FUNDAÇÃO DE ENSINO SUPERIO DE OLINDA - FUNESO A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA VISÃO SÓCIO- INTERACIONISTA DE VYGOTSKY
Carolina Cristina Batista Calumbi Izabel de Carvalho H. Barbosa Joselane Tiburtino Chicó RESUMO O estudo desse artigo visa destacar a importância da aquisição da linguagem numa perspectiva sócio-interacionista, com base nos fundamentos de Vygotsky, o qual considera o ser humano como essencialmente social e histórico, nas relações com os outros homens, e em constante interação social e troca comunicativa. Dentro desse pressuposto e intermediada pela linguagem é que a criança vai se humanizando, isto é, adquirindo conhecimento do mundo e de si própria. Palavra-chave: Sócio-Interacionismo; Desenvolvimento; Linguagem; Pensamento.
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO
A linguagem intervém no processo de desenvolvimento da criança desde o nascimento. Decorrente de sua interação com o mundo, a criança, gradativamente, vai apropriando-se da linguagem em suas relações com os objetos e com o outro, quer seja criança ou adulto. A aquisição da linguagem representa uma questão fundamental na Teoria Lingüística e no estudo da Cognição Humana. O estudo da aquisição da linguagem objetiva explicitar a forma como a pessoa parte de um estado no qual não possui qualquer forma de expressão verbal sem a necessidade de aprendizagem formal, incorpora a língua de sua comunidade nos primeiros anos de vida, adquirindo um modo de expressão e de interação social dela dependente. Vygotsky considera a linguagem como constituidora das funções mentais superiores sendo que o conhecimento é adquirido nas relações entre as pessoas através da linguagem e da interação social, acredita que é no significado da palavra que o sujeito encontra as repostas referentes às questões sobre pensamento e fala. A fim de obtermos um maior esclarecimento sobre questões relacionadas à aquisição da linguagem pela criança, buscou-se por base à teoria sócio– interacionista de Vygotsky.
2 Vygotsky: uma breve história
Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 05 de novembro de 1896 na BieloRússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser Bielo-Rússia. Nasceu no mesmo ano que Piaget, mas viveu muitíssimo menos que este, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar 38 anos. Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de atividade cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história. As principais obras de Vygotsky traduzidas para o português são "A formação social da mente", "Psicologia e pedagogia" e "Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem", “A Construção do Pensamento e Linguagem” (obra completa), “Teoria e Método em Psicologia”, “Psicologia Pedagógica”. Vygotsky morreu em 1934, e sua obra permaneceu desconhecida no Ocidente até os anos 60, principalmente por razões políticas. Teve dois artigos publicados em periódicos americanos nos anos 30, e apenas em 1962 saiu nos Estados Unidos o livro Pensamento e Linguagem. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e Sakharov, entre outros, apresenta-nos conceitos importantes. Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em meio social, e também o desenvolvimento do pensamento e da linguagem.
3 As Abordagens Teóricas em aquisição da Linguagem
As primeiras pesquisas sobre aquisição da Linguagem foram realizadas entre 1876 e 1926 e preocupavam-se em observar o surgimento e o desenvolvimento da linguagem nas crianças. Esses estudos iniciais eram baseados em diários elaborados por lingüistas e filólogos a partir do registro da fala espontânea dos próprios filhos. Esses diários tinham como objetivo registrar o que as crianças faziam com relação à linguagem, a partir de uma observação constante configurando, assim, pesquisas longitudinais. Eram trabalhos descritivos e relativamente intuitivos, pois os pesquisadores não sabiam ainda ao certo o que estavam procurando. Por volta de 1926 – 1957 se deram o período dos estudos de grandes amostras, quando cresceu significativamente o número de pesquisas sobre aquisição da linguagem. Esses estudos eram baseados na observação sistemática de vários sujeitos, objetivando descrever o que é o comportamento normal em aquisição da linguagem. Essas observações de grandes grupos perdiam, no entanto desenvolvimentos individuais importantes. Segundo
a
visão teórica
Behaviorista
(Skinner),
que
assumia
que
aprendizagem de uma língua se dava pela exposição ao meio e em decorrência da imitação e do reforço. O ponto de vista teórico Behaviorista defendia que o ser humano aprende por condicionamento, assim como qualquer outro animal, porém, como pondera Matzenauer (2004), se uma criança adquiri uma língua por imitação, como se explicaria o fato de formar frases ou palavras que nunca ouviu? A partir do fim da década de 50, os estudos de Noam Chomsky impulsionam os trabalhos em aquisição da linguagem, com base na posição assumida de que a linguagem é inata. Para o pesquisador, a linguagem é uma notação genética do ser
humano. Segundo a teoria inatista o ser humano vem “equipado” como uma gramática universal. A criança nasce pré-programada para adquirir a linguagem e é capaz de, a partir da exposição à fala, construir suas hipóteses sobre a língua a que está imersa. Ela vai apenas moldando-se às especificidades da sua língua. “A visão cognitivista construtivista (Piaget) entende a aquisição da linguagem como dependente do desenvolvimento da inteligência da criança. Sob esse ponto de vista, a linguagem surge quando a criança desenvolve a função simbólica. É necessária a mediação do outro entre a criança e o mundo” (SCARPA, 2003), porém a criança não espera passivamente o conhecimento, mas constrói tal conhecimento a partir das relações estabelecidas através dessa mediação. A visão interacionista social (Vygotsky) considera os fatores sociais, comunicativos e culturais para aquisição da linguagem, estudando as características da fala dos adultos. Segundo esse ponto de vista teórico a interação social e a troca comunicativa são pré-requisitos básicos para aquisição da linguagem. Nessa perspectiva, a linguagem é atividade constitutiva do conhecimento de mundo e a criança se constrói como sujeito. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.
