Aula 4 Sebenta De Bactereologia

  • November 2019
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AULA Nº 4 – Nutrição Microbiana; Meios de Cultura Para obter energia e formar ou renovar os componentes celulares, os organismos necessitam de ser fornecidos de nutrientes ou outros materiais que o permitam fazê-lo. Estes nutrientes são todas as substâncias usadas em processos de biossíntese e obtenção de energia e que, por isso, contribuem para o crescimento microbiano. Para além dos nutrientes, outros factores ambientais, como a temperatura, níveis de oxigénio e a concentração osmótica do meio, são cruciais para o desenvolvimento e crescimento microbiano.

Composição elementar da célula microbiana O peso de uma célula microbiana seca é da responsabilidade dos seus elementos fundamentais: carbono, oxigénio, hidrogénio, azoto, enxofre, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e ferro. Estes são chamados de macronutrientes (ou macroelementos) já que são necessários à célula em quantidades relativamente abundantes.

Composição aproximada de uma célula

Carbono Oxigénio Azoto Hidrogénio Fósforo Enxofre

% peso seco célula 50 20 14 8 3 1

Potássio

1

Cálcio

0,5

Magnésio

0,5

Ferro

0,2

Manganês, Zinco, Molibdénio, Cobre, Cobalto

~0,3

Elementos

Localização/Função

Componentes dos glícidos, lípidos, proteínas e ácidos núcleicos.

Actividade de proteínas, algumas das quais envolvidas na síntese proteica Responsáveis pela resistência dos endosporos ao calor Co-factor, complexação com ATP e estabilização de ribossomas e da membrana celular Co-factor enzimático e de proteínas transportadoras de electrões e estrutura dos citocromos. 2+ Zn : regulação enzimática; Mn2+: transferência de grupos fosfato; Mo2+: fixação de azoto; Co2+: componente da vitamina B12

Tabela 4.1 – Elementos constituintes da célula e respectivas funções.

Todos os microorganismos necessitam dos chamados micronutrientes ou elementos residuais, para além dos mais abundantes macroelementos. Apesar de serem necessários na maioria das células, estes elementos não parecem limitar o crescimento bacteriano. Geralmente, integram a estrutura de cofactores ou mesmo de enzimas. As funções e localização destes elementos estão discriminadas na tabela da página anterior. Apesar da composição em nutrientes ser tão variada, a célula não pode dispensar a presença de nenhum deles. Assim, se apenas um dos nutrientes essenciais estiver em deficiência, o crescimento será afectado, mesmo que as concentrações dos restantes elementos estejam em valores apropriados.

Necessidades em Carbono, Hidrogénio e Oxigénio Muitas vezes, as necessidades nestes três elementos são satisfeitas em simultâneo. O carbono é necessário para o esqueleto dos compostos orgânicos, sendo que as substâncias que fornecem o carbono contribuem igualmente com átomos de oxigénio e hidrogénio. Para além de suprirem a célula com os átomos, os nutrientes orgânicos funcionam igualmente como fontes de energia já que se encontram usualmente na forma reduzida, possuindo electrões que podem doar a outras moléculas. Daí que, quanto mais reduzido um composto orgânico está, mais energia contém, já que a transferência de electrões de dadores reduzidos, com potencias de redução mais negativos, para aceitadores oxidados com potencias mais positivos, leva à libertação de energia. Uma fonte importante de carbono que, no entanto, não fornece hidrogénio à célula é o CO2. Pensa-se que todos os microorganismos conseguem fixar o dióxido de carbono, ou seja, reduzi-lo e incorporá-lo em moléculas orgânicas. No entanto, apenas os organismos autotróficos podem usar o CO2 como fonte única ou principal de carbono. Muitos organismos são autotróficos e grande parte deles realiza a fotossíntese, usando a luz solar como fonte de energia. Outros obtêm energia a partir da oxidação de compostos inorgânicos pela transferência dos seus electrões. A redução do dióxido de carbono é energeticamente muito dispendiosa e nem todos os organismos o usam como fonte de carbono quando na presença de compostos mais reduzidos e complexos como a glicose. Os organismos que usam como fonte de carbono moléculas orgânicas mais reduzidas são designados de heterotróficos, usando essas

moléculas tanto como fonte de carbono como de energia (a via glicolítica, por exemplo, fornece tanto o esqueleto carbonado, como energia na forma de ATP e NADH). Existem ainda alguns microorganismos com um metabolismo tão flexível quanto a fontes de carbono, que poderão degradar o álcool amilico, a parafina e até mesmo a borracha, como é o caso dos Actinomicetes. A Burkholderia cepacia pode utilizar mais de 100 compostos carbonados enquanto que as bactérias metilotróficas podem metabolizar compostos de um carbono, como o metano, metanol e ácido fórmico. Há ainda evidências de que alguns microorganismos conseguem metabolizar substâncias indigestíveis pelo humano, como pesticidas.

