Casa Do Terror_01

  • November 2019
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Casa do Terror - Número 1 - Editora Nona Arte - www.nonaarte.com.br - Página 1

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Invasão De Gian Danton

Vocês precisam acreditar em mim. Eu os vi e sei o que pretendem. Eles irão dominar todo o mundo. Vão começar pelos pequenos povoados. Depois passarão para as grandes metrópoles. Quando abrirmos os olhos, eles estarão em todos os lugares. Será impossível distinguilos das pessoas normais. Qualquer um poderá ser um deles: o entregador de pizza, o rapaz da banca de jornais, a velhinha que se senta ao seu lado no banco da praça... Não haverá ninguém em quem confinar...ninguém! Eu... eu... talvez seja melhor eu me acalmar e contar tudo desde o início. Sim, desde o início... Tudo começou há uma semana. Eu estava pescando num lago próximo de minha casa quando vi uma luz descer do céu na direção da floresta. Eu a segui, intrigado, pelo meio da mata. No meio de uma clareira, encontrei uma miríade de luzes e cores agrupadas sobre uma forma abaulada. A coisa toda devia ter uns 50 metros de diâmetro. No meio havia uma abertura. Eu penetrei por ela. Era como se caminhasse sobre nuvens, como se as paredes refletissem a vastidão do cosmo. Havia alguns seres lá dentro. Criaturas esverdeadas, dotadas de cérebros

descomunais. Havia um humano preso em uma cadeira de mil braços. Eles abriram seu crânio e retiraram seu cérebro. Colocaram ali uma massa verde e gosmenta. Eles o haviam transformado em uma espécie de zumbi mutante! A horrível verdade ia tomando conta de minha mente à medida em que me afastava dali: eles pretendiam conquistar nosso planeta infiltrando entre nós seus zumbis intergaláticos. Eu parei e vomitei até que minhas vísceras gritassem. Não, não podia ser verdade. Era louco demais, completamente sem sentido. Devia ser algo da minha imaginação. Sim, era isso! Eu imaginara tudo? Criaturas do espaço dominando o planeta Terra e nos transfomando todos zumbis? Sem, era apenas imaginação minha. Voltei para casa disposto a esquecer tudo isso. Lá estava minha cadeira de balanço na varanda, como sempre. Lá estava minha velha arma de caça, pendurada na parede. Lá estavam meus filhos, minha esposa. Tudo em seu lugar. Tudo normal. No dia seguinte, fiquei feliz em perceber que o Sol ainda iluminava nosso velho e bom mundo. No trabalho, na rua... tudo estava normal. Não havia invasão. Não havia Ets ou zumbis... Naquela noite eu fui dormir satisfeito e seguro. Não havia nenhum perigo, nada com o que se preocupar. Acordei de madrugada e Helena não estava ao meu lado. As crianças também não estavam em suas camas.

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Um estranho pressentimento tomou conta de mim. Peguei a arma e caça e o machado e segui para a floresta. O que encontrei ali faria gelar o sangue do mais corajoso dos homens: metade da cidade estava reunida em torno dos homenzinhos verdes. Eles estava recebendo suas instruções! Lá estava minha mulher, meus filhos... até mesmo a simpática velhinha da esquina... todos com seus olhares de zumbis e feições sem expressão. Um deles me viu e deu o alarme. Logo centenas de pessoas estavam em meu encalço.

Eu fugia, atirando de quando em quando para mantê-los afastados. Mas para cada zumbi que eu matava, apareciam três ou quatro, sedentos por meu cérebro. Finalmente alcancei minha casa e me tranquei lá dentro. Lá de fora, a coisa verde e gosmenta falava, tentando imitar a voz de minha mulher: - Querido, nós somos sua mulher e seus filhos. Você está confuso, mas não se preocupe... no final dará tudo certo. Vamos, abra, seus filhos estão chorando.

