Cuidado com as "pegadinhas" PAULO CÉSAR BACELAR PINHEIRO especial para a Folha Quem não já saiu de uma prova crente que estava abafando e, depois, ao conferir as respostas, descobriu que foi mais uma vítima desatenta e apressada das famosas "pegadinhas" do vestibular? É inacreditável como aquela sensação de vitória pode, em minutos, transformar-se num desconfortável festival de exclamações do tipo: "Nossa, como fui estúpido! Eu sabia a matéria! Como não enxerguei o óbvio?! Como pude não ter prestado atenção a detalhe tão evidente?!". É difícil afastar nesse momento a lembrança de palavras como "tonto", "irresponsável" e -a mais cruel de todas- "burro", que parecem piscar sobre a testa como anúncio luminoso. Infelizmente é uma sensação de derrota que pode prejudicar o desempenho do candidato nas provas posteriores, uma vez que traz um certo desânimo. Bom, em se tratando de vestibular, a melhor
maneira de evitar esse problema é chegar ao dia do concurso devidamente preparado e prevenido para o fato de que as "pegadinhas" aparecerão. Tanto na prova de português quanto nas outras, questões com sutis diferenças entre as alternativas de respostas são significativas porque conseguem, como diz o ditado popular, "matar dois coelhos com uma só cajadada". Além de averiguar o conhecimento da matéria, elas servem para apontar o bom leitor -aquele que realmente está atento ao que lê. Muitas vezes o grau de dificuldade do conteúdo dessas questões é mínimo, mas a resposta esperada esconde-se atrás de uma malha de armadilhas que apenas o leitor muito concentrado está apto a transpor. Como o interesse agora é sobre a 1ª fase da Fuvest, que está chegando, vale avisar que a prova de português terá certamente sua cota de questões capciosas. Um exemplo bastante pertinente é a questão seis da Fuvest 1999, gerada a partir de um trecho do texto "Tuim Criado no Dedo", de Rubem Braga, centrada no período: "De todos esses periquitinhos que tem no Brasil". Pede para que seja assinalada a afirmativa incorreta.
As alternativas apresentam considerações diversas a respeito da aplicação do verbo "ter". O interessante nelas é que, a princípio, todas parecem corretas. E aí? Que fazer? Primeiro passo, dobrar a atenção e partir para a investigação rumo ao erro escondido. Não é preciso ser um gramático para saber que o verbo "ter" foi empregado em lugar de "haver" e que está sendo usado com o sentido de "existir". Tal emprego caracteriza a oração em que se encontra como oração sem sujeito, o verbo herda a impessoalidade do outro ao qual está substituindo e, por isso, aparece no singular. A primeira alternativa afirma que essa utilização é típica da linguagem popular, o que é verdade -quase nenhum brasileiro anda por aí falando o verbo haver em seu dia-a-dia. A segunda alternativa simplesmente aponta para a possibilidade de ele ser substituído pela forma verbal "há", o que é absolutamente correto e adequado à norma culta. A terceira alternativa compara o emprego do verbo no período destacado com seu uso em outras passagens do texto gerador no que se refere a valor semântico. A quarta opção alerta para o caráter impessoal que o verbo adquire no
contexto e assim justifica o fato de ele estar no singular. A última alternativa, incorreta, portanto a resposta esperada, afirma que pode haver substituição pela forma verbal "existe". Na prática, a afirmativa é incorreta por conta da permanência do verbo no singular. O verbo existir não é impessoal, a oração passaria a ter sujeito e o verbo teria que, obrigatoriamente, concordar com ele. No caso, seria o substantivo periquitinhos, devidamente substituído pelo pronome relativo, a forma verbal correta só poderia ser "existem". A única marca a diferenciar o certo do errado é a letra "m" no final do verbo e indicadora do plural. Para chegar a tal resposta, dois requisitos: conhecimento de sintaxe em relação a reconhecimento e classificação de tipos de sujeito e atenção, muita atenção. As "pegadinhas" do vestibular estão aí, porém não são iguais às do Faustão ou às do Gugu -não provocam risos nem têm "replay".