Classificação dos organismos quanto ao tipo de nutrição Como visto anteriormente, os organismos são designados de autotróficos ou heterotróficos, quanto às fontes de carbono que utilizam. Na tabela abaixo, encontramse as restantes classificações, de acordo com as fontes de energia e electrões (hidrogénio).

Fontes de carbono, Energia e Electrões Fontes de Carbono Autotróficos Heterotróficos

• •

Apenas CO2 ou como principal fonte Compostos orgânicos

Fontes de Energia Fototróficos Quimiotróficos

• •

Luz solar Oxidação compostos orgânicos e inorgânicos

Fontes de Electrões Litotróficos Organotróficos

• •

Moléculas inorgânicas reduzidas Moléculas orgânicas reduzidas

Tabela 4.2 – Classificação de organismos quanto às fontes de carbono, energia e electrões Apesar dos organismos poderem apresentar diversas formas de suprirem as suas necessidades metabólicas, estes são organizados de acordo com a fonte principal de carbono,

energia

e

electrões.

Maioritariamente,

estes

apresentam-se

como

fotolitoautotróficos ou quimioorganoheterotróficos. As outras duas classes, com menos organismos, são importantes ecologicamente, na medida em que habitam lagos poluídos, utilizando os compostos orgânicos lá depositados para o seu metabolismo, como é o caso dos seres fotoorganoheterotróficos. Os seres quimiolitoautotróficos contribuem para as transformações químicas que continuamente ocorrem nos ecossistemas como é o caso da conversão da amónia em nitratos ou da transformação do enxofre em sulfatos.

Categorias Nutricionais Tipo Nutricional

Fontes Energia – Electrões –

Microorganismos

Carbono

Representativos

Fotolitoautotróficos

Luz – Compostos Inorgânicos – CO2

Fotoorganoheterotróficos

Luz – Compostos Orgânicos

Quimiolitoautotróficos

Quimioorganohetrotróficos

Cianobactérias, Algas Bactérias

fotossintéticas,

Arqueas

halófitas

Energia Química (inorgânica) – Compostos

Bactérias oxidificantes do Enxofre,

Inorgânicos – CO2

Bactérias Nitrificantes

Energia Química (orgânica) – compostos

Protozoários,

Orgânicos

Patogénicas com interesse industrial.

Fungos,

Bactérias

Tabela 4.3 – Categorias Nutricionais e características principais. Como referido anteriormente, a propósito das necessidades elementares das bactérias, há microorganismos com metabolismo bastante flexível. Assim, há organismos que se apresentam como fotoorganotróficos na ausência de oxigénio, mas na presença de níveis adequados de oxigénio, oxidam moléculas orgânicas, utilizando energia química nelas contidas, actuando como quimioorganotróficos, como é o caso das bactérias não sulfúricas. Em condições de oxigénio intermédias, tanto podem realizar a fotossíntese ou o metabolismo oxidativo. Por seu turno, as Beggiatoa, são capazes de degradar moléculas orgânicas e inorgânicas (CO2) como fontes de carbono. Estes últimos são chamados de mixotróficos por combinarem os processos quimiolitoautotróficos e o metabolismo heterotrófico.

Necessidades em Azoto, Fósforo e Enxofre

Para o crescimento normal, a célula microbiana precisa estar fornecida de outros elementos, para além dos que obtém a partir dos compostos anteriormente discutidos. A célula tem de incorporar em quantidade igualmente razoável átomos de azoto, fósforo e enxofre, que apesar de poderem ser obtidos da mesma fonte que o carbono, oxigénio e hidrogénio, têm normalmente fontes inorgânicas distintas. Vejamos cada elemento mais detalhadamente. •

Azoto: É necessário na síntese de aminoácidos, purinas e primidinas, alguns glícidos e lípidos, cofactores enzimáticos e outras substâncias. Para ser assimilado, o azoto, tal como os outros dois elementos, deve encontrar-se na forma reduzida, no caso, na forma de NH3 (amónia). O principal destino deste elemento é a sua incorporação em aminoácidos e tal é conseguido através da acção de enzimas como a glutamato desidrogenase, glutamina sintetase (gasto de ATP) – ver reacção 4.1 – ou glutamato sintase. A amónia pode ser obtida por dois processos distintos, a redução assimilatória de nitratos ou a redução e assimilação atmosférica de azoto (N2), usando o sistema da nitrogenase. O primeiro processo é realizado pela maioria dos seres fototróficos e por alguns quimiotróficos, que reduzem o nitrato a amónia, incorporando-a de seguida na redução assimilatória. O segundo processo é realizado por variadas bactérias como as cianobactérias e a bactéria simbiótica Rhizobium.

