Prof: Rafael Ottati /
[email protected] Poema Brasileiro Ferreira Gullar
Aula 1
Data: 23/02/2019
SONETO 130 William Shakespeare
No Piauí de cada 100 crianças que nascem Os olhos de minha amada não são como o sol; 78 morrem antes de completar 8 anos de idade Seus lábios são menos rubros que o coral; Se a neve é branca, seus seios são escuros; No Piauí S’os cabelos são de ouro,negros fios cobremde cada 100 crianças que nascem [lhe a cabeça 78 morrem antes de completar 8 anos de idade Já vi rosas adamascadas, vermelhas e brancas, Mas jamais vi essas cores em seu rosto; No Piauí E alguns perfumes me dão mais prazer de cada 100 crianças Do que o hálito da minha amada. que nascem Amo-a quando ela fala, embora eu bem saiba 78 morrem Que a música tenha um som muito mais antes [agradável. de completar Confesso nunca ter visto uma deusa passar – 8 anos de idade Minha senhora, quando caminha, pisa no [chão. antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade Mesmo assim, eu juro, minha amada é tão antes de completar 8 anos de idade [rara antes de completar 8 anos de idade Que torna falsa toda e qualquer comparação.
Metáfora Gilberto Gil
O Chanceler Abstêmio Bertold Brecht
Uma lata existe para conter algo Mas quando o poeta diz: "Lata" Pode estar querendo dizer o incontível
Eu soube que o Chanceler não bebe Não come carne e não fuma E mora em uma casa pequena. Mas também soube que os pobres Passam fome e morrem na miséria. Bem melhor seria um Estado em que se dissesse: O Chanceler está sempre bêbado nas reuniões Observando a fumaça de seus cachimbos Alguns iletrados mudam as leis Pobres não há.
Uma meta existe para ser um alvo Mas quando o poeta diz: "Meta" Pode estar querendo dizer o inatingível Por isso, não se meta a exigir do poeta Que determine o conteúdo em sua lata Na lata do poeta tudonada cabe Pois ao poeta cabe fazer Com que na lata venha caber O incabível Deixe a meta do poeta, não discuta Deixe a sua meta fora da disputa Meta dentro e fora, lata absoluta Deixe-a simplesmente metáfora
Sem título Paulo Leminski lua à vista brilhavas assim sobre auschwitz?
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Aula 1
Data: 23/02/2019
Depressa a vida passa Marcelo Diniz
Garoa do Meu São Paulo Mário de Andrade
Depressa, a vida passa, mal se sente e tudo já parece diferente: o que doeu um dia hoje é dormente, o amanhã não se lembra do presente;
Garoa do meu São Paulo, - Timbre triste de martírios Um negro vem vindo, é branco! Só bem perto fica negro, Passa e torna a ficar branco. Meu São Paulo da garoa, - Londres das neblinas finas Um pobre vem vindo, é rico! Só bem perto fica pobre, Passa e torna a ficar rico. Garoa do meu São Paulo, Costureira de malditos Vem um rico, vem um branco, São sempre brancos e ricos... Garoa, sai dos meus olhos
e mal tudo é passado, o mais recente recomeça a tecer o recorrente: a cada ruga tudo é mais ausente, o tempo foge e sempre leva a gente; fascina como a infância é inocente: eterno no vigor do adolescente, no idoso, ainda crepita o sol poente; fascina como tudo é transparente: depressa, a vida passa e, de repente, desfaz-se, n'água, a face que a ressente.
PACTO Maria Esther Maciel
rascunho Ana Claudia Abrantes
Daquele que amo quero o nome, a fome e a memória. Quero o agora. O dentro e o fora, o passado e o futuro. Quero tudo: o que falta e o que sobra o óbvio e o absurdo.
tento me sublinhar, mas vivo me rasurando.
Noite Carioca Ana C Diálogo de surdos, não: amistoso no frio. Atravanco na contramão. Suspiros no contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta do mundo: essa que não tem nenhum segredo.
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Aula 1
Data: 23/02/2019
A MULHER DE LOT Wislawa Szymborska Dizem que olhei para trás de curiosa. Mas quem sabe eu também tinha outras [razões. Olhei para trás de pena pela tigela de prata. Por distração – amarrando a tira da sandália. Para não olhar mais para a nuca virtuosa do meu marido Lot. Pela súbita certeza de que se eu morresse ele nem diminuiria o passo. Pela desobediência dos mansos. Alerta à perseguição. Afetada pelo silêncio na esperança de Deus ter mudado de ideia. Nossas duas filhas já sumiam para lá do cimo do [morro. Senti em mim a velhice. O afastamento. A futilidade da errância. Sonolência. Olhei para trás enquanto punha a trouxa no [chão. Olhei para trás por receio de onde pisar. No meu caminho surgiram serpentes, aranhas, ratos silvestres e filhotes de abutres. Já não eram bons nem maus – simplesmente [tudo que vivia serpenteava ou pulava em pânico consorte. Olhei para trás de solidão. De vergonha de fugir às escondidas. De vontade de gritar, de voltar.
Ou foi só quando um vento bateu, despenteou meu cabelo e levantou meu [vestido. Tive a impressão de que me viam dos muros de [Sodoma e caíam na risada, uma vez, outra vez. Olhei para trás de raiva. Para me saciar de sua enorme ruína. Olhei para trás por todas as razões [mencionadas acima. Olhei para trás sem querer. Foi somente uma rocha que virou, roncando [sob meus pés. Foi uma fenda que de súbito me podou o passo. Na beira trotava um hamster apoiado nas duas [patas. E foi então que ambos olhamos para trás. Não, não. Eu continuava correndo, me arrastava e levantava, enquanto a escuridão não caiu do céu e com ela o cascalho ardente e as aves mortas. Sem poder respirar, rodopiei várias vezes. Se alguém me visse, por certo acharia que eu [dançava. É concebível que meus olhos estivessem [abertos. É possível que ao cair meu rosto fitasse a [cidade.
QUESTÕES 1) De qual poema(s) acima você mais gostou? 2) De qual poema(s) acima você menos gostou? Justifique ambas as respostas. 3) Há algum poema acima que, na sua opinião, não deveria ser chamado de poesia? Justifique sua resposta, seja afirmativa ou negativa.
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