Contos

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  • Words: 18,661
  • Pages: 48
Contos e Outros Pontos

Conto I A paisagem passava velozmente por mim. Concentrado no caminho que fazia, a estrada ficava para trás, envolta na escuridão da noite. Pelo espelho apenas se viam os reflexos vermelhos das luzes traseiras do carro. Por companhia, uma música qualquer daquelas tão banais que nem o nome se recorda, o ar condicionado nuns confortáveis 21 graus, o vidro ligeiramente entreaberto para deixar fugir o fumo do cigarro que levo entre dedos. Mais ninguém na estrada, apenas eu comigo próprio. Os máximos iluminavam o mais que podiam na noite e mesmo assim não dava para ver o destino ainda longe. O nervoso miudinho da partida e da expectativa de chegada faziam mossa no maço de tabaco. O corpo estava teso de tensão, e aqueles bancos, tantas vezes apreciados pelo seu conforto, pareciam hoje de cimento. No painel, os quilómetros continuavam a passar devagar, sempre mais próximo do que se ansiava, mas ainda assim tão longe. Dei por mim a falar em voz alta. “Falta pouco, mas o pouco que falta ainda é tanto…”. Não pude deixar de sorrir sozinho perante a minha idiotice de falar sozinho. A aproximação a uma área de serviço fez-me acordar da apatia da viagem e dos pensamentos. Desviei o caminho por lá e estava deserta. Precisava de um café e de apanhar ar. Quando saí do carro, o embate térmico com a noite fria fez-me arrepiar. Entrei o mais rapidamente possível e dirigi-me ao balcão. Ninguém. Lá apareceu um homem de bigode farfalhudo, com um uniforme de cafetaria decididamente mais pequeno do que era indicado. A contragosto, com um olhar de quem o acordou de um belo sono lá se chegou a mim: - Boa noite. Um café por favor. - Boa noite. Paguei o café e vi-o desaparecer pelas portas de vaivém. Peguei na chávena de líquido quente e fumegante e fui até uma das mesas perto das janelas. Recostado traguei meio café de uma só vez. Deixei o olhar perder-se pela noite. Naquela hora, poucos eram os carros que passavam. Contei dois em 30 minutos. Estava a saber-me bem aqueles momentos. Acalmavam-me. Ganhei coragem para mais uns quilómetros, e meti-me à estrada novamente. Deixei-me ir embalado pela estrada. O aumento da frequência de trânsito demonstrava-me que estava mais perto. A cidade via-se ao longe, com os seus edifícios altos, maioritariamente às escuras. Entrei nela mansamente, como pedindo licença. Havia mais luz, nos placares publicitários, nos candeeiros das ruas, nos carros com que me cruzava. Seguia o caminho conhecido em busca do meu futuro. Entrei na rua final e estacionei. Olhei o prédio em frente. Apenas a luz do 4º andar estava acesa. Olhei o relógio. 0:00. Não pude evitar um sorriso. O meu futuro começava agora e ali.

Conto II A areia escorregava por entre os dedos e eu via-a a formar um montinho junto aos meus pés. Sentado na praia, contemplava o mar calmo, que fazia os seus murmúrios conforme se espreguiçava no areal. Uma leve brisa trazia-me ao nariz o seu odor forte, salgado. Impressionante como até o cheiro do mar é salgado. Só, estava há horas nesta letargia embrenhado nos meus pensamentos. Senti uma vontade enorme de me espreguiçar e abraçar aquela paz apenas intervalado pelo suave som da água. Fechei os olhos e deixeime estender naquela extensa praia. A manhã estava fechada mas senti um raio de sol teimosamente a bater-me na face. Sorri por aquele beijo matinal. Sentia-me verdadeiramente em sintonia com o mundo em meu redor, longe de tudo o resto que me fazia mal aos sentidos. Deixei-me apreciar aquele momento como se fosse o último. Queria absorver o mais possível aquela paz antes de voltar a enfrentar o mundo outra vez. O raio de sol agora banhava todo o meu rosto e parte do meu peito. As gaivotas pairavam no ar, ouvia agora o seu piar em conjunto com o mar. Alia sentia-me parte de algo maior que eu próprio. Sentia-me feliz por fazer parte de algo mais que apenas a amálgama de ruídos que fazem parte do dia-a-dia de cada um nós. Ali sentia-me Imortal. Ali sentia-me filho de um Deus maior, sensível, carinhoso com os seus. Sim, porque havia breves instantes, breves mesmo, em que me sentia abandonado pela Sua candura, do seu cuidado. Mas ali... ali nada disso se passava. Cravados os dedos na areia, sentia-me vivo, feliz, protegido. Com os olhos fechados senti passos a aproximarem-se. Cada vez mais perto, e mais perto e mais perto ainda. A brisa misturou o cheiro do mar com aquele teu perfume inesquecível. Senti chegares bem perto de mim. Não abri os olhos. Sorri. Senti que te ajoelhavas ao meu lado, a tua mão no meu peito segurando-te. Senti a ponta dos teus dedos na minha pele e arrepiei-me. O teu perfume estava mais próximo, mais inebriante ainda. Senti os teus lábios nos meus, aquele toque acetinado, as ligeiras cócegas nos meus. Senti-me flutuar na ponta dos teus lábios. Que melhor maneira de começar um dia há?

Conto III A beleza daquela mulher era impressionante. Os olhos baixos de uma vergonha curiosa, o sorriso bem desenhado a traços finos e coloridos de um vermelho rosado, deixando despontar de entre os seus lábios uns dentes brancos e certos. O cabelo claro lançado para trás da orelha por uma mão cuidada. As faces ruborizadas pelo elogio lançado. Quem por ela passava não ficava indiferente. Não se conseguia desviar os olhos daquela face branca, sedosa, doce como o seu olhar. Toda ela era deliciosamente bela. Apetecia ficar parado, contemplando todo aquele monumento à mulher, com medo de sequer tocar recendo que ela se desvanecesse perante a nossa ousadia. O seu perfume era suave como pétalas de rosa ainda pelo orvalho da manhã. Ela era das poucas mulheres que fazia desviar os meus olhos dos seus. Sentia-me completamente trespassado por aquele olhar intenso e doce. Sentia-me completamente despido perante a forma como me encarava. Perdia as palavras que tantas vezes lhe queria dizer, tirava-me o fôlego. Parecia que nenhuma palavra conhecida era suficientemente ilustrativa de tudo o que ela me fazia sentir, nem sequer o conjunto de todas as palavras eram suficientes para ilustrar as vagas de sentimentos que atravessavam a minha alma. Rapidamente disfarçava esta minha vergonha com um elogio, sempre parco em relação à verdade, tentando, em vãs tentativas diga-se em abono da verdade, ilustrar tudo aquilo que ela era. Dizia-lhe tanta coisa que ela insistia em negar, não acreditando em nenhum dos elogios que lhe lançava. Já desesperado, sem saber o que fazer para lhe demonstrar o quanto era graciosa e importante, aproximei-me lentamente dela. Sentia a sua respiração na minha cara, e eu sentia a sua, compassada. Os cabelos dela na minha face, o perfume do seu cabelo no meu nariz, completamente embrenhado nele. A pele arrepiando, a minha e a dela. Dei um beijo na sua face. Senti o seu sorriso meio envergonhado. As faces deslizaram entre si, levando ao contacto cúmplice de um beijo. Senti o meu corpo elevar-se por aquele momento que desejava que não acabasse. Os lábios tocando-se ao de leve, sento a sua língua quente, terna, procurar a minha. As bocas abriram-se e fundiram-se num beijo completo, puro de toda a malícia, desfrutando aqueles momentos únicos de uma união que não se queria que acabasse. Sentia-a afastar-se e a muito custo abri os olhos, receando acordar de um sonho tão belo. Quando os abri, senti aquele olhar no meu, terno e doce olhar. Com mais um sorriso meio envergonhado, disse-me docemente. - É assim que me fazes acreditar em ti.

Conto IV Sentado na pedra fria, via o rio correr mansamente, perdido entre as árvores portentosas que o abrigavam. A tarde estava solarenga mas fria. O casaco vestido e puxado até as orelhas permitia-me resguardar um pouco da brisa cortante que circulava por entre aquelas árvores, formando aquele som tão característico das folhas esfregando entre si, como para que se aquecer. Batia com os pés no chão para tentar começar a sentir os dedos dos pés, frios que estavam. As mãos enfiadas nos bolsos, nariz vermelho, olhos brilhantes, lacrimosos do vento, assim estava eu contemplando a natureza. A razão do estar ali não era muito clara. Tinha-me apetecido, apenas isso. Estava ali apenas numa pose contemplativa de uma natureza fantástica. Sem distracções, sem mais nada. Resolvi levantar o traseiro já dormente do frio e do desconforto e caminhar um bocado junto à água cada vez mais tormentosa, acompanhando-a pela margem no seu caminho pedregulhento. O chão fofo de uma relva selvagem abafava os meus passos, apenas quebrado com o partir de algum ramito frágil no meu caminho. Nas árvores, a passarada estava quieta, encolhida, chegados entre si como para se aquecerem. Andei até me ser possível, até ao limite do bosque que começava a ser mais denso. O rio também começava a alargar um pouco mais, encorpando-se, agigantando-se perante os obstáculos que a partir dali viriam. Pois é. Este rio é uma lição de vida, pensei eu. O truque é moldar à pedra e correr por cima... Tirei as mãos dos bolsos e esfreguei as orelhas e a ponta do nariz. Arre! Estava gelado. Com uns saltitos lá consegui sentir os pés outra vez... Caminhei para o carro, lentamente, como que me despedindo daquele pedaço de céu. A lareira espera-me...

Conto V Sentindo a brisa da manhã a bater-me na face, deixei que os meus olhos se habituassem à claridade do dia imergente. O som da manhã a despertar, com todos os seus ruídos característicos, deixa-me perplexo. Adorava aqueles acordares lentos, poder saborear o encantamento do habituar o corpo a um novo dia. A varanda dava para o jardim coberto de relva verde, húmida ainda da noite fresca. Ao fundo, nas frondosas árvores que ladeavam a propriedade, o dia já havia começado há muito, notando-se pelo chilrear insistente de alguns passaritos que tinham acordado obviamente esfomeados. Encosteime na grade, de costas para o jardim, e deliciei-me com o teu vulto ainda adormecido e nada incomodado com a luz que invadia o quarto. Reparava na tua pele descoberta, ligeiramente tapado por um lençol de um imaculado branco. Quase não se distinguia o lençol do restante do teu corpo. A única coisa que se destacava era os teus cabelos cor de oiro, espalhados pela tua cara e almofada. Notava-se os teus peitos, sobressaindo de tudo o resto, altivos, elegantes, marcando a sua presença tão própria naquele quadro fantástico que se me apresentava. Mexeste-te e tive medo que acordasses. Mas não. Apenas te viras-te ligeiramente, permitindo-me agora vislumbrar em pleno toda a tua figura. No caminho, tapaste os teus seios, mas destapas-te a tua perna. Desviei a minha atenção para elas, macias, fortes, torneadas. Recordações de as sentir nas minhas mãos fizeram-me dar um arrepio. A manhã continuava fresca, e aquela visão tão tentadora fazia-me petrificar naquela varanda, desejando que para sempre fosse manhã, que para sempre ali estivesses, assim, encantadoramente descansada, despojada dos encantos fabricados de uma maquilhagem ou de uma roupa de circunstância. Assim como estavas eras tu, deliciosamente tu, simplesmente tu, como sempre te tinha pedido para seres. A vida continuava lá fora, mas aquele momento era meu, onde um quadro pintado na minha imaginação te eternizou, e fez aquela imagem tão bela apenas minha. O egoísmo de ter aquele momento só para mim alegrou-me. Sentia-me bem comigo mesmo por este pecado. Dormias ainda. Dormias longe de tudo e de todos. Sonharias com quê? As mãos moveram-se aconchegando o lençol à pele. O teu corpo tremendamente feminino, moldava aquela fina peça de pano que te separava do resto do mundo. Sentia-te no teu mundo, que afinal também era o meu. Com pena de terminar este retrato, carinhosamente avancei pelo quarto, sentido o fofo do tapete nos meus pés descalços. Sentei-me à tua beira, delicadamente, e afastei dois ou três cabelos que estavam na tua face. Fechei os olhos e dei-te um beijo, demorado, terno. Acordas-te e vi os teus olhos nos meus. - É bom acordar com esses olhos - disse-te Nada disses-te. Abris-te o lençol mostrando-me todo o teu corpo nu e com um gesto convidaste-me a entrar para junto de ti. Aconcheguei-me no teu corpo, enroscando-me o mais que podia nele, sentindo cada pedaço de ti cobrindo-me delicadamente. O beijo apaixonado não tardou a evoluir para outras sensações mais profundas e ali ficámos, pintando novos quadros na nossa imaginação.

Conto VI A vista dali era simplesmente deslumbrante. O horizonte perdido, já ligeiramente escurecido pelo entardecer, não se vendo mais o sol que se tinha posto há alguns minutos. Por trás de mim, avançava o céu completamente estrelado, aparecendo a silhueta envergonhada da lua. Ali, ao entardecer, respirava-se os últimos suspiros de um dia a acabar e começava-se a noite. Tudo estava calmo. Uma brisa passava por mim deixando-me arrepiado, lembrando-me que o Outono estava prestes a chegar. Já se via as estradas pintadas de um castanho vivo da folhagem que ia caindo, no lento desenrolar da natureza. A serra, assim ao crepúsculo era digna de ser vista. Muitas vezes, sozinho, subia-a lentamente apreciando cada pedaço dela. Umas vezes via um coelhito fugidio atravessando rapidamente a estrada, ou um corso, imponente, belo, fugaz, saltando por escarpas que pareciam impossíveis de ultrapassar. Gostava de subir e ir parando apreciando a paisagem urbana ao fundo da paisagem. Ali nada se ouvia que não fosse o restolhar da brisa nas árvores. Caía a noite e não apetecia de todo descer, mas ficar por ali, eternamente por ali. Nem a brisa que arrepiava me fazia ter menos vontade de por ali estar. Sentei-me no musgo fofo e encolhi as pernas até quase bater com o queixo nos joelhos. Deixei-me estar a ouvir o silêncio. A calma que isso me traz é algo que não se consegue descrever. Faziame sentir bem comigo próprio. Sentia que o mundo era mais que aquilo que vivemos todos os dias. Que tudo não passa de uma passagem fugaz pela superfície da terra. Ao longe, mais um coelho que aparecia, distraído, não notando a minha presença. Foi-se aproximando sem me ver até que estacou no seu caminho. Os olhos vivos destacavamse. Apercebia-se do seu nervoso por encontrar tamanho gigante no seu caminho. Não me mexi. A medo, sem tirar os olhos de mim, aproximou-se mais um pouco. Mais um pouco ainda. Susti a respiração para que não fugisse. Já via perfeitamente a sua pelagem cinzenta, felpuda. Lindo. Não consegui suster mais a respiração e expirei. Assustou-se e correu. Parou e olhou para trás. Quase que apostava que me tinha piscado o olho....

