DO PROCESSO E PROCEDIMENTO
No que se refere à análise etimológica, do termo “processo”, verifica-se que deriva da expressão em latim, “procedere”, a qual por sua vez significa “seguir adiante”, traduzindo claramente a acepção de que o processo enquanto atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário, tendente a projetar-se a frente no sentido de que ao final seja proferida uma sentença de mérito, de modo a por fim a lide a partir da qual tenha sido iniciado. Com efeito, verifica-se que por conta do fato, confundido o processo com o próprio conceito de procedimento, enquanto simples sucessão de atos processuais, na medida em que a definição correspondente ao primeiro assim o informa, distinguindo-se ambos justamente pelo fato de que àquele corresponde ao pronunciamento jurisdicional ao final, aguardado pelas partes litigantes. Assim sendo, verifica-se que se trata o procedimento diante do conceito associado ao processo enquanto atividade, portanto, algo abstrato, da forma pela qual se corporifica o mesmo, constituindo-se no meio extrínseco a partir do qual se instaura, desenvolve e termina o último, atendendo, por conseguinte, a um conceito meramente formal, não passando de atos que se sucedem sem que resultem em conclusão alguma ao final.
Daí, prevêem os diversos ramos do direito processual, junto aos respectivos códigos que os atendam, a exceção do direito processual do trabalho, como parte integrante da norma consolidada, tanto a existência do processo em suas diversas formas (conhecimento, execução e cautelar), como o próprio procedimento. A título de exemplo, cita-se o CPC, o qual dividido em livros trata do processo de conhecimento, correspondendo ao Livro I, processo de execução, junto ao Livro II e processo cautelar, regulado pelo Livro III, encontrando-se regulado o procedimento pelos art.s 271 e seg.s (procedimento comum) e 890 à 1.210 (procedimentos especiais). No que se refere ao procedimento, no que trata do referido estatuto, verifica-se que subdividido o procedimento comum em ordinário e sumário, de acordo com os termos do art. 272, respectivamente, regulados pelos art.s 274 e 282 e seg.s, e 275, todos do CPC, sendo certo que o uso da expressão procedimento haverá de ser compreendida, no caso dos últimos, como “rito”, enquanto sinônimo daquele, pela qual os mesmos são em geral reconhecidos pela doutrina e jurisprudência predominantes. Sendo o processo conceito que excede os limites do direito processual, verifica-se que se encontra associado de maneira indevida, a outras atividades, outrossim, desenvolvidas pelo Estado. De fato, verifica-se que pela própria definição de processo, enquanto atividade desenvolvida pelo Judiciário, tendente ao final a prolação de uma sentença, constata-se que impossibilitada à associação desta ao campo administrativo ou legislativo, como ocorre comumente. No que se refere ao desenvolvimento do processo, verifica-se diversas teorias importaram nos conceitos na atualidade estabelecidos com relação ao mesmo.
Cumpre destacar, como registro histórico que o caráter privatista imperava no direito romano com relação ao processo desde o período “primitivo”, na medida em que apenas, a partir do período “formulário”, passou-se a contar com a imposição estatal com relação ao cumprimento da decisão proferida pelos árbitros privados, sucedido este pelo período conhecido como “cognitio extraordinária”, a partir do qual abolida a figura
dos
referidos
árbitros,
passando
a
função
jurisdicional
exclusivamente as mãos dos funcionários do Estado, sendo que somente fora afastado o conceito inicial ao final com a conclusão de que as partes não podem recusar-se ao cumprimento de uma decisão judicial. Assim,
diante
das
diversas
teorias
que
importaram
no
desenvolvimento do “processo” moderno até o momento atual, verificase atendem aos conceitos do “processo como contrato”, “como quasecontrato” e como “relação jurídica processual”. No que se refere à primeira, verifica-se claramente que associada a existência do processo ao conceito de que as partes se submeteriam voluntariamente aos efeitos do mesmo e aos seus resultados, o que importa concluir que em se tratando de negócio jurídico de interesse restrito das partes, dado as mesmas que viessem a desconsiderar os termos a partir dos quais aquele haveria sido celebrado, ou seja, negando validade ao próprio processo e aos seus resultados, marcada que estaria, portanto, por uma visão estritamente privatista.