Reacção 4.1

ATP NH3 + Ácido Glutamico



ADP + Pi Glutamina Glutamina Sintetase

Fósforo: Existe na constituição dos ácidos núcleicos, fosfolípidos, nucleótidos, variados cofactores, proteínas e outros componentes celulares. Quase todos os microorganismos utilizam o fosfato inorgânico como fonte de fósforo, sendo capazes de o integrar directamente no seu interior. A incorporação de fosfato tem sido extensamente estudada nas E. coli, bactérias que conseguem utilizar fosfato orgânico e inorgânico. Alguns organofosfatos como a hexose – 6 – fosfato, são capturados directamente, através da presença de proteínas transportadoras. Outros organofosfatos são muitas vezes hidrolisados no periplasma pela acção da fosfatase alcalina, levando à produção final de fosfato inorgânico, transportado depois através da membrana. Quando existe à disposição da célula

fosfato inorgânico, este atravessa a membrana através de canais proteicos. Esse transporte pode ser de natureza passiva, quando o fosfato se encontra em grandes concentrações, sendo transportado por sistemas Pit, ou de natureza activa, quando as concentrações exteriores de fosfato são baixas, entrando na célula por meio de sistemas de transporte PST (phosphate-specific transport) que apresentam grande afinidade para o fosfato. Os sistemas PST são do tipo ABC, especificados mais abaixo. •

Enxofre: Requerido na síntese de substâncias como os aminoácidos cisteína e metionina, alguns glícidos, biotina e tiamina. Como no caso do azoto, a maioria dos organismos utiliza o enxofre na forma reduzida, obtido a partir de sulfatos, na redução assimilatória de enxofre.

Factores de Crescimento Na presença das fontes dos seus elementos fundamentais como carbono, fósforo, azoto e enxofre e de energia, os microorganismos têm a capacidade de crescer e de se reproduzirem. Os microrganismos possuem as enzimas e as vias metabólicas que necessitam para a síntese dos componentes celulares requeridos para a sua sobrevivência. No entanto, muitos microrganismos não possuem uma ou várias enzimas essenciais, não podendo sintetizar os seus componentes indispensáveis, devendo obtêlos ou aos seus precursores através do ambiente externo. Os compostos orgânicos que não podem ser sintetizados na célula e são essenciais ou percursores de essenciais, são designados de factores de crescimento. Estes englobam-se em três grupos principais, considerados clássicos: 1) aminoácidos – síntese de proteínas, 2) purinas e pirimidinas – síntese de ácidos núcleicos e 3) vitaminas – parte integrante ou os próprios cofactores enzimáticos – que existem em pequenas quantidades. Alguns microorganismos necessitam de mais de uma vitamina como é o caso da Entrococcus faecalis, que precisa de 8 vitaminas diferentes. As bactérias que necessitam de factores de crescimento, já que não têm a capacidade de os sintetizar, são designadas vulgarmente de auxotróficas, enquanto que a Escherichia coli é prototrófica já que é capaz de se desenvolver num meio simples, sendo que a única fonte de carbono é a glicose, pois possui uma maquinaria enzimática muito desenvolvia que lhe permite obter todas as outras substâncias que necessita, a

partir desta. Algumas bactérias têm a capacidade de fornecer factores de crescimento a outras colónias diferentes da sua, como observado na figura abaixo.

Figura 4.1 – Staphylococcus aureus fornece NAD ao Haemophilus influenzae O conhecimento da especificidade dos factores de crescimento permite quantificar a contribuição para o crescimento de determinada substância. Através da realização de uma curva de calibração realizada a partir de diferentes culturas de uma determinada bactéria (pode ser Lactobacillus ou Streptococcus) com diferentes concentrações de factor de crescimento, observa-se o crescimento total da cultura. Assim, para determinar a quantidade de factor de crescimento numa cultura problema, compara-se o valor com os da curva de calibração, através de extrapolação de valores. Estes ensaios de quantificação são simples, sensíveis e específicos, sendo usados em substituição a métodos mais avançados, no caso da biotina e da vitamina B12. Muitos microorganismos são capazes de sintetizar vitaminas, o que tem sido utilizado na indústria. Muitas vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis são obtidas através de fermentações industriais, como é o caso da riboflavina (Cândida, Ashbya), coenzima A (Brevibacterium), vitamina B12 (Pseudomonas), vitamina C (Erwinia), βcaroteno (Dunaliella) e vitamina D (Saccharomyces).