Conto VII A bruma na montanha trazia consigo as figuras fantasmagóricas de árvores. Visto assim, do seu sopé, a serra ficava aterradora. Mochila às costas, iniciei a subida pela estrada de cascalho. O ar quente que saía da minha boca fazia uma pequena nuvem que se juntava ao nevoeiro insistente. Quanto mais subia, mais embrenhado ficava. O silêncio era imenso. A ausência de brisa era assustadora, apenas sendo acompanhado pelo raspar das pedras debaixo dos meus pés ao ritmo da caminhada. A mochila ia ficando cada vez mais pesada consoante os minutos que passavam. Quanto tempo tinha decorrido desde que comecei? 5 minutos? 10? 20? Olhei para o pulso. Nada. Tinha resolvido deixar tudo o que me dissesse as horas longe de mim. Não queria saber do tempo que demorava. Queria limpar a cabeça de tudo e o relógio era uma ligação à terra da qual me queria desfazer com a caminhada. Conforme ia andando e subindo, os sons da floresta a acordar começaram. Conforme ia andando, notava o movimento matinal por entre as árvores. Um coelho que corria assustado, um javali ao longe a passar, até que ao fundo do caminho vejo um volto embrenhado pela névoa. Atraso o passo para me tentar aperceber do que seria. Aproximando-me lentamente reparo que é um veado, especado, olhando para mim. Paro completamente, apreciando aquele animal belo. A pelagem castanha, as hastes imponentes, o corpo imenso... Fiquei estupefacto. Dei mais um passo, susti a respiração. Vindo não sei de onde, um raio de sol trespassou as nuvens e mostrou-o no seu esplendor. Mostrava-se com orgulho. Parado olhava o porte imenso daquele ser digno, altivo. Os olhos estavam presos nos meus e os meus nos dele. Estudávamo-nos mutuamente. Eu a tentar não assusta-lo, ele a olhar desconfiado dos meus propósitos. Baixou a cabeça ao nível do chão e levantou-a novamente. Parecia um quadro pintado na paisagem. Notava-se que tinha os músculos retesados, não percebendo eu se para ataque se para fuga. Dei um novo passo, lento e ele manteve-se. Novo passo, uma pedra fez mais barulho. Ele movimentou-se um pouco mas não fugiu. Parei. Não sabia quem estaria mais assustado. Se eu se ele. Via agora claramente o tom castanho, o brilho dos seus olhos tão vivos. Por trás dele começaram a atravessar o caminho as fêmeas do seu harém. Lentamente, olhando-nos. Contei cinco, passando lustrosamente. Estava a ter uma experiência incrível. Lentamente, tiro a máquina fotográfica e aponto-a. Enquadro-o. Como que percebendo, gira sobre si e perfila-se. Tirei a foto e ele altivo, desapareceu no meio do arvoredo guiando o seu harém.

Conto VIII

Perdido nos pensamentos dos dias, caminhava. Os phones nos ouvidos, gritando um alucinado "Zombie" dos The Cranberries tentava afastar os pensamentos. Se mais sons havia no mundo, eu estava surdo. A música alheava-me de tudo o resto. O meu único contacto com o mundo era os olhos. Mãos nos bolsos, andando pela baixa da cidade, olhos no chão, caminhava no meu passo apressado não sabia bem para onde. Sabia que tinha de caminhar. Por vezes, olhares curiosos de pessoas sentadas numa esplanada ou de pessoa que cruzavam comigo, mantinham-se em mim. Assim que os encarava, logo eram desviados. Imaginava que se perguntassem o que ouvia eu, porque ia assim alheado ou então não se perguntavam nada, apenas vendo alguém passar, talvez confirmando que não é quem esperavam, ou então imaginavam outra coisa qualquer. Dei conta que quem divagava era eu e não quem ali estava. As pedras gastas da calçada, lisas, faziam que não notasse por onde caminhava. Estava completamente absorto pela música. Nada me parava, não queria parar, não podia parar. Caminhava, quase correndo, sentindo a brisa fresca que vinha directamente do rio ali ao lado a bater-me na cara. Não queria pensar em nada. Não queria que me travassem por qualquer razão mundana, não queria que me parassem com sorrisos falsos de um reencontro casual não desejado. O som do baixo marcava o meu ritmo, a bateria batiame na cabeça como um martelo, fazendo-me quase saltar. E de repente a música acaba, começa outra, subo ainda mais o volume, gosto desta, penso eu, ela também, seria esta a "nossa música"? "Merda..." Os pensamentos fogem para onde não devem. Mas já não vou a tempo a parar a avalanche. Tudo volta. "You know I'm such a fool for you..." Ela sabe. Eu disse-lhe... O passo não desacelera, nem olho por onde vou. Só sei que tenho que esconder os olhos marejados de lágrimas da vista de quem passa... "Esta merda não me pode estar a acontecer..." Fujo de tudo e todos, não quero saber... A rua sobe, mas o passo continua o mesmo, doem-me as pernas, dói-me o coração, dói-me a alma, e a música que não acaba. Levo a mão ao controlo para saltar a música mas não tenho coragem "Eu gosto da música..." As lágrimas caem ao queixo. Limpo-as com a manga da camisa. Só agora reparo que a camisa está molhada, que estou a suar do esforço, que já nem tenho a certeza que o que me cai ao queixo são lágrimas ou gotas de suor. Mas não paro. Não posso parar. As músicas vão passando e já nem a ouço. Sinto apenas o bater furioso do coração no peito, sinto o sangue nas têmporas, sinto os olhos a arder... Continuo sem saber para onde vou, apenas indo. O passeio estreita, os carros passam depressa, os pés escorregam na borda do passeio, "Porra ia caindo.." Ouço a buzina do carro que passa por mim, avisando-me para ter cuidado, mas não paro. Mais à frente uma pedra faz-me mesmo tombar. O chão duro não me amortece a queda e a testa limpa a areia que está no passeio. Levo a mão à testa e vem com sangue. Sento-me no passeio, mal-dizendo a sorte. Esfrego as mãos, tentando fazer passar a dor e estancar o sangue. Uns pés param-me à frente. Lentamente levanto o olhar, pelas dores, pela luz, por tudo... Vejo-a, rodeada de luz como se fosse um anjo em meu socorro. - Que fazes aqui? - Pergunto eu

- Isso pergunto eu... Eu moro aqui ou já te esqueceste? - Diz ela sorrindo A custo olho em volta. "Como é que lhe vim parar à porta? Merda de sorte a minha..." - Que fazes aqui? - Insiste ela. "Sangue, suor e lágrimas" pensei.

Conto IX Lisboa, bar do hotel. Ali estava eu, sozinho. O bar era de cores claras, elegantes, bem iluminado. A televisão mostrava umas notícias. O relógio da estação mostrava uma 22:17. No bar, além de mim, mais dois casais. Umas mesas mais à frente, ingleses, dos seus 30 e poucos anos, vagueavam os dedos por um mapa de Lisboa. Um chá fumegante atravessava-se na minha visão entre mim e eles. Possivelmente discutiam os pontos de visita para o dia seguinte, mas num tom de voz baixo, incompreensível para aquela distância. Mais ao fundo e à direita, um casal mais jovem, ria sonoramente, fazendo eco por toda a recepção. Duas cervejas enfeitavam a mesa e os carinhos entre ambos demonstravam mais qualquer coisa que a simples amizade. Eu compunha o ramalhete dos clientes. Vestido de forma casual, umas calças e camisa de ganga azul, estava sentado de frente para a porta de entrada do hotel. Tinha combinado com ela às 22:30 e as mãos suadas do nervosismo da espera estavam a causar irritação. Sobre o tampo de vidro da mesa, uma garrafa de água gelada e uma rosa vermelha, como que guardando lugar a quem vinha. 22:20. O tempo decorria devagar. Mais devagar do que queria. Antecipava há muito aquele momento de encontro. Finalmente os dois. Um gole de água arrefeceu-me desde a boca até ao estômago. O pé direito batia no chão furiosamente, como que tentando descomprimir tudo o que se passava nos nervos do meu corpo. No bolso das calças, o telemóvel vibra. Tudo me passou pela cabeça enquanto o tirava. Será que não vinha? Teria acontecido alguma coisa? Um SMS dela. Noto que os dedos tremem conforme vou carregando nas teclas. "Já aí estás?" Rapidamente lhe respondo que sim. Que a esperava com ansiedade. 22:23. Não conseguia parar e estar sossegado. Os nervos tesos de expectativa. Os olhos desviam-se por momentos para o casal mais velho que se levanta para subir ao quarto. Quando os olhos voltam para a porta de entrada, eis que ela surge. O coração dispara de uma forma quase incontrolável. Respiro fundo conforme a vejo avançar para mim. Os cabelos soltos balouçando ao ritmo dos passos pequenos, a blusa branca finamente riscada a azul formando um decote ligeiramente pronunciado, calças de ganga creme. Um sorriso enfeitava a face e os olhos brilhantes colaram-se aos meus. Levantei-me e aproximouse. Deu-me a face a beijar o que prontamente correspondi. O perfume dela encheu-me os pulmões por completo e deixei-me fechar os olhos enquanto lhe dava o segundo beijo. Corada, senta-se em frente à rosa que ali lhe guardava o lugar. A conversa começou a fluir sobre o passado, o presente e o futuro. O perfume continuava a "massacrar" o meu cérebro, fazendo-me flutuar. As mãos dela sobrepuseram-se às minhas por cima da mesa e os olhares encontraram-se. As palavras calaram-se tornado tudo num silêncio íntimo, só nosso. Sem mais nada, levantou-se e puxou-me pela mão. Guiou-me para o elevador, deixando-me admirar mais uma vez os seus passos silenciosos. Quando olhava para mim, um sorriso aflorava aos lábios, deixando-me cada vez mais inebriado por ela. O perfume continuava a chegar-me em lufadas quentes da sua pele. Enquanto esperava-mos o elevador, os meus lábios abriram-se para falar, mas ela prontamente colocou um dedo em frente deles e apenas sibilou "shiuuu". Aproveitei para beijar aquele dedo mesmo em toque quente, suave. As portas abriram-se e num ápice entrámos, encostando-nos ao fundo num beijo sôfrego de desejo e intenção. As mãos de ambos percorriam todo o corpo numa ânsia de nos sentir. Rapidamente chegámos ao quarto e ali mesmo, encostado a uma porta finalmente fechada, no nosso recanto silencioso, demos azo aos desejos ardentes que consumiam a nossa alma. Beijei-lhe os lábios sedosos, húmidos de desejo. A libido foi subindo numa escala vertiginosa, e as mãos perdiam-se no aveludado toque da sua pele. Deixei os meus lábios repousarem longamente naquele peito proeminente, deliciando-se com o calor

que deles emanava. As roupas foram caindo, assim como a vergonha, e pude visionar por completo a mulher que ali se me afigurava. A tez branca contrastada com o loiro do seu cabelo e o oiro ao seu peito, faziam um quadro delicioso. Petrificado por tão bela imagem, deixei-me guiar por aquelas mãos. Abandonei-me às carícias doces que aquelas mãos e boca me transmitiam, deixando-me ser saboreado. O desejo de ambos era enorme, e via-se na sofreguidão delicodoce dos toques. As peles roçavam-se, entranhando os perfumes de cada um no outro. O silêncio era apenas entrecortado por esgares de desejos inconfessados. E o mundo deixou de girar e ficamos suspensos no momento orgásmico de uma relação em que os corpos se fundiram num só, em que os desejos chegaram ao culminar da fantasia, em que apenas cada momento foi memorável. Deixamo-nos estar assim, abraçados, sentindo o coração bater, a respiração voltar ao seu ritmo normal, sentindo ainda o calor da paixão. Os cabelos dela desgrenhados, abandonados erroneamente pela minha face, deixando-me sorver mais um pouco dos seus cheiros, o cheiro da libido no ar, do suor dos corpos misturado com o perfume natural daquela macia pele, continuava a deixar-me extasiado. Ela rolou para o meu lado, e deixou posar a cabeça no meu peito. Ali ficámos, despojados de todas as cobertas, apenas sentindo-nos. O desejo tinha tomado conta de nós.

