Contracultura E Imprensa 2.pdf

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Universidade de São Paulo (USP) Escola de Comunicações e Artes (ECA)

Relatório de Pesquisa: Texto Final Nível: Pós-Doutorado

Estudo sobre a Contracultura e sua Influência na Publicidade Brasileira (1965-1977)

Orivaldo Leme Biagi São Paulo – Fevereiro de 2011

Pós-Doutorado

Estudo sobre a Contracultura e sua Influência na Publicidade Brasileira (1965-1977)

Profa. Dra. Sidinéia Gomes Freitas Supervisora

_____________________________________________________________________________

Orivaldo Leme Biagi

Dedico este trabalho para minha esposa Wanderléa e para meu filho Daniel!!! Eu os Amo!!!

Agradecimentos

Em todo o caminho que tomamos sempre encontramos quem nos ajude a seguilo – e, no caso da presente pesquisa, encontrei muitos incentivadores, o que agradeço a Deus por suas existêncais. Primeiro devo agradecer quem confiou em mim e abriu espaços para o desenvolvimento da pesquisa, minha supervisora na ECA-USP Sidinéia Gomes Freitas. Suas conversas acadêmicas cheias de excelentes reflexões e suas leituras da pesquisa ajudaram imensamente o texto a ganhar a forma atual – se não está melhor foi pela razão de eu não ter utilizado melhor sua sabedoria. E, logicamente, não posso esquecer a entidade que também me apoiou desde o início, ajudando em todos os sentidos para que a pesquisa pudesse ganhar a forma que ganhou – as Faculdades Atibaia (FAAT). Não apenas pelo financiamento deste um ano e meio de trabalho, mas por realmente confiar na minha capacidade. Agradeço, em particular, as figuras do diretor acadêmico Gilvan Elias Pereira e do mantenedor da instituição Hercules Brasil Vernalha, pois foram os que estiveram mais próximos do processo. Claro que minha família foi a que esteve mais perto de todo o processo e merece todos os elogios do mundo! Meus pais (Orivaldo Biagi e Suely Conceição Leme Biagi) e meu irmão (Gilson Leme Biagi) acompanharam todas as minhas dificuldades no mestrado e doutorado – caminhos estes que me levaram ao presente momento e para o atual texto. Jamias poderei expressar em palavras o que vocês representam na minha vida! E, logicamente, os amores da minha vida: minha esposa Wanderléa de Souza Biagi e meu filho Daniel de Souza Biagi são a luz que me orienta a vida, meus objetivos supremos, meus... tudo! Eu realmente os amo, meus amores!

My Generation Pete Townshend People try to put us d-down (Talkin’ ‘bout my generation) Just because we get around (Talkin’ ‘bout my generation) Things they do look awful c-c-cold (Talkin’ ‘bout my generation) I hope I die before I get old (Talkin’ ‘bout my generation) This is my generation This is my generation, baby! Why don’t you all f-fade away (Talkin’ ‘bout my generation) And don’t try to dig what we all s-s-say (Talkin’ ‘bout my generation) I’m not trying to cause a big s-s-sensation (Talkin’ ‘bout my generation) I’m just talkin’ ‘bout my g-g-generation (Talkin’ ‘bout my generation) This is my generation This is my generation, baby! Why don’t you all f-fade away (Talkin’ ‘bout my generation) And don’t try to d-dig what we all s-s-say (Talkin’ ‘bout my generation) I’m not trying to cause a b-big s-s-sensation (Talkin’ ‘bout my generation) I’m just talkin’ ‘bout my g-g-generation (Talkin’ ‘bout my generation) This is my generation This is my generation, baby! People try to put us d-down (Talkin’ ‘bout my generation) Just because we g-g-get around (Talkin’ ‘bout my generation) Things they do look awful c-c-cold (Talkin’ ‘bout my generation) Yeah, I hope I die before I get old (Talkin’ ‘bout my generation) This is my generation This is my generation, baby! (Versão Musical: The Who)

Resumo: Pretendemos, com a presente pesquisa, estudar justamente a influência da Contracultura na publicidade brasileira do período de 1965 até 1977. Procuramos traçar como a publicidade brasileira trabalhou a Contracultura no Brasil. Escolhemos esta organização por sua característica de tentar abarcar um nicho social expressivo (basicamente a juventude de classe média das décadas de 60 e 70, público mais propenso a aceitar os valores da Contracultura) e pelo caráter imagético e textual de sua produção. E, acima de tudo, por sua produção apresentar intensa paixão – sua produção foi bastante técnica, mas, jamais foi neutra. Assim, as peças publicitárias contêm as aspirações e contradições de sua época de produção – e a virada das décadas de 60 e 70 carregava muitas aspirações e contradições. Nesse sentido, podemos destacar três pontos em particular: 1 – existia uma expansão do mercado bastante significativa, em particular o chamado mercado jovem, bastante influenciado pela cultura que estava sendo produzida no “Primeiro Mundo”, em particular nos Estados Unidos e na Inglaterra; 2 – o momento político era ditatorial – entre 1968 e 1974 ocorreu o apogeu da ditadura militar, em particular na sua luta contra grupos guerrilheiros e na imposição da censura; 3 – a televisão, em particular a Rede Globo, tornou-se o meio de comunicação mais expressivo do país. A Contracultura tinha um discurso contestador, discurso este que não era desejado pelas organizações publicitárias ou pela maioria expressiva dos financiadores das peças publicitárias e dos veículos onde tais peças seriam divulgadas – e muito menos pelo regime político brasileiro da época. Para contornar tal situação, a publicidade brasileira utilizou-se da seguinte estratégia: 1 - não esconder que existia um imaginário de contestação ligado aos jovens, a Contracultura, pois, se o fizesse, seria difícil criar a identificação deste público para o consumo; 2 – procurar destacar seus aspectos mais superficiais e imagéticos, ou seja, elementos mais fáceis de serem manipulados; 3 - relacionar o desejo de contestação social à derrota e/ou à cooptação pela sociedade. Chamaremos tal estratégia de reversão de valores – a Contracultura apresentava um conjunto de valores e a publicidade, sem desprezar tal conjunto de valores, trabalhava neles invertendo-os, revertendo-os a uma ótica mais conservadora. Palavras-chaves: Contracultura – Publicidade – Década de 60 – Década de 70 – Ditadura Militar – Rock´n´Roll

Abstract: The objective of this research was to study precisely the influence of the Counterculture in the Brazilian publicity, from 1965 through 1977. We have tried to trace how the Brazilian publicity worked the Counterculture in Brazil. This organization was chosen due to its characteristic which tried to encompass an expressive social niche (basically the middle class youth of the 60´s and 70´s,a public more inclined to accept the Counterculture values) and for the imagistic and textual character of its production. And, above all, for its production having shown intense passion - very technical but never neutral. Therefore, the publicity works contain the aspirations and contradictions from its production time - and the turn of the 60´s and 70´s carried a lot of aspirations and contradictions. This way, we can highlight three specific points: 1 – there was a substantial market expansion, particularly the so called youth market, quite influenced by the culture being produced in the developed countries, particularly in the United States and England; 2 – the political moment was dictatorial – the period between 1968 and 1974 represented the climax of the military dictatorship, particularly in its fight against guerrilla groups and when censorship was imposed; 3 – the TV, particularly Rede Globo, became the most expressive communication media of the country. Counterculture had a controversial speech which was not wanted by the publicity organizations nor by most of the publicity sponsors, neither by the vehicles through which such publicity would be carried out – and least of all by the Brazilian political regime of the time. To by-pass this situation, the Brazilian publicity used the following strategy: 1- not to hide that there was an imaginary controversy connected with young people, the Counterculture, because had this been done it would be difficult to create the identification of this public towards consumption; 2 – try to highlight its most superficial and imagistic aspects, i.e., elements considered easier to be manipulated; 3 - relate the need of social controversy to defeat and/or to the cooptation by society. We will call such strategy of value reversion - Counterculture showed a set of values and the publicity, without ignoring such set of values, worked in them inverting them and reverting them to a more conservative optic. Key Words: Counterculture – Publicity - 60´s and 70´s –Military Dictatorship – Rock n´ Roll

Índice

Introdução.......................................................................... 1 Capítulo 1 – Contracultura.............................................. 19 Capítulo 2 – A Contracultura no Brasil........................... 32 Capítulo 3 – O Imaginário da Eterna Juventude............. 56 Capítulo 4 – O Imaginário da Luta contra o “Sistema”...75 Capítulo 5 – O Imaginário da Liberdade Total............... 98 Conclusões..................................................................... 124 Bibliografia.................................................................... 140

Introdução As Faces da Pesquisa Uma pesquisa, seja ela de qual temática for, sempre apresenta, no mínimo, duas faces: a primeira face é pessoal, ou seja, compreende a parte do universo interior da vida do pesquisador - a inquietação ou gosto pessoal que motiva a razão da pergunta que ele irá (tentar) responder (em parte) no seu trabalho de pesquisa; já a segunda face é social, pois as perguntas, métodos e conclusões do pesquisador tendem a responder um problema do seu tempo. A primeira face poderia ser apenas uma preocupação pontual do pesquisador, mas o problema que ele levanta também, de alguma forma, aparece na segunda face, mais ampla. A presente pesquisa apresenta as duas faces. Na face pessoal, o gosto pela Contracultura nasceu na juventude do pesquisador, embalado pela sua fixação, em alguns momentos exagerada até, na música dos Beatles e de toda uma, digamos, “cultura de rock’n’roll” que foi sendo descoberta a partir de estudos e pesquisas pessoais a partir da banda inglesa. A outra fixação foi a Guerra do Vietnã, inicialmente apresentada a ele nos filmes que eram apresentados na televisão e, depois, assistidos constantemente em videocassete e, atualmente, em DVD. A loucura da maior máquina de matar da História da humanidade atacando camponeses e guerrilheiros (com armamento mínimo) e toda a contestação social a partir desse fato era fascinante demais para não deixar fortes impressões. Beatles e Vietnã levaram o pesquisador ao encontro da temática da Contracultura. Na face social, o que realmente chamou a atenção sobre a Contracultura foi a maneira como ela era repudiada por parte da grande imprensa depois do esvaziamento do movimento, ou seja, da década de 80 em diante. Nas várias retrospectivas sobre o movimento (em particular nos cadernos ou edições especiais “comemorando” os aniversários de 1968), podemos notar que a ênfase está totalmente voltada para a sua “derrota”, como se praticamente nada das suas propostas e experiências pudessem acrescentar qualquer elemento para os tempos atuais. Em 1998 o jornal O Estado de S. Paulo lançou um livro, em capa dura, cujo título não deixava dúvidas quanto ao conteúdo: 1968: do Sonho ao Pesadelo. (PONTES e CARNEIRO, 1998) Outra ênfase constante sobre a Contracultura é a defesa da utilização de drogas que vários de seus grupos pregavam. Mesmo sendo um posicionamento inegável por parte de tais grupos, a maneira como a utilização de drogas ainda hoje é apresentada procura esvaziar totalmente qualquer outra experiência. Um exemplo recente foi um documentário produzido pelo canal pago History Channel, com o título de “Hippies”, exibido no Brasil em 15 de maio

2008, que, mesmo tendo mostrado algumas facetas sociais da Contracultura, praticamente apenas destacou o uso de drogas em seus aspectos negativos. (WOLFE, 2007) Mas tal posicionamento não se limita à grande imprensa ou às produções televisivas. No momento que a presente pesquisa estava sendo produzida (entre os anos de 2008 e 2010), uma interessante peça publicitária de televisão começou a ser divulgada. O comercial, que anuncia o tônico Grecin, abre com imagens do festival de Woodstock e de uma praia onde está sendo praticado surf, afirma na narração que a “geração que jurou ser jovem para sempre chegou lá”. E para demonstrar tal conceito o comercial mostra homens maduros realizando atividades jovens (surf e conversas sobre carros, mais especificamente), acompanhados de belas mulheres, garantindo que o produto anunciado manterá o tom grisalho dos cabelos de seus consumidores. Na sua construção, o comercial uniu a idéia de eterna juventude (que este grupo, em tese, defendia quando era efetivamente jovem) com a austeridade da sua maturidade através dos cabelos grisalhos – ou, conforme seu texto indica, “deixe alguns grisalhos, muitos não”. Talvez não seja coincidência que o momento deste comercial também coincida com o aniversário de 40 anos das manifestações de 1968, acontecimentos estes que foram o apogeu da idéia da juventude tomando o poder e contestando a ordem vigente, seja esta qual fosse – democracia, comunismo, ditaduras, etc., naquilo que denominaremos de Imaginário da Contracultura. No comercial do tônico Grecin a juventude efetivamente toma o poder – mas o de compra e o de consumo. Quais seriam as razões de tantos ataques e desmerecimentos da Contracultura – visto que no momento de tais produções jornalísticas, educacionais e publicitárias o movimento já estava, em tese, derrotado? Por que enfatizar ainda mais o óbvio? Não dá para deixar de notar a existência de certo medo por parte de certos segmentos socias, em particular os das classes dominantes ou que dominam os meios de comunicação, medo este que faz com que a “derrota” e os elementos ditos negativos (como o uso de drogas, por exemplo) da Contracultura sejam mais evidenciados. Talvez tais segmentos estejam certos – a Contracultura foi perigosa para a sociedade, ou pelo menos para a chamada sociedade “estabelecida”. O movimento, apesar da sua falta de unidade e de objetivos mais evidentes, mexeu num ponto vital das relações humanas e sociais: a influência cultural. O grande medo que o “sistema” tinha na época (e ainda demonstra ter) é perceber quando suas “amarras culturais” não podem influenciar a sociedade, e a Contracultura atacou justamente tais “amarras”. As propor novas ideias e novos exemplos de vida, a Contracultura contestou o instrumento mais eficaz utilizado pela sociedade “estabelecida” para sua perpetuação, ou seja, a sua capacidade de impor seus valores culturais como “corretos” e “eternos”. Assim, a

Contracultura abriu novas opções de valores culturais, utilizando-se dos mais variados meios e formas para propagá-los, dando novas possibilidades de vida além daquelas estabelecidas. Não estamos afirmando que as possibilidades de vida apresentadas pela Contracultura eram, necessariamente, as melhores – o consumo de drogas, por exemplo, já era um problema na época -, mas a simples apresentação e experimentação de novas possibilidades de vida sempre foram (e serão) inquietantes para qualquer sociedade, ou seja, uma prática que deve ser combatida. Talvez tal lógica explique o medo dos já citados segmentos sociais e suas organizações ainda apresentam da Contracultura até os dias atuais: é melhor mostrar apenas as derrotas e problemas do movimento para evitar que surjam novos contestadores.

Uma questão, então, tornou-se vital: se anos depois da “derrota” a Contracultura ainda é vista como uma ameaça, o que teria acontecido na própria época quando a Contracultura não estava ainda “derrotada”? Como os atores sociais e as organizações enfrentaram as novas ideias para a criação de novas instituições ou alterações nas existentes? Podemos afirmar que a luta foi intensa e que os atores sociais e as organizações não pouparam esforços em manter ou impor seus pontos de vista. Tal tensão iria contribuir para criar novos caminhos culturais e políticos, muitas vezes diferentes dos objetivos originais. Mesmo considerando-se que a Contracultura foi “derrotada”, ela também ajudou a mudar a sociedade. Nas palavras do jornalista Roberto Muggiati sobre um dos símbolos da Contracultura, o festival de Woodstock: “Woodstock parecia uma pré-estréia da sociedade utópica do futuro. Mas a engrenagem social era bem mais complexa do que imaginavam os hippies e radicais da nova esquerda. O Sistema soube absorver as novas idéias e recuperá-las; em contrapartida, ao fazer isso também se modificava. O fim da Guerra do Vietnã e a queda de Nixon após o escândalo de Watergate foram decorrência de uma nova moral que devia muito àqueles jovens dos anos 60.” (1984: 139)

Mas complementando: “O problema é que só aconteceu em meados dos anos 70, quando as condições sócio-econômicas modificadas (o boicote do petróleo começou em 73) já haviam pulverizado qualquer nova tentativa de contracultura, enquanto aquela dos anos 60 já passara a fazer parte da cultura estabelecida. (1984: 139)

O caminho desta pesquisa procura traçar como a publicidade brasileira trabalhou a Contracultura no Brasil. Escolhemos esta organização por sua característica de tentar abarcar um nicho social expressivo (basicamente a juventude de classe média das décadas de 60 e 70, público mais propenso a aceitar os valores da Contracultura) e pelo caráter imagético e textual de sua produção. E, acima de tudo, por sua produção apresentar intensa paixão – sua produção foi bastante técnica, mas, jamais foi neutra. A pesquisa apresenta o caráter qualitativo - foram analisados os anúncios que continham a temática da Contracultura (e da Juventude, pois a maior parte das vezes as duas eram inseparáveis) e não o espaço que ocupavam nos meios nem em na quantidade de meios

onde estavam sendo publicados, a não ser quando era um anúncio exclusivo ou de campanha exclusiva. Grande parte das vezes os anúncios eram repetidos de meio a meio e, assim, utilizamos a representação do anúncio e não sua frequência. Também a forma dos anúncios foi considerada. De acordo com Roger Chartier “é preciso levar em conta que as formas produzem sentidos e que um texto, estável por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status inéditos, tão logo se modifiquem os dispositivos que convidam à sua interpretação. (1995: 15) Ainda dentro desse raciocínio, o próprio Chartier reafirma que “é fundamental lembrar que nenhum texto existe fora do suporte que lhe confere legibilidade”. (1990: 220) Desta forma, destacamos a maneira de apresentação do texto no anúncio, suas imagens ou qualquer outro detalhe que procure enfatizar sua legibilidade e suas intenções. Devemos destacar também que o presente texto apresenta apenas algumas possibilidades de leitura sobre o material pesquisado e a época da sua produção. Nada poderá impedir que outro pesquisador, com suas perguntas e inquietações, obtenha novas leituras – encontrando mais do que apresentamos ou protestando por não encontrar o que encontramos. O historiador Paul Veyne já alertava de que “os historiadores, em cada época, tem a liberdade de recortar a história a seu modo (em história política, erudição, biografia, etnologia, sociologia, história natural), pois a história não possui articulação natural”. (1992: 19) Nós, os pesquisadores, é que damos a articulação. Assim o que apresentamos agora é uma articulação própria, tão rica ou tão pobre quanto às inúmeras leituras e críticas que serão feitas sobre ela. Problemática da Pesquisa Como podemos perceber pelos programas e anúncios anteriormente citados, o que chamaremos de Imaginário da Contracultura, surgido depois de 1945 e extremamente ativo nas décadas de 50, 60 e 70, ainda exerce uma intensa influência no século XXI, principalmente na publicidade mundial, de um modo geral, e no Brasil, de um modo particular. Podemos considerar que muito da lógica da Contracultura trabalhava com a idéia de que a cultura “oficial” era uma forma de poder – idéia a nosso ver correta, pois a cultura, qualquer que seja, é uma forma de poder. (MAFFESOLI, 2005: 25) A questão é que a mesma leitura pode ser aplicada à Contracultura – mesmo esta sendo considerada por seus seguidores uma forma de “contra poder”, ela também não deixa de ser uma forma de poder. E seu “combate” também acontece em vários setores da sociedade, como, por exemplo, no terreno da historiografia moderna, pois a Contracultura estimularia essa produção, em particular nos seus aspectos de rebeldia e de revolução. De acordo com Edgar de Decca, a

“terra prometida do sexo, da droga e do rock and roll, essa utopia romântica dos rebeldes primitivos do mundo desenvolvido, convivia de mãos dadas com as utopias revolucionárias terceiro-mundistas, proporcionando um espectro abrangente e inovador no campo dos estudos sobre os movimentos sociais.” (1992: 20)

E a decadência desses aspectos também interferiu no processo: “A historiografia dos movimentos sociais dessa década e também de boa parte dos anos setenta procurou incessantemente desvendar os mistérios da dialética da revolta e da revolução, e foi somente a partir das derrotas sucessivas dos projetos revolucionários desse período, que esse paradigma das ciências sociais sofreu mudanças de direção.” (1992: 21)

Os sinais de exaustão já se configuravam no final da década de 80, pois, conforme Edgar de Decca era também “sintoma de uma descrença nas utopias da rebelião, da revolta e da revolução”. (1992: 29) Assim, podemos perceber que sempre existiu uma disputa pelo poder, ou seja, uma luta simbólica (e, muitas vezes, violenta) entre a cultura oficial e a Contracultura. Pretendemos, com a presente pesquisa, estudar justamente a influência da Contracultura na publicidade escrita e televisiva brasileira do período de 1965 até 1977. As organizações publicitárias, ou seja, as agências e empresas que produziam publicidade estavam imersas no mundo simbólico da sua época – e, nas palavras de Jean-François Chalant, “o mundo da empresa é igualmente um mundo de signos, um espaço onde as diferentes linguagens se entrechocam, um teatro onde se passam comédias, tragédias e dramas, uma realidade mais ou menos imaginária, um universo de onde saem significações múltiplas que dão um sentido às diversas ações.” (1999: 72)

A escolha de tal período não é, de forma alguma, aleatória. As idéias da Contracultura começaram a ser discutidas no Brasil a partir de 1965 - em particular a partir da Revista Civilização Brasileira. E o ano de 1977 também não deixa de ser um marco, pois é o momento do crepúsculo da Contracultura, já que neste ano foram iniciadas novas formas de cultura jovem que indicavam novos horizontes: o apogeu da Discoteca; o inicio da cultura do Rap e do Hip-Hop; o início do movimento Punk; e a entrada da eletrônica como elemento sensorial e moderno, cujo um dos pontos de partida foi o filme “Guerra nas Estrelas” (“Star Wars”). Todo o período estava influenciado pelo Imaginário da Contracultura. Vamos discutir, portanto, o conceito de imaginário social.

Imaginário Social Como destacamos anteriormente, a presente pesquisa envolve um dos temas mais polêmicos da segunda metade do século XX, a chamada Contracultura - mesmo considerando-se que este tipo de contestação não foi um fenômeno exclusivo deste momento em particular. (GOFFMAN e JOY, 2007: 11) A Contracultura será trabalhada como um imaginário social. Entendemos como imaginário a definição dada por Cornelius Castoriadis, ou seja, que o imaginário “não é a partir da imagem do espelho ou no olhar do outro”, mas sim “o próprio ‘espelho’ e sua possibilidade”. Imaginário é, de acordo com o autor, “a criação que é a criação ex nihilo. [...] O imaginário de que falo não é imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos “realidade” e “racionalidade” são seus produtos.” (1982: 13)

De acordo com essa definição, apenas podemos nos referir a alguma coisa quando ela foi criada imaginariamente - ou, em outras palavras, quando ela foi instituída. Quando o autor emprega ex nihilo, que significa a partir do nada, não está dizendo que esse nada seja total ou absoluto, mas sim uma série de indeterminações que são processadas imaginariamente - e o seu resultado, então, é instituído, podendo-se, então, a partir daí, falar-se de alguma coisa, que é justamente a parte instituída. A instituição da sociedade decorre da “materialização” de um magma de significações imaginárias sociais somente a partir das quais os indivíduos e objetos podem ser captados ou mesmo simplesmente existir. (1982: 388-9) A Contracultura pode ser vista como um exemplo literal dessa “construção”, pois resulta da materialização de um magma de significações imaginárias sociais ligadas aos problemas políticos e culturais surgidos depois da Segunda Guerra Mundial, em particular a partir da chamada Guerra Fria. (BIAGI, 2003: 41) Mais do que as implicações políticas e culturais do termo, a criação de um novo problema, de um novo referencial, de uma nova condição que justificaria práticas políticas e culturais tornou a Contracultura uma realidade a ser discutida e vivida, pois havia sido criada, inventada, instituída - um imaginário radical, no sentido que lhe atribuiu Castoriadis. As sociedades humanas estão imersas dentro de imaginários, que são justamente os elementos que lhes dão suas formas e conteúdos. Estas considerações são de um caráter mais geral e amplo. Para se trabalhar historicamente, precisamos sair dessa imersão total e definir os imaginários; buscar a representação, pois é através dela que os imaginários se manifestam. Vamos discutir melhor o conceito de representação.

Entendemos por representação como alguma coisa que se encontra no lugar de outra coisa, ser o “outro do outro”, simultaneamente evocado e cancelado pela representação. O que representa, o que está no lugar de outra coisa, é o signo, ou seja, o elemento que possui um referencial ao qual ele se reporta. (VIEIRA FERREIRA, 1997: 67) Em outras palavras, podemos dizer que a representação é a maneira subjetiva da manifestação do imaginário – é o tecido pelo qual o imaginário se manifesta através de uma linguagem, seja ela qual for. O tecido é de mão-dupla, pois estimular a criação e é estimulada por ela. De acordo com Stewart Clegg:

As pessoas não se reduzem a ser apenas mão-de-obra ou criadores de significações. Elas são, necessariamente, ao mesmo tempo sujeitos dos dois e submetidas subjetivamente aos dois, ou seja, elas se definem como mão-de-obra e ao mesmo tempo como portadoras de diferentes identidades sociais múltiplas e interligadas. (1996: 56)

Podemos captar as representações da Contracultura no discurso da publicidade do período.

Instituições, Organizações, Publicidade e Contracultura

Todas as sociedades estão imersas dentro do imaginário social, elemento que as fundam e as justificam – portanto as organizações e suas estruturas também estão imersas no imaginário social, além, logicamente, das instituições. Entendemos por instituição “como um padrão de controle ou uma programação de conduta individual imposta pela sociedade”, que pode apresentar-se, por um lado, como “uma organização que abranja pessoas, como por exemplo, um hospital ou uma universidade”, mas que também apresenta outro lado mais profundo, ou seja, aquele que “é ligado às grandes entidades sociais que o povo enxerga quase como um ente metafísico a pairar sobre a vida do indivíduo, como ‘o Estado’, ‘o mercado’ ou o ‘sistema educacional’”. (BERGER e BERGER, 1978: 193) Podemos afirmar, portanto, que as instituições caracterizam-se por carregarem os valores sociais. E por carregarem tais valores as instituições são essenciais sobre a vida social – e, assim, os grupos sociais as disputam com bastante voracidade, de acordo com seus interesses e seus confrontos. Nessa disputa, as organizações sociais tornam-se essenciais, pois estas reforçam ou não os valores das instituições – principalmente por via da comunicação destas organizações com a sociedade.

Entendemos organização como “um grupo humano, composto por especialistas que trabalham em conjunto em uma tarefa comum”, que não é baseada em aspectos de natureza psicológica ou biológica dos seres humanos, características que forma os agregados sociais tradicionais, como sociedade, comunidade ou família. (DRUCKER, 1998: 27) Estas últimas citadas, inclusive, podem ser definidas como instituições. (BERGER e BERGER, 1978: 193) Uma organização é necessariamente especializada, definida por sua tarefa. (DRUCKER, 1998: 27) A função das organizações “é tornar produtivos os conhecimentos”. (DRUCKER, 1998: 28) Peter Drucker nos afirmou: “Como a organização é composta por especialistas, cada um com sua própria área restrita de conhecimento, sua missão tem de ser muito clara. A organização precisa ter uma só finalidade, caso contrário seus membros ficarão confusos. Eles seguirão sua especialidade, ao invés de aplicá-la à tarefa comum. Cada um irá definir ‘resultados’ em termos dessa especialidade, impondo seus próprios valores á organização. Somente uma missão clara, concentrada e comum pode manter unida a organização e capacitá-la a produzir resultados.” (1998: 31-2)

Para definir o grau de especialização e a missão, elementos que dão vida à organização, ou seja, seus objetivos para conseguir os resultados, é preciso considerar os fatores culturais de cada sociedade, pois são estes que dão a base para a formação de qualquer organização – ou seja, as instituições. (BERGER e BERGER, 1978: 193) Assim, não são apenas os seres humanos e as instituições que agem culturalmente, mas também as organizações. De acordo com Stewart Clegg: “De fato, existe uma tendência bastante forte nas ciências humanas em separar a pessoa do ator. Na base de tal raciocínio, encontram-se concepções em que a pessoa é vista como o sujeito apropriado da ação, conduzindo à interiorização das ações pelos atores. Entretanto, a ação não é um termo genérico para designar o ser humano: ela remete freqüentemente a formas coletivas de tomada de decisões, como são por exemplo as organizações.” (1996: 48)

Podemos afirmar que a organização é uma forma de ação coletiva, mas não apenas dentro das relações de produção – as relações simbólicas são fundamentais. Nas palavras de Stewart Clegg, “o poder intervém sempre ao mesmo tempo internamente na hierarquia e na linguagem, na dominação e no simbólico”. (1996: 49) E as paixões não podem ser separadas das instituições, das organizações e das linguagens trabalhadas sobre e por elas. Nas palavras de Sidinéia Gomes Freitas e Maria José Guerra de Figueiredo, os “discursos institucionais trazem como característica intrínseca uma propriedade discursiva, da linguagem, a propriedade de comportar as representações simbólicas encarregadas de estruturar e conduzir a vida social” e assim “(as paixões) deixam de ser concretizadas diretamente nos indivíduos e passam a ser midiatizadas por meio da linguagem”. (2º semestre/2008: 123)

O comportamento organizacional é reflexo de seu universo cultural, sendo que seus debates e questionamentos, como nos afirma o pensador Jean-François Chalant, é “um campo aberto a quase todos os ventos teóricos”. (23: 1996) Chanlat também nos afirma que para apreender a realidade humana nas organizações é preciso distinguir cinco níveis estreitamente relacionados: indivíduo, interação, organização, sociedade e mundo. (1996: 34) Nas suas palavras: “Cada nível é ao mesmo tempo dissociável e concretamente indissociável dos quatro outros. Cada um destes níveis faz emergir uma ordem determinada, isto é, dispõe de elementos próprios segundo relações aparentes e relativamente estáveis. Se um nível e uma ordem podem exercer, em alguns momentos, um papel preponderante, isto não significa que se postule uma hierarquia imutável entre eles, pois as relações entre os níveis podem tomar várias direções na teoria e na prática.” (1996: 34)

A ordem que se constrói em cada um dos níveis é contingente, não significando que tudo seja possível na prática – e, nas palavras de Chalant, ela “é o resultado da confrontação permanente entre o imaginário e a experiência que o ser humano vivencia em um contexto espaço-temporal”. (1996: 34) Dentro de tais observações, podemos perceber que o movimento contracultural procurou lutar pelas instituições, modificando-as ou aprimorando-as (evidentemente dentro da sua lógica libertária e, grande parte das vezes, ingênua e contraditória) e, assim, criando suas próprias organizações. Assim, as comunidades alternativas (que procuravam criar novas regras de convívio social e de valores culturais), as correntes cinematográficas (buscando novos caminhos, como seus próprios títulos indicam: Novelle Vougue, Cinema Novo, Nova Hollywood, etc.), a busca por novos valores estéticos (a Pop Art iniciada na década de 50; a escrita da Geração Beat; a Zap Comix norte-americana, levando a linguagem dos quadrinhos a níveis de liberdade – e polêmica - jamais vistas, etc.), o “amor livre” (procurando uma alternativa afetiva ao casamento e aos valores da família), entre tantas iniciativas, procuravam ser novas organizações criando novas instituições. Uma das tentativas de institucionalizar os valores da Contracultura numa organização foi a criação do selo Apple, pelos Beatles, pois foi montada uma empresa, a partir do “sistema”, para produzir e vender produtos do “underground”. Vamos nos aprofundar um pouco nessa experiência. Para diminuir seus encargos tributários, a banda inglesa começou a montar uma empresa própria para gerenciar os negócios, projeto que continuou mesmo depois da morte do seu empresário, Brian Epstein, em 1967. Um ano depois, o empreendimento seria lançado. De acordo com Paul McCartney:

“A idéia é ter uma empresa ‘underground’ com o mesmo porte da Shell, da British Petroleum ou da petroquímica ICI, mas sem nenhum fim lucrativo. Os lucros vão primeiro para os funcionários, para que todos que queiram um Rolls-Royce possam comprá-lo. O que sobrar nós daremos a qualquer pessoa que precise de ajuda.” (McCARTNEY apud MILES, 2000: 537)

Nas palavras de John Lennon, numa entrevista coletiva nos Estados Unidos em 1968, lançando oficialmente a Apple, a empresa procurava “liberdade artística numa estrutura empresarial, criando coisas sem vendê-las a um preço três vezes maior que o custo”. (LENNON apud STOKES, 1982: 209) Paul McCartney ainda chamaria a Apple de “comunismo ocidental”. O projeto era radical. A parte musical produziu sucessos consideráveis: além da produção das músicas do quarteto, abriu caminhos para novos talentos – James Taylor e o grupo Badfinger foram duas das descobertas mais famosas da empresa. Mas existiam muitos setores operacionais, como cinema, vestuário, eletrônica, educação – a Escola Apple, uma preocupação até então inédita em termos de mundo pop. (MILES, 2000: 537-8) Mas o sonho durou pouco. A bagunça nos negócios, resultado da absoluta falta de experiência empresarial e administrativa do quarteto, abortou praticamente todas essas iniciativas. Os Beatles também prezavam bastante o seu lucro para abandoná-lo totalmente pela causa da Contracultura. Esse caos administrativo e a perda de grandes somas em dinheiro influenciaram a separação da banda, em 1970. O “comunismo ocidental” fracassaria totalmente, como a maioria dos sonhos da Contracultura, mas a Apple iria se transformar numa empresa de sucesso nos anos seguintes. Depois de longas brigas judiciais, os negócios foram definitivamente arrumados e a empresa, sob a liderança de um velho amigo dos Beatles, Neil Aspinall (falecido em 2010), tornou-se uma das gravadoras mais lucrativas do mundo. Outra fonte de renda foi o nome, registrado em vários países nos anos 60: a Apple Computers, uma das pioneiras na fabricação de microcomputadores, teve de pagar uma verdadeira fortuna aos Beatles para manter esta marca. Quando desenvolveu um chip de música, entrando na área da Apple Music, outro acordo lucrativo em favor Beatles foi fechado. (MILES, 2000: 701-2) O sonho acabou, mas os lucros não – situação que a Contracultura iria constantemente se debater, inclusive. Publicidade no Brasil Não apenas das instituições e organizações da Contracultura, mas as agências de publicidade e propaganda no Brasil na virada das décadas de 60 e 70 também vivenciavam um contexto espaço-temporal específico. De acordo com Chalant

“se a ordem organizacional exerce um papel na edificação da ordem societal, a ordem social perpassa de uma maneira ou de outra a ordem organizacional. Esta relação de natureza dialética é capital para compreender o universo das organizações e o das sociedades estudadas. Como a ordem organizacional, a ordem societal é também palco de afrontamentos, conflitos, contradições e desigualdades e os conflitos não estão isentos de ressonância que se observam no interior das organizações.” (CHANLAT, 1996: 42)

Assim, as peças publicitárias contêm as aspirações e contradições de sua época de produção – e a virada das décadas de 60 e 70 carregava muitas aspirações e contradições. Nesse sentido, podemos destacar três pontos em particular: 1 – existia uma expansão do mercado bastante significativa, em particular o chamado mercado jovem, bastante influenciado pela cultura que estava sendo produzida no “Primeiro Mundo”, em particular nos Estados Unidos e na Inglaterra; 2 – o momento político era ditatorial – entre 1968 e 1974 ocorreu o apogeu da ditadura militar, em particular na sua luta contra grupos guerrilheiros e na imposição da censura; 3 – a televisão, em particular a Rede Globo, tornou-se o meio de comunicação mais expressivo do país. O momento da produção da propaganda brasileira tem de ser considerado. A influência norte-americana na publicidade brasileira já era relevante na primeira metade do século XX, intensificando-se depois de 1945. Mas a “cultura” americana ainda enfrentava, no Brasil, a forte concorrência com a tradicional “cultura” francesa, que era a base intelectual do país. (BIAGI, 2003: 147) Antônio Pedro Tota, no seu trabalho O Imperialismo Sedutor, demonstrou que ainda durante a Segunda Guerra Mundial a influência norte-americana foi intensificada no país com a produção de inúmeros bens culturais, voltadas à propaganda da guerra inicialmente, mas abrindo caminhos para uma real presença dos Estados Unidos na cultura brasileira. Não apenas na cultura, mas, principalmente, na política: eram os tempos da Guerra Fria e a luta contra o comunismo estendeu-se a praticamente todas as áreas, inclusive a publicidade. (TOTA, 2000) Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo procurou argumentar como a publicidade no Brasil exerceu (ou procurou exercer) influência nas atitudes políticas do público. Entre 1954 e 1960, os anúncios indicavam a formação de um país coeso e forte, em particular com a chegada das empresas produtoras de automóvel promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek. (1998: 17) Entre 1960 e 1964, Figueiredo mostrou que, com a diversificação da economia brasileira, formou-se “uma progressiva generalização do apelo ao consumo e, simultaneamente, uma manifestação do nascimento de uma predisposição para o ato de consumir”. (1998: 157) Tal predisposição parecia ameaçada com a instabilidade política do governo João Goulart e com as idéias comunistas, o que levaria esta classe média a apoiar a ditadura militar que se instalou a partir de 1964. Nas palavras da autora, “a derrubada de Jango e dos ‘comunistas’ no poder

pareceu às camadas médias urbanas ser um passo necessário em nossa vida política”. (1998: 157-8) A diversificação e consolidação da classe média depois de 1964, em particular na época do “milagre econômico”, fez com que as agências publicitárias profissionalizaram-se rapidamente nos anos 60 e atingiriam um bom plano de ações na década de 70 - a maior parte das agências publicou um anúncio na revista Veja oferecendo seus serviços. Um dos novos mercados que tais agências iriam se dedicar era justamente o jovem. A formação e consolidação de tal mercado produziram um problema para a pesquisa, pois, muitas vezes, ficou difícil separar a idéia de juventude da de Contracultura, pois a ligação de ambos é muito intensa, como veremos adiante. O problema consiste que as relações imaginárias entre ambos são semelhantes. A utilização de uma aparente “imagem” única que relacionava todos os jovens à Contracultura, e vice-versa, indicava como as agências de publicidade (e o público de um modo geral) os representavam imageticamente: rapazes de cabelos compridos e barba, garotas com roupas coloridas, calça jeans, fãs de rock, buscando liberdade e descontração – em outras palavras, uma variação mais ou menos ampla do Hippie norte-americano e europeu. Nem todos os jovens brasileiros estavam ligados à Contracultura diretamente – mas a ideia da juventude como uma “entidade única” (e carregada de elementos contraculturais) era forte demais. Mesmo os Surfistas, apresentados constantemente pela publicidade brasileira em vários anúncios, eram vistos como “hippies de praia”, ou seja, cabeludos fãs de rock buscando liberdade e descontração nas ondas do litoral brasileiro. A ideia de uma unidade jovem, que ajudou a formar o imaginário da Contracultura, era utilizada pela publicidade brasileira na época. As “tribos” e suas diferentes identidades já existiam antes mesmo da Contracultura ser instituída, como veremos adiante, mas foi a homogeneização da imagem da juventude, em particular no Brasil, que prevaleceu durante a década de 70. Foi apenas com a chegada do movimento Punk no Brasil e da formação do Rock Nacional da década de 80 que as “tribos” ficaram mais evidentes entre a juventude. Assim podemos perceber as imagens de juventude e de Contracultura mesmo não significando a mesma coisa eram vistas como que significando a mesma coisa, a maior parte das vezes, pela publicidade brasileira. E muitos anúncios, mesmo representando empresas, produtos ou serviços que aparentemente nada tenham a haver com juventude e Contracultura, utilizaram bastante os imaginários de ambos. Destacamos também tais anúncios. As questões formais dos anúncios também devem ser consideradas. Os anúncios da época eram baseados, quase sempre, em imagens fotográficas e em texto, muitas vezes com duas ou três colunas. Comparativamente com os anúncios dos dias atuais, era um volume bastante expressivo de texto. Provavelmente as décadas de 60 e 70 foram as últimas formadas por um público ainda voltado a livros e leitura, mas já com a televisão crescendo em influência.

E, como expressão cultural, os anúncios também carregavam as visões de mundo de seu tempo – algumas curiosas e/ou estranhas para os nossos padrões. Um anúncio como o feito pela Química Industrial Barra do Piauí, com o título “Advertência à Indústria da Borracha: atentem para o pó branco”, que se referia ao carbonato de cálcio precipitado “barra” (produto que reduzia os custos e melhoraria as propriedades do produto final), teria uma interpretação bem diferente nos dias atuais – iria parecer uma referência à cocaína. (VEJA, 111, outubro/1970: 57) Algo que foi mantido nos anúncios três anos depois, com o título “O pó nosso de cada dia”. (VEJA, 250, junho/1973: 71) Outro exemplo da distância do tempo foi um anúncio que mostrava a imagem de um vagão de trem do Metrô lotado, com uma mulher olhando feio para o homem encostado atrás dela, que, por sua vez, apresentava um sorriso “safado” – em outras palavras, ele estava claramente bolinando-a (“encochando”, numa linguagem popular). Já o texto, destacado na outra página, apresentava o título em forma de pergunta “O que é, o que é? É resistente, não amassa, não desbota, lava e seca rápido, não é só fio, nem fibra, nem tecido”, pergunta respondida logo no início do texto: “Se você respondeu Tergal, já matou metade da charada. A outra metade a Rhodia vai matar daqui pra frente”, e explicou a parceria. (VEJA, 318, outubro/1974: 92-3) Podemos perceber que qualquer conotação de assédio sexual ou de ato libidinoso ganhou um aspecto meramente humorístico, pois, na época, tal circunstância era mais engraçada do que criminal. Mesmo anúncios diretamente ligados à Contracultura e à juventude utilizarão de conceitos “sexistas”, machistas e elitistas. O “moderno”, muitas vezes valorizado no discurso do anúncio, vinha seguindo de imagens/idéias bastante antiquadas. Não diríamos que chegaria a ser uma contradição, mas é reflexo da cultura da época. Todas

as considerações

anteriores

demonstram que as

organizações

relacionadas à publicidade estavam vivendo num universo de tensão, pois, conforme as palavras de Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo, “ao mesmo tempo que a publicidade busca orientar as tendências do mercado na direção da ordem social e econômica que lhe é favorável e que assim lhe convém, ela é forçada a se modificar conforme as expectativas e anseios de seu público-alvo, adaptando-se às suas exigências para não arriscar um fracasso indesejável”. (1998: 21) As agências de publicidade teriam de considerar essas questões na sua produção e procuraram estratégias para conciliar o espírito rebelde da juventude através da Contracultura e o rigor do regime militar. Vamos discutir tais questões.

Juventude Brasileira: entre a Rebelião e o Consumo Com o recrudescimento do regime militar a partir de 1968, a juventude brasileira, segundo Alfredo Sirkis, passaria por uma “trifurcação”: alguns iriam lutar diretamente contra a ditadura tornando-se guerrilheiros; 2 – outros iriam seguir a linha da Contracultura; 3 – e a maioria não seguiria os caminhos anteriores, preferindo levar vidas normais dentro da sociedade estabelecida. (2008: 112) Aparentemente ocorreu um deslocamento do eixo de atenções dos jovens da política para a cultura – ou, em outras palavras, a Contracultura tornou-se um dos únicos espaços que restaram para a participação jovem na vida do país, pois os caminhos políticos foram fechados pela ditadura. (SKIDMORE, 1998: 112). Cultura e comportamento tomariam o lugar da política nas práticas jovens. De acordo com Nelson Motta: “O verão de 1972 foi o apogeu do desbunde brasileiro. Massacrados pela repressão política e pelo autoritarismo violento, os jovens, muitos deles sem apetite para a luta armada, optaram pelo rompimento total com a sociedade. Viraram hippies pacifistas radicais e caíram na boca no ácido e na maconha, viviam em comunidades, faziam música e artesanato, comiam macrobiótica e tentavam abolir o dinheiro, o casamento, a família, o Congresso, as forças armadas, a polícia e os bandidos, tudo de uma vez só e numa boa. Muitos encontraram a felicidade, ainda que fugaz, vivendo com amigos numa ‘nova família’, convivendo e se divertindo como irmão.” (2000: 234)

O cineasta Glauber Rocha destaca tal deslocamento com suas críticas à opção contracultural (e também da esquerda armada) numa entrevista dada em 1980: “Eu estava conflitado com essa esquerda armada e contra a opção hippie, que era a opção da CIA programada para o Brasil, através dos jornais que surgiram para ocultar o problema da Guerra do Vietnã e transformar os perigosos maoístas guerrilheiros em hippies drogados. Foi a luta da granada contra o Rock. Quer dizer, duas opções: uma colonização guerrilheira orientada pela CIA, por Cuba e pela China, e uma orientação hippista orientada pelos Estados Unidos no sentido de liquidar com o Terceiro Mundo, com as potencialidades revolucionárias que estavam explodindo.” (ROCHA apud GASPARI, HOLLANDA e VENTURA, 2000: 162)

Mas tais pontos de vista são limitados, pois a Contracultura também foi uma forma de confronto contra a ditadura, em particular contestando seus padrões morais conservadores. Assim, o visual mais colorido, os cabelos compridos, as músicas inovadoras e as novas questões morais (sexo, drogas, cultura indiana, etc.) serviam tanto para chocar o público mais velho como também para contestar a própria estrutura moralista do regime militar, inclusive nos seus aspectos políticos. E, quase sempre, o regime militar reagiu com força aos atos ligados à Contracultura: a união entre os “desbundados” e os comunistas, união esta nunca clara entre os próprios grupos, foi uma visão constante do regime militar, como as prisões de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paulo Coelho, entre outros, demonstraram; muitos bailes e shows da iniciante música negra brasileira (o samba-rock, como o estilo foi chamado na época, entre outras

denominações), assim como vários festivais de música no campo e ao ar livre, foram fechados pelas autoridades policiais por se tratar de “reunião de comunistas”; o comportamento sexual e consumo de drogas eram relacionados à expansão do comunismo internacional na juventude, para corrompê-la dos verdadeiros valores morais – valores estes que a propaganda do regime militar insistia em defender. (DIAS, 2003: 123-8) O general Milton Tavares de Souza, o Miltinho, comandante da CIE (Centro de Informações do Exército), um dos setores mais repressivos da ditadura militar, considerava o movimento hippie uma invenção de Moscou. (GASPARI, 2002: 379) Podemos perceber que as práticas culturais do movimento também produziam efeitos políticos. De acordo com Marialice M. Foracchi, a “concepção de contracultura é essencialmente política, na medida em que os efeitos sociais da exacerbação da criatividade e da busca de novas formas de expressão repercutem sobre o sistema como modos de contestação”. (1972: 13) Ao mesmo tempo em que a Contracultura contestava o regime militar, ela também se mostrava como um excelente negócio. O mercado jovem “descoberto” na década de 60 (em particular através dos movimentos conhecidos como Jovem Guarda e Tropicalismo), com o desenvolvimento econômico da virada dos anos 60 e 70, estava cada vez mais consolidado e verificando, inclusive, uma significativa ampliação. (ORTIZ, 1991: 25) A publicidade, no geral, não procura criar novos valores, mas, sim, trabalhar para reforçar as idéias já existentes. Assim, ao criar peças publicitárias tendo a Contracultura como tema, as organizações publicitárias já contavam com pesquisas mercadológicas e análises mais aprofundadas do público que desejava atingir, ou seja, o mercado jovem. (GIACOMINI FILHO, 1991: 16) Mas, como vimos antes, a Contracultura tinha um discurso contestador, discurso este que não era desejado pelas organizações publicitárias ou pela maioria expressiva dos financiadores das peças publicitárias e dos veículos onde tais peças seriam divulgadas – e muito menos pelo regime político brasileiro da época. Para contornar tal situação, a publicidade brasileira utilizou-se da seguinte estratégia: 1 - não esconder que existia um imaginário de contestação ligado aos jovens, a Contracultura, pois, se o fizesse, seria difícil criar a identificação deste público para o consumo; 2 – procurar destacar seus aspectos mais superficiais e imagéticos, ou seja, elementos mais fáceis de serem manipulados; 3 - relacionar o desejo de contestação social à derrota e/ou à cooptação pela sociedade. Chamaremos tal estratégia de reversão de valores – a Contracultura apresentava um conjunto de valores e a publicidade, sem desprezar tal conjunto de valores, trabalhava neles invertendo-os, revertendo-os a uma ótica mais conservadora. Em outras palavras, as organizações publicitárias procuraram criar peças com o que tinha de mais externo da Contracultura (cabelos compridos, roupas coloridas, música, etc.),

procurando enquadrá-las dentro de padrões mais conservadores, procurando reverter seus conteúdos. Como podemos perceber a luta entre a cultura oficial e a Contracultura foi intensa - e vamos procurar mostrar na presente pesquisa esta luta ocorrida no Brasil, com suas particularidades e especificidades, num campo simbólico por excelência, ou seja, a publicidade da época. E o campo simbólico é apenas possível quando existe um ou mais imaginários para alicerçá-lo. A Contracultura estava no seu apogeu e iria influenciar a publicidade brasileira – não apenas a Contracultura como imaginário radical, mas também com suas significações imaginárias secundárias. Significações Imaginárias Secundárias A Contracultura, como já afirmamos anteriormente, é um imaginário radical. Ainda segundo Castoriadis, derivam desse imaginário radical instituições de significações imaginárias chamadas de secundárias. São secundárias não por serem menores ou derivadas, mas por formarem uma unidade pela instituição das significações centrais da sociedade. Nas palavras de Castoriadis, estas “não podem existir sem aquelas; não há entre elas relação de prioridade, e em geral tais relações não têm sentido no nível aqui considerado. A empresa é uma instituição secundária do capitalismo – sem a qual não há capitalismo.” (1982: 416)

No caso específico do Imaginário da Contracultura, podemos destacar as seguintes significações imaginárias secundárias: o Imaginário da Eterna Juventude; o Imaginário da Luta contra o “Sistema”; e o Imaginário da Liberdade Total. Cada uma delas receberá um capítulo específico. * A pesquisa está dividida da seguinte forma: o capítulo 1 irá propor uma discussão sobre o conceito de Contracultura de um modo geral e o capítulo 2 versará sobre aspectos mais gerais da Contracultura no Brasil; os capítulos 3, 4 e 5 trabalharão cada um especificamente com uma significação imaginária secundária da Contracultura; e terminará com a conclusão da pesquisa.