Mecanismos de Transporte de Nutrientes O primeiro passo no uso dos nutrientes é a sua captura pela célula. Este processo deve ser específico, na medida em que nutrientes sem interesse para a célula não devem ser assimilados, o que é conseguido pelo facto de a membrana ser selectiva e ser permeável apenas a alguns tipos de substâncias. Como os microorganismos se encontram normalmente em ambientes com concentrações baixas de nutrientes,

usualmente diluídos, é necessário que estes sejam transportados activamente, isto é, contra o gradiente de concentração. Existem diversos nutrientes que a célula tem de assimilar e já que este é um processo específico, não é de estranhar que a célula possua diversos meios de captura dessas mesmas substâncias. Os mais importantes mecanismos de transporte são a difusão facilitada, o transporte activo e a translocação de grupo, sendo que os dois últimos se realizam com gasto de energia e contra o gradiente de concentração.

Difusão facilitada Algumas substâncias como o glicerol conseguem atravessar a membrana por difusão passiva. Este é o processo no qual as moléculas se movem de uma zona de concentrações mais elevadas para uma zona de concentrações mais baixas, ou seja, a favor do gradiente de concentração. Como demonstrado na figura 4.2, a taxa de difusão é proporcional à diferença de concentrações entre o interior e o exterior da célula e, por isso, à medida que os nutrientes vão entrando, se não forem usados de imediato, essa taxa de difusão diminui, já que a concentração no interior da célula aumenta. Moléculas

Taxa de Difusão

pequenas como H2O, O2 e CO2, atravessam a membrana por este processo simples.

Gradiente de Concentração

Figura 4.2 – Relação entre gradiente de concentração e a taxa de difusão, nos processos de difusão simples e facilitada.

Moléculas maiores como iões e substâncias polares não conseguem atravessar a membrana pelo processo anterior. Ao invés, a taxa de difusão é aumentada pela presença de proteínas transportadores, designadas de permeases, que se encontram integradas na membrana plasmática, sendo este novo processo designado de difusão facilitada. Ao contrário da difusão simples, este mecanismo permite que pequenas diferenças no gradiente de concentração aumentem o transporte de nutrientes. Neste caso, os valores da taxa de transporte e do gradiente de concentração não são proporcionais, sendo que, como observado na figura 4.2, o gráfico atinge um patamar em que o transporte é constante, correspondendo ao momento em que todas as permeases estão saturadas com nutrientes, não aumentado a taxa de transporte, mesmo que se aumente a quantidade de nutrientes disponíveis, o que acontece com gráficos de cinética enzimática. Esta não é a única semelhança com reacções enzimáticas, já que também as permeases são específicas para determinadas substâncias. O que acontece é que assim que o nutriente se liga à parte exterior da proteína, provoca

uma

mudança

de

conformação na mesma, havendo libertação da substância para o interior.

A

proteína

irá

eventualmente regressar à sua conformação inicial, permitindo a captura de novas substâncias, sendo

então

um

processo

Figura 4.3 – Modelo da Difusão Facilitada

reversível. (figura 4.3) Apesar da existência de proteínas de membrana, este processo só é possível na presença de um gradiente de concentração. Assim que este desaparece o transporte cessa, podendo ser mantido, no entanto, no caso dos eucariotas, com a passagem dos nutrientes para outros compartimentos celulares ou, no caso dos procariotas, ser utilizado rapidamente no metabolismo.