Conto X O rio passava languidamente, seguindo o seu curso. As águas calmas mas turvas avançavam a passo lento, atrasando a sensação do tempo que passa. As folhas iam caindo conforme passava a brisa, sendo que algumas voavam pela frente dos seus olhos, indo docemente beijar a água pachorrenta. Os olhos seguiam essa sua viagem lenta, abraçadas pelo ar que as transportava até que estas delicadamente eram entregues no seu outro meio. Deixava os olhos seguirem o seu percurso, perscrutando o seu destino. Olhou as mãos trémulas que pouco antes seguravam o corpo inanimado do seu amor. Lágrimas grossas e quentes molhavam a face cansada, seguindo o curso desde os olhos até ao queixo. Aquelas mãos, aquelas tristes mãos, rudes e grossas, que tinham amado e sido amadas e beijadas, estavam agora vazias de tudo. Vazias de amor, de paixão, de razões. As mãos trémulas que viram fugirem de si tudo aquilo que mais amava. Sentira com elas o último calor de um corpo e de uma alma que era sua, que era igual à sua. Um amor que fora seu durante tão pouco tempo, de menos que aquilo que deveria ser. Aos seus olhos vinham ainda os últimos instantes, o último suspiro de uma alma que se abandonava. Vira os seus olhos cristalinos tornarem-se vítreos e cegos conforme o sangue deixava de correr. Sentira o adeus naquele último sorriso esforçado de uns lábios moribundos, mas que nem assim deixavam de ser belos. O seu traço fino mas sem cor, que num esgar de esforço se despediam de quem a tinha amado com todas as suas forças. Recordava as lágrimas que caiam naquela face do qual o rosado vivo já se tinha despedido. O último abraço que apenas por ele foi sentido. Sua voz tinha desaparecido. Já não sentia as mãos dela nas suas. De pouco mais se lembrava desses momentos que não fosse a figura dela, do seu corpo cuja vida tinha sido arrancada de forma impiedosa. Tinha a noção que esse corpo lhe foi arrancado das mãos, dos seus braços, dos seus olhos para um lugar distante, escuro e frio, por umas mãos frias desconhecedoras de todo o amor que lhe era devotado e devido. Agora, sentia apenas o calor dessas lágrimas que incessantemente caíam nas mãos que ainda olhava. Sem perceber o como, mas sabendo o porquê, começou a caminhar. Sentiu o choque da água fria na sua pele e não se importou. Continuou a caminhar, nada o detendo. Caminhou até a água escura e calma do rio o cobrir. Já não sentia o calor das lágrimas da sua pele. Já não olhava para as suas mãos vazias. Apenas se deixava ir para onde as folhas que caiam também iam. Talvez fossem para onde estava o seu amor. Os olhos abertos deixavam de ver. Também os seus olhos ficavam agora cegos. Sem esforço, deixou-se levar ao fundo. Sentiu a vida esfumar-se de si, abandoná-lo, como tinha visto abandoná-la a ela. As bolhas de ar subiam enquanto a sua boca tentava pronunciar o seu nome, como que a chamando para si. Mas nenhum som era audível. Nada era pronunciável. As pálpebras forçavam a fechar enquanto o negro tomava conta de si. E de repente, vindo do nada, a imagem dela apareceu na sua frente. Miraculosamente ela estava ali, dando-lhe a mão novamente. Ele sentia novamente o seu calor. Mas as pálpebras fecharam cansadas e o lodo do rio aparou a sua queda.

Conto XI Olhos azuis, claros e cristalinos, como gotas de orvalho numa manhã fresca de primavera reflectindo o céu, pele branca, sedosa, rosada pelo sol quente de um verão envergonhado, pintalgada por umas sardas cor de sol, como se este tivesse beijado aquela face infinitas vezes, deixando a sua cor ali marcada. Um sorriso sincero, grande, bonito, completa uma face das mais bonitas que já conheci. Uma voz melodiosa, umas mãos pequenas, delicadas, o cabelo loiro jogando às escondidas com um pescoço esbelto, esguio, continuando para uns ombros claros, fortes, torneados. As palavras faltavam quando os olhos poisavam nessa figura extasiante. O seu perfume, forte mas delicado, num contra-senso perturbador, obrigava a parar e apreciar cada instante. Ali, com o mar em fundo, com o seu som entrecortando cada frase, o mundo parou por um instante. Deixei-me estar perdido no som da sua voz. Senti um pequeno toque dessas suas mãos e envergonhei-me. Não me senti digno, senti-me pequeno perante ela, sentime voar num sonho com medo de acordar. Assim era ela, delicada, flor de Jasmim perfumado, com pétalas suaves, doces, ternas. A conversa fluía mais uma vez, as palavras brotavam com delicadeza, suavidade, embalando-me em sonhos coloridos. Com ela voei. Outro toque, outro arrepio. O tempo voava nos instantes parados do tempo. Cada segundo, cada fracção infinitesimal de um segundo era digno de apreciação. Apreciei, saboreie, percebi, conheci. Ouvi cada uma das suas palavras com atenção, absorvendo cada uma delas, tornando-as minhas, só minhas. Egoísta por momentos em que aquela bela mulher me dava atenção. E senti-me calmo, tremendamente calmo, como o mar em fundo, que continuava, no seu movimento perpétuo, a marcar o ritmo de uma tarde. Um sorriso, os olhos mirando-me, a cabeça apoiada numas das mãos, escutando-me. E senti-me importante e ela fez-me sentir que existia. A dor da despedida, de um até já sem data, e o olhar a ficar marcado na minha retina como negativo de foto. O seu aroma ainda no meu cérebro, a sua imagem nos meus olhos, o seu toque na minha pele. Ainda e sempre.

Conto XII O céu límpido, o sol quente, uma ligeira brisa, trazendo em si uma pequena sensação de frescura. A espera fazia-se sentir na adrenalina latejante no peito, fazendo o coração disparar por antecipação. Olhar perdido, tentando tomar a atenção naquilo que as mãos tentavam fazer, mas a falta de focalização era gritante. E é então que algo muda. A brisa fresca traz uma fragrância consigo. Por momentos fecho os olhos para que o meu cérebro pudesse processar aquele aroma conhecido. Inconfundível, penso eu. Levanto os olhos expectantes e ao longe vejo-te caminhar na minha direcção. Não consegui esconder o sorriso rasgado de te ver ali, junto a mim, mais uma vez. O corpo expulsa num frenesim mais uma bombada de adrenalina. O coração dispara pelo fim da expectativa, acalmando-se de seguida, como que reconfortado pelas tuas primeiras palavras. Por momentos pensei que afinal o coração ouvisse, e que com o som da sua voz acalmou ao seu ritmo normal. Redescobri a maciez da pele acetinada da face, num cumprimento rápido mas carinhoso. Novamente aquele olhar penetrante, cristalino, doce, trespassando-me por completo. A conversa flui ao ritmo da brisa que afaga as nossas faces, fazendo-nos voar como se com ela quiséssemos ir. Não resisto a tocar-te por instantes. Não resisto a procurar o toque do braço. A medo, com receio quase de acordar de um sonho, toco-lhe na pele, sinto o seu calor. As palavras saem-me da boca em rajada, pelo nervosismo, por sei lá mais o quê... Sei apenas que me sinto bem a vêla, a senti-la próxima. Ela ajuda-me e provavelmente nem imagina o quanto... A conversa flui para passados recentes, de mágoas e felicidades, de coisas boas e menos boas. E cada palavra dela não a deixo de a admirar. Completa, bonita, inteligente, doce e tantas mais coisas difíceis de explicar ou perceber. O tempo voa e eu voo com ela. Admiro-a pelo que é e por aquilo que consegue que eu seja. Apaixonante digo-lhe eu. E os olhos dela sorriem no acompanhamento perfeito dos seus lábios, finos, bem delineados, ligeiramente coloridos. Olho o seu coração pendente de um fio ao seu peito, altivo, bonito. Perco-me na sua figura, nos contornos do seu corpo, na sua tez clara, nos seus gestos delicados. Mas o tempo não perdoa, chega ao doloroso fim, adiado a cada instante, de deixar que os meus olhos se percam dela novamente. Arrisco mais um pouco e poiso a minha mão na sua face. Apetece-me abraçá-la ali e deixar-me estar assim por tempo infinitos, podendo sentir o bater do seu coração. O sorriso marca-me mais uma vez. Os olhos despedem-se num até já. Um último toque, um último beijo. Conforme me afasto, olho para trás, marcando uma última imagem. Conforme vou andando, levo a minha mão ao nariz e aspiro. O seu perfume ainda ali tão perto. Inebriante. Simplesmente e docemente inebriante.

Conto XIII Como num sonho, senti as mãos dela tocarem no meu braço e a cabeça poisada no meu ombro, levando-me a sentir uma onda de alegria conforme o som do seu riso acompanhava esse seu gesto tão ternurento. Desejei poder para o tempo, ordenar que ali mesmo ele se quietasse e me deixasse saborear mais um pouco, deixando o perfume dos seus cabelos invadiram o meu ser e voando na minha imaginação. Senti os seus olhos cravados em mim enquanto os meus se refugiavam no horizonte longínquo do entardecer alaranjado, sentindo-me completamente trespassado por esse olhar doce e terno. A tarde amena, com perfumes de mar e flores, numa combinação alucinante de sentidos despertos, fugia de mim como areia entre os dedos, voando quando eu mais a queria intemporal. Apesar de breve, sentia ainda a impressão dos seus dedos na minha pele, aquele suave torpor de um gesto natural e desejado. Sentia-a próxima, solta, feliz. Tentava descrever-lhe ela própria, desejando que os seus olhos fossem os meus para poderem reparar na doce criatura que Deus tinha idealizado, sem enganos, sem omissões. Gestos delicados e calmos, tornados arte por umas mãos de seda, contrastadas pelas minhas rudes mãos, toscas e ásperas, de quem pinta fora do traço, mãos que não seguem o que a mente idealiza, que não respondem aos desejos delirantes. A voz suave que ecoa pelos sonhos, num rol de ideias tão suas, de uma imagem errada de si mesma, num desafio aliciante de desconstrução e reconstrução. O desfilar de verdades comprovadas na esperança do convencimento da realidade. E por momentos o silêncio das vozes, como que travando o que se quer dizer, refugiando os olhos numa criança que dormia o mais puro dos sonos.

Conto XIV O cigarro consumia-se entre os dedos, e o fumo espairava-se no ar quente a abafado daquela esplanada no parque num jardim bem cuidado, com o verde da relva pontilhado por pequenos canteiros de lírios vermelhos e amores-perfeitos violetas. As veredas de velhos plátanos de folhagem de um intenso verde traziam sombra a pequenos casais que cujo amor era jurado a cada palavra dita. Sorrisos abertos de crianças correndo atrás das borboletas que pairavam por ali, dando uma sonoridade tão própria de um jardim resguardado do silêncio do bulício da cidade. Lentamente ele aspirava o fumo soltandoo de seguida deixando-se consumir pela languidez do momento, entrecortando o fumar com ligeiros goles de um chá gelado e refrescante. Observava atentamente o que o rodeava, tomando nota mental de cada pormenor. Em cima da mesa, uma velha edição de "O Velho e o Mar" de Hemingway, com as páginas gastas de tanto dedilhadas. Lido e relido vezes sem conta, a luta do homem com a natureza, da sobrevivência do velho contra os elementos, sempre actual aos olhos que o reliam. Páginas amarelas do tempo, bordas gastas das mãos que o seguraram, palavras relidas e assimiladas. O cigarro consumido é amassado num cinzeiro de lata que estava em cima da mesa, quase cheio de beatas e cinza. O calor estava insuportável e a camisa gasta do homem quase não absorvia o suor que dele emanava. A fronte franzida com as gotículas de água era limpa compassadamente por um lenço saído do bolso por uma mão morena e rude. Os olhos desviaram-se para a capa do livro pintada a azul mar, aqui e ali notando-se o amarelo do papel por a tinta se ter desgastado. Ao centro, um desenho tosco a preto com uma figura de um homem no seu barco agarrando o magnifico espadarte pescado. Poético... Uma bola veio-lhe mansamente ter ao pés e um pequenino, que não devia ter mais que 8 anitos, loirinho de olhos azuis, veio a correr para ele. O homem baixa-se com alguma dificuldade e pega naquela bola de futebol. O pequeno pára, como que avaliando quem lhe pega no brinquedo que ele tanto quer. A ponta da língua de fora, e dedo na boca, num jeito de ansiedade, olha por baixo da marrafa que lhe cai para os olhos. O homem sorri e estende as mãos, oferecendo-lhe a bola. O pequeno avança em passos lentos, receosos, sempre mirando aquele homem que lhe estende o objecto de desejo. As mãos pequenas agarram a sua bola mas os seus olhos não largam aquele estranho que ali está, oferecendo o seu brinquedo. O homem sorri ainda. O pequeno sorri agora abraçando a sua bola, e por momentos especa num sorriso rasgado e inocente para o homem, iniciando a corrida para o meio da relva para brincar novamente. O homem recosta-se na cadeira gasta e acende novo cigarro. Puxa o livro para si, e no marcador de página escreveu: "Somos nada comparados com flores reflectidas nos olhos de uma criança" Releu a frase escrita na sua letra estilizada, voltou a marcar a página e fechou o livro. A custo levantou-se da cadeira e caminhou pela vereda, lentamente, apreciando a sombra das árvores mais velhas que ele.