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Capítulo 1 – Contracultura Problemática do Conceito de Contracultura Mark Kurlansky afirmou que nunca existiu um ano como 1968, pois, apesar das culturas ainda serem separadas, “ocorreu uma combustão espontânea de espíritos rebeldes no mundo inteiro”. (2005: 13) O autor também destacou quatro fatores para explicar o que aconteceu: 1 - o exemplo do movimento dos direitos civis, na época uma prática nova e original; 2 - uma geração que se sentia diferente e alienada para rejeitar todas as formas de autoridade; 3 a Guerra do Vietnã, “uma guerra universalmente odiada, no mundo inteiro, a ponto de fornecer uma causa para todos os rebeldes que buscavam uma”; 4 – tudo isso acontecendo “num momento que a televisão amadurecia mas ainda era suficientemente nova para não ter sido ainda controlada, destilada e embalada do jeito que é hoje”. (2005: 14) Marcos Alexandre Capellari apresentou quatro manifestações mais visíveis da Contracultura: 1 – a desvalorização do racionalismo, onde “temos as rebeliões, nas universidades, contra o sistema de ensino, e a construção de novos paradigmas, ou visões de mundo, baseadas em correntes contraculturais subterrâneas do Ocidente, em filosofias e religiões orientais e em certas vertentes da psicanálise e do marxismo”; 2 – a recusa ao american way of life, destacando “um estilo de vida descompromissado e errante”; 3 – o pacifismo, “dirigido principalmente contra ações imperialistas das grandes potências” (o autor também destaca que algumas vertentes pregavam a luta armada, com os Black Panthers); 4 – o hedonismo, “caracterizado pela valorização do corpo e das emoções, sendo as principais manifestações a ‘revolução sexual’ e o culto às drogas psicotrópicas, normalmente relacionadas a um de seus principais veículos de disseminação, a música rock”. (2007: 7) Novas práticas políticas e comportamentais, uma geração autônoma e distante da geração mais velha, um inimigo em comum para praticamente todos os grupos (Guerra do Vietnã) e um meio de comunicação deixando tudo mais próximo e, assim, aumentando a idéia de unidade – eis a caracterização mais geral da Contracultura. É difícil definir toda a extensão do termo Contracultura, pois os grupos que a compunham não apresentavam uma unidade. Alguns autores realizam, inclusive, divisões mais específicas sobre os grupos de contestação da década de 60, como é o caso de Peter Clecak, que chama de “Movimento” o conjunto de ações não-conformistas praticadas nos Estados Unidos neste período, dividindo-o assim: “o movimento negro, o movimento estudantil, a nova esquerda, o movimento feminista, a contracultura.” (1985: 353) O termo surgiria em 1968, nos Estados Unidos, quando de uma eventual junção da Nova Esquerda com os Hippies, sendo que o termo iria, depois, estender-se a quase todas as formas de rebelião ligadas à juventude. O que seria essa Nova Esquerda?

A Nova Esquerda era uma resposta a uma corrente de pensamento que se formou na segunda metade da década de 50 que defendia o “fim da ideologia”. Tal pensamento foi desenvolvido pelos intelectuais norte-americanos H. Stuart Hughes, Judith N. Shklar, Seymour Martin Lipset e Daniel Bell, entre outros, e defendia que as velhas ideologias do século XIX estariam esgotadas (minadas tanto pelo aspecto mais sangrento do comunismo soviético tanto quanto pelo sucesso do capitalismo liberal do mundo ocidental). Assim, existiria um consenso de que as questões políticas não tinham mais o seu caráter crítico (o trabalhador, por exemplo, estava recebendo os bons frutos do capitalismo, inclusive apoio previdenciário, o que o anularia como força revolucionária). Em outras palavras: o radicalismo e a utopia não tinham mais espaços na vida política (JACOBY, 2001: 18-9) O sociólogo Charles Wright Mills contestou tal pensamento. Ele defendeu que o radicalismo e a utopia são elementos presentes para a mudança social e que nem sempre o trabalhador era o melhor instrumento pra a revolução – “não devemos tratá-lo como a Alavanca Necessária – como os trabalhistas ingleses, e outros, tenderam a fazer”. (1978: 133) Para Mills, o “fim da ideologia” era uma maneira conservadora, tanto no mundo capitalista quanto no socialista, para esconder os problemas da sociedade dando um verniz de aceitação ao errado sem contestá-lo por, em tese, não ter nada a se fazer. E quem seria, então, o agente dessa contestação? A intelectualidade jovem, os únicos dispostos a fugir da apatia e que “temos de estudar essas novas gerações de intelectuais em todo o mundo, como instrumentos vivos e reais da transformação histórica”. (1978: 134-6) Assim, a Nova Esquerda norte-americana iria procurar novas questões para criticar o capitalismo, concentrando-se nas questões dos direitos civis e na contestação à Guerra do Vietnã. (SOUSA, 2009) Práticas políticas que caracterizariam o estilo da “nova esquerda” não se limitaram aos Estados Unidos. Em Londres, em 1963, o Comitê dos 100 (grupo pioneiro de utilização de práticas públicas antinucleares, que contava com figuras como o filósofo Bertrand Russel) promovia passeatas com milhares de pessoas contra a corrida armamentista, utilizando das técnicas de sit-ins, ou seja, as pessoas sentavam no asfalto e impediam o trânsito, sendo presas pela polícia num ato de provocação política deliberada. O sinal militar que significava “parem as bombas” foi transformada em ícone pelo Comitê dos 100 – e, mais tarde, seria um dos símbolos utilizados por hippies do mundo todo. (MUGGIATI, 1997: 48) Nota: a grande maoria das pessoas que participavam de tais manifestações era composta por jovens. A inclusão da Nova Esquerda como movimento contracultural sempre será discutível, mas sua “união” com o movimento hippie acabou ajudando a formar o conceito de Contracultura - a formar o Imaginário da Contracultura. E também contribuiu para deixar difícil a sua contextualização.

Contextualização da Contracultura Muitas são as definições de Contracultura encontradas na bibliografia, além de suas repercussões culturais e políticas. Em seu aspecto mais cultural, a produção dos artistas que viviam em Greenwich Village teve um papel bastante representativo, pois, nas palavras de Sally Banes, “em Greenwich Village, em 1963, numerosas redes de artistas, pequenas, sobrepostas, às vezes concorrentes, estavam formando a base multifacetada de uma cultura alternativa que floresceria na contracultura do final da década de 1960, semearia os movimentos de arte da década de 70 e moldaria os debates sobre pós-modernismo na década de 1980 adiante.” (1999: 13)

Em tal ambiente, ideais como igualdade, liberdade e práticas artísticas com o corpo tornaram-se revolucionárias e, depois, incorporadas à cultura de um modo geral. O mesmo aconteceria em vários outros lugares, principalmente em Londres (o chamado “swinging london”) e San Francisco (com o movimento hippie). (GOULD, 2009: 402) Politicamente apareceriam novas formas de ação, como foi o caso da Internacional Situacionista, que era formada por um pequeno grupo de pensamento anarquista procurando criar situações (razão do nome do movimento) para denunciar a forma mais alienadora do capitalismo, ou seja, sua condição de espetáculo. Nas palavras de um de seus grandes organizadores e pensadores, Guy Debord, o grupo procurava denunciar a chamada sociedade do espetáculo, onde o caráter espetacular do produto escondia as reais relações de exploração da sociedade capitalista. (HOME, 2004: 69-80) Os situacionistas tornoram-se internacionalmente famosos no chamado Escândalo de Strasbourg. Um grupo de estudantes montou uma chapa para disputar a eleição do diretório acadêmico da universidade de Strasbourg com um objetivo: destruir o próprio diretório. Para surpresa geral o grupo foi eleito e, ao assumir, não sabia como realizar seu objetivo. O grupo, então, entrou em contato com a Internacional Situacionista para ajudar a resolver seu problema. A solução dada foi bem criativa: foi enviado o texto “A Miséria do Meio Estudantil: Considerado em seus Aspectos Econômico, Político, Psicológico, Sexual e, mais Particularmente, Intelectual, e Sobre Meio para Remediá-la”, escrito por Mustapha Khayati (e revisado por Guy Debord), que foi lançado em edição de luxo, com tiragem de 10 mil exemplares, e distribuído gratuitamente durante uma tradicional cerimônia oficial da universidade em novembro de 1966. O início do texto tornou-se clássico: “Pode-se dizer, sem grandes riscos de errar, que o estudante na França é, depois do policial e do padre, o ser mais universalmente desprezado”. (KHAYATI, 2002: 30) E os custos da publicação do texto cumpriram a idéia do grupo de estudantes: o diretório faliu. E o texto seria um dos pilares da Contracultura européia,

que estimularia muito os eventos do maio francês de 1968. A situação criada produziu efeitos contestatórios na sociedade. Liberdade, corpo, denúncia – todos esses elementos apresentam-se na lógica da Contracultura. Mas precisamos discutir mais o que significa Contracultura, seu público preferencial (jovens) e o seu momento específico (as décadas de 50, 60 e 70) Ken Goffman e Dan Joy levantam alguns aspectos para classificar um movimento contracultural em qualquer tempo, quanto aos princípios e às características: - princípios definidores da Contracultura: 1) as contraculturas afirmam a precedência da individualidade acima de convenções sociais e restrições governamentais; 2) as contraculturas desafiam o autoritarismo de forma óbvia, mas também sutilmente; 3) as contraculturas defendem mudanças individuais e sociais; (2007: 50) - características quase universais da Contracultura: 1) rupturas e inovações radicais em arte, ciência, espiritualidade, filosofia e estilo de vida; 2) diversidade; 3) comunicação verdadeira e aberta e profundo contato interpessoal, bem como generosidade e a partilha democrática dos instrumentos; 4) perseguição pela cultura hegemônica de subculturas contemporâneas; 5) exílio e fuga. (2007: 54) Tais noções podem explicar a diferença de um movimento contracultural de uma simples revolta, mas não explica por que a Contracultura do período estudado, ou seja, da segunda metade do século XX, atingiu, essencialmente, um número grande de jovens manifestando-se contra as regras das gerações mais velhas, naquilo que ficou conhecido como “conflito de gerações” ou “choque de gerações”. A explicação mais clássica do “choque de gerações” foi dada por Theodore Roszak, um dos criadores do termo Contracultura. De acordo com Roszak, os movimentos contestatórios foram feitos por uma minoria de jovens das décadas de 60 e 70, filhos do chamado “baby boom”, expressão que define os aproximadamente 86 milhões de nascimentos ocorridos entre 1946 e 1964, apenas nos Estados Unidos, criados na prosperidade econômica que os países desenvolvidos atingiram depois da Segunda Guerra Mundial. De acordo com Hobsbawm, a economia mundial “crescia a uma taxa explosiva. Na década de 1960, era claro que jamais houvera algo assim. A produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década de 1950 e o início da década de 1970, e, o que é ainda impressionante, o comércio mundial de produtos manufaturados aumentou dez vezes.” (1995: 257)

Esses jovens - diferentemente de seus pais, que precisaram sujeitar-se ao trabalho quer pela depressão econômica ou quer pela guerra - desejavam ficar jovens eternamente. Para esses “jovens mimados” e criados na abundância, não acostumados às convenções sociais (muito mais suaves nas suas casas, nas escolas e nas universidades), a

sociedade tinha de ser mudada para a busca do prazer que tais convenções sociais impediam. (ROSZAK, 1972: 15-53) Assim, procurou-se criar uma nova cultura, ou seja, uma Contracultura. Luís Carlos Maciel, um dos expoentes da divulgação da Contracultura no Brasil, explicou que o “termo ‘contracultura’ foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60 para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina. Na verdade, é um termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas instituições das sociedades do Ocidente. Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial. No sentido universitário do termo é uma anticultura. Obedece a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos.” (MACIEL apud PEREIRA, 1984: 13)

Uma forma “de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas instituições das sociedades do Ocidente” através de uma “cultura marginal, independente do reconhecimento oficial” – eis duas das imagens mais tradicionais da Contracultura. Tais imagens alimentaram as idéias de contestação social e da criação de novas formas de ver e agir no mundo sem as limitações da vida social como era conhecida, ou seja, procurava-se viver com liberdade e sem autoritarismo. Mas tal conceito também é contestável, pois nem todos os grupos da Contracultura necessariamente entendiam “procurar viver com liberdade e sem autoritarismo” da mesma forma. Mesmo sendo um dos pioneiros da Contracultura norte-americana, os motoqueiros conhecidos como Hell´s Angels, grupo surgido em 1948, estavam longe de ser “libertários”, pois praticavam atos de machismo - a subjugação das mulheres era comum no seu dia-a-dia - e defendiam valores conservadores – eram a favor da participação norte-americana na Guerra do Vietnã, por exemplo, sendo que justamente a contestação a esta guerra era o ponto em comum entre os grupos da Contracultura. O grupo desejava a liberdade, sim, mas para seus excessos de bebidas, drogas e práticas sexuais. (THOMPSON, 2004: 34) Sua ligação com os hippies de San Francisco ocorreu através da conexão realizada entre eles pelo escritor Ken Kesey – e pela facilidade do grupo em adquirir drogas. (ECHOLS, 2000: 170-2) Várias subculturas jovens, como os Teddy Boys, os Mods e os Skinheads (estes últimos surgidos entre os jovens ingleses oriundos da classe operária e em contestação direta ao movimento hippie), nem sempre dispensavam a violência nos seus atos de expressão. (SHUKER, 1999: 258) O problema, portanto, não era qual o grupo jovem a ser seguido, mas sim de ser jovem. A tensão entre a Contracultura e a Contracultura “jovem” do período foi bem sintetizada por Carlos Alberto Messeder Pereira:

“De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude (...) que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, drogas, orientalismo e assim por diante. E tudo isso levado à frentre com um forte espírito de contestação, de insatisfação, de experiência, de busca de uma outra realidade, de um outro modo de vida. Trata-se, então, de um fenômeno datado e situado historicamente (...) De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às formas mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. (...) Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes época e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social.” (1984: 20-1)

Vamos discutir mais a questão. Juventude: o Motor da Sociedade Tanto Roszak quanto Maciel fizeram suas análises a partir dos elementos sociais da década de 60 em diante, com algum retorno nas duas décadas anteriores. Precisamos nos aprofundar em períodos mais distantes para entender a dinâmica que iria se constituir na Contracultura. A “questão jovem” (a presença social da juventude nas sociedades e seu caráter contestador) não nasceu nas décadas de 50 e 60 no cinema e na música. Desde o final do século XIX que a preocupação com o jovem, em particular com a sua provável ligação com a delinqüência e a desordem social, era intensamente discutida, sendo que várias políticas públicas foram aplicadas tentando tirar os rapazes do universo do crime e as garotas do exercício ilícito da sexualidade. (SAVAGE, 2009: 25) E paralelo a esse processo de luta contra a delinqüência, encontramos inúmeras políticas de valorização do jovem como elemento vital para a sociedade, como a força do futuro da mesma - e, como tal, deveria ser tratado como alguém especial. A Juventude Hitlerista e de outras correntes e nações e suas representações típicas de “beleza, força e futuro” são exemplos desses cuidados. (SAVAGE, 2009: 277-98) Assim, a juventude sempre recebeu uma especial atenção da sociedade adulta. E, mesmo assim, sempre procurou mostrar suas diferenças. Muitos pais ficaram imensamente preocupados com a dança “libidinosa” que seus filhos executavam ao som das Big Bands de Jazz dos anos 30 e 40. (SAVAGE, 2009: 337) E já existiam as chamadas subculturas jovens antes dos anos 60, como já observamos anteriormente: o incidente que deu origem ao filme “O Selvagem” (“The Wild One”), ou seja, a invasão de um grupo de motoqueiros numa pequena cidade americana ocorreu em 1948 (THOMPSON, 2004: 47); os “Existencialistas”, ou “Exis” como eram chamados, já eram um grupo forte na juventude francesa e alemã (o famoso corte de cabelos dos Beatles era baseado nesta subcultura) (SPITZ, 2007: 238); e na Inglaterra, várias subculturas se formaram durante os anos 40 e 50 (os Ted Boys, os Mods, os Rockers, entre

outros), localizados inicialmente nos subúrbios proletários de Londres e, depois, espalhando-se nas cidades mais distantes. (GOULD, 2009: 118) Não sendo a juventude uma novidade e nem a sua rebeldia, o que a fez brilhar tão intensamente depois de 1945? E por que ela, ou uma parte dela, se rebelaria contra o mundo adulto? Uma parte da resposta foi a maneira como a juventude foi canalizada imageticamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos tornaram-se a grande superpotência do mundo ocidental. Nos Estados Unidos, e depois irradiado para o resto do mundo, ser jovem, depois de 1945, tornou-se um ideal absoluto dos novos tempos e um marco a ser alcançado. Foi criada uma nova estratégia de publicidade (comercial, mas, principalmente, política) valorizando a juventude, ou o teenage, como imagem de modernidade – uma modernidade especificamente norte-americana a princípio, e, depois, mundial. De acordo com Jon Savage, os “aliados venceram a guerra exatamente no momento em que o mais recente produto da América estava saindo da linha de produção. Definida durante 1944 e 1945, a teenage fora pesquisada e desenvolvida por uns bons cinqüenta anos, o período que marcou a ascensão da América ao poder global. A divulgação pós-guerra de valores americanos teria como ponta de lança a idéia do teenager. Este novo tipo era a combinação psíquica perfeita para a época: vivendo no agora, buscando prazer, faminto por produtos, personificador da nova sociedade global onde a inclusão social seria concedida pelo poder de compra. O futuro seria teenage.” (498: 2009)

Assim entendemos a formação da Contracultura nos anos 50, 60 e 70. Roszak não estava totalmente errado nas suas palavras, ou seja, ele explicou muito bem a formação da juventude como uma entidade própria, com o conceito de um fim em si mesmo, condições que levariam à revolta de gerações. Roszak conseguiu explicar as revoltas, mas não tinha percebido que a juventude era mais de que uma condição, mas sim o valor absoluto da sociedade. Caracterizada como o valor absoluto da sociedade, a juventude começou a sentir-se uma entidade autônoma, começando a criar seus próprios valores – e muitos destes valores eram de contestação social e acabariam também sendo apreciados junto dos valores de consumo. Não foi programado que este grupo iria apresentar elementos de rebelião e contestação – a idéia era justamente tornar a juventude um padrão de excelência de uma sociedade conformada, criando valores para o consumo propriamente dito. Mas não se domina uma produção imaginária – logo, o que deveria ser um caminho de produção de imagens conformadas para o consumo ganhou novos caminhos. Os novos caminhos seriam construídos a partir de inúmeras correntes filosóficas e políticas (existencialismo, situacionismo, nova esquerda, etc.), da formação de subculturas jovens (do qual o movimento hippie seria o mais expressivo) e, logicamente, da busca por novas formas de experiências de vida (sexo, drogas, comunidades alternativas, religião oriental, etc.).

A autonomia da juventude permitia tais considerações, apesar da oposição do “universo adulto” – e tal choque mostraria as lutas pelo poder na época. Em outras palavras, as instituições e organizações estavam em mudança e apresentavam profundos choques. A tensão desta oposição fica mais evidente na formação de uma espécie de “cultura da delinqüência”, que surgiu na década de 50, em particular nos Estados Unidos, relacionando o aumento vertiginoso da criminalidade com os jovens. Relatórios das autoridades da época (muito ainda influenciadas pelo macartismo) apresentavam números fantásticos, com que um a cada quatro jovens de dezessete anos era um delinqüente juvenil, entre outros números alarmantes. (JACOBY, 1990: 74-6) Os filmes produzidos na época que procuram retratar tal realidade eram, essencialmente, conservadores: o já citado O Selvagem (The Wild One) era uma denúncia a um fato realmente ocorrido no final da década de 40 onde uma gangue de motoqueiros invadiu uma cidade pequena; Sementes da Violência (Blackboard Jungle) denunciava explicitamente a delinqüência juvenil; e o mais profundo dos filmes sobre o tema, Juventude Transviada (Rebel Without a Cause), embora isolasse o mundo jovem do mundo adulto, acaba, no final, conciliando as duas esferas. Não importava a denúncia ou a conciliação: os três filmes acabariam sendo as fontes visuais e sonoras dos novos tempos da iniciante cultura teen. Os corpos, atos e roupas de Marlon Brando (O Selvagem) e James Dean (Juventude Transviada), além do surgimento de um “hino de guerra”, uma música que nascia da junção de duas culturas submissas em relação à “alta” cultura (resumidamente, o r´n´b dos negros e o country do caipira branco) que seria chamada de Rock´n´Roll (“Rock Around the Clock”, interpretada por Bill Halley and his Comets, era a música que abria e fechava o filme “Sementes da Violência”), ajudariam a intensificar a construção de um mundo jovem, de regras, comportamento, música, etc. de jovens para jovens. E, consequentemente, ajudaria a formar uma imensa estrutura publicitária que anunciaria inúmeros e novos produtos para explorar a nova “moda”, ou seja, a juventude, tendo a rebeldia como combustível. A nova cultura da rebelida também chegou no Brasil, mas de uma maneira bem inusitada: a primeira gravação nacional de um rock foi feita pela cantora de boleros Nora Ney (uma versão de “Rock Around the Clock”, “No Balanço das Horas”) e um casal de irmãos com imagem bastante “suave” foram os primeiros teen idols, Cely e Tony Campelo. Mas o lado marginal e desajustado também acompanhou a nova cultura no Brasil. Não apenas os casacos de couro, motos e topetes com brilhantina assustaram o conservadorismo cultural local, mas um crime famoso: o assassinato de Aída Curi por um grupo de jovens de classe alta relacionados à rebeldia sem causa marcou profundamente o imaginário brasileiro sobre o rock´n´roll.

As imagens criadas na época não poderiam ser mais contundentes: Curi, 23 anos, virgem, recém saída de um colégio de freiras, que lutou na defesa da sua honra contra um ataque sexual (a chamada “curra”, conforme o termo da época) e, por consequencia, sendo jogada do alto de um edifício pelos “playboys” ao som de rock´n´roll... nada mais imageticamente poderoso para ligar um estilo musical (e de vida) à delinqüência. Nas palavras de Joaquim Ferreira dos Santos: “O crime do Edifício Rio Nobre colocava sob os holofotes a Juventude Transviada. Era a primeira vez que se pregava um rótulo num grupo de jovens com gostos mais ou menos afins: no caso, rock and roll, camisa vermelha nos rapazes e calça jeans nas garotas, tudo jogado em cima de uma lambreta. Uma palavra estava aparecendo e ainda não tinha virado jingle de refrigerante: rebeldia.” (1998: 139-40)

Tanto para o consenso quanto para a rebeldia, a publicidade e a presença cada vez mais abrangente da imagem seriam os grandes elementos da nossa sociedade e foi vital na formação da Contracultura, o que mostra a importância não apenas do consumo, mas da moda, da roupa e da música. Nesses aspectos, a figura dos Beatles foi essencial. De acordo com Jonathan Gould, “os Beatles eram uma figura central na criação do mito da contracultura.” (2009: 402) Para o autor, a “transformação que haviam empreendido na música popular desde a chegada nos Estados Unidos em 1964 era amplamente reconhecida como a expressão primordial do poder cultural da juventude, uma influência tão notável que a progressão de seus álbuns marcava a passagem do tempo na vida dos ouvintes (...).” (2009: 402)

A moda começava a ter um papel mais expressivo na vida social e a influência dos Beatles é determinante neste ponto pois “foi a transformação que causaram na moda masculina americana, a começar pela afronta ao ‘princípio indiscutível de que cabelo curto equivale ao sexo masculino e cabelo comprido ao feminino’. Dois anos e meio de influência dos Beatles após a primeira visita popularizaram o estilo nos EUA. O cabelo comprido para homens rendeu à geração dos rebeldes culturais uma bandeira de rebeldia que atingia uma questão especialmente sensível (e, portanto, satisfatória) entre muitas gerações de americanos mais velhos condicionadas aos ideais de gênero polarizados ao extremo que prevaleciam desde a Segunda Guerra Mundial.” (2009: 402)

E, talvez, a mais importante das influências dos Beatles “provinha da identidade e solidariedade dos quatro como grupo. Na lealdade entre si e na autonomia em relação às outras pessoas, os Beatles chegaram a personificar a ética da não conformidade coletiva que emprestou a solidão da rebeldia e uniu as alas ativistas e hedonista da contracultura emergente como poucos seriam capazes de fazer.” (2009: 402)

A imagem começou a se tornar absolutamente essencial, como podemos perceber num dos referenciais da década, o filme “Blow Up”, de Michelangelo Antonioni, onde

o personagem principal é justamente um fotógrafo jovem retratando a “swinging london”, local de grande produção contracultural musical e, principalmente, visual. Os típicos produtos da indústria cultural iriam ganhar conotações sociais e políticas muito fortes. A música “Like a Rolling Stone”, do cantor e compositor Bob Dylan, com suas imagens de andarilhos, vagabundos e pessoas sem lar, não no sentido de propriedade, mas no sentido social (livre das amarras sociais), influenciaria grande parte da juventude rebelde. (MARCUS, 2010) E, após o assassinato de Martin Luther King Jr., quando a capital do estado norte-americano de Massachusetts, Boston, parecia que seria destruída pelas forças sociais negras em revolta, foi a transmissão pela televisão do show do cantor James Brown que acalmou os ânimos. (SULLIVAN, 2010) Mesmo na época, a intensidade da publicidade de um modo geral (e da imposição dos padrões culturais norte-americanos em particular) não passou despercebida. Uma obra publicada na década de 70 e lançada no Brasil com boa publicidade pelo grupo Abril (na verdade foi a primeira obra da chamada Coleção Veja) procurou analisar a “revolução” do momento dentro de uma perspectiva bastante peculiar. Nem Marx Nem Jesus, de Jean-François Revel, apresentava o que o título sugere: a revolução mundial não estaria vinda do universo socialista (representado por Marx) e nem do universo tradicional (representado por Jesus), mas sim pela expansão capitalista (e, consequentemente, cultural) promovida pelos Estados Unidos. De acordo com o autor, caso a “segunda revolução mundial vier a acontecer” (a primeira foi a Revolução Francesa), “só nos Estados Unidos poderá ela ter sua origem”. (REVEL, 1973: 41). Ele afirmou categoricamente que “só pode haver revolução, servindo de modelo para o mundo, numa sociedade em que o debate contraditório das partes em luta se situa no nível mais elevado, isto é, arrola – no domínio econômico, político, científico, administrativo, na tecnologia e na cultura, na produção e na informação, na moral e na literatura – as forças que representam o mais alto grau de evolução no momento. É preciso que o ‘diálogo’ coloque os revolucionários mais inteligentes do momento às voltas com os reacionários mais inteligentes, a fim de que esse ‘diálogo’ se transforme em dialética, gere uma revolução, isto é, um novo protótipo de civilização e não apenas um golpe de estado local, ainda que com apoio popular.” (1973: 41)

O local era os Estados Unidos, e seus debates e práticas iriam se propagar pelo mundo, criando, portanto, a situação desta segunda revolução. E a publicidade mundial seria o meio de propagação desta revolução em grande escala. Com a intensificação da publicidade em todos os aspectos da vida cultural da humanidade, em particular na insistência da valorização da idéia de juventude e do uso expressivo de imagens, várias estruturas sociais e culturais relativamente estáveis ou de pouca mobilidade começaram a apresentar significativas mudanças e perda de foco – características básicas da chamada pós-modernidade. (VIEIRA FERREIRA, 1997: 55)

A Contracultura impulsionou bastante a fragmentação dos tempos atuais, pois foi a partir dela que inúmeros movimentos sociais e políticos formaram-se fora das estruturas sociais e políticas tradicionais (como, por exemplo, os movimentos ecológicos, feministas e de homossexuais), intensificando a formação do chamado Terceiro Setor. (BIAGI, 2006: 132-5) Logo, a própria estrutural estatal (o conceito de estado-nação) seria contestada, abrindo caminho para inúmeros debates com a temática de Globalização, em particular após a queda do império soviético e com a expansão, aparentemente ilimitada, das relações capitalistas. (THUROW, 1997) De acordo com Michael Hardt e Antonio Negri: “Muita gente sustenta que a globalização da produção e da permuta capitalistas é prova de que as relações econômicas tornaram-se mais independentes de controles políticos, e, consequentemente, que a soberania política está em declínio. (...) É fato que, em sintonia com o processo de globalização, a soberania de Estados-nação, apesar de ainda eficaz, tem gradualmente diminuído. (...) O declínio da soberania dos Estados-nação, entretanto, não quer dizer que a soberania como tal esteja em declínio. Através das transformações contemporâneas, os controles políticos, as funções do Estado, e os mecanismos reguladores continuaram a determinar o reino da produção e da permuta econômica e social. Nossa hipótese básica é que a soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regra única. Essa nova forma global de economia é o que chamamos de Império.” (2006: 11-2)

A noção de Império de Hardt e Negri tem como característica uma fragmentação cada vez maior dos tempos atuais, em particular dos desejos da população e do mercado, razão pela qual a lógica capitalista poderia “reinar” com pouca interferência de uma soberania em declínio, mesmo que ainda existente. Por mais polêmica que sejam tais idéias, a fragmentação que ajudou a abalar a soberania do estado-nação passou por muitas das lutas que a Contracultura apresentou - em particular a elevação da juventude como o maior momento da vida social e suas possibilidades de mudanças culturais, em particular na variedade imensa de possibilidades de consumo. Podemos perceber que existem inúmeras leituras da Contracultura, com suas lutas pelo poder, tanto internas quanto externas ao movimento. No Brasil também ocorreria uma leitura bem particular do tema, assim como também teríamos lutas pelo poder igualmente particulares, assuntos que discutiremos a seguir.

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- REVEL, Jean-François. Nem Marx Nem Jesus. São Paulo: Artenova, 1973 (Coleção Veja – 1); - ROSZAK, Theodore. A Contracultura. 2. ed., Petrópolis: Vozes, 1972; - SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958 – o Ano que não Devia Terminar. 5ª Ed., Rio de Janeiro: Record, 1998; - SAVAGE, Jon. A Criação da Juventude: como o Conceito de Teenage Revolucionou o Século XX. Rio de Janeiro: Rocco, 2009; - SHUKER, Roy. Vocabulário da Música Pop. São Paulo: Hedra, 1999; - SOUSA, Rodrigo Farias de. A Nova Esquerda Americana – de Port Huron aos Weathermen (1960-1969). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009; - SULLIVAN, James. O Dia em que James Brown Salvou a Pátria – o Show que Garantiu a Paz depois do Assassinato de Martin Luther King. Rio de Janeiro: Zahar, 2010; - THOMPSON, Hunter S. Hell’s Angels – Medo e Delírio sobre Duas Rodas. São Paulo: Conrad, 2004; - THUROW, Leste C. O Futuro do Capitalismo: como as Forças Econômicas Moldam o Mundo de Amanhã. Rio de Janeiro: Rocco, 1997; - VIEIRA FERREIRA, Wilson Roberto. O Caos Semiótico – Comunicação no Final do Milênio: Ensaios da Crítica da Comunicação. 2ª ed., São Paulo, Terra Editorial, 1997.

Capítulo 2 – A Contracultura no Brasil O Início dos Debates da Contracultura no Brasil Quando a Contracultura começou a ser discutida no Brasil? Uma questão bastante polêmica, pois, assim como encontrar uma definição de Contracultura pode ser complicada, definir o momento da migração de seus debates dos centros produtores para outras localidades também acarretam inúmeras dificuldades. A visita do casal Jean-Paul Sartre de Simone de Beauvoir no início dos anos 60 (entre os meses de agosto a outubro) estimulou, logicamente, a entrada dos novos pensamentos contestatórios europeus – no caso específico a corrente filosófica do existencialismo. Uma das pregações de Sartre no Brasil foi a criação de uma literatura popular engajada para a conscientização do povo, o que veria a ser importante para a produção cultural brasileira depois de 64, com outras formas de arte inclusive e principalmente, como forma de resistência à ditadura militar. (MONTEIRO, 2007: 4) Mas as discussões mais profundas da Contracultura no Brasil começaram efetivamente a partir de 1965 através da Revista Civilização Brasileira e pela cobertura da Guerra do Vietnã. Um resgate histórico torna-se necessário. Praticamente todos os jornais e revistas nacionalistas e de esquerda foram fechados depois do golpe de 1964, quer por pressão dos militares ou por problemas econômicos. Mas também se criaram espaços para a publicação de idéias. A Editora Civilização Brasileira seria uma das mais combativas neste sentido, criando, em outubro de 1965, o tablóide Reunião, que duraria três números, e, ainda em 1965, a Revista Civilização Brasileira, que discutia os problemas nacionais com ênfase marxista, o que era um risco relativamente significativo nesse período imediatamente posterior ao golpe militar, onde prisões ou “expurgos” eram uma constante. A editora dirigida por Ênio Silveira especializar-se-ia em publicações com temáticas internacionais, com duas implicações: em primeiro lugar, havia intenções comerciais, já que temas internacionais despertavam grande interesse do público leitor, refletindo-se nas vendas; em segundo lugar, a escolha do que era traduzido pela editora passava por questões políticas internas do país, naquilo que pudesse, preferencialmente, fazer referências ao que ocorria dentro do Brasil, e que os militares dificultavam ou proibiam de ser publicado. Tal prática fora muito comum durante a ditadura do Estado Novo (1937/1945) e seria retomada pela imprensa depois de 1968, quando a ditadura militar se tornou mais rígida. (KUCINSKI, 2005: 43)

A Revista Civilização Brasileira mergulhou na questão vietnamita, utilizando a guerra como “fundo” para suas críticas contra os Estados Unidos, contra o imperialismo, contra o capitalismo e, também, contra o regime militar. O primeiro artigo sobre a Guerra do Vietnã publicado pela revista foi de autoria de Antônio Houaiss, discutindo um artigo dos Editorialistas da Monthly Review. Houaiss afirmou que “Há uma presença (sem aspas) chinesa não apenas no Sudeste asiático, mas na Ásia do Sul lato sensu, multi-secular, de tipo emigratório, sem plano de Estado, para a sobrevivência dos indivíduos que decidiram assentar sua vida em outros pontos que não o da China propriamente dita. A fidelidade destes ao Estado chinês moderno – o da China real, repitamos – é uma hipótese que tem sido objeto de propaganda e de ominosas predições, mas até hoje nenhuma atitude pode ser atribuída que corrobe a sua ‘periculosidade’, a serviço da China.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, maio/1965: 71)

O autor, então, ressaltou que é a “outra” presença chinesa, entretanto, um dos móveis da tensão na área. É essa outra “presença” que está por trás das (injustas) motivações norte-americanas, pois ‘sob a inspiração do Pentágono e de John Foster Dulles, se foi ancorando na estratégia norteamericana a convicção de que a queda de um peão seria seguida de outro e assim sucessivamente, de tal arte que em breve a Ásia inteira vivia a cair nas garras do comunismo. A única alternativa, dentro desse esquema genérico, era apegar-se a cada peão o mais possível, ainda que, ao cabo, as forças armadas norte-americanas fossem a só resistência contra a expansão comunista em cada um dos governos que essas forças armadas instituíssem nesses peões. De modo que, em nome da democracia, os Estados Unidos da América têm sido levados a instaurar os mais espúrios governos do mundo nessas áreas, porque sem nenhuma raiz popular. Aos governos comunistas ou esquerdizantes, odiosos porque comunistas ou esquerdizantes (ainda que contando com o apoio das largas massas das respectivas populações e ainda que apresentando índices de progresso material à altura dos esforços coletivos), os Estados Unidos não têm podido oferecer aos olhos do mundo outra coisa que quislings dos mais minoritários e desamparados do mundo. (grifos meus) (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, maio/1965: 73)

E, concluindo o artigo, Houaiss afirmou que “Balanço: Duas convicções existem geralmente quanto ao problema no seu conjunto: 1) a questão do Vietnam não se resolverá por via militar; se essa via for sustentada, tende a alargar o conflito, quantitativa e qualitativamente; o escaladamento pode vir a chegar até o tipo atômico: cumpre, a qualquer preço, cortar essa via, enquanto é tempo; 2) as negociações diplomáticas se imporão, mais cedo ou mais tarde, embora se possa presumir que se arrastarão por muito tempo e se estrangularão em muitos pontos. Entrementes, a realidade das lutas sociais na área e no mundo encaminharão para um relevo maior ou menor.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, maio/1965: 83-4)

Críticas aos Estados Unidos, defesa da autonomia dos povos (mesmo que aceitassem governos “de esquerda ou esquerdizantes”), medo de uma guerra nuclear: eis como a revista de Ênio Silveira trabalhava com a Guerra do Vietnã - e tudo isso apenas na primeira matéria sobre a guerra. De um modo geral, a estratégia da revista para cobrir a Guerra do Vietnã baseou-se em duas fontes principais: o Tribunal Bertrand Russell e a Contracultura.

O Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, mais conhecido como Tribunal Bertrand Russell, era tudo o que Ênio Silveira poderia desejar: uma iniciativa crítica contra a participação norte-americana no Vietnã formada por intelectuais internacionalmente famosos (além de Bertrand Russell, faziam parte do tribunal Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Vladimir Dedijer, Laurent Schwartz, Isaac Deustcher, entre outros). A Revista Civilização Brasileira, então, aproveitou-se do tribunal para denunciar as políticas dos Estados Unidos em relação ao Vietnã – e ao mundo. O próprio Bertrand Russell ganharia espaço na revista, explicando as razões da criação do tribunal: “Dirijo-me a vocês, cidadãos norte-americanos, movido por meu interesse na liberdade e na justiça social. Muitos de vocês crerão que seu país tem servido a estes ideais e, certamente, os Estados Unidos possuem uma tradição revolucionária que, em suas origens, gravitou em favor da liberdade humana e da igualdade social. Esta tradição tem sido traída pela minoria que governa atualmente os Estados Unidos. Muitos de vocês talvez não saibam até que ponto seu país está controlado por industriais que, em parte, baseiam seu poder nos grandes consórcios econômicos espalhados nos quatro cantos da terra.” (REVISTA CIVLIZAÇÃO BRASILEIRA, setembro-novembro/1966: 65-6)

Russell argumentou que a luta vietnamita baseava-se na justiça e na liberdade, comparando-a com a resistência revolucionária norte-americana frente aos ingleses. Uma das causas da guerra, para Russell, era o conjunto de interesses do Complexo Industrial-Militar, pois esta “concentração de poder torna inelutável para o Pentágono e a grande indústria a continuação da corrida armamentista, a fim de salvaguardar seus próprios interesses. Os subcontratos que beneficiam indústrias menos importantes e aos empreiteiros de guerra, envolvem todas as cidades norte-americanas e afetam o trabalho de milhões de pessoas. Quatro milhões trabalham para o Departamento de Defesa. Sua folha de pagamento se eleva a doze mil milhões de dólares, o dobro da indústria automobilística estadunidense.(...)“Desse modo, o povo norte-americano é carne de canhão utilizada por aqueles que não só exploram os vietnamitas mas também ao próprio povo dos Estados Unidos..” (REVISTA CIVLIZAÇÃO BRASILEIRA, setembro-novembro/1966: 69)

Os protestos contra a guerra também foram ressaltados pelo filósofo: “Não obstante, o povo norte-americano começa a compreender e a demonstrar a mesma determinação e valentia manifestada pateticamente pelos vietnamitas. A luta em Harlem, Watts e na América Latina, a resistência dos estudantes norte-americanos, o crescente descontentamento por esta guerra demostrado amplamente pelo povo norte-americano, dão esperanças a todo o gênero humano de que está próximo o dia em que os homens cruéis e cobiçosos já não possam enganar e abusar da nação norte-americana.” (REVISTA CIVLIZAÇÃO BRASILEIRA, setembronovembro/1966: 72)

E, finalizando o artigo, Bertrand Russell explica a real finalidade do tribunal: “O tribunal internacional de crimes de guerra é em si mesmo uma exortação à consciência do povo norte-americano, nosso aliado numa causa comum. (...) O Presidente Johnson, Dean Rusk, Robert McNamara, Henry Cabot Lodge, o general Westmoreland e seus colegas criminosos responderão ante uma justiça mais ampla do que aquela que eles reconhecem e receberão uma condenação mais profunda da que estão em condições de entender.” (REVISTA CIVLIZAÇÃO BRASILEIRA, setembro-novembro/1966: 73)

Outro membro ativo do Tribunal Russell, Jean-Paul Sartre, também ganhou espaço na revista. O artigo de título “Genocídio” foi um dos textos mais fortes contra a Guerra do Vietnã publicados no Brasil. O filósofo francês criticou, furiosamente, a política externa norte-americana por provocar genocídios: “O governo americano não é culpado de ter inventado o genocídio moderno, nem mesmo de tê-lo escolhido em meio a outras respostas possíveis e eficazes à guerrilha. Ele não é culpado – por exemplo – de ter-lhe dado sua preferência por motivos de estratégia ou de economia. De fato, o genocídio se propõe como a única reação possível à insurreição de todo um povo contra seus opressores; o governo americano é culpado de ter preferido, de preferir ainda uma política de agressão e guerra, visando o genocídio total, a uma política de paz, a única que teria uma contraprestação, porque implicaria necessariamente na reconsideração dos objetivos principais que lhe impõem as grandes companhias imperialistas por intermédio de seus grupos de pressão. Ele é culpado de prosseguir e de intensificar a guerra, se bem que cada um de seus membros compreende cada dia mais profundamente, pelos relatórios dos chefes militares, que o único meio de vencer é “liberar” o Vietnã de todos os Vietnamitas. (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA,

Janeiro/Fevereiro/1968: 17) E, encerrando o artigo, Sartre relacionou a luta vietnamita à luta mundial e da humanidade:

“Quando um camponês tomba no seu arrozal, ceifado por uma rajada de metralhadora, nós somos todos atingidos na sua pessoa. Assim também os Vietnamitas combatem por todos os homens e as forças americanas contra todos. Não apenas no sentido figurado nem abstrato. E também não somente porque o genocídio seria no Vietnã um crime universalmente condenado pelo direito dos homens. Mas porque, pouco a pouco, a chantagem representada pelo genocídio se estende a todo o gênero humano, apoiando-se sobre a chantagem da guerra atômica, quer dizer, do absoluto da guerra total, e porque este crime, perpetrado todos os dias sob todos os olhos, faz de todos aqueles que não o denunciam cúmplices daqueles que o cometem, e, para melhor nos avassalar, começa por nos degradar. Neste sentido, o genocídio imperialista só pode radicalizar-se: porque o grupo que se quer atingir e aterrorizar, através da nação vietnamita, é o grupo humano por inteiro.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Janeiro/Fevereiro/1968: 17-8)

Podemos notar que muitas das críticas levantadas por Russell e Sartre poderiam ser aplicadas no Brasil da época, pois a maioria expressiva da esquerda brasileira analisava a ditadura militar como fruto do imperialismo norte-americano - o mesmo que atuava no Vietnã. A luta vietnamita defendida por Sartre poderia ser a luta brasileira, por exemplo. Tais coincidências de conteúdo não foram, de forma alguma, acidentais. Já as discussões a partir da Contracultura envolveram as idéias do pensador alemão Herbert Marcuse, que defendeu nas páginas da revista a existência de uma “sociedade tecnológica”: “Entendo por sociedade tecnológica aquela que se caracteriza pela automação progressiva do aparato material e intelectual que regula a produção, a distribuição e o consumo, quero dizer, um aparato que se estende tanto às esferas públicas de existência como às particulares, tanto no domínio cultural como ao econômico e político; em outras palavras, é um aparato total.(...) A racionalidade, assim como a eficiência do aparato tecnológico, e o alto grau de produtividade atingido por este, levam a uma coordenação e manipulação totais, obtidas em grande parte por métodos invisíveis e agradáveis. Esses métodos produzem a perda da autonomia e da liberdade individuais, apesar do grau, aparentemente elevado, de independência que prevalece na sociedade.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Março/Abril/1968: 4)

E, criticando tal lógica, Marcuse concluiu que “nesta sociedade a tecnologia, a técnica e o progresso técnico são utilizados como instrumentos políticos na batalha contra as formas humanas de existência”. (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Março/Abril/1968: 6) Mesmo assim, tais técnicas estão ajudando a produzir, dentro dessa mesma sociedade tecnológica, a contestação a ela: estudantes, minorias, guerrilheiros no Terceiro Mundo, etc. Mas, apesar disso, Marcuse levantaria críticas profundas em relação aos contestadores, como podemos perceber na seguinte passagem: “Parece-me que as forças de oposição estão na atualidade consideravelmente ilhadas, carecem de solidariedade internacional, são espontâneas e se mostram desorganizadas em extremo, concentrando-se em dois pólos opostos: o primeiro são os movimentos de libertação nacional que se realizam nos países atrasados; o segundo é a oposição fundamentalmente intelectual que existe nos países industrialmente avançados. Creio que há uma profunda relação entre ambos, mas que não foi, de modo algum, transferida à realidade por meios da organização ou da solidariedade.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Março/Abril/1968: 11)

Marcuse, num artigo posterior, analisando a contestação dos estudantes norteamericanos, concluiu que toda “oposição só pode, hoje, ser considerada em um quadro geral. Como fenômeno isolado, é, desde o início, falseado”. (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Setembro/Outubro/1968: 80) A Guerra do Vietnã tinha um importante papel neste quadro, pois

“esta oposição foi fortalecida pela guerra do Vietname. Para estes estudantes a guerra do Vietname, pela primeira vez, desvendou a essência da sociedade existente: a necessidade, que lhe é imanente, de expansão e agressão, e a brutalidade da luta de concorrência no terreno internacional.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Setembro/Outubro/1968: 83)

A Guerra do Vietnã era, portanto, uma das motivações da oposição estudantil nos Estados Unidos. E sobre a Guerra do Vietnã especificamente, Marcuse comentou que: “Trata-se de uma luta decisiva contra todas as tentativas de libertação nacional, em todos os cantos do mundo, decisiva no sentido de que uma vitória do movimento libertador vietnamita daria o sinal para a ativação de movimentos libertadores, em outras partes do mundo e muito mais próximas da metrópole, onde realmente existem enormes investimentos. Se, neste sentido, o Vietname, de modo algum, é apenas um acontecimento da política externa, mas está ligado à essência do sistema, talvez também um ponto de inflexão no desenvolvimento do sistema, talvez o começo do fim. Pois o que aqui se mostrou é que a vontade humana e o corpo humano, com os mais pobres armamentos, são capazes de por em cheque o sistema de destruição mais operante de todos os tempos. Isto é, ainda uma vez, algo de novo na história mundial.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Setembro/Outubro/1968: 84)

Mas a falta de união e articulação entre esses movimentos será prejudicial aos próprios. Mesmo estratégias criativas (como os bed-in, teach-in, discussões sobre sexo, etc.) precisam de articulação entre os grupos de contestação e, principalmente, de uma teoria que dê caminhos para reflexões – e ações. Concluindo o artigo, Marcuse afirmou que:

“O fato é que nos encontramos em face de um sistema, que, desde o começo do período fascista e, ainda hoje, por sua realidade, renegou propriamente a idéia do progresso histórico – um sistema cujas íntimas contradições se manifestam sempre renovadamente em guerras desumanas e desnecessárias, e cuja crescente produtividade é uma crescente perturbação e um crescente desperdício. Tal sistema não está imunizado. Ele já se defende contra a oposição do mundo. E mesmo que não alcancemos em que possa adiantar essa oposição, devemos prosseguir, se quisermos ainda trabalhar como homens e ser felizes. Em aliança com o sistema, nada conseguiremos.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Setembro/Outubro/1968: 90)

Destacando os movimentos jovens de contestação dos Estados Unidos e da Europa, a revista procurava estimular os jovens brasileiros a fazerem o mesmo. As grandes questões da época foram devidamente retratadas pela Revista Civilização Brasileira, utilizandose da Guerra do Vietnã, entre outros temas para serem “lidas” sob uma ótica da esquerda no Brasil. Mas o “caldo” político brasileiro da época era muito denso – e os debates com a Contracultura no Brasil muito mais radicais. Debates Culturais e Políticos nos Anos 60 no Brasil Um dos principais referenciais políticos e intelectuais brasileiros da virada dos anos 50 e 60 foi o Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Sua linha política era da defesa da revolução democrática e nacional, ou seja, que o proletariado brasileiro e a burguesia nacional, mais grupos patriotas, iriam se unir contra a intervenção estrangeira, norte-americana em particular, intervenção esta conhecida como imperialismo. (ARAÚJO, 2000: 73-7) Para combater o imperialismo na questão cultural seriam destacadas questões envolvendo o nacionalpopular para o povo brasileiro. A juventude estudantil, estimulada tanto pelo PCB quanto pela idéia de revolução socialista, partiu para a prática de criar e aplicar educação e arte engajadas antes mesmo de 1964, ou seja, partiram para uma produção intelectual com denúncia social, destacando, logicamente, as críticas sociais e econômicas do marxismo. Ação Popular, Centro Popular de Cultura da UNE, Movimentos de Cultura Popular, Movimento de Educação de Base, entre outros grupos, trabalhavam com essa premissa. A idéia era conscientizar para libertar. De acordo com Carlos Rodrigues Brandão: “Libertar aqueles a quem o movimento ou o programa crêem que se dirigem. Libertá-los, primeiro, dos males que sua condição de subalternos deixou impressos na consciência e na cultura. Libertá-los, depois – convocando-os a que participem disso – da sua própria condição de subalternos.” (1988: 16)

Nem sempre esta educação e arte eram assimiladas pelos “subalternos”, quer por não entenderem ou não se identificarem com o que era apresentado. Mas seria a base da cultura brasileira mais intelectualizada durante toda a década de 60 e metade da década de 70:

nacionalista, engajada, com caráter de denúncia contra o capitalismo e, logicamente, radicalmente contra a ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964. A chamada “música de protesto” era um de seus frutos diretos. Portanto, a crítica deste grupo a qualquer manifestação cultural estrangeira, em particular norte-americana, era radical, razão pela qual a Jovem Guarda e o Tropicalismo tiveram tanta rejeição. Mas esta oposição ao regime militar estava, por sua vez, “rachada” no que defendia: muitas das manifestações estudantis, junto de grupos da sociedade civil e personalidades, defendiam que “o povo organizado derruba a ditadura”; já a ala mais radical dos estudantes e os membros da esquerda armada defendiam que “o povo armado derruba a ditadura”. A esquerda armada colocava-se diretamente contra as diretrizes políticas do PCB – uma das principais era a defesa pacífica contra a ditadura. O grupo tropicalista, mesmo sendo mais ligado a uma reestruturação estética da arte brasileira, em particular da música, tendia a estar no primeiro grupo, mesmo quando apresentavam uma linguagem mais agressiva da Contracultura (em particular nas apresentações ao vivo – razão esta, inclusive, que levaria Caetano Veloso e Gilberto Gil à prisão e, depois, ao exílio). (CALADO, 1997: 113) Dois momentos de um mesmo evento musical, em 1968, mostrariam tais questões de maneira mais efetiva. Na fase paulista do III Festival Internacional da Canção, no TUCA, a apresentação de Caetano Veloso (tendo os Mutantes como grupo de apoio), com a música “É Proibido Proibir”, juntou tudo de pior que a juventude engajada e a esquerda armada poderiam desejar: um lema do anárquico Maio francês, interpretado por um “alienado” do tropicalismo junto da ameaça imperialista do rock´n´roll como fundo musical. As vaias foram terríveis a ponto de Caetano Veloso fazer seu famoso discurso destacando que: “Vocês estão por fora! Vocês não dão para entender. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem nada deles, vocês não diferem em nada.” (...) ... se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!”(VELOSO apud MELLO, 2003: 279)

As vaias foram terríveis, mas não surpreendentes, pois o Tropicalismo procurava caminhos diversos, praticamente contraculturais, dentro do universo cultural brasileiro. Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonçalves nos afirmam que “a manutenção de uma produção cultural mobilizada pela idéia da Revolução, tal como fora equacionada até 64, revelava-se improvável e cada vez mais ‘fora do lugar’, a participação na indústria cultural, por seu turno, mostrava-se problemática e até mesmo identificada com uma espécie de ‘traição’ à ética emprenhada da intelectualidade. A esse impasse, o Tropicalismo respondeu de forma original. Entre a exigência política e a solicitação da indústria cultural, optou pelas duas. Ou melhor: pela tensão que poderia ser estabelecida entre esses pólos. (...) Na

opção tropicalista o foco da preocupação política foi deslocado da área da Revolução Social para o eixo da rebeldia, da intervenção localizada, da política concebida enquanto problemática cotidiana, ligada à vida, ao corpo, ao desejo, à cultura em sentido amplo.” (1985: 66)

Mas foi na fase nacional do mesmo festival que os choques tornaram-se contundentes. Geraldo Vandré, músico de protesto, lançou a música “Pra não Dizer que não Falei das Flores (Caminhando)”, música esta praticamente um libelo para a luta armada e pela mudança radical, pois “esperar não é saber” já que “quem sabe faz a hora não espera acontecer”. O que chama a atenção em particular nesta música é seu título fazendo uma referência às flores e às seguintes passagens: “Pelos campos a fome em grandes plantações Pelas ruas marchando indecisos cordões Ainda fazem da flor seu mais forte refrão E acreditam nas flores vencendo o canhão” (...) “Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição” (VANDRÉ apud ZAPPA e SOTO, 2008: 210)

A referência aos “indecisos cordões” que “ainda fazem da flor seu mais forte refrão”, além de acreditar “nas flores vencendo o canhão” tem uma dupla crítica: 1) aos grupos que defendem a organização do povo para a derrubada da ditadura, ou seja, dos defensores da linha pacífica de resistência; 2) aos grupos de Contracultura, ligados à idéia do “flower power”, que com a leveza das flores e do comportamento mais livre poderiam mudar a vida social. Não podemos nos esquecer que o Maio francês dividiu o universo revolucionário mundial, jovem ou não: para muitos marxistas os rebeldes franceses não passavam de irresponsáveis e sem projetos políticos, um grupo cuja “imaginação” (traduzida nas “flores” do Vandré) era apenas expressão de alienação e, pior, ainda poderia atrapalhar os verdadeiros revolucionários. Assim, para a revolução vencer é preciso “os amores na mente” e, logicamente, “as flores no chão”. O confronto entre a juventude consciente e a “alienada” continuou sendo debatida na década de 70, e a Rede Globo acabaria dando o espaço para tal embate no seriado “A Grande Família”. Primeira comédia de costumes da televisão nacional, inspirada na série norte-americana “All in the Family”, foi apresentado pela primeira vez em 26 de outubro de 1972. A série ganhou características nacionais graças aos redatores Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e Armando Costa, retratando com humor e leveza uma típica família da classe médica baixa brasileira. (SOUTO MAIOR, 2006: 94)

Vianinha era um dos intelectuais mais engajados na virada dos anos 50 e 60, tendo participado ativamente do CPC da UNE, e manteve, nos programas, dentro de onde era possível, manter o espírito crítico de seu passado não muito recente. O personagem que mais se aproximou deste espírito crítico foi o Júnior, interpretado por Osmar Prado, que era o típico estudante universitário que contestava a situação brasileira – razão pela qual era o personagem mais perseguido pela censura. Mas não era apenas o regime militar que o personagem Júnior atacava, mas sim seu irmão, Tuco, interpretado por Luiz Armando Queiroz, que fazia o papel de um típico membro da Contracultura, um hippie desligado da realidade. O “choque” dos personagens deu espaço para muitas críticas entre a lógica engajada de Vianinha e a “alienada” dos hippies, lógica esta ainda acreditada por correntes mais críticas. De acordo com Marcos Alexandre Capellari, a vertente do nacional-popular tinha certa desconfiança em relação ao movimento contracultural e, por tal razão, este movimento sofreria oposição tanto da direita (ditadura) quanto da esquerda (tradicional e revolucionária), pois aparecia como uma forma de escapismo. (2007: 115) O confronto entre os personagens Tuco e Junior procurou mostrar tal questão. O seriado acabou em 1975 tanto pela morte do Vianinha quanto por pressões do regime militar. Em 2001 o seriado seria retomado e, no presente momento, ainda é exibido na Rede Globo. Detalhe: o personagem Tuco foi mantido, mas o Júnior não foi reaproveitado. Como podemos perceber tanto a censura quanto a Rede Globo foram fundamentais para o período. Censura A censura tornou-se efetiva após o AI-5 e, no decorrer da sua existência, não apresentou critérios muito fixos sobre o que devia proibir ou não, o que variava, muitas vezes, de censor para censor, dificultando a apresentação de inúmeras notícias e programas. Apesar dessa falta de critérios, existiam muitos espaços que eram aproveitados pelos críticos do regime. Cuba e China eram assuntos muito visados, mas que eventualmente podiam ser publicados desde que certas restrições ao seu conteúdo fossem observadas - ou seja, os assuntos poderiam ser citados, mas sem aprofundamentos. (MARCONDES, 1980: 263) Quase sempre os assuntos relacionados à Guerra do Vietnã não tinham essas limitações e matérias sobre o tema abundavam nos jornais e revistas. Não que a censura ignorasse a Guerra do Vietnã. Na edição número 24 do jornal Opinião, o material enviado à censura recebeu uma série de cortes, entre os quais um veto ao parágrafo dois de um texto enviado pelo Le Monde sobre a Guerra do Vietnã, escrito em Saigon

por Jean-Claude Pomonti. (PINHEIRO MACHADO, 1978: 46) A censura atingira um jornal internacional de prestígio. Na carta de protesto que enviou ao Ministro da Justiça (Alfredo Buzaid), Fernando Gasparian criticava a existência da Censura Prévia, protestando contra a forma “arbitrária” e “kafkaniana” pela qual se exercia. A censura atingia não apenas matérias sobre países como China, Grécia, Oriente Médio, Chile, Japão, Inglaterra, URSS, Vietnã e Camboja, como também proibia a publicação de assuntos tais como eubiose, o perigo das radiações nucleares, computadores e os fãs-clubes dos Beatles no Brasil. (PINHEIRO MACHADO, 1978: 66-67) Apesar da censura atingir todos os órgãos de comunicação, sua atuação era desigual de órgão para órgão, sendo alguns mais perseguidos do que outros. O jornal alternativo Opinião entrara numa guerra judicial contra a censura e a vencera, mas o resultado da decisão judicial foi alterado pelo próprio presidente Médici através do AI-5. (PINHEIRO MACHADO, 1978: 59) Depois desse incidente, o jornal seria ainda mais perseguido, tendo que enviar suas reportagens para Brasília num prazo que dificultava a publicação na segunda-feira, procedimento nada acidental: essa era uma atitude pensada pelos censores. A censura atingia também os jornais da grande imprensa, como O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde, e mesmo publicações do grupo Abril, em particular a revista Veja, que tinham membros que se colocavam contra a ditadura. A censura terminaria, oficialmente, apenas em 1978. Mesmo lutando contra a censura, o jornal Opinião também foi acusado por seus colaboradores e correspondentes de fazer censura interna. Esta era principalmente atribuída ao seu editor, Raimundo Pereira, que alegava que esses “problemas de edição” (cortes) se deviam à falta de recursos e à pressa. O jornalista Paulo Francis foi o primeiro a não aceitar essas desculpas e a entrar em choque com a censura interna do jornal. Seu artigo “Erros da Tecnocracia”, que analisava a Guerra do Vietnã pela perspectiva de seus erros de planejamento e, principalmente, das falsas expectativas do governo norte-americano em relação à guerra, teve dois cortes em passagens que o autor considerava importantes. O texto foi alterado pelo próprio jornal (que lutava contra a censura) sem sua licença ou autorização, e Paulo Francis passou a fazer duras críticas à direção do jornal. (KUCINSKI, 1991: 267-68) E o texto de Francis também seria um marco para os debates da Contracultura no Brasil: foi um dos primeiros textos brasileiros a denominar a participação norte-americana na Guerra do Vietnã de “tecnocracia”, no sentido de ter cada detalhe cuidadosamente preparado pelos tecnocratas de Washington, apesar do fiasco resultante. Os órgãos de censura agiam de duas maneiras distintas em relação aos cortes que realizavam: 1 – em questões envolvendo política, procuravam esconder sua ação; 2 – em

questões envolvendo moral e bons costumes, procuravam mostrar explicitamente suas ações. Foi neste último item que a ditadura conseguiria uma relativa e alta popularidade, pois uma parte expressiva da população gostava dos atos de censura quando envolvia questões de controle moral. (FICO, www.history.umd.edu/HistoryCenter/22004-05/conf/Brazil64/papers/cficoport) As cartas que os militares recebiam pediam explicitamente a censura sobre questões como sexo e drogas – assim, dois elementos típicos da imagem da Contracultura recebiam ataques intensos da censura, a maior parte das vezes censura esta defendida publicamente pelo regime militar e com incentivo da população. O regime militar também se utilizava das organizações estatais que tinha sobre seu domínio, produzindo leis tanto de proibição quanto de incentivos culturais. O procedimento visava controlar a produção cultural, principalmente com políticas de financiamentos e facilidades fiscais e burocráticas, tentando “esvaziar” o conteúdo mais político e crítico de tais produções. (HOLLANDA, 2004) Os resultados foram irregulares, como veremos a seguir. Para tentar controlar a produção cinematográfica brasileira, em particular o Cinema Novo, foi criada a EMBRAFILME (Empresa Brasileira de Filmes), inicialmente voltada para negociar filmes brasileiros no exterior e, depois, para financiar as produções nacionais. (BARCINSKI e FINOTTI, 1998:248) Tendo acessos a verbas e facilidades governamentais, muitos cineastas realmente diminuíram suas críticas aos militares e começaram a fazer filmes mais para mercado - ou com temas mais alegóricos para enfatizar alguma crítica política, o que “rachou” a comunidade ligada ao Cinema Novo. (BARCINSKI e FINOTTI, 1998: 249-51) Mesmo assim, os cineastas “underground” e outros marginais, como José Mojica Marins, continuaram fazendo sua produção mais agressiva, inclusive pornográfica, que, além de enfrentar os militares (não necessariamente por grande conhecimento político ou engajamento de seus cineastas), muitas vezes rendiam ótimas bilheterias. A utilização de representações da Contracultura foi bastante constante pelo cinema marginal. (ABREU, 1996) Pela mesma tentativa de controle artístico, a indústria musical também iria receber ajuda governamental (o LP, também conhecido como Long Play, ou fita cassete, que apresentasse o famoso selo “Disco é Cultura” teria impostos reduzidos), mas seus efeitos foram ainda menores do que no cinema: a década de 70 foi o apogeu da chamada MPB, ou seja, da música brasileira consciente e de qualidade – e, quase sempre, crítica da sociedade e do Regime Militar -, espaço este tomado por obras de Chico Buarque, Milton Nascimento, Gal Gosta, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros. A resistência aos militares viria de artistas variados e, quando não, inesperados. Roberto Carlos, além de fazer uma música sobre o exílio de Caetano Veloso (“Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos”), seria censurado no final da década de 70 por suas músicas de caráter erótico. (ARAÚJO, 2006) Até a música cafona, uma das maiores vendedoras da época, e

quase sempre imensamente conservadora em seu conteúdo, contrariou, várias vezes, o regime militar. (ARAÚJO, 2002) Uma das atuações mais radicais do regime militar foi na área de educação ao criar disciplinas para orientar os “verdadeiros” valores culturais e políticos da sociedade para crianças e jovens, como OSPB (Organização Social e Política do Brasil), Educação Moral e Cívica e EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros), entre outros. (ARANHA, 1989) Não que tais disciplinas funcionassem exatamente como foram concebidas (muitos professores utilizavam tais espaços para criticar a ditadura ao discutir com os alunos questões culturais e, principalmente, políticas nas salas de aula), mas encontramos obras para tais matérias pensadas na ordem de valores bastante conservadora. A obra Juventude em Crise ou Sociedade em Crise?, da autora Irene Tavares de Sá, voltada para o segundo grau, discutia, em tom excessivamente moralista, a juventude no início da década de 70, denunciando os perigos de uma “sociedade permissiva” (“onde tudo é permitido no setor moral e pedagógico”) (1971: 70), que existe como “fenômeno marginal” (1971: 73), sociedade esta que afetaria todos os valores sociais, principalmente nas possibilidades de disseminação das drogas, “vício importado e que tanto mal vem fazendo no mundo inteiro”. (1971: 72-3) Vendo o Brasil como uma “sociedade justa e liberal, que oferece oportunidades iguais para todos e capaz de defender os direitos individuais promovendo o Bem Comum”, a autora complementa que os movimentos “‘beat’ e “hippy” serão superados se uma sociedade sadia for capaz de reabsorvê-los e de dinamizar as energias jovens à espera de oportunidades para provar seu idealismo e recursos de participação”. (1971: 73) Expressões como “vício importado”, “Bem Comum” e “dinamizar as energias jovens” eram estratégicas discursivas típicas do regime militar na época: a dinâmica social brasileira positiva (do “Bem Comum”) poderia “dinamizar as energias jovens”, pois, caso contrário, estes estariam perdidos no “vício” que vinha de fora - o elemento estrangeiro ou “alienígena” deveria ser combatido pelas forças sociais brasileiras, em particular pelas forças armadas. As reações dos militares contra a Contracultura foram, muitas vezes, mais intensas das descritas até agora, inclusive sem a preocupação com a legalidade ou não de seus atos. Um fato conhecido exemplificará as condições do momento. As prisões de Raul Seixas e Paulo Coelho têm inúmeras versões, em particular as criadas pela imaginação de Raul Seixas que, em várias entrevistas, aumentou ou diminuiu o fato, alegando que, inclusive, depois de torturado, tinha sido obrigado a deixar o país. As recentes biografias de Paulo Coelho mostram uma história relativamente diferente: Paulo Coelho foi realmente preso e, solto dias depois, foi preso outra vez por um grupo paramilitar.

Num show de Raul Seixas em Brasília, Paulo Coelho acabou subindo no palco (naquele momento Raul Seixas estava indisposto, provavelmente por consumo de drogas) e cantou a única música que lembrava - “Sociedade Alternativa”. A música em si gerou controvérsias, pois ela era efetivamente uma apologia às idéias satânicas do “bruxo” Aleister Crowley. (MARMO, 2007: 64-5) Como poucos conheciam as idéias de Crowley na época, e muitas comunidades alternativas estavam surgindo, a música foi encarada pelo público como um refúgio à ditadura militar. (MORAIS, 2008: 327) Os próprios militares também não entendiam muito das idéias de Crowley, mas encontraram na música uma visão subversiva da tal sociedade alternativa. Raul Seixas foi chamado para depor no Dops (Delegacia de Ordem Pública e Social) de São Paulo e Paulo Coelho o acompanhou. No local, Raul informou que os militares queriam não o seu depoimento, mas o de Paulo. Paulo e esposa foram presos, fichados, passaram alguns dias na cadeia e foram liberados. Saindo da cadeia foram capturados por um grupo paramilitar, que torturou o casal. (MARMO, 2007: 79-81) Embora a história possa não ser 100% confiável (grande parte dela foi relatada pelo próprio Paulo Coelho), existe documentação que comprova a prisão de Paulo Coelho e relatos do seu seqüestro. (MORAIS, 2008: 331) Qual era a lógica do sequestro? Desde a publicação do AI-5 que as forças da ditadura militar levaram uma guerra contra os grupos da esquerda armada, tendo praticamente derrotado a todos. Para tal, foi criada uma, nas palavras de Elio Gaspari, “máquina” repressiva, praticamente um comando paralelo de poder, justamente para eliminar os ditos subversivos. Por volta de 1973, com exceção da Guerrilha do Araguaia e de um poucos remanescentes da guerrilha urbana, a esquerda armada já não existia, mas a “máquina” sim. (2002: 464) Para justificar sua existência, o grupo começou a procurar inimigos para serem combatidos mesmo que não tivessem relação direta com a já extinta esquerda armada. Sua estratégia consistia numa dupla face: a intensificação do discurso contra a subversão; e a criação de grupos paramilitares que praticavam o terrorismo como arma (com as explosões de bancas de jornal que vendiam jornais da imprensa alternativa, entre outros ataques) e ataques diretos aos ditos “subversivos”. (GASPARI, 2002: 398) Uma das vítimas deste grupo foi o PCB, partido contrário à luta armada desde o início, que começou a ser atacado e muitos de seus membros acabaram torturados e assassinados. Outras vítimas foram justamente os “cabeludos” e sua cultura, ou melhor, sua Contracultura. O conjunto musical Novos Baianos teve problemas com este grupo paramilitar e o mais famoso artista atacado foi justamente Paulo Coelho. Indiferentemente ao problema da censura, a televisão iria transformar-se no veículo de maior influência na vida brasileira, com a ascensão da Rede Globo.

Rede Globo Com a TV Rio praticamente extinta e a Excelsior em profunda crise, a concorrência por audiência ficou entre as redes Tupi, Record e Globo, sendo esta última cada vez mais moderna. A Tupi estava um verdadeiro caos (aumentado ainda mais com a morte de Assis Chateaubriand) e tentou, em 1969, uma última cartada, uma espécie de nova O Direito de Nascer: a novela Beto Rockfeller. O script de Bráulio Pedroso apresentava uma novela urbana que contava, de uma maneira bem-humorada, a vida e as aventuras de um típico anti-herói brasileiro, Beto Rockfeller, interpretado por Luís Gustavo, um simples e simpático funcionário de uma loja de sapatos que quer subir na vida e usa da sua malandragem para tal. O diretor Lima Duarte imprimiu na novela uma interpretação coloquial, descontraída, além de apresentar inovações, como utilizar música pop da época, como fundo de várias cenas - uma prática que se tornaria corriqueira nos anos seguintes. (PRIOLLI, 1985: 30) Infelizmente, poucos capítulos sobreviveram aos incêndios da Tupi nos anos 70 e à sua falta de recursos, pois, necessitando de fitas para novos programas, utilizou-se das fitas onde a novela estava gravada. O sucesso da novela foi estrondoso e deu um pouco de alento para a deficitária rede Tupi, além de influenciar a emissora rival, pois mostrou para a Rede Globo qual era o caminho de produção (tanto na técnica quanto no conteúdo) para as suas próprias novelas. Não era mais necessário produzir “dramalhões” como O Direito de Nascer, mas sim novelas com personagens marcantes, além de assuntos atuais. E tal orientação deveria atingir todos os programas da emissora. Logo, Walter Clark retomaria uma experiência realizada ainda nos tempos da TV Rio: fixar um programa jornalístico entre duas novelas. A novela das sete horas deveria ser mais leve e ágil, enquanto que a novela das oito deveria ser mais dramática e séria. E o momento político iria beneficiar a emissora. A influência da televisão na vida brasileira começaria a crescer inexoravelmente e através da ditadura. Para os militares, a segurança nacional era uma preocupação básica que passava pela integração territorial do país. Mas como unir um país de tais dimensões? Para consegui-lo, os militares utilizaram a televisão. Suas características básicas - não era necessário saber ler ou escrever para acompanhá-la, e tinha uma relativa sofisticação em relação ao rádio e outros meios quanto às possibilidades técnicas de manipulação e fascínio - a tornavam o meio de comunicação ideal para unir o país, pensavam os militares. Ainda em 1968, o regime militar criou condições para facilitar o consumo de aparelhos de televisão através da compra a prazo. Isso em breve surtiria o efeito de uma explosão de consumo, tornando a televisão, definitivamente, o principal meio de comunicação do país - e essa era uma política deliberada do governo militar. (SKIDMORE, 1988: 222) Com a criação da Rede Nacional de Comunicações, um órgão estatal cuja função era facilitar a

difusão dos meios de comunicação (privilegiando, obviamente, a televisão), as teletransmissões conseguiram aumentar o seu espaço e importância. De 13 de dezembro de 1968 em diante, a luta dos militares não objetivava apenas a destruição de grupos armados de esquerda, mas também o domínio do simbólico da sociedade brasileira, usando, para tal, todos os recursos possíveis, legais ou autoritários. A AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas), criada (e pouco utilizada) durante governo Costa e Silva, ganharia nova importância no governo Médici. Investimentos muito altos em termos de propaganda oficial foram realizados, enaltecendo a figura do presidente Médici (que gostava da instituição família e do futebol), o desenvolvimento econômico verificado neste momento (o chamado “milagre econômico”, representado pelo crescimento de 10% anuais do PIB) e o orgulho do brasileiro (que deveria levar o país a ser um dos melhores do mundo). Foi criada, então, uma campanha ufanista sem precedentes na história brasileira. A conquista do tricampeonato mundial de futebol no México em 70 seria muito usada pelos propagandistas do governo: o cartaz com a fotografia de Pelé comemorando um gol com a camisa da seleção brasileira de futebol era acompanhado pela frase de efeito “Ninguém Segura Mais Este País!” As comunicações seriam as armas mais eficientes na luta pelo simbólico; e a televisão, em particular, seria utilizada como o meio primordial. E a emissora de televisão privilegiada para tal função foi a Rede Globo. A Rede Globo de Televisão acabaria por desenvolver um fortíssimo trabalho cultural no país. Surgida pouco mais de um ano após o golpe que derrubou Goulart, ela pertencia a um grupo de imprensa conservador, liderado por Roberto Marinho, dono do jornal O Globo. Favorecido por um empréstimo do grupo norte-americano Time-Life (tal empréstimo seria contestado judicialmente), a emissora, depois de um começo tímido, começara a crescer, derrotando seus concorrentes e recebendo auxílios do governo federal. Ela começou sem muita expressão, dando prejuízos enormes nos primeiros 8 meses, quando sua direção trocou de mãos: foi contratada uma equipe mais ligada à propaganda e marketing do que às artes, equipe esta comandada por Walter Clark. A mudança global seria significativa. (SÁ, 1992: 45) O primeiro planejamento de marketing da programação foi criar um horário nobre bem estruturado - duas novelas com um noticiário no meio - que teve sucesso imediato. As novelas já haviam demonstrado que eram programas de grande aceitação popular, prendendo a atenção do público por meses (quando não anos), e que seriam boas condutoras para o jornalístico, que passaria a visão de mundo da emissora. (SÁ, 1992: 45-6) As novelas eram igualmente veículos para se passar a visão do mundo da emissora, e os três programas acabavam se integrando, quer na “ficção” das novelas ou na “realidade” do jornalístico. Este último se estabeleceu solidamente com o Jornal Nacional, que estreou simultaneamente em 12 estados em 1969.

Ainda no ano de 1969, a Rede Globo inauguraria um programa jornalístico que se tornaria importante dentro da vida do país nos próximos anos: no dia primeiro de setembro, o Jornal Nacional, entrava no ar pela primeira vez. Ele provocaria mudanças radicais na imprensa do país como um todo – e também na política. O Jornal Nacional produziria uma visão de mundo própria, favorável tanto à emissora quanto ao regime militar – o programa aproveitou-se de maneira eficaz dos recursos da produção televisiva, pois como nenhuma notícia era apresentada com profundidade e o mesmo enfoque era dado a notícias de importâncias diferentes, esvaziava-se assim o seu impacto e conteúdo. Uma grande inovação do Jornal Nacional seria a integração - muito competente e politicamente interessada - entre imagens/sons/movimentos da televisão, impedindo maiores “espaços” para qualquer tipo de contestação. O programa jornalístico da Rede Globo tomaria grandes

cuidados

nesse

sentido,

passando

sua

visão

do

mundo

dentro

de

imagens/sons/movimentos coerentes com os discursos, preocupando-se, principalmente, com a tecnologia a ser aplicada nos programas. O discurso otimista e positivo, presente em toda a produção do telejornal, era totalmente coeso. Mesmo a Rede Globo não era totalmente coesa internamente (ela sofreu censura também): embora existisse um programa totalmente favorável ao regime militar, Amaral Neto: o Repórter, a equipe que realizava o programa Globo Repórter (inicialmente chamado de Globo Shell Especial) tinha bastante autonomia, chegando a produzir os programas com películas cinematográficas - técnica utilizada até mesmo para manter sua autonomia, pois afastava as outras equipes que trabalhavam com filmes de televisão. Tal autonomia foi sendo atacada no decorrer dos anos e, na década de 80, toda a produção do Globo Repórter já era feita na base de fitas de televisão - além de uma vinculação mais restrita do programa aos outros setores da emissora. (CONTI, 1999: 72) Apesar disso, a integração da emissora com o acontecimento seria muito eficaz, transmitindo a versão vitoriosa dos acontecimentos como se a emissora os tivesse apoiado desde o começo. A Rede Globo estabeleceu um monopólio sobre a produção de imagens e de informações no país, que permanece até os dias atuais. Em 1972, seria inaugurado no Brasil o sistema de televisão colorida, inaugurado inicialmente pela Rede Bandeirante, que iria criar uma nova dimensão dentro da produção de imagens no país. Este monopólio permitiu à emissora desenvolver o chamado “Padrão Globo de Qualidade”, uma busca incessante pelo aperfeiçoamento técnico da sua programação. O padrão estético da Rede Globo foi imposto também às outras emissoras, mas isso de uma maneira dinâmica, pois a emissora também ia se apropriando de qualquer outro fator que desse maior audiência. Essa constante sofisticação só foi possível através do trabalho dos melhores profissionais, do uso dos melhores programas e das melhores tecnologias

possíveis - produzidas pela emissora, copiadas ou compradas dos centros de produção tecnológica. O uso tecnológico foi uma das suas maiores marcas, pois a Rede Globo importava as novas tecnologias dos países desenvolvidos e produzia as mais criativas construções com essas tecnologias. Nesse trabalho destacou-se o suíço Hans Donner e sua equipe. Ele utilizaria principalmente computadores (inéditos na televisão brasileira) para criar vinhetas e aberturas de programas, com grande aceitação do público. Não era apenas uma apresentação formal diferente: a própria essência da programação foi modificada, buscando conquistar o gosto do público. Essa mistura coerente de discurso e técnica que a Rede Globo desenvolveu e aplicou atingiria a imprensa escrita de uma maneira decisiva. A Rede Globo apresentava um uso formal absolutamente diferente dentro da produção da mídia brasileira, uma junção entre conteúdo e forma praticamente inédita. Concorrer com o que a Rede Globo apresentava era muito difícil, pois para isso novos padrões estéticos teriam de ser criados. E poucos meios escritos puderam fazê-lo. Considerando-se a ampla difusão do meio televisivo em termos numéricos no Brasil e a absoluta superioridade dos níveis de audiência da Rede Globo de Televisão em relação às outras emissoras, podemos concluir que ela conquistou os “corações e mentes” do país. Mais do que apenas uma produção estética e técnica, o “Padrão Global de Qualidade” apresenta uma representação imaginária de um país moderno e dinâmico, imagens que agradavam à maior parte da população brasileira. Esta representação também englobaria a juventude e os referenciais da Contracultura - encontraremos também na sua programação hippies e contestadores. A atriz Djenane Machado era a uma das atrizes que mais representava o papel de hippie nas novelas (assim como a Nádia Lippi o fazia no cinema nacional) e a novela “Assim na Terra como no Céu”, de Dias Gomes, procurou retratar a “juventude dourada” e a “esquerda festiva” em seus capítulos. Temas como drogas, sexo e homossexualismo (representado pelo personagem do costureiro Rodolfo Augusto, interpretado pelo ator Ary Fontoura) foram tratados na novela. (SOUTO MAIOR, 2006: 73) E foi da emissora que surgiu uma das figuras mais excêntricas e aglutinadoras da moda musical jovem da época: Newton Duarte, conhecido como Big Boy. Apresentador (quadro musical diário no jornal Hoje e um programa musical semanal, aos sábados à tarde, o Hello Crazy People), disc-jockey, organizador de shows e bailes (ele foi o precursor dos bailes de samba rock), radialista e agitador cultural, Big Boy foi uma das figuras contraculturais mais conhecidas no Brasil. (SOUTO MAIOR, 2006: 96) A repercussão das “agitações culturais” do Big Boy foi tão significativa que muitos jovens conheceram alguns aspectos da Contracultura a partir de seus programas e bailes.

A presença de um apresentador tão “antenado” com a tendência jovem mundial, junto de Nelson Motta, outro referencial de juventude na época, fez da Rede Globo um dos canais preferidos dos “desbundados”, apesar de todos os problemas políticos a que nos referimos. Na verdade a Globo era o único órgão de comunicação a ter condições de produzir e exibir tais programas com alta qualidade estética e diversidade – e o Big Boy era uma das suas figuras mais destacadas, mas teria pouco sucesso sem uma estrutura comunicativa tão articulada, diversa e ampla. Apesar da divulgação da televisão, mesmo apresentando apenas seus aspectos mais superficiais e imagéticos, foi a chamada imprensa alternativa quem mais divulgou a Contracultura no Brasil. Imprensa Alternativa: Realidade, O Pasquim, Opinião e Flor do Mal Com o fechamento do regime militar a partir de 1969 e a intensificação da censura, os espaços oficiais da imprensa foram limitados e cresceu de maneira intensa a produção da chamada imprensa alternativa. Mas é impossível comentá-la sem citarmos a revista da “grande imprensa” que foi seu grande modelo, a revista Realidade. A Realidade foi lançada em abril de 1966, era mensal, dirigida por Paulo Patarra e tinha como conteúdo a reportagem baseada no social, na discussão crítica da moral e dos costumes. Além do ponto de vista jornalístico, tinha preocupações estéticas típicas do New Journalism, ou seja, narrativa baseada na vivência direta do jornalista com a realidade que pretende transpor, daí o nome da revista. Chegou a ter tiragens de 400 mil exemplares e, mesmo pertencendo ao grupo Abril (que nada tinha de revolucionário), sua redação já funcionava como os jornais alternativos iriam trabalhar posteriormente. Discussões sobre as matérias (e as inevitáveis divergências entre os grupos de esquerda, que eram resolvidas democraticamente) eram colocadas apesar dos interesses dos donos da revista, pois seus membros faziam parte de células políticas clandestinas. A revista também abriu as principais linhas da imprensa alternativa. Em 1968, a Ação Popular (AP), grupo político radical de esquerda, tinha abandonado a linha católica. Esse grupo ordenou que seus militantes saíssem da revista para se juntar ao povo, caindo na clandestinidade se assim fosse necessário. Aqueles que se recusaram deram origem a uma linhagem da imprensa alternativa, a existencial e antidoutrinária, que seguiria o caminho contracultural na década de 70. Aqueles que aceitaram as diretrizes da AP formaram uma linhagem política (ligada, principalmente, a Raimundo Pereira). Também existiria uma terceira linhagem, a humorística, principalmente saída da revista Pif-Paf. (KUCINSKI, 1991: 6-7) É difícil definir a imprensa alternativa realmente. Em primeiro lugar, opunha-se ao discurso oficial, procurando mostrar, justamente, novas idéias e comportamentos, tanto no

nível pessoal quanto no político, algo difícil dentro de uma ditadura. Além disso, opunha-se à grande imprensa, que via como instrumento da burguesia para impor sua ideologia. Os alternativos tinham a sua própria ideologia, que variava de jornal para jornal. Em cada novo projeto alternativo, havia invariavelmente um episódio de fechamento de espaço da grande imprensa, empurrando jornalistas para a saída alternativa, mesmo que confusa ou mal-definida. A figura do líder é importante, o que acabou por destacar figuras como Millôr Fernandes (PifPaf), Jaguar (O Pasquim), Raimundo Pereira (Opinião), entre outros. Em certos sentidos, foram suas preocupações e expectativas pessoais que impulsionaram os projetos alternativos, apresentados, muitas vezes, como projetos políticos mais universais. Não que a sua influência fosse absoluta, nem todos que trabalhavam com o líder necessariamente concordavam com suas posições estéticas e políticas, mas, com certeza, suas orientações foram fundamentais para o desenvolvimento dos jornais como um todo. (KUCINSKI, 1991: XIII-XXIX) O Pasquim surgiu em 1969, com a proposta de ser um jornal bem-humorado, destacando a vida de Ipanema. Sua equipe era composta por cartunistas criativos, sem uma organização administrativa muito rígida - ou seja, era um grupo de amigos que, de suas relações pessoais, fazia a matéria do jornal -, estilo jornalístico que José Luiz Braga chamou de “patota”. (1991: 27) Jaguar, Millôr Fernandes (que havia criado o precursor Pif-Paf, em 1964), Henfil, entre outros, faziam parte dessa “patota” que iria revolucionar a maneira de se fazer jornal no Brasil. Politicamente, o jornal era, nas palavras de Norma Pereira Rego, “de esquerda sem sectarismo”, podendo unir, por exemplo, um marxista ortodoxo como o Henfil e um (já na época) ex-esquerdista como Paulo Francis. Como foi possível conciliar essas diferenças? Por duas razões básicas: 1ª - existia um inimigo em comum, a ditadura militar; 2ª - o humor, acima de tudo, os unia. (MORAES, 1996: 112) A forma do jornal era tão importante quanto o seu conteúdo. Feito no formato de tablóide, com uso expressivo de cartuns e charges, de muito deboche e sátira (seus criadores eram, essencialmente, cartunistas), o produto tinha uma apresentação marginal, lembrando os pasquins barulhentos de épocas passadas. O jornal buscava uma cultura alternativa, combatendo tanto a cultura “oficial”, da ordem estabelecida, quanto a cultura “oficial” de esquerda. (BRAGA, 1991: 209-37) Não era só de cartuns que vivia o jornal, mas também de entrevistas e matérias escritas sérias, que merecem alguns comentários. As entrevistas acabariam por ter como forma o linguajar coloquial, ou seja, eram a reprodução fiel de como ela foi dada pelo entrevistado ao entrevistador, sem a “copydiskagem” (seleção do que foi dito e sua formatização para o meio de comunicação feitas pela grande imprensa), recurso típico deste tipo de reportagem. Esta não utilização da “copydiskagem” pode ter sido uma opção formal (o jornal tinha um estilo coloquial por si só) ou uma simples preguiça de seus editores (que preferiram colocar tudo como estava só para não

ter o trabalho de formatizar o texto para o jornal). (BRAGA, 1991: 31) De qualquer forma, essa preocupação formal (ou falta de) deu à revista muito mais ganhos do que prejuízos. As matérias “sérias” eram análises políticas feitas pela equipe de redação. A página dois seria o espaço reservado para as matérias internacionais - e Paulo Francis tornar-seia famoso pelas suas análises de política internacional, particularmente pelas matérias referentes à Guerra do Vietnã, utilizando-a para criticar o “sistema”, as injustiças sociais e fazer referências ao que ocorria no Brasil, pois esse era um dos poucos espaços possíveis. O jornalista informava-se muito bem sobre o assunto, escrevia muito bem e apresentava argumentações lógicas e bem fundamentadas, mesmo que elas pudessem ser uma “salada” de teorias e análises de outros autores, apresentadas num conjunto como sendo de sua autoria. Independentemente disso, os artigos de Paulo Francis colocaram o Vietnã em evidência dentro do jornal além da Contracultura, com Luiz Carlos Maciel. (BRAGA, 1991: 52) Fórmulas inteligentes e criativas de distribuição, como a venda na forma de fascículos de livros, enciclopédias e outras publicações, foram sendo testadas pela imprensa ou por editoras. No entanto, mesmo essas iniciativas não conseguiram impedir que a década de 70 fosse marcada por um período de crise na grande imprensa escrita, tanto política (ditadura) quanto econômica. Os espaços estavam abertos para a imprensa alternativa. O crescimento da imprensa alternativa na década de 70 também se deveu ao uso do sistema de impressão “off-set” de algumas oficinas de revistas e à distribuição nacional desenvolvida pela editora Abril, que tornou possível um alcance nacional dessas publicações, que chegavam em quase todos os lugares do país, e eram distribuídas em praticamente todas as bancas de jornais. Mesmo assim, até 1972, O Pasquim agüentaria praticamente sozinho as dificuldades de enfrentar o regime militar num esquema alternativo, conseguindo, inclusive, ter vendagens expressivas. (BRAGA, 1991: 34) Sua nova linguagem e posicionamento político eram acompanhados de perto pelos militares, que logo perseguiriam sistematicamente o jornal. A equipe de redação acabaria presa, e a censura prévia obrigaria o jornal a enviar o material para Brasília, o que dificultava a publicação dentro dos prazos. Logo, outro jornal alternativo, o Opinião, seria igualmente perseguido. O jornal Opinião surgiu no auge da ditadura, em outubro de 1972, bancado pelo empresário Fernando Gasparian, tendo Raimundo Pereira como editor-chefe. Era produzido por jornalistas profissionais e por intelectuais, alguns dos quais secretamente instruídos pelo comitê central da Ação Popular (AP). Desde 1970, a AP estava convicta da necessidade de ter um jornal não-partidário que reunisse os descontentes e opositores da ditadura militar, de quaisquer tendências políticas. Seu objetivo era criar uma frente mais ampla de oposição ao regime, como pré-condição para uma guerra popular prolongada. Em 1971, a unificação com o PC do B -

cujas bases de guerrilha no Araguaia já estavam atuando - tornou urgente a necessidade de criar um porta-voz da oposição. Fernando Gasparian, empresário descontente com o regime militar, queria um jornal crítico, nos moldes do semanário inglês The New Statesman. Sua idéia (assim como a da AP) era a de um jornal de caráter frentista, com jornalistas e intelectuais. Já o jornalista Raimundo Pereira, contratado como diretor do periódico queria uma versão alternativa da revista Veja - um informativo composto apenas de jornalistas. Gasparian impôs sua vontade. Raimundo Pereira, mais tarde, concordaria com a linha do jornal. O Opinião teria o encarte nacional do jornal francês Le Monde e de outras publicações estrangeiras, o que dava ao jornal um público amplo de universitários, intelectuais e jornalistas. Esse era o único espaço para discussões sérias dentro da imprensa, já que O Pasquim não tinha essa proposta e nem se dispunha a isso. Os dois jornais foram os grandes centros de oposição ao regime. Intelectuais frustrados pela ausência de espaço na grande imprensa encontravam no Opinião um lugar onde expor suas idéias. A utilização de textos de publicações estrangeiras não estava apenas relacionada à autoridade e à qualidade dos textos de publicações famosas do exterior. Essa era uma maneira de impedir que a censura os atingisse, pois a censura a uma matéria do Opinião, quer de autores nacionais ou de publicações internacionais, repercutiria internacionalmente e geraria pressões contra o regime militar. Censurar o Opinião era como censurar a imprensa livre do Primeiro Mundo. O conteúdo das matérias internacionais também foi utilizado politicamente, pois eram escolhidos por fazerem referências ao que ocorria no Brasil e apresentavam a visão de mundo do jornal. A escolha dos textos internacionais não era neutra. Lançado para ser semanal e vendido nas segundas-feiras (concorrendo diretamente com a revista Veja), o jornal foi um sucesso imediato. O Opinião nascia com características inéditas dentro da imprensa brasileira, tanto na forma como no conteúdo: valorizava o texto, a diagramação e as caricaturas; e poucos recursos fotográficos seriam utilizados. Crítico, num momento em que tal procedimento era praticamente impossível, tornouse um porta-voz de uma oposição à margem da oposição legal do MDB. Outra forma de crítica social surgiu com a Contracultura no Brasil. A Contracultura ficou mais intensa no Brasil durante a década de 70. Luís Carlos Maciel, que tinha uma coluna no O Pasquim ainda no final dos anos 60, montou o jornal Flor do Mal que versava sobre sexo, rock’n’roll e, sutilmente, drogas. Financiado pela mesma empresa do O Pasquim, Flor do Mal vendia aproximadamente 20 mil exemplares dos 40 mil editados. Baseado no poeta francês Charles Baudelaire que, de acordo com Maciel, era o “iniciador da modernidade”, o jornal buscava total liberdade, sendo que ele era praticamente escrito à mão, numa tentativa de se eliminar os filtros mecânicos e ideológicos, numa

preocupação formal bastante expressiva: para Maciel existia uma diferenciação entre as formas de edição do jornal, sendo que ele preferiu a mais espontânea – a forma deveria estar integrada ao conteúdo do jornal. A Flor do Mal durou apenas 5 números e abriu os caminhos para uma série de publicações sobre a contracultura, como os jornais Presença, Verbo Encantado, Pato Macho e o 2001. (KUCINSKI, 1991: 50-4) * Resumidamente este era o quadro da Contracultura no Brasil: ela era combatida tanto pela esquerda (PCB e esquerda armada) quanto pela direita (ditadura militar), tendo produtos e programas dos mais variados meios e com as mais variadas qualidades (através, principalmente, da Rede Globo e da imprensa alternativa) com a pressão da censura. As manifestações da Contracultura no Brasil não poderiam ser mais diversas do que as ocorridas nos Estados Unidos e na Europa. De acordo com Marcos Alexandre Capellari, as “formas pelas quais a contracultura se difundiu no Brasil foram bastante peculiares, não podendo contar com um dos elementos que a distinguiram nos EUA e na Europa: as grandes manifestações coletivas de repúdio ao sistema, limitando-se, assim, à incorporação de um novo ‘estilo de vida’, a partir de seus referenciais estéticos e intelectuais introduzidos por intermédio das artes plásticas, da literatura, da música e de jornais alternativos, como O Pasquim.” (2007: 9)

As artes plásticas produziam os seus happenings, em particular na faixa “Seja Marginal, Seja Herói”, de Hélio Oiticica, que destacou a vida do marginal Cara de Cavalo, transformado em herói por sua “luta” contra a polícia, ou seja, contra a “autoridade” – para o artista a marginalidade era, além de uma realidade social, uma posição ética num universo de violência e exclusão. Ainda ligados à idéia de Cappelari, também não podemos esquecer os escritores e os poetas que estavam ligados, diretamente ou não, à Contracultura, como são os casos de Wally Salomão, Caio Fernando Abreu e Torquato Neto, entre outros. Foi dentro deste quadro que o Imaginário da Contracultura e suas significações secundárias desenvolveram-se no Brasil e na publicidade brasileira - e que passamos a discutir nos próximos capítulos.