Transporte activo Quando os nutrientes já se encontram em concentrações elevadas dentro da célula, apesar da difusão facilitada ser um processo bastante eficiente, este não tem a capacidade de transportar moléculas contra o seu gradiente de concentração. Esta

situação ocorre na maioria das vezes já que, como foi referido, as bactérias encontramse variadas vezes em ambientes muito diluídos. Neste caso, dois processos são vitais, o transporte activo propriamente dito e a translocação de grupo. O transporte activo permite a passagem de nutrientes para um compartimento de concentração superior, tendo, para o efeito, de gastar energia metabólica. Este é um processo em muito semelhante à difusão facilitada, já que faz igualmente uso de permeases, tão especificas quanto as anteriores, diferindo no gasto de energia e na capacidade dos últimos em desenvolverem gradientes de concentração mais definidos. Assim, qualquer inibidor que bloqueie a produção de energia vai igualmente impedir o transporte de substâncias para o interior da célula. Os sistemas de transporte activo são do tipo ABC (ATP-binding cassette), existente nas bactérias, archae e nos eucariotas. Normalmente, estes sistemas são constituídos por dois domínios membranares, hidrofóbicos, associados na sua face citosólica a dois domínios de ligação ao ATP (ver figura 4.4). Os domínios intramembranares formam um poro enquanto que os domínios de ligação do ATP se ligam a este, hidrolizando-o, permitindo então, o transporte da substância. Estes transportadores utilizam ainda proteínas de ligação ao substrato que se localizam no periplasma em bactérias gramnegativas ou que se encontram associadas aos lípidos membranares da face externa das bactérias gram-positivas. As substâncias que entram nas bactérias garm-negativas têm de atravessar a membrana externa antes de passarem pelos transportadores ABC, podendo neste espaço ocorrer outros tipos de transporte activo. Se a molécula for pequena pode ser usada uma porina vulgar como as OmpF enquanto que se a molécula for de maiores dimensões devem passar por meio de porinas especializadas.

Figura 4.4 – Esquema de transportadores ABC

As bactérias podem também dispor de energia para este tipo de transporte, a partir de gradientes protónicos através da membrana. Um exemplo muito estudado é o da permease de lactose da E. coli que transporta uma molécula de lactose para o interior da célula, ao mesmo tempo que um protão entra dentro da célula (este gradiente protónico é conseguido pela actividade da cadeia respiratória – figura 4.5, (1)). Este tipo de transporte em que duas moléculas são transportadas na mesma direcção é designado de simporte. Pensa-se igualmente, que a ligação de um protão a uma proteína transportadora muda a sua forma, aumentando a afinidade para a substância que é cotransportada. A E. coli usa este simporte para transportar aminoácidos e ácidos orgânicos como o succinato e o malato. O gradiente protónico pode ser usado no transporte activo de forma indirecta, quando associado à formação de um gradiente de iões sódio. Por exemplo, o transporte de sódio nas E. coli liberta sódio para o exterior enquanto existe movimento de protões para o interior, transporte designado de antiporte. (figura 4.5, (2)) Este gradiente de sódio formado à custa do movimento de protões é que vai permitir o transporte de glícidos e aminoácidos, já que a sua ligação às proteínas transportadores (figura 4.5, (3)) provoca uma mudança de conformação das

mesmas

fazendo

com

que

as

moléculas se orientem na direcção do interior da célula (figura 4.5, (4)). Como a concentração em sódio no interior é baixa, este irá dissociar-se da proteína, passando para o interior da célula, assim como a molécula a transportar. (figura 4.5, (5))

Figura 4.5 – Transporte activo, usando gradientes de protões e sódio

Muitas vezes os microorganismos possuem mais de um sistema de transporte para o mesmo nutriente, como é mais uma vez o caso da E. coli que possui 5 sistemas de transporte para a galactose, 3 para os aminoácidos leucina e glutamato e 2 para o potássio. A importância desta variedade reside na possibilidade de competição que promove a adaptação a vários ambientes já que podem diferir a nível da afinidade, da energia gasta ou mesmo na regulação. A translocação de grupo é um mecanismo de transporte activo no qual as moléculas a transportar sofrem alterações químicas enquanto são levadas para o interior da célula. O grupo mais estudado é o sistema fosfoenolpiruvato: açúcar fosfotransferase (PTS) que transporta uma grande variedade de açúcares nas células procarióticas através da sua fosforilação usando o fosfoenolpiruvato (PEP) como dador de fósforo, segundo a reacção abaixo: Reacção 4.2 –

PEP + Açúcar (fora célula)  Piruvato + Açúcar – P (dentro célula)