Conto XV A orvalhada da terra trazia o seu aroma inconfundível, fresco, doce, fazendo sentir a calma de sentir despreocupadamente. Ela, sentada num muro de pedra antiga, ruínas do que antes fora um moinho de água, perna lançada por cima da outra, em perfeita descontracção, ria e falava de si mesma, das suas aventuras e desventuras, dos seus encontros e desencontros com o destino. Ele, sentado nesse mesmo muro, ao seu lado, pernas lançadas para cada um dos lados, queixo assente nas mãos, escutava-a, embevecido pela voz calma dela, embalando-se na melodia das suas palavras. Os olhos dele perscrutavam cada pedaço dela, admirando-a, analisando-a, desejando poder sequer tocar, no toque inocente dos desejos contidos. Ela continuava nas suas histórias, ele nas suas ilusões, pensando se e quando é que a história de ambos se cruzariam no tempo e no lugar. A mão que larga o queixo afasta-se em direcção a ela, procurando o contacto desejado, chega à sua perna coberta e mansamente deixa-se ficar, na esperança que ela o deseje. Ela pára, olha o profundo dos seus olhos, brilhantes, expectantes, doces e ternos. O silêncio apenas é desfeito pelo turbilhar lento das águas que por ali passam. É manhã. A vida ali resume-se a eles e às plantas. Ao longe passa de quando em vez um milhafre pairando pela serrania em busca do seu alimento, lançando piares arrepiantes mas belos. A mão dela escorrega docemente pela sua própria perna ao encontro da dele, ali expectante, desejosa, sincera. O toque dá-se num momento intemporal, fazendo-o arrepiar da cabeça aos pés, fazendo o seu pequeno coração saltar de euforia, fazendo os seus olhos brilharem ainda com mais fulgor. Nenhum dos dois foi capaz de quebrar aquele silêncio cúmplice que se instalou, falando entre si pelos olhares fogosos de corpos ardentes de paixão. A mão dela agarra a dele com mais força, aperta-a em si, mãos suadas do nervosismo latente de amores impossíveis. Ela conduz a mão dele até ao seu peito, para que ele sinta o seu coração, batendo com força, quase querendo sair. Ele sente-o, na palma da sua mão, batendo furiosamente, e dá-lhe o seu a sentir também. Os olhos pedem mais, os corpos aproximam-se em passos lentos, desmedidos, os olhos fecham-se ao primeiro toque de uns lábios sequiosos do seu amor. Roçam-se lentamente, tomando o gosto daquele toque acetinado e doce. As respirações sustêm-se por momentos infinitos, calando todos os outros sentidos que não sejam o do toque. Sentem-se pela primeira vez, parando tudo em seu redor, apagando o mundo em que vivem. As bocas que se entreabrem, deixando que o gosto comece a fazer parte das sensações. As línguas quentes que se exploram mutuamente, numa dança lenta, apurando cada essência dos seus seres, puxando para cada um de si os gostos do outro, descobrindo cada cambiante, deixando o sangue fluir às faces já de si rosadas pela antecipação. As mãos apartam-se tocando a face do outro, deixando-a escorregar até que os dedos mergulhem nos cabelos, puxando cada um para si, levando ao aproximar das peles, que se tocam, que se desejam de uma forma quase incontrolável. As bocas juntam-se mais ainda, levando a calma ao frenesim da exploração das sensações. Desejam-se e despem-se de pudores a olhares indiscretos. Ela puxa-o mais para si, ele deixa-se ir, sentindo agora que os troncos se tocam, sentindo a protuberância do peito dela no seu próprio. Sentem o calor emanado dos seus corpos, fazendo-os alienar-se do fresco da manhã. As mãos dele que lhe tocam a face, que não a deixam acabar com aquele momento tão doce. Mãos se deixam escorregar sentindo cada pedaço de pele por onde passam, levando a um abraço apertado, dando largas ao fulgor de desejos. Bocas que se apartam, olhos que reabrem e se reencontram, sorrisos envergonhados de cumplicidade, mãos que se voltam a juntar numa paixão cúmplice, ainda juntos no

silêncio da manhã, testemunhado apenas pelas águas de um riacho que crescerá e desaguará num mar comparável apenas ao desaguar daquela paixão num amor verdadeiro.

Conto XVI No acampamento reinava a calmia. O breu da noite era apenas iluminado pela fogueira alta no centro do círculo. Entre os jovens de tenra idade, um idoso de espírito como os demais. A sua idade ninguém a sabia, a maioria das pessoas dizia que já nem ele se lembrava da sua própria. Na aldeia a 30 minutos dali, era conhecido como o Ti Carvalho, não por ser esse o seu nome, mas por ficar cada vez mais rijo com a idade. Personagem afável e acarinhada, era famoso pelo seu dom de contar histórias, garantidas de verdade por ele, mas povoadas de fantasias. A sua barba e cabelo branco e mal aparados, a tez morena, mão calejadas do trabalho na terra, e vestes simples eram a sua figura. Desde que se conhecia que caminhava apoiado num cajado, já liso do desgaste dos anos. Tinha sido pastor, pescador, taberneiro, parteiro, médico e até padre, dizia ele rindo. Conhecia a serra como a palma das suas mãos, cada caminho, cada gruta, cada pedra a que chamava sua. Dizia que tinha dormido mais vezes com as estrelas como tecto de com o colmo das casas da serra. Fumava uns cigarros de carqueja feitos pelas próprias mãos, embrulhando com mestria a mortalha num círculo perfeito. Dizia que aqueles cigarros faziam mais mal que bem, que a carqueja é pura, não é como aquele cigarros finos que os da cidade que andavam para ali a passear traziam. Contava histórias de lobos e de águias, de veados e de monstros do rio, de lobisomens que apareciam nas noites de lua cheia (garantia mesmo que uma vez tinha dado um tiro num, mas não para matar, que se Deus o tinha posto na terra, para alguma coisa haveria de ser). O riso com ele era fácil, com a sua cara bonacheira e olhos pequeninos e brilhantes. Não se lhe viam dentes, por já não ter muitos e por se esconderam debaixo daquela barba enorme. Gostava de se meter com a miudagem, de se sentar com eles à volta da fogueira. As labaredas alaranjadas davam um clima mais propício aos seus contos e o ocasional uivar de um lobo na serra dava o toque arrepiante final. Os guias da serra convidavam-no sempre para os acampamentos, porque sabiam que ele gostava e porque a miudagem gostava também das histórias que ele sabia contar. Mesmo eles, se sentavam a ouvir, porque cada história era contada de maneira diferente. A noite ia a longa e o Ti Carvalho acabava mais uma história. De entre os miúdos vinham sorrisos de alguns e caras de medo de outros. Ele sorria. - Bem meninos e meninas. Está na hora de ir para a caminha Um coro de “ohhhhhhhh” saiu daquelas pequenas criaturas. Aqui ali ouvia-se “Só mais uma…”. Então o Ti Carvalho puxa da sua onça de carqueja e de mais uma mortalha e começa a fazer mais um cigarro. Os dedos ágeis embrulham o cigarro num piscar de olhos e o silêncio imperava. Ia sair mais uma história. - Se vocês pedem eu então conto mais uma. Querem mesmo? – Perguntou ele na sua vos grossa dos anos. Em uníssono todos disseram “Simmmmm…”. Ele levantou-se e chegou-se à fogueira. Com um tição em brasa, aproxima-o da ponta do cigarro na boca. A barba e o cabelo tornaram-se incrivelmente laranja com o reflexo da brasa. - Pois então cá vai. – Iniciou ele de volta ao cepo que servia de banco.

“Há muitos anos, ainda era eu rapazote, como vocês todos, a aldeia não era como é hoje. Tinha mais gente, gente como eu sou agora e rapaziada como vocês. Como já vos disse, o meu pai tinha um rebanho de cabras, e ele mandou-me para a serra com elas. Eu gostava de andar na serra, sozinho, com as cabras e com os cachorros, dormia com eles no meio do mato e eram eles que me aqueciam e me faziam companhia. Na taleiga levava um quarto de broa e um bocado de carne de porco seca. Era a minha dejua, almoço e jantar. Água bebia-a dos riachos que nasciam na serra.” Parou para mais um travo no cigarro e olhos percorrem a sua pequena e silenciosa plateia. Na serra, um Bufo-Real piou. Ele expirou o fumo espesso e continuou. “Então, num dos dias lá perdido nos confins de Deus, deitei-me à noite embrulhado na samarra entre os cachorros. O rebanho estava sossegado e eu cansado, deitei-me a dormitar, mas sempre com um olho aberto, que os lobos andavam sempre perto. Olhei para o Piloto e para o Zarolho e disse-lhes, estejam atentos que andam aí os cães do mafarrico. E assim foi. Os canitos ficaram de alerta e eu passei pelas brasas. Já a noite ia alta quando acordo com o bater da cauda do Zarolho, que era chamado assim porque só tinha um olho, o direito” enquanto apontava para o seu próprio olho, “já era assim desde pequenito mas era bom pastor. Então o Zarolho estava-me a bater com a cauda na cara e eu acordei. Sentei-me ainda a dormir e olhei para onde estavam os dois a olhar. Estava um lobo, mais branco que a minha barba, tão branco como a última camada de neve no cimo da serra e eu assustei-me. Já os tinha visto muitas vezes, mas nunca tinha estado tão pertinho de nenhum. O raio do bicho estava ali especado a olhar para mim e eu para ele. Cutoquei o Piloto e disse-lhe baixinho a uma orelha. Vai lá Piloto, manda-o embora. Mas o canito olhou para mim de orelhas baixas e nem se mexeu. Eu já não sabia o que fazer… Agarrei numa pedra e atirei-lha e disse alto, vai-te embora cão do diabo. Mas a pedra não lhe acertou e o bicho não foi. Eu já não sabia o que havia de fazer. Então o bicho começou a andar para mim e eu a gatinhar para trás ate bater com as costas numa árvore que ali estava. E ele sempre a andar para mim. Os olhos dele não saiam de mim e eu nem me lembrei que podia subir a árvore. Pensei que ia ser comido ali pelo bicho.” Os pequenos olhavam para ele assustados. Alguns escondiam a cara nas mãos como se o lobo ali estivesse à frente dele. Um último travo no cigarro e com dois dedos mandou a pirisca para o lume, que começava a baixar, dando uma luminosidade ainda mais fantasmagórica. “O sangue fugiu-me todo e mais sem força nas pernas fiquei quando vi aparecer uma luz branca, tão branca que me afligia as vistas. Nunca tal tinha visto na vida. Era eu um franganote pouco maior que vocês e pensei que estava a ver alguma alma penada. Depois ouvi uma voz que me disse Vou-te levar para o outro mundo. Mas eu lá arranjei forças, peguei no cajado e respondi-lhe, não me levas não que eu gosto muito de cá estar neste. E depois, a luz vai-se e eu fiquei a espera que viesse para cima de mim. Eu levantei o cajado para dar com ele, mas não o ouvi mais e o lobo também desapareceu. Nunca mais o vi. Por isso meninos, quando forem dormir, vejam lá se vos aparece a alma penada…” Quando acabou, a pequenada estava em silêncio. Olhar de assustados com medo dos fantasmas. Um dos guias levantou-se - Vá meninos, tudo para a tenda.

- Adeus meninos portem-se bem, dizia o Ti Carvalho enquanto a criançada ia para tenda com olhar se susto. O outro guia ficou para trás para apagar a fogueira e disse-lhe - O Ti Carvalho, mas afinal quem era o fantasma? - Sei lá filho, mas que era lá isso de fantasma, era. - Riu-se o Ti Carvalho para dentro.

Conto XVII As gotas escorriam pela vidraça de forma lenta, engrossando à medida que iam descendo e incorporando novas gotas que se formavam com a chuva a bater. Ele olhava através dela para a rua mal iluminada onde raros guarda-chuvas passavam acoitando gente anónima em passo apressado. Um ou outro carro passava, fazendo-o cegar com as luzes e seus reflexos. Quando reabria os olhos, via o seu rosto reflectido na sua janela para o mundo chuvoso. Via os olhos cansados, semi-cerrados, a barba de dois dias, o cabelo grisalho penteado num risco pela direita quase perfeito. Girava um CD de um jazz calmo, quase música de elevador. Nas mãos, um copo de whisky já sem gelo derretido pelo calor das mãos. Cada gole queimava-o por dentro, na viagem vertiginosa entre a boca de lábios grossos e vermelhos e o estômago vazio. Voltou-se de costas para o mundo e no meio de mais um gole, enfrentou a lareira agora apagada. Nenhum calor dali vinha, nenhum calor estava naquela sala, sala essa testemunha de calores imensos. Ao som daquelas mesmas músicas tinha descoberto as sensações do toque da seda. Caminhando de olhos postos na lareira, aproximou-se e passou-lhe as pontas dos dedos recordando os momentos das chamas reflectidas na pele de uma mulher. À ideia vieram as memórias dela à porta esperando por ele, esperando que ele a libertasse da suas roupas e ali, naquele mesmo chão se preenchessem e esvaziassem de desejos. Ali mesmo tinha ele delicadamente despido a blusa que lhe tapava a pele, cobrindo de beijos doces a recente descoberta, deixando as mãos vaguearem por ali, perdidas, sentindo o toque suave de uma pele sedosa. Ali mesmo a tinha despojado de todas as barreiras que o separavam do seu objecto de desejos, deixando-o livre para conhecer todos os seus sabores. Recordava o aroma do seu pescoço e ombros, dedilhados de olhos fechados, marcando na sua mente todas as formas do seu físico. O sabor dos seus seios, delicadamente apreciados pela sua boca, dando-lhe o calor de um corpo que não mais era seu, abandonado aos desejos dela. Ali mesmo recordava o toque na sua barriga, que a fazia arfar de desejos e pedidos de continuação dos prazeres previstos, pedindolhe que não parasse no seu caminho de descoberta do seu corpo. Sentia ainda o calor emanado do seu sexo enquanto o saboreava, do seu gosto peculiar, das pequenas cócegas de uma púbis aparada num triângulo de amor, dos dedos dela enterrados nos seu cabelo não o deixando desistir da consumação dos prazeres maiores. Recordava como ali era colocado como centro de atenção, deixando que ela se vagueasse por si, sentindo os contrastes de uma boca delicada, mordendo a sua pele, as suas mãos vaguearem pelo seu peito, pelos seus braços, por todo de si. Relembrava as labaredas de paixão e luxúria dos seus olhos no momento em que os corpos se encaixavam em perfeita simbiose, em que os beijos se tornavam mais fortes, em que se tornavam unos e indivisíveis, em que ondas de tortuoso prazer electrificavam os sentidos, levando-os a um êxtase profundo, seguido da acalmia de duas pessoas que apreciavam cada momento. Recordava o toque dos seios no seu peito, altivos, elegantes, comprimindo-o em abraços de loucura calma deixando o silêncio reinar num abraço dos amantes. O sexo dela ainda húmido dos prazeres recentes comprimido nas suas coxas, dando-lhe ainda o seu calor, apesar do libido satisfeito. O nariz encostado ao seu cabelo, com aroma de pêssego, sentindo nos corpos o calor daquela mesma lareira agora apagada. Poisou o copo na mesa ali ao pé de si e deixou-se literalmente cair no sofá ali por trás de si. Deixou-se inclinar sentindo uma lágrima escorrer vagarosamente pela face por barbear. Deixou-se estar de olhos fechados, deixando-se envolver pelo silêncio de um CD já parado. Na janela, as gotas continuavam e percorrer o seu caminho vagaroso, na

rua, outros anónimos continuavam a correr de guarda-chuva aberto. Ele deixou-se adormecer vencido pelo cansaço da saudade.