Referências Bibliográficas - ABREU, Nuno César. O Olhar Pornô – a Representação do Obsceno no Cinema e no Vídeo. Campinas: Mercado de Letras, 1996; - ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1989; - ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada – as Novas Esquerdas no Brasil e no Mundo na Década de 1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000; - ARAÚJO, Paulo César. Eu Não Sou Cachorro Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Record, 2002; - _________________. Roberto Carlos em Detalhes. São Paulo: Planeta, 2006; - BARCINSKI, André e FINOTTI, Ivan. Maldito – a Vida e o Cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. São Paulo: Ed. 54, 1998; - BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70 - Mais Pra Epa Que Pra Oba... Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991; - BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1988; - CALADO, Carlos. Tropicália – a História de uma Revolução Musical. São Paulo: Ed. 34, 1997; - CAPELLARI, Marcos Alexandre. O Discurso da Contracultura no Brasil: o Underground através de Luiz Carlos Maciel. São Paulo: Tese de Doutorado, USP, 2007; - CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto - a Imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999; - FICO, Carlos. A Ditadura mostra a sua Cara: Memórias do Período, 19641985.

Disponível

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05/conf/Brazil64/papers/cficoport.pdf - acessado em 22 de janeiro de 2010; - HOLLANDA, Heloísa Buarque de e GONÇALVES, Marcos A. Cultura e Participação nos Anos 60. 4ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1985; - HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de Viagem – CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/70. 5ª ed., Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004; - KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta, 1991; - MARCONDES, Paolo. A Censura Política na Imprensa Brasileira (19681978). São Paulo: Global, 1980;

- MARMO, Hérica. A Canção do Mago – a Trajetória Musical de Paulo Coelho. São Paulo: Futuro Comunicação, 2007; - MELLO, Zuza Homem de. A Era dos Festivais: uma Parábola. São Paulo: Ed. 34, 2003; - MONTEIRO, Walmir dos Santos. “Nada nos Bolsos ou nas Mãos”: Influências do Existencialismo Sartreano na Contracultura Brasileira, 1960-1970. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado, Universidade Severino Sombra, 2007; - MORAES, Dênis de. O Rebelde do Traço - a Vida de Henfil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1996; - MORAIS, Fernando. O Mago. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008; - PINHEIRO MACHADO, J. A.. Opinião X Censura - Momentos da Luta de um Jornal pela Liberdade. Porto Alegre: L&PM, 1978; - PRIOLLI, Gabriel. “A Tela Pequena no Brasil Grande.” IN LIMA, Fernando Barbosa; PRIOLLI, Gabriel e MACHADO, Arlindo. Televisão & Vídeo. Rio de Janeiro: Zahar, 1985; - REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, V/edições; - SÁ, Antônio Álvaro Barbosa. Jornal Nacional - Política e Ideologia. Campinas: Dissertação de Mestrado, UNICAMP, 1992; - SÁ, Irene Tavares de. Juventude em Crise ou Sociedade em Crise? Rio de Janeiro: Editora Renes, 1972; - SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; - SOUTO MAIOR, Marcel. Almanaque da TV Globo. São Paulo: Globo, 2006; - ZAPPA, Regina e SOTO, Ernesto. 1968: Eles só queriam Mudar o Mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Capítulo 3 - O Imaginário da Eterna Juventude Origens As origens desta significação imaginária secundária estão na própria origem da Contracultura – e está ligada diretamente à cultura de massa do período. Conforme já trabalhamos anteriormente, depois de 1945 foi intensificado e ampliado o chamado “mercado jovem”, ou seja, a comercialização de produtos única e exclusivamente para jovens, reforçando a idéia da juventude como um universo de fim em si mesmo. Tais produtos poderiam ter intenções meramente comerciais, mas acabariam realizando uma profunda revolução cultural jovem, criando representações que se manifestariam, principalmente, na década de 60 em diante. Ainda na década de 50, outro produto cultural importante, a televisão, começaria a se destacar como o meio de comunicação mais importante. Os meios eletrônicos de um modo geral tiveram uma expansão fantástica durante a década de 50, e, conseqüentemente, a televisão também. Quase que toda a cultura norte-americana ficou dependente da televisão, tanto que os principais ídolos musicais utilizaram-se do meio para alcançar (ou manter) o seu sucesso, como foram os casos de Elvis Presley, em 1956, e dos Beatles, em 1964. O mais importante foi que esse meio acabou por particularizar coisas distantes, aumentando a idéia de livre arbítrio, ou seja, de que as pessoas tinham uma capacidade de participação social

maior.

Problemas

aparentemente

longínquos

eram apresentados

continuamente e no cotidiano de milhões de pessoas através da televisão - milhões de jovens eram apresentados aos problemas sociais dos mais variados pontos do mundo, e não ficariam indiferentes a eles. A televisão aproximava questões distantes, o que alterou profundamente a maneira de uma parte expressiva do público de encarar certos acontecimentos, como a reação contra o segregacionismo racial no sul dos Estados Unidos. A política contra a segregação racial, iniciada durante o governo Eisenhower e levada a cabo durante o governo Kennedy, recebeu o reforço de inúmeros jovens universitários que pressionaram para que o segregacionismo fosse abolido. Uma vez conseguido esse objetivo, estes jovens universitários colocar-se-iam contra a Guerra do Vietnã. (TUCHMAN, 1986: 328) Em outras palavras, os jovens colocar-se-iam contra o mundo adulto representado por esta guerra – não precisavam mais esperar a idade adulta para tomar suas decisões, a juventude por si mesma se via como instrumento de poder e cultura. E, depois, um número maior de jovens de vários países do mundo entraria em choque contra a cultura dominante local, inclusive no Brasil.

O historiador Jacob Gorender, comunista e um dos membros ativos da esquerda armada no Brasil nas décadas de 60 e 70, reafirmou esta idéia: “Os anos 60 marcaram o auge do movimento dos hippies (pregadores da Paz e Amor), a maravilhosa renovação da música popular internacional pelos Beatles, a difusão da roupa informal e da minissaia, a moda masculina dos cabelos compridos e das barbas, o começo da desrepressão do comportamento sexual. Nos anos 30 e 40 (0s da minha juventude), a iniciação da adolescência vinha cheia da ânsia pelo direito de usar calças compridas e receber o tratamento de adulto. Nos anos 60, os jovens queriam afirmar-se enquanto jovens no confronto desafiador contra os adultos. Processava-se uma mutação geracional, refletida nos costumes e em múltiplos aspectos espirituais, inclusive no que se chamou de contracultura.” (1987: 146)

Os jovens ao afirmar-se “no confronto desafiador contra os adultos” mostravam o que queriam (ou melhor, o que não queriam), abrindo um espaço para a publicidade trabalhar neste novo mercado aberto pelo “confronto de gerações”. A marca “juventude”, que foi explorada nas décadas de 40 e 50, como foi dito anteriormente, tornou-se um dos pilares das vendas mercadológicas da segunda metade da década de 60 em diante. A Marca Juventude no Brasil A idéia da juventude como força de consumo foi mais bem desenvolvida no Brasil entre os anos de 1965 e de 1966 no fenômeno musical chamado de Jovem Guarda, que era a versão do rock´n´roll brasileiro – ou Iê-Iê-Iê, como seria conhecido em vários meios de comunicação. Além da música e do programa Jovem Guarda, produzido e exibido pela TV Record, programa este liderado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, foi criado uma intensa campanha publicitária, inédita no Brasil até então, para ressaltar o “mercado jovem” que existia e estava em crescimento. (FRÓES, 2000: 34) Muitas das expressões típicas das músicas e do programa (como “É uma brasa, mora!” ou “broto”) deram nome a uma série de produtos, praticamente todos relacionados à juventude. Seria produzida, inclusive, uma linha de roupas chamada de “Coleção Jovem Guarda”, das confecções Camelo. Um de seus anúncios apresentava Roberto Carlos vestindo um de seus modelos e as palavras anunciavam a questão do seu tempo: “O guarda-roupa é uma das áreas críticas na ‘guerra fria’ entre os jovens e os ‘corôas’ (sic). Os ‘barra-limpas’ se recusavam sistematicamente a envergar uma ‘beca igual à dos mais velhos. Porém, Confecções Camelo acaba de eliminar pelo menos essa ‘área de atrito’. E aí está o Roberto Carlos, que não nos deixa mentir, mora!...” (REALIDADE, dezembro/1966: 23)

O movimento tropicalista também era uma manifestação jovem brasileira, embora mais intelectualizada e bem próxima da Contracultura da época. Chegou a ter um

programa televisivo, assim como seus antecessores da Jovem Guarda, o Divino Maravilhoso. (CALADO, 1997: 238) A prisão e exílio de suas duas lideranças principais pela ditadura militar, Caetano Veloso e Gilberto Gil, refrearam o movimento para a sua popularização. E Gal Costa transformar-se-ia na musa dos “desbundados” – tanto que um dos pontos mais famosos da Contracultura brasileira, o Píer 9 no Rio de Janeiro, local que os “desbundados” se encontravam, era conhecido como a “duna da Gal” – e “desbunde” foi o termo utilizado para caracterizar a Contracultura no Brasil na década de 70. (DIAS, 2003: 101) Sua influência foi tão expressiva que numa propaganda da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a cidade não faltou a imagem hippie: uma pequena foto destacou vários jovens juntos, rindo (seria o Píer 9?), acompanhados do poema de Antônio Moura: “Rio de Janeiro, gosto de você. Gosto de quem gosta deste céu, deste mar, desta gente feliz”. (VEJA, 373, outubro/1975: 59) Marca Juventude e sua Utilização Publicitária A força da imagem de juventude seria imensamente explorada pela publicidade brasileira. Ser jovem era apresentado como se fosse uma condição especial, como podemos perceber no anúncio da empresa de roupas You: “Identifique-se! Finalmente, uma etiqueta com uma idéia. Ela é tão simples, mas tão simples, que é simplesmente genial: as coisas que você gosta de fazer e as coisas que você veste têm sempre que representar você. Se isto faz sentido para você, identifique-se com YOU. YOU é abreviatura de Young Universe, que significa mais ou menos ‘um mundo-de-coisas-com-que-a-gente-seidentifica’. Você vai encontrá-la em jeans, jaquetas, tênis, camisetas e discos que tenham sempre alguma coisa a ver com sua maneira de pensar e viver. Vamos, identifique-se com você mesmo. Identifique-se com os novos jeans YOU.” (VEJA, 479, novembro/1977: 56-7)

As imagens do anúncio representaram bem o predomínio da juventude na mensagem: a página 56 apresentava o desenho de um casal de jovens com os jeans You; já na página 57, foram apresentadas várias fotos com jovens. A empresa Tecidos Santista, no lançamento do tecido Terbin (onde “você leva uma vantagem: faz os mais arrojados movimentos e continua impecável, como se nada tivesse acontecido”), utilizou-se de várias imagens com jovens. (VEJA, 220, novembro/1972: 84-5) A Tergal anunciou suas camisas diferenciando bem o público jovem dos demais: “Proibida para massas. Nada de demagogia. Línea Cinturata não veste bem certas pessoas. Porque é uma camisa acinturada, modelo exclusivo Saronord. Lindos padrões e cores em tecidos Tergal. Línea Cinturata desenha a elegância, acentua o porte, sublinha o talhe. De quem os tem, lógico.” (VEJA, 107, setembro/1970: 41)

O anúncio era acompanhado de duas imagens: a maior apresentava um jovem, de costas, com um cigarro, utilizando a camisa da marca; a outra imagem, menor, de um homem mais velho, obeso e puxando os suspensórios. A juventude era apresentada como um conceito totalmente positivo. A empresa de calçados Franciscano também apostou na juventude apresentando uma imagem composta de seis jovens, formando três casais, todos com os calçados da empresa nos pés, descendo uma escada num parque, com o destaque: “Pense firme. Vá em frente com Franciscano”. (VEJA, 479, novembro/1977: 45) Para anunciar o desodorante Canoe (da empresa Dana de perfumaria) foi utilizada a fotografia, em preto-e-branco, de um casal nas areias de uma praia, ele com o violão do lado, com o texto “As pessoas ainda respiram. Use Canoe”. (VEJA, 235, março/1973: 8) A juventude dos cabelos também foi trabalhada nos anúncios da época: “Os cabelos sempre jovens conhecem San-Dar. Fórmula exclusivamente vegetal, Quina Petróleo San-Dar regenera e prolonga juventude de qualquer tipo de cabelo”. (VEJA, 86, abril/1970: 17) Expressões típicas da juventude da época, chamadas de gírias, eram utilizadas constantemente, como podemos perceber no anúncio com o título “Santa Matilde é da pesada”, que se referia especificamente à companhia Santa Matilde, uma indústria de equipamentos pesados. (VEJA, 111, outubro/1970: 91) Já a Antarctica, ao anunciar o refrigerante Guaraná, utilizou-se de outra gíria da época: “Fique na sua”. O texto indica a imagem jovem pretendida pela empresa: “Ao som de música suave corria o aniversário-família. As mulheres, com seus tradicionais pretinhos, trocavam domesticidades. Os ternos escuros, drinques na mão, resolviam seriamente os problemas do mundo. De repente, ela entrou: calça boca-de-sino, midi-colete, bugigangas no pescoço, cabelos soltos, fita vermelha na testa. Prafrentex. Comentários imediatos: que são isto! Isto são trajes? E outros blahs. Do outro lado da sala um coroa parou no meio da frase, com ares indignados. Daí ela pediu bem alto: ‘Me dá um Guarará Champagne Antarctica.’ E secou a festa com a maior tranqüilidade. Foi então que o Lobo Mau, todo bacana, e que estava louco pra tomar um Guaraná Antarctica mas não tinha coragem de pedir, chegou perto para pedir explicação: ‘Foi a vida que me ensinou. Só faço o que quero, só bebo o que gosto: Guaraná Antarctica. Fico sempre na minha. Fique na sua.’ O Lobo Mau compreendeu então que o negócio é ser autêntico. Por isso, pegou sua garrafa de Guaraná Champagne Antarctica e saiu com a Menina de Fita Vermelha na Testa, puxado pela coleira.” (VEJA, 113, novembro/1970: 2)

A imagem que ilustrava o anúncio mostrava dois jovens - o rapaz servindo Guaraná para a moça. Reforçando sua imagem junto aos jovens, a Antarctica, com a imagem de um jovem barbudo sorrindo, com o título “Um Guaraná!”, indicou no texto, uma mistura de poesia e humor:

“Se és capaz de martelar o dedo com um sorriso manter segredo; Se és capaz de tentar a conquista da noiva amada do halterofilista; Se és capaz de montar na moto e de tão veloz nem sair na foto; Se és capaz de rasgar a grade e dar à ave o céu da liberdade; Se és capaz de ouvir Beethoven e vibrar com Noel que todos ouvem; Se és capaz, sendo mestre judoca, de esquecer o defunto que te provoca; Se és capaz disso tudo e mais, um tremendo barato é a tua vida. Guaraná Antarctica, gostoso demais, é a tua pedida de cabeça erguida.” (VEJA, 115, novembro/1970: 2)

Um personagem de imagem jovem foi criado nesta época para o Guaraná Antarctica: o Bebe Quieto. O primeiro anúncio apresentando o personagem mostra o próprio cercado de várias mulheres jovens, todos com roupas de estilo hippie, e a explicação da razão do apelido que pode ser entendida pelos 10 mandamentos do Bebe Quieto. O 10º mandamento é que nos chama a atenção: “10º Há que ser autêntico. E beber o Guaraná Antarctica, principalmente quando estive com a turma: tem uma idade em que você sabe, o forte tem que ser você, não a bebida. Se você concorda, siga o exemplo do Bebe Quieto: tome Guaraná Champagne Antarctica e viva de cabeça erguida.” (VEJA, 117, dezembro/1970: 2)

A idade é que determina que “o forte tem de ser você, não a bebida” – e é sobre a idade jovem que o anúncio se refere. A idéia de ter uma idade adulta, ou seja, de ter mais experiência para determinar o que “você sabe” foi descartada pelo anúncio. O sucesso do personagem foi grande, principalmente por ter sido feito uma campanha com ele pela televisão. Outro ponto jovem também explorado pela campanha do Guaraná Antarctica foi o Surf. Com o título “Passe este verão com um frio no estomago”, com uma pequena foto destacando um rapaz surfando, tendo como fundo uma garrafa de Guaraná e uma taça dentro da praia, o texto destacava: “Para fazer isso, é simples: suba num vôo de esqui aquático, ‘surf’ ou caia de queixo no Drinkão de Verão. Drinkão de Verão é a pedida deste calor: copo cheio de gelo e Guaraná Antarctica por cima. Fica lindo de ver. Fica divino de beber. Aí, v. parte de novo para o seu esporte favorito. E se o seu esporte favorito for mulher, melhor. Porque com mulher e Guaraná Antarctica, v. já tem duas das três melhores coisas da vida.” (VEJA, 130, março/1971: 2)

Este segmento jovem seria bastante citado na publicidade brasileira. O anúncio da marca Passat Surf mostrou claramente tal opção: com a imagem de dois casais de jovens, insinuando-se surfistas, o texto valorizou o espírito jovem: “Pegue a nova onda. Passat Surf. O carro para as pessoas de espírito sempre jovem. Seja qual for a sua idade. (...) Passat Surf. Jovem, bonito, campeão. (...) Passat Surf. Um carro para as pessoas de espírito jovem. Como você”. (VEJA, 505, maio/1978: 43) Ser jovem é ser alguém evoluído, como indicou o seguinte anúncio: “Conheço essa menina de Topeka não sei de onde! Quando V. topar com uma Topeka, atenção. Há

sempre alguém pra lá de pra frente dentro dela”. (VEJA, 113, novembro/1970: 63) A imagem chamou a atenção: uma moça loira, vestida de tomara-que-caia e jeans, com sapatos Topeka, segurando uma arma espacial, pisando em areia (como se estivesse num outro planeta), com um planeta vermelho de fundo, fazendo referências á ficção-científica. O anúncio da editora Abril publicado na revista Veja, com o título “O mundo caminha mil páginas por semana”, apresentava imagens da época, inclusive da Contracultura: Jimi Hendrix, festival de música, moda, um casal de cabeludos e sua filha, etc. E no texto destacava que “é nas páginas das revistas que essa caminhada é registrada passo a passo” e que numa “única página de revista” pode-se entender várias coisas, como “as complexas conquistas tecnológicas” ou ficar “por dentro da moda”. (VEJA, 141, maio/1971: 90-1) E, em outro anúncio, enfatizou o seu papel na compreensão da linguagem jovem: “Você sabe com quem está falando? Fale com os jovens. Você estará falando com mais da metade da população do Brasil. E essa metade pesa na balança de qualquer produto. Ponha seu produto no prato certo. Use as revistas jovens. Elas entendem o que eles dizem. E falam a mesma linguagem. Elas não espantam com rapazes cabeludos vestindo calças Lee desbotadas. Nem com moças que simplificam suas maneiras de vestir e de sentir as coisas. Nem com o ruído das motos. Tudo isso as revistas entendem. E até pensam assim. Afinal, elas são feitas por jovens também. Se você tem alguma coisa a dizer para a juventude, use revistas. Você sempre saberá com quem está falando.” (VEJA, 164, outubro/1971: 20-1)

A imagem do anúncio mostrou o rosto de um jovem, cabeludo, óculos de aro redondo, colar, olhando fixo para o leitor. Em outro anúncio a revista enfatizou sua importância nas tendências da moda, ligando diretamente as revistas e o público jovem: “A moda podia ter parado aqui. Mas não parou. E não vai parar nunca. A moda evolui constantemente, pois é reflexo dos costumes, atitudes e opiniões do momento. Por isso, é uma história sem fim. Alguns dos heróis dessa história, como Courrèges, Cardian, Dior, Denner ou Mary Quant, são nomes que dispensam apresentações. Dispensam agora – porque foram apresentados pelas revistas. Eles e suas máxis, mínis, pantalonas, shorts, hot pants. Mas as novidades continuam surgindo. A todo momento. E as revistas continuam escrevendo a história da moda. Quebrando tabus. Abrindo caminhos. E até reproduzindo a moda de outras épocas. Para que voe possa encontrar nas revistas de hoje a moda que você estará vestindo amanhã. (VEJA, 150, julho/1971: 82-3)

A imagem mostrava um casal antigo com roupas antigas. A moda era jovem. Uma feira de moda anunciou assim o evento: “Você não vai à Fenit deste ano. Sabe por quê? A Nova Fenit é exclusivamente para comerciantes e industriais. Por isso v. não vai à Fenit. Mas nem por isso v. vai ficar triste, não? Afinal, foi por v. mesmo que a Fenit mudou. A Nova Fenit, como as feiras internacionais, vai reunir todas as pessoas que fazem a moda. Elas vão ver, discutir, programar uma moda mais bonita pra v. (...) Em setembro, as ruas, as lojas e v. vão estar mais bonitas. Porque a nova moda da Fenit será novíssima, diferente. A esta altura, v. já deve estar com um sorrisinho no canto da boca. Conserve esse sorrisinho até setembro, para assistir à explosão de elegância que vai haver nas lojas. Ele vai virar um sorrisão.” (VEJA, 144, junho/1971: 39)

A imagem destacava o desenho de uma jovem com ar de hippie triste, com um diabinho rindo no seu ouvido. Embaixo do anúncio, desenho de vários participantes da Fenit, além de um anjinho rindo. Até a utilização de referenciais artísticos a imagem de juventude foi utilizada: “Ponha uma escultura no seu banheiro. O Conjunto Ipanema é feito por homens que amam trabalhar com as mãos. Cada peça que sai dos fornos da Deca, foi antes esculpida por verdadeiros artistas, por gente com uma imensa cultura sobre obras de arte. Eles entendem de decoração. Eles saem que você não quer ter em casa apenas um banheiro convencional. É por isso que eles põem muito amor em cada peça do Conjunto Ipanema.” (VEJA, 158, setembro/1971: 66)

A imagem do anúncio destacou um jovem barbudo, de camiseta com listras verticais azuis e brancas, colar, faixa na cabeça, avental, calça vermelha, sandália tipo franciscana, como se fosse um artista esculpindo (material para esculpir nas mãos). Jovens, Mas não Tanto Muitas empresas pouco ligadas à juventude também iriam buscar nos “ideais jovens” a inspiração para seus anúncios, procurando, logicamente, uma identificação com este segmento do público e também com a preocupação de ter uma imagem positiva junto ao resto do público de um modo geral – e ser jovem carregava tal imagem. Eis uma das estratégias da reversão de valores realizadas pela publicidade brasileira na época: a juventude justificando e dando valor ao mais tradicional, mesmo que este nada tenha de jovial. Em outras palavras, a valorização da condição de jovem, adolescente em particular, foi apropriada por empresas que raramente seriam vistas como tal, conforme podemos perceber no anúncio a seguir: “Lucas, o sonhador. Como um adolescente, Joseph Lucas era um sonhador. Sonhava com as mesmas coisas que todos nós sonhamos na nossa juventude: consertar o mundo, ajudar o progresso, contribuir para o desenvolvimento. Enfim, para uma existência mais feliz e alegre. E aos poucos Joseph Lucas foi conseguindo realizar parte desse sonho. (centro industrial). Assim, hoje, esse mesmo processo continua avançando cada vez mais o progresso e o desenvolvimento do nosso século, melhorando um pouco o mundo em que vivemos. Partindo sempre, de sonhos adolescentes como o de Joseph Lucas.” (VEJA, 177, janeiro/1972: 7)

A idéia de juventude foi utilizada pelo Grupo Mongeral, dos servidores do estado, anunciando seu Plano de Aposentadoria Programada, com o título “Ainda vão acabar descobrindo a pílula da eterna juventude”, com a imagem de um idoso rodeado de jovens numa mesa de um clube, destacando no texto: “Acreditamos que, num belo dia, o homem conseguirá prolongar os verdes anos da juventude. Esse dia, porém, ainda vai tardar. (...) Enquanto não descobrem a pílula, ou outra forma de viver

mais tempo, estaremos empenhados num trabalho emocionante: fazer a velhice se sentir mais jovem.” (VEJA, 334, janeiro/1975: 27)

O conglomerado de negócios Montreal anunciou seus serviços utilizando a imagem do um jovem moderno conversando com um homem de negócios: cabelos longos, costeletas e uma roupa moderna. (VEJA, 8, outubro/1968: 5) A ênfase da imagem foi mostrar que o jovem é quem estava comandando o diálogo, não o homem de negócios. O futuro também era da juventude, conforme o texto abaixo, valorizando a imagem hippie (ao apresentar uma imagem de um jovem casal com rostos pintados): “Sul América New Look. Nós acreditamos nos jovens. Eles é que vão dirigir nossa empresa num futuro muito breve. E precisam estar em condições de assumir seu lugar, continuando o trabalho bem feito das gerações que os antecederam. É por isso que investimos nos jovens, pagando 80% do custo dos estudos colegiais ou universitários de nossos funcionários, dentro de um plano especial de renovação de valores e atualização profissional. É a nova face da Sul América sendo formada.” (VEJA, 344, abril/1975: 67)

Anúncio da Bamerindus utilizou uma fotografia colorida com vários jovens felizes correndo, com o título: “Vá em frente. 1976 vai ser o que a gente for capaz de crer, ousar e criar”. (VEJA, 382, dezembro/1975: 12-3) O Banco do Brasil também se aproveitou da imagem de juventude em seus anúncios: “A juventude do Banco do Brasil. No Banco do Brasil as gerações se confundem. E se entendem. Dos quatorze aos sessenta anos, a mesma eficiência e o mesmo fôlego. E a mesma juventude. No Banco do Brasil o diálogo não depende da idade. E de função. A sugestão é livre. E a solução é aberta.” (VEJA, 260, agosto/1973: 109)

A imagem apresentada era de jovens e adultos, sorrindo, juntos. Com a apresentação da imagem do perfil de uma moça, com a mão toda colorida colocando o dedão no queixo e o indicador na altura dos olhos, a Petrobrás também utilizava a juventude como chamariz para seu anúncio: “Petróleo em tudo. Em quase todas as coisas do mundo de hoje, o petróleo está presente. Petróleo é comunicação. Ele é a tinta que faz o colorido das revistas e manchetes dos jornais. Está na eletrônica, nos painéis e nos botões de controle. Em todos os equipamentos que fazem o som e a imagem do nosso tempo. A comunicação é importante. E petróleo, no Brasil, é com a gente.” (VEJA, 166, novembro/1951: 65)

Um anúncio dos Correios também enfatizou a juventude, apresentando a imagem de um jovem surfista sorrindo e o chamado “Eu faço surf, ando de skate, toco violão, paquero. E pra descansar a cabeça, coleciono selos”. (VEJA, 451, abril/1977: 69) A Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo também utilizava da imagem jovem para incentivar o uso do açúcar, desejando, “com

açúcar e com afeto que V. descubra no natal e ano novo... que a felicidade também é doce.” (VEJA, 16, dezembro/1968: 37) A imagem utilizada é bem significativa: uma linda jovem loira com um pirulito oval colorido na boca, cercada de vários pirulitos ovais coloridos. Uma referência à infância, efetivamente, mas também ligada às cores psicodélicas e aos jovens. A Shell sempre procurou reforçar sua imagem junto à juventude, como podemos observar no anúncio “O dia em que a Terra parou”, homenageando a ida do homem à lua, destacando que “paramos todos quando lenta e cuidadosamente a bota do Homem tocava o solo lunar” e a Shell também parou, pois uma “empresa jovem não pode ser fria”. (VEJA, 47, julho/1969: 55) Com um fundo preto, o anúncio “A face oculta da Shell” destacou que o público não sabe que a empresa “pesquisa produtos para os foguetes e os módulos partirem para suas conquistas”, mas que “você conhece a Shell que acredita na ciência, na juventude e no ano 2001”. (VEJA, 50, agosto/1969: 51) A Shell continuou produzindo sua identificação com a juventude não apenas na venda de seus produtos e das suas ações, como no seu anúncio para a admissão de estagiários. Com o título “Você vai ler em breve anúncios como este”, tendo a imagem de um jovem estudando encostado num degrau, o texto indicou que a “Shell procura jovens dinâmicos, com capacidade de liderança, para se tornarem executivos e virem a ocupar importantes cargos de direção na empresa” e que “os jovens que forem admitidos estão abertos aos cargos de direção na empresa, inclusive a presidência”. Encerrando o texto, a empresa destacou que “é uma boa notícia para você que é jovem e deseja um cargo de futuro nessa empresa que também é jovem e cheia de fé em nosso país”. (VEJA, 306, julho/1974: 16) Como veremos mais adiante, a Shell iria contratar os Mutantes para sua campanha publicitária – e para tentar estabelecer uma imagem jovem, que foi sua estratégia publicitária na virada das décadas de 60 e 70. A empresa e os publicitários que a tinham como cliente preocuparam-se também com o público infanto-juvenil, pois foi nos postos da Shell, em parceria com a EBAL (Editora Brasil-América), que as histórias em quadrinhos da Marvel Comics chegaram e foram distribuídas no Brasil – quem abastecia no posto Shell ganhava uma revista dos personagens da editora norte-americana. (MOYA, 1972: 257) Até mesmo empresas tradicionais iriam buscar na imagem da juventude caminhos para seus anúncios, conforme podemos perceber com a campanha de revitalização da Rede Tupi: “A Tupi não tem idade. Dizem mesmo que as boas coisas da vida não tem idade. Nossos ouvintes têm entre 10 e 90 anos. Uns começaram a ouvir a Tupi por causa da música (estes jovens só pensem em música!) (...) A programação da Tupi é uma das coisas mais equilibradas da Terra. Mais equilibrada até que a divisão por idades do gênero humano. Ouça a Rádio Tupi, 1040. É o maior passo para você compreender que a luta de gerações tem suas tréguas.” (VEJA, 141, maio/1971: 97)

A imagem do anúncio mostrava várias pessoas, de várias idades, inclusive jovens com roupas hippie, com uma pena na cabeça, símbolo da Rádio Tupi. Mantendo o mesmo tom da campanha, a Rádio Tupi apresentou um anúncio mais específico: para a mulher. Com o título “Sintonize a sua mulher. Faça-a ligar a Tupi”, o texto destacou: “A Tupi tem tudo isso: notícias, música, esporte, comentário, mas tudo melhor. Sua mulher ouve. Ela manja tudo. Se você tem medo de estar casado com uma mulher bem informada, mande a Light cortar a força e corte você a verba pra pilhas de rádio. Se você quer uma mulher à sua altura, faça-a ouvir a Tupi. Pelo menos vocês terão o que conversar.” (VEJA, 142, maio/1971: 64)

A imagem era da parte de cima de uma mulher com cabelos compridos, com uma faixa de pano na cabeça e a pena do logotipo da Tupi. Ainda dentro da campanha, “Melhore o seu Q.I. Sintonize a Tupi”, com a imagem de uma criança com aparelho nos ouvidos e a pena. (VEJA, 151, julho/1971: 74) E com a imagem de um jovem hippie, com faixa na cabeça e a pena, temos o título “A Rádio Tupi é exatamente como todas as emissoras de rádio gostariam de ser”, cujo um dos destaques do texto é a música: “Cuidamos a programação musical. Não tão velha que se torne reminiscente, não tão avançada que só agrade a elite. A Tupi está sempre em dia”. (VEJA, 152, agosto/1971: 76) Não era uma novidade esta abordagem, pois o grupo de Assis Chateaubriand já tentara unir a imagem de juventude à sua empresa, ou seja, os Diários Associados procuraram também conquistar a juventude. Num de seus anúncios, além de apresentar um desenho psicodélico, também destacou no título “Somos os maiores fabricantes de produtos para os olhos, ouvidos e cérebros”. (VEJA, 95, julho/1970: 65) Tanto o desenho como esta expressão iriam se tornar a marca da emissora nesse período, inclusive de seus jornais Diário da Noite e Diário de S. Paulo. (VEJA, 109. outubro/1970: 79) Aniversários Podemos notar que ocorreu um curioso fenômeno na publicidade por vários anúncios publicados pela revista Veja: várias empresas anunciaram seus aniversários reforçando não (necessariamente) a experiência da empresa, mas a sua vitalidade jovem – um típico uso da reversão de valores como já destacamos. A empresa Olivetti completou 20 anos em 1972 e também se aproveitou da sua “boa idade” em anúncio: “O que a Olivetti brasileira está fazendo é aproveitar toda sua jovem idade e pensar no futuro. Quando ela vai ser muito mais necessária do que tem sido até agora.

E quando ela vai precisar usar todo o seu preparo para crescer. E ajudar os outros a crescerem”. (VEJA, 195, maio/1972: 12) O Bamerindus também fez 20 anos em 1972 e usou da imagem jovem da época, como indica o título de seu anúncio: “Aos 20 anos, o que você faria com Cr$ 1 bilhão? O Bamerindus faz amigos”. (VEJA, 206, agosto/1972: 54) A companhia de seguros SASSE também fez aniversário em 1972 e também se utilizou da juventude em seu anúncio com o título “Num país cheio de jovens, nada melhor do que comemorar dois anos de idade”. (VEJA, 216, outubro/1972: 43) A imagem foi a de uma mão levantada fazendo o V simbolizando “paz e amor”, além, logicamente, da idade da empresa. Outra aniversariante também fez questão de enfatizar o poder da juventude: “Uma agência de propaganda criada por um garoto de 18 anos, homenageia todos os que passaram dos 30. A Santos & Santos é desta mesma geração que está virando a mesa. Uma agência tão jovem como aqueles que andam tomando as melhores decisões deste país. Só é preciso perceber o que acontece de bom por aí para se confiar em alguém com mais de 30 anos. Ou com menos. A Santos & Santos está na mesma faixa de idade desses jovens que assumiram o poder. Uma agência absolutamente de acordo com o seu tempo. Em cilindradas, tamanho de cabelo ou cor de gravata. Ele ainda tem na sua história um garoto de 18 anos que não viu cinco vezes os Dzi Croquetes, nunca fez ponto no Rick, mas gostava muito do azul: Carlos Alberto dos Santos. Ele criou uma agência que se transformou dia a dia nestes 34 anos. (...) Santos & Santos Publicidade S. A. – 34 anos mais jovem.” (VEJA, 277, dezembro/1973: 44)

O destaque ficou com a imagem utilizada: um jovem sentado, com o pé no chão, numa moto. Outra aniversariante também enfatizou a juventude como valor: “Anúncio em defesa dos beijinhos e abraços. A Ericsson do Brasil está fazendo 50 anos. Mas toda vez que passa um beijinho ou um abraço por alguns dos seus telefones ele sente o coração bater como se tivesse 15 anos. E todas as 750.000 linhas que a Ericsson instalou no Brasil inteiro, não se comparam a uma linha que liga um coração a outro. É que, amigão, estes são tempos de uma crise de entendimento para os homens. Tem guerras, têm brigas, ódios e uma série de conflitos e agressões todo dia, a toda hora. O mundo precisa de paz, de amor, de compreensão, de amizade. Um beijinho, um abraço pode não dar paz ao mundo, mas já é um pequeno passo para tirar a humanidade dessa crise de entendimento. Paz, amor e bom entendimento não é apenas um slogan para você dizer levantando o braço. É a única condição que os homens têm para continuar existindo.” (VEJA, 283, fevereiro/1974: 9)

A imagem do anúncio mostrou um jovem casal, estilo hippie, sorrindo - o rapaz de cabelos compridos, colar e flores ao redor. O Bancocidade completou 10 anos em 1975 e procurou destacar sua pouca idade (no título “Nós estamos só com 10 anos de idade. Mas temos um sócio que podia ser nosso avô”) e sua ligação com a juventude e também com a experiência ao apresentar seu sócio: “E com toda a sua juventude, o Bancocidade sente ainda muito orgulho de ter um sócio 10 vezes mais velho: o Swiis Bank Corporation, um banco com 103 anos de experiência e tradição.

Resultado: nós temos apenas 10 anos de vida, mas já temos a experiência de um avô” (VEJA, 376, novembro/1975: 92-3)

A imagem: a cabeça de um idoso, de óculos escuros, fumando cigarro de palha, numa foto em preto-e-branco. Os vários anúncios apresentados demonstram que a idéia da juventude como um valor absoluto já estava bem enraizada nas representações da publicidade brasileira, a ponto de utilizarem a estratégia de “rejuvenescer” organizações - que estão longe de serem representantes dos jovens ou de qualquer jovialidade aparente. Malhas e T-Shirts A empresa Hering, cujo slogan “a malha jovem” ligava diretamente seu nome à juventude, também trabalhava com estas representações: em 1974 lançou suas malhas com expressões tipicamente jovens, como “Não tem grilo” ou “Qual é a transa?”, afirmando seu papel de divulgador desta juventude: “Leia, na malhas Hering, o que pensa a juventude brasileira”. (POP, outubro/1974: 33) O texto deste anúncio é bastante expressivo: “A Hering começou a fazer malha com a mais séria das intenções. E continua assim até hoje. Fazendo a malha mais perfeita, mais confortável. E mais bonita também. E no seio da juventude brasileira, as malhas Hering mostraram a sua mais nova qualidade: estão se tornando um excelente meio de expressão. O que também não deixa de ser muito sério.” (POP, outubro/1974: 33)

O sucesso dos anúncios pode ser visto na premiação do out-door para as malhas Hering (“Com malhas Hering você dá o recado”), criado pela empresa Denison Propaganda S.A. (VEJA, 328, dezembro/1974, 102) E a Hering iria além: ofereceria seus serviços de estampas nas malhas para as empresas: “Ponha o nome de sua empresa num veículo que nunca sai do ar. Na hora de divulgar o nome de sua empresa ou produto, o importante é avaliar a eficiência do veículo a ser utilizado. Esse é o segredo. As camisetas Hering com fio penteado colocam à sua disposição o veículo mais eficiente que existe: a juventude brasileira. Ela não pára nunca. 24 horas por dia está presente em algum lugar, nas escolas, nas ruas, no trabalho, nos pontos de encontro e de diversão. Sempre com o nome de suas empresa no peito. Divulgando-o incessantemente, a um custo bastante baixo. E com uma eficiência bastante alta. Pense nisso e programe camisetas Hering imeditamente.” (VEJA, 501, abril/1978: 63)

A imagem do anúncio mostrava quatro jovens num balcão de bar ou lanchonete, com estampas de empresas e produtos nas camisetas (Stella Diesel, Bradesco, Jarrão e Autolândia, este último de “Terezina”, com vários logotipos da Cofap). Utilizando a imagem de três jovens de camiseta com empresas estampadas (Banespa, Minalba e Scania), a Hering pedia que “Anuncie o seu produto num veículo jovem”,

ou seja, nas camisetas Hering, pois “é o veículo mais inteligente que existe”, sendo “jovem, bonita e atraente”, “gostosa de usar, prática, dá liberdade total para quem usa e para quem olha”. Assim, “Pense em tudo isso quando pensar em sua propaganda” e “reserve uma parte da verba para dar camisetas Hering de brinde”. (VEJA, 449, abril/1977: 56) E algumas empresas não perderam tempo e colocaram seus nomes nas malhas. A moda de T-shirts estimulou um anúncio dos Tubos e Conexões Tigre, que afirmou que “foram muito importantes na vida de muitos cosméticos, refrigerantes e T-shirts que estão circulando por aí”, com a imagem de uma bela jovem, fazendo uma expressão sensual, tomando um refrigerante de canudinhos, com um t-shirts com estampa da marca da empresa. (VEJA, 325, novembro/1974: 119) O Banco Bradesco também utilizou da t-shirs com estampa, apresentando uma bela modelo, de suspensórios, mas com a camiseta estampada o logotipo do Bradesco, em anúncios em preto-e-branco (VEJA, 392, março/1976, 53) e colorido (VEJA, 393, março/1976: 99) E também anunciou num t-shirts o Fundo Bradesco 157 com outra modelo (VEJA, 405, junho/1976: 31), que voltaria no anúncio do banco pedindo que a declaração de imposto de renda seja feita nesta instituição bancária. (VEJA, 414, agosto/1976: 37) A bateria Saturnina também, colocando uma linda modelo apenas de camiseta (puxando-a para esconder a pélvis nua) com a estampa da empresa, destacando que “Uma boa bateria é que nem uma boa mulher: dificilmente a gente troca”. (VEJA, 413, agosto/1976: 40) Como podemos perceber o mercado jovem não poderia ser preterido de forma alguma, tanto na forma quanto no conteúdo. Choque de Gerações Como já discutimos anteriormente, uma das características mais marcantes da Contracultura das décadas de 60 e 70 foi justamente o fato de apresentar uma forte idéia de choque de gerações, com total valorização da geração mais jovem, a nova geração - tema também explorado pela publicidade brasileira. A Editora Brasiliense anunciou um interessante concurso. A lógica era que fosse lido o livro Cleo e Daniel, de Roberto Freire, para deixar “aparecer o crítico e ensaísta que existe em você. Faça um análise do livro sob o aspecto conflito de gerações que é uma das constantes na história de Cleo e Daniel. Conte como você vê o problema, proponha alternativas para Cleo, explique Daniel, sugira soluções para os dois. Seu ensaio poderá ser aproveitado na realização do roteiro para o filme Cleo e Daniel.” (VEJA, 43, julho/1969: 59)

O anúncio também foi publicado nas duas edições posteriores da revista.