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Eu não pude resistir. Abri a porta abracei meus filhos, chorando. Foi quando percebi uma gosma esverdeada escorrendo de seus ouvidos. Eu arranquei suas cabeças com a machadinha e recarreguei a arma. Comecei a atirar em todos que estavam à minha frente. Eu poderia morrer, mas não arrancariam meu cérebro. Ouviu bem? Jamais vão me transformar em um zumbi! Jamais vão tirar o meu cérebro! Vou resistir até o último minuto... O paciente começou a se debater, tentando

Gota à gota.

soltar as amarras da camisa de força e soltando baba pelos lábios. O enfermeiro recuou, horrorizado. - Perturbador ouvir esse aí, hein? – comentou outro enfermeiro. Se eu fosse você, não chegava tão perto das grades. Esse psicopata é realmente perigoso. Ele arrancou a cabeça da mulher e dos filhos com um machado e trucidou metade do bairro. Até que a polícia chegasse, ele já havia feito dezenas de mortos. Você está pálido?! Venha, vamos tomar um café. Você está precisando.

Abs Moraes

Lisa contraiu-se, encolheu-se em seu assento. O livro escapuliu de sua mão e caiu aberto no chão, sobre o tapete felpudo.

I.

A porta abriu-se, a mulher relaxou...

Lisa sentou na poltrona grande e antiquada, o tipo de móvel que se espera ver num filme com Bela Lugosi como protagonista. Lia “O vampiro” de Polidori. A sala escura e sombria onde estava, evocava um ambiente mórbido... decorada em tons escuros de vermelho.

Estêvão passou pelo umbral e postou-se diante dela. Sorriu amarelo, cheio de culpa; bebeu de novo. Tentou justificar-se: tensão no trabalho, coisas assim.

Luzes, faróis de carro aproximaram-se, penetrando pelo vidro opaco da janela fronteiriça. O som do motor diminuiu e morreu. Passos ecoaram pela escadaria de granito até a porta de entrada.

Lisa retrucou. Ele não deveria sequer se aproximar de álcool... problemas demais... uma recaída de alcoolismo na família seria excesso. Ele desculpou-se, ajoelhou-se e tocou os joelhos dela com lábios macios, frios por causa do ar noturno. Ela tentou afastar-se... não conseguindo resistir por muito tempo. No fim de seu ciclo menstrual não conseguia evitar o comportamento quase animal.

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Estêvão perguntou sobre a entrevista com o sr. Azevedo. Ela disse que já marcara.

Sabia, pressentia que não era a mão de Estêvão.

Ele era grande e forte, sem ser musculoso ou anabolisado e cobriu completamente o corpo dela, que, por sua vez sentiu-se protegida sob o peso exudante de sexo. Ficou mais excitada com os sussurros no ouvido. O homem a despiu de sua camisola, transformada de imediato num montinho sem forma no chão, ao lado do livro de Polidori, um montinho vermelho, semelhante a uma poça de sangue coagulado.

A situação a incomodava e o suor brotava abundante de sua testa.

Ergueu-a nos braços e carregou-a para o quarto.

Lisa tentou acompanhar o percurso feito pela luz e a princípio não conseguiu. Persistindo, porém, descobriu que já podia mover-se e sentou.

Podia-se ver a luz acesa através da fresta da porta, nada além disso, só os sussurros e gemidos pertinentes ao intercurso sexual, até que mesmo isso cessou e as luzes se apagaram. II.

De repente, a pressão desapareceu e ela respirou, um pouco mais aliviada, apesar de ainda não poder se mexer. Então um brilho súbito tomou conta do quarto, um brilho fosfóreo avermelhado que se moveu em seu campo de visão e logo depois desapareceu...

O vulto parado e podia ser visto através da fresta da porta, gesticulando, chamando-a para si. Olhos vermelhos indicando sua presença mais do que seus contornos indefinidos contra a estranha luz noturna que brotava pela janela da sala.

Lisa sonhou . Dentro de um sono perturbador, presa de seus medos adormecidos, debateu-se desesperada e acordou.

Lisa levantou, nua, e caminhou em direção à porta.

Seus olhos abertos viram a escuridão do quarto e souberam que acordara, mas só isso.

Não podia falar e esqueceu completamente da presença de Estêvão no quarto, só tinha em mente descobrir de onde vinha a luz, de que criatura sinistra desprendia-se.

Sem conseguir mover um músculo sequer, imobilizada em uma espécie de vigília... sentiu em seu peito algo mover-se fria e pesadamente, rastejando. Tentou erguer a mão e jogar a coisa no chão ou, ao menos, tirá-la de cima de si, mas não conseguiu.