Conto XVIII O cano frio da arma encostada na têmpora, o clique metálico do cão que se arma, o gemido metálico da força do gatilho, a explosão da pólvora que impulsiona o metal contra a carne, o rasgar da pele à passagem da bala quente e o corpo que finalmente se abandona numa queda desamparada. Um fino fio de sangue escorre pela cara e perde-se na areia branca da praia. Os olhos abertos ainda para infinito do mar prateado, reflexos da lua lá do alto. O mar mansamente, como em respeito, mal faz barulho a bater na praia. Aquele mar, seu confessor, confidente e conselheiro, que tantas lágrimas lhe lavou, foi a testemunha final do seu acto de compaixão. Ali tinha deixado o mundo seguir o seu curso sem a sua interferência. Ali tinha-se despojado das suas amarguras para descobrir a paz. O corpo inerte dobrado sobre si mesmo, agarra ainda o seu instrumento de morte. Não há mais ar que entre nos seus pulmões, não há mais mal que lhe chegue, não há amargura que lhe tolde o espírito. Uma última lágrima que escorre pela face juntando-se ao sangue gotejante, diluindo-o. A praia deserta, ninguém mais ali está assistindo à sua despedida, não há ninguém com ele. O mar, num esforço, dá um último beijo ao corpo morto, despojado de tudo o que é terreno. Uma nuvem encobre a lua, deixando-o ao breu da noite. Já são altas horas da madrugada, o dia está perto. Mas não para ele. Este tinha sido o seu último dia. Este tinha sido o seu fim.

Conto XIX O encontro estava marcado no lugar de sempre. Há muito que ali se encontravam para falar de tudo e mais alguma coisa, longe dos olhares indiscretos. A noite caía calmamente, deslizando pelo horizonte nos tons avermelhados de um pôr-do-sol digno de um quadro pintado. Os olhos deles buscavam-na no caminho até aquele lugar discreto, calmo, só. Sentado na erva ainda verde daquele ermo, ele contemplava o acabar do dia, ainda morno do sol que tinha feito. Aqui e ali, pequenas flores selvagens brancas despontavam por entre a maioria verde. Uma brisa muito ligeira afastava o calor em excesso, permanecendo apenas a agradável ameno que saia da terra. Ao longe, o som da brisa nas árvores e o som de alguns passaritos ainda cantando. Recostado no chão, ele fechava os olhos sonhando. Sentiu os seus passos ao longe na sua direcção mas deixou-se estar. Ouvia o restolhar do seu caminhar cada vez mais próximo, e abriu os olhos para a ver. Ela preencheu todo o seu olhar e baixou-se. Sentiu o beijo dela na face e retribuiu. Ela sentou-se ao seu lado e ele puxou-a mansamente para trás, levandoa a recostar-se como ele naquele relvado natural. O perfume dela encheu-lhe as narinas, levando-o a sorver cada pedacinho de ar com o seu aroma. Ali, com a luz do final de dia, ela estava ainda mais bela que o habitual, se tal fosse possível. Em silêncio deixaram-se estar por longos minutos, apreciando apenas a paisagem delicodoce que lhe era apresentada. Ali estavam os dois apenas fazendo-se companhia. Ali já tantas conversas tinham tido. Ali lhe tinha a ele crescido um sentimento que não saberia como lhe explicar. Ainda em silêncio, estendeu a mão até tocar na dela, arrancando-lhe um sorriso bonito, gracioso. Fez menção de retirar a mão mas ela agarrou-a, não deixando que se separassem, ao mesmo tempo que se virava para ele ainda sorrindo. Ele rolou no chão e fê-la deitar-se cobrindo-a com o outro braço e sem largarem as mãos. Ela sorria, com a boca e com os olhos, largando todos os pudores e constrangimentos. Ele baixou a sua cabeça até os lábios quase se tocarem, sentindo a respiração dela compassada, mas forte, expectante, tentadora. Os olhares cruzavam-se e podiam ver o fundo das suas almas, todos os desejos contidos durante tempos infinitos. Até que os lábios se tocaram por fim, num beijo breve, cheio de ternura e delicadeza. A mão subiu até ao seu pescoço e os lábios até à sua testa, depositando um, dois, três beijos, deixando-os escorregar pela pele até aos olhos fechados, sentindo o carinho dos toques, a face, um, dois, três, o pescoço, aspirando o seu perfume, a mão ainda a agarrando, pela mão e pelo pescoço, e deixou-se estar ali, encostado na pele macia do pescoço, apreciando o seu aroma, deixando escorregar mais uma vez os lábios até ao queixo e até encontrarem a boca dela novamente. Sentiu as línguas roçarem-se numa dança lenta, calma, apreciando os sabores, as intensidades, o calor que emanava dos corpos juntos, até se envolverem num abraço forte, sentido, sem que as bocas se descolassem de um beijo intenso. Ela sentia o seu fervor por baixo das roupas dele, e as mãos iniciaram as carícias pela pele. Um a um, desabotoo cada botão da camisa dele, expondo-lhe o peito e nele mergulhou, sentindo os pêlos dele entre os seus dedos, enterrando o nariz no peito perfumado. Ouviu o coração acelerado batendo na sua cara, zumbindo nos seus ouvidos como comboio sem destino. Beijou-o no peito, apreciando a sua pele. Sentia-se protegida, acarinhada por aquele homem. Gostava de gostar dele. Sabia-o ela que ele também de si gostava. Sentiu as mãos dele desapertando os cordões da sua camisola puxando-a de seguida, expondo agora o seu próprio peito às carícias dele. Sentiu as mãos dele procurarem desajeitadamente o fecho da sua lingerie, desabotoando-o após diversas tentativas. O abraço deu-se mais uma vez, sentindo comprimir-se contra o peito dele.

Sem pressas, foram-se saboreando, não deixando cada pedaço de pele longe dos beijos, das carícias, dos toques enamorados de duas pessoas que se amam sem poderem. Os corpos nus fazendo amor delicadamente, sem pressas, sentindo-se mutuamente na intensidade de um desejo incontido, sentindo o prazer de se terem juntado num só. Pequenos gemidos e arfares enchiam o ar de desejos até ao culminar doce dos desejos carnais satisfeitos, selando o acto de amor com um beijo sentido, carinhoso, doce. As mãos dela percorriam-lhe a face suada, corada, percorrendo a fina linha dos lábios dele aberto num sorriso. Também ela sorria, feliz por o sentir dentro de si, ainda, de se sentir unida ao homem que desejava. Não tinham trocado qualquer palavra desde que ela chegara, nem era preciso. Os olhos diziam tudo sem interferência, sem ruído. Deitados na relva, ela poisara a cabeça no ombro dele, enlaçando-o num abraço de amor. Ele cortou uma pequena flor selvagem, beijou-a e colocou-a entre os seus cabelos por cima da sua orelha, arrancando-lhe um sorriso. A tarde chegava ao seu fim, com olhares de promessas de amor eterno, sem desejo de dali saírem, de voltar a quebrar o que ali tinham ligado. E assim ficaram até o sol se perder no horizonte.

Conto XX De mãos dadas, eles passeavam pelo paredão junto à praia. Manhã cedo, um pequeno nevoeiro encobria o horizonte. Fresco mas sem vento, o passeio fazia-se agradável, entre conversas cúmplices, sorrisos rasgados e olhares doces. Ela com um vestido solto, rodados, de um branco imaculado, criando continuação com a sua pele alva, e os calos loiros soltos caindo sobre os seus ombros. As pernas torneadas, o peito altivo, tapado apenas pelo fino tecido do vestido, brincava rodando sobre si, fazendo mostrar um pouco mais as suas coxas de desejo. Ele sorria ao vê-la feliz, solta caminhando com uma leveza admirável. Abraçou-a sentindo na palma das mãos a sua pele das costas nua, quente, delicada. Deixaram-se envolver num beijo doce, suave, sem sofreguidão, deixando-se sentir todo o amor dentro deles. As cabeças poisadas nos ombros, deixaram-se estar envoltos neles mesmos, como que protegendo o seu amor do resto do mundo. Retomaram a passada lenta, entrando no areal fofo e ainda fresco da manhã, tomando a direcção da beira-mar. Prontamente ela se descalçou e correu, olhando para trás sorridente, pedindo para ser apanhada. Ele fazia que corria apenas para a ver soltar uma gargalhada de felicidade, de puro regozijo pelo jogo de sedução lançado. Correu para o mar e deixou as pequenas ondas beijarem-lhe os pés. Salpicos de água subiamlhe pela pele e pelo vestido, tornando-o mais transparente ainda. Brincava como criança nas ondas do mar. Ria sonoramente numa expressão de liberdade e felicidade. Ele sentou-se na areia apenas admirando aquela mulher de uma beleza anormal, de uma simplicidade extasiante. Ela chamava-o, queria a sua companhia ali. Correu para ele e estendeu-lhe a mão para o puxar, para o levar ao mar, mas ele, em vez de se levantar, puxou-a a ela, rodando-a e fazendo-a sentar-se na areia, de costas no seu peito, envolvendo-a com os seus braços morenos, fortes. Afastou o cabelo do pescoço dela e delicadamente ali a beijou, sentindo o seu perfume embriagante. Sentiu o arrepio dela pela carícia e o ligeiro gemido que saiu da sua boca. Os seus braços ainda a envolvendo, sentindo o compasso metódico da respiração. Deslizou os lábios até ao ombro desnudo e novo beijo ali deixou, levando a mais um arrepio. Ali deixou os lábios por tempos infinitos parecidos a tempos ínfimos até sentir que ela lhe voltava a cabeça. Olharam-se nos olhos, abolindo todo o som, todos os sentidos, ficando apenas presos pelo olhar doce e terno. Ele sentia-se completamente arrebatado por aquela mulher tão afectuosa, tão maravilhosamente delicada. Os lábios finos e bem traçados dela fizeram menção de abrir-se para falar, mas ele colocou um dedo de fronte deles, sibilando um “shhhiiiuuuuu”, não a deixando começar. Mesmo assim ela disse: - Amas-me? Os olhares presos e ainda no abraço ele responde: - Até ao fim dos meus dias… Então um raio de sol despontou e reflectiu na lágrima feliz que crescia no canto dos olhos dela, olhos que se fecharam, boca que se entreabriu para receber de novo todo o carinho de um beijo.

Conto XXI O cigarro queimava entre os dedos quase sem ser fumado. O fumo eleva-se em espiral até ao infinito numa coluna azul celeste de forma contínua. Os sentimentos contraditórios do seu coração criavam confusão no espírito. A dor alucinante da perda misturada com a felicidade imensa de ter conhecido. A manhã estava fresca e as primeiras pessoas apareciam por ali. Sozinho, recebia a aragem fresca da manhã na cara e que lhe enxugava a lágrima que teimava em sair. Tudo estava sereno, passivo, menos a mente dele, lutando contra si mesma, numa luta desigual. Segurou o cigarro até este lhe queimar os dedos, deixando-o cair e rolar pelo chão até ao esgoto. Apetecia-lhe a ele também ir até ao esgoto do mundo e deixar-se ir, desaparecer. As saudades imensas invadiram-no, e deixou-se cair de faces nas mãos numa pedra ali perto. Convulsões de choros reprimidos avançaram em avalanche e ele não foi a tempo de travar o mundo a desabar. Sentia ainda na ponta dos rudes dedos, o desenho da sua face, o calor da sua pele. Fechando os olhos conseguia ver com toda a nitidez a sua figura extasiante olhando para si. Ouvia ainda a voz doce e melodiosa em palavras igualmente doces e ternas. Sentia os olhos poisados nos seus, sedentos de carinho e amor. Sentira-a nos seus braços, descansando um pouco das amarguras que consigo trazia. Ele apenas lhe tentava suavizar a dor, queria-a para si, tal o seu fervor. Sentia ainda o suave sentir do seu cabelo nos seus lábios aquando do fraquejar das forças e se deixou ir no desejo de os tocar. Mas estava só. Tudo eram apenas lembranças de momentos em quase deixara de o estar. Ganhou forças e levantou. As pernas torpes quase se recusavam a caminhar, mas a custo lá responderam aos intentos. Olhou uma última vez para onde tudo quase tinha acontecido e partiu.

Conto XXII A névoa na serra trazia a calma depois da tempestade. Cheirava ao fresco de um dia a começar. Tinha chovido toda a noite mas a manhã apresentava-se sombria mas com boas perspectivas de melhorar. Abri delicadamente o estore e a janela, com cuidado para não te acordar. Estavas a dormir profundamente. Saí descalço para a varanda e sentei-me no chão. O silêncio da manhã era enorme. Ouvia-te respirar no quarto, apercebi-me que te aconchegavas debaixo da roupa talvez pelo frio que entrava pela janela aberta. Ouvi o ranger das molas do velho colchão indicando que te viravas. Olhei pela janela e estavas de frente para mim. O cabelo caia-te aos olhos não te incomodando, os lábios fechados dormindo profundamente, as alças da camisa de dormir mostravam-se no teu ombro quase coberto, a mão esquerda sob a tua cabeça e o braço direito esticado para o lugar que tinha sido meu. De joelhos quase no peito deixeime estar a apreciar-te. Estavas doce e apaixonante. Lembrava-me da noite anterior em que nos tínhamos deitado juntos e feito amor de uma forma que me dizias nunca ter feito. Lembrei-me de me ter deitado a teu lado e ter percorrido com a ponta dos meus dedos cada pedaço da tua pele, tentando-te demonstrar o quanto perfeita és. Viste a minhas lágrimas de comoção enquanto o fazia, enquanto apreciava cada pedaço de ti. Senti ainda a tua mão na minha face puxando-me para um beijo terno, delicado. Lembro-me do toque acetinado dos teus lábios nos meus, em que todo o carinho ali estava colocado. Senti o teu bater de coração no meu peito, o calor da tua pele na minha e senti-me feliz e realizado. Agora apenas sentia o chão frio de baixo de mim, mas um calor enorme dentro de mim. Olhava-te ainda dormindo, qual anjo descansando. Estavas bela, mais bela que nunca, assim adormecida. Vi a tua mão agarrar a almofada que tinha sido minha e apertá-la contra ti. Tapaste a tua boca com ela inocentemente. E de repente vi os teus olhos abrirem-se por entre os cabelos. Piscavam para se habituarem à luz até que me distinguiste fora do quarto olhando embevecido para ti. Sorris-te e escondeste-te por detrás da almofada como que envergonhada. Sorrateiramente levantas-te os olhos novamente e viste que continuava ali olhando para ti. - Não olhes, estou feia – disseste-me tu. - Nunca estás – respondi-te eu Sorriste novamente num sorriso de menina e levantaste-te pelo meu lado. Vi-te rebolar na cama e a camisa de dormir levantou até às tuas coxas até chegares à beira da cama. Seguravas ainda a almofada contra o teu peito. Levantaste-te e descalça vieste ter comigo. Jogas-te a almofada no chão ao meu lado e sentaste-te nela, poisando a cabeça no meu ombro e agarrando no meu braço. Voltava a sentir a tua pele quente de encontro à minha. Beijei-te o alto da cabeça carinhosamente e sorriste. Encostei a minha face a ti e ficámos em silêncio a admirar a névoa na serra. Nada mais era preciso dizer. O amor não nos faz olhar um para o outro, mas sim no mesmo sentido.