4 0 Sócio-Interacionismo de Vygotsky
Na teoria sócio-interacionista que teve em Vygotsky seu maior expoente, uma nova abordagem fica evidenciada. Seus pressupostos partem da idéia de homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social e enquanto participante de um processo histórico cultural.
Essa nova abordagem pode ser assim resumida: Privilegia o ambiente social; O desenvolvimento varia conforme o ambiente; Não aceita uma visão única e universal do desenvolvimento humano; A relação homem / mundo é uma relação mediada por instrumentos (símbolos); Desenvolvimento e aprendizagem são processos que se influenciam reciprocamente; quanto mais aprendizagem mais desenvolvimento; A linguagem tem uma função central no desenvolvimento cognitivo, com a aquisição da linguagem modificam-se todos os processos mentais; a linguagem é fator de interação social.
O uso dos signos como instrumentos das atividades
psicológicas, transforma as funções mentais elementares (ações reflexas; reações automatizadas) controladas;
em
atenção
processos voluntária;
mentais
superiores
memorização
(ações
ativa;
conscientemente
pensamento
abstrato;
comportamento). Intencional (capacidade para solução de problemas). O indivíduo percebe e organiza o real através dos dados fornecidos pela cultura. Os sistemas de representação e a linguagem constituem os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo. Toda forma superior de comportamento aparece duas vezes durante seu desenvolvimento: primeiro como forma coletiva, como um procedimento externo do comportamento, isto é, interpsicológica, para depois se converter em individual, em uma forma de comportamento da própria pessoa, isto é, intrapsicológica. Este processo de interiorização implica uma verdadeira reconstrução daquilo que em princípio foi manifestado em nível externo. Dessa forma, o desenvolvimento cultural da criança tem origem social, em duplo sentido (WERTSCH, 1988, In Coll
1996:28). É evidente para Vygotsky a idéia de que o indivíduo reconstrói e reelabora os significados transmitidos pelo seu grupo cultural Através dos postulados de reconstrução e reelaboração dos significados culturais que Vygotsky desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), pois, só é possível à criança realizar ações que estão próximas daquelas que ela já consolidou. Segundo Vygotsky,
a ZDP constitui-se em dois níveis: o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. A capacidade de realizar tarefa sozinha constitui-se no nível de desenvolvimento real, enquanto que o nível de desenvolvimento potencial é a etapa em que a criança desempenha tarefas com a ajuda do outro. "Essa possibilidade de alteração de desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky. Em primeiro lugar porque representa, de fato, um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda do outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, não antes". (OlLIVEIRA, 1993:59).
O nível de desenvolvimento potencial caracteriza-se, portanto em uma etapa na qual a interferência do outro, afeta significativamente o resultado da ação individual. A vivência em sociedade, para Vygotsky, é essencial para a transformação do homem biológico em ser humano. É pela aprendizagem nas relações com os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental. A criança nasce dotada apenas de funções psicológicas elementares, como os
reflexos e a atenção involuntária. Com o aprendizado cultural, no entanto, parte destas funções básicas transforma-se em funções psicológicas superiores, como a consciência, o planejamento e a deliberação, características exclusivas do homem. Isso não significa que o indivíduo seja como o espelho, apenas refletindo o que aprende. As informações intermediadas são reelaboradas numa espécie de linguagem interna. É isso que caracterizará a individualidade. Por isso a linguagem é duplamente importante para Vygotsky. Além de ser o principal instrumento de mediação do conhecimento entre os seres humanos, ela tem relação direta com o próprio desenvolvimento psicológico. Nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os mediadores
5 Desenvolvimento do pensamento e da linguagem
No que diz respeito ao papel da linguagem no desenvolvimento e a relação de linguagem e pensamento Vergnaud, (1993) “expõe que para Vygotsky a linguagem é instrumento constitutivo do pensamento”. Ela é entendida como sistema simbólico que tem como funções o intercambio social, ou seria a comunicação entre os indivíduos, o que permite a transmissão, preservação e assimilação de informações e experiências acumuladas pelo homem ao longo de sua historia e o pensamento generalizante que seria a classificação dos objetos, ordenando o real por meio de conceitos, tornando a linguagem elemento constitutivo do pensamento. Além de regular a própria conduta e a do outro, a linguagem permite lidar com o mundo físico e social e planejar nossas próprias ações.