Alcançou a porta com muito esforço, cada passo uma agonia, como se caminhasse em terreno pantanoso. Apoiou-se molemente no batente e escancarou a porta. O que aconteceu então foi assombroso: a luz expandiu-se e devorou-a em sua

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imensidão avermelhada... sentiu-se caindo no vazio, completamente ciente da velocidade que seu corpo ganhava a cada momento passado, aterrorizada com a possibilidade de se chocar com o chão, mas quando isso aconteceu, não foi dor o que sentiu e sim alívio... Abriu os olhos e procurou por lesões em seu corpo, moveu-se esperando pela dor e surpreendeu-se ao constatar que nada sentia. Voltou a caminhar, desta vez em terreno mais sólido e de alguma forma absurda gostou da idéia de estar num lugar sem paisagem, apenas contornos, marcas profundas cravadas em uma superfície diáfana... Ao longe a luz despontou novamente, e ela não demorou a divisar no horizonte uma mancha destacando-se de todo o resto... uma mancha sólida, homogênea e que parecia viva. O tempo transcorria de modo diferente neste lugar e Lisa viu-se diante de uma mesa ao redor da qual estavam sentados representantes de todas as etnias... criaturas antigas, recobertas por pó. Um indiano sorriu e apressou-se a puxarlhe uma cadeira. Sentando-se prontamente, ela estranhou a gentileza e bons modos do desconhecido. Ao mesmo tempo tentava descobrir de onde vinha o odor férreo e salgado que preenchia o ar. Foi servida de vinho por um homem de feições asiáticas, mas não conseguiu definilo como chinês, japonês, havaiano etc., e isso perturbou-a.

As bandejas que recobriam a mesa estavam cobertas e os comensais sorriam ao anúncio de que poderiam finalmente afiar os dentes. Todos descobriram seus pratos e a verdade surgiu: pequenos bebês ocupavam as travessas, movendo-se silenciosamente, ainda envoltos em placenta e sangue, imitando os movimentos aquáticos e uterinos sem entender bem o que estava prestes a acontecer. Lisa sorriu para seus companheiros de mesa e tomou o bebê em seu colo gentilmente como todos os outros fizeram, então, estranhamente, não sofreu nenhuma espécie de impacto quando os comensais lamberam o sangue dos cabelos dos bebês e de seus cordões umbilicais e finalmente cravaram seus dentes nos pescoços e pernas dos recém-nascidos, procurando carótidas e jugulares e veias femurais... ela simplesmente sorriu e sorriu e fez exatamente o mesmo que os outros, lambuzando-se do vermelho escuro e intenso que recheava sua vítima. Despertou de seu sono, acordada pelo sol vermelho que invadia a janela do quarto e tocou o peito peludo do homem ao seu lado, satisfeita, completa, feliz. Aconchegou-se ao corpo quente ao seu lado, passando os braços em torno dele. Nada ficou em sua memória do sonho do qual acabara de despertar, só a bizarra completitude que sentia e que atribuiu ao sono bem aproveitado. A memória não a condenava. Seu destino, no entanto, estava ligado a uma frase solta que ecoou em sua mente, que escorreu, reptiliana, da boca do indiano ancestral, uma frase simples a

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princípio,sem significado aparente, mas que continuaria ecoando até que seu significado fosse finalmente descoberto : “Uma de nós, Lisa, você é uma de nós.” III. A noite desceu como o pano do teatro sobre a cidade, mesmo assim ainda era possível admirar o fim do pôr-do-sol de onde Lisa estava. As nuvens outrora cinzentas adquiriam agora uma tonalidade púrpurea, algo totalmente anormal, uma aberração do espectro... O restaurante Fairfax... localizado sobre uma serra não muito alta ou escarpada, só o suficiente para que apenas os realmente interessados o frequentem... pessoas que não temessem dirigir à noite ou lugares altos ou coisas estranhas acontecendo o tempo todo. Alguns afirmavam ter testemunhado a visita de naves alienígenas, outros , a realização de cerimônias não exatamente cristãs, e, ainda, há aqueles que viram criaturas gigantescas e primitivas e peludas. A casa aparentava ser bem mais velha do que de fato era por causa de sua arquitetura pitoresca, semelhante, em muito a construções da era vitoriana . Respirando brevemente, Lisa segurou o fôlego por um instante e só então procurou pelo homem que já devia estar aguardando por ela há vinte minutos. Ao vê-la entrar pela porta um homem de idade indefinível levantou de sua cadeira e