Conto XXIII Sentia o bater do vento na cara conforme a moto deslizava na estrada. Sozinho, percorria os quilómetros suavemente apreciando o dia que iniciava o seu términos. O som abafado do motor sem esforço, o capacete aberto e os óculos escuros nos olhos era tudo o que me apetecia. A auto-estrada não tinha trânsito, deixando-se percorrer mansamente, não puxando pelas velocidades que a moto era capaz de atingir. Quem me visse na estrada veria apenas um vulto de negro passando sem vento. As curvas faziamse ligeiramente sem necessidades de travar. Deslizava-se como o dia deslizava. Aqui e ali, cruzava-se com um carro, mas a altura do ano indicava que as pessoas estavam de férias, não se aventurando em viagens. Descansavam em paz enquanto a minha mente trabalhava furiosamente. Dentro daquele capacete o cérebro formigava de intensidade. Partira com destino e já não o tinha. Sabia apenas que queria apreciar um por do sol algures num local sossegado. As placas indicavam a Ponte Vasco da Gama e tombei a mota para nela entrar. A visão de estar sobre o Tejo era fantástica e fantasmagórica ao mesmo tempo. O sol punha-se e acelerei um pouco mais, ou perdia o efeito pretendido. A mota cavalgou uns quilómetros mais depressa até conseguir chegar a Setúbal ainda a tempo do último barco para Tróia. A moto entrou aos solavancos para o barco e coloquei-a em descanso. Subi ao tombadilho e sentei-me nos bancos verdes gastos pelos anos. Deixei-me apreciar o sol a baixar no mar no fim do Sado. A ilusão de um golfinho no estuário fezme prestar mais atenção à água tons laranja, mas a impressão passou e a dúvida surgiu sobre se tinha mesmo sido um golfinho que tinha avistado. A travessia fazia-se relativamente depressa devido aos poucos passageiros. Imaginei eu que na volta estaria um pouco mais composto. O barco parou ainda o sol não tinha desaparecido. Subi novamente para a moto e assim que apanhei estrada livre acelerei para a praia. Desci um pouco a costa até encontrar uma praia suficientemente isolada de tudo e todos. Parei e tirei a mochila, descendo pelo areal sentindo as botas enterrarem-se na areia fofa da praia. Descalcei-me e deixei os pés habituarem-se à areia que começava a arrefecer com o fim do dia. Da mochila tirei uma pequena manta e estendia-a no areal. Por ali mais ninguém, apenas eu, o mar, a areia e o fim do dia. Deixei-me estender na manta e assisti ao espectáculo natural da paleta de cores de Deus riscando o céu. Fiquei até ser noite cerrada e adormeci. Ia receber um novo dia na primeira fila...

Conto XXIV Sentada no muro de pedra, com o rio a correr debaixo dos seus pés, ela olhava o infinito com os olhos marejados de lágrimas. Quando sentia que alguma escorreria pela face, prontamente a limpava com os dedos. Tinha com isso a sensação que não choraria mais, mas elas continuavam a formar-se, lentamente no canto do olho, teimando em alimentar-se dos pensamentos tristes que lhe ocupavam a mente. Baixava os olhos e deixava-se admirar as pedras e os pequenos peixes que cruzavam na água, fazendo um esforço para não se mirar no reflexo que o rio calmo lhe dava. Sentia-se quase sem forças, sentia-se infeliz, por causa dos outros mas principalmente por causa de si mesma. Não gostava do que via em si, não compreendia os que os outros viam em si, não compreendia o que se passava dentro da cabeça, com mais perguntas que respostas, confusões da vida que não compreendia. Sentia-se só, mesmo acompanhada. Sentia-se única, mais por falta de alguém do que pela unicidade do seu ser. Procurava desesperadamente um sentido, um caminho e nada nem ninguém lho apontava. Um pequeno pato que passava agitou as águas e perdeu-se das imagens que via. Quando esta acalmou, viu que por trás de si estava uma figura de um homem. Reconhecia-o, sabia quem era. Sentiu os braços enlaçarem-na lentamente e sentiu que a face lhe tocava na dela. Deixou-se tombar naquele abraço e o choro saiu em catadupa, soluçante. Nada disseram, apenas se abraçavam junto ao rio, numa unidade de carinho e amizade. Ela sentiu-se apoiada de um forma que desconhecia, com uma força que até então nunca tinha conhecido. Ele sentou-se ao seu lado e com os polegares limpou-lhe as lágrimas que corriam e com um beijo selou os olhos como que pedindo que não chorassem mais. Os dedos entrelaçaram-se numa cumplicidade evidente e um sorriso desenhou-se na face dela. Afastou-se um pouco e deixou-se tombar com a cabeça no regaço dele enquanto as mãos dele lhe afagavam o cabelo. Continuavam sem palavras, resumindo a comunicação ao toque suave das mãos, dizendo estas mais que mil palavras todas juntas. Ele enlaçou-a pelo peito e aconchegou-a a si. Ela apertou-se no abraço dele sentindo-se protegida. - Como me encontraste? – Perguntou ela. - Foi o vento que me disse. - Porque vieste? – Voltou a perguntar. - Porque precisas de mim. O silêncio voltou entre eles, ainda no abraço de carinho que se davam. - Fazes-me bem – disse ela. Ele baixou os lábios até lhe tocarem na face e ali deixou um beijo. Ela aconchegou-se ainda mais naquele colo que lhe era oferecido, na amizade mais pura e inocente que poderia haver entre dois seres humanos. O tempo passou sem darem conta disso ainda unidos na ternura da amizade. Nenhuma palavra mais foi dita, nada mais era preciso dizer.

Conto XXV A arma na mão que escorria sangue. Pequenas gotas iam caindo pelo caminho conforme dava pequenos paços em frente. Pingavam ainda quentes depois de terem escorregado pelo braço quase imobilizado. Sentia poucas forças mas as suficientes para segurar a pistola que carregava, também ela suja de sangue. Os paços lentos na bruma da noite em direcção ao que não via. Os ouvidos ainda zunindo dos estampidos das balas soltas momentos antes, num tiroteio cerrado, lançando metal por tudo quanto era sítio. Depois a calma, todos os sons abafados pela noite, em que a própria lua era coberta pelas nuvens que não dissipavam. Nada se ouvia, nem os seus passos em direcção ao desconhecido. O sangue continuava a escorrer lentamente, sentia-se com cada vez menos força, as pernas fraquejando no seu intento de continuar até conseguir acabar com o inferno que acabara de iniciar. As dores lancinantes da ferida aberta começavam a toldar o espírito e deixou-se encostar na parede, quase rastejando por ela, deixando um rasto de sangue vermelho vivo na parede em que se apoiava. Aquela cena fazia-lhe lembrar os filmes de espiões, mas nada daquilo era filme, tudo era real, aquela dor existia mesmo, por mais que tentasse abstrair-se dela, eram mesmo os seus fluidos que escorriam de si, era a sua vida que começava a desvanecer-se diante de si. Os olhos começavam a enevoar-se também, sinal que o seu tempo começava a chegar a um fim. Doía-lhe tudo, o corpo não lhe respondia na força da vontade que queria. Mas tinha que acabar o que tinha prometido a si mesmo que iria fazer. Tudo terminaria naquele dia e não morreria sem o acabar. O voltar a referir a si mesmo esta convicção deu-lhe novo alento, as forças, embora ligeiras, voltaram a seu corpo, fizeram-no erguer-se mais um pouco e caminhar mais direito. Faltava um, apenas um. No chão aparecia mais um rasto de sangue que não era o seu. Segui-o até encontrar a sua origem. O corpo ferido no chão envolto numa poça de sangue, respirava ainda os últimos suspiros de vida. Levantou-se quando ouviu os passos enfrentando o seu algoz. Ele aproximou-se lentamente e com as forças que ainda tinha levantou à pistola à testa do outro. “Pai nosso que estais no céu, santificado seja…”. Rezava. Aquele animal ainda rezava pedindo perdão. Não havia perdão possível, era carrasco da sentença que ele próprio tinha proferido. Há falta de justiça dos homens era ele que a trazia. Ia morrer, mas levaria até ao inferno quem a ele tudo tinham tirado. ”…o pão-nosso de cada dia nos daí hoje…” Um último estampido da arma disparada ecoou no ar. O clarão do disparo iluminou como flash a noite e um jacto de sangue inundou-lhe a cara, enquanto o corpo foi projectado para o chão com o impacto. A arma fumegante ainda apontada e novo disparo, novo flash e novo sobressalto no corpo já morto. De novo o fraquejar do corpo e de novo a parede como suporte. Deixou-se escorregar pela parede até ficar sentado, de pernas estendidas. Num último esgar levantou a pistola até à sua boca que abriu. Sentiu o gosto metálico do cano ainda quente dos disparos recentes. Fechou os olhos e premiu o gatilho.

Conto XXVI “ O silêncio é um amigo que nunca trai” Confúcio A manhã acordava lenta com as suas cores cinzas de um nevoeiro que repousava acima das cabeças. Uma brisa muito ligeira, insuficiente para afastar as nuvens do céu, trazia os arrepios da frescura matinal, húmida e incomodativa. Sentia-se a aragem entrar pela roupa e eriçar a pele, provocando o desconforto do frio. O caminho era feito lento e compassado, onde a boca apenas se abria para puxar mais uma passa no cigarro que ia a meio, libertando de seguida o fumo misturado com o vapor do bafo quente em contacto com o frio do dia. Aqui e ali, um carro passava, com o seu barulho monocórdico de passagem. Não chovia ainda, mas tudo se apressava nesse sentido, mas ele não fazia caso. Gostava das manhãs fechadas, sentia-se mais no mundo nesses dias escuros e tristonhos com a brisa juntando em pequenos montes as folhas que iam despindo as árvores, montes desfeitos de seguida por quem os juntou. Folhas crepitantes ainda de secas, mas que iriam formar o lodaçal quando juntas com a água que iria cair do céu. Por vezes, murmúrios surdos saiam da boca, como que se estivesse a conversar consigo mesmo, tentando por para fora as ideias que lhe iam na mente, mas o som não saía, não verbalizava o que pensava. Apenas o silêncio do caminho a percorrer no seu destino diário, silêncio que era o seu companheiro de todos os dias e noite, entrecortado pelo esforço da necessidade de falar o essencial. Era um desconhecido até para si mesmo, esforçava-se pelo despercebimento da sua existência, mantinha-se eremita por escolha, na solidão dos dias que passavam por ele. O mundo girava e ele sabia-o bem, sentia as forças magnéticas da terra sobre o seu corpo, pura física, mas a mente há muito que se libertara do conspurcado mundano, das suas rasteiras e matreirices. A sua vida era silêncio, a boca calada, os olhos abertos. Chegado ao filtro, lançou a beata ao chão e os ouvidos vibraram ao som das areias sobre a sola do sapato conforme a esmagava. Mãos nos bolsos e a última baforada de fumo expelida do peito, como se colocasse para fora todos os pensamentos que lhe ocupavam a mente. Os olhos percorriam a selva de betão que o rodeava e a pouca vida que ainda o rodeava. Gostava da manhã cedo, onde o seu silêncio era a sua companhia, e desde sempre o seu melhor amigo. Tudo se desenrolava da forma habitual do dia-a-dia normal, nada de novo, nada de surpresas, nada de pior ou melhor. Os passos eram sempre os mesmos, percorrendo exactamente os mesmos caminhos exactamente com os mesmos pensamentos. A não evolução tinha sido a sua resolução. Mantinha-se pequenino, escorregadio, desprendido de todos. Mantinha-se na sua cela sem contacto, fazia o seu próprio degredo preso na mente que trabalhava ao ritmo lento. Desistira de ser diferente, ou melhor, desistira de se mostrar diferente.

Conto XXVII O comboio chegava à estação, fazendo as rodas de metal ranger nos carris. "Senhores passageiros, acaba de dar entrada na linha dois o comboio intercidades com destino a Lisboa Santa Apolónia, com paragens nas estações de Pombal, Caxarias, Entroncamento, Santarém, Vila Franca de Xira e Lisboa Oriente". O vento do comboio que chegava era imenso, fazendo voar as páginas dos jornais do quiosque onde acabava de comprar um maço de tabaco. Peguei na pasta e dirigi-me à porta da carruagem que me cabia, subindo os degraus e procurando no corredor o meu lugar. Achado, sentei-me junto à janela. Um apito estridente e o lento ranger do metal indicava o inicio da marcha lenta do comboio nos carris, fazendo com que a paisagem à janela começasse a passar, primeiro lentamente, depois mais depressa. O cinzento da cidade começava a dar lugar às cores dos campos, a cor da terra e da erva, alguns animais pastando, uma estrada que se aproxima da linha e volta a desaparecer em voltas misteriosas. Murmúrios de conversas na carruagem não me distraem da vista. Noto um vulto que se aproxima dos lugares junto ao meu, uma rapariga, 25 anos, morena, um saco de viagem que lança sem esforço para o estribo acima de mim, umas calças de ganga azuis e um top curto vermelho, unhas não pintadas e uns ténis já coçados pelo tempo. - Posso-me sentar? - Claro - digo eu. A atenção volta-se de novo para a paisagem que corre agora velozmente pela janela, embora os olhos por vezes resvalem para o reflexo dela no vidro da janela. Também ela olha para a paisagem. - Para Lisboa? Quase que me assusto pela inesperada pergunta. - Sim. Até ao Oriente - disse sorrindo, tentando fazer piada com o nome da estação. Não estava no programa uma viagem acompanhada. Contava apenas comigo e com os meus botões. - Lazer ou negócios? - Um pouco de ambos, espero eu. E você? - Volto às aulas. Estudo na universidade em Lisboa. Abri o livro que trazia comigo para a viagem e comecei a ler no ponto marcado. Os olhos corriam as linhas mas sem ler, não se concentravam no que viam, apenas olhavam as letras não fazendo qualquer sentido. Depois de reler a mesma página várias vezes, voltei a fecha-lo.