Para Vygotsky (1934/2001) pensamento e linguagem estão atrelados, um não acontece sem o outro, embora possuam trajetórias distintas até que ocorra uma ligação entre eles. Assim a principio, na fase pré-verbal na aquisição da linguagem, o pensamento e a linguagem independem um do outro: As crianças pequenas e os animais partem de uma inteligência prática, ou seja, utiliza-se de instrumentos como mediados entre eles e o mundo, e não signos. Por volta dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a fala de uma forma intelectualizada com a função simbólica generalizante. O pensamento torna-se verbal e a fala intelectual, unindo as duas trajetórias, possibilitando a comunicação, organizada agora via sistema de signos. É no significado da palavra que fala e pensamento se unem em pensamento verbal; é o significado que possibilita a comunicação entre os usuários da linguagem. Segundo Vygotsky o desenvolvimento ocorre do social para o individual, da fala social para a fala interior, ou seja, o sujeito internaliza a linguagem utilizada em sua sociedade, para isso passa pela fala egocêntrica e culmina com a fala interior. Assim, a linguagem, como instrumento do pensamento, evidencia o modo pelo qual se interiorizam os padrões de comportamento fornecido pelo seu grupo cultural. A linguagem é, antes de tudo, social. Portanto, sua função inicial é a comunicação,
expressão
e
compreensão.
Essa
função
comunicativa
está
estreitamente combinada com o pensamento. A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interação social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento. Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.
A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo ao pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge à chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesmo, em voz baixa, enquanto está concentrado em alguma atividade. Esta fala, além de acompanhar a atividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para a tarefa durante a atividade na qual a criança está entretida (Ribeiro, 2005). Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no livro Pensamento e Linguagem (1998), do mesmo autor, é o fato de que, por volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de comportamento. O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso interior. Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interação social, qualquer fator que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o cotidiano dos educadores, em que eles podem detectar possíveis deficiências no processo de socialização da criança. (Ribeiro, 2005) O discurso interior é quando as palavras passam a ser pensada, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e
resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de idéias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um pensamento. O pensamento não coincide de forma exata com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma frase ou em um discurso. Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos, nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e no nosso pensamento. (Vygotsky 1998).
6 Considerações Finais
A linguagem é duplamente importante para Vygotsky. Além de ser o principal instrumento de mediação do conhecimento entre os seres humanos, ela tem relação direta com o próprio desenvolvimento psicológico. Nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os mediadores. A incorporação do pensamento de Vygotsky em uma teoria da aquisição da linguagem o sócio-interacionismo buscou incorporar o papel atribuído à língua,
entidade que, por ser socialmente compartilhada, ao mesmo tempo em que é instrumental na aquisição do conhecimento, introduz a criança no curso de um desenvolvimento sócio-historico. A função primaria da linguagem é então comunicar, relacionar socialmente, influenciar os circundantes, tanto adultos, quanto crianças. Assim sendo a linguagem primordial da criança é social. A linguagem também é plurifuncional desenvolve-se a partir da diferenciação da linguagem egocêntrica e linguagem comunicativa, ambas sendo igualmente sociais e diferentemente dirigidas. A Linguagem interior da criança é à base do seu pensamento tanto autístico quanto lógico. Desse modo compreendemos que a linguagem da criança se desenvolveria nessa linha: Linguagem Social - Linguagem Egocêntrica - Linguagem Interior. Ou expressa de outro modo poderia ser Linguagem Exterior – Cochicho - Linguagem Interior. Neste processo de mudança na linguagem exterior para interior, ela vai do social para individual. É este ponto central que Vygotsky crítica o conceito de egocentrismo de Piaget. Em síntese, o domínio da fala, que é um atributo do ser humano, permite a criança: a utilização de instrumentos auxiliares o planejamento da ação; o controle do seu próprio comportamento e ainda possibilita-lhe o acesso a uma forma de contato social privilegiada. Sendo assim, deduzimos, que se a linguagem é matéria do pensamento e também o elemento da comunicação social pode-se afirmar que não há sociedade sem comunicação e conseqüentemente, sem linguagem.
Referências
OLIVEIRA, Marta Kohl de, Vygotsky – aprendizado e desenvolvimento em processo sócio-histórico. Ed. Scipione, 1993 PALANGANA, Isilda Companer, Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky. ( A relevância social). ED. Plexus, 1998. Revista Educação Cultural V. Nº 2 (2006) hhttp://www.wikpedia.com.br/ aquisição_ da_ linguagem 12/07/08 http://www.apaesalvador.org.br/cursos/um-olhar-sobre-a-aquisicao-da-linguagem-esua-relacao-com-o-desenvolvimento 12/07/08