acenou, sem chamar a atenção dos demais presentes. Apresentaram-se de modo formal pois conheciam apenas suas respectivas reputações. O sr. Azevedo, que tomava vinho enquanto esperava, chamou o garçom com um gesto leve e estudado. O homem aproximou-se trazendo menus e aguardou os pedidos. Uma das coisas curiosas que Lisa observou e de que tomou nota mental foi o forte sotaque francês, não natural, mas aprendido, do garçom, algo que poderia servir de alguma forma para um próximo romance. O diálogo que os dois travaram foi de mínima importância, até que finalmente chegaram ao ponto em que Lisa queria: religião. Por isso que fora encontrar-se com um desconhecido. Descobriria o mistério por trás da Ordem dos Mecenas. Ele pigarreou. Um sorriso medido deslizou por seu rosto e desapareceu como um verme. Sua pele pálida refletia a luz ambiente. Começou a falar à respeito de tudo que sabia, principalmente sobre a Ordem ser uma espécie de religião deturpada, uma religião que buscava a eternidade em vida, algo nietzchiano, falava também que esta assim chamada religião era mais conhecida por outro nome, um nome não mais levado à sério como outrora e que, por isso, permaneceu invisível aos olhos do povo; chamava-se feitiçaria, como De Guaita já javia dito em seus livros esquecidos, ignorados.

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Ele contou cuidadosamente como os europeus na idade média acreditavam que um feiticeiro, após a morte, voltava para continuar sua obra maligna e riu quando disse isso porque a ignorância daquela gente sobrepujava em muito sua inteligência. Eram todos pobres camponeses que achavam que Elizabeth Bathory e Giles de Rais eram os exemplos do que seria um feiticeiro: gente que se banhava em sangue porque acreditava que a juventude e a vida eterna residiam no veículo primeiro da vida. Mas não funcionava assim.

retornavam como criaturas más, como vampiros. Não entenderia jamais que na verdade a morte era apenas aparente, uma espécie de catalepsia necessária para toda uma reformulação dos sistemas nervoso, respiratório, digestivo etc.”

Os Mecenas ainda existiam como prova de que o sangue pura e simplesmente não era o catalisador da imortalidade.

Saíram juntos e entraram no carro do sr.Azevedo.

Lisa interrompeu-o e balbuciou algumas palavras. Ele pediu que ela não falasse, apenas o acompanhasse. Pediu a conta.

IV. Lisa teve a impressão de ouvir o que o sr. Azevedo dizia só em sua mente e seu pequeno cérebro mamífero retraiu-se enquanto o homem sorria e ela percebeu, nesse momento, que ele mexera os lábios apenas no começo da conversação e que agora as palavras simplesmente chegavam a seus ouvidos e se transformavam em imagens. ”Sim, eles são vampiros como os camponeses acreditavam e não, eles não são crias do demônio, mas alquimistas que transformaram barro, matéria vil, em ouro, imitaram o próprio fôlego divino e por isso ganharam a imortalidade, de forma honrada e merecida. A transmutação alquímica não afeta apenas o objeto da operação, mas também seu realizador. Este é o erro comum dos mitólogos, dos estudiosos que pensam compreender a natureza do feiticeiro ou do vampiro. De Guaita acreditava mesmo que todos os feiticeiros eram maus e que consequentemente depois de suas mortes

Estêvão chegou em casa e encontrou-a vazia. Já passava da meia-noite e Lisa não o estava esperando como de costume. Coçou a cabeça e lembrou-se da entrevista com o sr.Azevedo. Acendeu um cigarro e aspirou profundamente, pensando que aquele era um dos poucos prazeres que restaram em sua existência miserável, sem saber do corpo estranho a desenvolver-se alojado à parede de seu estômago, algo que tiraria dez anos de sua vida aborrecida e triste e evitaria uma morte em serviço, baleado por um ladrãozinho barato. Verificou os recados na secretária eletrônica e achou estranho não haver nenhum de Lisa. Lembrou ter considerado uma vitória a saída para o encontro com o teólogo, mas