O sistema PTS consiste em duas enzimas, EI e EII e uma proteína de baixo peso molecular, estável ao calor, HPr. F

igura

4.6



Translocação de grupo: o sistema de transporte PTS A HPr e a EI são citoplasmáticas, enquanto que a EII é mais variável na sua estrutura, composta frequentemente por três domínios: EIIA (ou EIII) que é citoplasmática e solúvel, podendo estar ou não ligada ao domínio seguinte consoante o

açúcar que é transportado, a EIIB, hidrofilica, mas frequentemente associada ao terceiro domínio e EIIC, uma proteína hidrofóbica inserida na membrana. O processo de transporte, exemplificado na figura 4.6, consiste na passagem de um fósforo altamente energético, do fosfoenolpiruvato, com auxílio da EI e da HPr, para a EII, através dos seus domínios hidrofílicos (1). Assim, a molécula de açúcar atravessa a membrana através do domínio EIIC (2), sendo depois fosforilada pelo domínio EIIB (3). A enzima EII é específica para alguns açúcares variando em cada sistema PTS, enquanto que a enzima EI e a proteína HPr são comuns a todos os sistemas PTS. Este sistema está largamente distribuído nos procariotas, à excepção de alguns Bacillus que possuem o sistema PTS e ainda o glicolítico, enquanto que algumas bactérias aeróbias parecem não apresentar PTS. As famílias Escherichia (as E. coli transportam glicose, frutose, manitol, sacarose e outros por este mecanismo), Salmonella, Staphylococcus e outras bactérias anaeróbias facultativas possuem estes sistemas, assim como algumas aeróbias obrigatórias. Estas proteínas do sistema fosfoenolpiruvato: açúcar fosfotransferase actuam também como quimioreceptores para a quimiotaxia.

Transporte do ferro A assimilação de ferro nos microorganismos está dificultada, já que o ião férrico (Fe3+) e os seus derivados são extremamente insolúveis, o que o torna pouco disponível para ser capturado. Assim, os microorganismos (bactérias e fungos) desenvolveram mecanismos de assimilação de ferro, através da secreção de sideróforos – moléculas de baixo peso molecular que são capazes de complexar o ferro férrico, provendo a célula com esse ião. Estas moléculas podem ser hidroxamatos ou fenolatos-catecolatos. Muitos fungos produzem ferricromo (figura 4.7, (a)), um hidroxamato, enquanto que as E. coli produzem um catecolamato designado de enterobactina. (figura 4.7, (b)) Pensa-se que cada ião ferro é complexado por três sideróforos formando um complexo octaédrico (figura 4.7, (c)) (número de coordenação igual a seis). Assim que o complexo ferro-sideróforo atinge a superfície da célula liga-se ao seu receptor podendo ser transportado inteiramente para o interior da célula por transportadores do tipo ABC ou libertar o ferro directamente. Nas E. Coli o ião ferro libertado no espaço periplasmático é transportado pela membrana com auxílio de um

transportador. Após entrar na célula é reduzido à sua forma ferrosa (Fe2+) para ser incorporado em citocromos e enzimas. O ferro é tão importante para a célula que podem existir vários meios de aquisição de maneira a que a célula seja abastecida

de

acordo

coma

s

suas

necessidades.

Figura 4.7 – Sideróforos: (a) Ferricromo – evidenciado o grupo hidroxamato; (b) Enterobactina – evidenciado o grupo catecol; (c) Complexo Ferro-Enterobactina

Meios de Cultura Os estudos de microbiologia dependem largamente na habilidade para crescer e manter os microorganismos em laboratório, o que apenas é possível quando existem meios de cultura apropriados. Um meio de cultura pode ser definido como uma preparação líquida ou sólida usada para o crescimento, transporte e preservação de microorganismos em laboratório. Para ser efectivo deve conter os nutrientes necessários ao crescimento do microorganismo em questão, sendo que meios específicos são bastante importantes para a identificação, isolamento e estudos acerca de um determinado microorganismo. O conhecimento de habitat de uma bactéria permite a aproximação da constituição do respectivo meio de cultura.

Classificação dos meios de cultura quanto à composição •

Meios sintéticos: estes meios são quimicamente definidos, já que todos os seus componentes são conhecidos. São usados em culturas de microorganismos fotolitoautotróficos que conseguem crescer em meios relativamente simples contendo CO2 como fonte de carbono (sob a forma de Na2CO3 ou HCO3-), nitrato ou amónia como fonte de azoto, sulfato, fosfato e outros minerais.

(tabela 4.4) Alguns organismos quimioorganoheterotróficas podem crescer em meios constituídos apenas por glicose como fonte de carbono e sais de amónia como fonte de azoto.