No que se refere à dita teoria, verifica-se tratar-se justamente de contra-ponto ao conceito de jurisdição a partir do qual constatado que há verdadeira imposição do poder estatal, na medida em que diante do próprio principio da inevitabilidade associado a jurisdição, não haverá de encontrar-se reconhecida as partes a hipótese de virem a evitar o cumprimento de uma decisão judicial. Verifica-se que de acordo com a doutrina em comento, as partes estariam ligadas pelo mesmo nexo que as liga num contrato, ou seja, por um acordo de vontades, mediante o qual se submeteriam voluntariamente a decisão do Juiz, correspondendo o conceito ao estágio primitivo do direito processual romano, no qual não haveria ainda, alcançado o Estado de evolução capaz de permitir-lhe impor a sua vontade a das partes litigantes. Sucedida a doutrina em comento, que buscava compreender a natureza jurídica do processo, diante da impossibilidade de admitir-se um caráter estritamente privatista associado ao mesmo, viu-se estabelecida a tentativa de compreendê-lo a partir do conceito de “quase-contrato”. Com efeito, a época, admitia-se apenas, a existência de duas fontes de obrigações quais sejam o contrato que haveria de obrigar as partescontratantes e o reconhecimento do caráter delituoso de determinada conduta, a partir do qual estariam, também, obrigados os indivíduos a portarem-se de determinada forma, ignorando a existência da lei civil, também, como fonte de obrigações.
Daí, verifica-se que os partidários da referida teoria, dos quais citase como exemplo Savigny, diante da impossibilidade de sustentarem a existência do processo como contrato, passaram a admiti-lo como instituto similar, na medida em que se recusasse o réu ao comparecimento em Juízo, haveria o autor de força-lo a partir de determinado mecanismo, comprometendo assim, o caráter de um contrato, porque este supõe a liberdade de alguém de verificar a conveniência ou não de se sujeitar ao cumprimento de determinada obrigação. Destaca-se ainda, que mostra-se descabida a tentativa de enquadrar o processo como categoria pertencente ao direito privado, haja vista que diante do reconhecimento do fato de tratar-se a ação de direito público subjetivo, como forma de provocação a iniciativa do Estado em proceder a pacificação do conflito social, na forma da lide, resta claro que encontrase associado o mesmo ao campo do direito público. Em seguida, estabelecida por Oskar Von Bullow, a teoria do “processo como relação jurídica processual”, sendo esta a que conta com o maior número de adeptos no país. Cumpre destacar, que a publicação da obra “Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exceções Processuais”, ou ainda, compreendidas como “dilatórias”, figura como registro inicial como caminho aberto para o surgimento do direito processual como direito autônomo. Frise-se ainda, que a idéia da existência de uma relação jurídica processual distinta da de direito material, já haveria sido anteriormente considerada em outros textos, estando a destacada contribuição do autor assentada no fato de que existiriam dois planos de relações, a de direito material, existente fora do processo e a de direito processual, a qual serve
de continente aquela, ou seja, que permite que a situação surgida a partir do conflito de interesses, venha a ser solucionada de acordo com a intervenção do Estado através do processo. Assim, observou o autor que a relação de direito material se distingue da relação jurídica processual, de acordo com determinados aspectos, que vêm a ser, os sujeitos envolvidos nesta (autor, Estado-Juiz e réu), em razão de seu objeto (a prestação jurisdicional) e por conta de seus pressupostos (os pressupostos processuais). No que se refere aos sujeitos envolvidos na relação de direito material, verifica-se claramente que, diversamente do que ocorre com a relação de direito processual, tratam-se apenas, dos indivíduos, os quais enquanto detentores de direitos estejam