O cabeludo jogador de tênis brasileiro Thomas Koch foi garoto-propaganda da empresa General Motors, do carro Caravan, com o título “Vocês tem coragem de publicar o que eu penso do Chevrolet?” O texto apresentou a visão do jogador do carro, mas uma parte do texto o relacionou com a juventude da época: “A opinião de Thomas Koch é a opinião de um rapaz preocupado com a violência nas grandes cidades, a poluição do ar, a destruição da natureza e mais uma série de assuntos que afligem a sua geração”. (VEJA, 348, maio/1975: 123) Tomas Koch e “a sua geração” provavelmente atribuiria aos produtores do Caravan a responsabilidade pela “violência nas grandes cidades”, pela “poluição do ar, a destruição da natureza”, entre os assuntos, provavelmente por eles serem de uma geração mais velha e menos preocupada com tais questões. A reversão de valores colocou a General Motors ao lado da juventude preocupada com os destinos do mundo. Com uma fotografia colorida mostrando vários jovens e dois idosos, a Pirelli anunciou a “nova geração de pneus”: “Numa rodada pra frente, a Pirelli lançou de uma só vez toda uma geração de pneus de passeio: (...) Projetada por computadores para vencer o clima e as condições de nossas estradas, essa nova geração chegou para tornar mais feliz todas as gerações de automobilistas. Rode para o presente com os modernos, confortáveis, silenciosos e esportivos pneus da nova geração. Pirelli é o melhor da roda, porque Pirelli é mais pneu.” (VEJA, 380, dezembro/1975: 76-7) O slogan deste anúncio foi Pirelli – Uma rodada pra frente. A idéia de nova geração continuou na campanha da Pirelli, com o título “A nova geração chegou e venceu”, já utilizando o slogan clássico da empresa, “Pirelli é mais pneu.” (VEJA, 405, junho/1976: 72-3)

O choque de gerações foi utilizado no anúncio do barbeador Philishave Super90. O anúncio utilizou-se da parte de baixo de duas páginas: uma parte com a fotografia de um jovem cabeludo e com roupas estilo hippie; a outra parte com a fotografia de uma bela jovem; ambos estavam olhando o aparelho nas mãos; ambas as imagens ganharam o mesmo título, “Dê um presente ao seu pai, mesmo que ele esteja em outra”; mas cada parte recebeu um texto diferente. O do rapaz: “Seu pai não entende você, por que você não tenta entendê-lo? Talvez assim vocês dois possam se entender melhor. Isso não significa que vocês precisem concordar em tudo. Por exemplo, você usa cabelos compridos. Já o seu pai precisa de alguma coisa que faça a barba sem ele sair machucado. Barbeador Philishave Super-90 (...).” (VEJA, 203, julho/1972: 80)

O da moça: “Certamente o seu pai implica com o cabeludo que você está namorando. Certamente o seu pai implica com as roupas que você está usando. Certamente ele vai começar a implicar menos se todo dia de manhã ele se lembrar de você. Porque você não esqueceu que ele pode se machucar

fazendo a barba. Certamente seu pai vai implicar menos ainda se ele não se machucar nem um pouquinho. Barbeador Philishave Super -90 (...)” (VEJA, 203, julho/1972: 81)

Os textos mostraram que ambos, tanto o rapaz quanto a moça, valorizavam as diferenças de geração. O Dia dos Pais renderiam vários anúncios, como o dos chinelos Franciscano, com o texto indicando que “Franciscano, uma idéia jovem no dia do papai.” (VEJA, 465, agosto/1977: 123), com a imagem de uma jovem hippie segurando um chinelo da marca. Apresentando a imagem de um jovem cabeludo sentado numa poltrona com um idoso de terno e gravata ao lado, sorrindo, com uma garrafa de uísque na mão, a Drury´s aproveitou-se da imagem jovem para anunciar seu produto para o dia dos pais: “No Dia dos Pais, deixe que ele tome conta da sua garrafa”. E, embaixo da página, destacou: “Seu pai vai ficar muito feliz, pois ele também sabe que quem toma conta da garrafa de Drury´s é o dono da festa”. (VEJA, 308, julho/1974: 39) A referência ao choque de gerações foi bem apresentada neste anúncio: afinal de conta, quem é o “dono da festa”, os jovens ou os adultos? Com a imagem de um jovem alto apontando o dedo indicador para um homem de terno e gravada borboleta, a Cofap enfatizaria a predominância da juventude, embora o texto não trabalhasse diretamente sobre isso, conforme indicou o título do anúncio: “Quem fabrica amortecedores num país de contrastes pode falar de cima”. (VEJA, 254, julho/1973: 97) Utilizando a imagem de uma batida de veículos, com um idoso discutindo com um hippie, a Touring Club do Brasil anunciou os seus serviços, com o título “Seja sócio do Touring. Para começo, meio e fim de conversa”. (VEJA, 240, abril/1973: 59). E o texto abre com “Não discuta” – referência direta às dificuldades de comunicação de uma geração com a outra. A Esso, já sentindo o “fantasma” da Crise do Petróleo, realizou uma campanha para que os consumidores poupassem gasolina e, para tal, utilizou-se do choque de gerações. Seu anúncio com o título “Às vezes poupar gasolina pode trazer de volta valores esquecidos” apresentou uma fotografia colorida de um homem maduro conversando com um rapaz cabeludo e com camiseta com estampa, escrito embaixo “Tente dar os primeiros passos. Converse com seu filho”, com o texto: “Parece que com o tempo você esqueceu muita coisa. Falar, ouvir, sentir. Lembra quantas palavras você trocou com seu filho esta semana? Nos últimos meses? E você sabe como é essa idade. Acontece tanta coisa, que a gente tem assunto que não acaba mais. Agora que você vai precisar poupar gasolina, tente dar os primeiros passos.” (VEJA, 308, julho/1974: 9)

A “conciliação” entre as gerações que foi pedida neste anúncio era significativa: para conservar (no caso, poupar gasolina) é preciso do diálogo, diálogo este difícil pelas circunstâncias geracionais. O anúncio mostrou a existência do problema do conflito de gerações e também a saída para tal com a iniciativa do pai, o mais consciente, já que a instabilidade do

filho (“E você sabe como é essa idade”) é mais difícil de ser trabalhada. A reversão de valores foi bem sutil neste caso. Contestação à Contestação O discurso do poder, em seu confronto com o discurso do contra-poder, também trabalhava com o Imaginário da Eterna Juventude. Ainda em 1968, quando este imaginário tornava-se mais intenso no Brasil, algumas agências já trabalhavam com suas representações - e procuravam decretar o seu fim. A empresa Safra, que trabalhava com letras de câmbio, foi anunciada de uma maneira interessante: num primeiro anúncio temos a imagem, com tonalidades negras e sombreadas, de um jovem de rosto triste, com bottons trazendo mensagens hippies na sua roupa (o símbolo da paz, “I´m Hippie”, “Make Love Not Money”, entre outros) e com a mensagem “Pense no futuro do seu filho.É provável que ele próprio nunca pense”. (REALIDADE, setembro/1968: 54) Em variações menores, encontramos o mesmo anúncio enfatizando o “Compre Letras de Câmbio Safra”. (VEJA, outubro/1968: 64) A idéia de que este estilo de vida jovem não tem futuro - pois o próprio jovem não pensa nele – futuro este garantido apenas caso os pais comprem as tais letras de câmbio, demonstra os receios da sociedade brasileira da opção por uma juventude eterna. E os valores da típica família são ressaltados na segunda versão do anúncio, que complementa o primeiro: a imagem agora, com tons menos negros e sombreados, é de uma família sorridente, com a mensagem: “Tudo vai bem com você? Ótimo, então compre Letras de Câmbio Safra”. (VEJA, novembro/1968: 3) O discurso do poder (fique com a tradição da família e não nas “loucuras” e irresponsabilidades da juventude) fica explícito nesta campanha. O machismo, conceito que a Contracultura como um todo sempre procurou atacar, ainda tinha força na publicidade brasileira, mas não dispensava os ideais mais jovens, conforme nos mostra o anúncio do café Cacique, com o título “Você depende de sua mulher até para fazer um cafezinho?”, cuja imagem mostra um homem com roupa infantil de marinheiro: “Liberte-se da especialização feminina em matéria de cafezinho. Com Cacique-Solúvel, todo homem é competente para fazer seu próprio café. A receita da rebeldia é fácil: uma colherinha numa xícara de água fervendo. E essa rebeldia facilita a vida de sua mulher, dispensa coador, não entope a pia, não suja as mãos, nem suja as panelas. Se ela resistir, o motivo é psicológico: ela quer mantê-lo escravo da especialização feminina. Use então sua autoridade de homem. Ordene. Você tem direito de mandar em sua casa. Ou não tem? Quando cessa a força do direito, começa o direito da força. Aí, machão!” (VEJA, 76, fevereiro/1970: 11)

E termina com uma clara referência do novo: “Cacique Solúvel – o café mais jovem do Brasil”.

O tema do novo sobre o velho foi abordado no anúncio do café CaciqueSolúvel, mostrando um homem com roupas típicas dos séculos XVIII e XIX, com o título de “Os reacionários detestam idéias novas”: “Há pessoas que conservam hábitos antiquados por preguiça de adotar um hábito novo mais conveniente. Se você não é uma dessas pessoas, se não é um reacionário perdido para a causa da modernização dos hábitos de consumo, ótimo. É com você mesmo que este anúncio quer falar. (...) Mude para Cacique-Solúvel. Não se renda ao preconceito. Não se acomode às marcas conhecidas, nem ceda aos hábitos do passado. Busque o novo. Descubra o novo. Prove o novo.” (VEJA, 77, fevereiro/1970: 7)

E manteve seu slogan: “Cacique Solúvel – o café mais jovem do Brasil”. O uso de belas jovens com roupas da moda, estilo hippie, era comum e num anúncio da City Bank, que mostrava a imagem em preto-e-branco de uma bela jovem de cabelos compridos, percebemos, no texto, a visão de “perigo” que tal imagem representaria: “Após 15 minutos na frente de uma tela, muita gente talvez tenha dado um mau passo no caminho dos Incentivos: acreditar nos maravilhosos slides coloridos de algum projeto. Por isso, na hora de escolher o projeto para sua empresa, procure alguém que tenha mais do que lindas imagens para mostrar. O City Bank pode mostrar a você números, gráficos, análises. (...) E evitar que uma tentação acabe levando você pelo mau caminho.” (VEJA, 181, fevereiro/1972: 89)

A imagem pouco confiável do jovem era, eventualmente, explorada, como podemos perceber no anúncio do Banco Halles, cujo título foi “Aceite Halles Cheques sem hesitação. Ele é garantido pelo Banco Halles”, que mostra um jovem barbudo e cabeludo, de terno e gravata, que pagou sua conta na loja de roupas com o cheque da empresa e, por ser desta empresa, o local pode dispensar “seu melhor atendimento ao cliente que tiver Halles Cheque”, pois ele “tem alto poder aquisitivo, situa-se na categoria de cliente especial” e por isso “foi selecionado para possuir Halles Cheque”. (VEJA, 170, novembro/1973: 120) Até as figuras de John Lennon e Yoko Ono, na sua famosa imagem de nu frontal lançada na capa de seu álbum “Two Virgins”, foi aproveitada neste sentido – no caso pela empresa Toalhas Artex. (CLÁUDIA, junho/1971: 12) O anúncio sobre esta empresa mostrou suas toalhas cobrindo a nudez do famoso casal, mas ressaltando que se “percebe, na hora, que se trata de um casal super-avançado. Sempre pronto a lançar idéias novas. Ou um desenho totalmente inédito. Ou uma cor mais arrojada”. (CLÁUDIA, junho/1971: 12) Mesmo assim, o discurso do poder faz-se presente, pois “Somente em duas coisas este casal faz questão de manter a tradição. Os padrões têm que ser impecáveis. As cores da toalha dele têm que combinar perfeitamente com as cores da toalha dela.” E, terminando, destaca que tal tradição “acontece com todos os casais da nova coleção Artex Ela & Ele”. (CLÁUDIA, junho/1971: 12)

Não importa o quão “super-avançado” seja o casal (e, no caso, um casal símbolo da juventude da sua época) – a tradição sempre irá prevalecer. Tal imagem seria reforçada em outro anúncio, desta vez da Topeka, também utilizando a famosa capa: “Conheço esses dois de Topeka não sei de onde! Quando V. topar com uma Topeka, atenção. Há sempre alguém pra lá de pra frente dentro dela”. (VEJA, 121, dezembro/1970: 75) A imagem é reveladora: um casal de costas, como a capa do disco de John e Yoko, mas vestidos com os jeans Topeka. O estranhamento do jovem no mundo foi rapidamente insinuado no anúncio das lojas Arrendamento, com o título “Quando você achar que neste mundo não há mais lugar para você, lembre-se que ainda existe Arredamento”. Apresentando um casal de jovens numa fotografia em tons escuros e com muitas sombras, o texto afirmou que as “lojas Arrendamento estão abertas para provar que nem tudo está perdido” e que lá “existe bom gosto, simplicidade e muito calor humano”. As lojas não fazem grande sucesso com os novos-ricos, informa o texto, e, na verdade, à medida que os que “nem ricos são” vão descobrindo os preços baixos da loja, “vão descobrindo que mesmo neste mundo grandão e feio, ainda existe chance de viver com honra e bom gosto”. (VEJA, 298, maio/1974: 57) “Viver com honra e bom gosto” passava, necessariamente, pela exclusão da imagem de Contracultura e pela refinação da imagem de juventude – a estratégia deste anúncio deixou clara a visão da maior parte da publicidade brasileira da época.

Referências Bibliográficas - CALADO, Carlos. Tropicália – a História de uma Revolução Musical. São Paulo: Ed. 34, 1997; - CLAÚDIA. São Paulo: Abril Cultural, V/edições; - DIAS, Lucy. Anos 70: Enquanto Corria a Barca. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003; - FRÓES, Marcelo. Jovem Guarda: em Ritmo de Aventura. São Paulo: Ed. 34, 2000; - GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas - a Esquerda Brasileira: das Ilusões Pedidas à Luta Armada. 3ª ed., São Paulo: Ática, 1987; - MOYA, Álvaro de. Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1972; - POP. São Paulo: Abril Cultural, V/edições; - REALIDADE. São Paulo: Abril Cultural, V/edições; - TUCHMAN, Barbara W. A Marcha da Insensatez – de Tróia ao Vietnã. 2ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1986; - VEJA. São Paulo: Abril Cultural, V/edições.

Capítulo 4 – O Imaginário da Luta contra o “Sistema” Origens A Contracultura, apesar de todas as suas indefinições, chegou a ter um número de membros bastante razoável, mas nunca deixou de ser um movimento de minorias, mais especificamente de jovens universitários que, nos Estados Unidos, estavam isentos do serviço militar e que pouco podiam efetivamente fazer para aumentar o número de críticos à guerra. Até pelo contrário: seu comportamento de vida chocava-se diretamente contra os valores da maioria da população norte-americana. Mesmo assim, a imagem de jovens com roupas coloridas colocando flores na ponta das armas foi uma das mais poderosas do século XX. Não bastava criticar o sistema – era necessário criar novas formas de vida e de organização. Assim, foram sendo desenvolvidas várias idéias e práticas para uma vivência alternativa, ou seja, fora dos padrões da cultura oficial. A inovação no vestuário foi um das primeiras formas de apresentação de novos valores: os cabelos masculinos ficaram compridos; as roupas mais coloridas; a sexualidade menos reprimida (a famosa idéia do “amor livre” modificou os valores sexuais); o rock´n´roll tornou-se a música da liberdade; a religião oriental, em particular a indiana, apresentava novas formas de sentir a espiritualidade; e a criação de comunidades alternativas, entre outras manifestações. Todas elas caracterizaram-se por apresentar alternativas ao chamado “sistema”, ou seja, a sociedade oficial e seus múltiplos reguladores políticos. Um dos primeiros grupos a perceber e criticar essa situação foi a Geração Beat. Russel Jacoby observou que os beats idolatravam culturas mais simples do povo americano, ou, na suas palavras, que celebravam a “vida cotidiana e seus prazeres” (1990: 80). Provavelmente as pessoas dessas “culturas mais simples” não se sentiriam muito à vontade com os “prazeres” dos beats (normalmente um “coquetel” envolvendo jazz, sexo e drogas). A relação que os beats encontraram entre eles próprios e este público mais simples é que ambos procuravam, a seu modo, manter ou recuperar a verdadeira cultura americana antes da perda da sua essência, ou seja, sem a “besta-fera” que manipulou as estruturas sociais para o lucro e para uma vida sem emoções. O escritor e jornalista Norman Mailer também mostraria como enfrentar o “sistema” no seu ensaio “The White Negro”, onde ele destacou a figura do hipster (aquele que “está por dentro das coisas”, que experimenta tudo e vive no limite, figura que influenciou os beat, inclusive),

“o homem que sabe que se nossa condição coletiva é conviver com a morte imediata pela bomba atômica (...) motivo por que então a única resposta vivificante é aceitar as condições da morte, viver com a morte como perigo imediato, divorciar-se da sociedade, existir sem raízes, partir nessa viagem desconhecida para os imperativos rebeldes do próprio eu.” (MAILER apud CAMPBELL, 2000: 270-1)

E, para tal vida, o exemplo seria justamente uma das figuras mais desprezadas e oprimidas da vida norte-americana, o negro, pois, para este, os “camafeus da segurança para a média dos brancos: mãe e lar, emprego e família, não são nem mesmo um simulacro para milhões de negros; são coisas impossíveis”. (MAILER apud CAMPBELL, 2000: 271) Assim, os negros foram obrigados a criar uma série infinita de estratégias para enfrentar a sociedade (esperteza, liberdade sexual, atitudes fora dos padrões, etc.), ou seja, o “sistema”. (Nota: Uma consideração é necessária: fica claro que Mailer não considerou o problema da escolha de vida das figuras que ele comenta. O hipster, normalmente, pode escolher tal caminho, algo que os negros não necessariamente puderam fazer, ou seja, as estratégias criadas por eles são maneiras de sobrevivência e não, necessariamente, de contestação à sociedade. Nas palavras de James Campbell, “o hipster se recusava a aceitar a sociedade convencional: o negro era recusado pela sociedade”. (2000: 272) Uma distinção que não poderia ser desprezada, mas o foi quase o tempo todo pela Contracultura.) Como podemos perceber a representação de um “sistema”, ou “establishment”, que passava por cima dos homens, ganhou conotações dramáticas com os beats e Norman Mailer. Os frankfurtianos, em particular Jürgen Habermas e Herbert Marcuse, dariam o nome de tecnocracia. Assim, uma das representações que a Contracultura combatia era a tecnocracia, pois não importava se o regime fosse capitalista ou comunista (a divisão por excelência da Guerra Fria): a ordem tecnocrática era a mesma nas duas formas de governo. Para Theodore Roszak, tecnocracia é “a forma social na qual uma sociedade industrial atinge o ápice de sua integração organizacional. É o ideal que geralmente as pessoas têm em mente quando falam de modernização, racionalização, planejamento. Com base em imperativos incontestáveis como a procura de eficiência, a segurança social, a coordenação em grande escala de homens e recursos, níveis cada vez maiores de opulência e manifestações crescentes de força humana coletiva, a tecnocracia age no sentido de eliminar as brechas e fissuras anacrônicas da sociedade industrial. (...) A política, a educação, o lazer, o entretenimento, a cultura como um todo, os impulsos inconscientes e até mesmo, como veremos, o protesto contra a tecnocracia - tudo se torna objeto de exame de manipulação puramente técnicos.” (1972: 19)

Herbert Marcuse seria o grande teórico desta linha, pois o pensador alemão propunha que, já que as classes trabalhadoras dos países desenvolvidos estavam satisfeitas com a prosperidade econômica e com a segurança da orientação tecnocrática, restava às minorias o papel de lutar pela revolução, ou seja, negros, pobres, grupos radicais de países

subdesenvolvidos e, principalmente, estudantes – a chamada Grande Recusa. (KONDER, 2002: 92) A Grande Recusa não estava baseada na falta, mas sim no excesso, na afluência da sociedade industrial que a rebeldia iria se pautar, como bem observou Marcuse. De acordo com Leandro Konder, “Marcuse observou que a única igualdade que a sociedade afluente oferecia aos indivíduos atomizados pela concorrência generalizada era uma igualdade abstrata, que se realizava como desigualdade completa: a dos consumidores. Constituía-se uma paisagem humana de indivíduos que moravam engavetados em prédios de apartamentos, possuíam carros novos, com os quais suportavam terríveis engarrafamentos para ir a lugares parecidos com os locais onde viviam e trabalhavam. Esses indivíduos tinham em casa geladeiras e freezers abarrotados de comidas enlatadas, liam os mesmos jornais e revistas, viam os mesmos filmes, ouviam as mesmas músicas, orgulhavam-se da singularidade de suas personalidades e no entanto cada vez mais se assemelhavam uns aos outros.” (2002: 90)

A revolução comportamental era uma maneira de se combater a tecnocracia, ou seja, impor o chamado “Princípio do Prazer” contra o “Princípio da Realidade”, dinamitando a sociedade tecnocrática naquilo que lhe era mais importante, ou seja, na sua capacidade de reprodução e de manter o ordenamento técnico. (MARCUSE, 1968: 33-40) O chamado “underground” começou a ser criado nos mais variados locais do mundo, grande parte dele estimulado por críticas ao “sistema” (não necessariamente muito profundas), pela música (rock´n´roll de um modo geral) e pelo consumo de drogas. San Francisco, Londres, Praga ou Rio de Janeiro – praticamente todos os centros mais importantes formaram sua “cultura underground”. Quando os grandes centros tornaram-se mais hostis a tal cultura, muitos grupos começaram a procurar o interior para montar suas comunidades alternativas. Portanto existia um clima de revolução na Contracultura – mas uma revolução mais profunda, muitas vezes psicológica, mas que também se confundia com o social e a política. Eram os novos valores, os valores da juventude, que iriam “revolucionar” o mundo – valores estes nem sempre claramente definidos, como vimos. O importante era não se conformar com velhos valores. A relação entre juventude e revolução ficou evidente no anúncio de uma empresa de processamento de dados: “A juventude acelera o processo. Nome da empresa: SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados. Objetivo: criação de idéias; implantação de novos métodos e processos de administração; assessoramento técnico; tratamento de informação; processamento de dados. Isso, em outras palavras, quer dizer: revolução de métodos.” (VEJA, 155, agosto/1971: 31)

A imagem do anúncio consistia numa carteira do Serviço Federal de Processamento de Dados, com a foto de um rapaz barbudo. O não-conformismo também era utilizado pela publicidade brasileira. A loja Renner e a Tergal criaram uma coleção que uniu carros (chamada de Fórmula R) e cultura jovem: “Você não merece roupas comuns. Os dias que vivemos são apenas para os homens corajosos. Você não pode esconder o seu atrevimento. Mostre-o em sua roupa, agora, já. Fórmula R aí está para você enfrentar o mundo com toda a energia de sua personalidade. Fórmula R é a atualização da roupa do homem brasileiro. Traz a criatividade de Carnaby Street, a masculinidade de Mastroianni, a ousadia dos Beatles, a austeridade de Saville Row numa fórmula exclusiva da Renner.” (VEJA, 38, maio/1969: 67)

O mundo está se movimentando e o jovem “descolado” tem de acompanhá-lo, conforme podemos perceber no texto do anúncio a seguir: “As coisas estão acontecendo. Você precisa de estar por dentro do embalo de café. Comece dando uma de bom moço. Para não assustar a turma. Dê sorvete de café. Ou refresco de café. Depois surpreenda a moçada. Sirva um café bem mais ‘quente’. Ponha conhaque no café. Ponha vodca no café. Ou então faça um coquetel com tudo que você quiser. Mas acrescente café. Você vai fundir a cuca tentando imaginar o que se pode fazer com um tranqüilo café. Mas se o que a turma está querendo mesmo é um bom estimulante, então dê um cafezinho feito na hora. Nem tudo que é bom é proibido. Café-society, 1969.” (VEJA, 39, junho/1969: 25)

O detalhe no final do texto, “Nem tudo que é bom é proibido”, indica que a prática das proibições, típico comportamento mais conservador, era discutida nas agências de publicidade e, aqui, a idéia foi muito bem utilizada – na lógica mais primária da Contracultura tudo o que é proibido acaba sendo bom (discurso utilizado para justificar o uso de drogas, por exemplo) e, neste anúncio, foi feita uma reversão de valores relativamente bem elaborada. O próprio “sistema” também era colocado nos anúncios. A empresa de publicidade Aroldo Araújo Propaganda Ltda destacou justamente o valor da “engrenagem”, utilizando um desenho com um homem no meio de muitos braços, cada um com uma atividade. Com o título “Hoje é dia do homem que vive no meio dessa engrenagem”, o texto destacou: “Há uma grande engrenagem que, quando se movimenta, é capaz de movimentar até um país. Suas peças básicas são Cliente, Agência e Veículo. (...) Pois bem: para que essa engrenagem funcione bem, existe uma pequena peça chamada Contato. Essa pequena peça trabalha junto às peças Cliente e Agência, que assim podem girar livremente. Cada qual na sua direção mas com uma só finalidade: progresso e desenvolvimento entre si e para todo o País. Hoje é o dia dessa peça. Dia do Contato. A ele, o agradecimento de toda a engrenagem.” (VEJA, 163, outubro/1971: 90)

A imagem do “sistema” agindo na sociedade foi utilizada e, no texto do anúncio a seguir, a resposta para enfrentá-lo era a imaginação:

“A sociedade industrial, como sempre a conhecemos, começa a morrer nesta década. A máquina já não é a grande novidade e o homem vai sendo redescoberto. O empresário de sucesso dos anos setenta será aquele que comprar os melhores homens, mais do que as melhores máquinas, para planejar sua produção, controlar sua produção, escoar sua produção. (...) E estes homens estão concentrados nas empresas de prestação de serviços – a solução racional para que todos se utilizem dos melhores profissionais de cada setor, dividindo os custos. Nessa década, a imaginação será mais importante do que a mecanização.” (VEJA, 78, março/1970: 64-5)

A imagem apresentava vários carros jogados num ferro-velho. O anúncio não era uma crítica ao “sistema”, mas a utilização deste conceito contracultural para mostrar a mudança, com “imaginação”, desta empresa - que quer sair do “sistema” sem, efetivamente, sair do “sistema”. O ordenamento técnico continuaria, mas com “imaginação” – o problema para a Contracultura era o ordenamento, não sua forma. O anúncio sugeriu uma mudança formal e não estrutural – reverteu-se, outra vez, o imaginário da contestação ao “sistema” para a aceitação da organização. E a Guerra do Vietnã seria o grande exemplo do ordenamento técnico (cuja imagem do “sistema” atuando injustamente foi tão característica) criticado pela Contracultura.

Guerra do Vietnã e Guerrilhas

A Guerra do Vietnã é fruto direto da Guerra Fria - a Contracultura também seria um dos frutos deste mesmo evento? Em muitos sentidos a resposta é positiva, pois a Contracultura buscava representações alternativas ao moralismo comportamental das sociedades industriais e, por assim dizer, buscava também alternativas aos radicalismos maniqueístas da Guerra Fria, apresentando novas representações. A Guerra do Vietnã era um dos resultados da lógica da Guerra Fria, mas uma parte expressiva da sua contestação pertencia à lógica da Contracultura, que pensava a guerra como uma extensão dos poderes tecnocráticos. Não que as políticas da Guerra Fria também não influíssem nos grupos de contestação à guerra, pois muitos deles utilizariam dos acontecimentos no Vietnã para alimentar as representações típicas dos maniqueísmos da própria Guerra Fria, ou seja, utilizavam os acontecimentos para justificar sua adesão ao comunismo (colocando-se a favor do Vietnã do Norte/Vietcong e contra os Estados Unidos) ou para sua repulsa (colocandose contra o Vietnã do Norte/Vietcong e a favor dos Estados Unidos). A esquerda armada brasileira utilizaria muito da Guerra do Vietnã como inspiração para suas práticas. (BIAGI, 2003: 75) E, como vimos anteriormente, a Revista Civilização Brasileira utilizou-se desta guerra para introduzir a temática da Contracultura no Brasil. Mas a idéia de guerra (e, principalmente, de guerrilha) era uma constante na época, como podemos observar num anúncio da cadeia de lojas Le Mazelle que “declara guerra

às coisas comuns”, mostrando duas jovens usando roupas da marca Tergal e segurando metralhadoras. (MANCHETE, maio/1966: 23) A rebeldia também tinha seu espaço, como podemos observar no anúncio do uísque Scotts Bard, onde a modelo, segurando seu copo, deixa a mensagem “Estou apaixonada por um rebelde”, junto a um botton com as cores da bandeira britânica – clara referência à rebeldia inglesa da época. (MANCHETE, novembro/1968: 35) Um interessante anúncio da Telefunken toca na representação guerrilheira do momento: “De agora em diante, você assiste o programa que você quer. Quando quer. Onde quer. Sem ficar frustrado, nem forçar ninguém a ver o que não quer: Telefunken apresenta o televisor individual, que põe fim às guerrinhas domésticas. (...) É o televisor individual.” (VEJA, 1, 1968: 57)

A imagem do anúncio mostrava uma televisão com um pano branco, representando a paz, na antena, e o título é bem relacionado ao período: “O Pacificador”. Já a contrapartida da “paz”, a guerra, foi utilizada por outra empresa de aparelhos de televisão, RQ, para anunciar seu produto, a TV Mini Colorado: a imagem destaca um homem de pijama, com fuzil e capacete militar, canhão de um lado e cachorro policial do outro, mostrando que “todos têm direito de ter as suas preferências” visto que “Você nunca teve queda para ‘tirano’” e que era para proclamar “sua independência” adquirindo um Mini Colorado RQ, “comprovadamente, o único televisor portátil que tem Reserva de Qualidade”. (VEJA, 11, novembro/1968: 3) A rebeldia da música também era explorada pela publicidade brasileira – e também revertida. Rock´n´Roll Nunca política e música estiveram tão ligadas do que na virada dos anos 60 e início dos anos 70. De acordo com Roberto Muggiati, “Não se pode imaginar – nem entender – o poder jovem e os hippies sem associar ao rock, o som que cadenciou aqueles anos de luta contra o Establishment e de procura do Prazer Absoluto. No filme Woodstock, que documenta o mais famoso de todos os festivais, um repórter de TV pergunta a Mike Lang (organizador do evento) qual a principal razão daquele sucesso. ‘A música’, responde Lang. ‘Sempre existiu música’, contesta o entrevistador, ‘e nunca reuniu tanta gente assim...’ Responde Lang: ‘Mas nunca a música teve um envolvimento social como o que tem hoje.’” (1984: 100-1)

De acordo com Mikal Gilmore, jornalista da revista norte-americana Rolling Stone, “muitos historiadores insistiram na clara divisão entre a contracultura dos anos 1960 (grande parte da qual considerava o rock and roll uma força) e os elementos políticos e ativistas da época” e outros “ressaltaram que nada autenticamente insurrecional ou de efeitos

oposicionais duradouros poderia resultar de algo tão enraizado na cultura comercial como o rock and roll”. Mas a música foi um elemento essencial para a época, pois, ainda de acordo com o jornalista, “a música era uma força reunificadora”. (2010: 18) E complementando sua linha de raciocínio: “Naquele exato momento, a música atravessou comércio e teoria. Naquele exato momento, ela tinha um peso político porque havia demarcado um idioma popular, encarnava o debate nacional e tinha o poder de convencer”. (2010: 18) Lester Bangs ressalta a importância do “Rei do Rock’n’Roll”, Elvis Presley, ou melhor, da representação que ele deu à futura Contracultura: “Já se falou que ele foi o primeiro branco a cantar como um negro, o que é uma inverdade em termos factuais, mas totalmente verdadeiro em termos de impacto cultural. Mas o mais crucial é que, quando Elvis começou a rebolar seus quadris e Ed Sullivan recusou-se a mostrá-lo em seu programa, o país inteiro entrou num paroxismo de frustração sexual que levou a um descontentamento permanente, que culminou na explosão do folclore psicodélico-militante que foram os anos 60.” (2005: 121)

O rock´n´roll como uma música predominantemente contestatória era um conceito aceito pela juventude ligada à Contracultura, mas não necessariamente por toda a juventude - ou mesmo para os anunciantes. Mas este estilo musical fez a ponte, muitas vezes, dos produtos anunciados com o público jovem. Em outras palavras, a música e seus produtos correlatos (LPs, cassetes, aparelhos, etc.), assunto tipicamente jovem para a visão dos publicitários, foi bastante recorrente nos anúncios. Utilizando a imagem de jovens dançando numa pequena fotografia sendo “carregada” por uma jovem de vestido vermelho que, por sua vez, também era “carregada” pela expressão “Música Contagiante”, a Philips anunciou o seu produto: “V. se sentirá envolvido pela magia da música contagiante dos eletrofones Philips. É a fidelidade de som que o exclusivo cabeçote de cerâmica proporcional: a sensação de que a própria orquestra está a seu lado. Os eletrofones Philips são portáteis, leves e transistorizados. Philips – melhor não há!” (VEJA, 11, novembro/1968: 5)

Com a imagem de um calhambeque transportando vários ídolos pop da época, da Rádio Difusora anunciou: “Hoje, ao andar em seu carro, dê uma carona ao John Lennon, Barbra Streisand, Gal Costa, Sylvie Vartan, Nancy Sinatra, Françoise Hardy. Boa gente. E isso diz é a Varig, que dá longas caronas para eles. De qualquer parte do mundo. Já faz alguns dias que isso começou. Desde que a Rádio Difusora São Paulo colocou no ar a Jet Music 960. Agora, a programação da Difusora chega a jato. (...) A Difusora aposta que V. nunca teve tanta gente importante dentro do seu carro. V. ficará muito feliz de dar carona a eles. A Varig jura que sim.” (VEJA, 59, outubro/1969: 14)

Outro anúncio da Rádio Difusora também enfatizou os astros pop:

“Não tenha ciúmes se surpreender sua mulher dançando com Jimmy Webb. Jimmy Webb. Frank Sinatra. Bob Dylan. John Lennon. Chico Buarque. Jorge Ben. João Gilberto. É muito normal que sua mulher dance um dia com esses caras. Eles cantam e tocam dia e noite na Rádio Difusora. Especialmente para ela. E um dia você chega em casa e a surpreende muito enlevada pelos últimos sucessos do Cash Box ou Billboard. Por aquelas músicas que a Varig traz a jato para as pessoas que são ou se sentem muito jovens.” (VEJA, 120, dezembro/1970: 16)

Referências aos ídolos pop ajudavam a anunciar os produtos, pois o “aparelho da linha National 3 em 1” foi “uma das melhores coisas que aconteceram com o rádio, o tocadiscos e o gravador desde que inventaram os Beatles”. (VEJA, 285, fevereiro/1974: 72) E não apenas aos ídolos do momento, conforme podemos verificar no anúncio a seguir: “Beethoven, Alice Cooper, Frank Sinatra e os Secos & Molhados merecem coisa melhor”, dá o título do anúncio da Gradiente de seus amplificadores LAB-45 e LAB-75, enfatizando os ícones da música, inclusive no texto: “Os mil e tantos cruzeiros que um e outro custam, você vai ver que é um cachê até muito barato para ter em casa o Beethoven, o Alice Cooper, o Frank Sinatra e os Secos & Molhados, como se fosse ao vivo.” (VEJA, 335, fevereiro/1975: 65)

A inclusão de Beethoven e Frank Sinatra não foi acidental: para atrair o público mais velho começou-se a utilizar da mesma estratégia da utilizada para o público mais novo, ou seja, apresentar os artistas como ícones jovens. A imagem de juventude era forte nos anúncios sobre equipamentos sonoros. A Gradiente, para anunciar seu aparelho de som STR-1050, apresentou no título que este “é o que todo homem gostaria de ser: jovem, bonito, sensível, potente e com muita experiência”. (VEJA, 394, março/1976: 77) “A Gradiente faz som para duas pessoas. Ou mais”, texto anunciando seus equipamentos de som tanto para poucas quanto para muitas pessoas, com a utilização de duas imagens: a de cima um jovem casal num ambiente doméstico e a de baixo uma reunião de jovens, provavelmente num show ou festival. (VEJA, 193, maio/1972: 67) O anúncio da Toshiba, empresa de equipamento eletrônico e sonoro, utilizou uma fotografia em preto-ebranco com várias pessoas numa escadaria, e, entre elas, um casal com roupas hippie. (VEJA, 290, março/1974: 87) No lançamento da fita cassete, a Sony utilizou-se da imagem de jovens abraçados lateralmente, num efeito de negativo azul com ondas de cores vermelha, rosa e amarela de contorno. (VEJA, 246, maio/1973: 12) Imagens bem mais diretas da Contracultura foram utilizadas. Com a imagem de três jovens, duas moças dançando e um rapaz sentado observando-as, todos usando estilo hippie, a Telefunken anunciou o seu aparelho Hi-Fi Compact 2000, que apenas é pequeno “quando está desligado”. (VEJA, 309, agosto/1974: 12-3) Em outro anúncio da mesma campanha, mostra a imagem de uma bela moça de visual hippie, sentada atrás do aparelho, destacando que “Dentro desse amplificador stéreo existe uma receptor FM. Fora, você põe o que quiser”. (VEJA, 310, agosto/1974: 78-9)

Uma tendência do começo dos anos 70 foi uma espécie de saudosismo dos anos anteriores: tivemos inúmeras apresentações de músicos de rock´n´roll dos anos 50 em vários festivais revisionistas; filmes como “A Última Sessão de Cinema” (“The Last Picture Show”), de 1971, e “Loucuras de Verão” (“American Graffiti”), de 1973, focados em épocas recentemente passadas, fizeram enorme sucesso comercial; e muitas coletâneas de astros dos anos 60 (Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, etc.) foram, muitas vezes, recordistas de vendas. O anúncio da CCE, do seu Conjunto Kenwood-Collaro, apostou justamente nesta imagem. Com imagens dos Beatles (na época do lançamento de seu álbum Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, de Jimi Hendrix, do Festival de Woodstock e de Bob Dylan, com o longo título de “Um bom uisquinho, uma garota num vestidinho da Mary Quant, o Sergeant Peppers na vitrola. Pena que naqueles tempos ainda não tivessem inventado este equipamento de som”, o texto revela a nostalgia: “A CCE tem tudo para você recapturar a loucura daqueles tempos que não voltam mais. Com uma diferença: a lucidez do som, que a tecnologia só alcançou na década de 70. (...) Pronto. Agora você pode pegar o uisquinho, o Sergeant Peppers, a garota e entrar numa de nostalgia. O único problema talvez seja o vestidinho da Mary Quant. Mas isso se arranja.” (VEJA, 271, novembro/1973: 97)

E manteve essa perspectiva ao anunciar o equipamento TEAC A-350, um deck cassete. Com imagens dos Beatles e um título também é longo: “Para quem não teve um RollsRoyce nos velhos tempos dos Beatles. Mas deve ter uma Mercedes esporte nestes tempos de Genesis e Rick Wakeman”, o texto, depois de descrever o equipamento, enfatizou no final: “A TEAC A-350 custa caro. Quase uma loucura para os anos dourados do Lennon e McCartney. Um preço exigente mesmo nestes tempos de Rick Wakeman. Mas vale a pena. Se a tecnologia já chegou ao TEAC, por que comprar equipamento de segunda classe?” (VEJA, 272, novembro/1973: 127)

A nostalgia também voltou com uma cor específica: o rosa. A Celite lançou uma série de louças sanitárias nesta cor, no anúncio com o título de “A Linha Lótus revive o lilás-nostalgia”, destacando no texto: “Como em todas as cores Celite, há muito charme no lilás, outra vez em moda”. (VEJA, 316, setembro/1974: 13) A cor rosa seria recuperada em outro anúncio com outro personagem nostálgico, o desenho da Pantera Cor-de-Rosa, que foi usada para mostrar a linha de aparelhos de televisão da General Electric. (VEJA, 336, fevereiro/1975: 46-7) Anos depois, a linha de geladeiras da GE também utilizou a imagem da Pantera Cor-de-Rosa em seu anúncio. (VEJA, 443, março/1977: 8-9) Com ou sem nostalgia, Londres ainda estava na moda na época. A empresa BTA (British Tourist Authority) promovia o turismo para Londres num anúncio que procurava

valorizar as melhores partes de Londres e da história da Inglaterra. Os climas de juventude (ou melhor, de uma idade não tão avançada assim) e liberdade foram acentuados no texto: “Você pode ficar certo de que Londres, apesar da sua tradição, dos seus museus e da sua história, não é mais velha do que você queria que fosse. Uma conhecida artista de cinema, metida dentro de econômica minissaia, sentenciou certo dia: ‘Aqui em Londres se pode fazer o que quiser, conquanto que não se faça nas ruas ou não se assustem os cavalos.’” (VEJA, 284, fevereiro/1974: 61)

A BTA anunciou: “E são tantos e tão bonitos os espetáculos teatrais que você talvez se esqueça se está ou não entendendo direito a ação. É o caso do ‘Rocky Horror Show’, o musical de maior sucesso no momento, em cartaz no King´s Road Theatre”. (VEJA, 318, outubro/1974: 111) Em outro anúncio reforçou a imagem de Londres como centro cultural e de compras: “Andando pelas boutiques de King´s Road ou indo aos grandes magazines de Harrods e Selfridges, com poucas libras você pode fazer as melhores compras da sua vida. Os preços são muito baratos e a qualidade é inglesa”. (VEJA, 371, outubro/1975: 117) Noutro anúncio da campanha, destacou que a viagem para aprender inglês “lindo, refrescado e atualizado”, viria “com todas as novidades em moda, conjuntos ‘pop’, shows, e as últimas daquela Londres muito doida”. (VEJA, 378, dezembro/1975: 35) E tudo isso “com aqueles jovens inquietos que vivem revolucionando a moda, os costumes, as artes” (VEJA, 428, novembro/1976: 121) ou “assistindo, de quebra, ao deslumbrante espetáculo de cores e de alegria da juventude mais animada e divertida do mundo”. (VEJA, 430, dezembro/1976: 119) Os “aniversariantes” também se utilizaram da imagem de juventude e Contracultura, conforme nos apresentou o anúncio com o título “É preciso muita tecnologia para reproduzir tanto som”, sobre os 25 anos da Telefunken, que utilizou a imagem de uma banda de rock ao vivo. (VEJA, 477, outubro/1977: 79) A Gradiente manteve o mesmo tom dos seus 10 anos de existência: “Apenas o puro som Gradiente continua nas paradas de sucesso desde 1965. No mundo da música, um dia você pode estar lá em cima e já no outro ninguém mais lembrar seu nome. Para você ficar sendo falado, elogiado e comentado durante mais de 10 anos a fio, é preciso um trabalho muito sério, muito profissional. Como foi o dos Beatles. Como é o da Gradiente.” (VEJA, 406, junho/1976: 88)

A imagem, na metade da parte alta da página, apresenta uma foto dos Beatles na fase “Sgt. Pepper´s”. O “envelhecimento” da Rádio Difusora não acrescentou a idade, mas sim a sensibilidade jovem:

“Difusora: a moda musical da cidade. Você talvez não tenha notado, mas o jovem de 5 ou 6 anos atrás, amadureceu culturalmente. E aquele jovem que era fã de Elvis Presley agora tem aproximadamente 35 anos. Mas continua gostando de música. Música também tem moda. Moda faz parte da cultura. A Difusora oferece informação cultural para os jovens de todas as idades, programas culturais, mensagens comerciais personalizadas. Refine sua cultura musical. A Difusora sabe de tudo o que ainda vai ser moda na cidade. A Difusora cria a moda musical da cidade.” (VEJA, 438, janeiro/1970: 96)

E como imagem o anúncio apresentou o perfil de uma linda jovem. Fazendo este pequeno levantamento de anúncios tendo o rock como ponto central, podemos notar que, em praticamente nenhum deles, a representação da rebeldia foi atribuída à música, sequer foi mencionada. A música era apenas o elemento de identificação com o público jovem sem contestação alguma – uma reversão de valores radical, comparandose com os métodos até então utilizados. Nem podemos chamar de reversão – foi um esvaziamento total de qualquer traço de rebeldia que a música pudesse oferecer. Mesmo assim, o público que gostava de rock no Brasil era (ou mostrava-se ser) mais radical, pois, como foi observado anteriormente, era visto como um inimigo do estado pela ditadura. E os concertos e festivais eram bem mais “perigosos” e “rebeldes”, tanto por parte dos músicos quanto do público. (ALEXANDRE, 2002: 54) Em termos das imagens típicas do imaginário da luta contra o “sistema” da época sobre a Contracultura (com sexo, drogas, rock´n´roll e Vietnã), a encenação do musical Hair no Brasil foi bem significativa. A Versão do Musical Hair no Brasil O musical Hair (escrita por Jerome Ragni e James Rado, musicada por Galt MacDermot) conta as aventuras de um jovem do interior dos Estados Unidos, Claude Bukowski, convocado para lutar no Vietnã, e de seu encontro com um grupo de hippies antes de se apresentar ao seu batalhão. A partir daí, o musical trabalha com o universo da cultura jovem de sua época, com referências à contracultura, liberdade sexual, drogas, rock´n´roll e, principalmente, carregando uma mensagem pacifista contrária à Guerra do Vietnã. O musical estreou em 1968 na Broadway e provocou muita polêmica no teatro norte-americano (o ponto mais discutido acabou sendo a nudez do elenco em certas passagens) e dividiu a crítica. Junto com a polêmica, veio também um grande sucesso de público. A versão brasileira de Hair nasceu quando o diretor musical Cláudio Petraglia, que estava em Nova Iorque na época, conseguiu assistir uma “preview” (pré-estréia) da peça, interessando-se em encená-la no Brasil. Em 1969, todo o elenco (que incluía nomes que fariam sucesso na televisão brasileira nos anos posteriores, como Armando Bogus, Laerte Morrone, Araci Balabanian, Sônia Braga, entre outros) estava reunido e ensaiado, e a peça estrearia, em

São Paulo, em 8 de outubro deste ano, dirigida por Ademir Guerra, no Teatro Aquarius. Em futuras montagens, os atores Ney Latorraca e Nuno Leal Maia liderariam o elenco. Como nos Estados Unidos, repetiu-se o sucesso da peça no Brasil, com o grupo lotando teatros pelo interior do país, por três anos, até a peça ser definitivamente caçada pela ditadura. Assistir ao musical era uma aventura para o público: sempre existia a ameaça de a polícia aparecer durante a sua exibição e prender todo mundo, em particular quando o elenco ficava totalmente nu. No Rio de Janeiro, por exemplo, o risco da atuação da repressão foi imenso para o público e elenco: o musical foi montado no teatro Casa Grande, localizado na frente da 14ª DP, cujo delegado titular, Nelson Duarte, realizava constantes prisões de pessoas com cabelos compridos e portadores de tóxicos, sendo uma espécie de “inimigo público número 1” dos “desbundados”. (BAHIANA, 2006: 148-9) O sucesso do musical no Brasil deveu-se ao próprio impacto da peça por suas inovações musicais/estéticas (além, logicamente, da nudez do elenco) e pelo seu conteúdo carregado de temáticas jovens, em particular sobre a Guerra do Vietnã e a postura crítica da peça em relação a esta guerra. Mostrar a resistência jovem norte-americana contra a Guerra do Vietnã era uma referência indireta, embora fortíssima, aos jovens brasileiros insatisfeitos com a ditadura militar: a contestação do imperialismo norte-americano no Vietnã relacionou-se à contestação contra o regime militar no poder do Brasil. Hair acabou fazendo esta ligação. A rejeição à guerra em particular e ao universo adulto como um todo seria a grande característica da Contracultura. E esta rejeição era, basicamente, pelas formas convencionais de se fazer política. De acordo com Miriam Adelman: “As análises mais comuns da inusitada resistência da década de sessenta, segundo ela (Julie Stephens), não nos ajudam a entender algumas das suas características mais importantes, interpretando como despolitizada toda uma lógica contracultural que, tendo na verdade uma visão diferente do político, antecipa (e contribui para) a emergência das visões pós-modernas que vieram a ocupar um espaço tão grande nos debates teóricos e políticos das últimas décadas do século XX.” (2001: 143)