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ainda assim não conseguiu assimilar o fato da mulher não ter se preocupado em avisálo de qualquer imprevisto. Buscou uma garrafa de uísque no barzinho e serviu-se de uma dose generosa. Para ajudar a passar o tempo, mentiu para si mesmo, não, ele definitivamente não era alcoólatra, porque o alcoolismo era um vício de pessoas fracas. Sorriu satisfeito, mas não conseguiu convencer-se de modo algum. Voltou seus pensamentos novamente para ela e rememorou o estado lamentável em que estava quando a conheceu. Foi logo depois do acidente em que a filha de Lisa morrera, um acidente bastante idiota: um bêbado perdeu o controle do automóvel e subiu na calçada atropelando a menina que brincava a pouco mais de um metro da mãe. De alguma forma tortuosa a mulher se culpava pela morte da criança, tanto que foi capaz de abandonar tudo e se trancar num mundinho obscuro em que só cabiam ela e sua dor. O primeiro marido não aguentou a pressão e afastou-se.

padeiro quanto pelo estudante ginasiano. Escrevia sobre sua filha que eternizava agora como personagem principal de seus livros, uma criança que de alguma forma misteriosa ganhara o dom da vida eterna e sobrevivia a tudo e a todos, “trazendo amor aos homens de boa-vontade”. Estêvão não conseguia ler nem dez páginas de seus livros sem cair no sono. Gostava mesmo de James Ellroy, Raymond Chandler, enfim, gente que escrevesse sobre o mundo real. Por outro lado acompanhara Lisa a um sem número de consultas com psicólogos e terapeutas, porque sentia que ela precisava dele e que ele, por isso, precisava dela... um motivo para permanecer vivo e coeso, para simplesmente não desistir e meter uma bala na cabeça. O uísque acabou. Ele pôs o copo sobre a mesinha de centro e apanhou o paletó, vestiu-o e preparou-se para sair. Verificou a arma por força do hábito. Como era mesmo o nome do restaurante em que ela ia? Fairfax? Cairfax? Não importava. Ele sabia o endereço. Então saiu. V.

Sua carreira literária, no entanto, sofreu uma reviravolta: seus textos outrora elogiadíssimos pela crítica sofreram uma mudança de direção que, de alguma forma, passou a atrair o público leitor. De uma hora para outra era tão lida quanto Jorge Amado e Paulo Coelho e passou a viver de direitos autorais. Sua temática consistia agora de uma metafísica simples, tão elementar que era apreciada tanto pelo

Na sala ampla em que o grupo se reunia, Lisa sentiu-se como se voltasse à sua casa depois de muito tempo... afinal, um lugar ao qual pertencia. Homens e mulheres de idade indefinida estavam acomodados em cadeiras trabalhadas e grandes, cadeiras que se assemelhavam em muito às vistas em

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filmes sobre a idade média e dispostas ao redor de uma mesa gigantesca, guarnecida das mais diversas iguarias e adereços, além, é claro, de prataria, louça e cristais. Um homem de aparência exótica fez um brinde à Lisa, a convidada de honra da reunião e os presentes ergueram as taças e o acompanharam. Vikramajarta, este o sujeito indiano exótico, começou a falar sobre como todos ansiavam por conhecê-la, do quanto admiravam seu trabalho prévio (aquele ao qual a crítica dava maior importância), e do prazer que sentiam com sua presença. Sem nenhuma interrupção em seu discurso, entrou em outro assunto, diverso, o que assustou Lisa um pouco. Passou a questionar o que a fazia pensar que era boa o suficiente para estar junto deles, se achava que sua vida a fazia merecedora da dádiva. Espantada, ela não soube o que responder, gaguejou um pouco e sem saber bem por qual motivo começou a narrar detalhada o sonho que tivera na noite anterior e que até então não lembrara. Woo, um chinês, disse “É o bastante” e que todos ali a aceitariam. O mais velho de todos começou sua litânia... ergueu a cabeça e olhou sobre os presentes como se não existissem, ergueu a mão e apontou-a para a recém-chegada, dizendo a ela que o conhecimento se fazia necessário quando alguém se preparava para uma nova jornada na existência, como era o caso dela. Falou que eles existiam mesmo antes que os pedreiros se organizassem...