envolvidos em determinada situação litigiosa marcada pela resistência, amparada por determinado dispositivo associado à norma material. Quanto ao objeto da relação jurídica processual, trata-se da sentença de mérito aguardada pelas partes, no sentido de que a lide venha a encontrar-se solucionada, sendo justamente com esta finalidade que acorrem as partes à prestação jurisdicional. Pelo que diz respeito aos pressupostos processuais, verifica-se tratarem-se da competência do órgão jurisdicional invocado, a regularidade de representação e a legitimidade ad processum. Com relação aos mesmos, estabelecera Oskar Von Bullow, que “...os pressupostos processuais são os requisitos para a admissibilidade (die erfordenisse für die zulässigkeit), as condições prévias para a formação definitiva de tôda (sic) relação processual (die vorbedingungen für zustandekommen des ganzen prozessverhältiness), a condição de
existência da relação processual, os requisitos para a válida formação definitiva da relação processual. Ainda, no que se refere à relação jurídica processual, verifica-se que como admitido por corrente doutrinária, capitaneada por Frederico Marques, ao referir-se aos pressupostos processuais de validade, de que se tratam, acompanhados pelas condições da ação, de espécies do gênero pressupostos de admissibilidade do mérito. Pelo que se refere a legitimidade ou legitimação “ad processum”, ou “no processo”, verifica-se que se encontra relacionada a mesma a capacidade para contrair direitos e obrigações na ordem jurídica, ou seja, para a prática dos atos relativos a vida civil, ou ainda, a aptidão para exercer ainda, que mediante representação ou assistência, conforme o caso, o direito relativo a tais atos, conceito que se estende tanto as pessoas físicas quanto igualmente as pessoas jurídicas, na medida em que ambas possuem personalidade jurídica, a qual se vê adquirida no que se refere as primeiras, pelo que dispõe a primeira parte, do art. 2º, do CC, quando do nascimento com vida. A capacidade processual, também reconhecida como legitimatio ad processum (legitimação para o processo) não se confunde com a legitimatio ad causam (legitimação para a causa). Aquela é pressuposto processual que se relaciona com a capacidade para estar em juízo, enquanto esta é condição da ação. O menor de dezesseis anos possui legitimidade ad causam para propor ação contra suposto pai, contudo, não possui
eventualmente
legitimidade
ad
processum,
devendo
representado porque não detém capacidade para estar em juízo.
ser
A existência da relação processual também está condicionada à presença de um juiz investido de jurisdição. Destarte, o processo só existe quando seu trâmite se dá perante um órgão apto ao exercício da função jurisdicional. Para a existência do processo, basta que se leve ao conhecimento do órgão jurisdicional determinada pretensão através da petição inicial. Porém, o desenvolvimento regular desse processo está subordinado à aptidão do juiz emanada da lei, para exercitar sua jurisdição em determinado caso concreto. Fala-se, portanto, de competência, sendo que Fernando da Costa Tourinho
Filho
conceitua
o instituto
como sendo o "âmbito,
legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão exerce o seu poder jurisdicional". A competência constitui um dos elementos do princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, LIII e XXXVII da Constituição Federal, que dizem, respectivamente: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"; "não haverá juízo ou tribunal de exceção", ou seja, um órgão jurisdicional criado ex post facto. É necessário salientar que a competência que se constitui como pressuposto processual de validade é absoluta (ratione materiae, ratione personae e funcional), uma vez que a incompetência relativa (valor da causa e territorial) pode convalescer em razão da preclusão, se não for argüida através de exceção em tempo oportuno, sujeitando-se, portanto, a prorrogação.