E, complementando, afirma que o “grande traço que distingue o radicalismo dos anos sessenta é o fato de ter elaborado uma política contestatória e conscientemente anticapitalista que rejeitava abertamente as formas mais convencionais de fazer política da esquerda”. (2001: 143) Uma das rejeições às formas mais convencionais de fazer política foi o caso dos provos. Originários da Holanda, os provos foram um dos mais criativos grupos de jovens daquele momento, apresentando novas formas de fazer política. O grupo invadia prédios abandonados e apresentava sugestões bastante criativas, como a obrigatoriedade da prefeitura de Amsterdã

em fornecer bicicletas brancas para a população,

evitando

os típicos

congestionamentos urbanos. Roel Van Duyn sugeriu que os policiais, no lugar de carregar

cassetetes para impedir os happenings, deveriam ter caixas de fósforos para acender o cigarro das pessoas, além de esparadrapos, preservativos, etc. (GUARNACCIA, 2001: 11-7) Nem toda a população holandesa gostava destas idéias. Podemos afirmar, inclusive, que a maioria da população do mundo não gostava das idéias “excêntricas” e “rebeldes” surgidas nos anos 60. A rebeldia também seria revertida. Com o título “Seja rebelde mesmo de paletó e gravata”, o anúncio da Sudamtex era bem direto no uso de elementos da Contracultura, transformando-os em regras mais conservadoras: “Quando você veste uma roupa feita com tecidos Sudamtex, na verdade, você está indo contra as velhas tradições. Está chamando sobre si toda a ira das pessoas que gostariam que o tempo parasse. Não vá atrás das vozes conservadoras, meu filho. Desfralde a sua bandeira de rebelde e tape a boca daqueles que não acreditavam na sua audácia.” (VEJA, 161, outubro/1971: 51)

A imagem é bastante expressiva: três jovens com as roupas da empresa. A campanha continuou no mesmo estilo como podemos perceber neste outro anúncio da mesma empresa, com o título “Você não tem mais o direito de ser conservador dos ombros para baixo”: “O.K. Nós concordamos que você não precisa entrar no escritório com os cabelos á Thomas Koch, para mostrar sua rebeldia. Achamos ainda que, se você entrasse numa reunião da empresa com as últimas bossas que o Paulo César inventou, você certamente teria problemas. Mas isso tudo não quer dizer que, dos ombros para baixo, você precise ser um paladino do cinza. A Sudamtex lançou tecidos e padrões avançadíssimos, fora de série mesmo. Para que você possa ser um rebeldo, mesmo de paletó e gravata. Vamos, escolha os tecidos Sudamtex que você gostar. E faça os modelos que você entender. Garantimos que será uma boa ajuda para que você vista carapuça da época sem correr nenhum risco.” (VEJA, 166, novembro/1951: 51)

Referências a “cabeludos”, como do tenista brasileiro Thomas Koch citado anteriormente, eram constantes na publicidade. Um anúncio da revista Quatro Rodas destacou apresentou um título interessante: “Com que direito um cidadão com este cabelo, este nariz e esta gravata pode falar mal do carro que você acabou de comprar?” E, como imagem, apresentava um homem de cabelos compridos, óculos escuros e gravata com bolinhas – era o campeão mundial de Fórmula 1, Jackie Stewart, que testou vários carros e “anotou tudo com a maior precisão”. (VEJA, 76, fevereiro/1970: 78) Outro campeão mundial de Fórmula 1, o brasileiro Emerson Fitipaldi, também era uma referência constante nos anúncios, apesar de ser, para os padrões de época, cabeludo. A representação da rebeldia também estava na apresentação dos cabelos compridos. A empresa de seguros Montepio Nacional dos Bancários também utilizaria a idéia de rebeldia de maneira bastante agressiva e conservadora: “Cale a boca deste reacionário. O grito de guerra de seu heróizinho, nada mais é do que um protesto reacionário. Ele não quer mudanças. Que voltar ao lugar onde se considera seguro:

dentro da sua mãe. Devolva-lhe a segurança que ele julga perdida. Para que ele não seja um reacionário a vida toda. Você consegue isso, dando-lhe todo o amor do mundo. E compreendendo que nenhuma segurança é completa, se não tem uma boa base econômica. Tudo depende de uma decisão sua. Associe-se ao Montepio Nacional dos Bancários. (...) Então ele terá a segurança que procura, para enfrentar a vida que você lhe deu. E será dono do futuro.” (VEJA, 168, novembro/1971: 10)

A imagem apresentava uma fotografia de um bebê, segurado de cabeça para baixo, chorando. Termos com “alternativo” e “underground” eram comuns na linguagem da Contracultura brasileira para enfrentar o “sistema”. O jornal Última Hora carioca fez um anúncio procurando a linguagem da época: utilizando duas páginas, com uma jovem loira deitada na areia de uma praia de biquíni vermelho, destacou no texto: “Última Hora apresenta todos os dias um tablóide chamado Jornal da Comunicação. Lá estão alguns dos nomes mais famosos do jornalismo brasileiro de vanguarda: Artur da Távola, Chacrinha, Jacinto de Thormes, Zsu-Zsu Vieira, Jaguar, Gilda Muller, Amado Ribeiro, Redi, Marisa Raja Gabaglie, Luiz Carlos Maciel, Daniel Más e tantos outros. Tudo gente que sabe das coisas. Tudo gente que fala diretamente com o leitor. Que cria necessidade de consumo para uma idéia, um produto, um nome.” (VEJA, 121, dezembro/1970: 64-5)

Alguns anunciantes iriam se utilizar também desses conceitos, como podemos perceber no anúncio do Grupo Financeiro Independência, com o título: “Geração Underground. Geração Underwriting”: “Surgiu no Brasil a geração underwriting. Tem a mesma idade da geração underground. Usa gíria, cabelo grande, barba, motocicleta. Mas está em outra. Acha que a melhor curtição ainda é o dinheiro mesmo. (...) Agora o Brasil já cresceu, o papo é outro: quem também quiser crescer precisa ter uma empresa de capital aberto. Qualquer empresa pode abrir seu capital. A geração underwriting não tem preconceitos. Nela cabem pessoas de todas as idades, desde que tenham um pensamento jovem. E o melhor caminho para entrar na geração underwriting é o Grupo Financeiro Independência. O Banco Independência de Investimento oferece as melhores condições para você abrir seu capital. Pode crer.” (VEJA, 209, setembro/1972: 37)

A imagem apresentava quatro jovens cabeludos com terno-e-gravata. Foi um dos anúncios que mais explorou a reversão de valores da Contracultura diretamente, pois criou uma alternativa à alternativa, um underground do underground, o tal de “underwriting”. Ressaltou o critério de geração (“mesma idade da geração underground”), do visual (“Usa gíria, barba, motocicleta”), mas com outros valores (“a melhor curtição é o dinheiro mesmo”). A própria Contracultura lutava contra esse tipo de reversão de valores. Uma das estratégias foi acentuar ainda mais o confronto de suas posições. Um dos últimos “sopros de vida” da Contracultura norte-americana foi levar a idéia de luta contra o sistema às últimas conseqüências na tentativa de realizar uma classificação de marginais e alguns tipos de bandidos como “anti-heróis”, ou seja, seres “inocentes” que lutavam contra o “sistema”.

Assim, um simples assalto de banco ocorrido na cidade de Nova Iorque em 1971 (com o líder do assalto chamando os policiais de “porcos”, que era a maneira como os membros da Contracultura se referiam às autoridades, com uma parte do público ao redor ovacionando e a outra vaiando) ou a rebelião do presídio de Attica, no estado de Nova York, ganhava um aspecto bem maior do que suas próprias origens: o maniqueísmo da rebeldia “pura” dos excluídos sociais contra as “garras do sistema”. A repressão contra esses marginais e bandidos seria intensa por parte das autoridades e esta representação morreria rapidamente. Mesmo no Brasil a idéia da Contracultura era confusa, principalmente no seu aspecto anti-sistema. Elio Gaspari indicou a existência de três grupos de esquerda armada no começo dos anos 70, ou, nas suas palavras, “três populações”: os presos, os exilados e os combatentes ainda na clandestinidade. Os membros deste último grupo viviam “espremidos entre a idéia do exílio e a do ‘desbunde’”, sendo que este último termo “designara a passagem da militância esquerdista para o mundo de sonhos da marginália cultural” e que “confundia-se com um salto em direção a uma condenada opção pela individualidade”. (2002: 337) A idéia de uma comunidade jovem “fora do sistema” no Brasil foi aproveitada por um comercial de televisão: vários jovens juntos brincando e namorando, com trilha sonora dos musicais “Hair” e “Jesus Christ Superstar”, pregando os benefícios do consumo de leite. Mas foi o fracasso desses ideais o mais utilizado pela publicidade brasileira. Uma instituição bastante conservadora, a Câmara Júnior do Brasil, junto da Pepsi, fariam uma campanha de mobilização e cidadania utilizando as imagens da Contracultura, revertendo-as: “Ninguém protesta deitado. O mundo está em perigo. Mas é o nosso mundo. E será o mundo dos nossos filhos. O que fizermos agora, com relação a este mundo, será o nosso legado para eles. Será que melhoraremos as coisas simplesmente tocando violão? Será suficiente pronunciar a palavra ‘paz’ com os dedos em V? Ou seria mais racional trabalhar duro para consertar aos erros? Desenvolver nosso espírito de liderança e aperfeiçoar nossas idéias? Dar a mão ao nosso irmão necessitado e conduzi-lo ao caminho certo? Não se mudam as coisas pela passividade. Ninguém protesta deitado. Protesta-se com o trabalho, com o sorriso fraternal, com o exemplo pessoal. Não se cala a voz do canhão com uma flor. A paz só virá pelas idéias. O mundo está faminto de boas idéias. O mundo precisa de Você. Da sua liderança. Do seu trabalho. 500.000 jovens encontraram o caminho. Junte-se a eles.” (VEJA, 187, abril/1972: 89)

A imagem apresentada era de um jovem hippie deitado de cima para baixo, fazendo o sinal da paz numa mão e segurando o violão em outra. A mobilização apresentada neste anúncio é diferente – lute, sim, mas dentro das regras do “sistema”. O fracasso da luta contra o sistema também foi trabalhado pela propaganda de caneta: “O Negócio deles era fazer uma revolução. Na música, nas atitudes, nas roupas, no mundo todo. Fizeram isso como se fazem todas as revoluções: com gritos, cabelos compridos, barba crescida e roupas folgadas. De repente, eles assumiram o poder, fizeram sucesso. Então descobriram que ter uma casa com 28 cômodos era a maior curtição do mundo. Descobriram que podiam ir à

Índia à procura de gurus e filosofias orientais. Descobriram que posar pelados numa fotografia era uma forma de continuar a revolução. Viram que andar de Rolls Royce não era nenhuma esnobação. Seja qual for a revolução que você esteja fazendo no momento, dentro ou fora da faculdade, em cima de uma moto ou dentro de um buggy, freqüentando repúblicas de estudantes ou não se ligando a coisa nenhuma, algum dia você vai descobrir o seu Rolls Royce – uma caneta Parker. Por enquanto, é bom mesmo ter uma canetinha qualquer no bolso ou na bolsa. Mesmo que você perder ou alguém levar emprestada par sempre, com alguns centavos você compra outra. Mais tarde, quando você tiver que participar de reuniões importantes, saque do bolso um Rolls Royce. Vai ser um bom jeito de você consolidar a sua revolução.” (VEJA, 301, junho/1974: 57)

A imagem mostrava quatro fotografias: um rapaz numa moto; dois hippies num show ou festival de música; um hippie meditando, tipo yoga; um hippie tocando bateria. O título: “Teve uma hora que eles partiram para um Rolls Royce”, com a imagem da tampara de uma caneta Parker, cor ouro. A derrota dos ideais da Contracultura fica evidente neste anúncio. Liga, diretamente, a idéia de revolução (“O negócio deles era fazer uma revolução”), bem sucedida num primeiro momento (“eles assumiram o poder, fizeram sucesso”), mas os outros valores que, em tese, eles teriam derrubado, ainda estavam bem vivos (“Então descobriram que ter uma casa com 28 cômodos era a maior curtição do mundo”), entre outras maravilhas do mundo com dinheiro. Os sonhos se realizaram e, ao mesmo tempo não – na verdade, as imagens contraculturais eram mais de vítimas de um sonho que não se realizou e jamais irá se realizar e, assim, é preciso mudar a maneira de encarar a vida, ou seja, consumindo – no caso, a caneta do anúncio, que por sua vez, ajudará a consumir o Rolls Royce e outros bens da sociedade. A luta foi inútil – o “sistema” venceu e, assim, consuma. O discurso do poder procurou reafirmar que os riscos de uma vida contestatória não tinham sentido. O mesmo tinha ocorrido nos Estados Unidos no final dos anos 60 e envolveu a chacina cometida por Charles Manson e sua “família”, exemplo que foi colocado como o perigo da juventude contestadora. Assim como o Festival de Altamont. Charles Manson e o Festival de Altamont: o Lado Perigoso do Rock´n´Roll A “família” Manson (uma comunidade no estilo hippie, liderados por Charles Manson) chacinou, em 1969, o casal La Bianca e a atriz Sharon Tate, esposa do diretor de cinema polonês Roman Polanski. A imprensa norte-americana aproveitou-se desse crime, denunciando as práticas de grupos de jovens, que tanto criticavam a sociedade norte-americana. Charles Manson e seus asseclas cometeram tal chacina baseando-se nas leituras de Manson da Bíblia com a música do “álbum branco” dos Beatles, um dos ícones da juventude naquele momento, o que demonstrava o perigo das contestações comandadas por jovens, de acordo com a grande imprensa norte-americana. (MILES, 2000: 591-4)

Pedro Ferreti, jornalista “fantasma” de O Pasquim (ele não existia, sendo um nome utilizado pelos membros do jornal para realizarem alguma crítica mais séria sem correr os riscos de serem presos e também para enganar a censura) não enxergava as coisas neste sentido, denunciando que a chacina feita pela comunidade de Manson estava sendo usada para que a sociedade norte-americana esquecesse o massacre de My Lai, que, de uma maneira ou de outra, foi feito pelo “sistema”. Charles Manson, ou a cultura “anti-sistema” que o produziu, estaria sendo valorizado demais, não pelo que fez (um crime, indiferentemente ao que se possa dizer), mas para culpar a rebeldia da juventude. (O PASQUIM, dezembro/1969: pôster central) A chacina produzida pela “família” Manson foi seguida do desastre do Festival de Altamont, festival este promovido pelos Rolling Stones que teve quatro mortes - sendo que uma delas foi um assassinato realizado pelos seguranças do festival (o grupo de motoqueiros Hell’s Angels) na frente do palco (situação que acabaria sendo filmada e aparecendo, posteriormente, no documentário Gimme Shelter). O Festival de Altamont transformou-se no contraponto do pacífico Festival de Woodstock. O massacre cometido pela “família” Manson, assim como o trágico Festival de Altamont, foram golpes consideráveis para aqueles que confiavam na juventude norteamericana e na Contracultura como elementos de mudança social, pois tanto Manson como Altamont destacaram-se como momentos de descontrole da cultura jovem que pretendia “mudar o mundo”, sem contar que atingiram os dois maiores nomes do rock´n´roll da época, os Beatles e os Rolling Stones, respectivamente. A grande imprensa norte-americana utilizou-se muito bem dos fatos: a opinião pública norte-americana condenaria o comportamento de Manson e os incidentes de Altamont e, conseqüentemente, a juventude rebelde. A repressão no Brasil seria intensa no final da década de 70 - e o lado rock´n´roll também seria atingido por ela, não apenas no esvaziamento de sentidos como vimos. A frase de John Lennon, “O Sonho Acabou”, que representou para ele não apenas o fim dos Beatles, mas da Contracultura, foi utilizada pelo grupo Nexus Publicidade, com o título “O sonho acabou. Acabou pra quem, cara pálida?”, destacando no texto que “se você é o cliente que estamos procurando, já terá percebido que o sonho só acabou para quem não sabe dosar criatividade e estratégia”. (VEJA, 333, janeiro/1975: 59) O Grupo Petróleo Ipiranga iria também utilizar-se da idéia de Lennon com o anúncio intitulado “O Sonho Começou”, com a imagem de um jovem pintado e tendo seu cabelo cortado, referência a ter passado no vestibular, destacando no texto: “Muita gente sonhou com este Brasil que está pintando. Muito coroa se criou ouvindo aquele papo de ‘país do futuro’, ‘gigante adormecido’... Agora aí está ele. Ao vivo e em cores. O futuro chegou. O gigante acordou. E você pode começar a viver o sonho. Um Brasil com mais escolas. Com um mercado de trabalho em expansão. Com mais indústrias. Com novas técnicas. Com algumas profissões que antes nem existiam. Com muito mais oportunidades pra você crescer,

desenvolver o seu talento, realizar o seu sonho particular – e curtir a vida. Tudo contigo, magro.” (VEJA, 357, julho/1975: 88)

O “sonho” de Lennon, tendo acabado ou não, foi revertido inteiramente, pois sua representação não se aproximava de forma alguma de elogios à economia brasileira ou da apologia ao regime militar que o anúncio insinuou. Rita Lee cantou que “roqueiro sempre teve cara de bandido”, imagem esta que apenas mudaria (um pouco) na geração dos anos 80 com a explosão do Rock Nacional. Na década de 70 o fã de rock ou o “roqueiro” ficaria com essa marca, principalmente depois das prisões de Gilberto Gil e da própria Rita Lee, em 1976, num curto intervalo de tempo, ambas por porte de maconha. Precisamos contextualizar mais profundamente a questão das drogas e a Contracultura. Drogas O consumo de drogas foi o grande “calcanhar de Aquiles” da Contracultura. É impossível falar dela sem nos referirmos às substâncias químicas que foram consumidas e, muitas vezes, defendidas. A lógica de usar drogas para obter novas formas de consciência, em particular o alucinógeno LSD, assim como para diversão, como a maconha, foi decisiva para a construção cultural de quase toda a rebeldia daquele momento. De Acordo com Clynton Heylin, a “sensação de pertencer a outro mundo experimentada por um consumidor de ácido não pode ser superestimada, mas é fato que ela contribuiu para o nascimento da contracultura dos anos 60, tão elitista quanto qualquer movimento artístico anterior, ainda que pautada exclusivamente pelo consumo de drogas em vez de pela riqueza (embora muitos também fossem ricos).” (2007: 44-5)

Luís Carlos Maciel acabaria resumindo a razão do uso e defesa das drogas na Contracultura: “No fundo da nova moda parecia haver uma filosofia, nascida da angústia da beat generation norte-americana. Ela era, antes de mais nada, uma ética revolucionária. Se o square norteamericano procurava a felicidade injetando dólares na sua conta bancária, por que não haveriam os jovens rebeldes de procurar a felicidade injetando drogas na corrente sanguínea? Para muitos, a segunda opção era mais moral. As drogas, embora pudessem prejudicar o organismo, não o fariam mais do que o stress da vida moderna a que o square estava submetido, com a vantagem de fornecer um tipo de felicidade mais imediato e gratificante.” (1987: 50)

Na visão de Maciel, era o confronto com o “sistema” e seus valores conformados. E grande parte desta geração iria a fundo ao consumo de drogas, definindo muitos dos padrões que definiriam a Contracultura: as cores psicodélicas (multicoloridas, normalmente resultado do consumo de LSD); as gírias (“chapado”, “viagem”, “boas vibrações”, etc.); e

mesmo o próprio rock produzido (para classificar o tipo de som que o underground de San Francisco e Londres estava produzindo no final dos anos 60, além do impacto mundial do álbum dos Beatles “Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, foi dado o título de Acid Rock para a “nova música”). (HEYLIN, 2007: 179) Mas as “boas vibrações” acabaram logo e a “viagem” tornou-se longa e desagradável. As autoridades, bem como os grupos contrários à Contracultura, acharam nas drogas o elemento de crítica em comum. Leis bastante agressivas foram aplicadas e campanhas contra as drogas ganharam relevo. A “maioria silenciosa” impõe-se perante a “minoria barulhenta”: o discurso anti-drogas acabaria sendo um dos pontos mais expressivos que fizeram Richard Nixon ganhar a presidência em 1968. (SOUSA, 2009: 285) As próprias drogas também agiam contra a Contracultura: o número de viciados e de mortes relacionadas às drogas, direta ou indiretamente, foi bastante expressivo. John Cale, ex-membro da banda Velvet Underground, considerou que o “nosso Vietname era a heroína” (CALE apud V/A, 1992: 178) Clinton Heydin afirmou que: “Cinco anos depois de Pepper, qualquer fã de rock que se prezasse sabia que as drogas – direta ou indiretamente, psicodélicas ou narcóticas – tiraram a vida de Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison e transformaram a mente dos grandes e dos bons – incluindo figuras geniais como Brian Wilson, Arthur Lee, Syd Barrett, Nick Drake e Peter Green – em banana frita.” (2007: 237)

Nem era necessário esperar cinco anos. Hunter S. Thompson, comentando na própria época sobre a região de Haight Ashbury e sobre os hippies, em San Francisco, notou o clima pesado envolvendo as drogas: “Um problema sério de escrever sobre Haight-Ashbury é que a maioria das pessoas com quem você tem que falar está envolvida, de uma maneira ou de outra, com o tráfico de drogas. Tem bons motivos pra desconfiarem de estranhos que fazem perguntas. Recentemente, um estudante de 22 anos foi condenado a dois anos de prisão por informar a um agente de narcóticos disfarçado onde comprar maconha. ‘Amor’ é a senha de Haight-Ashbury, mas seu estilo é a paranóia. Ninguém quer ser preso.” (2004: 165)

A visão de Thompson sobre as drogas ficou mais amarga na sua obra-prima Las Vegas na Cabeça (também conhecida como Medo e Delírio em Las Vegas). Na obra, o autor destacou a existência de “um fantástico senso comum universal de que tudo o que fizéssemos estava certo, e de que estávamos vencendo” e que aquilo “era a segurança, aquela sensação de vitória sobre as forças do mal”. (1984: 60) “Não havia por que lutar, do nosso lado ou do deles”, continua Thompson, pois “nós tínhamos todo o ímpeto”, “nós estávamos deslizando na crista de uma onda enorme e linda”. Mas o próprio autor vai observar que menos de cinco anos depois “você pode subir numa montanha meio íngreme em Las Vegas e com o olhar certo pode até ver a marca da água, aquele lugar onde a onda acabou arrebentando”. (1984: 60) E complementou:

“Nós estamos todos atados à viagem de sobrevivência agora. Não tem o pique que caracterizou os Anos Sessenta. Estimulantes estão saindo da moda. Era o fim da viagem de Tim Leary. Ele saiu pela América pregando a ‘expansão da consciência’ sem nunca ter pensado na cruel realidade que estava esperando todos aqueles que o levaram a sério. (...) Todos aqueles patéticos e ansiosos dependentes do ácido que pensaram que poderiam comprar Paz e Compreensão por três dólares a dose. Mas o fracasso deles é nosso também. O que Leary destruiu com ele foi a ilusão central de um estilo de vida que ele ajudou a criar... uma geração de aleijados permanentes, fracassados, que nunca entenderam o sofisma místico essencial do ácido: a suposição desesperada de que alguém, ou pelo menos alguma força, está segurando a luz no final do túnel.” (1984: 158)

O discurso contra as drogas foi um dos mais efetivos contra os ideais da Contracultura. A campanha contra as drogas também foi abordada pela já citada Câmara Júnior do Brasil, ainda junto da Pepsi, no anúncio com o título “Você não é um homem”: “Há alegria ao seu redor. Mas Você já não se liga. Suas emoções tem que vir de ora para dentro. Aí, Você vai de bolinha. Ou de pico, erva, cheiro... e consegue rir. Um dia, vem a fossa. Nem curtir Você sabe mais. Mas tem bola pra curtir. Você toma. E consegue chorar. Você é um robot, amizade, podes crer. Deixou de ser um homem, faz tempo. Vai ver, um dia, Você quer dar no pé. Se arrancar do mundo que Você não topa. Vai ver, Você não terá peito. Mas tem bolinha pra ter peito... Você a tomará. E conseguirá morrer. Ainda é tempo de viver. O mundo gosta de Você.” (VEJA, 190, abril/1972: 12)

A imagem de um jovem deprimido e desesperado mostrava a derrota de qualquer defesa sobre o uso de drogas – a derrota da Contracultura, mesmo sabendo-se que ela não pregava única e exclusivamente esta prática. Outro anúncio dentro dessa linha que chamou a atenção, embora, aparentemente, não seja sobre drogas, era uma “crítica” da Caixa Econômica Federal pelo fato de poucos jovens apostarem na loteria: “Esse tal de poder jovem está cada vez mais por fora. Descobrimos que os jovens entre 18 e 24 anos odeiam o dinheiro. Parece mentira, mas ficou apurado, numa pesquisa nacional, que a maioria dos compradores de bilhetes da Loteria Federal é gente madura, acima dos 30 anos. Parece absurdo: apenas 16% tem entre 18 e 24 anos. É o cúmulo. Preferir uma bicicleta a uma Mercedes esporte é prova de visão curta. Trocar um cruzeiro nos mares do Sul por uma voltinha de barco é sinal de vista grossa. Continuar aquele programinha quadrado no cinema do bairro em vez de assistir às temporadas da Broadway é sintoma de imaturidade. Toda quarta-feira é milionária com os prêmios da Loteria Federal. Você só precisa fazer uma coisa: tentar. Sem tentar, ninguém consegue nada. A estatística é clara: os homens experientes tem tido mais direito à sorte grande. É preciso contestar essa estatística!” (VEJA, 109, outubro/1970: 2)

O anúncio revertia os valores da Contracultura diretamente (“Esse tal de poder jovem está cada vez mais por fora”), além de contestar a contestação (“É preciso contestar essa estatística!”). Mas o que chamou a atenção foi a imagem do anúncio, que apresentava o rosto de um jovem, cabelos compridos, de colar, óculos redondo com lente rosa, e expressão de vazio, tanto para se referir à “visão curta” e “vista grossa” de não jogar na loteria. É impossível afirmar com certeza, mas a expressão vazia lembrava também alguém que claramente consumiu

maconha, ou seja, que este jovem “imaturo” faria normalmente, mostrando uma visão crítica da Contracultura. Mas seria a curiosa condenação do conjunto de rock Casa das Máquinas que chamaria a atenção da visão mais conservadora da sociedade. O grupo iria se apresentar na Rede Record em 1976 e num incidente ainda não muito esclarecido, alguns membros da banda entrariam em choque com um funcionário da emissora paulista e este morreria. O julgamento, realizado cerca de 3 anos depois, não apenas condenou os envolvidos na briga pelo homicídio do funcionário: o juiz mandou banir os álbuns da banda no mercado. Devemos destacar que não foi o regime militar como órgão de censura que realizou a condenação, mas sim o poder judiciário. Em outras palavras: o próprio rock´n´roll foi considerado “culpado” do processo. Em muitos sentidos, o “fantasma de Aída Curi” ainda estava assombrando a produção roqueira nacional no final dos anos 70. A sentença seria devidamente revogada, mas a sua simples execução inicial demonstra que a imagem de bandidismo e rock´n´roll eram ainda muito fortes no final dos anos 70.

Referências Bibliográficas - ADELMAN, Miriam. “O Reencantamento do Político: Interpretações da Contracultura.” IN Revista de Sociologia Política. Nº 16, Curitiba: Universidade Federal do Paraná, junho/2001; - ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta – o Rock e o Brasil dos Anos 80. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002; - BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006; - BANGS, Lester. Reações Psicóticas. São Paulo: Conrad, 2005; - BIAGI, Orivaldo Leme. Imprensa – Estudo das Coberturas Realizadas pela Imprensa Brasileira da Guerra da Coréia (1950-1953) e da Guerra do Vietnã na sua chamada “Fase Americana” (1964-1973). Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2003; - CAMPBELL, James. À Margem Esquerda. Rio de Janeiro: Record, 2000; - GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; - GILMORE, Mikal. Ponto Final – Crônicas sobre os Anos 1960 e suas Desilusões. São Paulo: Companhia das Letras, 2010; -

GUARNACCIA,

Matteo.

Provos:

Amsterdã

e

o

Nascimento

da

Contracultura. São Paulo: Conrad, 2001; - HEYLIN, Clinton. Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band – Um Ano na Vida dos Beatles e Amigos. São Paulo: Conrad, 2007; - JACOBY, Russell. O Fim da Utopia: Política e Cultura na Era da Apatia. Rio de Janeiro: Record, 2001; - KONDER, Leandro. A Questão da Ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; - MACIEL, Luiz Carlos. Anos 60. Porto Alegre: L&PM, 1987; - MANCHETE. Rio de Janeiro: Bloch Editores, V/edições; - MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud. 8ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1978; - MILES, Barry. Paul McCartney: Many Years from Now – a Biografia Autorizada de Paul McCartney. São Paulo: DBA, 2000; - MUGGIATI, Roberto. História do Rock. V. 3, São Paulo: Somtrês, 1984; - O PASQUIM. Rio de Janeiro: CODECRI, 1969; - ROSZAK, Theodore. A Contracultura. 2. ed., Petrópolis: Vozes, 1972; - SOUSA, Rodrigo Farias de. A Nova Esquerda Americana – de Port Huron aos Weathermen (1960-1969). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009; - THOMPSON, Hunter S. A Grande Caçada aos Tubarões. São Paulo: Conrad, 2004;

- _________________. Las Vegas na Cabeça. Rio de Janeiro: Anima, 1984; - V/A. Superstars – Andy Warhol e os Velvet Underground. Lisboa: Assírio & Alvim, 1992; - VEJA. São Paulo: Abril Cultural, V/edições.

Capítulo 5 – O Imaginário da Liberdade Total Origens Para os comunistas, o grande inimigo era o capitalismo; para os membros da Contracultura, o grande inimigo era o “sistema” e suas infinitas redes de poder que aprisionavam o indivíduo. Os primeiros lutavam contra a opressão econômica de uma classe sobre as demais, procurando libertá-las; os membros da Contracultura lutavam pela “liberdade” ilimitada ou impedida pelas amarras tecnocráticas. Na verdade, nunca foi dada uma definição exata deste conceito de “liberdade”. Um exemplo desta busca de “liberdade” sem um conceito mais definido pode ser acompanhado num dos primeiros grupos de hippies, The Merry Pranksters. Este grupo era liderado pelo escritor Ken Kesey e consistia num bando de andarilhos que viajavam de cidade em cidade dos Estados Unidos com seu próprio ônibus, fazendo peças teatrais, quase sempre surrealistas, cheias de críticas contra a sociedade tradicional norte-americana e, logicamente, contra o “sistema”. Este grupo ficou sendo o mais conhecido por causa do chamado Eletric KoolAid Acid Tests, ou simplesmente Acid Tests. Tais “testes” consistiam na distribuição de LSD para o público (a droga foi colocada na ilegalidade em 1966) com shows que aclimatizavam as “viagens”, como luzes coloridas, vivas e brilhantes, música tocada com volume alto, projeção de filmes, danças, ou seja, vários efeitos para realçar as experiências sensoriais produzidas pela droga. (WOLFE, 1993: 123) Tudo isso feito antes de Timothy Leary ter se transformado no “papa do LSD”. (LEARY, 1999: 75) Liberdade num clima carregado de música, cores, misticismo e drogas - nada se parece com os conceitos de liberdade defendidos por comunistas ou liberais, por exemplo. (HOBSBAWM, 2003: 219) E tal busca por “liberdade” estendeu-se a todos os povos do mundo, pelo menos na mente de milhares de jovens. Devemos destacar o artigo que Luiz Carlos Maciel escreveu no O Pasquim em 1970, “Você está na sua? Um Manifesto Hippie”, cujo objetivo está no título do mesmo: era uma espécie de manifesto mostrando que o novo tinha chegado e o passado não podia julgá-lo: “Seguinte: o futuro já começou. Não se pode julgá-lo com as leis do passado. A nova cultura é o começo da nova civilização. E a nova sensibilidade é o começo da nova cultura. Sua continuação é a nova lógica. Não: as leis do passado não servem. (...) Não se deixe grilar: na nova lógica começa a nova razão. O círculo se fecha na Idade de Aquarius. Por isso o hippie é um poeta negagé. Ele precede à nova linguagem conceitural. Mas esta só pode nascer do ventre de sua (the hippie´s) imagem.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)

A “velha Razão”, nas palavras de Maciel, estava esgotando suas possibilidades e abrindo espaço para os novos: “A velha Razão é a mãe de todos nós. Ela nos amamentou com seu leite forte e gorduroso; educou-nos para que crescêssemos à sua imagem e semelhança; adestrou-nos em seus truques, obedientes às suas Normas Invioláveis. As proteínas de seu leite explodiram em bolhas neuróticas sobre a pele da alma; a educação resultou em asfixia de nosso instinto criador e a obediência em mutilação do próprio sexo.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)

Mas Maciel destacaria que o “novo” estava tomando lugar do “velho” e a busca da liberdade era o caminho, apesar da resistência que a “velha Razão” ainda iria proporcionar: “Mas a fase edipiana passou. Nada temos mais a aprender dos conselhos maternais. Já nos disseram o que sabiam ou podiam. Naturalmente, a liberdade não é fácil: a velha Razão, gordota e bochechuda como a supermãe do Ziraldo, insiste em manter a rédea curta, afrouxando a tensão apenas para iludir o filho incauto com a ingênua e inútil tentativa de compreensão, que é típica das mães fabricadas pelo sistema.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)

E terminava o artigo retificando o caráter cultural e efêmero do movimento, duas características que seriam justamente a sua força: “A revolução cultural está em marcha, dizem uns e outros. É verdade. Até em seus recuos, ela não apenas propõe a mudança: ela muda, aqui e agora, através de uma dialética que ninguém definiu. Seu método é a vigência provisória da moda. Através do efêmero, ela finca suas raízes. Seu estilo é o improviso de free-jazz. Não: ela não deseja destruir tudo para começar de novo. Prefere assumir sua tarefa montada sobre os ombros da tradição, sem compromisso, colhendo dessa tradição suas forças, desprezadas: o êxtase, o sonho, o ritmo, a cor, o riso, a paz e todos os presentes que o nosso Deus criador oferece aos sentidos humanos para a sua fugaz fruição nesta Terra.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)

O artigo de Maciel fez um balanço de uma idéia de Contracultura: o novo enfrentando o velho, criando novas possibilidades para a liberdade. As idéias estavam, como se dizia na época, “no ar”, mas Maciel acabaria fazendo uma excelente síntese, com todas as virtudes e defeitos, de tais idéias. A liberdade estava “no ar”, por mais complicado que fosse explicar o que exatamente estava acontecendo, como o anúncio da Topeka bem colocou, com imagem de vários casais jovens usando as roupas da empresa: “Tope Topeka! A calça demais! Topeka é um estado de espírito. Uma evidência de liberdade. Ser jovem é antes de mais nada ser livre. Tope Topeka. Nas cores da vida atual. Tope, é demais. Só se vive Topeka intensamente. Não hesite, tope Topeka enquanto é tempo.” (VEJA, 46, julho/1969: 63)

A idéia de liberdade era bastante utilizada, sempre tendo jovens no fundo. O anúncio dos calçados Franciscano é bem representativo, pois mostra três lindas jovens de biquíni numa foto redonda e, com letras coloridas, destaca: “Neste verão proclame a liberdade

de seus pés. Abaixo os sapatões e... Franciscano neles!” Como fundo da imagem, duas pernas masculinas e, nos pés, o chinelo da empresa. (VEJA, 64, novembro/1969: 83) A Zorba, ao lançar um novo tipo de cueca, utilizou-se de dois referenciais da Contracultura: revolução e liberdade. Com o titulo “Grega, a cueca revolucionária”, e um desenho a óleo de um corpo masculino vestindo uma cueca vermelha com extremidades em azul, o texto é bem específico: “A Grega foi criada para homens como você, que gostam da liberdade de movimentos e exigem a qualidade que só a Modasport proporciona. Tropicalizada, bicolor, cintura indeformável, a Grega vai revolucionar seu conceito de cueca”. (VEJA, 106, setembro/1970: 2) Anúncio da Caderneta de Poupança utilizava o conceito de liberdade, com o título “Liberdade é uma Caderneta de Poupança”: “Liberdade é estar tranqüilo, confiante e seguro de si. É não depender dos outros na hora de resolver um problema e encarar o futuro com otimismo. Liberdade mesmo é ter dinheiro no bolso, para você usar como quiser, na hora que precisar. E Caderneta de Poupança é como dinheiro no bolso. Deposite já. Ninguém pode ser muito feliz sem uma Caderneta de Poupança.” (VEJA, 410, julho/1976: 86)

A imagem do anúncio é bem significativa: uma jovem vestindo jeans, de costas, enfatizando suas nádegas (sua “bunda”, sendo mais próximo do conceito popular desejado pelo anúncio), colocando no bolso um papel da Caderneta de Poupança. E o slogan: “Caderneta de Poupança dá mais futuro”. Um anúncio do carro Chevette também ressalta a liberdade: “Um vôo à liberdade. (...) Confie no Chevette. Ele vai levar você a todos os lugares e a todos os momentos. Brincar com sua imaginação e libertar seus pensamentos mais profundos. Mas agora esqueça esta revista e pare de sonhar. Existe um Chevette á sua espera, nos 360 Concessionários Chevette. Prontinho para sair pelo mundo com você.” (VEJA, 427, novembro/1976: 58-9)

A imagem apresentada era a de desenho de um Chevette amarelo numa estrada, com um casal dentro. A empresa Montepio Nacional dos Bancários também apostou na liberdade a estratégia de seu anúncio: “A liberdade tem preço. Tanto tem, que você pode comprá-la a partir de Cr$ 19,10 mensais, pagáveis em qualquer banco. Com essa modesta quantia, você adquire o direito de viver livremente cada dia, sem se preocupar com o futuro. Um direito que antes só cabia aos ricos. Mas agora é seu. Exerça-o. (...) Tome uma atitude de vida. Entre para o Montepio Nacional dos Bancários. E acrescente mais liberdade à sua vida, acrescentando segurança ao futuro de sua família.” (VEJA, 99, julho/1970: 47)

A imagem do anúncio destacou a estátua da Liberdade numa foto preto-ebranco.

Pombas e a idéia de liberdade marcaram o anúncio da GBOEx, empresa de previdência, com o título “A liberdade dos dependentes.” (VEJA, 216, outubro/1972: 111) Tal idéia foi reforçada no anúncio seguinte, mostrando um jovem segurando uma caneta e a colocando nos lábios, com o texto: “Em que pensa Aldo Fernando? Pensa que está na dele. E está. Que ninguém duvide disso. Na liberdade que conquistou e acha pouca. Quer mais. Pensa numa yamaha, toda vermelha, jóia de moto. Ou no fusca que o pai anda prometendo. (...) Pensa que, mesmo contra a vontade, está seguindo o caminho que o coroa seguiu antes (só que ele não ganhou fuca de ninguém... mas é bom nem pensar em voz alta que o velho pode tirar um sarro...). Mais um pouquinho e vai se encontrar com o seu ideal. Dono do nariz. Livre e independente. Liberdade, entende?” (VEJA, 220, novembro/1972: 95)

E a GBOEx conhece “muito bem os anseios de seu filho”, pois tem “uma experiência acumulada em mais de meio século de existência” e, assim, é melhor deixar “o Grêmio Beneficente de Oficiais do Exército ajudá-los a concretizar o ideal de liberdade do garotão”, pois “o que ele quer, é aquilo que vocês já conquistaram”. A mesma lógica foi utilizada, mas agora destacando uma jovem, “Em que pensa Ana Maria?”: “Pensa no primeiro encontro com ele. O passeio no parque. Na descoberta do amor. Depois, parece que foi ontem, na suavidade da Ave-Maria, os olhares ternos diante do altar. Na lua de mel (será que foi sonho?) Nas primeira fraldas e mamadeiras. O choro forte do Álvaro Luís. Na chegada da nequinha. Nas bonecas com que agora brincam juntos, mãe e filha. Pensa no companheiro das horas alegres e tristes. Nas conversas dentro da noite, nos planos a dois. O filho formado. A nequinha feliz. A mesma liberdade de hoje, no amanhã.” (VEJA, 222, dezembro/1972: 127)

Assim, “Mamãe, nós do GBOEx sabemos que você pensa muito num futuro cheio de liberdade para os seus filhos” e deixe, portanto, a empresa a “ajudá-los nesta nobre missão”. (VEJA, 222, dezembro/1972: 127) A liberdade feminina, muitas vezes trabalhada na Contracultura como ideais do feminismo, era revertida nos anúncios, como podemos perceber no texto a seguir: “Nos quintais e nas áreas de serviço que as mulheres devem provar que são livres”, cuja parte final do texto mostrou-se bem expressivo: “Como você viu, o lençol Tergal foi duramente testado para poder falar em liberdade e conseguir mais tempo de sobra para você. Seria uma pena se você não aproveitasse a oportunidade.” (VEJA, 273, novembro/1973: 135)

A imagem de uma mulher no varal com o lençol Tergal é bem representativa: liberdade, sim, para realizar as tarefas domésticas – longe de qualquer traço feminista ou da idéia de liberdade feminina pregada pelos grupos feministas da época, revertendo o conceito. Algumas imagens da Contracultura foram utilizadas no anúncio das bicicletas Monark: “A bicicleta que leva Você aos grandes momentos da vida, na curtição, daquilo que

ela tem de melhor para lhe dar. Um atestado de força, de autonomia, de liberdade. Energia da juventude. Fantástico!” (VEJA, 281, janeiro/1974: 41-4) A empresa aérea Air France também destacou a liberdade como incentivo às viagens de seus clientes. Apresentando a imagem de uma jovem andando de bicicleta, o texto do anúncio enfatizou: “Paris é hoje uma das cidades mais jovens do mundo. Os valores culturais e de liberdade estão presentes em cada instante da vida parisiense. Mesmo que seu destino seja outra cidade da Europa, faça de Paris a sua porta de entrada. O arco do triunfo é muito significativo para a sua chegada. (...) Quando você chegar, existem milhares de oportunidades para fazer tudo aquilo que sempre desejou, intensamente. Vá viver o clima da nova França. Que continua mantendo acesa uma velha chama de sua antiga imagem: Liberté, Egalité, Fraternité.” (VEJA, 355, junho/1975: 50-1)

Muitas vezes liberdade com aventura, como podemos perceber no texto do anúncio a seguir: “A máscula aventura do mar. Garoto de praia adora o mar. Espreita o horizonte e sonha com terras distantes. Levar a mil pontos diferentes a boa nova que o Brasil existe, e quanto. Em navios super-modernos, automatizados e computerizados (sic), onde o lobo do mar é mais do que tudo um técnico altamente especializado. Jovens de toda a costa brasileira: a máscula aventura do mar não é mais um sonho e sim fascinante realidade! Em menos de 5 anos o Brasil deu imenso salto, criou uma das mais sofisticadas e eficientes Marinhas Mercantes do mundo. Hoje, nos mastros da NETUMAR, do Rio das Pratas aos Grandes Lagos, a bandeira brasileira é presença constante, ativa e incondicionalmente respeitada.” (VEJA, 198, junho/1972: 82)

A imagem consistia numa fotografia de um jovem surfando no mar. A imagem do viajante, comum dentro do universo da Geração Beat, também foi explorada pela publicidade brasileira, como podemos perceber no anúncio da Sudamtex que mostra um jovem loiro segurando uma flauta dentro de um vagão de trem, com mochila. (VEJA, 314, setembro/1974: 94-5) A aventura também era no asfalto, com a imagem de jovens em suas motos, conforme podemos perceber a seguir, tendo como imagem o vidro do produto junto a uma imagem de um jovem de cabelos longos (até a nuca, o que era considerado longo para o momento) como se estivesse pilotando uma moto: “Pantene para quem tem cabelos longos e quer conservá-los. E você pode usar seus cabelos no tamanho que quiser. O que você não pode permitir é que eles percam a saúde e a vida. Pantene é uma loção vitaminada para ser usada por pessoas de todas as idades, seja qual for o tamanho de seus cabelos.” (VEJA, 164, outubro/1971: 82)

Anúncios de motocicletas buscavam a imagem de aventura e ação: “Se você acha que o bom da vida é ver televisão, continue, meu velho. É muito gostoso você chegar em casa numa noite fria, chuvosa, tomar um banho quentinho, colocar um roupão e assistir a um bom filme policial. Mas o mundo não é feito só de noites frias e chuvosas com filmes sensacionais na televisão. O mundo tem sol, tem noites enluaradas,tem gente bonita

andando pelas ruas, tem estradas maravilhosas onde você ainda encontra ar puro. E tem muita droga que você não merece ver nos programas de televisão. Você está só é precisando levar um empurrãozinho para que você também ache a vida menos monótona. Então se segura que lá vai o empurrão: a Honda produz motos de 50 a 750 CC (...) Com um pouquinho mais de 200 cruzeiros mensais você já sai em sua moto, dá descanso para o seu cérebro que estava começando a ficar vagabundo de tanto receber as coisas do mundo do jeito que os outros queriam que você recebesse. Ponha o capacete, pegue a sua Honda e venha viver aqui fora. A menos que seus olhos já tenham adquirido o formato das telas do seu aparelho de TV. (VEJA, 240, abril/1973: 9)

A imagem deste anúncio destacava dois jovens, um rapaz e uma moça, num campo, com uma barraca ao fundo, ambos segurando suas motos. Utilizando a imagem de uma moto Yamaha na frente e quatro jovens em volta de uma mesa de um bar ou restaurante (tem um garçom atrás, além de outro jovem em outra mesa), olhando para ela com admiração, a ênfase à liberdade e juventude ficou evidente: “Yamaha, opção jovem de viver. Yamaha, além de máquina, é a opção jovem de viver com dois tipos de cilindradas: RS 125 e RD 75. (...) Yamaha tem também o Torque Induction, que permite arrancadas cheias de vigor jovem. Outro aspecto jovem muito característico das Yamaha é a economia. Dinheiro não anda fácil. E ninguém resiste àquele espírito de aventura que só uma Yamaha traz consigo. YAMAHA SÓ NÃO ECONOMIZA EMOÇÃO.” (VEJA, 504, maio/1978: 115)