Meio de Cultura Sintético Substância Glucose NH4PO4

Função Fonte Carbono e Energia Fonte de Azoto; Tampão

Quantidade (grama) 1 5

K2HPO4

Fonte de Fósforo; Tampão

1

Sal Inorgânico

5

NaCl MgSO4.7H2O

Fonte de Magnésio e Enxofre

0,2

Água destilada

Solvente; Fonte de Hidrogénio

1000 mL

Tabela 4.4 – Exemplo de um meio de cultura sintético •

Meios complexos: ao contrário dos meios sintéticos, estes são constituídos por substâncias acerca das quais não se conhece a composição química exacta. Entre elas encontram-se as peptonas – fracções de proteínas hidrolisadas, contendo, por isso, aminoácidos e péptidos, resultante da digestão proteolítica de fontes de proteínas, extractos de carne – contêm aminoácidos, nucleótidos, minerais, vitaminas e extractos de leveduras – fontes de vitamina B assim como de compostos carbonados e nitrogenados. Os meios complexos mais comuns são o caldo nutritivo (tabela 4.5), o caldo de soja triptica e o agar de MacConkey (tabela 4.6).

Caldo Nutritivo Vulgar Substância Extracto de carne Peptona

Função Fonte de péptidos, glícidos e vitaminas

Quantidade (grama) 3

Fonte de péptidos e aminoácidos

5

NaCl

Mantém equilíbrio osmótico

5

Água

Solvente; Fonte de Hidrogénio

Tabela 4.5 – Constituição de um caldo nutritivo vulgar

1000 mL



Meios enriquecidos: meios aos quais são adicionados sangue ou soro e outras substâncias nutritivas, cujo objectivo é promoverem o desenvolvimento de bactérias com crescimento lento.

Classificação dos meios de cultura quanto ao estado físico Os meios podem ser classificados como líquidos, sólidos ou semi-sólidos. Quando se deseja um meio sólido, um meio líquido pode ser solidificado através da adição de agar – polímero sulfatado composto principalmente por D-galactose, 3,6-anidro-Lgalactose e ácido D-glucorónico, extraído das algas vermelhas – usando-se normalmente agar a 1,5%. O agar é muito popular para este fim, pois após ter sido fundido em água fervida pode ser arrefecido sem endurecer até aos 40º C. É também um bom agente endurecedor pois não é degradado pela maioria das bactérias. Para solidificação pode usar-se igualmente sílica gel para o crescimento de bactérias autotróficas em meios sem substâncias orgânicas ou para determinar as fontes de carbono de seres heterotróficos em meios com diferentes substâncias orgânicas. Para

meios

semi-sólidos

acrescentam-se

menores

quantidades

de

agar,

normalmente, agar a 7%.

Classificação dos meios de cultura quanto à função •

Meios selectivos: Como o próprio nome indica, estes meios promovem o crescimento de uma espécie específica. Por exemplo, os sais biliares ou corantes como a fucsína e o cristal violeta inibem o crescimento das bactérias gram-positivas, não afectando, no entanto, o desenvolvimento das gramnegativas. Vários tipos de agar são utilizados na detecção das E. coli e outras bactérias relacionadas contendo substâncias que inibem o crescimento de bactérias gram-positivas. Esta selectividade também pode ser conseguida usando nutrientes que determinada cultura metaboliza, como o caso da celulose, usada no isolamento de bactérias que digerem celulose.



Meios diferencias: estes são meios que permitem a distinção entre diferentes tipos de bactérias, permitindo identificar determinado microorganismo de acordo com as suas características biológicas. O agar sanguíneo é simultaneamente um meio enriquecedor e diferencial. Permite a distinção entre bactérias hemolíticas ou não hemolíticas. As primeiras produzem zonas limpas à

volta das suas colónias, resultando na destruição das hemácias (figura 4.8). Por seu turno o agar de MacConkey (tabela 4.6) é ao mesmo tempo um meio diferencial e selectivo. Como contém

lactose,

as

colónias

que

fermentam a lactose surgem rosadas – também podem ser identificadas com indicador de pH (ácido láctico) – podendo ser distinguidas facilmente das restantes colónias, já a presença de sais biliares confere-lhe características

Figura 4.8 – Cultura de Streptococcus βhemolíticos

de um meio selectivo.