Por último, apresenta-se a regularidade de representação ou a capacidade postulatória, como capacidade de requerer ou de postular em Juízo. Com efeito, verifica-se que reservada a mesma, com exclusividade, pelo que dispõe os próprios termos do art. 36, do CPC, aos advogados legalmente habilitados, ou seja, que se encontrem devidamente inscritos junto aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, através das seccionais respectivas, portanto, atendidos ainda, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94), o qual prevê tratar-se o ato de petição, de procedimento exclusivo reservado a categoria. Destaca-se como exceção a referida condição, o denominado Jus Postulandi, associado à condição de hipossuficiente, como direito de postular em Juízo. De fato, com relação ao mesmo verifica-se que assegurado expressamente, malgrado a dicção expressa tanto do Estatuto da Ordem dos Advogados, quanto do art. 133, da C.F/88, ao asseverar que a figura do advogado é indispensável à administração da Justiça, pelo que dispõe o art. 791, da CLT, informando que empregados e empregadores poderão demandar pessoalmente perante a Justiça Especializada do Trabalho. Justamente por conta do fato, estabelecido dissenso dentre a jurisprudência no que se refere ao acolhimento do artigo contido junto da norma consolidada, pela carta política referida. Destarte, diante do posicionamento firmado pelo STF, verifica-se que pela própria dicção da Lei Maior, art. 5º, inciso XXXIV, “a” depreende-se que assegurado a todos, independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
Cumpre destacar, que não haverá de se confundir a representação, cuja finalidade é suprimir a incapacidade da parte, com a representação do advogado (capacidade postulatória). Conclui-se, portanto, pela prevalência do Jus Postulandi, não sem severas críticas de parte de juristas, tais como Mozart Vitor Russomano e José Afonso da Silva. Por último, cumpre mencionar a existência dos pressupostos processuais objetivos intrínsecos, aos quais se dará destaque em detrimento de comentários acerca dos pressupostos objetivos extrínsecos, reconhecidos por parte da doutrina, da qual cita-se Vicente Grecco Filho, relacionados a prática de atos dentro da relação jurídica processual. Assim sendo, apresentam-se a petição inicial apta e a citação válida. Com relação à primeira, verifica-se que como já mencionado anteriormente, a existência do processo está subordinada à propositura de uma demanda a um órgão investido de jurisdição. A demanda é formulada através de uma petição inicial, ainda que de forma irregular. Entretanto, para que a relação processual possa se desenvolver de forma regular e válida, é necessário que o pedido endereçado ao órgão jurisdicional seja apto, isto é, preencha determinados requisitos previstos pela lei processual. Os arts. 282 e 283 do CPC exigem que a petição inicial seja encaminhada ao juízo competente para o feito, contendo os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir), o pedido que delimita atuação do órgão jurisdicional (art. 128, CPC), as provas que pretende produzir para corroborar suas alegações, o valor da causa e o requerimento de citação do réu.
Na hipótese do autor deixar de atender, quando deduz sua pretensão em juízo, algum requisito do art. 282 do CPC, o juiz, verificando que tal irregularidade é sanável, proferirá um despacho determinando que o autor emende sua petição em certo prazo. Se o vício existente for insanável ou o autor não cumprir o despacho, a conseqüência será o indeferimento da petição inicial e por conseqüência, a extinção do processo com fundamento no art. 295, I, do CPC No que diz respeito à citação válida, tem-se que citação é ato pelo qual o demandado toma conhecimento de que contra ele está sendo ajuizada uma demanda. A citação não é necessária para a formação do processo, uma vez que ele já existe antes dela. Todavia, para a existência do processo, nos termos do art. 214, do CPC, é indispensável a citação inicial do réu, havendo de ser feita a mesma pessoalmente, através de seu representante legal ou ao procurador legalmente habilitado. Com a propositura da demanda, forma-se uma relação processual, a qual ainda é imperfeita ou anômala, porque constituída apenas de dois sujeitos: autor e juiz. O preenchimento do pólo passivo da relação processual com o ingresso do réu no processo, torna-a completa, isto é, com a citação, a relação jurídica linear torna-se trilateral. Não basta, porém, como determina grande parte da doutrina, que exista a citação, isto é, o conhecimento do réu de que em face dele movese uma demanda (conseqüência do princípio do contraditório: ciência e
participação), mas é preciso que esta citação seja realizada conforme as regras exigidas pelo CPC. Assim, por exemplo, preceitua o art. 225, II do CPC, que o mandado deve conter o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência de que, caso o réu não ofereça contestação, haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, se a causa versar sobre direitos disponíveis. Diante disso, se o réu é citado e não contesta no prazo, mas no mandado não consta a advertência prevista nos arts. 285 e 225, II, ambos do CPC, não sofrerá os efeitos da revelia. Entretanto, a falta de citação nem sempre compromete o desenrolar dos atos processuais, pois é possível que o demandado, de outra forma, tome conhecimento da demanda e compareça para contestar. Nesse sentido, o parágrafo 1º do art. 214, CPC, assevera que "o comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação". Embora o caput do art. 214 preceitue que a citação inicial do réu é indispensável para a validade do processo, a exceção prevista no parágrafo 1º, fez com que alguns processualistas não considerassem a citação como pressuposto de validade do processo. Conclui-se, portanto, tratar-se do objeto da relação processual, de modo geral, o processo.