O slogan da marca: “Além de brasileira, patriota”. Eis uma marca do seu tempo: valorização da liberdade jovem, da nacionalidade e do patriotismo – juventude, nacionalismo e comprometimento com o país, elementos também valorizados pela Ditadura Militar. A reversão de valores neste caso apontou que a “opção jovem de viver” tem de estar dentro das regras de nacionalismo e patriotismo. O estilo de vida “veloz” também foi caracterizado: “Não somos contra os novos hábitos. Existem mesmo, entre nossa clientela, várias pessoas que só vivem para as novas idéias, respiram novidade 24 horas por dia. São pessoas que vivem velozmente, que consomem rapidamente, que se movimentam com intensidade. Nos damos bem com estes clientes. Também procuramos sempre atualizar e modernizar nossa estrutura de serviços e atendimento. É, o mundo muda. E nós aceitamos toda a mudança para melhor. Banrisul, o banco de todos.” (VEJA, 199, junho/1972: 91)

A imagem apresentava um idoso vestido de hippie, segurando uma taça de milk shake na mão sobre o balcão. Apresentando a imagem de quatro jovens com suas motos, o anúncio do Banco do Brasil utilizou-se da idéia de velocidade, típica da juventude: “Também entendemos de velocidade”. (VEJA, 301, junho/1974: 128)

Paz e Amor Uma das imagens mais clássicas da Contracultura foi a de “paz e amor”, a intensa busca de paz mundial urdida sobre o lema do amor. Tal imagem também foi explorada pela publicidade brasileira. A Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo buscou na imagem do amor uma justificativa para o consumo de açúcar: “Amor que não discrimina nem gordos, nem magros. Amor que está ligado à personalidade, ao jeito-de-ser de cada pessoa. E que depende, isso sim, de estar de-bem com a vida. Nesse ponto, o açúcar é importante. Porque é o energético mais natural que existe. (...) O fato é que você necessita de energia, e açúcar é energia. Quanto ao amor, só uma coisa é verdadeira: um homem cansado e sem ânimo nem pensa em amar, não é certo?” (VEJA, 59, outubro/1969: 43)

A imagem do anúncio foi bucólica: um beija-flor, com a mensagem destacando amor e paz: “Doce é a chegada. Doce é o amor. Doce é a paz. Toda doçura do açúcar em 1970!” (VEJA, 67, dezembro/1969: 8-9) Mais uma vez a Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo utilizou em seu anúncio o clima do momento com representações da juventude, mesmo que a sua política negócios de nada tivesse de amor e paz. Paz, amor, felicidade e cores – eis os ingredientes do anúncio das lâmpadas Philips: “A Philips gosta do amarelo. E daí? E gosta também do vermelho, do azul, do verde... Afinal, cor que espetáculo de cor. Vida é um espetáculo Philips. Vida é movimento: vai de casa para o escritório, para a fábrica, para a escola, para as ruas e praças públicas, para os campos de esporte. Vida é trabalho, é repouso. Luz é amor. Luz é alegria. Luz é felicidade. A Philips ama as cores. Luz, luz, cada vez mais luz para a felicidade das cores. (...) Uma luz para cada ambiente. Uma cor para cada vida.” (VEJA, 113, novembro/1970: 25)

A representação da “paz” também foi utilizada pelo Guaraná Antarctica, com um anúncio apresentando a imagem de dois jovens numa praia consumindo o refrigerante, desejando um feliz 1971, onde podemos destacar: “Feliz em sua paz e na paz do seu mundo”, idéia típica da época. (VEJA, 121, dezembro/1970: 2) O espírito de “paz e amor” ganhou um curioso símbolo no Brasil na época mais repressiva da ditadura: a inauguração de uma praça no bairro do Ibirapuera, em São Paulo. Com o título “Por um mundo melhor, nasce a Praça da Paz Universal”, com o seguinte texto: “O país que mais tem sabido confratenizar homens de todas as raças, oferece agora ao mundo um monumento vivo e duradouro – uma praça onde estarão plantadas árvores de todos os países, de todos os continentes e que, juntamente com um pau-brasil, servirão de exemplo de paz e harmonia. Esta realização, que traz a marca do espírito de irmandade e grandeza de nossa terra, é um acontecimento de repercussão mundial, do qual você se orgulhará hoje e sempre.” (VEJA, 244, maio/1973: 97)

O anúncio mostrando que o Brasil é um “exemplo de paz e harmonia” para o mundo em plena repressão política interna das mais violentas (embora o governo Médici já estivesse encerrado e, neste momento, os primeiros meses do governo de Ernesto Geisel iniciasse, lentamente, uma repressão menor) mostrava bem a reversão de valores com o universo dos pacifistas da época. Linguagem Jovem O DNER apostou na sua campanha de conscientização da direção de carros, em imagens de jovens. Um de seus anúncios mostrou quatro crianças dentro de um carro e, como o título “Está cada vez mais difícil morrer de velho”, enfatizou, no texto, que “Nossa geração está voltando àquele tempo em que os homens tinham de morrer no campo de batalha”, descrevendo vários tipos de imprudência como se os motoristas fossem guerreiros. E conclui: “Se todos nós entrarmos na estrada dispostos a não arriscar a vida de nossas famílias e da família dos outros, as estradas serão menos povoadas por guerreiros. E, principalmente, menos povoadas de guerreiros vencidos”. (VEJA, 271, novembro/1973: 137) O amor também seria destacado na campanha: “Para viver um grande amor é preciso estar inteiro”. (VEJA, 277, dezembro/1973: 14) E, logicamente, a família: “A família. Você conhece motivo melhor para dirigir com cuidado?” (VEJA, 278, janeiro/1974: 12) A “nova” linguagem da juventude e sua liberdade também foram exploradas. A IBM lançou o seguinte anúncio: “Os jovens estão falando uma nova e bela linguagem que não precisa de palavras. Os jovens estão falando com gestos. Cada um deles é um símbolo. E a sua linguagem é a esperança. O que eles querem dizer é que – seja você quem for, faça o que você fizer – há sempre um ponto de contato. Mesmo que você fale uma linguagem diferente. Nós, da IBM, temos um exemplo disto. Nós fomos às universidades. E levamos uma nova linguagem. A linguagem dos computadores. (...) Hoje, mais de 30 universidades brasileiras contam com os computadores e os serviços da IBM. E milhares de jovens estão aprendendo uma linguagem diferente. Feita de números, gráficos, perfurações e fitas magnéticas. Uma linguagem um pouco menos poética que a deles. Mas que, no fundo, no fundo, tem o mesmo sentido. Eles estão falando de esperança. E nós estamos falando de futuro.” (VEJA, 152, agosto/1971: 69)

A imagem era de uma fotografia de uma mão fazendo o gesto de paz e amor. A campanha procurava mostrar que era a valorização do homem que a IBM buscava, pois, em outro anúncio (descrevendo sua fábrica em Campinas): “Uma fábrica, por fora, na aparência. Uma fábrica, como tantas outras. Mas por dentro é o homem. É o trabalho, o objetivo do homem. Se você olhar bem, de um lugar assim, você pode enxergar o futuro. De dentro para fora. É assim que nós vemos as coisas.” (VEJA, 155, agosto/1971: 73)

O estilo livre e cheio de gírias também foi aproveitado pela publicidade brasileira. A Volkswagem lançou este anúncio utilizando-se, basicamente, apenas de gírias: “Bizz-Bizz-Bizzzuuuummm! Chegou o Bizorrão! V. viu o que VW aprontou agora? Outra boa. Ela pegou os macetes mais curtidos por aí, juntou tudo bem juntado e saiu com este tremendo carango que é o Bizorrão. Putz! Um ouriço, podes ver pra crer: Motorzão zuncador, com 1600 cc de veneno. Entra extra de ar, em relevo, zi fôlego! Rodas aro 14 zás-trás, fazendo o carro mais baixo e agarrando na pista. Já ta sentindo a barra da performance? Então, saca como v. vai comandar a máquina: O volante zorra e o câmbio zig-zag são pequenos, tipo competição. Ta sabendo, quanto menor o movimento que o piloto tem que fazer, mais depressa o carro obedece.Zapt! Zupt! Os bancos zum-zum, com encosto que segura v. nas curvas. (Reclinam até o assento de trás pra v. transar bem uma parada.) E o painel tem conta-giros, e tudo que é marcador, pra v. ficar sempre dono d situação num passar de olhos ziiing! Agora, não fique tranqüilo aí, que a esta altura tem bicho demais vidrado no Bizorrão. Se v. quer descolar o seu, tem que pintar depressa num Revendedor VW. Super Fuscão 1600 S” (VEJA, 373, novembro/1975: 45)

A imagem apresentada mostrava um desenho de vários jovens, estilo hippie, em volta do fusca, o tal “Bizorrão” – devemos lembrar que um dos apelidos do carro Fusca na época era de “besouro”. Usar a linguagem da época foi uma estratégia regularmente utilizada, conforme podemos perceber no anúncio do Banco do Brasil, com o título “Abra uma conta no Banco do Brasil. Você vai sacar muita coisa”: “Vai sacar, por exemplo, as vantagens de ser cliente da maior rede bancária da América Latina. Verá o que quase 1.000 agências distribuídas por todo o País (e 28 dependências no exterior) podem transar por você. E mais: Cheque-Ouro, cheque de viagens, todos os serviços bancários; com rapidez e eficiência. Você vai poder viajar sem grilo. Em todo lugar existe uma agência do Branco do Brasil. Aqui e nos principais centros financeiros do mundo, para na nossa. Use o Banco do Brasil.” (VEJA, 375, novembro/1975: 5)

A imagem destacava vários jovens numa universidade. O conceito de liberdade seria tão extenso que uma seita satanista teria repercussão mundial, a Process Church of the Final Judgment, e seus textos apareceriam no álbum “Maggot Brain” da banda Funkadelic em 1971. E a busca por uma vida alternativa levaria milhares de jovens a montar comunidades alternativas e ter uma vida comunitária. Comunidades Alternativas e Vida Comunitária Nos Estados Unidos chegaríamos a ter aproximadamente duas mil comunidades alternativas. (TALESE, 2002: 281) A motivação principal era, claro, “fugir” do sistema mostrando que os ideais contraculturais eram viáveis – afinal de contas quatrocentas mil pessoas não tiveram os seus três dias de paz e amor em Woodstock, sem incidentes ou violência? A mística do festival, além de “sexo, drogas & rock´n´roll”, alimentou a idéia de que os jovens

poderiam criar sua própria comunidade com organização e paz, vivendo longe das cidades e felizes no campo. Até a produção do álbum “Exile on Main Street”, dos Rolling Stones, entre 1971 e 1972, no litoral sul da França (mais especificamente Villa Nellcote), ou seja, longe da capital Paris, iria apresentar a imagem de uma comunidade hippie extrema: drogas em quantidades absurdas, sexo desenfreado e, logicamente, rock´n´roll. (GREENFIELD, 2008) A história do famoso festival não foi tão simples assim, (TIBER e MONTE, 2009) mas a imagem, em particular imortalizada pelo filme, estimulariam milhares de jovens para a vida comunitária no campo - tanto como atrás de seu próprio Woodstock - e Nelson Motta tentou criar a versão brasileira do festival por toda a década de 70. (MOTTA, 2000: 123) A “vida comunitária” na Villa Nellcote, embora tenha ajudado a produzir uma das obras-primas dos Stones, também proporcionou inúmeros problemas legais com as autoridades francesas, problemas com bandidos locais e vícios em drogas de muitos participantes da “temporada no inferno”. (GREENFIELD, 2008) Uma espécie de movimento pela vida do campo teria impacto no Brasil através da música “Casa de Campo”, na interpretação de Elis Regina, mas gravada originalmente em 1973 pelo trio Sá, Rodrix & Guarabyra (nome baseado na banda norte-americana Crosby, Stills & Nash, grupo que tocava Folk e Country, essencialmente, ou seja, ritmos mais ligados ao campo). A música pregava a simplicidade e alegria da vida do campo. O próprio trio não levaria muito a sério as imagens da música já que raramente ficaram no campo: os três músicos, juntos ou separados (Zé Rodrix abandonaria o trio; Sá & Guarabyra continuariam em dupla) fizeram inúmeros jingles comerciais, inclusive alguns relacionando a juventude ao produto, como o clássico jingle para a Pepsi, “Só tem Amor quem tem Amor pra Dar”. (BAHIANA, 2006: 206) Mas os representantes da idéia de comunidades alternativas no Brasil foram os grupos de rock Mutantes e os Novos Baianos. (GALVÃO, 1997: 23) Além do consumo de drogas, os dois primeiros chegaram a viver em comunidades alternativas (os Mutantes na Serra da Mantiqueira em São Paulo e os Novos Baianos na Boca do Mato em Jacarepaguá). (CALADO, 1995, 57) Mas foi uma comunidade alternativa não ligada aos grupos de rock que iria se destacar no Brasil: além de produzir seu sustento com produtos agrícolas, levantou dinheiro suficiente para a realização de um filme, “Geração Bendita”. Os gastos do filme (não recompensados pelo seu fracasso de distribuição e bilheteria), além de problemas de convívio com os moradores locais, levariam esta comunidade ao fim – mas outras sobreviveriam como “comunidades hippies” até hoje freqüentadas por turistas. Mas foi uma série de anúncios com da empresa Shell com os Mutantes que a imagem de comunidade jovem ficou mais caracterizadas.

As imagens psicodélicas tornaram-se constantes e a Shell, anunciando seus produtos, as utilizaria constantemente. O anúncio do Super Motor Oil da Shell apresentava imagens bastante variadas e coloridas, enfatizando que é o “óleo do futuro disponível hoje” e que o “carro pra frente vai de Shell”. (VEJA, 1, setembro/1968: 63) Uma presença constante nos anúncios da Shell foi a do grupo de rock Mutantes, o que relacionava a marca à juventude. O uso de imagens psicodélicas que procuravam assemelhar-se ao desenho animado dos Beatles, Yellow Submarine, mesmo que, às vezes, em preto-e-branco, intensificaram-se com a presença da banda nos comerciais. Uma série de anúncios foi realizada com o grupo. Um deles utilizando, inclusive, a imagem de Rita Lee vestida de noiva, como ela se apresentou com os Mutantes de Gilberto Gil no festival de música, num calhambeque – referência a outro ícone pop da época, Roberto Carlos. (VEJA, 37, abril/1969: 41); noutro, Arnaldo e Sérgio Baptista, vestidos de legionários franceses no meio do deserto, pedindo “espírito das areias escaldantes, levai-nos a um posto Shell”, encontram Rita Lee com a salvação de sua vidas: “S.H.E.L.L S.U.P.E.R algo mais aaaalgo mais!” (VEJA, 39, junho/1969: 59); num terceiro, vemos o rosto destacado de Rita Lee com os outros dois mutantes vestidos como os membros do “Sgt. Pepper´s”, álbum dos Beatles, reforçando imagens da época no texto: “Na direção do vento, do tempo, da ação, Shell Super no motor, eu chego bem perto do amor. É supervida, supercolorida, vamos cantando Shell Super, Super, Super!” Em outro anúncio, em preto-e-branco, com caricaturas psicodélicas dos três membros, destacou, no balão da imagem de Rita Lee, que a “Shell é vida no seu carro, UAU!” (VEJA, 31, abril/1969: 21) Já em outro, também em desenhos em preto-e-branco, também caracterizados com os traços psicodélicos, em forma de quadrinhos, os três mutantes vão correndo para dar a partida no seu carro, pois a “Shell Super é vida”. O primeiro quadrinho tem um texto bastante sugestivo para uma época em que as drogas estavam começando a se popularizar, mas suas expressões ainda eram desconhecidas do grande público: “Olha minha mão, vamos voar!” A referência é, logicamente, ao carro, pois “Com Shell Super no Motor você vai sempre, você vai longe”. (VEJA, 33, abril/1969: 41) A idéia de vida acelerada foi reafirmada em outro anúncio da Shell com os Mutantes: “Dê a partida acelere a vida Shell Super vida no motor você vai sempre você vai longe Shell Algo mais na sua vida!” (VEJA, 35, maio/1969, 37) A falta de pontuação indica uma postura mais direta para a vida – imagem típica da juventude, sendo que a presença dos Mutantes ajuda a reforçá-la ainda mais. Grande parte desses anúncios já foi matizada pela televisão, já que a campanha da Shell com os Mutantes realizou também comerciais televisivos. Assim, os anúncios da revista procuraram seguir a lógica visual da televisão, que também apresentava elementos

surreais e psicodélicos, prática que seria muito comum de acontecer nos próximos tempos na mídia brasileira como um todo. Misticismo A busca por novas formas de alternativas à vida ocidental colocaria várias religiões e filosofias orientais nas discussões da Contracultura. Os beats foram pioneiros ao mostrarem ao mundo ocidental o zen-budismo – e também como as práticas com essas religiões seriam seguidas pela maioria do público ocidental, ou seja, superficialmente. Logicamente que alguns foram praticantes sérios, como o escritor beat Gary Snider (SNYDER, 1984) e Alan Watts (WATTS, 2002) – muitas das suas discussões e debates esclareceram o significado da lógica religiosa oriental. Existiu um interesse musical pela Índia no começo da década de 60 na Inglaterra e muitas músicas utilizaram do som de cítaras nos seus arranjos. (GOULD, 2009: 455) Mas foi o interesse do beatle George Harrison, a partir de 1965, que colocaria as religiões orientais em contato com um grande público – os próprios Beatles iriam seguir um guru, Maharishi Mahesh Yogi e passar alguns meses no seu curso de meditação em Rishikesh, no Uttar Pradesh, na Índia. (SPITZ, 2007: 744) A visão ocidental da Índia e sua cultura criaram imagens poderosas, embora pouco reais: comunidades exóticas de meditação, sexo e drogas, buscando a verdade interior essa visão foi inventada pela ótica ocidental, uma prática constante historicamente, pois, nas palavras de Edward Said o orientalismo, nome dado à prática, é “um modo de resolver o Oriente que está baseado no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiência ocidental européia”. (1990: 13) Quando muitos hippies e simpatizantes visitaram a Índia ficaram surpresos com a diferença: encontraram religiões formais fechadas e disciplinadas, com visões bastante restritivas ao sexo e, principalmente, às drogas. Mas as religiões orientais estimularam a busca pelo misticismo, pelo sobrenatural, por opções ao racionalismo do mundo ocidental. O lado místico da Contracultura era bem apresentado na publicidade brasileira. A “Era de Aquarius” seria aceita também por outros meios de comunicação, não apenas a imprensa alternativa. A coluna denominada “A Magia Comanda a Vida”, da revista Lar Moderno, assinada pelo pseudônimo Acquarius, demonstra que “nunca foram vendidos tantos livros de ciências ocultas, e nunca, como hoje, foi tão frenética a corrida ao mistério, à magia e ao ‘invisível’”. (LAR MODERNO, novembro /1972: 30) E na mesma página temos um anúncio de uma “Jóia Magnética Vitafor”, que o fará reencontrar a “alegria, felicidade, gosto de viver, confiança, equilíbrio psíquico, etc.”. Para o anúncio desta “chave da vida” foram utilizadas fotografias de Nelson Ned e de Fernanda

Maria que usavam a tal jóia. (LAR MODERNO, novembro /1972: 30) E encontramos vários anúncios sobre o tema, como “Parapsicologia por correspondência”, curso ministrado pelo frei Albino Aresi e equipe Médica da “MENS SANA” (VEJA, 291, abril/1974: 46) e o anúncio da venda do livro de Gibran Khalil Gibran, O Profeta. (VEJA, 411, julho/1976: 58) O misticismo também era explorado por várias empresas em seus anúncios publicitários. A Gradiente utilizou a imagem de um jovem barbudo, roupa simples, claramente uma junção da imagem de um hippie com a de Jesus, com um colar em forma do logotipo da empresa, com o título “Surge uma nova religião: Gradiente.” O texto afirmava: “A Gradiente convida você a desligar o mundo e entrar para a religião do verdadeiro som profissional. (...) E os revendedores abaixo, como gurus desta nova religião que surge para acompanhar você a vida toda, são todo ouvidos. Fale com eles. Os gurus Gradiente são guias para o som de gente grande. O resto é silêncio.” (VEJA, 99, julho/1970: 21)

No anúncio dos fósforos Fiat Lux, foi utilizado uma imagem hippie: quatro jovens, dois rapazes e duas moças, acendendo um pilão de metal, com o título “Para os novos adoradores do fogo”. As caixas dos fósforos, destacadas no lado da fotografia com os jovens, são apresentadas em cores psicodélicas. (VEJA, 101, agosto/1970: 2) A Fiat Lux também se aproveitou do misticismo da época: apresentando um idoso com as mãos numa bola de cristal, com um rolo de papel perfurado (formulário da loteria esportiva da época) flutuando atrás e junto de suas mãos na bola, o título apresentava: “Para os futurólogos de si próprios”. Abaixo, mais à direita, várias caixas de fósforos com desenhos do Ziraldo. (VEJA, 104, setembro/1970: 2) Elementos esotéricos também eram utilizados. Um anúncio do grupo químico da Rhodia usou a imagem de um alquimista, que poderia “transformar o metal mais comum em ouro”, para mostrar seus atributos: “A Rhodia fez este anúncio porque sente na sua filosofia, uma total afinidade com os princípios dos alquimistas. No afã de pesquisar, na necessidade de inventar, no propósito de melhorar cada vez mais, a vida de um número cada vez maior de pessoas. Isso para a Rhoidia já é a pedra filosofal, ‘essa substância miraculosa capaz de provocar toda sorte de transformações’. Pena que os alquimistas não perceberam.” (VEJA, 242, abril/1973: 16-7)

Utilizando uma imagem de uma cartomante lendo cartas, o anúncio da Eximport Lubrificação Centralizada desconfiava de tais práticas, com o título “Não confie sempre na sorte”, pois “Sorte, um fator em que V. não deve confiar na lubrificação de sua máquina”. (VEJA, 297, maio/1974: 99) O esoterismo foi caracterizado num pequeno anúncio do Banco Itaú, com a imagem de uma cartomante com uma bola de cristal na sua frente, destacando: “Hoje é um dia favorável para as pessoas nascidas entre 1º de janeiro e 31 de dezembro ficarem clientes de um

banco só”, pois “Não importa o seu signo” já que o “dia é sempre favorável para quem tem conta no Itaú”, que “combina com clientes de qualquer signo”. (VEJA, 411, julho/1976: 12) Buda também aparecia na publicidade, como podemos perceber no anúncio do relógio Rolex onde uma mão feminina, com o relógio no pulso, segura uma imagem de Buda. (VEJA, 270, novembro/1973: 111) Podemos encontrar essas visões mais transcendentais em particular na obra musical de Raul Seixas e de seu colaborador nas composições, Paulo Coelho, na busca pela já citada “sociedade alternativa” e do “novo aeon”, conceitos baseados nos “ensinamentos” do “mago” britânico Aleister Crowley, personagem que influenciaria muito da Contracultura norteamericana e inglesa por sua pregação em excessos de sexo e substâncias que alterem a mente, além da lógica do “Não há lei além de Faze o que tu queres!” (ou “Faze o que tu queres pois tudo é da lei!”), seu preceito máximo (os Beatles colocariam seu rosto na capa do álbum “Sgt. Pepper´s” e o guitarrista do Led Zeppelin, Jimmy Page, colocaria muito das suas pregações místicas nas capas e na música de sua banda – chegaria a comprar a casa que Crowley viveu). (WALL, 2009: 260-1) As imagens esotéricas seriam utilizadas até por empresas pouco “modernas”, como a Serraria Americana (da Salim F. Maluf S.A.). O anúncio com o título “O Festim dos Bruxos” destacou: “Ai da tora que cair na mão dos bruxos da Serraria Americana. A vida dela vira um verdadeiro inferno. Um inferno de vigas, pontaletes, estrados, tacos, lambris, paredes divisórias etc. etc. Em compensação, feliz de você se cair na mão deles. Os bruxos trasnsformam o seu problema de madeira num mar de rodas. (...) Você não sabe do que uma Bruxaria, ou melhor, uma Serraria bem intencionada é capaz.” (VEJA, 61, novembro/1969: 47)

A imagem: três bruxas numa caverna, em preto-e-branco. Sensualidade As questões envolvendo sexo foram uma das mais polêmicas em relação à Contracultura. O descobrimento da pílula anticoncepcional e a cura pela penicilina de doenças sexualmente transmissíveis que matavam lenta e dolorosamente (como a gonorréia e a sífilis), logo na virada das décadas de 50 e 60, ajudaram a redefinir o papel do sexo nas relações humanas: a natalidade e a morte estavam sobre controle, abrindo caminhos para novas experimentações sexuais. A geração que formaria a Contracultura, portanto, poderia utilizar o sexo como bandeira de luta contra as tradições: as típicas representações do sexo como pecado, construídas por séculos de tradição cristã e conservadora, poderiam ser contestadas, pois as maiores figuras do pecado (filhos e morte) estavam, aparentemente, contidas. O próprio “hino de guerra” da

Contracultura, o rock´n´roll, era uma música física, onde a batida era fundamental para pegar as entranhas do ouvinte e não, necessariamente, a sua sensibilidade – a própria expressão rock´n´roll era uma gíria do público negro norte-americano designando sexo. (TOSCHES, 2006: 26) Assim, o lema “amor livre” ficaria famoso: o sexo não era pecado e nem era nem mortal, mas uma prática saudável e, quando não, revolucionária. A idéia de Wilhem Reich de que sexo e política eram a mesma coisa, ou seja, que a revolução política e a liberdade sexual deveriam ser vistos como complementos um do outro, estimulariam a famosa frase “Faça amor, não faça a guerra!”, gritada pelos manifestantes contra a Guerra do Vietnã. (GIDDENS, 1993: 175-181) A representação tornou-se um dos lemas da Contracultura: o corpo e a revolução são a mesma coisa. A “revolução sexual”, com seus prós e contras, começava a surgir. A liberdade sexual mostrava problemas mesmo dentro dos grupos da Contracultura. Embora as mulheres pudessem fazer sexo sem tanta culpa, o duplo padrão conservador ainda imperava – é positivo o homem fazer muito sexo com várias mulheres, é negativo a mulher fazer sexo com vários homens. (ECHOLS, 2000: 199-202) A própria Nova Esquerda norte-americana pregava a liberdade sexual sem enfatizar os diretos das mulheres – assim o feminismo norte-americano desenvolveu-se paralelo à Nova Esquerda, e não junto. (GOFFMAN e JOY, 2007: 311) O próprio movimento gay também se desenvolveu em paralelo da Nova Esquerda e da Contracultura, que nem sempre aceitavam o homossexualismo em seus ideais – as revoltas do bar Stonewall, em Nova Iorque, no final dos anos 60, pegou todos os movimentos contraculturais de surpresa. (TIBER e MONTE, 2009: 99-123) A pornografia, elemento sempre visto como negativo tanto pela Cultura Oficial quanto pela Contracultura, ficou mais ambígua em relação a este último: ela apresentava o sexo como a Contracultura pregava (livre) e explorava economicamente esta apresentação, o que a Contracultura repudiava. Assim, casas de massagem, filmes pornográficos, show de strip tease, prostituição, etc., ganharam proporções gigantescas e pouco revolucionárias – na verdade formaram-se vários conglomerados para explorar a sexualidade “livre”. (TALESE, 2002: 31623) Cada vez mais a sensualidade foi ganhando espaço na publicidade brasileira. Um anúncio da Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo, incentivando o uso do açúcar em detrimento do uso de “adoçantes artificiais”, destacou que “quando V. deixa o açúcar V. sente mais fome, pode comer mais e... engordar. E quando V. não deixa o açúcar V. sente menos fome, pode comer menos... e emagrecer. Pense nisso. E V. estará se preparando para usar biquini. Aproveite”. (VEJA, 15, dezembro/1968: 33) O anúncio é acompanhado com uma foto mostrando um corpo feminino usando biquíni.

O perfume Imprévu também apostou na sensualidade, utilizando uma foto de uma mulher nua da cintura para cima, de lado, abraçando-se (para esconder os sios), indicando que “Você nunca sabe quem você realmente é até usar Imprévu”. (VEJA, 5, outubro/1968: 9) O texto maior é bem direto no “uso” do perfume: “Use-o naqueles pontos mais vivos, elétricos, que até parece que pulsam mais: entre os seios. Na nuca. Em cima dos lábios. Atrás das orelhas. Atrás dos joelhos. Você nem imagina o que pode acontecer um minuto depois”. A Air France também destacou a nudez de uma jovem de perfil, seio exposto, olhando para o mar – local paradisíaco onde a empresa poderia levar o cliente (título: “Air France apresenta a folga do Taité: Lima-Taití-Tóquio. Porque um homem de negócios precisa de toda a folga que puder conseguir”). (VEJA, 238, março/1973: 43) A empresa Dinâmica Congressos foi ainda mais longe: mostrou, em desenhos, uma orgia com sexo e comida, com o título “Convenção é coisa séria”. O texto insinua que a empresa é séria ao fazer os eventos de quem a contratar, pois “Não vai dizer que v. é daquele tipo de empresário que pensa que convenção é uma ‘reunião franciscana’? Não é que a gente seja contra, mas brincadeira tem hora”. (VEJA, 246, maio/1973: 44) O anúncio da feira Courovisão, evento de modas, também se utilizou da nudez como forma de expressão: uma modelo, nua, atrás de um vidro ondulado (pode notar o bico do seio no vidro, com o título “Descubra em pleno verão os segredos da moda em couro para o próximo inverno”. (VEJA, 274, dezembro/1973: 43) Duas lindas mulheres juntas, envoltas em dois longos tecidos, um azul e outro avermelhado, dão o clima sensual do anúncio das roupas Nova América. (VEJA, 281, janeiro/1974: 11) O anúncio do depilador Walita também utilizou sensualidade: uma jovem de braço levantado, depilando-se, mas nua da cintura para cima. (VEJA, 295, maio/1974: 75) O absorvente o.b.* também apostou na sensualidade. Seu anúncio apresentou uma linda mulher de biquíni branco com o título “Você estaria disposta a posar para esta foto se estivesse naqueles dias?”, com o texto destacando: “Você vai continuar deixando de ir à praia, tomar sol, nadar, e perdendo a chance de continuar sendo a mesma mulher que foi durante os outros 25 dias do mês, só porque ficou menstruada? Esta é uma pergunta que o absorvente o.b.* veio responder. Porque com o.b.* você pode fazer exercícios , praticar esportes e levar uma vida completamente normal.” (grifos do anúncio) (VEJA, 327, dezembro/1974: 12-3)

Não perca a sua liberdade como mulher, compre e use o produto – a reversão dos valores fica evidente. A nudez feminina não foi exclusiva. A Victor, empresa de produtos de beleza masculinos, também iria anunciar seus produtos com nudez, mas, neste caso, a masculina: os produtos foram colocados em pequenos quadros que cobriam partes estratégicas do modelo nu.

O título: “Os 10 pontos fracos de uma mulher”, anunciando 10 produtos (dois por quadro) de beleza masculina. (VEJA, 137, abril/1971: 37) A moda unisex ganharia relevo neste momento – e a linguagem contracultural se fazia presente, como podemos perceber no texto a seguir: “Unisex. A camisa. As calças. Os cordões. As bolsas. O fixador de cabelos... Wellaform. E o shampoo anti caspa... Life Tex. Os dois são unisex. Wellaform fixa o penteado do homem e da mulher. Um creme para pentear que não gruda, nem empasta. E Life Tex que acaba de uma vez com o problema da caspa – seja masculina ou feminina. Ponha isto na cabeça, bicho...” (VEJA, 209, setembro/1972: 78)

A imagem apresentava dois jovens, um rapaz e uma moça, vestidos com roupa unisex. A Contracultura era utilizada com certa freqüência, em particular a imagem do hippie e um de seus ideais, o amor livre. A fabricante de colchões Milplast utilizaria uma espécie de trocadilho com uma de suas produções no anúncio denominado “Ponha um hippy na sua cama”, com a imagem de uma mulher de camisola sentada numa cama. O tal hippy citado era o Colchão Hippy, “um colchão que é ao mesmo tempo ortopédico, anti-alérgico e antibactericida” e que, caso você durma com ele, “nunca mais vai querer saber de outro na sua cama”. (LAR MODERNO, dezembro/1972: 30) O outro colchão anunciado neste mesmo comercial denominava-se Pop – ou seja, as imagens modernas da época estavam sendo aproveitas. (LAR MODERNO, dezembro/1972: 30) A reversão de valores da sensualidade nos anúncios foi uma das grandes marcas da década de 70, pois a agências de publicidade tinham de trabalhar com o gosto popular (por nudez e sexo), com a moral (que proibia ambos) e com os usos mais politizados propostos pela Contracultura (choque de costumes). Assim, a sensualidade apresentada nos anúncios estava longe de ser confrontadora – era uma tendência que o público se interessava cada vez mais e que deveria ser abrandada, sem que o caráter de choque de costumes ficasse evidente. A estratégia de reversão apresentou-se, portanto, assim: algumas imagens mais fortes, cobertas nos lugares estratégicos e mostrando as maravilhas do consumo, sem culpa ou preocupações. Fim do Desbunde, Fim da Festa O slogan “sexo, drogas & rock´n´roll” iria ser um dos pontos mais característicos da primeira metade da década de 70, sendo o chamado “desbunde” brasileiro uma síntese destas práticas. Mais do que um mero slogan, é um pedido para “soltar as amarras” e um grito para cair na “festa” – e seria esta idéia de festa permanente que uma parte expressiva da Contracultura iria cultuar como expressão de liberdade.

Não uma festa qualquer, como o carnaval (outro ponto forte quando pensamos em liberação total) ou datas comemorativas oficiais, mas uma festa contra o sistema. A liberdade destas festas era para a criação de universos alternativos e libertários, onde o amor livre entra em choque direto com os limites da vida sexual oficial, as drogas desafiam diretamente a ordem por darem prazer e serem ilegais, tendo como fundo musical o rock. A reação contrária à idéia de festa foi bastante forte. No Brasil, um anúncio publicado no começo da década de 70 chamou a atenção ao procurar mostrar as conseqüências desastrosas do uso de drogas: o comercial retratava o fim trágico de Jimi Hendrix (sufocado por vômito depois de consumir excesso de barbitúricos e dormir) e Janis Joplin (overdose de heroína). Com duas fotos dos artistas, utilizando o efeito negativo do filme, em preto-ebranco, o anúncio abre com o pesar do anunciante: “Estamos chorando por eles.” “Jimmy Hendrix, 24 anos, gênio da guitarra. Morto por drogas. Janis Joplin, 26 anos, estrela do ‘soul’. Morta por drogas. Somos uma empresa intimamente ligada à comunicação. Para Jimmy e Janis, seríamos um punhado de cifras, alienado e sem calor. Uma realidade da qual fugiriam para o mundo mágico que criaram. De onde saem, então, as lágrimas que choramos por ele? Saem de todos nós da Alcântara Machado Publicidade. Da juventude que nos cerca. E que amamos. Porque eles são um sopro de vida no cansaço do mundo. Porque eles são cores, vida, amor, liberdade. Porque o mundo só é rico no coração dos jovens. Por isso, além de nossas lágrimas, estamos colocando nossa arma – o anúncio – a serviço de todos os Jimmys e Janis deste País. Pelo amor de Deus, vivam. Não deixem que a alienação maior – a ‘viagem’ sem fim – acabe sem volta. Não deixem que as drogas os levem para sempre do mundo que vocês querem esquecer. Sem vocês, esse mundo fica ainda pior. Fuja dos traficantes. Em última instância, você, que tem um sereno desprezo pelo ‘mundo dos negócios’, estará alimentando o mais sujo negócio do mundo: drogas. E se você julga que somos nós, os mais velhos, uma das razões do vazio de sua vida que o atormenta, viva o suficiente para tentar mudar o mundo que lhe demos. Ninguém faz nada nem muda nada debaixo do túmulo. Preferimos ver você levantando os braços na ilha de Wight, do que baixá-los para morrer. Não morra por nada. Não vale a pena. Ou, para suar a nossa linguagem: é um mau negócio.” (VEJA, 112, outubro/1970: 48)

O anúncio foi bem significativo para mostrar a derrota da Contracultura. Ele trabalha com seus imaginários: a luta contra o “sistema” (insinuando que Hendrix e Joplin encarariam a empresa de comunicação do anúncio como “um punhado de cifras, alienado e sem calor”); a eterna juventude (pois as “lágrimas” da empresa são para a “juventude que nos cerca”, pois os jovens “são um sopro de vida no cansaço do mundo”); e também da liberdade total (pois os jovens “são cores, vida, amor, liberdade”, já que “o mundo só é rico no coração dos jovens”). Mas a alienação também atinge este universo jovem: as drogas. O apelo emocional foi bem direto: “Pelo amor de Deus, vivam”, não “deixem que a alienação maior – a ‘viagem’ sem fim” – acabe sem volta”. Já que criticam o mundo adulto (“E se você julga que somos nós, os mais velhos, uma das razões do vazio de sua vida que o atormenta, viva o suficiente para tentar mudar o mundo que lhe demos”), procurem, então, mudar o “mundo que

lhe demos”. “Não morra por nada” e, para fechar o anúncio, utilizando “a nossa linguagem” (da empresa), “é um mau negócio”. Um texto longo e sem as referências diretas às mortes de Hendrix e Joplin (foram as drogas, mas sem detalhes das mesmas ou de seus efeitos), em tom de apelo emocional exagerado e mostrando um universo contracultural destruído e perigoso. Conteste, sim, mas dentro de limites, dentro de certas circunstâncias, pois, caso contrário, a morte! Na disputa política entre o poder e o contra-poder a utilização de referenciais fortes é constante – e as mortes de Hendrix e Joplin, conforme veremos, não ajudaram a Contracultura, aliás, permitiram que seus exemplos (no caso, uso fatal de drogas) permitissem a criação de discursos conservadores, como este anúncio. A luta simbólica é cruel sempre e o discurso da ordem aproveita-se também dos erros, acidentes e derrotas de seus adversários. O discurso da ordem acabando com a “festa” estava evidente num dos mais famosos comerciais de televisão, comercial este constantemente reapresentado, o desenho que anunciava o D.D.DRIN – que utilizou da imagem de um movimento até crítico em relação à Contracultura, que foi o chamado Glam Rock ou Glitter Rock. Tal movimento surgiu no começo da década de 70, em particular na Inglaterra, e seria um dos primeiros movimentos jovens a confrontar a Contracultura, pois se caracterizou, essencialmente, em um comportamento de choque. Além de pregar relações homo e bissexuais (que pouco lembrava a “consciência” da “política do corpo” típica da “Revolução Sexual”) e da valorização do artificial (maquiagem, uso de plásticos, roupas sintéticas lembrando ficção-científica, etc.), o movimento buscava criar novos mundos, mesmo que imaginários e inalcançáveis, e não interagir para mudar o mundo concreto, que era um dos pilares do pensamento contracultural. (THOMPSON, 2000) A imagem de Ziggy Stardust, personagem criado por David Bowie no álbum conceitual The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972) foi bem significativa do movimento: um alienígena de cabelos vermelhos e roupas sintéticas coloridas que vem à Terra cinco anos antes de sua destruição para divertir as massas com seu comportamento sexual livre e tocando rock´n´roll e, desiludido com toda a situação, pensa em suicídio como escapatória – não existia nada menos Hippie do que tal personagem. (THOMPSON, 2000) As músicas do álbum (e do movimento como um todo) também eram críticas à estética do final década de 60 e início da década de 70: músicas curtas (rocks rápidos e baladas intensas), com riffs e letras diretas, reagindo ao rock Progressivo da época com suas músicas extensas e letras “viajantes” para “reflexões profundas” e/ou “viagens” com drogas. Em muitos sentidos, a política de choque e a música direta foram características precursoras do Punk que viria poucos anos depois (uma das táticas de promoção utilizadas pelo empresário dos Sex

Pistols, Malcolm McLaren, era justamente a do choque, herança de sua atuação como Situacionista na década de 60; uma das bandas pré-punks mais importantes, New York Dolls, era caracterizada como pertencente ao Glam/Glitter Rock, assim como a banda Sniper, conjunto amador que revelaria o vocalista Jeff Hyman, futuro Joey Ramone). (THOMPSON, 2000) O grande representante brasileiro do movimento, embora não tivessem muito conhecimento disso na época, foi o grupo Secos & Molhados, que conseguiram imenso sucesso comercial em seu primeiro álbum lançado em 1973. O vocalista Ney Matogrosso dizia-se um hippie total e adaptou-se bem à estética colorida e de movimentos sensuais do grupo, além de máscaras e maquiagens, razão pela qual o grupo é classificado como Glam/Glitter – embora não tenha sido o movimento inglês a grande inspiração do grupo, e sim a trupe teatral brasileira conhecida como Dzi Croquettes. O Glam/Glitter seria destacado pela Telefunken, num anúncio sobre o seu aparelho de televisão PALcolor, destacando um grupo de jovens pintados de maneira bastante gritante. (VEJA, 368, setembro/1975: 18) Mas foi o comercial televisivo da D.D.DRIM quem mais utilizou a imagem – e reelaborou seu discurso de maneira controlada e conservadora. O comercial, em forma de desenho animado, mostrava uma festa dos típicos insetos domésticos, com música ao vivo (com bateria, baixo e guitarras, formação típica de uma banda de rock´n´roll, além de alguns metais), dança, muitas luzes, mesas de bar e consumo de bebida, entre outras coisas típicas de uma festa. A caracterização dos desenhos era praticamente uma cópia das máscaras e pinturas do grupo Secos & Molhados, ou seja, os insetos estavam todos pintados e dançando freneticamente, fazendo a conexão entre a Contracultura e o Glam/Glitter – como era comum na época, não ocorreu aos publicitários que existia uma distinção entre os movimentos e, assim, a juventude voltou a ser colocada como uma “entidade única”. Com a “pulguinha dançando iê-iê-iê” e o “pernilongo mordendo meu nenê”, além da traça passando o dia inteiro “a roer”, a dona-de-casa tem de dar um fim na festa e chama a autoridade, o agente da D.D.DRIN, que dedetiza o local, pois, assim, “os passeios das baratas pela casa terão fim”. E a festa acaba, ou seja, o poder recoloca a ordem simbolicamente – eis um dos usos constantes que as organizações fizeram do imaginário da Contracultura. Mas ela não podia ser destruída, tinha de ser incorporada – e podemos notar como ela o foi pela “guerra” publicitária entre as marcas US TOP e Lee.