- Estuda o quê? - Medicina - disse encarando-me e sorrindo um pouco. - Por opção ou por obrigação? A minha pergunta espantou-a de tal forma que as sobrancelhas notoriamente arranjadas se franziram. - Opção mesmo. Porquê a pergunta de obrigação? A cara revelava ainda a surpresa misturada agora com a curiosidade. - Porque há pessoas que estudam por obrigação... - Nunca estudaria por obrigação. Aliás, nada há no mundo que me obrigue ao que quer que seja... A afirmação tão peremptória fez-me soltar um sorriso mais aberto. - Perdoe-me o meu descaramento, mas há caminhos que se tomam na vida mais por obrigação que por opção. - Essa obrigação vem sempre de uma opção anterior. Esta resposta tinha-me deixado perplexo. Não contava com ela embora admitisse que era uma realidade. - Mesmo assim, há um momento em que é uma obrigação e não uma opção - retorqui eu puxando um pouco pela linha de pensamento dela. Recostada no banco, confrontou o meu olhar e de forma decidida retorquiu. - Mas até que ponto é que o resultado de uma opção nossa, tomada de livre vontade dá lugar a uma obrigação? Quando tomamos uma opção, todas as variantes são consideradas, logo, aquilo que afirma como obrigação não é mais que apenas uma consequência prevista quando a opção foi tomada. Sorri e abanei a cabeça de forma negativa. - Não é assim, nunca é assim. Não coloca na equação os factores que lhe são externos, aqueles que não controla, aqueles sobre os quais nunca pode tomar uma opção. Há circunstâncias intrínsecas ao viver sobre as quais não detém poder algum. Há mesmo algumas em que julga que tem, mas ao fim e ao cabo não é mais que o destino, ou outra coisa que lhe queira chamar. A vida vive-se dia a dia, minuto a minuto e neste conjunto de minutos constantemente tem que fazer opções ou, independentemente da vontade, deixar-se levar pelas circunstâncias que a envolvem. Nada é estático, nem mesmo a sua forma de pensar e de ser. O Homem é um ser evolutivo e adaptativo, que se molda ao seu percurso como a água num rio.

Os olhos dela cravados em mim tentavam seguir a minha linha de pensamento. Continuei. - Estes factores que nos escapam são tão ou mais importantes que tudo o que se controla. Sou da opinião que devemos ir vivendo a vida, com opções e obrigações, sejam elas quais forem. Só assim se vai apreciando este caminho que se percorre. Cruzou as pernas e deixou o olhar vaguear pela janela. Notava-se um olhar pensativo, de quem olha mas não vê. - A vida é o que fazemos dela - disse, notando eu que as feições tinham mudado para uma tristeza sincera. - E também o que nos deixam fazer dela - insisti eu. Os olhos cintilantes voltaram-se para mim, mas a boca nada disse. O altifalante interno indicou que estávamos a entrar na estação do Entroncamento, mas ela continuava calada, perscrutando o exterior do comboio, e a azáfama na gare de pessoas que entravam e saíam da composição. No ar, uma mistura de cheiro a diesel com perfume, numa combinação forte e enjoativa. Nada mais tinha sido dito por longos minutos, não percebendo eu o porquê. Talvez tivesse sido demasiado brusco na minha interpretação da vida. Quando o comboio se colocou novamente em marcha, arrisquei falar. - Desculpe, talvez tenha sido demasiado brusco nas minhas interpretações. Não queria de forma alguma estragar-lhe a viagem. Os olhos voltaram-se para mim e um novo sorriso se esboçou nos lábios claros. - Não tem que pedir desculpa - disse - Eu tenho o defeito de tentar esconder o menos bom. Talvez esteja certo e eu apenas não queira ver a realidade, preferindo a versão romanesca de que tudo está sob o meu controlo. - Ou talvez eu tenha uma visão demasiado realista da vida e devesse ter uma visão como a sua. Ou então estamos ambos mal, cada um no seu extremo. Abrimos ambos um sorriso sincero. Peguei num pedaço de papel, escrevinhei o meu número de telefone e passei-lho. - Se lhe apetecer uma dose de realismo para contrabalançar. Ela pegou no papel e leu o meu número. Abriu a carteira e colocou-o no meio da agenda que trazia consigo. - Obrigado. Talvez lhe ligue mesmo um dia destes. O comboio chegava à estação do Oriente e as pessoas começavam e entupir o corredor central preparando-se para a saída. Nós continuávamos sentados olhando um para o outro esperando que a essa azáfama se acalmasse para sairmos nós.

Ajudei-a com o saco e retirei o meu também. Saímos e despedimo-nos com um até breve. Poisei o meu saco na gare e acendi um cigarro. Ao longe ainda a via de costas puxando o seu saco pelo chão fora. Parado, puxei mais um travo ao cigarro vendo-a parar e olhar para trás, sorrindo. Acenei num adeus e ela continuou. Peguei no saco e desci as escadas até à praça de táxis. Entrei no primeiro livre. - Praça de Espanha, por favor...

Conto XXVIII O mar batia ruidosamente na falésia que se abria aos seus pés, por onde não se via nada com o breu da noite, percebendo apenas a fúria do poderoso oceano pelo ruído clamoroso deste fustigando a rocha sem dó nem piedade. Nem a lua do alto do seu esplendor dava qualquer luz, desaparecida por trás das espessas nuvens. Ele, de pé, sentia o vento e a chuva fina a fustigar o corpo e a cara como alfinetes. O farol, emitia a sua luz para longe, ajudando os navios marcando a costa, mas ali, mesmo por baixo de si, nem essa luminosidade chegava. As mãos nos bolsos, o casaco puxado para cima, tentando proteger as orelhas do frio que aumentava a cada minuto, os olhos perscrutavam a imensidão do mar, distinguindo, por vezes, as luzes de presença de um navio que se encaminhava para o porto ou que dele saia. O vento aumentava conforme se ia entrando mais na noite, trazendo para a costa o nevoeiro cerrado do mar. A buzina fantasmagórica do farol de aviso à navegação ecoava pelos penhascos até ao infinito, dando a sensação que entrava num filme de John Carpenter, fazendo levantar em arrepio cada pêlo do corpo. Acendi o Zippo com a primeira frase do filme a baterme na cabeça “11.55. Almost midnigt. Time for one more story.”. Mas não estava ali para histórias, não tinha nem vontade nem público. O vento continuava cortando a pele húmida da chuva, e o som do mar nos ouvidos, parecendo que tinha um búzio dentro da sua cabeça, ecoando cada batida, ecoando cada momento impressionante de uma sonoridade quase assustadora. Ao longe, um navio responde ao chamamento, vociferando as suas buzinas, mas nada era visível, apenas audível. O primeiro travo no cigarro e a chuva que parava, não tinha sido mais que umas pequenas gotas, quase como um orvalho, as luzes dos navios já não se viam imersos pelo manto opaco, com o vento que trazia o nevoeiro sempre assobiando à sua passagem. Ali de pé, na solidão da noite, os olhos lacrimejantes do vento, sentia-se no cabo do mundo, onde o julgamento final teria lugar, onde ele próprio seria julgado. O nevoeiro avançava agora, já perto de si, tornando os sons mais abafados e a diminuição da temperatura. Via apenas a luz do farol no nevoeiro e a ponta do cigarro de um vermelho vivo, cigarro que chegava ao fim. Lancei a ponta do cigarro fora, vendo-a desaparecer na imensidão da noite e deixei-me estar mais uns minutos ouvindo o mar batendo. Estava só, perdido em mim, tentando encontrar o meu caminho tão pessoal e único, dando lugar aos meus pensamentos e fantasias, imaginando-me alguém melhor. Alguém me esperava, não muito longe dali, com os braços abertos a receber-me no seu regaço, dando-me o calor que aquela noite me ia tirando aos poucos. Um sorriso voltou aos meus lábios, como que inesperado e voltei-me para ir embora. Parei uma vez mais, para ouvir o último aviso à navegação e só depois segui caminho.

Conto XXIX -Faz amor comigo... A voz doce dela, abafada pelo quarto na penumbra, chegou-me como o doce silvar de uma brisa fresca numa tarde quente de verão. Olhei-a sentada na cama, enquanto deixava cair as alças finas de uma camisola quase transparente, desnudando o seu peito bonito e altivo, de uma cor alva apenas ponteado por duas aréolas rosa claro, entumecidos pela vergonha natural de quem se expõe aos olhares curiosos de outrem. -Vem, toma-me como tua... Não ouvi o som dos meus passos na carpete enquanto caminhava para ela, de mão estendida para a sua que aguardava no ar o meu toque. Puxei-a para mim, ficando com a face ruborizada junto aos meus lábios. Senti aquele toque de seda da pele nos meus lábios, demorando-me conscientemente ali, naquele preciso pedaço de pele, fazendo-a suspirar pelos desejos que não consegue conter. Os lábios que percorrem a pele na procura dos dela, enquanto as mãos deslizam pelas costas, cingindo-a a mim. Enquanto as bocas se unem num beijo terno, mas intenso, e as línguas se tocam em descobertas afrodisíacas, sinto as mãos dela desapertarem cuidadosamente cada botão da camisa deixando, depois de caída, os dedos percorrem a floresta de pêlos negros do meu peito. Sinto a pele quente dela junto à minha, sinto o hálito fresco na pele do meu pescoço e dos meus ombros, enquanto contínua no labor de me libertar das roupas. Ajudo-a até ficar totalmente a descoberto dos seus olhos e avanço para ela. Vira a face envergonhada enquanto a despojo das últimas barreiras entre as minhas mãos e a sua pele, pele que percorro docemente com as pontas dos dedos, sentindo todo o calor infernal que dela se desprende. Sinto-a vibrante, desejosa, confusa das sensações. Os corpos desataviados unidos no abraço dos carentes, enquanto as bocas expiram brisas de desejos finalmente libertos. Tombo-a na cama e cubro-a com o meu corpo, protegendo-a, acarinhando-a, cobrindo cada porção dela com beijos ternurentos, na opulência do seu regaço, na maciez do seu ventre, nas suas coxas fortes e torneadas. As mãos que apertam sem dor, fazendo-a minha, procurando o conforto da segurança da impossibilidade de fuga, como pudesse ser um sonho prestes a acabar. Senti as suas mãos nos meus ombros, encorajando a continuar a desbravar todos os anseios de um corpo sedento de carinhos. Atinge o clímax arfante, gemendo o meu nome, deixando lágrimas de desejo rolarem pela sua face, num sorriso aberto e confortante. Os olhos cintilantes encontram-se com os meus enquanto me puxa para si, cobrindo o meu rosto com beijos delicados. O êxtase deu lugar à calma, que aplica com doçura em cada beijo no meu corpo. Deixo-a livre para me percorrer e conhecer, deixo-me disponível para as suas carícias. Finalmente somos um, num acto de amor único e belo, em que o enlevo da luxúria faz brandir cada nervo numa sinfonia de comoções excepcionais. Os olhos que se exprimem da forma mais pura e genuína, numa valsa de movimentos perpétuos de amor eterno, as mãos que percorrem e agarram cada porção do outro, libertando as energias encerradas dentro de cada um de nós, meneando os músculos em doces afectos, até chegar de novo ao ponto culminante de ambos. Corpos que apartam, dando lugar à confluência das paixões, em que a unicidade permanece muito para além dos instantes de sensualidade, em que os olhares

permanecem proferindo aquilo que a boca não precisa de clamar. Sinto os seus dedos percorrem a minha face, decorando cada traço meu, cingindo-se novamente a mim, deixando a cabeça poisar no meu peito num momento de puro desprendimento, largando-se no mar dos meus sentimentos.

Conto XXX Entrei no mar e deixei-me ir até sentir a água pela cintura. Estava calmo, apenas pequenas ondas passavam por mim, como que apenas acariciando, indo repousar na areia por detrás de mim. Deixei-me estar, contemplando o infinito azul à minha frente, recordando tempos passados, projectando tempos futuros, sentindo o corpo a habituarse à temperatura do mar. E então lembrei-me dela, do toque da sua face, de como junto aquele mesmo mar, percorri lentamente cada pedaço de pele da sua cara, o toque acetinado das sobrancelhas, que percorri uma a uma, das pálpebras fechadas pelas quais deslizei os dedos, de como desci pela face e senti a pele, do doce dos lábios enquanto os sentia. Senti novamente tudo na ponta dos dedos, como se o estivesse a fazer ali mesmo. Senti novamente o cheiro dos seus cabelos, naquela fronteira do seu pescoço, onde me encostei e descansei. Ouvi novamente a sua voz, senti novamente o seu olhar, vi novamente o seu sorriso. Perguntei ao mar, - Tu que já a sentis-te, diz-me como é? E o som da espuma respondeu-me - Toca-me E deixei as pontas dos dedos percorrer a superfície calma e fechei os olhos, voltando a ter aquelas sensações trepidantes de a ter na ponta dos dedos. Sentia novamente as suas mãos nas minhas, senti a seda em mim. - Quero mais - disse-lhe eu - Mergulha - responde-me novamente E deixei-me ir, envolvendo-me pela água, sentindo como sendo as suas mãos invisíveis que me abraçam de uma forma inigualável. Senti-me coberto por ela, pelo seu carinho, pela sua imensidão maior que o oceano à minha frente. E deixei-me ir, na corrente dos sentidos.