Agar MacConkey Substância Digesto pancreático de gelatina

Função Fonte péptidos e aminoácidos

Quantidade (grama) 17

Digesto pancreático de caseína

Fonte péptidos e aminoácidos

1,5

Fonte péptidos, vitaminas e nucleótidos

1,5

Indicador diferencial

10

Inibidor gram-positivas

1,5

Digesto de carne animal Lactose Sais biliares NaCl Vermelho neutro Cristal violeta Agar Água destilada

Mantém equílibrio osmótico

5

Indicador pH

0,03

Inibidor gram-positivas

0,001

Agente solidificante Solvente; Fonte de Hidrogénio

14 1000 mL

Tabela 4.6 – Constituição do Agar de MacConkey

Isolamento de culturas puras No meio natural, as bactérias crescem em populações complexas e misturadas, contendo várias espécies diferentes. Para o estudo de uma cultura individual é fundamental que essa espécie esteja isolada das restantes, isto é, uma cultura pura. As técnicas de purificação são de grande importância, pois muitos agentes patogénicos

causadores das principais doenças bacterianas humanas foram isolados, o que permitiu o estudo aprofundado dessas culturas específicas.

Placas de cultura espalhadas Quando as culturas estão suficientemente espalhadas numa superfície de agar que permita que todas as células cresçam em colónias completamente separadas, cada colónia representa uma cultura pura. A chamada cultura espalhada é uma maneira fácil e simples de obter culturas puras (figura 4.9). São conseguidas através da transferência de um pequeno volume (deve conter entre 30 e 300 células) de uma solução diluída (figura 4.9, (2)), de uma mistura microbiana, para o centro de uma placa de agar, sendo depois espalhada igualmente em toda a sua dimensão (figura 4.9, (4)), com uma ansa esterilizada (figura 4.9, (3)). As células dispersas na placa irão desenvolver-se me colónias separadas, podendo ser usada para a contagem da população microbiana.

Figura 4.9 – Técnica das placas de cultura espalhadas

Placas de cultura: método das estrias Nesta técnica, a mistura microbiana é transferida para uma caixa de petri, coberta de agar, com uma ansa esterilizada, desenhando bandas na superfície, com diversos padrões. Durante o processo, células isoladas, libertadas durante a dispersão da mistura, irão desenvolver-se em colónias separadas (figura 4.10). Em ambos os processos descritos, o sucesso do

Figura 4.10 – Colónias bacterianas

isolamento depende da distância entre as células.

em agar, fixadas pelo método das placas de cultura em bandas

Culturas em placas inoculadas

É uma técnica usada largamente em colónias de bactérias e fungos. A amostra original é diluída várias vezes (de acordo com a figura 4.11), de maneira a reduzir a população microbiana para obter colónias separadas quando colocadas na placa. Pequenos volumes das amostras diluídas são misturadas com agar liquido, arrefecido aproximadamente aos 45º C, sendo vertidas directamente para caixas de petri estéreis. Após o endurecimento do agar, cada célula é fixada e forma uma colónia individual. As placas que contêm entre 30 a 300 colónias são contadas.

Figura 4.11 – Técnica das placas estéreis

Morfologia e crescimento das colónias As diferentes formas e tamanho das colónias (figura 4.12), permitem a sua identificação de uma maneira simples mesmo quando existem diversas

colónias

na

mesma

cultura, servindo igualmente para o seu isolamento. No ambiente natural, muitas bactérias e fungos parecem crescer em biofilmes, podendo, no entanto, formar colónias discretas.

Figura 4.12 – Morfologia de Colónias Bacterianas

Normalmente, o crescimento mais rápido das células ocorre na periferia da colónia podendo mesmo ocorrer autólise nas antigas porções centrais das colónias. Estas diferenças de velocidade estão relacionadas com os gradientes de nutrientes, oxigénio e os próprios produtos tóxicos produzidos pelas colónias. Assim, à periferia existem quantidades perfeitas de oxigénio e nutrientes, enquanto que no centro, que é mais denso, a difusão está dificultada, assim como a eliminação

de

produtos

tóxicos

levando

ao

afrouxamento ou mesmo paragem do crescimento no centro da colónia. As bactérias a crescer me meios sólidos de agar podem formar colónias de formas complexas. Esses padrões dependem da disponibilidade dos nutrientes e da dureza da superfície. Ainda é desconhecido o mecanismo exacto da formação de tão distintos padrões, no entanto julga-se estar relacionado com a concentração de nutrientes, a quimiotaxia bacteriana e mesmo a presença de liquido à superfície da

Figura 4.13 – Exemplos de colónias de Bacillus subtillis

colónia, assim como a comunicação celular.

Bibliografia usada para a aula nº 4: Slides das Teóricas Prescott, Harley, and Klein’s MICROBIOLOGY, de Joanne M. Willey, Linda M. Sherwood e Christopher J. Woolverton, Edição Internacional – 5ª edição, McGrawHill, Cap. 5

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