baixa, e
daí? Eu sou anão e daí? Todo mundo quer trabalhar com meninas descoladas de 18 a 35 anos que vão pra balada, não fazem cocô, não fazem xixi, não vomitam são lindas sempre bem vestidas. Aqui (na Unifacs) a gente faz o contrário. Trabalhamos com nichos de mercado, com quem está precisando: pessoas acima do peso, anões, cadeirantes... Um exemplo é a moda plus size, que aqui no Brasil ainda não tem uma divulgação justamente pelo padrão de beleza ser voltado para a magreza. Fora do país já existe um nicho de mercado consolidado e aqui ainda não é desenvolvido. Isso já está sendo fomentado? Já, totalmente e já exis-
tem pessoas trabalhando. Ainda não existem lojas específicas porque quem faz essas roupas acha que as gordinhas não vão querer comprar lá, mas já tem muita gente fazendo roupa para tamanho maior. E o mercado brasileiro já tem a “cabeça aberta” a ponto de receber um produto sabendo que é pra uma camada mais gordinha? Eu não acho que
seja apenas o mercado brasileiro. Existe um pensamento geral acerca da partilha, da inclusão, do respeito às diferenças. Já se começa a ter uma consciência nesse semtido, a haver um respeito. É aquela coisa, para eu ser aceito, pelo menos, eu tenho que fingir que te aceito também. ▪