Conto XXXI Sentados numa esplanada de um café qualquer, conversávamos e riamos. Trocávamos conivências numa conversa fluida e despreocupada, deixando que o sol do final de tarde nos invadisse as almas e o coração. Os olhares coniventes de quem já sofreu amarguras, mas que descobrem a paz ali mesmo, nos momentos fugazes de um encontro planeado de conversas não projectadas. Toques efémeros que acalentam os corações, num amor escondido e impossível, em que os espíritos se unificam em pontes delicadas e deleitosas. Respirávamos fundo, numa liberdade estranha de sermos nós próprios, em que sabíamos que tudo poderia ser dito e sentido, tudo estava bem, em que nos sentíamos protegidos por algo maior que nós próprios. Tomo coragem entre um gole de água e de voz quase sumida digo - Amo-te. Ela estende a mão e toca-me na face, fazendo pequenas festas, que aproveito para agarrar e depositar um beijo lento na palma da sua mão. Agarro-a na expectativa da sua resposta, resposta que me dá com um sorriso meigo e cúmplice. - Amo-te. O meu coração enche-se de júbilo e não resisto a levantar-me e entrelaçar os dedos com os dela, convidando-a a acompanhar-me. Passeamos pela vereda do parque que começa a acastanhar, e caminhamos sem destino até um banco qualquer e sentamo-nos novamente, ali, escondidos do mundo, num canto apenas nosso. Beijo-lhe os lábios docemente, sentindo aquele formigueiro próprios do roçar da pele sensível, primeiro apenas um toque, suave como uma brisa, depois um segundo e por fim, as bocas que se abrem num beijo lento, doce, com a força de uma paixão avassaladora mas com a mansidão de um amor profundo. Uma lágrima corre-me pela face e sinto os seus dedos apagarem a sua marca. Os olhos de um azul profundo contemplam o fundo da minha alma, que abro sem receio àquela mulher bela e poderosa, que me arrebatou desde o primeiro instante. Sinto-a aproximar-se e fecho os olhos, abandonando-me às sensações que me elevam ao infinito, e sinto novamente aqueles lábios roçarem a minha face, que percorre em pequenos beijos até se encontrarem com os meus novamente. Puxo-a para mim e deito-a no banco, oferecendo-lhe o meu colo. Olho-a embevecido enquanto os dedos percorrem os fios de cabelo, num gesto de carinho imenso. Sinto todo a sua doçura e paz naquele momento de descontracção, sinto todo o seu amor e carinho. Sorri delicadamente e diz-me - Tens o meu coração nas tuas mãos. É de cristal. Não o deixes cair. Aperto-a nos meus braços confortando-a e beijo-a. -Nunca meu amor.

Conto XXXII Na sua varanda contemplava o céu estrelado, adivinhando bom tempo para o dia seguinte. Apenas uma ligeira aragem no ar e a visão límpida de cada um dos pontos cintilantes da abóbada celeste acima de si própria. Mas a mente, essa tremenda parte laboriosa, debatia-se com os dilemas da vida, num claro contraste com a visão da calmaria que tinha na sua frente. A rua sossegada permitia-a ouvir o silêncio da noite, embrenhada apenas nos sons surdos dos pensamentos, pensamentos esses que a faziam retesar os músculos e cerrar dentes, num claro sinal de luta interior. Quem a olha-se não perceberia, mas quem a conhecesse bem sabia que passava por tormentos. Mas os seus olhos mostravam vontades férreas, coragens ilimitadas, forças até então desconhecidas, forças para continuar a lutar, vontades de viver livre. As mãos agarram a grade de ferro frio até os nós dos dedos ficarem brancos. Resoluções. Precisava de chegar a resoluções. E então percebe atrás de si pequenos passos cambaleantes, notórios no silêncio e sente uma pequena mão agarrar a sua. E tudo acontece numa calma delirante, e o corpo amolece e os dentes cerrados abrem-se num sorriso rasgado e as mãos abandonam a força para segurar com carinho aquela pequena brisa. Olha para a sua carne e o seu sangue, olha para o que de melhor tem, olha para o resultado do seu amor. E baixa-se até ao nível do chão, e contempla o olhar cristalino de quem é seu, olhar que amolece qualquer coração e desvanece qualquer razão. Um pequeno beijo na face e um sorriso fazem-na derreter, desaguar num vale de comoções profundas, de quem a ama acima de tudo o resto. Naquele pequeno ser reside toda a sua vida, todas as suas razões, todos os seus caminhos. Abraça-a num abraço sentido e comovente e eleva-a ao colo, como se elevasse a sua própria vida. E caminha com ela, como se desse passos na sua própria vida. E vive-a, vivendo a sua própria vida. Quem a olha vê o amor da mãe pela filha, quem a vê sabe que é muito mais que isso.

Conto XXXIII Caminhando pelo empedrado, num trilho irregular mas firme, gasto pelas solas anónimas e intempéries de longos anos, o passo lento transportava no tempo. Pedras lisas, escorregadias da chuva miudinha que continuava a cair, corpo ensopado e encoberto pelo nevoeiro matinal, tremendo de frio e de nervos, cambaleante em convulsões de prantos inexplicáveis que não fossem os sentidos despedaçados de mágoas incomodativas. O passo lento mas firme, resolvido, em olhares acutilantes sem ver, em que lágrimas se misturavam com a água enviada pelo céu. O doce e o amargo numa mistura perfeita, como se imaginava a simbiose de dois seres quase perfeitos. Ainda o caminho, percorrido sem destino, sem que os olhos alcançassem o seu fim, o das pedras e o da vida, calcorreado nem sempre como até agora, lento e firme. Este, o das pedras, com o medo de escorregar, o outro, o da vida, lançado em mergulhos perigosos, sujeito ao bater da moleirinha nalgum pedaço mais duro, não cuidando da alma como se cuida do corpo. O caminho estreita-se, rebentos de pinheiros selvagens batem na cara, espinhos cortam a pele que goteja sangue, mas não se sente, não há dor, porque a de alma é superior, encobre, ameniza as de corpo. Escorre até caírem no chão e perdem-se na terra, tomando o sangue como seu, entranhando-o, sugando-o avidamente como se disso dependesse a sua subsistência. E finalmente o fim do caminho, percorrido a cuidado, numa praça de verdes gotejantes, onde o nevoeiro esconde o abismo abaixo de si, onde se decide acabar o caminho de pedra como se viveu o caminho da vida. O último passo, decidido, sem medo de escorregar, porque já não pedra gasta, porque já não há caminho molhado, apenas o ar do infinito, mergulhando de cabeça no nevoeiro sem fim, fechando os olhos, porque já não há mais medo.

Conto XXXIV Sentia ainda a mão dela na minha face e o seu olhar doce nos meus olhos. Sentia ainda o fresco daquela palma tão macia em contacto com a minha pele rude e seca. Sentia ainda todo o carinho dos seus olhos lendo cada pedaço da minha alma. Baixei os olhos para o chão, de uma forma quase envergonhada, tentando afastar de mim a tentação de a amar ali mesmo. Aquele toque suave fazia-me tremer e suspirar, ansioso por mais que o muito que já tinha. A minha única reacção foi cobrir a sua mão com a minha, tentando prender aquele contacto por mais um pedaço de tempo, tentando que os seus dedos para sempre ficassem marcados em mim, objectivando que aquelas mãos nunca mais me largassem. Ouvia-a sorrir mais abertamente, pintando aquele quadro magnífico de vermos alguém feliz. A respiração trazia-me aquele odor tão próprio, de uma mulher que nos faz vibrar apenas pelo estar, do perfume da sua pele misturado com um perfume qualquer que perde em força com aquele ser quase perfeito. Sinto a força de ser puxado a si, procurava-me para mais perto, fazendo o coração saltar em compassos incertos, fazendo afluir o sangue à cara de uma forma quase perversa. E deixo-me ir, de olhos fechados, expectante pelos momentos seguintes, abandonando-me às sortes. E sinto. Sinto a força de um carinho na ponta dos lábios que me tocam a face, num beijo de uma ternura sem fim, em que algo maior abençoa alguém tão pequeno. E sinto. Sinto o aroma mais forte, que me tira as forças e faz cair a cabeça naquele ombro que se me oferece. Sinto as pequenas cócegas de um cabelo na cara, quase como se nos deitássemos em campos de relva fresca, numa imagem de um paraíso terreno. Sentia que ali era o meu éden, ali naquele ponto específico de um pescoço de aromas frescos e avassaladores. E não evito que um beijo meu se escape ali, num arrepio de ambos, sentindo o toque brutal de calor ténue, que faz vibrar cada pedaço de mim. Sinto-me bem, descansado, longe de um mundo sujo e podre, perto de um paraíso longínquo, só acessível aos puros. Sinto ainda a pele da sua face na minha, a sua mão na outra e não quero sair, não quero virar costas, não quero despedidas. E deixo-me estar, absorvendo cada pedaço de energia que dela advém, sentindo que me suga a vida de mim, em amores impossíveis, em gostos quase colegiais, em que de adulto passei a adolescente enamorado pela primeira vez. E quando os toques se desfazem, e tenho coragem de enfrentar novamente aquele poderoso olhar, que me arrebata do chão e me faz voar por destinos longínquos, em imaginações leves como nuvens, rumando sem destino ao encontro de utopias. Sinto-a em mim, dedilhando aquilo que sou, e eu sem forças para mais que não o deixar-me levar, preso ainda por aquela mão na minha face.

Conto XXXV E os lábios tocam-se uma vez mais, naquele roçar doce, em que sentimos o sopro quente do respirar ofegante enquanto os olhos se fecham e se deixamos esquecer na imensurabilidade dos sentidos. Sinto o teu corpo colado no meu, experimentando a sensação de ouvir o teu coração bater descompassadamente no meu peito. Sinto as minhas mãos percorrem as tuas costas, cingindo-te mais a mim, sinto as tuas mãos no meu cabelo, naquela prisão doce da qual não me quero escapar. Sente-se todo o carinho fascinante de duas almas que se tocam e se entrelaçam, numa chama viva e reluzente, fazendo com que não sejamos um não estando sós. E aquele beijo, duradouro de um instante, em que as peles se tocam ao de leve, num rodopio de comoções, faz sentir que o mundo parou por um instante e que nada mais interessa. Sinto ainda o toque acetinado da tua língua na minha, naquela fusão de sabores, rodopiante e envolvente, fazendo com que o chão desapareça num repente e me sinta em queda livre num desconhecido sedoso. Sinto ainda como me percorres e me apertas para ti, num mar de ilusões tão belas como o luar que nos ilumina. Elevas-me ao céu entregando-te assim em minhas mãos, deixando que te conheça tão bem por fora como te conheço por dentro. Sinto que te tenho e não me podes desaparecer, enquanto sinto o toque da tua face na minha, e ouço o resfolgar das roupas roçando-te na pele. Sinto ainda todo o calor que emana do teu corpo, evaporando todo o teu perfume que me enche as narinas e inebria o cérebro. Eis quando senão caímos apenas nos ombros de cada um, e o teu cabelo me toca na face, fino, sedoso, e me faz sorrir pelas pequenas cócegas que me faz, pelo sentimento de te ter ali, tão junto a mim, tão terna e doce. E o nariz se descai de encontro a esse cabelo, e fechados os olhos, aspiro avidamente esse aroma delicado, trazendo à memória outros instantes igualmente doces e ternos. E sinto que as mãos se tombam ao longo do corpo, procurando as tuas pequenas mãos, para que os dedos formem uma aliança inquebrável e duradoura, e se entrelacem fortemente para que não mais se larguem. E sinto a força com que me agarras e isso dá-me força a mim para que te olhe no fundo dos teus olhos, delicadamente afastando uma madeixa para trás da orelha, que teimosamente se deixa cair para a tua fronte. E vejo-te sorrir, naquele sorriso rasgado, que enche de luz a minha vida e me deixa encantado com a força com que te dás. E a ponta dos meus dedos mais uma vez percorrem cada pedaço da tua cara, cobrindo de beijos cada cambiante do teu ser. E puxo-te pela mão, pedindo que caminhes ao meu lado, e me deixes conduzir-te até ao infinito da felicidade.

Conto XXXVI O sol batia na face morno e sonolento, fazendo fechar os olhos adormecido pelo calor bom que a luz trazia em si. Um jornal diário poisado na mesa junto à uma chávena de café já vazia. Um maço de tabaco amassado, um novo e o respectivo isqueiro compunham o tampo da mesa. A esplanada com vista para o jardim castanho outonal estava praticamente vazia, com alguns casais vagueantes desaparecendo em poucos minutos. A mente vagueava também mas não por ali. Vagueava por lembranças tão doces quanto dolorosas de momentos únicos, belos e distantes. Vagueava por aqueles momentos únicos de arrepios provocados pelo respirar junto a um cabelo perfumado, pelo sabor de um toque despreocupado mas forte, pelos sentidos despertos pela aproximação de duas almas. O sol como companhia neste momento de solidão, em que as mãos mecanicamente puxam por mais um cigarro e o dedo faz faiscar a pedra do isqueiro na explosão luminosa do fogo que arde. Inspira-se o fumo como se quisesse sentir o perfume novamente. Expira-se como se o quisesse afastar definitivamente. Fuma-se de raiva. Raiva de não ser o aroma, raiva de não ser o fumo que desaparece, raiva que mata tanto ou mais que a nicotina do cigarro. E sorri-se. Tolices… A mente deturpada pelos pensamentos não se apercebe que o sol já não está quente, que as mãos que seguram ainda o cigarro estão geladas, que já não há casais, que a esplanada quer fechar. Levanta-se de andar trôpego, caminha quase com os pés rastejando na pasta lamacenta de areão com folhas, passando por bancos vazios de um vermelho ferrugem, cuja tinta lascou com as intempéries. Bancos outrora cheios, relva antes pisada por crianças inocentes, caminhos cheios de passados felizes. Ainda um casal resistente, num beijo perdido, afastando-os de um mundo de silêncios ensurdecedores. E pára-se, olha-se e inveja-se. E perdemo-nos nós no olhar de uma paixão sem barreiras, no abraço dos desejos, no ternurento amor de comunhão. Até que a vida nos faz dar mais um passo, continuando no lodaçal do caminho, ansiando pelo alcatrão liso e seguro.

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