Lisa perguntou se ele falava dos maçons e ele confirmou com a cabeça. Ela retrucou que isso significava que a Ordem ou Mecenato existia desde antes da construção do templo de Salomão e ele novamente confirmou. O ancião falou então da carruagem de fogo que cruzou o céu e cindiu o firmamento nos dias de Noé, do anjo que desceu dela e concedeu o conhecimento da alquimia a ele e a seu povo, do modo como a maioria afogou-se no grande dilúvio e de como ele permaneceu vivo conjurando os elementos ao seu redor e sobrevivendo num vácuo seco por quarenta dias e quarenta noites... explicou a respeito da sede incontrolável que sentiu desde então, que só podia ser saciada com o sangue dos vivos. A mulher perguntou se o que o sr.Azevedo contou era um logro e o velho respondeu que sim, que todos naquela sala são criaturas da noite, vampiros, nosferatus, undead, baitals, ou qualquer outro nome que as diversas culturas a eles atribuíram, e que isso não os fazia piores ou melhores do que os vivos, apenas, talvez, um pouco mais longevos, não muito mais sábios. Contou que precisavam dela porque fora escolhida para escrever a crônica de sua raça para que no futuro o que sabiam não desaparecesse, assim como que, antes dela, o sr.Azevedo e tantos outros foram incumbidos da mesma tarefa e posteriormente recompensados com o dom. Ela perguntou de que dom ele falava, disse que o sr.Vikramajarta já havia se referido a isso antes e que ela ainda não sabia do que se tratava.

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O ancião disse-lhe : “É da vida eterna que estou falando e, em consequência, da sede eterna”. Perguntou se ela aceitaria a incumbência. Lisa só conseguiu pensar em como sentia-se distante de sua história pregressa, de sua filha morta e do homem que a manteveviva durante os anos posteriores à morte da pequenina. Lentamente, concordou com a cabeça. Sorriu e aceitou o que poderia ser a única saída para sua dor.

algo para o qual estivera se preparando durante todos os anos de sua vida. Sentiu-se como num filme de espionagem no qual o mocinho é aguardado com uma armadilha preparada pelo vilão e, apesar disso, não deu meia-volta e saiu correndo, como seria de se esperar. Lisa, mais uma vez, precisava dele e não a abandonaria agora, não depois de tudo pelo que passaram juntos.

VI. Estêvão estava aflito. Após deixar o restaurante Fairfax com a nota na qual constava o número da placa do carro do sr.Azevedo, discou rapidamente para o departamento de trânsito, identificou-se e pediu a localização do veículo ou o endereço do proprietário. Ainda no restaurante foi informado de que Lisa deixara o lugar na companhia do teólogo e que seu carro ainda estava no estacionamento. Isto deu ao homem no que pensar. A mulher que conhecia seria incapaz de tomar qualquer decisão desse tipo sozinha, o que implicava um sequestro ou coisa pior. Afrouxou o nó da gravata, puxou um cigarro do maço aberto e acendeu-o com um Zippo, enquanto pensava em qual seria o caminho mais curto para o endereço do sr.Azevedo. Foi atendido na porta por uma mulher estranhamente pálida que se identificou como governanta e disse que sua presença era aguardada.

O ancião recebeu-o com um sorriso nos lábios finos, um sujeito com uma aparência tão antiga quanto indefinida, uma verdadeira amálgama dos traços de todas as etnias conhecidas. Estêvão sentiu seus braços, a poucos minutos tensos como molas, relaxarem e tornarem-se inúteis, assim como a arma carregada em seu coldre. VII. Um calabouço no qual só se podia distinguir os contornos da mobília que o ocupava. A escuridão invadiu a mente de Estêvão e embotou seus sentidos. Seus membros estavam amarrados e lacerados, podia sentir a perda de sangue. Uma luz acendeu-se desfazendo a escuridão. Lisa sorriu-lhe e não pronunciou uma única palavra. Ele percebeu que estava amarrado em uma mesa de torturas medieval que mantinha seus membros esticados.

Sem que soubesse bem o motivo, aquilo não soou-lhe como uma surpresa, parecia

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Ela emitiu um som sussurrado que preencheu a câmera por um momento apenas. Disse que não, não sentia muito pelo que estava prestes a acontecer e que sabia desde o princípio do relacionamento que as coisas iam terminar mal, que durante algum tempo ele foi útil, mas que agora tudo mudara, que ela tinha muitas coisas a fazer e que esta era apenas a primeira delas. Lisa abriu a boca.

Estêvão esperava inutilmente que ela fosse acrescentar algo mais, mas estava enganado. Os olhos da mulher brilharam com uma luz vermelha, seus dentes continuaram à mostra como uma espécie de aviso, como se sorrisse um riso medonho e aterrorizante, algo primitivo e assustador. A luz apagou-se e ouviu-se um ruído, um som desagradável de sucção. FIM

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