US Top e Lee Os comerciais que mais trabalharam a idéia de liberdade foram os das calças US TOP e o da bebida Pepsi. O primeiro, composto por Renato Teixeira, imortalizou sua marca com o slogan “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” – tanto que o nome da grife seria Hippie; o segundo, já citado anteriormente, reafirmava o caráter de livre escolha, pois “Nós escolhemos Pepsi e ninguém vai nos mudar”. (BAHIANA, 2006: 206) Mas o uso da liberdade foi mais intenso com a US Top e sua concorrente, a Lee. A US Top trouxe, no começo da década, uma idéia sobre o que ser jovem é ser livre - e apresentava também o tipo de calça que acompanha tal característica: “A primeira calça brasileira que desbota e perde o vinco. O nome dessa calça é U.S. Top. Ela é feita com o autêntico tecido Denim Índigo Blue. O tecido que tornou famosos os jeans americanos. Ele desbota muito e desbota pouco, como você quiser. Quanto mais usado, surrado e lavado for, mais bonito e macio ele fica. Esse tecido está numa calça de boca larga, ajuste perfeito e Made in Brasiz: a U.S. Top. De agora em diante quem não usar U.S. Top vai pagar caro por isso. Falei? “ (VEJA, 223, fevereiro/1973: 87)

A imagem é bem significativa: um rapaz da cintura para baixo usando a calça U.S. Top. Com a mesma imagem, outro anúncio da U.S. Top reforçaria sua imagem junto à juventude, com o título “U.S. Top – a prova que o mundo do jovem não tem fronteiras nem preconceitos”: “Uma calça descontraída que desbota e perde o vinco. (...) A U.S.Top nasceu aqui conosco, mas logo cedo começou a rodar o mundo. E encontrou o jovem que vive nos Estados Unidos, na Holanda, na Inglaterra, no Japão. Esses jovens ficaram amigos da U.S. Top. Porque ela é descontraída, desbota e se ajusta direitinho ao seu jeito de vier. Faça de U.S. Top a sua companheira. A U.S. Top vai se ajustar ás suas idéias. Ela é brasileira e fala a sua língua. A língua de um mundo sem fronteiras nem preconceitos.” (VEJA, 268, outubro/1973: 93)

Na mesma linha, a campanha continuou: “Solte o seu corpo dentro da calça que desbota e perde o vinco. E viva a liberdade.” (VEJA, 297, maio/1974: 76) A linguagem jovem também foi utilizada: “De hoje em diante você pode ficar sempre numa boa. Chegou a camisa U.S. Top”, ressaltando a imagem de um casal de jovens, ele sobre uma moto, ambos vestindo a camisa. (VEJA, 380, dezembro/1975: 131) A concorrência da US Top contra a Lee intensificou-se na segunda metade dos anos 70, e ambas procuraram explorar a idéia de liberdade da Contracultura e da juventude. O já citado tecido demin índigo blue foi o catalisador das campanhas. Utilizando-se da imagem seis jovens sentados no banco de uma estação de trem, vestidos de jeans, a US Top deu início à campanha: “Denim Índigo Blue, um privilégio de poucos no mundo. Denim Índigo Blue é o tecido que dá autenticidade a um jean, porque só ele desbota do jeito que todo mundo gosta. Quanto mais

usado e lavado, mais aumenta aquela cor azul-prata que faz do autêntico jean uma roupa única e emocionante. No Brasil, o Denim Índigo Blue é privilégio dos consumidores dos jeans US Top. Porque só US Top é feito com o legítimo Denim Índigo Blue.” (VEJA, 441, fevereiro/1977: 11)

Em outro anúncio da campanha, com a imagem de quatro jovens num balcão comendo lanche e tomando suco e sorvete, todos com as camisas US Top, o texto destacou: “Continue descontraído da cintura para cima. Abra os braços para as camisas US Top. Para atender a uma geração que fez do jean US Top uma roupa única e exclusiva, aqui estão as camisas US Top. Com o mesmo padrão de qualidade já consagrado pela etiqueta US Top. Muitas cores, muita alegria e descontração. Igualzinho ao seu jeito de viver.” (VEJA, 443, março/1977: 16-7)

Com a imagem de cinco jovens com o quadro O Menino Azul, de Thomas Gainsborough, no fundo, a empresa Lee iniciou sua campanha pouco depois, destacando: “Lee, que já pintou o mundo de azul, lança agora a sua moda, com todas as cores do mundo. A calça e jaqueta Lee Riders, no mais legítimo Denim Índigo Blue, todos já conhecem. Pois chegou a hora de diversificar um pouco. Lee lança a moda para qualquer estação. Chegou a hora do brim, do cetim algodão, do veludo cotelê. Da calça/jaqueta, calça/colete, calça/shirt-jacket, camisas, blusões e até bolsas e sacolas de viagem. Naquela profusão de cores: cinza claro, gelo, bege, azul celeste, marrom castor, petróleo, azul marinho e verde garrafa. Tudo para você sair por aí pintando a vida de Lee.” (VEJA, 450, abril/1977: 16-7)

E manteve o mesmo tom na campanha, conforme podemos notar no anúncio seguinte, com o título “Lee, além da fase azul, melhor ainda”: “Lee não segue a moda. Lee faz a sua própria moda. No legítimo azul do Denim Índigo e também em todas as outras cores da juventude. No cinza claro, bege, marrom castor, petróleo, verde e muitas outras combinações, para calças e jaquetas, camisas e T-shirts, bolsas e blusões. Lee, a autêntica. Use a imaginação e pinte o mundo com a liberdade de Lee.” (VEJA, 454, maio/1977: 121)

A imagem: cinco jovens com o quadro A Vida, de Picasso, no fundo. A “resposta” da US Top não tardou: “US Top. Uma idéia tão boa que virou camisa. Quando uma idéia é boa mesmo, acaba tomando conta de tudo. Estão aí as camisas US Top: o seu jeito de viver da cintura para cima. Alegres, coloridas, descontraídas, uma variedade incrível de modelos. Pela qualidade, nem precisa perguntar. É a mesma do jean US Top que você conhece tão bem. Entre rápido numa camisa US Top: a moda agora é liberdade para o corpo inteiro.” (VEJA, 475, outubro/1977: 16-7)

E, em outro anúncio, intensificou a importância do seu produto como um presente: “US Top. Uma camisa tão boa que virou presente. Depois que apareceram as camisas US Top, dar presente ficou muito mais fácil. E receber, muito mais gostoso. É que toda vez que alguém vai dar um presente, acaba mesmo é comprando alguma coisa que gostaria de ganhar. E não tem quem não goste de uma camisa US Top.! (VEJA, 483, dezembro/1977: 16-7)

A imagem: quatro jovens, dois rapazes e duas moças, vestindo as camisas US Top. O tom da campanha foi mantido: com o título “Camisas US Top. Você também vai gostar da idéia”, podemos destacar a imagem utilizada: dois jovens, usando camisas e calças jeans da US Top, comendo frutas, com uma parte escrita embaixo – “As camisas US Top são feitas para combinar com seu jean US Top. E com seu jeito de viver”. (VEJA, 498, março/1978: 56-7) A “resposta” da Lee enfatizou sua marca à moda jovem: “Lee, moda jovem da cabeça aos pés, sem preconceitos de hora. Ou lugar. Uma maneira completa de vestir, em qualquer ocasião. Sem preconceito algum de hora ou de lugar. Um estilo criativo, na calça, na camisa, no blusão, na bolsa e até no coração. Essencialmente seu.” (VEJA, 501, abril/1978: 16-7)

A imagem: oito jovens com roupas Lee. Ainda enfatizando a juventude, o anúncio com o título “Lee, a arte de criar um estilo”. (VEJA, 507, maio/1978: 113), mostrava a imagem de quatro jovens como pintores. Busca de liberdade, com jovens, estilo de vida jovem, modo de viver jovem, moda jovem – livre e jovem desde que consuma os produtos livres e jovens, produtos estes que as duas marcas orgulhavam-se de dizer que possuíam. Não temos nada de contracultural nestes anúncios, pois o “modo livre e jovem” que tanto caracterizou a Contracultura tornou-se “oficial” – o que confirma o próprio slogan da US Top, “liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”, ou seja, agora é regra, não mais contra-regra. O poder da contestação foi revertido na publicidade brasileira. Devemos perceber que o anúncio que reforçou a “regra” que “liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” ficou famoso não nas revistas ou qualquer outro meio escrito, mas sim na televisão – o meio eletrônico, simbolicamente, impôs as novas condições do mundo para ser jovem e ser rebelde. A partir do final dos anos 70 a televisão assume o papel do grande meio de comunicação de massa, o meio por excelência da apresentação de uma série de valores e modas. E seria um anúncio com a marca Ellus, de jeans, que mostraria, definitivamente, os novos tempos. O comercial de televisão mostrava três casais pulando dentro de uma piscina. A sensualidade foi intensa: as moças usavam camisas estampadas (com a marca Ellus), deixando bem evidentes os contornos dos seios; uma delas tira a camisa do rapaz, com a estampa Ellus; lentamente, rapazes abriram os zíperes das calças delas, nadando suavemente e, de repente, puxam a calça - elas estavam com a parte de baixo do biquíni. Os beijos e abraços continuaram intensos, até a apresentação do título “Tire a roupa pra quem você gosta”. Em outras palavras:

viva a sensualidade conquistada e já sacramentada pela Contracultura, mas, para tal, compre o jeans. A música também chamou a atenção: “Mania de Você”, de Rita Lee. A letra da música é bem sensual, mas sem o teor da sexualidade contestatória da Contracultura: ela mais insinua do que apresenta, não chegando a ser pornográfica (os versos “molhada de suor de tanto a se beijar/de tanto imaginar loucuras” são bem representativos da sensualidade intensa sem o caráter de sexo explícito). A ex-Mutante, roqueira mais radical, presa por porte de drogas, agora estava mais sofisticada e pop. O recado era evidente: vamos mudar a imagem e fazer a adaptação aos novos tempos. Não por coincidência Rita Lee iria se transformar numa das maiores vendedoras de discos da virada dos anos 70 e 80 justamente ao mudar sua imagem de roqueira contracultural para uma pop star menos intensa. Devemos destacar, inclusive, que foram suas altas vendagens uma das razões que estimularam as gravadoras a apostarem mais nos novos nomes do rock nacional, que formariam a geração do Rock dos anos 80. (ALEXANDRE, 2002: 23-5) Tanto as imagens do comercial televisivo quanto a música mostraram as novas “regras”. Mostraram, também, o fim da Contracultura, já revertida em opção de vida. Caso fosse possível criar um slogam para a situação, ele seria algo como: “Prezado jovem, seja diferente: consuma!”

Referências Bibliográficas - ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta – o Rock e o Brasil dos Anos 80. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002; - BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006; - CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. 2ª ed., São Paulo: Ed. 34, 1995; - CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. 2ª ed., São Paulo: Ed. 34, 1995; - ECHOLS, Alice. Janis Joplin: Uma Vida, Uma Época. São Paulo: Global, 2000; - GALVÃO, Luiz. Anos 70: Novos e Baianos. São Paulo: Ed. 34, 1997; - GIDDENS, Anthony. A Transformação da Intimidade – Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades Modernas. São Paulo: UNESP, 1993; - GOFFMAN, Ken e JOY, Dan. Contracultura Através dos Tempos: do Mito de Prometeu à Cultura Digital. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007; - GOULD, Jonathan. Can´t Buy Me Love: os Beatles, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009; - GREENFIELD, Robert. Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones – Exile on Main Street. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008; - HOBSBAWM, E. J. Revolucionários. 3ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003; - ISSA, Tatiana e ALVAREZ, Raphael. Dzi Croquettes (Documentário). Brasil: IMOV, 2009; - LAR MODERNO. São Paulo: Abril Cultural, V/edições; - LEARY, Timothy. Flashbacks “Surfando no Caos” – uma Autobiografia. São Paulo: Beca, 1999; - MOTTA, Nelson. Noites Tropicais - Solos, Improvisos e Memórias Musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000; - O PASQUIM. Rio de Janeiro: CODECRI, V/edições; - SAID, Edward W. Orientalismo – o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; - SNYDER, Gary. Velhos Tempos. Porto Alegre: L&PM, 1984; - SPITZ, Bob. The Beatles: a Biografia. São Paulo: Larousse do Brasil, 2007;

- TALESE, Gay. A Mulher do Próximo: uma Crônica da Permissividade Americana Antes da Era da AIDS. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; - THOMPSON, Dave. 20th Century Rock & Roll – Glam. Canadá, Burlington: Collector´s Guide Publishing, 2000; - TIBER, Elliot e MONTE, Tom. Aconteceu em Woodstock. Rio de Janeiro: Best Seller, 2009; - WALL, Mick. Led Zeppelin: Quando os Deuses Caminhavam sobre a Terra. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009; - VEJA. São Paulo: Abril Cultural, V/edições; - WATTS, Allan. Cultura da Contracultura: Transcritos Editados. Rio de Janeiro: Editora Fissus, 2002; - WOLFE, Tom. O Teste do Ácido do Refresco Elétrico. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

Conclusões Os “Finais” Possíveis da Contracultura Por volta de 1973 a Contracultura mostrou-se esgotada. De acordo com o jornalista Roberto Muggiati (um dos primeiros brasileiros a comentar profundamente a Contracultura): “Os anos furiosos de 1968 e 1969 não parecem mais do que vagas imagens de um passado distante. As marchas sobre Washington, as manifestações de Berkeley, os distúrbios de Chicago, os festivais de Woodstock e Altamont – todos esses episódios já se tornaram ‘história’. Para a imprensa estabelecida, são apenas quadros da revolução-que-não-houve. Para a contracultura, representam etapas inevitáveis de um processo revolucionário – mais lento porém do que previram os teóricos do underground.” (1973: 106)

Ainda no calor dos acontecimentos, Muggiati ainda pensava que a revolução jovem viria, apesar do recuo estratégico, pois a “visão de um rock domesticado e conformista não passa de uma ilusão cultivada do Establishment, incapaz de perceber que esse recuo foi apenas tático”. Para o autor: “A decadência do acid rock e o esvaziamento daquela imagem monolítica da ‘cultura jovem’, simbolizada pela Nação Woodstock, não representa uma adesão aos valores estabelecidos da velha sociedade e das velhas formas de arte, mas correspondem simplesmente a um período de reflexão, necessário para o amadurecimento da experiência intensa de mudanças muito rápidas.” (1973: 106-7)

O recuo foi muito além daquele desejado por Muggiati. As instituições e organizações da Contracultura mostraram seus limites e, em muitos sentidos, a imagem de “derrota” ainda hoje utilizada não estava muito longe da verdade. A “contra-revolução” que destruiu a Contracultura praticamente começou no dia que Richard Nixon assumiu a presidência dos Estados Unidos em 1969, pois as pressões contra os grupos ditos como “radicais” tornaram-se maiores. A “Crise do Petróleo”, de 1973, colocou fim aos tempos economicamente ricos que, em grande parte, tinha ajudado a dar condições dos jovens “mimados” criarem a Contracultura. A última expressão radical da Contracultura norte-americana foi a criação do chamado Exército Simbionês de Libertação Nacional, que não passava de um pequeno grupo violento com idéias confusas e absurdas, que conseguiria grande espaço na mídia mundial ao seqüestrar a herdeira do império Hearst, Patricia Hearst. O movimento conseguiria, inclusive, que ela passasse a ser membro do grupo e a participar das suas ações “militares” – como o assassinato do primeiro superintendente escolar negro de Oakland, Califórnia, Marcus Foster. (CLECAK, 1985: 330)

O Exército Simbionês de Libertação Nacional seria destruído e Patty Hearst iria pedir desculpas por ter se convertido em “revolucionária”. Suas desculpas não iriam adiantar muito, pois ela ficaria alguns anos na prisão. Muitos dos movimentos radicais europeus seriam derrotados politicamente e escolheriam o caminho das armas, como foi o caso das Brigadas Vermelhas, na Itália, e o Bando de Baader (Baader-Meinhof), na Alemanha. A Gauche Prolétarienne, uma organização maoísta francesa, abrandaria suas posições (não sem graves confrontos internos) e o jornal Libération, fundado em 1973, que era o porta-voz do maoísmo, modernizaria-se e, atualmente, é um dos mais importantes jornais europeus. A Contracultura, logicamente, não foi derrubada apenas por causa da reação conservadora e da crise do petróleo – estes dois elementos ajudaram a deixar as contradições do movimento mais evidentes, abrindo, assim, o caminho do seu fim. Um dos caminhos possíveis para a Contracultura era a criação de organizações para recriar as instituições. Tom Hayden, um dos líderes da Nova Esquerda, comentando a obra Woodstock Nation, do ativista Abbie Hoffman, tocou fundo neste ponto: “Abbie é um pioneiro nessa luta, mas até agora sua Nação Woodstock é uma coisa puramente cultural, um estado mental partilhado por milhares de jovens. O estágio seguinte será transformar esta Nação Woodstock numa realidade organizada, com suas próprias instituições revolucionárias e, já a partir de agora, com raízes em seu próprio território.” (apud MUGGIATI, 1984: 138)

Uma das tentativas de criar uma organização contracultural dentro da lógica de Hayden foi a do Parque do Povo de Berkeley, cujo panfleto ainda carrega as “normas” que deveriam ser seguidas no local:

“PARQUE DO POVO DE BERKELEY Poder Para a Imaginação – Todo o Poder Para o Povo Item 2 – Criaremos Nossa Revolução Cultural Por Toda a Parte! Todo mundo devia poder se expressar e desenvolver através da arte, do artesanato, trabalho, dança, escultura, jardinagem e todos os meios abertos à imaginação. O material será colocado à disposição de todas as pessoas. Desafiaremos todas as restrições puritanas contrárias à cultura e ao sexo. Contaremos com os meios de comunicação – jornais, cartazes e panfletos, rádio, TV, filmes e anúncios de fumaça no céu – para divulgar nossa comunidade revolucionária. Cessaremos com a poluição na Terra; nossa relação com a natureza será guiada pela razão e pela beleza muito mais do que pelo lucro. A civilização de concreto e plástico será derrubada e as coisas naturais respeitadas. Fundaremos comunas urbanas e rurais onde as pessoas possam encontrar expressão e comunicação. (...)” (A/D apud MUGGIATI, 1984: 28-9)

O governador Ronald Reagan pediu que a Guarda Nacional destruísse o parque. No saldo final morreram quatro jovens e o local foi transformado em estacionamento. A facilidade da destruição deste parque demonstrou a falta de profundidade dos próprios valores da Contracultura e, consequentemente, da sua capacidade de criar organizações.

Praticamente nada de sólido foi criado em termos de organização pela Contracultura e, o que foi feito, seria abandonado pelos seus próprios participantes, quando não destruído facilmente, conforme podemos notar no exemplo do Parque de Berkeley. Mesmo a vitória do governador Jerry Brown no estado da Califórnia, em 1974, iniciando certa institucionalização de muitos ideais da Contracultura em termos legais, não foi suficiente para manter a Contracultura. (GOFFMAN e JOY, 2007: 349-53) Sem instituições e organizações é praticamente impossível montar qualquer tipo de base social. Sem organizações apropriadas, ou seja, sem uma comunicação mais satisfatória com a sociedade, a defesa das instituições contraculturais ficou prejudicada. Em outras palavras: não apenas as pessoas ligadas ao “sistema” (contrárias à Contracultura de qualquer forma), mas o seu próprio público potencial, a juventude, começou a mostrar desconfiança e descrédito nas ideias e práticas da Contracultura. Frank Zappa, músico da Costa Oeste dos Estados Unidos, afirmou categoricamente:

“Os revolucionários pretendem coisas que não possuem. Não sabem o que querem. Mas se conduzirem a ação como visualizam, algumas extravagâncias nas ruas e suponhamos que vençam, então o que hão de fazer? Não tem um plano melhor, e eu não acredito que tenham inteligência suficiente para compreender que se deve pensar em muita gente em termos de revolução. Falo da revolução nos EUA, onde os jovens pensam em subir ao poder. O que vão fazer de seus pais e do resto da velharia que tem estragado tudo, vão matá-los? Coisas desse gênero eles ainda não consideraram. Não estão prontos para formar uma nova sociedade e mais ainda: seus métodos são tão primitivos que eu, felizmente, não acredito que possam conseguir.” (ZAPPA apud MÔNICA, 1985: 13)

Para Ed Sanders, poeta e membro da banda Fugs, o “problema com os hippies foi que se desenvolveu uma hostilidade dentro da contracultura entre aqueles que tinham o equivalente a um fundo de crédito – uma espécie de poupança familiar – e aqueles que tinham de virar sozinhos. É verdade, por exemplo, que os negros já estavam um pouco ressentidos com os hippies lá pelo Verão do Amor, em 1967, porque, na ótica deles, aqueles garotos estavam desenhando figuras espirais nos seus blocos, queimando incenso e tomando ácido, mas poderiam cair fora a hora que quisessem.” (SANDERS apud McNEIL e McCAIN, 1997: 38)

E complementando: “Eles podiam voltar pra casa. Podiam ligar pra mamãe e dizer: ‘Me tira daqui.’ Ao passo que alguém criado num conjunto habitacional da Rua Columbia e que estava se arrastando em volta de Tompkins Square Park não podia escapar. Aqueles garotos não tem para onde ir. Não podem voltar para Caipirolândia, não podem voltar para Connectitut. Não podem voltar pro internato em Baltimore. Estão encurralados.” (SANDERS apud McNEIL e McCAIN, 1997: 38)

O vocalista da banda Black Sabbath, Ozzy Osbourne, afirmava que a música da banda “é uma reação a toda essa babaquice de paz, amor e felicidade. Os hippies ficam tentando te convencer de que o mundo é uma maravilha, mas é só olhar ao redor para ver em que merda nós estamos”. (OSBOURNE apud www.freakium.com/edicao_9youthparty.htm)

Um novo público também se formou. As grandes vendas de discos do Led Zeppelin, apesar da banda receber intensas críticas negativas da imprensa especializada, principalmente o “underground” jornalístico (os membros do chamado Rock Journalism), a partir de 1969, mostrariam a divisão de um público até então aparentemente homogêneo – o novo público jovem escolhia seus representantes sem se importarem com outras referências (Beatles, Stones, etc.) e seus valores. Nas palavras de Mikal Gilmore, “esse era um público bastante novo, e aqueles jovens decidiam por si próprios quem falava por eles, quem os representava, o que os inspirava ou lhes dava poder”. (2010: 344) O público do Glam Rock e os futuros Punks mostravam que a unidade cultural pregada pela Contracultura era menos resistente do que parecia: novas gerações criam novos públicos que criam novas demandas culturais e, consequentemente, também criam novos ícones. Outra razão da “derrota” foi a própria falta de definição da Contracultura como movimento: era algo abrangente demais para poder se manter por muito tempo. E, não podemos deixar de citar, faltou definição mais clara de seus objetivos: a “eterna juventude”, a mera “luta contra o sistema” e a “liberdade total” eram imaginários que não poderiam “mudar o mundo” da maneira como sonhavam seus seguidores. A crítica de Marvin Harris à Contracultura (e à Theodore Roszak em particular) neste ponto é bem explícita: “Em seus próprios devaneios, a contracultura se identifica com a tradição da transformação milenar. Theodore Roszak afirma que a meta principal da contracultura é proclamar ‘um novo céu e uma nova terra’ e, em sua fase inicial, a Terceira Consciência reuniu multidões de jovens dissidentes em consertos de rock e protestos contra a guerra. Mas mesmo no auge de sua eficiência organizadora faltou à contracultura os fundamentos do messianismo. Não possuía líderes carismáticos e não tinha visão de uma bem definida ordem moral.” (1976: 190)

E, complementando, o autor enfatiza que não se pode fazer uma revolução “quando cada um faz o que quer”: “fazer uma revolução é preciso que todo o mundo faça a mesma coisa”. (1976:190) O próprio capitalismo tinha suas estratégias e, assim, muito dos valores da Contracultura (sexo, moda, música, drogas, etc.) foram “cooptados pelo sistema”, ou seja, começaram a fazer parte da cultura estabelecida – cultura estabelecida esta que tanto fora combatida pela própria Contracultura. A maior demonstração de tal situação foi a divisão que marcaria os caminhos opostos seguidos por dois dos grandes líderes norte-americanos da Contracultura: Abbie Hoffman, que ficou fiel ao ideal de contestação até seu suicídio em 1989; e Jerry Rubin, que se transformou em grande empresário nas décadas de 80 e 90 - a imagem mais acabada do

chamado “Yuppie”, o chamado “jovem urbano profissional”, ou seja, jovem preocupado apenas com o sucesso profissional e com lucros, caminho seguido por muitos ex-hippies. E o próprio “cenário do Rock’n’Roll” forneceria os maiores símbolos da ruína da Contracultura, além da chacina cometida por Charles Manson e sua “família” e do Festival de Altamont, eventos já citados antes. O Rock e a “Derrota” da Contracultura As mortes de Brian Jones (1º guitarrista dos Rolling Stones, afogado na sua piscina) em 1969, de Jimi Hendrix (engasgado com vômito após excessivo de consumo de barbitúricos), de Janis Joplin (overdose de heroína) em 1970 e de Jim Morrison (vocalista e compositor do conjunto The Doors, com problemas no coração) em 1971, mostrariam as tragédias individuais (normalmente envolvendo drogas) atingindo o espírito contracultural. Mas foi a separação dos Beatles, em 1970, que tornou-se um marco decisivo para o momento. Mais do que o fim do grupo mais popular da década, esta separação marcou, simbolicamente, o fracasso da idéia da “celebração coletiva”, tão cara às comunidades alternativas e aos grandes festivais (como Monterey, Hyde Park e Woodstock, mesmo considerando o fracasso de Altamont). A frase de John Lennon na música “God”, de 1970, “the dream is over” (“o sonho acabou”), ficou conhecida como o as palavras escritas no túmulo da Contracultura e da forma tribal da juventude – não coincidentemente a música com tal frase foi gravada em seu primeiro álbum solo depois da dissolução dos Beatles. Em outras palavras, o “estilo tribal”, que tanto marcara os anos 60, seria, aos poucos, dissolvido nos anos 70, a chamada “década do Eu”, marcando uma excessiva preocupação egoísta. (LASCH, 1983: 23) Com ou sem “egoísmo” ou ataques diretos da ordem estabelecida, muitos dos ativistas da Contracultura cresceram, formaram famílias, empregaram-se (quase sempre dentro do tão combatido “sistema”) para poderem sobreviver. Muitos foram lutar contra o seu vício nas drogas. Muitas das motivações do público da Contracultura eram apenas momentâneas, ou, em outras palavras, era apenas moda. Os últimos resquícios da Contracultura dos anos 60 e início dos anos 70 ainda apareciam nos anos de 1976 e 1977, já em processo terminal, embora seja difícil estabelecer um marco para tal “fim” - procurar o marco final da Contracultura em termos culturais dos anos 60 e 70 é tão complicado quanto procurar o seu marco inicial. Timothy Leary encontrou um marco interessante para o fim da guerra entre gerações: o ex-beatle George Harrison, em excursão em Washington, visitaria a Casa Branca e posaria ao lado do presidente Gerald Ford. (GOFFMAN e JOY, 2007: 349)

O

assassinato

de John Lennon em 1980, confirmando definitivamente que o “sonho” tinha mesmo acabado, é um fato também citado. Vamos nos aprofundar um pouco mais neste ponto. O crítico de rock Lester Bangs, que sempre se caracterizou por sua bela escrita e por colocar mais sentimentos do que técnica nas suas análises sobre o rock’n’roll, escreveu acidamente sobre a “tristeza” do público em relação com a morte de Lennon, em particular às pessoas da geração dele que “se recusam a deixar a adolescência nos anos 60 morrer de morte natural”, sendo ainda mais patéticos os mais jovens que “irão arrancar e devorar qualquer migalha de um sonho que alguém declarou acabado há mais de 10 anos”. (2005: 126) Para Bangs: “Talvez os jovens sejam os mais tristes, porque ao menos os meus companheiros ainda têm alguma memória nostálgica das longas e frias lembranças que hoje eles se ajoelham para reavivar, enquanto que os garotos tem que se virar com coisas do tipo o show de Beatlemania e uma lista de mercadorias de consumo.”(2005: 126)

Sua critica contra o saudosismo era direta e tais públicos continuavam tentando recriar um tempo que passou. Para Bangs: “John Lennon, nos seus melhores momentos, desprezava sentimentalismo barato e teve que aprender da maneira mais difícil que, uma vez que você deixou sua marca na história, aqueles eu não o conseguiram ficarão tão agradecidos que vão transformá-la numa jaula para você. Aqueles que escolhem falsificar suas próprias memórias – que anseiam por uma terra-do-nunca de uma década de 60 que nunca aconteceu daquela maneira em primeiro lugar – insultam o Éden retroativo que eles idolatram.” (2005: 127) (grifo do autor)

Assim, a tristeza sobre a morte de Lennon carregava mais egoísmo do que solidariedade a um artista famoso assassinado. Bangs foi enfático neste ponto: “Assim, nessa hora de hipocrisias de gelar as tripas a respeito de ícones máximos, espero que você aguente minhas próprias considerações por tempo suficiente para me deixar dizer que os Beatles foram com certeza muitíssimo mais do que um grupo de quatro músicos talentosos que podem muito bem ter sido os melhores de sua geração. Os Beatles foram acima de tudo um momento. Mas a geração deles não foi a única na história, e insistir em manter a brasa daqueles sonhos acesa de qualquer maneira, com a esperança de que ela voltará de alguma forma a arder novamente nos anos 80, é uma busca tão fútil quanto tentar transformar as letras de Lennon em poesia. É por aquele momento – não para o homem John Lennon – que você está de luto, se é que você está de luto. Em última instância, você está de luto por si mesmo.” (2005: 127)

O “momento” a que ele se referiu foi a Contracultura, que talvez nunca tivesse sido como seu público imaginou que fosse, deixando apenas o saudosismo como sensação de ter participado dela e o consumo como orientador, pois os novos que não a viveram podem sentir um pouco do seu poder comprando produtos relacionados a ela. A morte de Lennon pelas questões que produziu não pode deixar de ser considerada, também, um marco do fim de uma era.

Mas arriscando um número grande de críticas, o autor da presente pesquisa também encontrou um fato que pode ser considerado uma ruptura da Contracultura, não como derrota, mas como resumo e despedida: o último concerto do conjunto The Band, no Dia de Ação de Graças de 1976. Por que esse concerto em particular? Pois foi uma espécie de who´s who da música contracultural. O evento, realizado no Filmore East, de Bill Grahan, em San Francisco, reuniria convidados muito especiais: Van Morrison, Joni Mitchell, Neil Young, Dr. John, o poeta beat Lawrence Ferlinghetti, Muddy Waters, entre outros, além da trinca da cultura pop definidora (ou não) da Contracultura, Bob Dylan, Ringo Starr (Beatles) e Ron Wood (que entraria para os Rolling Stones neste ano). (GRAHAN e GREENFIELD, 2008: 399-413) Em clima de festa e despedida, cada convidado aparecendo aos poucos e com um grande consumo de drogas (a cocaína era o “combustível” das apresentações), o evento foi o que mais se aproximou de síntese musical e comportamental da Contracultura: blues, country, gospel, r´n´b, rock´n´roll, british invasion, psicodelismo, folk, etc. As expectativas e esperanças, além das desilusões, da geração da Contracultura apareceram no espetáculo, com toda a sua beleza e tristeza. (SOUNES, 2002: 267-9) O evento, transformado em filme por Martin Scorcese, seria lançado em 1978. Novos parâmetros culturais da juventude começariam a surgir. Os Novos Parâmetros Culturais da Juventude As novas atitudes da juventude iriam se tornar mais evidentes a partir de 1977, ano este que apresentaria: 1 - o apogeu da Discoteca; 2 - início do Rap e Hip-Hop; 3 - o início do Punk como movimento jovem; 4 - o lançamento do filme “Guerra nas Estrelas” (“Star Wars”), de George Lucas. 1 - No primeiro movimento temos o individualismo levado a extremos: o evento da dança como um fim em si mesmo, busca de prazer total e valorização de drogas estimulantes, em particular a cocaína, ao contrário das mais “reflexivas” da Contracultura. A figura de John Travolta no filme “Embalos de Sábado à Noite” (“Saturdar Night Fever”) e o templo do prazer sem culpa do Studio 54 em Nova Iorque foram os grandes estímulos visuais desta nova prática menos participativa politicamente e já com os louros da vitória da revolução sexual - e das drogas. No Brasil, a Rede Globo mostrava seu poder cultural: o auge da Discoteca no Brasil ocorreu um ano depois, 1978, através do sucesso da novela “Dancin Days”, que estimulou a abertura de várias casas dançantes nas mais variadas cidades do país. (PÊRA, 2002) Podemos notar que a própria publicidade tratou de “atualizar” os conceitos como no anúcio “Prazer me conhecer, somos as tais elétricas. Olivetti Tenke. A solução para os seus problemas

de escrita elétrica”. (VEJA, 512, junho/1978: 46-7) A imagem utilizada: as seis garotas membros do grupo de Disco brasileiro As Frenéticas. 2 - A cultura negra subterrânea, utilizando novas tecnologias, permitiu que uma séria de grupos jovens, essencialmente negros, pudessem se expressar musicalmente. Utilizando a batida do Funk com a lógica dos “wall of sounds” jamaicanos e o estilo rap (fala, em inglês), criou-se uma nova cultura musical bastante variada, representando os problemas locais de suas comunidades e suas linguagens. (FRIEDLANDER, 2002) O Rap e o Hip-Hop mudariam a música moderna e traria a periferia e as comunidades para um público mais amplo, sendo muitas vezes política e dançante, com outros referenciais em relação à Contracultura. 3 - O terceiro movimento foi de ruptura com a linguagem musical típica da Contracultura, ou seja, com o chamado Rock Progressivo de bandas como Pink Floyd, Yes, Emerson, Lake & Palmer, etc., além de criticar os velhos roqueiros dos anos 60 como figuras que abandonaram seu papel contestador. Mais do que novas idéias, uma parte expressiva do Punk nascia contra a cultura Hippie, em particular. O movimento Punk procurava, inclusive, contestar os contestadores da Contracultura. John Holmstron, um dos criadores da revista Punk, afirmou que a “idéia do ‘branco negro’ (‘the white nigger’) foi a lição de Norman Mailer pra ser cool nos anos cinqüenta” e que o novo público “estava rejeitando aquilo”, pois: “Estávamos rejeitando as instruções dos anos cinqüenta e sessenta sobre como ser bacana”. (HOLMSTRON apud McNEIL e McCain, 1997: 297) A Contracultura encontrava justamente num movimento contracultural um contestador. Mary Harron, a primeira fotógrafa da revista norte-americana Punk, afirmou que: “Na verdade, não tínhamos nenhum motivo pra sermos idealistas, e eu estava farta da cultura hippie. As pessoas estavam tentando manter aqueles ideais de paz e amor, mas eles estavam muito desvalorizados. Além disso, era a época em que era bacana ser capitalista, e você não entrava mais naquela. Estava esgotado, mas, como os hippies defendiam o que era bom, ninguém podia deixar prá lá e dizer ‘isso acabou’. Era como se você fosse forçado a ser otimista, interessado e bom. E a acreditar na paz e amor. E embora eu talvez acreditasse, me ressenti por todo mundo me dizer no que acreditar. Eu não gostava da cultura hippie, achava nauseante, afetada, sentimental e com carinha de smiley.” (HARRON apud McNEIL e McCAIN, 1997: 301)

Assim como o Glam Rock inglês, uma das primeiras respostas jovens contra o movimento hippie, os punks gostavam mais de chocar do que apresentar propostas de estilos de vida mais gerais. Os simbólicos utilizados eram mais voláteis e menos profundos, como o uso de suásticas por uma parte das bandas de punk viria a demonstrar: a maioria expressiva destas bandas não era de nazistas, mas usavam o símbolo como para chocar. A diferença entre hippies e punks fica claro nas palavras de Mary Harron:

“Eu era a favor do punk instintivamente, mas tive que me guiar pelo gosto instintivo, por causa dos símbolos. Levei um tempo para elaborar isto, porque agora é banal que as pessoas usem símbolos de maneira irônica. Mas na época hippie, modos de vestir ou símbolos não eram usados ironicamente. Era tipo: ‘Isso é o que você é; você tem cabelo comprido; você veste isso; você é uma pessoa da paz.’ Por isso, se você usava suásticas, você era um názi. E de repente, sem nenhuma transição, sem ninguém dizer nada, surge um movimento, e estão usando suásticas e não tem nada a haver com aquilo; é uma roupa e é uma agressão. Tem a ver com alguma coisa completamente diferente – tem a ver com encenação e tática de choque.” (HARRON apud McNEIL e McCAIN, 1997: 266)

A revista Pop registraria o nascimento do Punk na sua edição 56, publicada em junho de 1977. E apesar de exaltar que a força do movimento jovem seria revigorada com a nova música, imediatamente após a reportagem sobre o Punk a revista apresentaria mais uma reportagem sobre San Francisco, com fotos de pessoas com flores nos cabelos compridos e defendendo os ideais hippies, praticamente o oposto da reportagem anterior. Sua idéia de força do movimento jovem era bastante específica, tanto que a revista não resistiria à mudança dos referenciais culturais e encerraria suas atividades em agosto de 1979. (POP, novembro/1977: 34-56) 4 - Quando “Sem Destino” (“Easy Rider”) fez sucesso, em 1969, foi aberto um caminho para os novos cineastas norte-americanos realizarem obras contestadoras e comerciais ao mesmo tempo. A chamada “Nova Hollywood” produziria uma série memorável de filmes, alguns de grande sucesso e outros nem tanto. (BISKIND, 2009: 146-175) mas alguns cineastas da “Nova Hollywood” não tinham, necessariamente, a visão tão exclusivamente contestadora de seus colegas. Steven Spielberg e George Lucas, dois cineastas, que claramente estavam ligados no movimento, contribuíram tanto para a consolidação de “Nova Hollywood” quanto à sua destruição: “Tubarão” (“Jaws”), de 1975, foi a maior bilheteria da história do cinema na época apresentando apenas uma obra bem realizada e de história bastante simples, sem maiores contestações. Mas já “Guerra nas Estrelas” (“Star Wars”) foi um marco mais profundo: George Lucas acreditava que o público estava cansado de discussões políticas e contestadoras apresentadas nos filmes da época e estava disposto a dar-lhe um universo fantasioso mais leve e fácil de ter identificação. A luta do bem contra o mal numa “galáxia distante” apresentada no filme logicamente carregava as questões da sua época (por exemplo: o Império era claramente uma referência ao governo de Richard Nixon; os rebeldes eram o Vietcongue, mas dentro de uma lógica mais norte-americana de o bem inferiorizado enfrentando o maior e poderoso Império do Mal), mas retomava os ideais de um estilo de cinema mais tradicional, da “Velha Hollywood”, onde os heróis e os vilões eram bem definidos. E com os heróis sempre vencendo no final, logicamente. O maniqueísmo moral apresentado ajudou no sucesso do filme. (BISKIND, 2009: 359)

Mas foi a utilização da tecnologia que marcou o momento: efeitos nunca antes vistos ou, pelo menos, não todos num único espetáculo. Além de ser uma história original, criada pelo próprio Lucas (outros grandes sucessos cinematográficos da década, como “O Poderoso Chefão, “O Exorcista” e mesmo o já citado “Tubarão”, eram baseados em livros de sucesso”), os efeitos abriram os novos tempos de utilização publicitária e de televisão: quanto maiores forem os efeitos especiais, melhores serão os resultados. A lógica da nova tecnologia iria impor sua hegemonia cultural. (BISKIND, 2009: 360) Esta nova lógica não apenas abriu possibilidades para a criação de brinquedos e jogos eletrônicos (que seriam a grande diversão das crianças e jovens das décadas seguintes), mas também substituiu as abordagens da Contracultura pela eletrônica. (BISKIND, 2009: 359) Não que os criadores dos microcomputadores no Vale do Silício já não o houvessem feito antes, mas a popularidade do filme “Guerra na Estrelas” deixou isto mais evidente. A Rede Globo, neste caso, adiantou-se a essa nova percepção eletrônica: a nova vinheta da emissora destacando uma construção de imagens eletrônicas, além do famoso “plimplim” restaurado, foi desenvolvida em 1976 por Hans Donner. O universo simbólico que destruiu a Contracultura chegou primeiro no Brasil. Fim da Contracultura no Brasil A partir de 1976, no Brasil, o fim da Contracultura também começou a tornar-se mais evidente em manifestações artísticas. Elis Regina, que, como citamos anteriormente, ajudou a estender a imagem de “rock rural”, também ajudou a estender a idéia de fim da Contracultura no Brasil ao gravar e fazer grande sucesso com a música “Como Nossos Pais”, do compositor Belchior. A letra de Belchior apresentaria imagens emocionais da juventude, conforme indicou seus versos de abertura: “Não quero lhe falar, meu grande amor Das coisas que aprendi nos discos... Quero lhe contar como eu vivi E tudo que aconteceu comigo...” (BELCHIOR apud CARMO, 2003: 122)

A melancolia torna-se mais intensa, pois claramente o “sonho” realmente tinha acabado: “Viver é melhor que sonhar Eu sei que o amor é uma coisa boa mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa...” (BELCHIOR apud CARMO, 2003: 122)

As imagens da juventude, mesmo lindas, mantém a melancolia: “Já faz tempo Eu vi você na rua Cabelo ao vento Gente jovem reunida Na parede da memória Essa lembrança é o quadro que dói mais...” (BELCHIOR apud CARMO, 2003: 122)

O poder dos ídolos e das idéias sempre mudam, apesar da teimosia dos membros da Contracultura: “Nossos ídolos ainda são os mesmos E as aparências não enganam, não Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém (...) Mas é você que ama o passado e que não vê É você que ama o passado e que não vê Que o novo sempre vem...” (BELCHIOR apud CARMO, 2003: 122)

Não existem dúvidas: o “sistema” acabaria vencendo: “Por isso cuidado meu bem Há perigo na esquina Eles venceram e o sinal está fechado prá nós Que somos jovens...” (BELCHIOR apud CARMO, 2003: 122)

Mas não foi apenas o “sistema” que ganhou, os próprios jovens ajudaram a aceitar a sua própria derrota, em particular as lideranças, pois “que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude/ Tá em casa guardado por Deus contanto vil metal” e que “Minha dor é perceber Que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos Nós ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Como nossos pais!” (BELCHIOR apud CARMO, 2003: 122)

A vitória do “sistema”, a acomodação da juventude (em particular da sua liderança); o conformismo econômico – a derrota da Contracultura, pois quem queria mudar o mundo ficou vivendo como seus pais, começou a ficar cada vez mais aceita pelos agentes diretos da Contracultura. Conforme os versos da música do Belchior, “o novo sempre vem” – e as novas gerações começaram a rever elementos da Contracultura e criar os seus próprios.

Todas as discussões acima indicam que ocorreu uma mudança de valores de uma geração à outra, sendo que a geração do final da década de 70 e começo dos anos 80 já começavam a criar seus próprios referenciais culturais. E foi a Rede Globo quem mostraria a agonia da Contracultura no Brasil justamente neste ponto ao apresentar, em 1978, o seriado “Ciranda, Cirandinha”. Com textos de Domingos de Oliveira e Euclydes da Cunha, o seriado consistia no dia-a-dia de quatro jovens (vividos por Fábio Jr., Lucélia Santos, Denise Bandeira e Jorge Fernando) que decidem dividir um apartamento na Zona Sul do Rio de Janeiro, dentro de um clima hippie (batas indianas, incensos, almofadões espalhados pelo chão, etc.) e temas polêmicos como drogas e amor livre. (SOUTO MAIOR, 2006: 174) Apesar da temática jovem, o programa não daria audiência e seria logo suspenso. Seu fracasso mostrava claramente que uma nova geração estava por vir e que os valores da Contracultura estavam sendo reavaliados e substituídos pelos novos valores da década de 80 que estava nascendo. A imagem da “juventude única” foi desaparecendo, situação muito evidente quando pensamos nas tendências do Punk e do Metal, que, além de não gostarem de pessoas de fora de seus grupos, também abriram inúmeras divisões internas. A construção imagética do festival de Woodstock foi a da “celebração de uma geração” com as mesmas idéias (algo que já não era tão simples assim na época). Tal construção foi mantida durante grande parte da década de 70, mas começou a dissolver-se na década de 80 em diante. O melhor exemplo foi o Rock in Rio, em 1985, quando, além de uma divisão de atrações por estilo/dia (para os grupos não se chocarem), aconteceu a famosa vaia e objetos atirados pelos fãs de Heavy Metal contra o cantor Erasmo Carlos. (ALEXANDRE, 2002) Em muitos sentidos foi a perseverança do cantor em defender o rock´n´roll no Brasil em momentos mais difíceis que permitiu a concretização tanto do próprio festival quanto das atrações de Heavy Metal que tocariam naquele dia. Mas o novo público jovem (este, em particular, ganharia o nome de “metaleiros”, nome “inventado” pela apresentadora da Rede Globo, Glória Maria) não levou em consideração tal aspecto e, dentro da sua lógica, queria apenas ver e ouvir o que lhe agradava, o que era comum ao seu grupo, desprezando completamente qualquer outra atração. Nas palavras de Erasmo Carlos: “Entrei como um atleta olímpico, cheio de energia e atitude, fazendo o sinal da paz, vestido com uma roupa de couro e franjas (...) Mal comecei a primeira música e... coitado de mim. Nem desconfiava que iria comer o pão que o diabo, invocado por eles, amassou. Não dava para ouvir os insultos, mas eu adivinhava vendo as expressões de revolta e deboche em suas caras. Começaram a me atirar areia, latas vazias, copos de plástico, pilhas e outros objetos.” (2009: 315-18)

Embora o próprio cantor considerasse que tal público era minoria, pois “a grande maioria da galera, que estava atrás da horda, era civilizada e estava ali cumprindo à

risca a proposta do festival, que era de som e paz” (2009: 318), uma reação tão violenta assim não deixava de ser algo bastante anti-Woodstock, apesar da imagem deste grupo ser relativamente semelhante: público de cabelos compridos, utilizando drogas e “curtindo livremente” o show de rock. O novo tinha definitivamente chegado ao Brasil. O Balanço da Contracultura Mas poderíamos simplificar tudo entre “fracasso” e “vitória”? Miriam Adelman, ao resenhar a obra de Julie Stephens sobre a Contracultura, nos abre uma perspectiva diferente:

Stephens traça várias conexões entre os métodos e visões da contracultura e o posterior desenvolvimento de discursos pós-modernos sobre sociedade e política: ela critica novamente outras interpretações do movimento, propondo que é o sucesso desse movimento e não seu "fracasso" (como se alega nas narrativas convencionais sobre a época) que prepara o terreno para a acolhida de noções pós-modernas da política e do político. Embora seja possível argumentar, segundo Stephens, que a contracultura também contribui para novas formas de conformismo (como alguns dos seus críticos mais conhecidos opinam), ela destaca-se também na maneira como se mantém altamente consciente dos seus próprios perigos. É um movimento eminentemente teatral e auto-consciente. Assim, utiliza a performance e o espetáculo como métodos de ação: em lugar de "planejar uma revolução futura", trata-se de viver a mudança na transgressão direta e cotidiana, o que significa parodiar tanto a sociedade quanto a si mesma. Apropria-se da cultura popular para burlar a sociedade, os valores burgueses e a si mesma. (2001: 143)

Mas os riscos também existem, conforme afirma Adelman: Mas com esse "radicalismo estético", que borra as fronteiras entre a alta cultura e a cultura popular e vê a realidade como um teatro onde "sempre se está representando", correm-se certos riscos: principalmente, o de embarcar num caminho que desemboca na tendência pós-moderna de negar a existência de qualquer referente exterior ao discurso ("só há representação") e do qual desaparecem as tensões, por exemplo, entre crítica e alienação, trabalho e não-trabalho, superfície e profundidade. (2001: 143)

Talvez a “derrota” da Contracultura seja mais profunda, pois os contestadores lutavam contra um inimigo muito maior do que o “sistema”: “Para alguns estudiosos, enquanto os jovens roqueiros, hippies e ativistas buscavam revolucionar o mundo na era do rock, uma revolução perversa e muito mais profunda consolidava-se silenciosamente, levada a cabo não por aqueles que se vestiam de forma diferente, tampouco por aqueles que tocavam guitarras, mas pelas pessoas comuns, que se mantiveram à margem dos movimentos juvenis do pós-guerra. Essas pessoas consolidaram a gestação, iniciada com a modernidade, de uma sociedade individualista e distante dos ideais afetivos e solitários. Assim, pode-se dizer que a cultura do rock´n´roll é, em certo sentido, conservadora, pois pretendeu exatamente impedir essa transformação, mas não obteve sucesso.” (MONTEIRO, agosto/2003: 108)

Assim, as discussões sobre a Contracultura continuam – e a atual pesquisa procurou debater sobre suas conseqüências na vida cultural contemporânea.

Contracultura e Publicidade no Brasil: Conclusão Final Podemos observar na pesquisa é a maneira como as organizações relacionadas à publicidade trabalham com os imaginários do momento para conseguir a devida ressonância de sua atividade propriamente dita (a venda do produto e, consequentemente, o lucro do anunciante) e um controle das imagens, desejos e aspirações da sociedade, em particular na manutenção do consumo como fator inquestionável da vida social. O momento da pesquisa é relativamente interessante, pois a cultura jovem da época carregava, em muitos de seus anseios, desejos de contestação social, inclusive da ditadura militar que governava o país. Assim, as organizações relacionadas à publicidade tiveram que pensar em estratégias que pudessem trazer esses desejos de contestação social para o terreno conservador do lucro e do consumo, este último trabalhado como o desejo primordial da sociedade, quando não único. Nas palavras de Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo, “seria contraproducente e, portanto, incoerente com a lógica do capital, apoiar os argumentos de venda de um bem qualquer em idéias e valores que não encontrassem logo de partida ressonância no seu público-alvo”. (1998: 8) As estratégias foram relativamente simples: 1 - não esconder que existia um imaginário de contestação ligado aos jovens, a Contracultura, o que poderia não criar a identificação para o consumo; 2 – procurar destacar seus aspectos mais superficiais e imagéticos, ou seja, elementos mais fáceis de serem manipulados; 3 - relacionar o desejo de contestação social à derrota e/ou à cooptação pela sociedade. E, de forma alguma, tais estratégias foram racionais: em todo o processo as paixões tiveram um papel predominante, papel este que não pode ser desconsiderado na produção da comunicação das organizações para atuar nas instituições, que foi exatamente o que a publicidade brasileira, lutando contra a Contracultura, efetivamente fez. De acordo com Sidinéia Gomes Freitas e Maria José Guerra de Figueiredo Garcia: “O universo das Comunicações toma vida na e pelas palavras, pelos textos, pelos discursos. A rede discursiva tecida pelos processos comunicacionais contemporâneos faz da linguagem e, portanto, da comunicação, o modo de presença dos valores que regem a sociedade. É precisamente neste sentido que a análise discursiva das paixões torna-se oportuna para investigar a materialização textual dos efeitos passionais da linguagem e as consequencias desse exercício passional nas interações cotidianas no mundo do trabalho.” (2º semestre/2008: 123)

A rede discursiva da publicidade brasileira em relação à Contracultura procurou reverter os conceitos de contestação à aceitação social e ao consumo.

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